Apostila Libras Lilas
Apostila Libras Lilas
Apostila Libras Lilas
Módulo 1
O QUE É LIBRAS?
Fundamentos para a Educação Inclusiva de Surdos
Projeto Institucional
Edital nº 015/2010/CAPES/DED
Fomento ao uso de tecnologias de comunição e informação nos cursos de graduação
Adir Luiz Ferreira
Heloisa Lima Perales
João Tadeu Weck
José Edmilson Felipe da Silva
Margarete Vale de Sousa
Módulo 1
O QUE É LIBRAS?
Fundamentos para a Educação Inclusiva de Surdos
Adir Luiz Ferreira
Heloisa Lima Perales
João Tadeu Weck
José Edmilson Felipe da Silva
Margarete Vale de Sousa
LIBRAS
Módulo 1
O QUE É LIBRAS?
Fundamentos para a Educação Inclusiva de Surdos
Natal – RN
Janeiro/2011
Governo Federal
Presidente da República
Dilma Vana Rousseff
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Reitor
José Ivonildo do Rêgo
Vice-Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz
Pró-Reitoria de Graduação
Virgínia Maria Dantas de Araújo
Comitê Gestor
Presidente
Virgínia Maria Dantas de Araújo
Coordenação geral
Apuena Vieira Gomes
Coordenadores
Apuena Vieira Gomes/SEDIS
Adir Luiz Ferreira/CE – DEPED
Gleydson de Azevedo Ferreira Lima/SINFO
Marcos Aurélio Felipe/SEDIS
Maria Carmozi de Souza Gomes/PROGRAD
Rex Antonio da Costa de Medeiros/ECT
O que é Libras? Fundamentos para a educação inclusiva de surdos: módulo 1 / Adir Luís Ferreira et al... – Natal:
EDUFRN, 2011.
54 p.: il.
Conteúdo: Aula 1 – O que é Libras? Aula 2 – Exclusão/inclusão: os surdos na escola comum. Aula 3 –
Noções sobre a surdez.
Caderno nº 1 que compõe a disciplina a distância de Libras/UFRN.
ISBN 978-85-7273-766-1
1. Libras. 2. Inclusão. 3. Surdos. I. Ferreira, Adir Luís. II. Perales, Heloisa Lima. III. Weck, João Tadeu. IV.
Silva, José Edmilson Felipe da. V. Sousa, Margarete Vale de.
CDU 615.51.4
L697l
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida
sem a autorização expressa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Apresentação Institucional
A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE
O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.
Neste caderno, daremos início aos conteúdos que fundamentam o ensino da Libras
(Língua Brasileira de Sinais) para a formação de professores nos cursos de licenciatura. Não
se trata de apenas aprender sobre o uso da Libras, mas igualmente de compreender o seu sig-
nificado social, histórico e educativo para a inclusão dos alunos surdos na sala de aula comum
do ensino regular. Essa temática é importante para identificarmos os fundamentos políticos,
linguísticos e culturais que perpassam a educação inclusiva e, em especial, a educação dos
surdos, considerando-a como um direito legítimo da pessoa e do cidadão.
Inicialmente, trataremos de como as pessoas surdas se comunicam de forma eficiente por
meio de uma língua própria – a língua de sinais e – vamos descobrir que existe na comunidade
de surdos uma cultura que crescentemente afirma sua identidade no mundo. Em seguida, re-
fletiremos sobre alguns aspectos históricos relativos à educação de surdos no Brasil e ao uso
da Libras; estudaremos noções básicas sobre a surdez e a deficiência auditiva, assim como o
entendimento sociocultural da deficiência e sua relação com a capacidade de inserção e atuação
do surdo em diferentes atividades da vida cotidiana. O conteúdo deste Caderno está dividido em
três aulas – O que é Libras?; Exclusão/inclusão: os surdos na escola comum; Noções sobre a
surdez –, para que você tenha a liberdade de fazer uma pausa sem perder a unidade de sentido.
É natural que as expectativas se concentrem nos conteúdos práticos e, de fato, eles serão
bastante valorizados no curso. Contudo, não podemos prescindir das questões de ordem con-
ceitual relativas à educação inclusiva e ao uso da Libras nas classes comuns do ensino regular
com alunos surdos, pois elas nos orientam para uma prática docente ética e competente.
Chamamos a sua atenção para o uso das vídeo aulas associadas a este caderno. A lei-
tura complementar é a nossa sugestão para que você possa avançar no conhecimento sobre
Libras e educação de surdos a partir de alguns sites e filmes que complementam os temas
abordados neste Caderno. As atividades propostas devem ser realizadas logo após o estudo do
material e tomadas como referência para a autoavaliação. Lembramos que os tutores estarão
à sua disposição, durante todo o curso, conforme agenda publicada no SIGAA, para eventuais
esclarecimentos e apoio ao uso dos materiais. Esperamos que aproveite o máximo!
Sumário
Aula
1
Aula 1 O que é Libras?
Apresentação
E
m nossa primeira aula, veremos que nem sempre a comunicação entre surdos e ouvintes
através das línguas conhecidas foi possível, pois as línguas orais-auditivas são difíceis de
aprender para quem não ouve e, consequentemente, tem dificuldade para falar, mesmo
que não haja problema com o aparelho fonador. Por isso, desde as suas origens, a elaboração
e a divulgação de uma língua de sinais foi motivada pela necessidade de uma língua comum
entre surdos-ouvintes e surdos-surdos.Todavia, é longo o embate histórico e político para o
reconhecimento de que as pessoas com surdez são plenamente capazes de realizar as mesmas
atividades que os ouvintes realizam, quando asseguradas as condições de comunicabilidade,
especialmente com a substituição ou complementação dos meios e recursos sonoros por visu-
ais. Também é resultado de muita discussão o reconhecimento de que a comunicação gestual
de sinais dos surdos tem status de língua e não de linguagem, pois apresenta um sistema
de signos, regido por uma gramática própria, que exprime ideias amplamente comunicáveis
para seus usuários.
Assim, a língua de sinais é essencial para a comunicação dos surdos, pois é a partir des-
ses sinais convencionados que eles organizam seus esquemas cognitivos para compreender
ideias, formar conceitos, relacioná-los e expressá-los. Portanto, é necessário que as pessoas
ouvintes, especialmente aquelas que se relacionam com surdos, aprendam a língua de sinais
de seu país (no Brasil é a Libras) e entendam que eles possuem uma cultura específica que
lhes confere uma identidade própria. Aprendam, ainda, a respeitá-los em suas necessidades
especiais, não apenas por força da lei, não por compreender a deficiência como incapacidade
ou doença que mereça piedade, mas por tratá-las como diferença ou diversidade inerente a
todos os humanos.
Objetivos
1 Compreender a importância da língua de sinais para os surdos.
D
esde os primórdios da humanidade, antes mesmo do surgimento das línguas, a co-
municação vocal entre humanos acompanhou-se de gestos, expressões faciais e mo-
vimentos do corpo. Pesquisando as bases ancestrais da linguagem humana, estudos
sobre a comunicação de grandes primatas (chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos) já
demonstraram que a riqueza das expressões corporais pode ser tão vasta quanto o repertório
das vocalizações (POLLICK; DE WAAL, 2007). Ambos, gestos e sons, buscam exprimir atitu-
des, intenções, informações, estados físicos e emocionais, de forma clara ou sutil, aos outros
membros da espécie. Então, como forma de comunicação simbólica, o gesto parece ter vindo
antes da palavra e a linguagem do corpo pode ter surgido antes da comunicação oral ou escrita.
