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Livro As Pessoas Na Organização - Maria T L Fleury PDF

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As PESSOAS NA

ORGANIZAÇÃO
Ana Cristina Limongi-França André Luiz Fischer
Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira
Eliete Bernal Areilano
Germano Glufke Reis
Gilberto Shinyashiki
Jáder dos Reis Sampaio
Joel Souza Dutra
José Antonio Monteiro Hipólito
Lindolfo Galvo de Albuquerque
Maria Tereza Leme Fleury (org.)
Mansa Eboli
Moacir de Miranda Oliveira Junior
Rosa Maria Fischer
Tânia Casado
Copyright © Editora Gente
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)
As pessoas na organização. São Paulo : Editora Gente, 2002.
Vários autores.
Índices para catálogo sistemático:
1. Gestão de pessoas: Administração de empresas 658.3
2. Pessoas: Gestão: Administração de empresas 658.3
Todos os direitos desta
edição são reservados à Editora Gente.
Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São Paulo - SP CEP 05029-030 - Telefax: (11) 3670-2500
Site: www.editoragente.com.br
E-mau: genteeditoragente.com.br

1. Introdução

Toda e qualquer organização depende, em maior ou menor grau, do desempenho


humano para seu sucesso. Por esse motivo, desenvolve e organiza uma forma de
atuação sobre o comportamento que se convencionou chamar de modelo de gestão de
pessoas. Tal modelo é determinado por fatores internos e externos à própria organização.
Assim, para diferentes contextos históricos ou setoriais são encontradas diferentes
modalidades de gestão. O que distingue um modelo de outro são as características dos
elementos que os compõem e sua capacidade de interferir na vida organizacional dando-
lhe identidade própria. O modelo deve assim, por definição, diferenciar a empresa em seu
mercado, contribuindo para a fixação de sua imagem e de sua competitividade.
Entretanto, ao analisar a história dos modelos de gestão, observa-se que, em geral, eles
se articulam em torno de alguns conceitoschave que determinam sua forma de operação
e a maneira pela qual direcionam as relações organizacionais nas empresas. A análise
desses grandes elementos de articulação possibilita entender as especificidades e as
complementaridades que se formaram entre diversos modelos e épocas históricas.

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Neste capítulo define-se o que é um modelo de gestão de pessoas e quais são os fatores
que determinam sua configuração específica em uma organização ou um setor de
atividade. Tendo-se por referência as perspectivas mais influentes da teoria
organizacional, classificam-se as grandes correntes de gestão de pessoas em quatro
categorias, que correspondem a períodos históricos e conceitos articuladores específicos.
São elas: modelo de gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como
gestão do comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem
competitiva. As principais características de cada uma dessas escolas são analisadas a
seguir.

2. O que é um modelo de gestão de pessoas

Entende-se por modelo de gestão de pessoas a maneira pela qual uma empresa se
organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho. Para isso, a
empresa se estrutura definindo princípios, estratégias, políticas e práticas ou processos
de gestão. Através desses mecanismos, implementa diretrizes e orienta os estilos de
atuação dos gestores em sua relação com aqueles que nela trabalham.
Parece evidente que todo e qualquer negócio é dependente de formas particulares de
comportamento, sendo quase impossível dissociar determinadas marcas e produtos da
expectativa de desempenho formada por seus clientes. Episódios de conhecimento
público, que marcam a história das organizações, demonstram como determinadas
marcas podem sofrer consequências desastrosas quando a ação humana interfere
negativamente nos produtos e serviços prestados aos clientes. Tome-se o exemplo da
Firestone e os pneus que provocaram uma sucessão de acidentes com vítimas entre
proprietários de veículos Ford nos Estados Unidos ou o da Coca-Cola, cujos refrigerantes
contaminados foram distribuídos na Bélgica e em parte da Europa, o que fez desabar o
valor das ações da empresa durante vários meses em todo o mundo, ou os acidentes
ecológicos que abalaram a Shell nos anos 1980. São situações-limite, carregadas de
certa dose de imponderável, que não podem ser creditadas exclusivamente a falhas
humanas, mas que, por sua dramaticidade, ilustram bem como o comportamento das
pessoas no trabalho pode interferir na preservação e na agregação de valor das
empresas.
Alguns poderiam acreditar que, no mundo da informação, da eletrônica, da intangibilidade,
do fast food e da competitividade exacerbada, o comportamento humano perderia espaço
e relevância. Mas o que se vê, ao contrário disso, é que os negócios mais próximos desse
mundo são aqueles que se tomam mais dependentes do comportamento humano. Não é
objetivo deste capítulo analisar a chamada economia virtual e seus impactos em RH, mas
vale dizer que, quanto mais a empresa se concentra no chamado ativo intangível (marcas,
performance, inovação tecnológica e de produto, atendimento diferenciado etc.), mais
forte se torna a dependência dos negócios ao desempenho humano. A máxima high tech,
high touch parece vir a confirmar-se.
Do lado do mercado, parece razoável supor que a concorrência mais ampla é também
fortemente valorizadora do comportamento humano. Quanto maiores

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forem as opções de aquisição de bens e serviços, a transparência dos mercados e o


acesso aos meios de comunicação, mais definitivo será o impacto do comportamento das
pessoas nas decisões do consumidor.
Em empresas submetidas a tal regime de mercado, o comportamento humano passa a
integrar o caráter intrínseco dos negócios, tomando-se elemento de diferenciação e
potencializando a vantagem competitiva. Vale ressaltar que não se pretende repetir o
velho jargão otimista e utópico de que “o elemento humano vem sendo cada vez mais
valorizado pelas organizações”. A organização não está se tornando mais humana por
causa da nova onda competitiva, não está sendo regida por princípios que privilegiam o
humano em detrimento de outros valores organizacionais. O que se quer dizer é que,
quanto mais os negócios se sofisticam em qualquer de suas dimensões — tecnologia,
mercado, expansão e abrangência etc. —, mais seu sucesso fica dependente de um
padrão de comportamento coerente com esses negócios. É assim que não se imagina,
por exemplo, uma loja do McDonald‟s que não esteja imersa em um clima de alegria e
jovialidade nem numa forma particular de manter a agilidade de atendimento. Tais
características humanas, que fazem sucesso vendendo hambúrguer em todo o mundo,
diferem completamente daquilo que se espera de uma empresa aérea, cujos funcionários
devem inspirar cortesia, cordialidade, segurança e confiabilidade. Confiança e solidez são
também parte integrante do portfólio de produtos das organizações bancárias e somente
se traduzem em realidade com funcionários respeitosos, cautelosos e preocupados em
conhecer o que queremos com a aplicação de nosso dinheiro.
A importância que o comportamento humano vem assumindo no âmbito dos negócios fez
com que a preocupação com sua gestão ganhasse espaço cada vez maior na teoria
organizacional. É nesse contexto que surge o conceito de modelo de gestão de pessoas.
Quando esse conceito é estrategicamente orientado, sua missão prioritária consiste em
identificar padrões de comportamento coerentes com o negócio da organização. A partir
de então, obtê-los, mantê-los, modificá-los e associá-los aos demais fatores
organizacionais será o objetivo principal.
Analisado no contexto organizacional, o modelo caracteriza-se assim como uma variável
dependente das condições em que ocorrem os negócios. Somente com o entendimento
adequado dos fatores que determinam essas condições é que se torna possível delinear
um modelo coerente com as necessidades da empresa.

3. Fatores condicionantes do modelo de gestão de pessoas


O desempenho que se espera das pessoas no trabalho e o modelo de gestão
correspondente são determinados por fatores internos e extemos ao contexto
organizacional. Dentre os fatores internos, destacam-se o produto ou serviço oferecido, a
tecnologia adotada, a estratégia de organização do trabalho, a cultura e a estrutura
organizacional. Quanto aos fatores externos, a cultura de trabalho de dada sociedade,
sua legislação trabalhista e o papel conferido ao Estado e aos demais agentes que atuam
nas relações de trabalho vão estabelecer os limites nos quais o modelo de gestão de
pessoas poderá atuar.
Vale detalhar, ainda que sucintamente, o papel de cada fator:

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3.1 TECNOLOGIA ADOTADA


Parece senso comum que o padrão de máquinas utilizado pela empresa determina
fortemente o comportamento que se espera dos funcionários. Operários que trabalham
em linhas de produção acompanham o ritmo ditado pela velocidade da máquina. Deles
não se esperam iniciativa nem autocontrole, bastando que o cartão de ponto, na entrada
da fábrica, registre sua presença.
A automatização ou robotização do processo transformará esse trabalhador de provedor
de força e guia de ferramentas em monitor da atividade sob sua responsabilidade. Ele
passará a atuar na irregularidade, e não na regularidade, o que tornará o trabalho
dependente de autonomia e capacidade de antecipação.
No primeiro caso, o modelo de gestão poderia limitar-se ao simples registro da presença e
propiciar uma recompensa satisfatória ao trabalhador. No segundo, torna-se obrigatório
garantir seu envolvimento com o que faz e estimular a iniciativa individual desse
trabalhador. A tecnologia passa a demandar um comportamento e, por decorrência, um
modelo diferenciado.

3.2 ESTRATÉGIA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Diferentes formas de organização do trabalho são, na verdade, diferentes maneiras de


buscar o comportamento exigido pelo processo de trabalho adotado. Desse modo, pode-
se dizer que trazem o mesmo impacto da tecnologia para o modelo de gestão.
As práticas de TQM (total quality management), a adoção das várias formas de GSA
(grupos semi-autônomos), os operadores multifuncionais e as células de trabalho serão
totalmente inócuos se não estiverem acompanhados de políticas e práticas de gestão de
pessoas que estimulem e orientem o padrão de desempenho desejado pela técnica de
gestão do trabalho utilizada.
Na verdade, pode-se mesmo dizer que é quase impossível separar o modelo de gestão
de pessoas do modelo de gestão do trabalho. Trata-se de dois conjuntos de praticas que
incidem sobre as mesmas instãncias organizacionais — as relações humanas na
empresa — e que pretendem alcançar os mesmos objetivos: determinado padrão de
desempenho no trabalho.

3.3 CULTURA ORGANIZACIONAL

Parece evidente também quanto a cultura organizacional interfere e, ao mesmo tempo,


recebe a influência do modelo de gestão de pessoas de uma organização. Edgard Schein,
um dos autores mais citados nessa área, define a concepção de trabalho e o valor
conferido ao ser humano como os pressupostos nucleares e fundamentais da cultura de
um grupo. Um dos principais papéis do modelo de gestão é reforçar e reproduzir esses
pressupostos na cultura organizacional vigente, diferenciando e moldando padrões de
comportamento.
É relativamente fácil perceber isso no dia-a-dia das organizações. Nas empresas, aqueles
que trabalham em determinadas áreas ou profissões são considerados

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seres humanos diferentes dos outros. É assim que engenheiros são mais valorizados que
profissionais de escritório em empresas metalúrgicas e de mineração — como
demonstrou Fleury (1986) em seu estudo sobre a cultura organizacional de uma das
maiores empresas brasileiras desse setor de atividade. Especialistas em marketing são
mais considerados que funcionários de produção em empresas de bens de consumo não-
duráveis. Financeiros são verdadeiras referências de comportamento nos grandes
bancos. É notório que as práticas de recursos humanos ao mesmo tempo refletem,
reproduzem e legitimam tais características culturais das organizações (Eboli, 1990; Fleur
1986).

3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

A estrutura ou modelo organizacional delineia também as características do modelo de


gestão de pessoas dominante na empresa. Uma estrutura departamental, explicitamente
orientada para a cadeia de comando e controle, implica um modelo igualmente
segmentado e restritivo. À iniciativa limitada, à ordem supenor, ao manual de
procedimentos, à ação voltada para os objetivos setoriais sem perspectiva sistêmica nem
do conjunto da empresa corresponde determinada forma de remunerar, capacitar e
recrutar pessoas.
Por outro lado, uma estrutura matricial, por unidades de negócios ou em rede, demanda
práticas de recursos humanos através das quais se perceba a empresa como uma
totalidade. A remuneração não pode estar vinculada exclusivamente ao cargo ocupado, o
processo de treinamento deve incentivar a visão sistêmica da organização e o
recrutamento deve ser feito dentro de um perfil de competências que atendam ao
conjunto da corporação, e não só às demandas da unidade em que a pessoa irá atuar.

3.5 FATORES EXTERNOS

Os fatores externos à organização devem ser classificados, segundo sua origem, em


duas categorias: os advindos da sociedade e os que têm origem no mercado. Os fatores
sociais correspondem à forma pela qual a sociedade regula o trabalho e as relações de
trabalho que ocorrem em seu âmbito. Prevalecem a cultura de trabalho dessa sociedade,
a legislação e a intervenção dos diferentes agentes, dentre os quais se destacam o
Estado e as instituições sindicais.
Por fugir muito ao escopo deste capítulo, esses fatores não serão analisados em detalhe.
É importante ressaltar que as variáveis sociais, na maior parte das vezes, exercem mais
um papel de restrição que de definição das características do modelo, ou seja, definem os
limites até os quais a organização e seus gestores podem decidir e agir na configuração
de suas políticas e práticas de gestão.
O mercado, por seu lado, deve ser considerado o fator preponderante na constituição do
modelo, pois define o perfil de competências organizacionais exigido pelo negócio do
setor de atividade em que atua. Como afirmam autores reconhecidos na área de
estratégia empresarial, no mundo competitivo a empresa é vista
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como “um portfólio de competências”, vencendo aquela que melhor dominar a


competência essencial de determinado setor de atividade (Prahalad e Hamel, 1995). É
fácil perceber quanto a legitimidade de um modelo de gestão de pessoas está relacionada
a sua capacidade de ser tributário do modelo de competências de uma organização. A
determinado padrão de competências organizacionais correspondem competências
humanas particulares — comportamentos organizacionais que lhes são específicos e
contributivos.
O reconhecimento do caráter dependente do modelo de gestão de pessoas e a
identificação de seus fatores condicionantes permitem perceber as variações que ocorrem
em seus diversos níveis de manifestação: a empresa(nível micro), o setor de atividade
(nível meso) e a nação ou outra unidade demográfica (nível macro). À medida que
ocorrem alterações nas vanáveis básicas que atuam em uma das dimensões desses
níveis, o modelo sofre mudanças de configuração.
O caráter contingencial e dependente da administração de recursos humanos é que
explica por que o modelo de gestão pode manifestar-se de forma heterogênea dentro de
contextos de análise aparentemente semelhantes. O senso comum, a observação
empírica não sistematizada e pesquisas recentes indicam que é possível, e até muito
provável, encontrar mais de um tipo de modelo de gestão convivendo harmoniosamente
dentro da mesma empresa. É razoável pressupor também que, à medida que as
empresas passam a competir pela competência que são capazes de agregar, as
diferenças se intensificam no plano meso e no macro.
Tudo isso dificulta sobremaneira a delimitação e a identificação do modelo em situações
empíricas, dado o fato de que se manifesta de forma cada vez mais diversa quanto mais
competitivo for o ambiente. Entretanto, algumas de suas características são mais
genéricas e estruturais e podem ser mais bem especificadas como elementos
componentes do modelo.

