Musicalidade Clinica em Musicoterapia Um Estudo TR
Musicalidade Clinica em Musicoterapia Um Estudo TR
Musicalidade Clinica em Musicoterapia Um Estudo TR
discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/267770857
Article
CITATIONS READS
3 447
4 authors, including:
All content following this page was uploaded by Clara Márcia Piazzetta on 30 July 2015.
1
Clara Márcia de Freitas Piazzetta: Mestre em Música pela Universidade Federal de Goiás (Linha de Pesquisa –
Musicoterapia: convergências e aplicabilidades); Musicoterapeuta Clínica; Graduada em Musicoterapia pela Faculdade
de Artes do Paraná em 1988. clara.marcia@gmail.com
2
Leomara Craveiro de Sá: Doutora em Comunicação e Semiótica – PUC/SP; Musicoterapeuta Clínica; Especialista em
Psicologia Transpessoal; Docente no Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Música e Artes Cênicas da
Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Atendimentos em Musicoterapia –
NEPAM/CNPq. leomara.craveiro@gmail.com
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 2
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
INTRODUÇÃO
2
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 3
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
3
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 4
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
Nordoff & Clive Robbins (1977) existe uma “music child 3” em cada pessoa, que é parte
do seu self ’ e ao responder “à experiência musical, encontra significado e interesse”
(NORDOFF & ROBBINS,1977, p.1). Essa musicalidade individual, “existe em toda
criança (antes de nascer), independente das dificuldades, e reflete uma sensibilidade
universal para a música e seus vários elementos” (ROBBINS & ROBBINS, In BRUSCIA,
1991, p.57). Esse termo, assim, “denota uma organização das capacidades receptivas,
cognitivas e expressivas que podem ser o ponto central da organização da personalidade”
(NORDOFF & ROBBINS, 1977, p.2).
A abordagem Nordoff & Robbins está diretamente ligada, em sua origem, às idéias
de Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, e às idéias de Abraham Maslow, um dos
fundadores da Psicologia Humanista. As concepções de Música, defendidas por Victor
Zuckerkandl (1973, 1976), também embasam esta abordagem (QUEIROZ, 2003; AIGEN,
2005). Assim, como no método criado por Helen Bonny, Bonny Method - Guided Imagery
and Music (GIM), a música é concebida como algo importante, significativo e constitutivo
de cada pessoa, sendo que a relação terapêutica acontece nas experiências musicais:
‘música como terapia’ (BRUSCIA apud RUUD,1998, p.69).
Assim, musicalidade, vista como inata e constitutiva de cada pessoa pela Nordoff &
Robbins, é inserida no contexto de níveis de habilidades por Bruscia (2000). A diversidade
de experiências musicais gera variações na musicalidade “de acordo com a natureza do
estímulo musical assim como a natureza da resposta do cliente” (ibid, p.115).
Essa busca pelo equilíbrio entre o poder da música e a relação terapêutica
potencializou um dos marcos do crescimento da Musicoterapia como área de
conhecimento por ocasião da realização do Second World Symposium on Music Therapy,
“Music in the Life of Man”, na New York University (1982). Como tópico central, o
questionamento: “O que é único sobre a experiência com música que a torna importante
para terapia?” Os musicoterapeutas de vários países, ali reunidos, chegaram à seguinte
conclusão: “os princípios da Musicoterapia tanto podem ser formulados pelo apoio de
outras abordagens filosóficas e científicas como por uma teoria própria da Musicoterapia”
(BRANDALISE, 2001, p. 28).
Acompanhando, de modo muito resumido, o lugar da musicalidade nessa ampla
história do desenvolvimento da Musicoterapia, através dos escritos de alguns de seus
3
Esse conceito usado pela Nordoff & Robbins “denota uma organização da capacidade receptiva, expressiva e cognitiva
da criança que pode tornar-se fundamental na organização da personalidade” (NORDOFF & ROBBNS, 1977, p.1).
4
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 5
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
pensadores, é possível perceber que ela se estrutura tanto nas correntes positivistas da
ciência, como em outros pensamentos, numa busca por outros caminhos.