Mesmo hoje, quando não conseguimos ou não sabemos falar uma língua estrangeira, usamos
intuitivamente os gestos, isto é, alguma forma de comunicação por sinais.
Isso significa que a comunicação por sinais utilizada pelas pessoas surdas não é uma
invenção de um grupo minoritário de deficientes, uma “prótese” simbólica para substituir a
voz por causa da deficiência auditiva, mas está na própria origem da linguagem humana. O
desenvolvimento das línguas de sinais, hoje consideradas como o modo natural e mais eficiente
para a comunicação de surdos, está, antes de tudo, baseado na capacidade linguística pri-
mordial de todos os seres humanos. É lógico, portanto, que com essa capacidade os usuários
das línguas de sinais podem dialogar sobre qualquer assunto de interesse humano: política,
filosofia, literatura, esporte, ciência, humor, sexo, cotidiano, entre outros.
Assim, o processo civilizatório da humanidade se assenta no uso de diferentes línguas e
linguagens que tornam possível a comunicação entre pessoas. Para tanto, os homens de um
mesmo grupo social compartilham e utilizam um sistema abstrato de signos linguísticos que
estruturam uma língua. Esses signos são a combinação entre os significantes (sinais, palavras
ou outro tipo de código) e seus respectivos significados ou conceitos. A língua é, portanto, uma
tecnologia de comunicação fundamental, porque permite aos usuários, que dominam o seu
sistema, interações linguísticas sofisticadas, no sentido material, simbólico, subjetivo e social.
E as línguas de sinais, como qualquer outra língua, também apresentam todos esses sentidos.
Saiba mais
Em cada país, existe uma língua de sinais reconhecida, no Brasil foi adotada a
denominação de Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Como em qualquer língua viva, nas línguas de sinais existem variações regionais e locais,
estilos pessoais, uso em contexto, norma padrão, gírias e constante invenção e transformação
de sinais. O que é denominado de palavra nas línguas orais-auditivas é chamado de sinal nas
línguas de modalidade gestual-visual ou visual-espacial. Citamos algumas características da
Libras que a diferenciam da Língua Portuguesa: não existe conjugação verbal nem concordância
de gênero, ou seja, os verbos são apresentados no infinitivo e para o gênero é acrescentado
o sinal correspondente a “mulher” ou “homem”. Todavia, não se deve pensar que as línguas
de sinais sejam a transposição direta das línguas de modalidade oral-auditiva, simplesmente
expressando através de gestos os significados (fonético, gráfico ou simbólico) das palavras
da língua falada.
Além da língua de sinais, existe o alfabeto manual, que é o conjunto de sinais representado
por uma posição de mão e dedos, correspondente a cada uma das letras do alfabeto escrito. Ele não
é uma língua de sinais em si, mas um recurso de soletração que só faz sentido para os surdos ou
ouvintes alfabetizados. O alfabeto manual é especialmente utilizado para soletrar nomes próprios
e outras palavras cujos sinais ainda não existam ou que sejam desconhecidos pelo sinalizador.
A soletração com o alfabeto manual é como a escrita à mão de uma pessoa, ou seja, a
execução do sinal é como uma caligrafia que sofre algumas variações de pessoa para pessoa.
Em ambos os casos a clareza é fundamental para a compreensão e a sinalização do alfabeto
A B C Ç D E
F G H I J K
L M N O P Q
R S T U V W
X Y Z
Para indicarmos nosso nome pela primeira vez a um surdo alfabetizado, utilizamos o
alfabeto manual, sinalizando letra por letra. Logo após, apresentamos nosso sinal, que é uma
simplificação, para facilitar a comunicação. Esse sinal pessoal geralmente é composto pela
gestualização da primeira letra do nosso nome seguida de outro gesto que faça referência a
um atributo (por exemplo, tipo de cabelo, altura, local de nascimento) que nos seja particular.
Saiba mais
(1) Adriano ( )
(2) Carmem ( )
(3) Fernando ( )
(4) Gustavo ( )
(5) Jeferson ( )
(6) Kalina ( )
(7) Paloma ( )
(8) Sabrina ( )
(9) Tereza ( )
(10) Wesley ( )
Autoavaliação
1 Por que é importante utilizar a língua de sinais na comunicação com pessoas surdas?
RELATO DE UM SURDO
Rimar Carvalho Segala
Alguns pensam que sou louco, afinal até mesmo filósofos famosos na história pensaram
assim também de pessoas como eu. Certa vez, Platão e Aristóteles, observando um surdo,
chegaram a seguinte conclusão: “Não sabe falar, não sabe ouvir; és louco!”. Triste conclusão
estes tão sábios filósofos chegaram! Se tão somente Platão tivesse lembrado de suas palavras:
“Tudo que sei, é que nada sei”, talvez sua conclusão fosse diferente. Realmente, estes cultos
filósofos nada sabiam sobre aquele surdo. Talvez se tivesse “escutado” aquele surdo, digo,
prestado atenção, estudado, compreendido, esta frase não partiria deles na história. Talvez os
conceitos existentes sobre os surdos fossem bem diferentes. Que pena!
O surdo como qualquer outro deficiente possui uma compreensão natural, o que
os seus ouvidos não podem ouvir, os seus olhos ouvem. Ele é um estrangeiro brasileiro
no Brasil. Tem que aprender a língua dos ouvintes e isto não é fácil.
Fonte: Kojima e Segala, 200-?, p. 9
______. Diversidade, deficiência e educação. Revista Espaço, Rio de Janeiro: INES, n. 12,
p. 3-12, jul./dez. 1999.
KOJIMA, Catarina Kiguti; SEGALA, Sueli Ramalho. Libras – Língua Brasileira de Sinais – A
imagem do pensamento. São Paulo: Ed. Livros Escala, [200-?].
POLLICK, Amy S.; DE WAAL, Frans B. M. Ape gestures and language evolution. PNAS, v.
104, n. 19, 8 may 2007.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed. rev. Florianópolis: ed.
da UFSC, 2009.
THOMA, Adriana; LOPES, Maura Corcini. A invenção da surdez: cultura, alteridade, identida-
des e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.
Anotações
Aula
2
Aula 2 Exclusão/inclusão: os surdos na escola comum
Apresentação
N
esta aula, vamos abordar a educação de surdos nas classes comuns do ensino regular, o
que nos remete à necessidade de utilizarmos a Libras no contexto da sala de aula, ainda
que de maneira básica. Nesse sentido, discutiremos alguns aspectos históricos e legais
que garantem aos alunos surdos o direito de estudarem na escola comum, isto é, em escolas
que não organizam classes especiais. Significa, pois, reconhecê-los como pessoas plenamente
capazes de aprender os conteúdos curriculares das diferentes áreas de conhecimento.
Compreendemos que a educação especial na perspectiva inclusiva representa um avanço
na história da educação dos surdos porque reconhece tanto a necessidade de uso da Libras
na sala de aula como a necessidade de os surdos estudarem em classes comuns do ensino
regular. Consideramos que tal postura favorece a participação social e política dos surdos, em
detrimento do isolamento cultural ao qual estariam submetidos em classes especiais, porque
estas evidenciam e reforçam para a sociedade em geral a diferença (surdez e incapacidade) e
não a igualdade homem e diversidade).
Objetivos
Conhecer os marcos históricos da educação de surdos.