4. Elementos componentes do modelo de gestão de pessoas

A rigor, tudo aquilo que interfere de alguma maneira nas relações organizacionais pode
ser considerado um componente do modelo de gestão de pessoas. O comportamento
organizacional não é produto direto de um processo de gestão, mas o resultado das
relações pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na empresa. Gestão de pessoas
significa orientação e direcionamento desse agregado de interações humanas.
Nesse sentido, a definição de uma estratégia, a implementação de uma diretriz com
impactos no comportamento dos empregados, a fusão ou transferência de uma unidade
organizacional ou a busca de nova postura de atendimento ao cliente são intervenções de
gestão de pessoas. A concordância com tal perspectiva implica o reconhecimento de que
os limites entre o que é especialidade de recursos humanos e o que está na área de
atuação dos planejadores estratégicos ou dos gestores de produção ou de marketing são
muito tênues e de difícil determinação.
De qualquer forma, ainda que seja para fins didáticos e de delimitação de campos
teóricos de pesquisa, é importante circunscrever os elementos componentes do

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modelo de gestão de pessoas. Eles estão presentes em praticamente todas as
organizações, mas não são identificados de imediato porque se manifestam de diferentes
maneiras: mais ou menos formalizados, consolidados em uma estrutura organizacional
própria ou ainda dispersos e pouco tangíveis, o que depende, fundamentalmente, da
maior ou menor consciência que a própria empresa tem da importância de agir
organizadamente sobre o comportamento humano aplicado ao trabalho.
Embora a gestão de pessoas abranja, acima de tudo, determinado padrão de atitudes e
posturas observáveis pelo analista externo que caracterizam o convívio humano na
organização, é possível decompô-la em elementos menos abstratos. Os componentes
formais de um modelo de gestão de pessoas se definem por princípios, políticas e
processos que interferem nas relações humanas no interior das organizações.
Por princípios entendem-se as orientações de valor e as crenças básicas que determinam
o modelo e são adotadas pela empresa. Especial destaque deve ser dado para as já
referidas anteriormente como fundamentais na definição da cultura de uma organização: o
significado do homem e do trabalho. Observe-se o exemplo de uma das maiores
organizações bancárias brasileiras. O Unibanco, ao definir sua estratégia de negócio no
início da década de 1990, optou pela seguinte formulação: “É nossa diretriz estratégica
atender de forma equilibrada aos interesses de clientes, acionistas e funcionários”. Com
isso a empresa quer tornar público que defende uma cultura na qual esses três agentes
organizacionais têm igual valor. Trata-se sem dúvida de uma definição de princípios de
gestão de pessoas que orientará as características estruturais do modelo de gestão
adotado. Outro exemplo conhecido é o da Disney. Ao definir como valores honestidade,
integridade, respeito, determinação e diversidade, a conhecida corporação americana
estabelece parâmetros de relacionamento entre as pessoas e das pessoas com a
organização. O modelo de gestão deverá não só segui-los e respeitá-los como também
reforçar esses valores na cultura da organização.
As políticas, por sua vez, estabelecem diretrizes de atuação que buscam objetivos de
médio e de longo prazo para as relações organizacionais. Em geral, são orientadoras e
integradoras dos processos especificamente voltados para a gestão de pessoas. A Xerox
do Brasil, por exemplo, definia: “A Xerox deve ser capaz de atrair e reter profissionais
qualificados para diversas funções do negócio. Para isso, o mercado (outras empresas) é
acompanhado continuamente, visando alinhar nossa estrutura de salários e conjunto de
benefícios às empresas mais modernas do mercado”. Nesse caso, mais uma vez se
estabelecem publicamente parâmetros que orientam as práticas de gestão, elementos
balizadores das práticas de gestão de salários que deveriam ser conhecidos e válidos
para toda a corporação.
Os processos são os elementos mais visíveis do modelo, e boa parte da literatura sobre
recursos humanos tem-se dedicado exclusivamente a eles. Processos são cursos de
ação previamente determinados, não podem ultrapassar os limites dos princípios de
gestão e visam alcançar os objetivos traçados, orientados por políticas específicas. São
instrumentalizados por uma ou mais ferramentas de gestão que pressupõem
procedimentos específicos.
Caracterizam-se como processos de gestão os planos de cargos e salários, de
capacitação e de sucessão, a administração de carreiras e as avaliações de desempe-

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nho, de performance e de pessoal. Pesquisas salariais, de clima organizacional e
diagnósticos de cultura são exemplos de processos e ferramentas componentes do
modelo. O importante, quando se fala em processos, é que somente ganham sentido
efetivo num contexto dado, ou seja, o processo depende de um princípio ou crença que
lhe dê conteúdo e direção e de sua capacidade de interferir nas relações organizacionais.
Somente assim um processo poderá cumprir seu papel de orientar ou estimular o
comportamento humano na empresa.
Integra ainda o modelo de gestão de uma organização o estilo de gestão dos gerentes
diretos das equipes de trabalho, ou seja, a maneira pela qual o gestor atua ao estabelecer
limites ou estimular determinados padrões de comportamento. Pela orientação dos
processos de capacitação gerencial ou mesmo da simples divulgação dos perfis de
comportamento desejados a empresa procura intervir no estilo gerencial praticado por
suas chefias dando coerência ao modelo. Assim, a P.hodia, um dos mais importantes
exemplos de processo de mudança organizacional da década de 1980, para consolidar o
novo perfil funcional desejado, começava por definir o estilo gerencial perseguido pela
empresa. Os gerentes da Rhodia deveriam adotar os seguintes princípios:

PRHOEX — Princípios gerenciais


• Visão sistêmica
• Foco nos processos
• Organização que aprende
• Valorização das pessoas
• Gerenciamento interfuncional

A experiência prática tem demonstrado que, dentre todos os componentes do modelo de


gestão de pessoas, esse talvez venha a ser o mais crítico. Conflui para o gerente todo o
processo de gestão, as ferramentas tomam vida quando são por ele utilizadas e sua
inadequação põe em risco toda a composição do modelo.
O desenho organizacional, ou seja, a maneira pela qual o modelo opera, a estrutura
específica de organização do trabalho dos profissionais especializados e a forma pela
qual eles prestam serviços a seus clientes também são elementos constituintes do
modelo. Tais características, embora de extrema relevância, não são tratadas
detalhadamente neste capítulo por fugir de seu objetivo central.

5. Um resgate histórico dos modelos de gestão de pessoas

Observa-se até aqui quanto as organizações dependem de uma atuação estruturada


sobre o comportamento humano e das características básicas dessa ação. Demonstrou-
se também que tal ação é determinada por fatores internos e externos

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à própria organização, sendo razoável supor que, para diferentes contextos históricos ou
setoriais, encontram-se diferentes modalidades de gestão. O que diferencia um modelo
de outro são as características de seus elementos, que, como se estudará a seguir, se
articulam em torno de alguns conceitos-chave, que por sua vez determinam a forma de
operação.
Buscando explicitar e entender esses conceitos articuladores, classificam-se as grandes
correntes sobre gestão de pessoas em quatro categorias principais, que correspondem a
períodos históricos distintos, como já foi mencionado anteriormente. São elas: modelo de
gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como gestão do
comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem competitiva.
Analisam-se a seguir as principais características de cada uma dessas vertentes.

6. Modelo de gestão de pessoas como departamento pessoal

A administração de recursos humanos, no sentido mais específico do termo (human


resource management) , é resultado do desenvolvimento empresarial e da evolução da
teoria organizacional nos Estados Unidos. Trata-se de produção tipicamente americana,
que procura suplantar a visão de departamento pessoal. Um conceito que reflete a
imagem de uma área de trabalho voltada prioritanamente para as transações processuais
e os trâmites burocráticos.
A história da human resource management (HRM) nos Estados Unidos, segundo Beverly
Springer, inicia-se com o surgimento dos departamentos pessoais. Em 1990, a autora
celebrou o centenário da história da gestão de recursos humanos nos Estados Unidos,
cuja origem poderia ser datada de 1890, quando a NCR Corporation criou seu personnel
office. O objetivo dos gerentes de pessoal, que atuariam nessa nova área, seria
“estabelecer um método pelo qual pudessem discernir melhor, entre a extensa e
diversificada massa de candidatos a emprego, que indivíduos poderiam tomar-se
empregados eficientes ao melhor custo possível” (Springer e Springer, 1990). Ela define
os fatores de ordem cultural, econômica e organizacional que determinaram o surgimento
da função “gestão de pessoal” nessa época. Dentre eles destacam-se:
-a NCR havia assumido porte e especialização que recomendavam uma função
específica voltada para a administração de pessoal;
-a livre empresa e o individualismo tomaram-se valores sedimentados na cultura
americana, o que permitia às empresas escolher livremente com quem e como trabalhar;
-a força de trabalho do país ganhara maior mobilidade, e era grande o contingente de
migrantes que deveriam ser adaptados ao trabalho;
-os sindicatos não se haviam disseminado dentro do novo tipo de corporação que surgia
como modelo empresarial.
Isso significa que o aparecimento do departamento pessoal ocorreu quando “os
empregados se tornaram um fator de produção cujos custos deveriam ser admi-

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nistrados tão racionalmente quanto os custos dos outros fatores de produção”. A raiz do
que viria a ser chamado posteriormente de administração de recursos humanos e que
neste capítulo se denomina modelo de gestão de pessoas estaria na necessidade da
grande corporação de gerenciar os funcionários como custos, o elemento diferenciador de
competitividade da época. Isso levou a NCR a investir em uma área especificamente
voltada para tal finalidade. Tal constatação reforça a premissa de que os recursos
humanos são resultado de um conjunto de necessidades empresariais delimitadas pelas
características sociais e culturais da época — uma função organizacional que surge como
conseqüencia, e não causa, dos processos de mudança que ocorriam na empresa e fora
dela. No caso da grande empresa americana do início do século XX, o modelo de gestão
deveria preocupar-se com as transações, os procedimentos e os processos que fizessem
o homem trabalhar da maneira mais efetiva possível: produtividade, recompensa e
eficiência de custos com o trabalho eram os conceitos articuladores do modelo de gestão
de pessoas do tipo departamento pessoal.
O fato de que condições sociais, econômicas e organizacionais são determinantes das
práticas de gestão de recursos humanos não constitui novidade. Tal conceito é observado
ou é um pressuposto intrínseco para praticamente todos os autores da área (Cave, 1994).
O que surpreende é a freqüência com que, mesmo assim, alguns analistas generalizam
suas recomendações de ótimos modelos, que deveriam ser praticados pelas
organizações sem levar em consideração os ambientes específicos em que estão
inseridas. A produção teórica nacional e internacional apresenta-se recheada de
prescrições genéricas, que buscam antever aquilo que todas as organizações precisariam
fazer com seus recursos humanos para se tornar eficazes, estratégicas ou competitivas‟.
Em contrapartida, essa produção é absolutamente pobre em estudos específicos que
reconheçam por meio da pesquisa aquilo que efetivamente as organizações adotam na
gestão de suas relações com os empregados.
A busca permanente de um padrão ótimo gera outra marca característica da gestão de
recursos humanos: conviverá permanentemente com a tensão entre o modelo idealizado
— concebido pelos teóricos como adequado — e o modelo praticado — efetivamente
implementado pelas organizações.
O divórcio entre teoria e prática começa a ser percebido com o advento das escolas
marcadas pela influência da psicologia humanista. A ideologia organizacional dominante
no início do século XX, a administração científica, era bastante compatível com um
departamento pessoal voltado para a eficiência de custos e para a busca de
trabalhadores adequados às tarefas cientificamente ordenadas. Mas, a julgar pela obra de
Springer, já a partir dos anos 1920 esse descompasso começa a aparecer. Em sua
reconstituição histórica, a autora afirma que, nesse período, os pressupostos taylonstas
continuam sendo adotados por praticamente todas as empresas, enquanto a teoria
avança em outra direção. Elton Mayo e seus seguido-

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res estariam promovendo as primeiras experiências de contato mais intenso entre a


administração e a psicologia, determinando uma nova fase na história da administração
de recursos humanos.