Pensar a musicalidade como um importante elemento na Musicoterapia vem, assim,
acontecendo de modo gradativo e, aos poucos, está se incorporando à construção do corpo
teórico da Musicoterapia, influenciada principalmente pela discussão sobre a “função da
música em Musicoterapia” (BARCELLOS, 2000, p. 51). Certamente, esta consideração
está vinculada a conceitos do que seja Musicoterapia para cada profissional, seus
pressupostos filosóficos e sua práxis (prática clínica e pesquisas desenvolvidas).
Hoje, musicalidade clínica está sendo considerada no Brasil como capacidades e
habilidades musicais e clínicas do musicoterapeuta no setting musicoterápico. Mas qual a
origem dessa denominação?
As concepções de música em Musicoterapia, encontradas nas publicações de Costa
(1989) em ‘O despertar para o outro, Musicoterapia’; de Barcellos (1992a,b) em
‘Cadernos de musicoterapia 1 e 2’; de Santos & Barcellos (1996) em ‘A natureza
polissêmica da Música e a Musicoterapia’, talvez tenham contribuído para a
conceitualização de ‘Musicalidade Clínica’ apresentada por Barcellos (2000 e 2004).
Outro aspecto importante, a ser considerado na compreensão desta idéia de
musicalidade clínica, é a vinda ao Brasil do musicoterapeuta Clive Robbins durante o IX
Simpósio Brasileiro de Musicoterapia, no Rio de Janeiro (1997). Os participantes deste
encontro viram o uso desta denominação ‘musicalidade clínica’ como tradução de clinical
musicianship. Este conceito da abordagem Nordoff & Robbins que apresenta aspectos
específicos da atuação clínica do musicoterapeuta são apresentados na definição de
Brandalise (2001, 2003) sobre musicalidade clínica.
5
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 6
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
É importante ressaltar que, para Barcellos (1992, 1996, 2000, 2004), música em
Musicoterapia, a partir do exposto sobre a produção musical do musicoterapeuta, é “um
objeto intermediário através do qual se pretende o desenvolvimento do outro”
(BARCELLOS, 2004, p.83). A música, nesse contexto, é considerada como meio e um
artefato à disposição do musicoterapeuta.
Para Brandalise (2000, 2001, 2003), a música em Musicoterapia é o terceiro
elemento no setting. É uma ação de forças que “expressam as chamadas qualidades
dinâmicas das notas4 que caracterizam-se por ser a afirmação da incompletude da nota e de
seu desejo por completar-se” (BRANDALISE, 2001, p.17). Assim, parece que essa música
forma, junto com o musicoterapeuta e o cliente, uma única peça no trabalho terapêutico:
4
Qualidades dinâmicas das notas está relacionado à forma de relação exsitente entre as notas musicais e seus contextos
escalares: “as notas relacionam-se entre si, tornam-se ativas, isto é, apresentam-se como forças dinâmicas, em que ora a
sensação de equilíbripo de uma determinada nota é perturbada, ora há uma tensão em direção adiante, ora há um
relaxamento da tensão. Todas essas qualidades são percebidas diretam,ente pela audição quando soam mais de uma nota
(ZUCKERKANDL, apud QUEIROZ, 2003, p. 54 )
6
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 7
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
Quem é este ser musical - clínico? Como e onde ele se constitui? Que ‘valores’
musicais podem ser importantes para ele? Em um primeiro momento, a resposta pode ser
simples: é um musicoterapeuta, um profissional graduado ou Especialista em
Musicoterapia com conhecimentos nas áreas da Música, Filosofia, Medicina, Psicologia e
do Corpo (voltados também para o autoconhecimento e sensibilização).
Saber o conteúdo das disciplinas não é o suficiente para compreender a construção
desse ser musical – clínico, pois o produto final ultrapassa a soma das partes, uma vez que
os aspectos subjetivos, envolvidos na constituição desse ser musical – clínico, não podem
ser mensurados através de conceitos pré-determinados.