1
Considerar a inclusão de alunos surdos nas classes co-
2 muns como um direito assegurado por lei.
O
s estudos sobre os direitos das pessoas com deficiência não estão dissociados dos fatos
históricos. Desde a Antiguidade, a falta de entendimento sobre as diferenças entre os
seres humanos fez com que a deficiência fosse alvo de preconceito (MIRANDA, 2008).
Em torno dessas pessoas se criavam marcas – estigmas – que as rotulavam, discriminavam,
excluíam e, em alguns casos, as condenavam à morte. Expressões como anormais, retardados,
dementes, aleijados e outras evidenciam a deficiência ou a doença em detrimento da pessoa:
um sujeito de direitos, capaz de aprender e de participar das mais diferentes atividades da
vida social e cotidiana.
A exclusão das pessoas com deficiência significa impedi-las, em maior ou menor grau,
de exercerem algum ou vários dos direitos sociais que lhes outorgam status de cidadão.
Contrariamente, o movimento mundial contemporâneo pela inclusão das pessoas com defi-
ciência se fundamenta na concepção de direitos humanos, constituindo-se como uma ação
política, cultural, social e pedagógica. Reconhece, assim, a igualdade e a diferença como va-
lores indissociáveis, no sentido como afirma Boaventura de Souza Santos: “Temos o direito a
sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando
a igualdade nos descaracteriza”(SOUZA apud SEESP, 2007, p.25).
Portanto, a educação inclusiva é antes de tudo uma postura que reconhece e valoriza em
cada aluno suas potencialidades e sua condição humana. Trata-se de um princípio filósofico
que agrega valores humanísticos e democráticos, através dos quais se busca assegurar, indis-
tintamente, a todos os indivíduos o direito de aprender na escola, com vistas ao crescimento,
à satisfação pessoal e à inserção social.
Curiosidade
Você sabia que até a Idade Média a Igreja Católica acreditava que os surdos
não podiam salvar sua alma porque não conseguiam proferir os sacramentos?
A partir do século XVI surgem diferentes instituições que passam a cuidar das pessoas
com deficiência. Contudo, tratava-se de uma situação de segregação e isolamento social,
alegando-se que seria melhor para elas ficarem distantes, vivendo em um ambiente mais
tranquilo. Na verdade, era uma forma de livrar-se desses “inconvenientes”. Persistia uma
visão patológica do indivíduo que apresentava deficiência, o que trazia como consequência o
menosprezo da sociedade.
Saiba mais
Figura 1–Gravuras do libro Reducción de las letras y arte para enseñar a hablar a los mudos (Bonet, 1620)
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Lei nº 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social e a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (Corde), instituindo a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos
dessas pessoas e disciplinando a atuação do Ministério Público;
Saiba mais
A luta pelo reconhecimento dos direitos das pessoas surdas tem ganhado am-
paro legal nas últimas décadas, porém, é importante observar que as leis apre-
sentam uma hierarquia, na qual as de menor grau devem obedecer às de maior
grau. No direito brasileiro adota-se a seguinte hierarquia: Contituição Federal;
Emenda Constitucional; Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos; Tra-
tados Internacionais dos quais o Brasil seja signatário; Lei complementar; Lei
ordinária; Medida provisória; Resolução; Decreto e Portaria.
Helen Keller (Alabama, 1880 – Connecticut, 1968) foi uma célebre escritora e
filósofa que ficou cega e surda aos 18 meses de idade. Sua biografia foi regis-
trada no filme The Miracle Worker, em 1962, dirigido por Arthur Penn. Algumas
de suas ideias:
“Evitar o perigo não é, em longo prazo, tão seguro quanto se expor ao perigo.
A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada.”
“As melhores e mais belas coisas do mundo não podem ser vistas nem toca-
das, mas o coração as sente.”
Apesar dos muitos avanços e conquistas, e da vasta legislação em defesa da total in-
clusão dos alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, ainda há grupos
resistentes que pensam de maneira diversa. Esses grupos defendem as escolas especiais sob
o argumento de que nelas haveria maiores condições de atendimento educacional condizente
com as necessidades, por exemplo, dos alunos surdos. Caberia, segundo eles, aos alunos e
seus responsáveis optarem por um ou outro tipo de escola.
Todavia, o fundamento que nega essa posição considera que havendo separação dos
alunos com deficiência em escolas de educação especial estaremos, de fato, excluindo-os
porque negamos a pluralidade e a diversidade que existe no meio social, que é independente
de nossa vontade pessoal. Separá-los na intenção de melhor prepará-los seria um equívoco.
Por isso, a perspectiva oficial adotada pelo Ministério da Educação é de que a Educação Es-
pecial se constitua como Atendimento Educacional Especializado, de maneira adicional e não
substitutiva à escola comum (SEESP, 2007).
Saiba mais
A palavra correta não é inclusão, e sim uma forçada adaptação com a situação
do dia-a-dia dentro da sala de aula e na maior parte de tempo eu me sinto exclu-
ída pois não capto100% a leitura labial dos professores que tem diversos tipos
de articulações, tais como lábios finos, grossos, tortos, como espesso bigode,
ou falam rapidamente de boca fechada ou muito aberta, sem expressão facial,
etc. além disto, os meus olhos cansam de ler os movimentos dos lábios e uns
10 minutos depois já nem tenho ânimo de prestar atenção.(Karin)
Fonte:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Especial (SEESP).
Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para
o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. Brasília: MEC/SEESP, 2006. p. 103-106)
O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos foi a primeira escola especial para surdos no
Brasil, criada por D. Pedro II, por meio da Lei no. 839, de 26 de setembro de 1857. Teve como
primeiro diretor o professor francês Erenest Huet, que era surdo. O currículo que Huet desen-
volveu era constituído por língua portuguesa, aritmética, linguagem articulada e leitura labial.
O instituto funcionava em regime de internato, atendendo exclusivamente surdos do sexo
masculino. Somente em 1931 passou a atender alunas surdas, em regime de externato, com
oficinas de costura e bordado, consolidando seu caráter profissionalizante. Em1951, o INES
criou seu primeiro curso normal para professores na área de surdez e, no inicio da década de
1980, um curso de especialização para professores, também na área da surdez. A partir de
1993, com a mudança de seu Regimento Interno e através de ato ministerial, o INES passa a
ser um centro nacional de referência e, com esta nova atribuição, realiza ações que subsidiam
todo o país. Ao longo de sua existência, o INES já utilizou diferentes abordagens na educação
de surdos, chegando a proibir, no período de 1957 ate aproximadamente 1980, o uso da língua
gestual, adotando, assim, uma posição oralista.
Saiba mais
A Feneis é uma entidade representativa dos surdos que mantém relações dire-
tas com a ONU (Organização das Nações Unidas); Unesco (Organização Edu-
cacional, Científica e Cultural das Nações Unidas; OMS (Organização Mundial
da Saúde); OIT (Organização Internacional do Trabalho) e OEA (Organização
dos Estados Americanos). Dentre os objetivos da Feneis enumeramos dois:
1- promover a inclusão dos profissionais surdos no mercado de trabalho; 2-
realizar pesquisas para a sistematização e padronização do ensino de Libras
para ouvintes. Outras informações podem ser consultadas diretamente no site
da federação <http://www.feneis.com.br>
Por sua vez, a proposta bilíngue de ensino considera a língua de sinais como a primeira
língua e a língua oral como a segunda língua na modalidade escrita, visando capacitar a pessoa
com surdez para a utilização de duas línguas no cotidiano escolar e na vida social. Trata-se de
um grande desafio, tendo em vista que a Língua Portuguesa é difícil de ser assimilada pelo
aluno surdo, principalmente porque requer “mudanças estruturais e pedagógicas nas escolas
para romper com as barreiras que se interpõem entre esse aluno e o ensino” (SEESP, 2007). A
despeito disso, compreendemos, conforme pontua Quadros (in FERNANDES, 2010, p. 28), que
“conhecer várias línguas não representa uma ameaça, mas abre um leque de manifestações
linguísticas dependentes de diferentes contextos”.