7. Modelo de gestão de pessoas como gestão do comportamento humano

A utilização da psicologia como ciência capaz de apoiar a comreensão e a intervenção na


vida organizacional provocou nova orientação do foco de ação da gestão de recursos
humanos. Ela deixou de concentrar-se exclusivamente na tarefa, nos custos e no
resultado produtivo imediato para atuar sobre o comportamento das pessoas. Isso
aconteceu por meio de duas escolas de psicologia, cuja influência se deu em diferentes
épocas. Nas décadas de 1930 e 40, predominaria a linha behaviorista do Instituto de
Relações Humanas da Universidade Yale. Sua principal contribuição seria a criação dos
instrumentos e métodos de avaliação e desenvolvimento de pessoas que, nas empresas,
formariam o arsenal da psicologia e da psicometria aplicadas aos procedimentos de
gestão de recursos humanos.
Já nos anos 1930, Abraham Maslow romperia com a escola behaviorista para iniciar o
período em que a psicologia humanista passaria a interferir decisivamente na teoria
organizacional. Todos os demais autores de projeção da área, como Herzberg, Argyris e
McGregor, podem ser, de alguma forma, vinculados a essa corrente.
A expressão human resource management e o foco prioritário no comportamento humano
podem ser considerados os principais resultados da afirmação definitiva da psicologia
humanista na teoria organizacional. Tal expressão começaria a ser utilizada a partir de
1950 nos Estados Unidos “para designar uma expansão da tradicional administração de
pessoal”, criada em 1890 pela NCR Corporation (Springer e Springer, 1990).
Nos anos 1960 e 70, a escola de relações humanas, nome pelo qual ficou conhecida essa
linha de pensamento, predominou como matriz de conhecimento em gestão de pessoas.
Uma de suas principais contribuições foi descobrir que a relação entre a empresa e as
pessoas é intermediada pelos gerentes de linha. Reconhecer a importância e levar o
gerente de linha a exercer adequadamente seu papel constituiu a principal preocupação
da gestão de recursos humanos. O foco de atuação se concentraria no treinamento
gerencial, nas relações interpessoais, nos processos de avaliação de desempenho e de
estímulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coerentes com o processo de gestão de
pessoas desejado pela empresa. Motivação e liderança passariam a constituir os
conceitos-chave do modelo humanista.
Em um artigo da Harvard Business Review, Millesi tentaria estabelecer uma distinção
entre os conceitos de relações humanas e de recursos humanos. Até hoje tal distinção
não foi devidamente incorporada pelo senso comum e pela teoria, uma vez que, em geral,
os dois conceitos são utilizados como sinõnimos. De qualquer maneira, para Millesi o
modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de
gerenciamento de pessoas, na qual a diferença fundamental

21

estaria na postura do gerente na condução das equipes de trabalho (Conrad e Pieper,


1990).
O mesmo autor publicaria, em 1975, Theories of management, propondo uma
classificação composta de três modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de
relações humanas e o modelo de recursos humanos. No primeiro, o papel do gerente
consiste em dar ordens e monitorar seus subordinados. No segundo, o de relações
humanas, os gerentes devem reconhecer as expectativas dos funcionários, levando-os a
sentir-se úteis e importantes naquilo que fazem. No terceiro e mais avançado modelo, o
de recursos humanos, o papel do gerente seria promovr atitudes de autodeterminação e
autogerenciamento entre os subordinados (Staehle, 1990).
Ainda nos anos 1960, desenvolveram-se as teorias que buscavam valorizar o papel do
elemento humano no sucesso das empresas. Em termos genéricos, incluem-se aqui
autores como Likert, Schultz e Schuster, que desenvolveram os conceitos de human
capital accounting ou human asset accounting (apud Conrad e Pieper, 1990). O objetivo
básico era inverter a visão predominante de gestão de recursos humanos, segundo a qual
a meta prioritária estaria centrada na otimização dos custos, para uma perspectiva de
valorização de ativos. Dessa linha de pensamento surgiu o jargão, bastante conhecido e
já desgastado, de que “o trabalho humano constitui o principal ativo de uma organização”.
A persistência do jargão na cultura dos especialistas demonstra a importância dessa linha
teórica na construção do conceito de administração de recursos humanos e na
reorientação de sua prática no interior das organizações. Entre suas contribuições estão a
introdução da questão da mensuração econômica dos resultados da função de recursos
humanos, uma embrionária valorização dos processos de desenvolvimento de pessoas
em detrimento das atividades técnicas de gestão de salários e de cargos e a promoção de
pesquisas empíricas que buscam comprovar a correlação entre o sucesso das
organizações e o investimento em desenvolvimento de recursos humanos.
Como se vê, embora por vezes sejam utilizadas como sinônimos, nota-se entre os
estudiosos da questão a forte preocupação de distinguir a gestão de recursos humanos
de administração de pessoal. Este segundo termo estaria vinculado a um passado
marcado pelo caráter processual e burocrático da atividade, característico do modelo
anteriormente analisado. Brewster e Hegewisch (1994), fazendo uma retrospectiva de
vários estudos que estabelecem tal diferença, demonstram que, embora todos partam do
mesmo princípio, o parâmetro de diferenciação varia bastante entre eles. Diferentemente
da administração de pessoal, a gestão de recursos humanos estaria voltada para a
integração, o comprometimento dos empregados, a flexibilidade, a adaptabilidade e a
qualidade. Mais específicos, Mahoney e Deckop estabelecem seis aspectos que
diferenciam ARH de administração de pessoal. Eles argumentam que ARH envolve uma
visão ampla e profunda das seguintes áreas de atuação (apud Brewster e Hegewisch,
1994):

> Planejamento da alocação das pessoas no trabalho: uso de técnicas que


estabeleçam um elo entre a estratégia de negócios da empresa e as pessoas.
> Comunicação com os empregados: adota como focos de atuação a comunicação
direta e a negociação permanente com os empregados.

22

> Sentimentos dos funcionários: a gestão deveria concentrar-se na satisfação das


pessoas e em tudo aquilo que possa interferir na cultura organizacional da empresa.
Gestão dos empregados: ocorreria por meio dos mecanismos tradicionais de recursos
humanos, na seleção, no treinamento e na compensação dos funcionários.
Gestão de custos e benefícios: contemplaria os esforços orientados para a redução dos
custos com mão-de-obra, tais como redução da rotatividade, do absenteísmo e outros
fatores que interferem na efetividade oranizacional.
Gestão do desenvolvimento: corresponde à preocupação com a criação de
competências necessárias para o futuro da empresa.
Nas propostas de Mahoney e Deckop começa a surgir, de forma mais completa e
abrangente, o modelo de gestão de recursos humanos em sua concepção mais moderna:
é constituído de um conjunto de processos que a empresa concebe e implementa com o
objetivo de administrar suas relações com as pessoas buscando concretizar seus
interesses. Tais interesses podem ser resumidos em três eixos principais: a efetividade
econômica, a efetividade técnica e a efetividade comportamental.
Por efetividade econômica entende-se o alcance dos resultados de redução de custos ou
maximização de lucros através das práticas de gestão de pessoal, o que resgata os
objetivos da escola anterior, porque pressupõe a mensuração do impacto efetivo do
trabalho nos resultados da empresa. A efetividade técnica refere-se à manutenção da
ação do homem em consonância com os padrões de qualidade requeridos pelos
produtos, equipamentos e negócios realizados pela empresa. A efetividade
comportamental corresponde à busca da motivação e da satisfação dos interesses dos
funcionários, atendendo adequadamente suas necessidades.
Observe-se que nesse ponto se reconhece implicitamente a subjetividade, ou seja, para
obter os resultados, os processos geridos pela empresa devem incidir, pnoritariamente,
sobre as relações que ela estabelece com as pessoas. Tais resultados serão sempre
soluções de consenso, negociadas entre as duas partes envolvidas: pessoas e
organização. Reconhecer essa característica básica da gestão de recursos humanos
significa reconhecer também quanto é limitado o grau de previsibilidade da empresa com
relação aos produtos finais resultantes das práticas que adota.
Como é possível observar, o modelo que reconhece o comportamento humano como foco
principal da gestão se articula em torno dos binômios envolvimento-motivação, fidelidade-
estabilidade e assistência-submissão. Cabe à empresa promover a motivação das
pessoas, e às pessoas, manter-se permanentemente envolvidas com os projetos da
organização num contrato de submissão de longo prazo — “vestir a camisa da empresa”
constituía o siogan para empregar e manter as pessoas nas empresas. É em torno
desses elementos básicos que se estrutura o mais influente e conhecido modelo de
gestão de pessoas da história da teoria organizacional.

8. Modelo estratégico de gestão de pessoas

Nas décadas de 1970 e 80, um novo critério de efetividade foi introduzido na modelagem
dos sistemas de gestão de recursos humanos: seu caráter estratégico. A

23

necessidade de vincular a gestão de pessoas às estratégias da organização foi apon tada


inicialmente pelos pesquisadores da Universidade de Michigan, dentre o quais se
destacam Tichy, Fombrum e Devanna. Segundo Staehle (1990), a visão desses autores
era de que a gestão de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe possível com
as políticas empresariais e os fatores ambientais. Para isso, o. planos estratégicos dos
vários processos de gestão de recursos humanos serian derivados das estratégias
corporativas da empresa.
Há nesse aspecto um indício de ruptura com as escolas comportamentais. Nã é mais a
motivação genérica que o modelo deve buscar. Indivíduos motivados satisfeitos e bem
atendidos em suas necessidades estão prontos para atuar, mas issc pode não significar
absolutamente nada para as diretrizes estratégicas da empresa.
Staehle reconhece o avanço proporcionado pelo grupo de Michigan ao demonstrar a
importância do caráter estratégico no modelo de gestão de pessoas mas ressalta os
limites dessa concepção. Para ele, tal perspectiva assume o pressuposto da adaptação e
implementação, ou seja, o papel de recursos humanos se resu mina a adaptar-se à
estratégia de negócio e a implementar sua diretriz específica. Não é levada em
consideração a possibilidade de a ARH intervir na estratégia corporativa introduzindo nas
decisões tomadas uma visão estratégica das pessoas e sua contribuição para a empresa.
Nos anos 1980, caberia à Harvard Business School desenvolver nova perspectiva da
gestão estratégica de pessoas. Staehle utiliza os tópicos abordados pelo curso de
Administração de Recursos Humanos introduzido no MBA dessa escola para demonstrar
como a abordagem de Harvard se mostra mais ampla e integradora do que as anteriores.
Lançado em 1981, o curso estava estruturado nas seguintes áreas de políticas de
recursos humanos:
>influência sobre os funcionários (filosofia de participação);
>processos de recursos humanos (recrutamento, desenvolvimento e demissão);
>sistemas de recompensa (incentivos, compensação e participação);
>sistemas de trabalho (organização do trabalho).
A abordagem de Harvard aponta a necessidade de o modelo de gestão de pessoas
corresponder a fatores internos e externos à organização. As áreas de política
mencionadas seriam afetadas pelos interesses dos stakeholders (acionistas, gerentes
grupos de empregados, sindicatos, comunidade e governo) de um lado e por pressões
situacionais de outro. As decisões de ARH deveriam estar pautadas pela gestão desses
dois conjuntos de fatores, conciliando os interesses envolvidos. Como afirma Staehle, na
visão de Harvard “a principal responsabilidade da gestão de recursos humanos é integrar
harmoniosamente as quatro áreas entre si e com a estratégia corporativa da empresa”
(Staehle, 1990).
No Brasil, a perspectiva estratégica de gestão de recursos humanos influenciou as
organizações mais bem estruturadas nessa área na década de 1980. Em 1987,
Albuquerque realizou uma pesquisa abrangerite e elucidativa a esse respeito em um
conjunto bastante amplo de empresas brasileiras. Nesse estudo é possível encontrar uma
profunda revisão bibliográfica do conceito e constatações relevantes de sua

24

implementação prática no país. Dentre outras conclusões, o autor destaca que, “muito
embora os resultados da pesquisa não evidenciem uma ligação forte entre planejamento
estratégico de recursos humanos e planejamento estratégico, já se configura uma
tendência de aceitação do planejamento estratégico de recursos humanos por parte da
alta administração das empresas da amostra” (Albuquerque, 1987).
Com referência à participação de recursos humanos nas estratégias de negócio,
Albuquerque constata que o executivo de recursos humanos, na época da pesquisa, era
“envolvido, de uma forma ou de outra, na formulacão das estratégias organizacionais na
maioria das empresas pesquisadas” (Albuquerque, 1987).
Fischer (1998) demonstrou que os formadores de opinião do setor percebem que as
grandes organizações brasileiras enfrentam grandes dificuldades para adotar uma
perspectiva estratégica de gestão de pessoas, embora a pesquisa também tenha
constatado que praticamente todas se orientavam por esse ideal.
De qualquer maneira, essa linha de pensamento trouxe novo conceito articulador do
modelo de gestão: a busca de orientação estratégica para as políticas e práticas de RH.
Seria preciso, a partir de então, intensificar os esforços de adaptação do modelo às
necessidades da empresa, tornando-se insuficientes as soluções padronizadas capazes
de atender a qualquer organização em qualquer tempo. As verdades sobre a gestão do
comportamento humano deixaram de ser gerais para se tornar um problema do negócio e
de sua estratégia. O modelo tornava-se assim cada vez menos prescritível e genérico
para ocupar a função de elemento de diferenciação.

9. Modelo de gestão de pessoas articulado por competências

O advento da era da competitividade exigiu novo papel da gestão de recursos humanos.


A intenção de estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o desempenho humano
e os resultados do negócio da empresa, já presente na fase anterior, se intensifica a
ponto de requerer nova definição conceitual do modelo. A ênfase na competição, presente
nas obras de autores como Porter, Hammer e Prahalad, direciona de forma decisiva toda
a teoria organizacional e cria as bases do surgimento de um modelo de gestão de
pessoas baseado em competências.
Essa produção teórica tem origem nas mudanças ocorridas nos mercados internacionais
a partir da década de 1980. Nessa época, a chamada ofensiva japonesa desestabilizou a
hegemonia das grandes corporações americanas, tornando a busca da competitividade
um tópico recorrente na literatura sobre gestão empresarial. Nela passam a predominar
temas como estratégia competitiva, vantagem competitiva, reengenhana e reestruturação,
competências essenciais e reinvenção do setor. Para entender a emergência do novo
modelo é preciso resgatar a influência de tal visão de gestão de negócios na
administração de recursos humanos.

9.1 GESTÃO DE PESSOAS E VANTAGEM COMPETITIVA

A noção de vantagem competitiva aparece no título do segundo livro de Porter (1989), no


qual o autor analisa o problema da incapacidade de as émpresas tradu-

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zirem suas estratégias em ações práticas. O foco é a sustentação da vantagem


competitiva, que introduz a noção de valor agregado ao produto e de cadeia de valor
como elementos fundamentais na manutenção do posicionamento da empresa: “A
vantagem competitiva surge do valor que uma empresa consegue criar para seus
compradores e que ultrapassa o custo de fabricação pela empresa”. A cadeia de valor
deve ser analisada nas diferentes atividades internas da organização e suas interações,
uma vez que a vantagem competitiva “tem sua origem nas inúmeras atividades distintas
que uma empresa executa no projeto, produção, marketing, entrega e suporte do produto.
Cada uma dessas distintas atividades pode contribuir para a posição dos custos relativos
de uma empresa, além de criar uma base para a diferenciação” (Porter, 1989).
A partir de então se tornaria muito dificil falar de gestão de recursos humanos sem fazer
referência à questão da competitividade e da agregação de valor para o negócio e os
clientes. Embora não se alongue no tema, no mesmo livro Porter (1989) diz que “a
gerência de recursos humanos afeta a vantagem competitiva em qualquer empresa”,
chegando “em algumas indústrias a ser a chave para a vantagem competitiva”. Apesar de
a obra constituir, na essência, um debate sobre como as pessoas transformam a
estratégia em ações práticas, as referências do autor a recursos humanos limitam-se a
não mais de duas páginas. Nelas, Porter recomenda algumas práticas de recursos
humanos que levariam à melhor interação entre unidades organizacionais, tais como
rotação de cargos — função comum a toda a empresa para contratar e treinar
funcionários —, reuniões e fóruns cruzados e iniciativas de promoção interna. Não há,
portanto, nenhuma preocupação específica de aprofundar os vínculos entre
comportamento humano no trabalho e obtenção de vantagens competitivas.