O conhecimento musical, por si, não concebe autonomia para proporcionar relações
de ajuda pela / na música. Assim, o estudante de musicoterapia precisa ter domínio da
música e, na mesma intensidade, conhecer-se mais através de processos psicoterápicos
e/ou musicoterápicos e, ainda, refletir sobre sua inter-relação com a música. Sem esse
primeiro espaço de autoconhecimento, envolvendo aspectos pessoais e musicais, a
dimensão do acolhimento ao outro pode não acontecer. Portanto, o musicoterapeuta precisa
estar em constante diálogo com as especificidades musicais, ou seja, sua própria
7
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 8
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
MUSICALIDADE CLÍNICA
Uma reflexão sobre a origem desta nomenclatura no Brasil nos remete aos termos
musicalidade clínica e clinical musicianship, apesar de estarem sendo concebidos no Brasil
como sinônimos, isto devido à tradução realizada em 1997 e 2001, não devem ser
considerados como tal.
Em entrevista, Kenneth Aigen (2005)8 relata:
musicianship está baseado na habilidade que você desenvolve e musicalidade é
alguma coisa que você naturalmente tem. Então, tem alguns clientes que eu
trabalho e eles parecem já estarem conectados com o seu ser musical; eles
parecem já musicais. Mas eles podem não ter nenhuma musicianship porque eles
não trabalharam naquela forma de música e com música. Então, musicalidade é
um aspecto do ser da pessoa e musicianship é uma habilidade que ele pode
adquirir.
5
Considerar a música, ao mesmo tempo, como interna e externa ao musicoterapeuta no setting clínico acontece à
medida que o profissional está comprometido com o conhecimento de sua musicalidade e da musicalidade de seu cliente
considerando, também, os exemplos musicais trazidos pelo cliente e as construções musicais realizadas por ambos nos
encontros sonoros / musicais / verbais / corporais entre ambos.
6
Musicing – musicalidades em ação - terminologia usada pela Musicoterapia Contemporânea (Aigen,2005; Stige 2002,;
Ansdell & Pavlicevic, 2004) e envolve a visão de Música em Musicoterapia e o lugar da musicalidade neste contexto.
7
Para mais esclarecimentos sobre estes valores apresentados por Aigen ver Music Centered Music Therapy (2005, p. 80)
8
Em novembro de 2005, Dr. Aigen veio à Ribeirão Preto - SP, aproveitamos para conversar pessoalmente com ele.
Conseguimos uma entrevista ao vivo e assim continuamos a conversa iniciada em junho de 2004, por e-mail. Nessa
entrevista, esclarecemos as diferenças entre musicalidade e musicianship e especificidades do conceito musicing
publicado em seu livro Music-Centered Music Therapy (2005a).
8
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 9
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
Em acordo com essa diferença entre os termos, é possível considerar que existam,
sim, finalidades comuns entre ‘musicalidade clínica’ e ‘clinical musicianship’ para o
trabalho musicoterápico, levando-se em conta a musicalidade tanto do cliente quanto do
musicoterapeuta, mas isso não é suficiente para serem consideradas com significados
idênticos.
Na primeira parte desta pesquisa qualitativa, eu, enquanto musicoterapeuta-
pesquisadora fui observada por uma musicoterapeuta - observadora com o objetivo de
pesquisar minha musicalidade no setting. Aigen (1996), ao falar do ‘papel dos valores da
pesquisa qualitativa em musicoterapia’, traz que os pesquisadores qualitativos possuem
uma visão ampla de quais contextos relevantes podem ser incluídos e reconhecem que o
contexto pessoal é importante para permitir que “o documento de pesquisa seja revelado
em todas as suas faces” (Ibid, p.12).
Bruscia (2003), ao apresentar a pesquisa qualitativa em Musicoterapia, afirma que
existe tanto a possibilidade de o musicoterapeuta investigar seus clientes, como pode
investigar a si mesmo: “como trabalho? Como me relaciono com meus pacientes? Como
uso a música realmente? Como uso a música com meus pacientes?” Ressalta, também, que
isso é muito importante porque não só nos dá informações sobre o método que usamos
como também, “ajuda a ver aspectos contratransferenciais” (BRUSCIA, 2003, p. 78).