Resumo
Autoavaliação
Explore o site do Ines<http://www.ines.gov.br> e o site da Feneis www.feneis.com.br
1 e, em seguida, registre o que você descobriu de importante em cada um.
Reflita e escreva um comentário sobre o papel da Libras nas salas de aula que
2 possuem alunos surdos.
FERNANDES, Eulália (Org.). Surdez e bilinguismo. 3. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010.
SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006.
Aula
3
Aula 3 Noções sobre a surdez
Apresentação
D
ando continuidade aos temas já abordados nas aulas anteriores deste Caderno, introduzi-
mos algumas noções básicas sobre a surdez. Discutiremos como a surdez implica numa
realidade adversa para o surdo, pois vivemos numa sociedade em que as informações
sonoras compõem grande parte dos produtos culturais materiais e simbólicos. Além disso, a
vida é repleta de sons, como o trânsito, a música, o barulho de máquinas e motores, os sons da
natureza, os quais orientam atitudes comuns do cotidiano. A ausência da audição é compensada
pela maior sensibilidade às informações visuais, de modo que os surdos podem realizar todas as
atividades da vida comum que não dependam exclusivamente da percepção sonora.
As condições biomédicas que podem caracterizar os problemas de audição têm grande
diversidade nas suas causas: congênitas, patológicas ou traumáticas, cujos resultados físicos
vão desde a deficiência auditiva até a surdez. Entretanto, são os seus efeitos socioculturais
discriminatórios os maiores obstáculos para que as pessoas surdas tenham vidas ricas e
produtivas em todas as áreas da atividade humana: ciências, artes, esportes, política, lazer etc.
Objetivos
Conhecer aspectos biomédicos da deficiência auditiva e
1 da surdez.
T
odos têm uma noção aparentemente clara do que seja a surdez, considerada de forma
equivocada como sinônimo de deficiência auditiva. De fato, mesmo nos conceitos li-
gados ao modelo puramente médico, algumas vezes a denominação de surdez ainda é
utilizada para qualquer grau de perda auditiva. Entretanto, em geral, para os indivíduos com
perda leve, moderada ou grave, aplica-se o termo deficiência auditiva, ou hipoacusia, definida
como dificuldade em ouvir, mas permitindo um grau mínimo de audição e de comunicação
oral. Atualmente, o termo surdez, ou anacusia, é empregado somente para os indivíduos com
perda auditiva muito grave, para os quais não há benefício por meios de amplificação sonora
(PIATTO; MANIGLIA, 2001).
A denominação de surdo é o que tem significado médico correto, ao invés de surdo-mudo,
pois a perda da audição refere-se exclusivamente às deficiências do ouvido e não às cordas vocais
(pregas vocais, na terminologia científica), que mantêm a sua funcionalidade. Como se sabe, os
surdos podem falar, mesmo que não ouçam o som da própria voz, o que é imprescindível para
a automodulação das características vocais (tom, timbre, quantidade e intensidade). Como já
dissemos, a oralização foi durante muito tempo a abordagem predominante na educação dos
surdos, porém muito criticada por atender às necessidades de compreensão dos ouvintes e não
às condições reais de comunicação dos surdos que, evidentemente, têm dificuldades para uma
plena vocalização e cuja pronúncia se constitui alvo de discriminação social.
Fisicamente, a recepção sonora pode ocorrer por condução aérea (vibração do tímpano
provocada pela diferença de pressão do ar do ouvido externo e ouvido médio) ou por con-
dução óssea (a vibração dos ossos do crânio sensibilizando as células receptoras no ouvido
interno). Para tratar das deficiências na audição, os aparelhos auditivos que amplificam as
ondas sonoras de condução aérea são superiores na discriminação dos sons, porém, aqueles
de condução óssea podem ser usados por indivíduos que não tenham o canal auditivo ou nos
casos mais graves de deficiência auditiva condutiva. Ainda que a tecnologia dos aparelhos
auditivos esteja bem desenvolvida, assim como procedimentos cirúrgicos e protéticos, nos
casos tratáveis de deficiência auditiva grave ou muito grave, a audição dos sons da fala humana
não é completamente recuperada.
Aos indivíduos com perda auditiva leve, moderada ou grave, definida como di-
ficuldade em ouvir, aplica-se o termo de deficiência auditiva, enquanto o termo
surdez é empregado para os indivíduos com perda auditiva muito grave.
Nota: Considera-se a média do limiar por via aérea nas frequências de 500, 1.000 e 2.000 Hertz (Hz).
* Até 20 decibéis (dB) também pode ser considerado como normal.
Fonte: World Health Organization, 2006, p. 96).
Importante: Essa é a classificação adotada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 1991. No Brasil, é
comumente utilizada a classificação de Davis e Silverman, proposta em 1966, que coloca a deficiência severa a
partir de 70 dB e a deficiência profunda a partir de 90 dB (Teste do Audiômetro). Também há outras classificações
que consideram a deficiência auditiva profunda a partir de 70 dB (Vieira; Macedo; Gonçalves, 2007). No sentido
mais amplo, de acordo com o Decreto 5296/2004, que trata da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiên-
cia, considera-se deficiência auditiva a “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,
aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.” Todavia, o diagnóstico sobre o
grau de deficiência auditiva de uma pessoa, incluindo a surdez, só pode ser feito por um profissional habilitado,
médico ou especialista.
entre o conduto auditivo do ouvido externo, o Quando, do ouvido interno até o cérebro, há ausência de
ouvido médio (tímpano, bigorna e estribo) e o recepção ou decodificação sonora por causa de lesão ou
ouvido interno (cóclea e nervo auditivo). Em disfunção nas células receptoras da cóclea ou do nervo
geral, esse tipo de deficiência tem tratamento auditivo. Esse tipo de deficiência é irrecuperável.
clínico e cirúrgico.
Causas pré-natais
– de origem hereditária – surdez herdada monogênica,
que pode ser uma surdez isolada da orelha interna por
mecanismo recessivo ou dominante ou uma síndrome com
– cerume ou corpos estranhos do conduto surdez; e surdez associada a aberrações cromossômicas;
auditivo externo; – de origem não hereditária (causas exógenas): infecções
– otite externa: infecção bacteriana da pele do maternas por rubéola, citomegalovírus, sífilis, herpes,
conduto auditivo externo; toxoplasmose; drogas ototóxicas e outras, alcoolismo
– otite média: processo infeccioso e/ou materno, irradiações (por exemplo, raios X); diabetes e
Causas prováveis
Observação: Além dos tipos de deficiência auditiva condutiva e neurossensorial, há o tipo de deficiência auditiva mista,
combinando as características de ambos os tipos.