9.2 GESTÃO DE PESSOAS E REENGENHARIA

Famosa por ser considerada a principal responsável pelas conseqüências perversas das
reestruturações empresariais nas décadas de 1980 e 90, a reengenharia, de Hammer e
Champy (1994), propõe a mudança radical de todos os princípios que orientaram a
administração de empresas nos últimos dois séculos. Os autores são enfáticos e radicais
ao demonstrar-se absolutamente convencidos de que dominam a única solução
verdadeira para as grandes questões organizacionais da época. Essa postura, retratada
no caráter quase doutrinário do texto, talvez justifique o estigma incorporado ao conceito:
“Neste livro, dizemos que chegou a hora de aposentar esses princípios e de adotar um
novo conjunto. A alternativa é as empresas fecharem as portas e encerrarem as
atividades”. Em outra passagem, os autores afirmam categoricamente a supremacia de
suas descobertas comparando-as às de Adam Smith:
Demonstramos como as atuais empresas podem se reinventar a si próprias. Chamamos
as técnicas que podem se valer para isso de reengenharia empresarial, as quais estão
para a próxima revolução dos negócios como a especialização do trabalho esteve para a
última. As grandes empresas, inclusive as mais bem-sucedidas e promissoras, precisam
abraçar e aplicar os princípios da reengenhana empresarial ou serão eclipsadas pelo
maior sucesso daquelas que o fizerem (Hammer e Champy, 1994).

26

Para tais autores, a história da teoria organizacional começou com sua obra. O passado é
desconsiderado, assim como a história das empresas, que em nada deve pesar em seu
presente e futuro. Antes de tudo é preciso esquecê-lo: “A reengenharia não é mais uma
idéia importada do Japão. Não é outra solução rápida que os gerentes possam aplicar às
suas organizações. […] A reengenhana empresarial não trata de consertar nada. […] A
reengenharia empresarial significa começar de novo, começar do zero” (Hammer e
Champy, 1994).
Utilizando exemplos concretos de mudanças provocadas por iniciativas empresariais em
determinados setores — “A Wal-Mart reinventou o comércio varejista” — os autores
demonstram que alternativas convencionais não são suficientes para fazer frente às três
forças que pressionam as organizações na atualidade: o acirramento inusitado da
concorrência, o controle da relação com a empresa assumido pelo cliente e a mudança
transformada em paradigma básico da gestão empresarial.
A reengenharia tornou-se uma das estratégias organizacionais de competitividade mais
divulgadas e polêmicas dos anos 1990. Foi largamente difundida e implementada, no
exterior e no Brasil, seguindo-se ou não os preceitos de Hammer e Champy. Ao contrário
das demais propostas, a reengenharia não utiliza os conceitos de estratégia, vantagem
competitiva e competitividade. Tais conceitos estão implícitos, e o foco de atenção dessa
linha teórica fica circunscrito à reformulação dos processos empresariais, o que, por
vezes, parece confundir suas propostas com as antigas práticas de organização e
métodos, com uma roupagem radicalizada e adaptada aos novos tempos.
A questão da gestão de recursos humanos, como seria de prever, aparece pouco ou
quase nada na perspectiva de Hammer e Champy. Quando isso acontece, o objetivo é
racionalizar e diminuir o custo fixo com mão-de-obra, como se observa no exemplo da
Ford transcrito a seguir: “O novo processo de contas a pagar da Ford é bem diferente. O
pedido de compra, fatura e o documento de recebimento não são mais cotejados entre si
basicamente porque o novo processo eliminou inteiramente a fatura. Os resultados
revelaram-se drásticos. Em vez de quinhentos funcionários, a Ford conta agora com
apenas 125 para o pagamento de fornecedores”.
A reengenharia de processos provoca impactos fundamentais na gestão de recursos
humanos, e sua introdução nas organizações sem dúvida significou um dos motivadores
principais da emergência do modelo de gestão competitivo. Com base na leitura da
principal obra dos autores que lançaram essa proposta, relaciona-se a seguir uma síntese
das mudanças decorrentes da prática da reengenharia diretamente ligadas a recursos
humanos:
>as unidades de trabalho mudam de departamentos funcionais para equipes de processo;
> os serviços mudam de tarefas simples para trabalhos multidimensionais;
> os papéis das pessoas mudam de controlados para autorizados;
> a preparação para os serviços muda de treinamento para educação;
>o enfoque das medidas de desempenho e remuneração se altera da atividade para os
resultados;
>os critérios das promoções mudam do desempenho para a habilidade;

27

> os valores mudam de protetores para produtivos:


> os gerentes mudam de supervisores para instrutores;
>as estruturas organizacionais mudam de hierárquicas para niveladas:
> os executivos mudam de controladores do resultado para líderes.
Mesmo que nos limites deste capítulo não seja possível aprofundar a análise das
propostas de Hammer e Champy, é importante assinalar que ocorreram diferentes tipos
de intervenção nas organizações brasileiras, e provavelmente também no exte nor, com o
nome de reengenhana. Em geral, tratava-se de um processo de downsizing
— que os autores insistem em diferenciar explicitamente da reengenharia — ou de
iniciativas circunscritas de racionalização de processos de trabalho visando reduzir custos
e pessoal. Isso terminou por dar uma conotação negativa à palavra, transformando-a, na
linguagem habitual das empresas, em sinônimo de demissão em massa.
Por outro lado, vale dizer que a grande contribuição da reengenharia foi alertar dirigentes
e executivos para a necessidade de focalizar os processos em resultados. Empresas
paquiderinicas e burocratizadas, paradas no tempo e acossadas pelo mercado sem
vislumbrar caminhos de reação, encontraram nessa proposta uma fórmula para eliminar
gorduras e atividades que não agregavam valor a elas nem a seus clientes. A
reengenharia tornou-se, nesse caso, uma solução necessária e importante. Entretanto,
quando o objetivo permaneceu exclusivamente na redução de custos, ou seja, não foi
articulado a uma estratégia mais ampla, a reengenharia, como proposta em si, trouxe
para as empresas apenas resultados e sobrevivência de curtíssimo prazo.

9.3 GESTÃO DE PESSOAS E COMPETÊNCIAS

Embora a emergência de um modelo competitivo de gestão de pessoas esteja


relacionada com todas as escolas que predominaram entre as décadas de 1980 e 90,a
obra de Prahalad e Hamel é a que demonstra maior grau de interação com suas
principais características. Por força da visão desses autores, as questões da estratégia e
da competitividade retomam seus devidos lugares, readquirindo importáncia como
dimensões essenciais da gestão empresarial. Implicitamente, eles polemizam com Porter
e criticam abertamente a mudança centrada nos processos de Hammer. Defendem a
perspectiva de que a competitividade está relacionada com a capacidade da empresa de
reinventar seu setor. A empresa competitiva seria aquela que, além da reengenharia e da
simples reestruturação operacional, tem condições de criar um novo espaço competitivo
em vez de esforçar-se por se posicionar melhor no espaço competitivo atual.
Por acreditar que as empresas que se empenham na reengenharia estão se esforçando
para alcançar seus concorrentes, e não para superá-los, os autores propõem regenerar a
estratégia dando-lhe uma nova configuração:
É inteiramente possível para uma empresa colocar em prática o downsizing e a
reengenharia na sem nunca confrontar a necessidade de regenerar sua estratégia
principal, sem nunca ser forçada a repensar as fronteiras de seu setor, sem nunca ter de
imaginar o que os clien-

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tes desejarão nos próximos dez anos e sem nunca ter de redefinir fundamentalmente o
“mercado servido”. Contudo, sem essa reavaliação fundamental, a empresa será
surpreendida a caminho do futuro. A defesa da posição atual de liderança não substitui a
criação da futura liderança (Prahalad e Hamel, 1995).
Citando uma pesquisa de The Wall Street Journal, os autores afirmam que o processo de
reestruturação não garante necessariamente maior valor à empresa, podendo ocorrer até
mesmo o contrário:
A reestruturação raramente resulta em melhoria fundamental da empresa. Na melhor das
hipóteses, consome tempo. Um estudo realizado com 16 grandes empresas norte-
americanas com pelo menos três anos de experiência em reestruturação revelou que,
embora a reestruturação normalmente tenha melhorado o preço das ações da empresa, a
melhoria foi quase sempre temporária. Após três anos da reestruturação, esse preço era,
em média, bem inferior às taxas de crescimento anteriores, registradas na época em que
foi iniciada a reestruturação. O estudo concluiu que um investidor astuto deve interpretar
um anúncio de reestruturação como um sinal para venda, e não para compra (Prahalad e
Hamel, 1995).
A abordagem de Prahalad e Hamel difere da de Porter em alguns aspectos que merecem
ser ressaltados. O primeiro deles refere-se ao foco da transformação organizacional,
dirigido predominantemente para fora. Isso deve acontecer não só do ponto de vista da
busca de informações sobre o ambiente, como o planejamento estratégico tradicional
recomenda e Porter reafirma, mas também como objetivo orientador do próprio processo
de mudança que se quer implementar. Isso significa que, quando advogam a reinvenção
do setor, Prahalad e Hamel afirmam que a competitividade empresarial está condicionada
à possibilidade de a empresa transformar não só a si própria mas também seu setor,
estabelecendo, com isso, uma referência nova para todos os que nele atuam:
concorrentes, fornecedores, clientes etc. É interessante observar como essa posição
reitera o caráter sistêmico dos diferentes níveis de manifestação da competitividade,
demonstrando que os vínculos de dependência entre os diferentes níveis se estreitam no
mundo moderno. A passagem a seguir ilustra essa afirmação:
Muitos gerentes encarregados da tarefa de gerenciar a transformação organizacional se
esquecem de perguntar: “Transformar-nos em quê?” O ponto é que a agenda da
transformação organizacional precisa ser direcionada por uma visão da agenda de
transformação do setor: como desejamos moldar o setor nos próximos cinco ou dez
anos? O que precisamos fazer para garantir que o setor evolua da forma mais vantajosa
para nós? Que habilidades e recursos precisamos começar a desenvolver agora para
ocupar uma posição de liderança no setor no futuro? (Prahalad e Hamel, 1995.)
Para Prahalad e Hamel, a diferença entre empresas competitivas e não competitivas é a
diferença entre empresas líderes e empresas seguidoras dentro do mesmo setor. As
primeiras, ao se reinventar, reestruturam o setor, enquanto as segundas beneficiam-se
das descobertas das líderes e da velocidade com que hoje é possível copiar e
implementar as melhores soluções.

29

Competências essenciais e arena de oportunidades são também conceitos que conferem


especificidade à obra de Prahalad e Hamel. Para eles, as “portas das oportunidades
futuras” se abrem apenas para as empresas que desenvolvem competências para isso.
Trata-se de uma espécie de decifra-me ou te devoro da competitividade empresarial, para
o qual as empresas devem preparar-se. Os exemplos aparecem em grande quantidade:
Uma competência essencial é um conjunto de habilidades e tecnofogias que permite a
uma empresa oferecer um determinado benefício aos clientes. Na Sony, esse benefício é
o “tamanho de bolso” de seus produtos e a competência essencial é a miniaturização. Na
Federal Express, o benefício é a entrega rápida e a competência essencial, em nível
bastante macro, é a gestão logística (Prahalad e Hamel, 1995).
A importância da competição pela liderança em competências está na precedência da
competição pela liderança em produtos. O desenvolvimento de uma competência não
está vinculado diretamente a um produto, mas a vários deles, uma vez que o objetivo
desse desenvolvimento é o benefício que trará ao cliente, e não o produto em si: “A busca
incansável da Sony pela liderança em miniaturização permitiu à empresa acesso a uma
ampla gama de produtos de áudio pessoais. As competências específicas da 3M em
adesivos, substratos e materiais avançados geraram dezenas de produtos”.
A busca e a internalização das competências essenciais definirão as empresas que
estarão competindo pela arena de oportunidades do futuro. Entretanto, tal competição não
ocorrerá exclusivamente entre empresas, mas também entre coalizões de empresas. Isso
porque determinadas oportunidades somente poderão ser aproveitadas com a integração
de competências que uma única empresa não teria condições de desenvolver
isoladamente. Surgem assim as redes de empresas que caracterizam o ambiente de
negócios da atualidade, normalmente aplicadas a setores complexos e de alta intensidade
tecnológica, como a TV interativa, os conversores a cabo e os dispositivos de
comunicação pessoal e de geração de imagens.
Prahalad e Hamel valorizam a história das organizações e suas experiências acumuladas
ao longo do tempo. Apesar de recomendar um processo de destruição criadora do
conhecimento por meio do “desaprendizado”, eles consideram que a empresa “é um
reservatório de experiências” vivenciadas por seus funcionários. O que as diferencia, em
grande parte, é a “capacidade relativa” desses funcionários de extrair conhecimento
dessas experiências.
As pessoas aparecem no texto de Prahalad e Hamel com maior freqüência do que no dos
demais autores analisados neste capítulo. Ocupam papel importante como agentes do
processo de mudança estratégica, uma vez que “não é o dinheiro o combustível da
viagem para o futuro, e sim a energia emocional e intelectual de cada funcionário”. Isso
tem impacto na formulação da “intenção estratégica”, que não deve ser exclusivamente
uma formulação correta e bem elaborada, mas precisa ter “pathos e paixão” e referir-se
“tanto à criação de significado para os funcionários quanto à definição de direção”.