Estudar a mim mesma, sob o ponto de vista da utilização de minha musicalidade no
setting, convivendo com os momentos contratransferenciais, revelou, primeiramente, um
impulso para a realização de estudos e execuções musicais, uma saudade de tocar. Acredito
que, quanto mais próxima desse ambiente de produção musical, de domínios de
instrumentos e mesmo da música eu estiver, mais amplas tornam-se minhas opções
musicoterápicas no setting.
No entanto, percebi que eu não precisava apenas de um estudo visando mais
domínios dos instrumentos, tais como: reproduzir escalas, cadências, melodias já
conhecidas, estudos técnicos, etc... Na realidade, eu precisava fazer desse momento um
estudo de minha musicalidade, como me relaciono com a música, como as técnicas
instrumentais me servem para acessar a musicalidade do meu cliente. Apenas depois de
experimentar minha musicalidade, mesmo que não em profundidade, senti-me mais segura,
mais inteira, mais espontânea musicalmente com Marcos9.
9
Visando proteger a identidade do cliente, utilizamos, aqui, um nome fictício (Marcos). Ele foi atendido no Laboratório
de Musicoterapia da UFG, de setembro a dezembro de 2004, durante a primeira fase da pesquisa qualitativa,
9
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 10
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
Identificar minha musicalidade como algo mais amplo que qualidade e/ou
habilidade para instrumentos musicais, reconhecendo meus limites, colocaram-me diante
da dimensão do campo musical. Esta conscientização revelou uma forma própria de
perceber Marcos e possibilitou que a expressão de consignas no setting acontecessem mais
fluentemente nesses domínios. Isso não me impediu de utilizar a linguagem verbal no
setting, porém, percebi algo como que mudando de canal de expressão, uma vez que, nas
dimensões do sonoro e do musical, eu era aceita por Marcos mais facilmente.
Percebi, assim, que as intuições clínicas, as espontaneidades clínicas, as
intervenções musicoterápicas habitam essa dimensão dos domínios sonoro-musicais
também. Os conhecimentos musicais são indispensáveis, mas não garantem um
conhecimento da própria musicalidade. No setting, entregar-se às dimensões de
musicalidades em ações é admitir a experiência musical como um espaço transdimensional
de musicalidades acessadas. Sem esse espaço do ‘entre’ as musicalidades do
musicoterapeuta e do cliente não se compartilha a experiência musical.
O acesso a esse espaço é possível a todos, tanto aos que se permitem encontrar com
suas musicalidades da forma como elas são quanto para os que desenvolvem outros
estudos no campo musical. Contudo, liberdade no domínio da música não basta, é
imprescindível para o musicoterapeuta o conhecimento da própria musicalidade e saber
contextualizá-la na prática clínica.
A segunda etapa desta pesquisa realizou-se com a colaboração de musicoterapeutas
colaboradores. Esses profissionais cederam a gravação de um atendimento clínico de livre
escolha e colocaram-se disponíveis para entrevistas10 .
Dessa maneira, Ângela11 pensa sua musicalidade associada à sua habilidade
musical –“ o que vem a ser realmente musicalidade é o que eu faço... seja em termos de
improvisação ou reprodução musical”. Ao associar musicalidade ao trabalho clínico,
complementa: “penso, principalmente, quando eu vou improvisar porque sempre fico
atenta se isso é uma improvisação para mim, ou para o paciente, ou com o paciente, acho
desenvolvida pela musicoterapeuta mestranda Clara Márcia Piazzetta, sob supervisão clínica e orientação da Profa. Dra.
Leomara Craveiro de Sá. No período da realização dos atendimentos, ele freqüentava a 1ª série de uma escola pública, em
um programa de inclusão, não fazia uso de medicamentos e contava também com atendimentos em psicopedagogia e
psicomotricidade.
10
Foram realizadas transcrições literais das entrevistas. Contudo, os recortes inseridos na seqüência não seguem o padrão
coloquial da linguagem falada. Visando uma melhor compreensão e sem acarretar perdas de conteúdos, foram feitas
algumas adaptações para a linguagem escrita.