Orelha Martelo
Canal Cóclea
Tímpano
Estribo
Tubo de Eustáquio
A relação entre
deficiência e funcionalidade
A
s definições de “deficiência” são constantemente objeto de estudos científicos e debates
sociais, entretanto essas definições não são apenas a convenção de termos linguísticos
ou biomédicos, mas também são usadas geralmente como denominações culturais, im-
plícitas e explícitas, carregadas de significados discriminatórios que variam de uma sociedade
a outra. No caso dos conceitos de deficiência, que inclui o de deficiência auditiva e surdez, os
problemas de compreensão e entendimento são reforçados pelo intenso debate contemporâneo
baseado na luta pelos direitos humanos, que estimulam a discussão acerca de uma linguagem
não discriminatória que oriente ações de governos e a reflexão social. Inegavelmente, apesar de
muitas leis para a definição e proteção de direitos, há uma relação profunda entre deficiência
e exclusão social. Como consequência, os surdos enfrentam: falta de oportunidades iguais
para o desenvolvimento humano; restrição aos recursos culturais e econômicos; e, reduzida
participação nas decições de direitos políticos e civis.
Estado de saúde
(distúrbio ou doença)
Fatores Fatores
Ambientais Pessoais
Fatores Contextuais
A funcionalidade e a incapacidade não são mais vistas como atributos pessoais, mas
como um conjunto complexo relacionado à interação, positiva ou negativa, entre as condi-
ções próprias da pessoa, a sua participação como indivíduo e o seu meio social. Assim, a
incapacidade não é o resultado específico de um grupo minoritário, mas sim uma experiência
humana universal, para a superação da qual toda a sociedade deve contribuir. Nessa concepção
integrada, a alteração ou não na estrutura ou função do corpo da pessoa não tem uma relação
causal para o desempenho de suas capacidades. É a interação entre a pessoa, suas atividades
e os fatores contextuais, como a existência ou não de barreiras materiais e culturais, que vai
determinar de forma dinâmica as condições para uma boa qualidade de vida. O uso do termo
deficiência corresponde, assim, apenas às alterações do corpo, enquanto o termo incapacidade
é mais abrangente, indicando aspectos negativos da interação entre o indivíduo e seu contexto.
Nessa perspectiva multidimensional e dinâmica:
Um indivíduo pode apresentar uma deficiência (no nível do corpo) e não necessariamente
viver qualquer tipo de incapacidade. De modo oposto, uma pessoa pode viver a incapaci-
dade sem ter nenhuma deficiência, apenas em razão de estigma ou preconceito (barreira
de atitude) (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008, p. 330).
Em resumo, se a surdez não é uma doença, sendo considerada apenas como uma forma
muito grave de deficiência auditiva, essa condição intrínseca não caracteriza por si mesma a
incapacidade do indivíduo para a participação em qualquer atividade. A efetiva capacidade de
participação de uma pessoa está mais propriamente relacionada à sua interação com fatores
culturais, o que para as pessoas surdas está associada à existência ou não de barreiras de
comunicação e participação social.
No caso brasileiro, apenas nas últimas décadas as pessoas surdas têm recebido a devida
atenção legal, cultural e educativa, para a superação do preconceito e para a ampliação do
seu reconhecimento e participação social. As lutas das organizações de surdos, a atenção
dos órgãos governamentais, os estudos multidisciplinares sobre a surdez, as experiências
com educação de surdos, a atuação de interessados e de familiares de pessoas surdas têm
contribuído para o desenvolvimento e a propagação da Língua Brasileira de Sinais. Logo, o
ensino da Libras, como a modalidade linguística mais adaptada às condições físicas da surdez,
tornou-se fator fundamental para que se reconheça e estimule o desenvolvimento pleno das
capacidades dos surdos, na escola e fora dela. Este, no seu sentido humano mais profundo, é
o papel da educação: a ampliação contínua da aprendizagem do homem sobre si mesmo, em
busca da satisfação pessoal e do desenvolvimento social mais justo.
Aula 3 Noções sobre a surdez 47
Leituras complementares
RAMOS, Cléa Regina. Libras: a língua de sinais dos surdos brasileiros. Disponível em: <http://
www.editora-arara-azul.com.br/pdf/artigo2.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2011.
Nesse breve texto, a autora, que já foi ex-diretora da Revista da FENEIS, explora de manei-
ra fundamentada as raízes históricas das línguas de sinais no mundo e no Brasil, destacando
sua importância como língua natural das comunidades surdas.
CHARLES LIBRAS: blog. História da educação de surdos no Brasil e no mundo. 10 abr. 2010.
Disponível em:<http://charles-libras.blogspot.com/2010/04/historia-da-educacao-de-surdos-
no.html>. Acesso em: 17 fev. 2011.
Charles Anderson é tradutor intérprete de Libras certificado pelo MEC e palestrante.
Em seu blog, ele apresenta uma cronologia da educação de surdos no Brasil e no mundo.
Autoavaliação
Pesquise na internet sobre como as pessoas surdas, no mundo e no Brasil, têm superado
preconceitos sociais e barreiras profissionais.
Assinale com verdadeiro (V) ou falso (F) para as sentenças abaixo:
SURDO OUVINTE
LIBRAS PORTUGUÊS
VIEIRA, Andreza Batista Cheloni; MACEDO, Luciana Resende de; GONÇALVES, Denise Utsch.
O diagnóstico da perda auditiva na infância. Pediatria, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 43-49, 2007.
______. Primary ear and hearing care training resource: trainer’s manual. Genebra:
WHO, 2006.
A B C Ç D E
F G H I J K
L M N O P Q
R S T U V W
X Y Z
Módulo 2
APRENDENDO LIBRAS
Projeto Institucional
Edital nº 015/2010/CAPES/DED
Fomento ao uso de tecnologias de comunição e informação nos cursos de graduação
Adir Luiz Ferreira
João Tadeu Weck
José Edmilson Felipe da Silva
Margarete Ferreira do Vale de Sousa
Paulo Roberto de Andrade Santos
Módulo 2
APRENDENDO LIBRAS
Adir Luiz Ferreira
João Tadeu Weck
José Edmilson Felipe da Silva
Margarete Ferreira do Vale de Sousa
Paulo Roberto de Andrade Santos
LIBRAS
Módulo 2
APRENDENDO LIBRAS
Natal – RN
Novembro/2011
Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Fernando Haddad
FICHA TÉCNICA
Coordenador de Produção de Materiais Didáticos Revisora das Normas da ABNT Diagramadores
Marcos Aurélio Felipe Verônica Pinheiro da Silva Ana Paula Resende
Carolina Aires Mayer
Projeto Gráfico Revisora Técnica
Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Ivana Lima Rosilene Alves de Paiva
Elizabeth da Silva Ferreira
Revisores de Estrutura e Linguagem Ilustradores Ivana Lima
Eugenio Tavares Borges Adauto Harley José Antonio Bezerra Junior
Janio Gustavo Barbosa Anderson Gomes do Nascimento Luciana Melo de Lacerda
Jeremias Alves de Araújo Carolina Costa de Oliveira Rafael Marques Garcia
Kaline Sampaio de Araújo Dickson de Oliveira Tavares
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade Leonardo dos Santos Feitoza
Thalyta Mabel Nobre Barbosa Roberto Luiz Batista de Lima
Rommel Figueiredo
Revisoras de Língua Portuguesa
Cristinara Ferreira dos Santos
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Janaina Tomaz Capistrano
Aprendendo Libras: módulo 2 / Adir Luís Ferreira et al ... – Natal: EDUFRN, 2011.
64 p.: il.