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A principal tarefa do modelo competitivo de gestão de pessoas seria mobilizar essa
energia emocional, ou seja, desenvolver e estimular as competências humanas
necessárias para que as competências organizacionais da empresa se viabilizem. É
assim que, no final dos anos 1980 e início dos 90, a gestão de recursos humanos deixaria
de ser estratégica devido a uma condição genérica, como o fato de as pessoas serem o
principal ativo da organização ou porque pessoas motivadas seriam, por definição, mais
produtivas e engajadas ou ainda por estar alinhada a uma estratégia global. Pessoas
passam a ser estratégicas somente nas situações em que o ser humano “é visto e tratado
como uma fonte de vantagem competitiva” (Kochan e Dyer, 1992).
Essa tendência já podia ser identificada em 1986, quando Hendry e Pettigrew (apud
Brewster e Hegewisch, 1994) demonstravam que a perspectiva estratégica da gestão de
pessoas não podia resumir-se a uma ênfase maior das ações planejadas, integradas e
coerentemente alinhadas à estratégia de negócios da empresa. Reinterpretando o
conceito e introduzindo nele a noção de competitividade, os autores afirmam que é
preciso ir além e fazer com que “as pessoas sejam vistas pela organização como um
recurso estratégico”, ou seja, competências necessárias para atingir um posicionamento
diferenciado.
Reconhecido como um dos principais autores da área, Lawler apresenta alguns indícios
importantes quando demonstra que são quatro as exigências que pesam sobre a função
nas empresas pressionadas pelos tempos de globalização: devem ser estratégicas,
competitivas, focadas nos processos de mudança organizacional e responsáveis pelo
envolvimento do funcionário com elas, seus negócios, processos e produtos.
Os aspectos destacados por Lawler de certa forma sintetizam o que o modelo competitivo
de gestão de pessoas agregou das escolas anteriores. Continua tendo como núcleo de
atuação o comportamento humano, como queria a escola de relações humanas; deve
alinhar esse comportamento às estratégias da organização, sem o que sua ação seria
absolutamente desarticulada e improdutiva; terá de lidar com um ambiente de permanente
transformação, característico destes tempos de turbulência e mudança; e sobretudo terá
de demonstrar sua capacidade de gerar, por meio das pessoas, maior competitividade
para a empresa. Esse será o elemento básico de orientação do modelo competitivo de
gestão de pessoas. Ele é qualificado como competitivo por dois motivos principais: porque
deve ser condizente com o ambiente de competitividade que caracteriza as organizações
contemporâneas e porque privilegia e se articula em torno de competências.

10. Considerações finais

Como ficou demonstrado, a história da administração de recursos humanos revela que,


mais que a adoção de políticas ou instrumentos padronizados, o que caracteriza uma
nova fase é a internalização e a operacionalização de um novo conceito. Um novo modelo
se caracteriza por uma nova lógica que dá coerência e direcionamento para as práticas
de gestão. As organizações mais pressionadas pelo mercado e que têm acesso a
técnicas e conceitos inovadores com maior facilidade chegam primeiro e passam a ser
consideradas benchmarks da área. Elas estabelecem referên-

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cias que passam a ser seguidas por aquelas que se espelham no que ocorre com o
chamado mercado. Consultores indicam novos caminhos e profissionais se reciclam por
meio das mais variadas formas de aprendizagem, e assim se institui o novo conceito de
realidade organizacional.
A reduzida distância histórica não permite ainda visualizar o resultado final desse
processo de mudança, mas há alguns sinais consistentes de como as organizações vêm
tentando reposicionar-se. Em primeiro lugar, ao usar o termo modelo em substituição à
idéia de sistema, área ou setor, busca-se ampliar o âmbito das ações de RH dando-lhes
nova dimensão e abrangência. Assim, torna-se mais fluida e flexível a linha divisória que
separa o que faz parte do que não faz parte da gestão de pessoas nas organizações. Isso
leva a considerar não somente a estrutura, os instrumentos e as práticas normatizadas
como elementos componentes do modelo, mas também tudo aquilo que interfere
significativamente nas relações entre os indivíduos e a organização.
O modelo pode abranger, por exemplo, os procedimentos que a empresa utiliza para
envolver os funcionários com suas definições estratégicas, a maneira pela qual estimula
determinado tipo de relação com os clientes ou a imagem que passa internamente de
seus produtos, dos equipamentos utilizados, do desenvolvimento tecnológico e outros
temas organizacionais de relevância. Os profissionais especializados passam a
reconhecer tacitamente que a área de recursos humanos perde o poder de monopólio
sobre o comportamento organizacional para compartilhá-lo com outras instâncias da
empresa, em particular as próprias chefias diretas.
A expressão gestão de pessoas também não significa a simples tentativa de encontrar um
substituto renovador da noção, já desgastada, de administração de recursos humanos.
Seu uso procura ressaltar o caráter da ação — a gestão e seu foco de atenção: as
pessoas. Embora os conceitos de administração e de gestão sejam utilizados como
sinônímos, em geral considera-se gestão uma ação na qual há menor grau de
previsibilidade do resultado do processo a ser gerido. Um navio é dirigido, uma empresa
administrada, uma relação humana pode, no máximo, ser orientada caso se admita que
os dois agentes tenham consciência e vontade próprias.
A opção por utilizar pessoas no lugar de recursos humanos é ainda mais diferenciadora
do novo conceito. A administração tradicional foi construída em torno da idéia de
otimização de recursos. Otimizar máquinas, equipamentos, materiais, recursos financeiros
e pessoas sempre foi seu principal objetivo. Na fase das grandes máquinas mecanizadas,
na fase da segunda onda de produção fabril massificada, como a denomina Toffler
(1994), a “maximização” dos recursos era o paradigma básico. As pessoas foram
transformadas em recursos para que se justificasse o investimento nelas e houvesse um
parâmetro comum de como administrá-las. Essa foi uma maneira eficiente de demonstrar
a preocupação específica da administração com o chamado fator humano na empresa.
Nessa fase da teoria organizacional, administrar recursos humanos significava otimizar
sua produtividade, sua competência e seu entusiasmo.
Hoje, quando o papel do homem no trabalho vem-se transformando e suas características
mais especificamente humanas, como o saber, a intuição e a criatividade, vêm sendo
valorizadas, talvez se caminhe para uma transição na qual a empresa finalmente
reconheça que se relaciona com pessoas, e não com recursos.

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33

AUTOR

ANDRÉ LUIZ FISCHER

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de


São Paulo (FEA-USP). Mestre em Ciências Sociais e doutor em Administração de
Empresas pela FEA-USP Vice-coordenador do curso de MBA/RH da FIA-FEA-USP e
supervisor de projetos de pesquisa e consultoria da Fundação Instituto de Administração
(FIA), instituição convcniada com a FEA-USP Atua como consultor de empresas em áreas
como diagnóstico de ambiente e gestão da cultura e do clima organizacional, entre outras.

34

1. Introdução

A transformação é uma das características mais marcantes do ambiente empresarial no


Brasil e no mundo nos dias de hoje.
As mudanças nas organizações, no ambiente empresarial e na sociedade são profundas
e ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado. A rapidez das mudanças tecnológicas, a
globalização da economia e o acirramento da competição entre empresas e entre países
geram impactos significativos sobre a gestão das organizações, levando à necessidade
de repensar seus pressupostos e modelos. Um dos impactos mais expressivos dessas
mudanças no ambiente é, por parte das organizações, o aumento do nível de qualificação
e de conhecimentos exigido dos profissionais, com implicações diretas na gestão de
pessoas e nos modelos utilizados em sua administração.
O objetivo deste capítulo é examinar os pressupostos da gestão de pessoas sob o
enfoque estratégico, procurando:
>contribuir para o desenvolvimento das pessoas e das organizações;
> ressaltar o papel do fator humano e de sua gestão na obtenção de vantagens
competitivas sustentáveis pelas empresas;

35

> destacar a administração estratégica de pessoas como pano de fundo para promover
mudanças organizacionais e como instrumento adequado para dar respostas aos desafios
do ambiente empresarial.

2. O conceito de gestão estratégica de pessoas e sua evolução


A preocupação com a estratégia tem ocupado um espaço cada vez maior nas discussões
empresariais, nos debates acadêmicos e na literatura de administração. Esse fato está
relacionado com o acirramento da competição no nível local, regional e global, bem como
com a revolução tecnológica e a do conhecimento. Por outro lado, o termo “estratégia”
tem sido utilizado com sentidos diferentes, ora traduzindo expectativas e anseios, ora
ações prescritivas e deliberadas, ora expressando a perplexidade dos atores sociais
diante da abrangência e da velocidade das mudanças no ambiente e de seus impactos
sobre a gestão das organizações.
Dentro desse contexto, torna-se fundamental a discussão dos conceitos de estratégia,
gestão estratégica e recursos humanos sob uma perspectiva evolutiva.
O campo da estratégia empresarial representa uma temática relativamente recente na
administração. Seus primeiros passos foram dados nas décadas de 1960 e 70, tendo
apresentado um notável desenvolvimento na década de 1980 e, principalmente, nos anos
90.
Zaccarelli (1996) resume alguns “marcos históricos” no estudo da estratégia nas
empresas, associando-os a autores clássicos e suas obras. Segundo ele, em 1965 foi
lançado o primeiro livro sobre estratégia empresarial, de autoria de Igor Ansoff, com
ênfase no planejamento estratégico, que demorou para ser reconhecido. Por volta de
1973, os trabalhos apresentados no primeiro seminário internacional sobre administração
estratégica, na Universidade Vanderbilt, deram origem ao livro Do planejamento
estratégico à administração estratégica, organizado por Ansoff, Declerck e Hayes (1981),
que ampliou o foco da discussão sobre estratégia empresarial.
Outro marco importante no estudo de estratégia surgiu na década de 1980 com as obras
Estratégia competitiva e Vantagem competitiva das nações, de Michael Porter, que
apresentaram novos conceitos de estratégia e competitividade no âmbito empresarial e no
dos países e até hoje influenciam fortemente os debates sobre competição. No início da
década de 1990, outro livro marcou essa evolução com uma abordagem critica aos
conceitos de planejamento estratégico: The rise and fali of strategic pianning, de Henry
Mintzberg. O autor, docente da Universidade McGill, enfatizou os debates sobre os
aspectos humanos envolvidos na formulação e implementação estratégica.
Em meados dos anos 1990, a obra Competindo pelo futuro, de Prahalad e Hamel (1995),
trouxe novos conceitos à estratégia empresarial, entre eles arquitetura estratégica, intento
e competências essenciais, em continuidade à busca de foco pelas empresas, para
sobreviverem no jogo competitivo.
Uma contribuição importante para o entendimento do pensamento sobre estratégia foi
dada em 1998 por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel em Safári da estratégia (2000). A obra,
ao mesmo tempo que auxilia o leitor a organizar o raciocínio a respeito de diversas
correntes e enfoques no estudo da estratégia, desafia-o a

36

reconciliar as diferentes tendências nessa área. Utilizando a notória fábula dos cegos que
queriam ver o elefante e a metáfora de um “safári pela selva da administração estratégica”
(Mintzberg et al, 2000), os autores apresentam a classificação e a definição das dez
escolas de pensamento em administração estratégica (as partes do elefante), a
perspectiva de cada uma delas, suas limitações e contribuições e seus autores mais
representativos. A seguir, a conceituação dessas escolas, sua visão do processo
estratégico e seus principais autores.
> Design: estratégia como um processo de CONCEPÇÃO (Silznik Andrews).
> Planejamento: estratégia como um processo FORMAL e sistemático (Ansoff).
>Posicionamento: estratégia como um processo ANALÍTICO (Porter).
> Empreendedora: estratégia como um processo VISIONÁRIO (Schumpeter).
>Cognitiva: estratégica como um processo MENTAL (Simon; March e Simon).
>Aprendizado: estratégia como um processo EMERGENTE (Lindblom; Cyert e March;
Quinn; Prahaiad e Hamei).
>Poder: estratégia como um processo de NEGOCIAÇÃO (Allison; Pfeffer e Solancick;
Astley).
> Cultural: estratégia como um processo COLETIVO (Rhenman e Norman).
>Ambiental: estratégia como um processo REATIVO (Hannan e Freeman).
> Configuração: estratégia como um processo de TRANSFORMAÇÃO (Chandler; Miles
e Snow; Mintzberg).
As três primeiras escolas — design, planejamento e posicionamento — são consideradas
de natureza prescritiva, mais preocupadas em como as estratégias devem ser formuladas
do que em como elas são formuladas; as escolas do segundo grupo — empreendedora,
cognitiva, de aprendizado, do poder, cultural e ambiental — estão mais voltadas para a
análise de como as estratégias são de fato formuladas; finalmente, a escola da
configuração combina contribuições de várias outras, descrevendo a estratégia como um
processo de mudança.
Cada uma dessas escolas, portanto, empresta diferentes sentidos não conflitantes e
complementares à estratégia. Além disso, ajudam a desmitificar a complexidade de um
conceito tão importante e abrangente, fornecendo ao leitor o beneficio dessas diferentes
contribuições. Por outro lado, embora a bibliografia contenha várias definições objetivas
sobre estratégia e administração estratégica, é difícil encontrar uma única que traduza de
forma plena seus diferentes significados. Entretanto, existem certos pontos em comum
entre essas definições que podem auxiliar na formação e no entendimento do conceito de
estratégia. São eles:
> a estratégia dá a direção, fornece o direcionamento da empresa e provê consistência;
>a estratégia resulta de um processo de decisão;
> as decisões são principalmente de natureza qualitativa, interferem no todo da
organização e buscam eficácia a longo prazo;
>a estratégia abrange a organização e sua relação com o ambiente;
>a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo, em diferentes níveis.

37

De acordo com Hyden (1986), administração estratégica é o processo de administrar uma


entidade de forma a atingir seu propósito. Sua definição mais ampla é a administração da
vantagem competitiva, que inclui identificar objetivos analisando o ambiente, reconhecei
aiieaças e oportunidades formulando estratégias, implementando e monitorando-as de
forma a sustentar as vantagens competitivas no mercado. Os estrategistas que se utilizam
desse conceito abrangente vêem a adniinistração estratégica sob um enfoque que
permeia a administração de todos os aspectos da companhia. Eles consideram a
formulação da estratégia corporativa e da estratégia competitiva, o processo de
planejamento e a implenentação de todos os precedentes como partes da administração
estratégica.
A definição mais restrita de administração estratégica a limita a uma conceituação
análoga á de administração de operações ou administração de marketing, mas com
ênfase em atingir objetivos estratégicos em vez de objetivos funcionais.
Para alguns, a gestão estratégica é o processo de aplicação das funções administrativas,
de planejamento, organização, direção e controle aos assuntos pertinentes ao nível
estratégico. Para outros, gestão estratégica é o processo de clarificar a visão da
organização, formulando e implementando estratégias e avaliando continuamente seus
resultados. Envolve a definição e a articulação de estratégias, estruturas e sistemas,
tendo como base os valores organizacionais e as tendências do ambiente a longo prazo.
Dada a dificuldade de obter uma definição de estratégia que englobe todos os diferentes
sentidos, para fins didáticos deste capítulo determina-se como conceito de estratégia:
formulação da missão e dos objetivos da organização, bem como de políticas e planos de
ação para alcançã-los, considerando os impactos das forças do ambiente e a competição.