11
Tendo em vista proteger as suas identidades, todos os nomes dos musicoterapeutas colaboradores da pesquisa, aqui
apresentados, são fictícios.
10
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 11
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
que é normal eu me perceber improvisando para mim mesma. Então, é importante estar
sempre atenta, porque a música conduz, ela te leva”.
Ângela relata, também, que começou a refletir mais sobre sua musicalidade ao ser
convidada para participar desta pesquisa.
Para Josiane, sua musicalidade está diretamente ligada às formas de atender à
demanda do paciente: “dentro do que eu sei de música, como é que eu posso atender ao
que eu estou ouvindo de música do paciente?” Parte, então, da escuta da música que vem
do paciente para depois buscar “os conceitos e as fórmulas e tudo o que está armazenado,
músicas entendidas, decoradas ou não, tudo que aprendemos vem conosco e ajustamos
para atender o paciente. Pelo menos o que eu estou ouvindo que seria adequado para
formatar o pedido do paciente”.
Ainda sobre sua musicalidade no setting, ela ressalta a importância de sempre estar
em movimento, sempre indo atrás de mais conhecimentos musicais de modo a ampliá-la e
acredita que não existem fórmulas para se aprender isso, a não ser praticando muito: “com
o tempo vamos conseguindo acomodar melhor a musicalidade no setting; com o tempo
aprendemos a improvisar sem medos, improvisar letras, improvisar ritmos, harmonias”.
Paulo mantém a atividade como músico paralelamente ao trabalho clínico
musicoterápico e relata, ao abordar sobre sua musicalidade, o sentimento de
‘esvaziamento’ desta no setting. Esvaziamento no sentido de empobrecimento devido aos
seus questionamentos quanto à “sua maneira de intervir clínico criativamente frente à
demanda clínica dos pacientes” e complementa:
12
A realização desta análise deu-se com a leitura dos protocolos de atendimento (ficha musicoterápica, e relatório do
atendimento) cedidos pelo musicoterapeuta; contou, também, com uma análise musical das peças executadas e a
contextualização destas execuções no momento do atendimento.
11
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 12
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
Um olhar e uma escuta musicoterápica sobre o trabalho clínico que realiza permite
ao musicoterapeuta a percepção da musicalidade do cliente bem como do desenvolvimento
do processo musicoterápico. Esse exercício descritivo-reflexivo potencializa intervenções
e interações sonoro / musicais / verbais / corporais comprometidas com o atendimento
clínico único de cada cliente. Potencializa também, as serendipididades. Para Morin (2004,
p 23), serendipididade é “a arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes em
indícios que permitam reconstituir toda uma história” .
As análises musicoterápicas, realizadas no âmbito desta pesquisa juntamente com
os respectivos musicoterapeutas colaboradores, demonstraram também que as ações e
interações presentes nos encontros musicoterápicos existem na dimensão de ‘recursividade
organizacional’13. Assim, as condutas não são por mero acaso, “os produtos e os efeitos
são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu” (MORIN, 2001, p.108).
Como exemplo, trago um recorte do processo de Marcos, um menino de 10 anos,
portador de distúrbio de conduta com déficit de comunicação; uma pessoa muito musical.
Ele foi atendido por mim na primeira etapa da pesquisa. Este recorte é da sexta sessão e
contém elementos musicais trazidos pelo cliente (célula rítmica, célula melódica,
encadeamento harmônico modal) na primeira sessão. A denominação deste momento é
‘dormir e acordar’(fig. 01) e aqui compartilhamos uma brincadeira envolvendo as
sonoridades do violão e os movimentos sonoros / corporais de Marcos, primeiramente
desafiando-me ao lamber um instrumento musical e depois, entregando-se às sonoridades
harmônicas do vilão:
13
‘Princípio da Recursividade Organizacional’ compõe a Teoria da Complexidade, apresentada por Edgar Morin
(MORIN, 2001, p. 108).
12
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 13
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
(...)
(...)
(fig 01) Dormir e Acordar
No momento de um atendimento musicoterápico estamos (musicoterapeuta e
cliente) experienciando interações sonoras / musicais / verbais / corporais no acontecer de
‘acoplamentos estruturais’14, em que nossas musicalidades, ao se tocarem de forma
consensual, possibilitam a construção de caminhos que levam a transformações.