ISBN 978-85-7273-872-9
Conteúdo: Aula 4 – Aprendendo Libras. Aula 5 –Parâmetros da Libras. Aula 6 – Formação de sinais e
classificadores.
1. Libras. 2. Inclusão. 3. Surdos. I. Ferreira, Adir Luís. II. Weck, João Tadeu. III. Silva, José Edmilson Felipe
da. IV. Sousa, Margarete Vale de. V. Santos, Paulo Roberto de Andrade.
CDU 615.51.4
A654a
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida
sem a autorização expressa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Apresentação Institucional
A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE
O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.
Aula
4
Apresentação
As mãos rompem o silêncio e fazem a comunicação
de quem não ouve, mas vê, sente e se emociona.
(Autor desconhecido)
Objetivos
Compreender que a surdez não restringe a capacidade
1 comunicativa e cognitiva do surdo, e que a Libras é a sua
língua materna.
Saiba mais
A Proposta Bilíngue não privilegia uma língua, mas quer dar direito e condições
ao indivíduo surdo de poder utilizar duas línguas; portanto, não se trata de ne-
gação, mas de respeito; o indivíduo escolherá a língua que irá utilizar em cada
situação linguística em que se encontrar. (Kozlowski, 1998).
Variações linguísticas
É um fenômeno presente nas línguas humanas, independentemente de ação normativa
(gramática). Em qualquer língua oral e também na Libras é possível identificar variações
oriundas do contexto histórico, geográfico, sociocultural e comunicativo.
O contexto histórico explica como ao longo do tempo as palavras e os sinais vão sendo
gradativamente modificados e até substituídos, esse é um processo que ocorre em qual-
quer língua viva.
Figura 2
Saiba mais
FORTALEZA (CE)
Exemplo 1 – Polissemia: O sinal usado
pela comunidade surda de Fortaleza/
CE para indicar o nome de sua cidade é
o mesmo sinal usado noutras regiões
do Brasil para indicar “duro” ou “sem
dinheiro”. Assim, o mesmo sinal
(imagem 1) pode representar a capital
do Ceará ou indicar uma condição
financeira precária.
Figura 3
Saiba mais
Curiosidade
Você sabia que existem dois sinais diferentes para dizer “abacaxi”, sendo que
um deles também significa a cidade de Aracati/CE, conhecida pela produção
dessa fruta?
Resumo
Nesta aula, vimos que a Libras não deve ser estudada tendo como base
a Língua Portuguesa, pois as línguas de sinais não são derivações das línguas
orais auditivas, elas possuem uma gramática específica e independente. A
Libras reflete a forma natural de o surdo processar suas ideias, compreender
e expressar o mundo. Percebemos que o contexto comunicativo é fundamental
na produção de sentidos para os sinais executados e na compreensão dos
seus significados, permitindo que os interlocutores se expressem e interpretem
adequadamente a mensagem. Vimos também que como em qualquer língua,
a Libras possui variações linguísticas relacionadas a mudanças no contexto
histórico, geográfico, sociocultural e comunicativo. As variações produzidas
são identificadas no uso de signos polissêmicos ou sinonímicos, bem como
na maneira como eles são realizados.
1 2 3
Figura 4
Matemática Difícil
Dia Céu
Sol Cinema
SILVA, J. E. F. da. A construção da língua portuguesa escrita pelo surdo não oralizado.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2009..
Aula
5
Apresentação
[A língua de sinais], nas mãos de seus mestres, é uma língua extraordi-
nariamente bela e expressiva, para a qual, na comunicação uns com os
outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a mente dos
surdos, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura.
J. Schuyler Long
The sign language, 1910
Nesta aula, veremos que a aprendizagem da Libras requer atenção para a forma como os Morfologia é o estudo da
estrutura, da formação e da
sinais são executados, de modo que as variações linguísticas (conteúdo da Aula 4), especifi-
classificação das palavras,
camente no que se refere ao “sotaque” e a “prosódia” não comprometam a compreensão de independentemente de
seu significado. Desse modo, existe uma morfologia dos sinais, presente na maneira como se sua função sintática na
combinam os parâmetros da Libras para formar um signo linguístico ou item lexical. Todas as participação da frase
ou oração. Em Libras, a
línguas têm suas próprias regras para a formação de seus signos (sinal em Libras ou palavra
morfologia refere-se ao
em Língua Portuguesa). O conjunto desses signos forma o léxico de uma língua. Nesta aula, modo como os sinais são
então, estudaremos o modo como as mãos se posicionam, as formas que elas assumem, o estruturados segundo
movimento que realizam (ou não) na sinalização, bem como a postura corporal e a expressão seus parâmetros de
configuração. Morfema
facial que complementam o contexto de produção dos sentidos na comunicação. Não existe
refere-se às partes
consenso entre os estudiosos sobre quantos e quais são os parâmetros da Libras, por isso constituintes das palavras,
adotamos a divisão que parece mais largamente aceita, a qual compreende: ponto de articu- em sua menor unidade
lação, configuração de mão, orientação, movimento e expressão corporal/facial. Porém, nem gramatical. Em palavras
como “infelizmente” temos
todos os sinais reúnem esses cinco parâmetros em sua composição.
o prefixo “in”, o radical
“feliz” e o sufixo “mente”.
Em Libras os parâmetros
de configuração
equivalem aos morfemas,
Para a execução dos sinais, a(s) mão(s) toca(m) alguma(s) parte(s) do corpo (cabeça,
face, pescoço, tórax, braços). Há sinais, porém, em que a(s) mão(s) pode(m) se tocar (ou não)
sem tocar noutras partes do corpo. Nesse caso, dizemos que o sinal é executado em espaço
neutro. Vejamos, na Figura 2, os sinais “televisão”, “namorar”, “barco” e “inclusão” que são Espaço neutro
executados em espaço neutro. O ponto de articulação,
local onde o sinal se
inicia e é realizado, pode
estar marcado pelo
SINAL “TELEVISÃO” SINAL “NAMORAR”
contato da(s) mão(s) em
alguma parte do corpo.
Quando as mãos se
tocam sem tocar outra
parte do corpo, dizemos
que o sinal é realizado
em espaço neutro. Há
sinais executados com
apenas uma mão e
SINAL “BARCO” SINAL “INCLUSÃO” outros com ambas.
Inclusão
O sinal de inclusão
apresentado neste módulo
corresponde ao uso
nacional da Libras, já o
adotado na videoaula e é
uma variação regional.
Vários sinais são morfologicamente estruturados num mesmo ponto de articulação, como
exemplifica a Figura 3. O ponto de articulação pode ser definido em alguns sinais a partir do
campo semântico ao qual pertencem. Sinais como medo, compaixão, raiva, amor, saudade,
alegria e tristeza possuem um mesmo campo semântico – sentimentos – e, por isso, têm em
sua morfologia o mesmo ponto de articulação – peito esquerdo. Outros sinais relacionados
a atividades cognitivas, como no caso de aprender, esquecer, lembrar, pensar, compreender,
entender, imaginar, definir, sonhar e acreditar têm em comum o ponto de articulação na testa.