3. No âmbito dos recursos humanos

De acordo com Anthony et ai (1996), são as seguintes as características da administraçãõ


estratégica de recursos humanos:
> explicitamente reconhece os impactos do ambiente organizacional externo;
> reconhece o impacto da competição e da dinâmica do mercado de trabalho;
>apresenta foco no longo prazo;
> enfatiza a escolha e a tomada de decisão;
> considera todas as pessoas da empresa, e não apenas o grupo de executivos ou o de
empregados operacionais;
> está integrada com a estratégia corporativa e com as demais estratégias funcionais.
A expressão “administração estratégica de recursos humanos” surgiu na literatura
internacional no início da década de 1980, sob diferentes alegações, seja com base nas
críticas ao papel funcional/burocrático e nas fraquezas percebidas da área, seja por
pressões ambientais que demonstravam a natureza estratégica de recursos humanos e
de sua gestão.
Evoluções importantes estão ocorrendo em duas áreas distintas de administração, cuja
convergência segue um novo conceito de administração estratégica de

38

pessoas. Existe uma aparente evolução do conceito de administração de recursos


humanos que resulta da crescente necessidade de orientação para planejamento e de
intervenções gradativas com orientação estratégica, visando à mudança do modelo de
controle para o de comprometimento (Albuquerque, 1999).
Essas duas estratégias básicas de recursos humanos — estratégia de controle e
estratégia de comprometimento das pessoas com os objetivos organizacionais — se
contrapõem. Trata-se de diferentes filosofias de administração, que dão origem a
estratégias e a estruturas diferenciadas. Na estratégia de controle, os empregados são
vistos como números, custos e fator de produção, que, para desempenhar bem as
funções, devem ser mandados e controlados. Na estratégia de comprometimento, as
pessoas são consideradas parceiros no trabalho, nos quais a empresa deve investir para
conseguir melhores resultados empresariais. Essa estratégia baseia-se no pressuposto
de que o comprometimento dos colaboradores está intimamente relacionado com o
aumento de desempenho.
O Quadro 1 apresenta as características distintivas dos modelos extremos que respaldam
as estratégias de controle e de comprometimento quanto a estrutura
Quadro 1: Concepções organizacionais comparadas

Características
Estratégia de controle Estratégia de comprometimento
distintivas / modelo
Redução de nlveis hierárquicos
Altamente hierarquizada,
ESTRUTURA e de chefias intermediárias,
separação “quem pensa” e
ORGANIZACIONAL junção do fazer e do pensar —
“quem faz”
empowerment

Trabalho muito
Organização do Trabalho enriquecido, gerando
especializado, gerando
trabalho desafios
monotonia e frustrações

Realização do trabalho Individual Em grupo

Ênfase em controles Ênfase no controle implícito pelo


Sistema de controle
explícitos do trabalho grupo

RELAÇÕES DE
Foco no cargo, emprego a Foco no encarreiramento
TRABALHO
curto prazo flexivel, emprego a longo prazo
Política de emprego

Baixo, trabalho
Nível de educação e Alto, trabalho enriquecido e
automatizado e
formação requerido intensivo em tecnologia
especializado

Relações empregador- Interdependéncia, confiança


Independência
empregado mútua

Relações com Confronto baseado na Diálogo, busca da convergência


sindicatos divergência de interesses de interesses

Participação dos
Baixa, decisões tomadas de Alta, decisões tomadas em
empregados nas
cima para baixo grupo
decisões

POLÍTICA DE
Contrata para um cargo ou
RECURSOS Contrata para uma carreira
para um conjunto
HUMANOS longa na empresa
especializado de cargos
Contratação

Visa ao aumento do
Visa preparar o empregado para
Treinamento desempenho na função
futuras funções
atual

Carreiras rígidas e
Carreiras flexíveis, de longo
especializadas, de pequeno
Carreira alcance, com permeabiíidade
horizonte e amarradas na
entre diferentes carreiras
estrutura de cargos
Focada na estrutura de
Focada na posição da carreira e
cargos, com alto
Salarial no desempenho, com baixa
grau de diferenciação
diferenciação entre níveis
salarial entre eles

Foco nos incentivos grupais


Uso de incentivos
incentivos vinculados a resultados
individuais
empresariais

Fonte: Albuquerque, L. G. Estratégias de recursos humanos e competitividade (1999).

39

organizacional, organização do trabalho, relações de trabalho e políticas de recursos


humanos.
Essas duas visões opostas sobre o papel do ser humano no trabalho, altamente
associadas aos valores do dirigente ou do formulador, implicam que estratégias distintas
sejam adotadas.
O estudo da evolução do conceito de estratégia tem demonstrado uma ênfase excessiva
no planejamento estratégico e uma preocupação insuficiente com os aspectos de sua
implementação. Esse fato relaciona-se com as questões principais da implementação
estratégica — capacidades internas da organização e, especialmente, de seus recursos
humanos —, que deveriam integrar o processo de formulação. A questão assume maior
relevância no caso da “estratégia de comprometimento” das pessoas com os objetivos
organizacionais, na medida em que a participação no processo de formulação estratégica
se torna condição crucial para a obtenção do comprometimento.
A consideração do processo de gestão estratégica em seu conceito mais amplo,
envolvendo a visão, a formulação, a implementação e a avaliação de resultados, põe em
destaque diversas questões relacionadas com o lado humano da organização:
como prover a organização com as pessoas necessárias para viabilizar seus objetivos
estratégicos? Como desenvolver as competências distintivas de que ela necessita para
criar vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo? Como minimizar resistências ou
conseguir engajamento com as mudanças organizacionais e culturais imprescindíveis à
implementação da estratégia? De que maneira poderão ser avaliados os resultados,
considerando os aspectos integrativos tangíveis e intangíveis da implementação da
estratégia? Como mobilizar pessoas para transformar as intenções da estratégia em
ações efetivas que conduzem a resultados exemplares?
A resposta a essas questões passa por uma nova leitura da abordagem estratégica na
gestão de pessoas que possibilite sair do discurso para a prática e para a obtenção
efetiva de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo, com equipes qualificadas e
comprometidas com os objetivos mais amplos da organização.

4. Integração da estratégia de gestão de pessoas à estratégia organizacional

A administração estratégica é um processo amplo que permite à organização procurar


atingir o seu propósito ao longo do tempo. Esse processo abrange a visão, a formulação e
a implementação, bem como o feedback contínuo e a avaliação dos resultados, tendo em
vista orientar e empreender as ações organizacionais de natureza estratégica, tática e
operacional.

4.1 O PROCESSO DE FORMUlAÇÃO ESTRATÉGICA

A base para a formulação da estratégia é, usualmente, o processo de planejamento


estratégico — a determinação sistemática de objetivos estratégicos e de estratégias para

40

atingi-los. Os planos estratégicos são geralmente de longo prazo, envolvem decisões de


alto impacto organizacional e despendem grande volume de recursos na busca dos
macrobjetivos da empresa.
É importante ressaltar, entretanto, que a formulação estratégica não deve ser confundida
com um plano, que é a expressão escrita e sistematizada resultante desse processo em
determinado momento. Trata-se, sobretudo, de um processo, de uma seqüência interativa
de etapas que permite à organização refletir, discutir e definir seus propósitos e suas
estratégias fundamentais.
A importância do foco no processo fica mais evidente quando se examina a formulação
estratégica sob o enfoque de um ativo intangível, como o ativo intelectual humano. Nessa
abordagem, ressaltam-se as decisões ligadas ao aprendizado, à comunicação, à
participação e ao comprometimento das pessoas com os objetivos e as estratégias, bem
como aquelas relativas à administração das mudanças necessárias para viabilizá-los.
Existem vários modelos utilizados para ilustrar os componentes ou as etapas do processo
de formulação estratégica. O Quadro 2 apresenta um modelo de seqüência de etapas do
processo, de caráter meramente ilustrativo, que mostra a integração da estratégia de
gestão de pessoas na estratégia corporativa.
A estratégia de recursos humanos deve seguir as etapas do processo de formulação e
implementação da estratégia corporativa, baseando-se na visão do negócio para
desenvolver as diversas etapas da estratégia funcional que irão integrar a estratégia da
organização. Por outro lado, cabe ressaltar a importância do feedback ou da
retroalimentação contínua de informações entre as diversas etapas do processo através
de avaliações de resultados ao longo de seu desenvolvimento. Esse processo

Quadro 2 - Integração da estratégia de RH na estratégia da empresa. Etapas do


processo de formulação

41

torna-se mais ou menos eficaz na medida em que contribui para a fluência da


comunicações entre as pessoas nos diversos níveis e para sua conscientização a re peito
do direcionamento da organização.
A participação mais ampla de colaboradores de diferentes níveis da organiza ção na
formulação estratégica é adotada também como forma de tornar esse processo mais
interativo e contínuo, estimulando a comunicação, o aprendizado e comprometimento.
Segundo Wall (1997), muitas organizações estão descobrind os benefícios de ter mais
empregados envolvidos na formulação estratégica incluindo o desenvolvimento de um
planejamento de alta qualidade, que reflete tanto a capacidade do negócio quanto a do
mercado, o comprometimento das pessoas responsáveis pela implementação estratégica
e a profunda compreensão d estratégias em todos os níveis da organização. Tendo como
base uma pesquisa realizada por Wall com mais de cem executivos — membros de
equipes e profissionais de recursos humanos em empresas inovadoras de diferentes
setores de atividade — foram identificadas diferentes formas de aumentar o envolvimento
dos empregados, tornando essas empresas mais flexíveis e competitivas.

4.2 CONSTRUINDO A VISÃO E A MISSÃO DA ORGANIZAÇÃO

A gestão estratégica de uma empresa é condicionada, fundamentalmente, pela visão dos


atores organizacionais envolvidos no processo. Fato comum ao tratar de estratégia, o
tema tem sido usado com diferentes significados e entendimentos. Uma referência
conceitual importante para entender a visão da organização foi proposta por Collins e
Porras (2000), que afirmam que “uma visão bem concebida consiste de dois componentes
principais: a ideologia essencial e o futuro imaginado”. A ideologia essencial compreende
aquilo que defendemos (valores essenciais) e a razão de nossa existência (propósito
essencial), expressando o caráter duradouro da organização. O futuro imaginado é o que
aspiramos ser, alcançar, criar — é algo que exigirá mudança e progresso significativos —,
incluindo objetivos e planos amplos, ambiciosos, complexos e audaciosos.
A ideologia essencial traduz a identidade da organização (“quem você é”), enquanto o
futuro imaginado define o direcionamento (“para onde a organização está indo” ou
“pretende ir”). Portanto, a ideologia essencial permeia e condiciona toda a gestão
estratégica da organização. Fazendo uso das palavras de Collins e Porras, “líderes
morrem, produtos tornam-se obsoletos, mercados mudam, novas tecnologias emergem e
os modismos de gerenciamento vêm e vão, mas a ideologia essencial de uma grande
empresa permanece como uma fonte de orientação e inspiração”. Pode-se citar como
exemplos de valores essenciais a responsabilidade social corporativa, a inovação
baseada na ciência, a honestidade e integridade, o lucro decorrente do trabalho que
beneficia a humanidade (Merck), criatividade, sonhos e imaginação, atenção fanática por
consistência e detalhe, preservação e controle da magia (Disney).
São exemplos de propósitos preservar e melhorar a vida humana (Merck), experimentar o
prazer da inovação e a aplicação da tecnologia para o benefício do público (Sony), tornar
as pessoas felizes (Disney).

42

Com base na ideologia essencial, nos valores e no propósito é que se delineia o futuro
imaginado — a estratégia —, em que são consideradas:
> a análise do ambiente organizacional (cenários, tendências, oportunidades e ameaças);
>a avaliação interna (estrutura, cultura, pessoas, recursos, pontos fortes e pontos fracos
da organização);
>a definição de macrobjetivos, políticas e programas estratégitos prioritários.

4.2.1 Análise do ambiente organizacional


As organizações utilizam informações do ambiente para formular suas estratégias
corporativas e de recursos humanos. A importância de analisar as tendências de
mudanças do ambiente econômico, tecnológico, social, cultural e político e seus impactos
sobre a organização e sua gestão é ressaltada na própria conceitualização de estratégia,
esta, ao mesmo tempo, emergindo como resposta aos desafios ambientais.
Em um ambiente turbulento, como o que tem caracterizado os dias atuais, em que o
tempo se torna um recurso estratégico e a velocidade a nova palavra de ordem, monitorar
continuamente o ambiente e assumir atitudes proativas em relação às mudanças, revendo
cenários e reformulando estratégias, é fundamental para a maioria das organizações.
As organizações, portanto, formulam estratégias lidando com seu ambiente.
Anthony et ai (1996) consideram o ambiente de recursos humanos multifacetado e
complexo, com muitos elementos impactantes sobre o sucesso de uma empresa a longo
prazo. Esses elementos podem ser divididos em dois grandes tipos de ambiente: o social
e o de tarefa.
O ambiente social compreende as várias tendências e forças gerais que não estão
diretamente relacionadas com a empresa, mas podem ter um impacto eventual ou indireto
sobre a companhia. No ambiente social, estão incluídas as forças econômicas,
tecnológicas, políticas, institucionais, socioculturais e demográficas. Elas podem afetar a
empresa pelo impacto sobre o ambiente de tarefa, que inclui e aqueles elementos do
ambiente que influenciam diretamente a estratégia e a operação da companhia, podendo
também ser afetados por ela. Nesse ambiente estão incluídos o mercado de trabalho, o
mercado de consumidores e clientes, a competição, os sindicatos e outros stakeholders,
como governo e grupos de interesse especial, como pode ser visto na Figura 1 (à página
44).
As empresas tendem a operar em um ambiente global e multicultural no qual a força de
trabalho muda constantemente e é diversa e o cenário de avanços tecnológicos cada vez
mais acirrado, o que mostra que a análise e o monitoramento contínuo do ambiente são
tarefas fundamentais.
A análise ambiental, que visa identificar tendências de mudanças a longo prazo, pode
utilizar diferentes técnicas. Entre elas destaca-se a Delphi, “técnica que busca um
consenso de opiniões de um grupo de especialistas a respeito de eventos

43

Figura 1.
Ambiente social e ambiente de tarefa

Fonte: Adaptado de Anthony et al (1996).

futuros” (Wright, 1994). Ela tem sido utilizada para identificar as tendências na gestão de
pessoas nas organizações brasileiras submetidas às pressões de competitividade
características do cenário empresarial brasileiro (Albuquerque e Fischer, 2001). Nessa
pesquisa, de caráter longitudinal, 168 respondentes participaram de duas rodadas de
questionamentos e de um workshop, o que permitiu identificar mudanças previstas na
gestão de pessoas no Brasil quanto à filosofia e aos princípios de gestão, às políticas, ao
formato organizacional de recursos humanos e ao perfil necessário ao profissional
especialista na área.
4.2.2 Análise das capacidades internas

A análise das capacidades internas tem por objetivo avaliar os recursos organizacionais,
identificando as forças e as fraquezas da organização no processo de formulação da
estratégia. Além de suportar a definição de opções estratégicos viáveis, serve de
orientação sobre as necessidades futuras de recursos e de competências a serem
desenvolvidas. A capacidade de uma organização de responder positivamente a novas
oportunidades depende, em última instância, da competência de seus colaboradores. O
conhecimento das capacidades internas é essencial, portanto, na formulação das
estratégias de gestão de pessoas.
Analisar as capacidades internas da organização implica, de forma ampla, o
conhecimento de sua estrutura, de seus sistemas e processos, das pessoas que nela

44

trabalham e de sua cultura. Essa análise torna-se fundamental não apenas como subsídio
para a formulação de estratégias (identificar pontos fortes e pontos fracos da organização
vis-à-vis as oportunidades e as ameaças do ambiente) mas também como fonte de
obtenção de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo. Para a formulação da
estratégia de gestão de pessoas, evidentemente, interessa aprofundar os aspectos
relativos às dimensões humanas, ou seja, a cultura e as pessoas, e como a interação das
pessoas com a estrutura e com o sistema pode contribuir para a consecução dos
objetivos estratégicos da organização.