14
Acoplamentos estruturais: para Maturana & Varela (2001) constitui-se nas “congruências entre a estrutura da unidade
e a estrutura do meio que atuam como fontes de perturbações mútuas (domínio das perturbações), desencadeando
mutuamente mudanças de estado (domínio de mudanças de estado)”. (MATURANA & VARELA, 2001, p. 87)
13
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 14
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
15
Princípio Dialógico: a Teoria da Complexidade considera a existência de um pensamento que congregue as diferenças,
acolha a complementaridade de conceitos aparentemente contrários, que permita a ordem e a desordem, a certeza e a
incerteza de forma dialógica “mantendo a dualidade no seio da unidade” (MORIN, 2001, p.107-109).
14
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 15
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
história, que eram músicas de meu gosto, do meu sentimento, do meu sentimento em
relação ao cliente”.
Josiane ressalta a ‘potência da música’ no setting e os sentimentos presentes quando
se concebe este lugar para a música:
todas as vezes que eles acontecem nós nos sentimos realmente musicoterapeutas
(...) eu só vou acreditar na musicoterapia quando esses pontos acontecem,
enquanto eu não chego nesses pontos parece que não se firmou, não aconteceu,
ou não estamos em uma comunicação adequada, ou não acessou, ‘alguma coisa’
não está acontecendo.
Para Paulo, a existência de momentos de fluência, espontaneidade, e
conhecimentos musicais do musicoterapeuta na sua atuação clínica indicam que o
musicoterapeuta “empatizou com parte da musicalidade do paciente e o que nasceu ali,
naquele momento, é importante”.
A partir da análise musicoterápica, tomando por base o conceito de
‘serendipididade’, detalhes aparentemente insignificantes, que muitas vezes aparecem nos
elementos da música, em ritmos, melodias, timbres, harmonias, gestos e tempos musicais,
contribuem para favorecer a reconstrução da história pessoal do cliente. Como tais,
tornam-se pontos de certezas que constituem amarras sonoras que vão se transformando
em uma verdadeira ‘teia sonora’ (BARCELLOS, 1999). Essa teia, por sua vez, cria um
espaço de segurança, confiança e cooperação mútua. “A partir de” e “nas” experiências
musicais, é possível compor uma nova história, um prelúdio a duas vozes inspirado em
musicalidades em ação. Este, traz consigo a força da energia transformadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
15
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 16
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
16
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 17
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
17
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
XII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia Pesquisa – Artigo - Comunicação Oral 18
VI Encontro Nacional de Pesquisa em Musicoterapia
II Encontro Nacional de Docência em Musicoterapia
06 a 09/set/2006 - Goiânia-GO
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertand Brasil 2ª ed., 1998.
____________ Introdução ao pensamento complexo São Paulo: Instituto Piaget, 3ª ed., 2001, p. 83
-113.
____________A cabeça bem feita, repensar a reforma reformar o pensamento. Rio de Janeiro:
Bertrano Brasil, 2004.
NORDOFF, Paul. & ROBBINS,Clive. Creative Music Therapy. New York, NY: John Day, 1977.
QUEIROZ, Gregório. Aspectos da Musicalidade e da Música de Paul Nordoff e suas implicações
na prática clínica musicoterapêutica. São Paulo: Apontamentos, 2003.
RUUD, Even. Music Therapy: Improvisation communication and culture. Phoenixville:Barcelona
Publishers,1998.
SANTOS, Marco Antônio & BARCELLOS, Lia. Rejane. A Natureza Polissêmica da Música e a
Musicoterapia.Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro: ano 1, n. 1, p. 5–18,1996.
STIGE, Brynjulf. Culture-Centered Music Therapy. Phoenixville: Barcelona Publishers, 2002.
ZUCKERKANDL, Victor. Man the Musician: Sound and symbol. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1973.
_______________Sound and Simbol: Music and the External World. Bolligen Series XLIV,
Princeton University Press: Princeton, 1976.
18
Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version
View publication stats