Configuração de mão
As mãos são as articuladoras dos sinais. Assim, a Configuração de Mão (CM) se refere às
diferentes formas de posicioná-las na composição dos sinais. Por isso, é importante relembrar
nosso conhecimento sobre a mão (dedos, palma e dorso) para que ao fazermos a descrição
de um sinal ele seja compreendido com clareza.
r
Indicado Médio
Polegar An
ela
r
Mí
nim
o
Palma
Dorso
7 8 9 10 11 12
13 14 15 16 17 18
19 20 21 22 23 24
25 26 27 28 29 30
31 32 33 34 35 36
37 38 39 40 41 42
43 44 45 46 47 48
49 50 51 52 53 54
55 56 57 58 59 60
Exemplo 1
SINAL CHAVE SINAL FAZER
Exemplo 2
SINAL LEMBRAR SINAL OLHAR
Exemplo 3
SINAL SOFRER SINAL PERDOAR/DESCULPAR
Curiosidade
Os fumantes passivos que não consomem cigarros, mas respiram a fumaça dos
outros, têm um alto risco de sofrer de surdez, segundo revela um estudo. Os
autores examinaram 3.300 adultos estadunidenses com idades compreendidas
entre 20 e 69 anos, classificados como fumantes passivos depois de medir em
seu sangue as concentrações de cotinina, um produto derivado da nicotina.
Fonte: http://www.jkg.com.br/curiosidades/660/a-fumaca-do-cigarro-provoca-surdez
Atividade 2
Direção é o sentido ou trajetória em que o sinal é realizado: para cima ou para baixo, para a
esquerda ou para a direita, para frente ou para trás. O movimento pode conter uma ou mais
direções (unidirecional, bidirecional ou multidirecional). Em alguns casos, a inversão na di-
reção do movimento pode funcionar para expressar um sentido oposto, isto é, um antônimo.
Forma – modo pelo qual as mãos e dedos seguem uma trajetória na execução do sinal. O
movimento segundo sua forma pode ser extenso ou curto, deslocando-se em linha reta
ou curva. Algumas vezes as linhas combinam suas formas para reproduzir a geometria do
objeto, conceito ou sentimento convencionada pelo sinal.
Atividade 3
abdômen – agora – apagador – bicicleta – elevador – férias – fogo – magro – panela – repetir
– resposta – saúde
Movimento circular
(PA) Espaço neutro, na altura do peito. (PA) Espaço neutro, na altura do peito.
(CM) 38 (CM) 57
(M) bidirecional linear horizontal e repetitivo. (M) bidirecional linear vertical repetitivo.
(OM) Palma das mãos para baixo. (OM) Palma das mãos para cima.
(PA) Rosto sem tocar. (PA) Neutro na altura do rosto. (PA) Espaço neutro.
(CM) 57 (CM) 38 (CM) 26
(M) Multidirecional circular. (M) bidirecional linear vertical repetitivo. (M) Bidirecional linear horizontal.
(OM) Palma das mãos para o corpo. (OM) Palma das mãos para frente. (OM) Mãos espelhadas, uma com a
palma virada para a direita e a
outra para a esquerda.
Atividade 4
Para cima
Para baixo
Para o corpo
Para frente
Diagonal
Resumo
Nesta aula, você viu que a realização dos sinais em Libras obedece a
parâmetros que orientam o ponto de articulação, a forma assumida pela mão, o
tipo de movimento executado, a posição da palma da mão e as expressões facial
e corporal que acompanham o gesto. Alguns sinais não são constituídos por
todos os parâmetros. Você também viu que a gramática da Libras ainda apresenta
alguns pontos que merecem maior formalização, pois só recentemente passou
a ser estudada com mais interesse pelos linguistas. Contudo, a insuficiência
desses estudos não significa a inexistência de uma gramática da Libras, sendo
necessário conhecê-la, pois alterações inadvertidas na realização dos sinais, isto
é, a inobservância de seus parâmetros, pode provocar problemas na compreensão
e até inverter o sentido do que se está tentando comunicar.
a) borboleta – (OM)
b) martelo –(OM)
c) Brasil – (OM)
BRITO, L. F. (Org.). Língua Brasileira de Sinais – Libras. In: ______. Programa de capaci-
tação de recursos humanos do ensino fundamental: Língua Brasileira de Sinais. Brasília:
SEESP, 1997. p. 19-61. v 3.
SILVA, J. E. F. da. A construção da língua portuguesa escrita pelo surdo não oralizado.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, 2009.
SILVA, L. C.; DECHICHI, C.; MOURÃO, M. P. (Org.). Professor e surdez: cruzando caminhos
produzindo novos olhares. Uberlândia: EDUFU, 2009.
Aula
6
Apresentação
N
as Aulas 4 e 5 aprendemos sobre o significado dos sinais para uma língua de modali-
dade gesto visual e os parâmetros básicos para a sua execução, segundo a gramática
da Libras. A formação dos sinais resulta da combinação de seus parâmetros, sendo
que alguns sinais podem derivar da união de outros sinais, a exemplo do que acontece com as
palavras compostas nas línguas orais. Como em qualquer língua, os sinais também pertencem
a categorias gramaticais distintas: verbos, substantivos, adjetivos e outros. Algumas categorias
gramaticais como artigos, conjunções e preposições não existem na Libras. Porém, há outra
categoria na Libras, que não existe na Língua Portuguesa, chamada de classificadores. Trata-se
de configurações específicas de mãos – sinalizadas junto ao verbo, ao sujeito da oração ou
ao objeto/coisa referente –, que atuam complementando o sinal com informação de número,
gênero ou propriedade física do objeto a que se refere. O conteúdo da Aula 6 será ampliado
no próximo módulo, no qual abordaremos mais sobre a estrutura morfológica e sintática da
Libras por meio da elaboração de pequenos diálogos.
Objetivos
1 Compreender a formação de sinais na Libras.
Saiba mais
CAVALO LISTRAS
(CM) 36 (CM) 18
(PA) Lateral da cabeça acima da orelha tocando (PA) A frente do corpo tocando o centro do peito.
com o indicador. (OM) Palma da mão virada para cima, mãos espe-
(M) Curvar o polegar e o médio para baixo duas lhadas.
vezes. (M) Unidirecional, vertical, encostar a mão na altura do pei-
(OM) Palma para frente. to, movimentar para baixo na altura da cintura, repetir
três vezes para baixo, imitando o desenho de listras.
Morte
(CM) 56 (CM) 57
O sinal de enterro, quando
(PA) A frente do corpo, na altura do peito. (PA) A frente do corpo, na altura do peito.
para compor o sinal de
(OM) Palma das mãos em vertical espelhadas, (OM) Palma das mãos viradas para cima, uma
cemitério é utilizado de tocando a ponta dos dedos, imitando um sobre a outra cruzando.
forma abreviada, sem a telhado. (M) Bater duas vezes a mão superior na inferior.
primeira parte que faz
referência à morte
CEMITÉRIO (CRUZ + MORTE )
Fazer o sinal de cruz e, em seguida, o sinal de morte.
CRUZ MORTE
(CM) 14 (CM) 53
(PA) A frente do corpo, na altura do peito. (PA) Ao lado do pescoço.
(OM) Pontas dos dedos indicadores se cruzando, (OM) Palma da mão para baixo.
um dedo na horizontal e outro na vertical. (M) Deslizar a mão pelo pescoço de um lado para outro.
MAÇÃ VÁRIOS
(CM) 29 (CM) 37
(PA) Um pouco abaixo da boca. (PA) A frente do corpo, na altura do peito.
(OM) Palma da mão para dentro, como se estivesse (OM) Palma das mãos viradas para baixo, próximas.
segurando uma maçã. (M) Movimentar de maneira rápida e repetida os dedos
(M) Levando a mão em direção à boca. indicadores e médios de cada mão. Ao mesmo
tempo, ir afastando as mãos, em sentido horizontal.