Figura 2 - Análise das capacidades organizacionais

Baseando-se em pesquisas de diversas empresas transnacionais, como K-Mart, Wal-


Mart, Honda, GM e Canon, Stalk, Evans e Schulman (2000) propõem o que denominam
de “competição baseada em capacidades”.
Através da análise do crescimento das empresas estudadas, os autores demonstraram a
emergência de estratégias competitivas baseadas em capacidades intangíveis como “a
excelência na assistência técnica”, “o sistema de gerenciamento de recursos humanos” e
formas de “descentralização de decisões” e de “reorganização do trabalho”. Como
exemplo, cita-se o caso do crescimento da Wal-Mart, que em dez anos transformou o
setor varejista de lojas de desconto, crescendo cerca de 25% ao ano e atingindo uma taxa
de retorno equivalente ao dobro da obtida pelo concorrente direto. A Wal-Mart
transformou-se na maior e mais lucrativa empresa varejista do mundo, criando uma
cultura de excelência em serviços e estimulando os funcionários a fazer parte do negócio.
A intangibilidade dessas capacidades, por um lado, torna difícil, mas não impossível, a
mensuração dos resultados de sua gestão; por outro, faz com que as vantagens
competitivas centradas nessas capacidades dificilmente possam ser copiadas ou imitadas
pelo concorrente, ampliando, portanto, sua duração.
Curiosamente, embora os autores procurem distinguir o conceito de capacidades do
conceito de competências essenciais (core competences) da organização

45
(Prahalad e Hamel, 1995), é evidente uma certa superposição entre eles. Segund
Prahalad e Hamel, uma competência essencial da organização permite oferecei
benefícios reais aos consumidores, é de difícil imitação pelo concorrente e possibi lita o
acesso a diferentes mercados. Conclui-se, portanto, que competências e capacidades são
dimensões complementares de uma nova abordagem de estratégia empresarial que
enfatizam os aspectos comportamentais da estratégia.
As competências organizacionais e individuais constituem, atualmente, um importante e
moderna linha de pensamento e de atuação na gestão estratégica de pessoas. Fleury e
Fleury (2000), ao tratar do alinhamento entre estratégia e competências, afirmam que o
processo de formulação estratégica pode partir de dua perspectivas distintas: da
estratégia competitiva e dos recursos da empresa. A primeira, “de fora para dentro”,
procura estabelecer uma vantagem competitiva no setor a partir da “identificação de
oportunidades únicas em termos de produtos mercado”; a segunda, denominada resource
based view of the firm, considera que cada empresa tem um portfólio de recursos
tangíveis e intangíveis, podendo também obter vantagens competitivas “de dentro para
fora”, através da mobilização organização desses recursos.
Essas abordagens não podem ser consideradas excludentes, e sim complementares, pois
procuram alinhar mercados, estratégias e competências. Capacidades e competências
são faces da mesma moeda na obtenção de vantagens competitivas. Como já foi dito
anteriormente, a estratégia de gestão de pessoas baseada em capacidades e
competências assume a premissa de que a gestão de ativos intangíveis é de difícil
imitação pelo concorrente e que os empregados devem agregar valor pelas suas
competências, fator crítico de sucesso na era da informação e do conhecimento.

4.2.3 Implementação e avaliação de resultados

O destaque da etapa de implementação dentro do processo de gestão estratégica tem a


finalidade de chamar a atenção para a importância de considerar as questões de
implementação de maneira integrada com a formulação. A separação entre formulação e
implementação da estratégia, típica das escolas do design e do planejamento, tem sido
objeto de várias críticas na literatura sobre gestão estratégica. De forma mais
contundente, os estudos que defendem a idéia de administração estratégica como um
processo interativo e participativo apresentam como argumentação a importância de
engajar nesse processo os colaboradores dos mais diversos níveis, como condição
fundamental para sua mobilização e comprometimento com a estratégia e as mudanças
organizacionais necessárias para implementá-las. Argumentam também que a gestão
estratégica é um processo contínuo, envolvendo do estratégias deliberadas e emergentes
com forte retroalimentação.
Além disso, há que considerar que muitas estratégias não são bem-sucedidas por falta de
preocupação com a ação estratégica. A formulação é, essencialmente, um processo de
reflexão, sistematizado e formalizado, ou implícito. A implementação é a estratégia em
ação, a intenção convertendo-se em resultado, enfim, a capacidade de executar a
estratégia.

46
Entretanto, falhas na implementação, ligadas à resistência a mudanças, à falta de
consistência na atuação de diferentes atores envolvidos no desenvolvimento e na
administração de programas estratégicos, entre outras, têm dificultado, e muitas vezes
impedido, que estratégias consideradas bem formuladas sejam implementadas com
sucesso. Fischmann (1987) realizou uma ampla pesquisa a respeito de implementação de
estratégias, na qual apresentou uma síntese com 21 categorias de problemas que
impedem ou dificultam a implementação estratégica, entre as quais se destacam nove
categorias relacionadas mais diretamente com o fator humano e a sua gestão:
[…] as estratégias a serem implementadas estavam em conflito com os valores culturais
da empresa; a liderança e comando dos gerentes não foi eficaz o bastante; a alta
administração não deu sustentação suficiente para a implementação; a coordenação das
atividades de implementação não foi eficiente; a capacitação dos gerentes não foi
suficiente; a disponibilidade de recursos humanos foi imprópria; as instruções e
treinamento dados para o nível médio e subordinados não foram adequados; mecanismos
de compensação, como prêmios e participação nos lucros ou resultados e outros,
atrelados ao desempenho na implementação estratégica, não foram programados ou
explicitados; e metas globais de decisão estratégica não foram bem compreendidas pelos
empregados.
Essas constatações reforçam a tese da importância do processo integrado e participativo
da formulação e implementação estratégica, no qual os limites entre a formulação e a
implementação perdem o sentido, o feedback de informações é contínuo em todas as
etapas e os resultados mais importantes são a participação das pessoas no processo, seu
aprendizado, sua conscientização e seu comprometimento com os intentos da
organização e as formas a serem adotadas para realizá-los.
Kaplan e Norton (2001) citam pesquisas realizadas entre executivos que mostram que a
capacidade de executar a estratégia é mais importante do que a qualidade da estratégia
em si e que 70% dos casos de fracassos de eminentes CEOs decorrem de problemas de
má execução, e não de má estratégia, ou seja, estão relacionados com a implementação
estratégica.
Segundo os autores, as oportunidades para a criação de valor estão migrando da gestão
de ativos tangíveis para a gestão de estratégias baseadas no conhecimento, que
exploram os ativos intangíveis da organização (relacionamentos com os clientes, produtos
e serviços inovadores, tecnologia de informação e bancos de dados, além de
capacidades, habilidades e motivação dos empregados) e exigem ferramentas que
descrevam os ativos com base no conhecimento e nas estratégias criadoras de valor,
construídas a partir desses ativos. Além disso, necessitam de uma linguagem para a
comunicação da estratégia e dos processos que contribuem para a sua implementação.
Para isso, Kaplan e Norton propõem o uso do balanced scorecard como ferramenta
gerencial, originalmente concebida com a finalidade de mensuração, procurando ampliar
o conjunto de indicadores de resultado e incluindo, além dos tradicionais indicadores
financeiros, outros vetores do desempenho futuro. Esse instrumento transformou-se em
um processo gerencial eficaz que possibilita não apenas mensurar resultados estratégicos
mas dar foco e alinhamento à estratégia organizacional.

47

Os objetivos e as medidas do balanced scorecard derivam da visão e da estratégia da


empresa, e sua estrutura focaliza o desempenho organizacional sob quatro perspectivas:
a financeira, a do cliente, a dos processos internos e a do aprendizado e crescimento. Os
executivos podem avaliar, por exemplo, até que ponto suas unidades de negócios geram
valor para os clientes atuais e futuros e como devem aperfeiçoar as capacidades internas
e os investimentos necessários em pessoas, sistemas e procedimentos, visando melhorar
o desempenho futuro. O balanced scorecard capta as atividades críticas de geração de
valor desenvolvidas por funcionários e executivos capazes e motivados da empresa.
Na gestão estratégica de pessoas, a preocupação com a mensuração e com o
alinhamento estratégico assume uma expressão ainda maior decorrente das dificuldades
de mensuração. Nessa linha, Becker, Huselid e Ulrich (2001) propõem o denominado
hunian resource scorecard, que desenvolve modelos de relações causais e, com base no
conceito do balanced scorecard, mostra a relação dos valores gerados por recursos
humanos e os resultados dos negócios. Além disso, apresentam um quadro de referência
para que executivos de recursos humanos de organizações de alta performance formulem
estratégias para o crescimento do capital humano e sugiram competências requeridas dos
profissionais de RH para o desenvolvimento de sistemas de mensuração nessa área.
Propõe-se uma “arquitetura estratégica de RH” com as seguintes etapas:

> definir claramente a estratégia de negócio;


> construir um business case para RH como um componente estratégico;
> criar um mapa estratégico, identificando indicadores tangíveis e intangíveis;
> identificar os “produtos” de RH no mapa estratégico;
> alinhar a estrutura de RH com os “produtos” de RH;
> desenhar sistemas de mensuração (scorecard);
> implementar o gerenciamento por indicadores;
> revisar continuamente as mensurações, comparando-as ao mapa estratégico.

Merece destaque também o trabalho de Fitz-Enz (2000), fundador do Instituto Saratoga,


nos Estados Unidos, que tem desenvolvido indicadores de resultados para a avaliação de
recursos humanos. Para ele, todos os processos devem ter a finalidade de agregar valor,
sendo fundamental desenvolver formas de mensuração e avaliar as mudanças nos
processos associados aos objetivos estratégicos das empresas.
São enfoques diferentes para o problema da mensuração e da avaliação, que, além de
estar no âmago das questões de implementação de estratégias de gestão de pessoas,
também podem contribuir para a definição do foco e o alinhamento estratégico, bem como
para a eficácia de sua comunicação.

48

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49

AUTOR

LINDOLFO GALVÂO DE ALBUQUERQUE


Professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Doutor e livre-
docente em Administração — com distinção — pela FEA-USP Participou do programa
“Training Trainers”, desenvolvido pelo Insead, em Fontainebleau, França, e de outros
programas de intercãmbio, pesquisa e treinamento no exterior (Universidade Vanderbilt,
Universidade Northwestern e Instituto Tecnológico Virginia). Professor em cursos de
treinamento gerencial para Banco da Bahia, Banespa e Banco Central e empresas como
Eletrobrás, Coelba, Philips, Klabin, Com Products, Perdigão, Compaq e Gafisa, entre
outras. Consultor de empresas na área de recursos humanos, com especialização em
estratégias de recursos humanos e planejamento de carreiras, participa de projetos de
implantação em diversas organizações. Coordena projetos da Fundação Instituto de
Administração (FIA-USP) desde 1974, sendo presidente do seu Conselho Curador desde
1998. Foi coordenador do Programa de Educação Continuada em Administração para
Executivos — MBA-RH
— da FIAIFEA-USP de 1996 a 2000.

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A GESTÃO DE COMPETÊNCIA E A ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL

Maria Tereza Leme Fleury

1. Introdução
Nos últimos anos, as organizações vêm passando por crescentes mudanças em razão
das transformações ocorridas no ambiente externo — cenário político, econõmico e social
— e no ambiente interno.
Entre as mudanças externas, destaca-se o processo de globalização financeira, comercial
e produtiva, que provoca transformações também na atuação das organizações. Se no
passado a maioria das empresas atuava apenas regionalmente ou nacionalmente
(mesmo empresas multinacionais agiam sob essa lógica), hoje, para competir no mercado
globalizado, precisam ampliar o escopo de atuação. Um exemplo disso são as empresas
que trabalham de forma global o desenvolvimento e a operação de um produto ou serviço,
com o objetivo de ampliar seu mercado: estabelecem as plantas em certos países, as
unidades de concepção e desenvolvimento em outro, os departamentos de marketing,
publicidade em mais outro, deixando a logística e a distribuição próximas dos centros
consumidores. Há, enfim, a necessidade de as empresas definirem melhor sua visão
estratégica, para estar bem posicionadas hoje e futuramente no cenário globalizado.