HOMEM CONSERTO
Figura 1
HOMEM MULHER
CRIANÇA BENÇÃO
MENINO MENINA
+ +
HOMEM + CRIANÇA MULHER + CRIANÇA
PAI MÃE
+ +
HOMEM + BENÇÃO MULHER + BENÇÃO
IRMÃO IRMÃ
+ +
HOMEM + IRMÃO MULHER + IRMÃO
VOVÔ VOVÓ
+ +
HOMEM + VELHO MULHER + VELHA
Figura 2
Aula 6 Formação de Sinais e Classificadores 55
É preciso dizer que a combinação utilizada entre sinais para a marcação de gênero se
aproxima mais da aposição das palavras macho e fêmea que fazemos em português quando
queremos esclarecer o sexo de um referente que não admita flexão de gênero, como em
cobra macho ou jacaré fêmea. Na Libras, há a possibilidade de variação na ordem dos sinais,
facultando aos sinais “homem” ou “mulher” de serem realizados antes ou depois do referente.
Em Libras não existe flexão de gênero (masculino/feminino), número (singular/plural)
ou grau (aumentativo/diminutivo). Quando é necessário especificar o gênero, o número ou o
grau, incorpora-se aos sinais outros sinais que assumem esse fim, que são chamados de sinais
classificadores quando utilizados nesse contexto. Exemplo: “casinha” (CASA + PEQUEN@)
Ainda sobre a formação de sinais é importante observar a existência de alguns verbos que
resultam da combinação de outros sinais, como no caso de “acreditar” (SABER+ESTUDAR).
Entretanto, essas formas de composição ainda estão em estudo pelos linguistas da Libras, não
havendo consenso entre os autores mais conhecidos como Quadros, Strobel, Ferreira Brito,
Capovilla, Tanya Felipe e outros.
Partindo dos estudos já sistematizados em Libras, podemos dizer que os classificadores
são modos especiais de realizar um sinal, cuja finalidade é descrever algumas propriedades
particulares do referente. Em geral, os classificadores são acréscimos feitos ao sinal para
esclarecer, por exemplo, o tamanho, a forma ou tipo de movimento do que está sendo repre-
sentado. Assim, como explica Quadros; Schmiedt (2006, p. 21) os classificadores podem ser
usados para “expressar formas de objetos, bem como o movimento e trajetórias percorridos
por tais objetos”.
Exemplo 1: Para dizermos “Feche a porta, por favor”, não é necessário fazer
um sinal para “fechar” e outro sinal para “porta”. Nesse caso, os sinais se
aglutinam formando um classificador e o artigo “a” não é sinalizado, porque na
Libras não se faz uso de artigos para definir gênero (masculino/feminino) ou
número (singular/plural).
Exemplo 2:
O conceito de classificador diz respeito aos diferentes modos como um sinal é produzido,
dependendo das propriedades físicas do referente que ele representa. Os classificadores
geralmente representam algumas características físicas do referente como o seu tama-
nho e forma, ou seu comportamento ou movimento, o que confere grande flexibilidade
denotativa e conotativa aos sinais. O sinal telefone celular, por exemplo, é classificador,
pois sua forma varia de acordo com o tamanho e modelo do objeto referido. Quando um
sinal funciona como um classificador, [...] sua forma específica varia dependendo das
circunstâncias particulares de seu uso [...].
É importante frisar que os classificadores não se referem apenas a objetos (seres inani-
mados), mas também a pessoas e animais. Assim, diante do que já exploramos neste tópico
e a despeito da falta de consenso entre os teóricos acerca dos classificadores, podemos
entender que os classificadores cumprem um papel descritivo (aspectos físicos) e locativo
(relação espacial) do referente (seres animados e inanimados), muitas vezes associado ao
verbo (ação praticada ou sofrida).
A partir dos exemplos dados, vemos que a iconicidade é algo comum e quase inevitável
nas línguas de sinais, uma vez que sua base é gesto-visual. Por isso, a iconicidade está muito
presente nos classificadores, por aglutinarem num mesmo sinal descrições de forma, tamanho,
movimento, textura e relação espacial de seus referentes. Para melhor entendermos, vejamos
o emprego de classificadores noutros exemplos.
Exemplo 4: Se desejamos dizer “O menino escova os dentes” em Libras, faremos isso utilizan-
do um sinal classificador que aglutina o objeto escova (CM 11), os dentes (PA na boca com os
dentes à mostra) e a ação praticada (movimento repetido da escovação). Não faria sentido em
Libras realizar um sinal para escovar e outro para dentes. A mesma lógica também se aplica na
frase “Mamãe escova os cabelos”, na medida em que um mesmo sinal dirá escovar os cabelos,
pois reúne a ideia de escova (CM11), cabelos (PA nos cabelos do sinalizador) e a ação praticada
(movimento repetido de pentear).
ESCOVAR OS DENTES ESCOVAR OS CABELOS
Resumindo, podemos dizer que um sinal classificador é uma representação que mostra
claramente detalhes específicos, permitindo a descrição de pessoas, animais e objetos, bem
como sua movimentação ou localização. Para finalizarmos esta aula, precisamos dizer que a
aprendizagem da Libras pode, muitas vezes parecer difícil, porém, é natural porque a base lógica
da comunicação passa do som, que estamos acostumados, para a imagem, sinais realizados com
as mãos. Um pouco de paciência e perseverança será necessário e muito ajudará a consulta do
material complementar (videoaulas) e das leituras recomendadas ao final deste módulo.
Por último, não é exagero repetir que a fluência na Libras dependerá do quanto você
pratica a partir dos exercícios propostos e de sua interação com outros usuários de língua de
sinais, surdos e ouvintes.
Leituras complementares
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
Numa fascinante incursão pelo universo dos surdos, Oliver Sacks procura responder a
questões sobre o que acontece conosco se não aprendermos língua alguma e se a linguagem se
desenvolve de modo espontâneo e natural ou se requer contato com outros seres humanos. Sua
preocupação não é simplesmente apresentar ao leitor a condição daqueles que não conseguem
ouvir. Acompanhando a história, os dramas e as lutas dessas pessoas, o leitor será levado a
refletir sobre problemas antiquíssimos (linguagem, biologia, cultura) de modo diferente.
Resumo
Nesta aula, você viu que na Libras há uma categoria gramatical que não existe
na Língua Portuguesa: os classificadores, que são configurações específicas de
mãos que complementam o sinal. Os classificadores são modos especiais para um
sinal, que descrevem propriedades particulares do referente. Em geral icônicos,
os classificadores são acréscimos para esclarecer ou complementar o sentido do
sinal representado. Podem expressar ideia de forma, quantidade e intensidade.
Viu também que os classificadores servem tanto para objetos (seres inanimados)
como para pessoas e animais. Por fim, percebeu que eles especificam o sujeito
da ação ou a própria ação, unindo ao sinal principal configurações específicas de
mão, expressões faciais ou movimentos, que definem claramente as propriedades
do referente.
Referências
BRITO, Ferreira L. Por uma gramática das línguas de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-
leiro, 1995.
PIMENTA, Nelson; QUADROS, Ronice Muller de. Curso de Libras 1. Rio de Janeiro: LSB
Vídeo, 2006.
QUADROS, Ronice Müller de. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília:
MEC/SEEPS, 2006.
QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira: Estu-
dos Linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. v 1. 222 p.
VILELA, M.; KOCH, Ingedore Vilhaça. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001.