51

Paralelamente, no contexto interno, algumas mudanças põem em xeque o modelo


tradicional de gestão adotado pela maioria das empresas. Esse modelo foi criado e
desenvolvido segundo os princípios do taylonsmo-fordismo e do modelo hierárquico-
funcional desenvolvido por Fayol no início do século XX. Nele, o homem é reduzido a uma
dimensão secundária no processo produtivo, mera peça de uma máquina. Conceitos
como superespecialização, centralização da decisão, hierarquia, ordem, disciplina e
unidade de comando eram usados na busca da “única maneira certa de fazer”, para
maximizar a eficiência. Assim, fez-se uso da teoria de tempos e movimentos e da
supervisão funcional (especialização da supervisão). A unidade básica, nesse modelo, é o
cargo, sendo a empresa estruturada em uma hierarquia funcional.
O pesquisador francês Philippe Zarifian enfoca três mutações no mundo do trabalho que
justificam a emergência do modelo de competências em lugar do tradicional modelo de
cargos e salários na gestão das organizações:
> A noção de evento: aquilo que ocorre de forma imprevista, não programada, vindo a
perturbar o desenrolar “normal” do sistema de produção e ultrapassando sua capacidade
rotineira de assegurar a auto-regulação. Isso significa que a competência não pode estar
contida nas precondições da tarefa; a pessoa precisa sempre mobilizar recursos para
resolver as novas situações de trabalho.
>Comunicação: implica compreender o outro e a si mesmo, significa entrar em acordo
sobre objetivos organizacionais, partilhar normas sobre sua gestão. A estrutura
hierárquica baseada em caixinhas, com linhas de comunicação verticais, precisa ser
substituída por organizações com fronteiras mais flexíveis, em que pessoas, áreas e
empresas se comuniquem facilmente.
> A noção de serviço: cada vez mais essa noção precisa estar presente em todas as
áreas e situações, não apenas direcionada ao cliente externo mas também ao cliente
interno. Ninguém produz alguma coisa voltando-se para si mesmo, mas, sim, destinando-
a aos outros.
É nesse contexto que o modelo tradicional de organizar o trabalho e gerenciar pessoas
não está mais de acordo com a realidade das organizações. É necessário substituir, como
unidade básica de gestão, o cargo pelo indivíduo. O conceito de competência e o modelo
de gestão de pessoas por competência ganham impulso tanto no mundo acadêmico como
no empresarial.
“Competência” é uma palavra do senso comum, utilizada para designar uma pessoa
qualificada para realizar alguma coisa. O oposto, ou seu antônimo, não implica apenas a
negação dessa capacidade como guarda um sentimento pej orativo, depreciativo. Chega
mesmo a indicar que a pessoa se encontra, ou brevemente se encontrará, marginalizada
dos circuitos de trabalho e do reconhecimento social.
O dicionário inglês Webster (1981) define “competência” assim: “Qualidade ou estado de
ser funcionalmente adequado ou de ter suficiente conhecimento, julgamento, habilidades
ou força para determinada tarefa (the quality or state of beingfunctionally adequate or
having sufficient skill or strenght for a particular duty) “. Tal definição, bastante genérica,
menciona dois pontos principais ligados à competência:

52

conhecimento e tarefa. O dicionário de língua portuguesa Aurélio (1975) enfatiza, em sua


definição, aspectos semelhantes — capacidade para resolver qualquer assunto, aptidão,
idoneidade — e introduz outro: capacidade legal para julgar pleito.
Nos últimos anos, o tema competência entrou na pauta das discussões acadêmicas e
empresariais associado a diferentes instâncias de compreensão: no nível da pessoa (a
competência do indivíduo), das organizações (core competences) e dos países (sistemas
educacionais e formação de competências).
Este capítulo tem como objetivos:
>recuperar historicamente o conceito de competência, explicitando-o em seus vários
níveis de compreensão;
> apresentar o conceito em um modelo que relaciona competência com estratégia
organizacional e com os processos de aprendizagem;
>exemplificar o tema através do estudo de caso.

2. O início do debate sobre competência

Em 1973, McClelland publicou o artigo “Testing for competence rather than intelligence”
(Testando por competências em vez de inteligência), que de certa forma iniciou o debate
sobre competência entre psicólogos e administradores nos Estados Unidos. A
competência, segundo o autor, é uma característica subjacente a uma pessoa
casualmente relacionada com uma performance superior na realização de uma tarefa ou
em determinada situação. Diferenciava, assim, competência de aptidões, talento natural
da pessoa, o qual pode vir a ser aprimorado; de habilidades, demonstração de um talento
particular na prática; e de conhecimentos, o que as pessoas precisam saber para
desempenhar uma tarefa (Mirabile, 1997). Durante a década de 1980, Richard Boyatzis,
reanalisando os dados de estudos realizados sobre competências gerenciais, identificou
um conjunto de características e traços que, em sua opinião, definem uma performance
superior. Os trabalhos de Spencer e Spencer (1993), Mirabile (1997) e McLangan (1997)
marcaram significativamente a literatura americana a respeito do tema competência.
Nessa perspectiva, o conceito de competência é pensado como o conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes (isto é, o conjunto de capacidades humanas) que
justificam uma alta performance, acreditando-se que as melhores performances estão
fundamentadas na inteligência e na personalidade das pessoas. Em outras palavras, a
competência é percebida como um estoque de recursos que o indivíduo detém. Embora o
foco da análise seja o indivíduo, a maioria dos autores americanos aponta a importância
de alinhar as competências às necessidades estabelecidas pelos cargos ou posições
existentes nas organizações.
Tanto na literatura acadêmica como nos textos que fundamentam a prática administrativa,
a referência que baliza o conceito de competência é a tarefa e o conjunto de tarefas
prescritas de um cargo. Nessa linha, a gestão por competência é apenas um rótulo mais
moderno para administrar uma realidade organizacional ainda fundada nos princípios do
taylorismo-fordismo.

53

Observa-se, assim, que, enquanto prevaleceu o modelo taylorista-fordista de organização


do trabalho e de definição das estratégias empresariais, o conceito de qualificação
propiciava o referencial necessário para trabalhar a relação profissional indivíduo-
organização. A qualificação era, então, definida pelos requisitos associados à posição ou
ao cargo, ou pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa, que podem ser
classificados e certificados pelo sistema educacional.
Lawler (1994), no entanto, contrapõe-se a essa linha de raciocínio, mostrando que
trabalhar com o conjunto de habilidades e requisitos definidos com base no sistema de
cargos, próprio do modelo taylorista, não atende às demandas de uma organização
complexa, mutável em um mundo globalizado. Em tais situações, afirma o autor, as
organizações deverão competir não apenas por meio de produtos mas de competências,
buscando atrair e propiciar o desenvolvimento de pessoas com combinações de
capacidades complexas, para atender às suas core competences. São as observações de
Lawler, aliadas às de autores europeus, que fundamentam o modelo de análise proposto
neste capítulo.
O debate francês a respeito de competência nasceu nos anos 1970 justamente do
questionamento do conceito de qualificação e do processo de formação profissional,
principalmente técnica. Insatisfeitos com o descompasso que se observava nas
necessidades do mundo do trabalho (principalmente na indústria), os franceses
procuravam aproximar o ensino das necessidades reais das empresas, visando aumentar
a capacitação dos trabalhadores e suas chances de se empregar. Buscava-se
estabelecer a relação entre competências e os saberes — o saber agir — no referencial
do diploma e do emprego. Do campo educacional, o conceito de competência passou a
ser utilizado em outras áreas. No campo das relações trabalhistas, por exemplo, tal
conceito foi empregado para avaliar as qualificações necessárias ao posto de trabalho,
nascendo, assim, o inventário de competências, bilan de competences.
O conceito de competência que emerge na literatura francesa dos anos 1990 procura ir
além do conceito de qualificação. O trabalho não é mais o conjunto de tarefas associadas
descritivamente ao cargo, mas se torna o prolongamento direto da competência que o
individuo mobiliza em face de uma situação profissional cada vez mais mutável e
complexa. Essa complexidade de situações torna o imprevisto cada vez mais cotidiano,
rotineiro.
No caso brasileiro, o debate emerge da discussão acadêmica, inicialmente fundamentado
na literatura americana e pensando-se competência como input, algo que o indivíduo tem.
A introdução de autores franceses, como Le Boterf e Zarifian, e de autores ingleses, como
Elliott Jacques e seus seguidores — Billis e Rowbottom; Stamp e Stamp —, contribui para
o enriquecimento conceitual e empírico da discussão, gerando novas perspectivas e
enfoques (Amatucci, 2000; Dutra, 2001; Fleury e Fleury, 2000; Hipólito, 2000; Rhinow,
1998; Rodrigues, 2000; Ruas, 2000).

3. Construindo o conceito de competência do indivíduo

Na perspectiva adotada neste capítulo, competência não se limita ao estoque de


conhecimentos teóricos e empíricos do individuo nem se encontra encapsulada na

54

Figura 1. Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização

tarefa. Segundo Zarifian (1999), competência é a inteligência prática de situações que se


apóia nos conhecimentos adquiridos e os transforma com tanto mais força quanto maior
for a complexidade das situações.
O conceito de competência procura ir além do conceito de qualificação, usualmente
definida pelos requisitos associados à posição ou ao cargo, ou pelos saberes ou estoque
de conhecimentos da pessoa, os quais podem ser classificados e certificados pelo
sistema educacional, como já foi visto anteriormente. Já o conceito de competência
refere-se à capacidade de a pessoa assumir iniciativas ir além das atividades prescritas,
ser capaz de compreender e dominar novas situações no trabalho, ser responsável e
reconhecida por isso (Zarifian, 1999).
A competência do indivíduo não é um estado, não se reduz a um conhecimento ou know-
how específico. Le Boterf (1995) define competência como o entrecruzamento de três
eixos, formados pela pessoa (sua biografia, socialização), por sua formação educacional
e por sua experiência profissional. Competência é o conjunto de aprendizagens sociais e
comunicacionais nutridas a montante pela aprendizagem e pela formação e a jusante pelo
sistema de avaliações. Segundo Le Boterf, competência é um saber agir responsável,
como tal reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os
conhecimentos, recursos e habilidades num contexto profissional determinado.
A competência individual encontra limites, mas não sua negação, no nível dos saberes
alcançados pela sociedade, ou pela profissão do indivíduo, numa época determinada. As
competências são sempre contextualizadas. Os conhecimentos e o know-how não
adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados. A rede de
conhecimento em que se insere o indivíduo é fundamental para que a comunicação seja
eficiente e gere competência.
A noção de competência aparece, assim, associada a verbos e expressões como:
saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender,
saber se engajar, assumir responsabilidades, ter visão estratégica. Do lado da
organização, as competências devem agregar valor econômico para a organização e
valor social para o indivíduo, conforme é apresentado na Figura 1.

Definimos, assim, competência: um saber agir responsável e reconhecido que implica


mobilizar integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agregue valor
econômico à organização e valor social ao indivíduo.
Afinal, o que significam os verbos expressos nesse conceito? O quadro a seguir, inspirado
na obra de Le Boterf, propõe algumas definições:

55

Quadro 1.
Competências para o profissional

Saber agir Saber o que e por que faz.


Saber julgar, escolher, decidir.
Saber mobilizar recursos Criar sinergia e mobilizar recursos e competências.
Saber comunicar Compreender, trabalhar, transmitir informações,
conhecimentos.
Saber aprender Trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos
mentais, saber se desenvolver.
Saber se engajar e se comprometer Saber empreender, assumir riscos.
Comprometer-se.
Saber assumir responsabilidades Ser responsável, assumindo os riscos e as
conseqüências
de suas ações, sendo por isso reconhecido.
Ter visão estratégica Conhecer e entender o negócio do organização, seu
ambiente, identificando oportunidades e alternativas.
Outra noção extremamente importante a ser incorporada ao conceito de competência é a
de entrega, desenvolvida por Dutra (2001). As pessoas, segundo Dutra, possuem
determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, o que não garante que a
organização se beneficie diretamente deles. Para compreender melhor o conceito de
competência, é preciso incorporar a noção de entrega, ou seja, aquilo que a pessoa
realmente quer entregar à organização. O termo “entrega” refere-se ao indivíduo que sabe
agir de forma responsável e é reconhecido por isso.
Figura2. Evolução do conceito de competências

56

4. As competências de uma organização: o Iink entre estratégia e competência

A partir do modelo de análise de competência proposto, ocorre uma mudança de foco; a


questão se desloca das competências do indivíduo para as das organizações. Introduz-
se, assim, a noção da empresa como um portfólio de competências.
Durand (1998) observa que, “nos tempos medievais, os alquimistas procuravam
transformar metais em ouro; hoje os gerentes e as empresas procuram transformar
recursos e ativos em lucro. Uma nova forma de alquimia é necessária às organizações.
Vamos chamá-la „competência‟ “.
Os artigos de Prahalad e Hamel (1990) sobre as core conlpetences da empresa
despertaram o interesse não só de pesquisadores mas também dos profissionais de
empresas para as teorias sobre recursos da firma (resource based view of the firm).
Segundo os autores, para adquirir papel-chave as competências devem atender a três
requisitos:

1) oferecer reais benefícios aos consumidores;


2) ser difíceis de imitar;
3) prover acesso a diferentes mercados.

A questão principal diz respeito à possibilidade de combinação das várias competências


que uma empresa pode conseguir para desenhar, produzir e distribuir produtos e serviços
aos clientes. Competência seria, assim, a capacidade de combinar, misturar e integrar
recursos em produtos e serviços.
Uma competência essencial não precisa necessariamente basear-se em “tecnologia
stncto sensu”: pode estar associada ao domínio de qualquer estágio do ciclo de negócios,
como um profundo conhecimento das condições de operação de mercados específicos.
Não obstante, para ser considerado uma competência essencial, esse conhecimento deve
estar associado a um processo sistemático de aprendizagem, que envolve descoberta,
inovação e capacitação de recursos humanos.
Zarifian (1999) diferencia as seguintes competências em uma organização:
>Sobre processos: conhecer o processo de trabalho.
> Técnicas: conhecer especificamente o trabalho a ser realizado.
>Sobre a organização: saber organizar os fluxos de trabalho.
> De serviço: aliar à competência técnica a pergunta “que impacto este produto ou serviço
terá sobre o consumidor final?”.
>Sociais: saber ser, incluindo atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas. O
autor identifica três domínios dessas competências: autonomia, responsabilização e
comunicação.
A classificação proposta por Zarifian ilumina a formação de competências mais
diretamente ligadas ao processo de trabalho de operações industriais. Entretanto, é
preciso ampliar o escopo de análise, relacionandó a formação de competências à
definição da estratégia organizacional.

57

5. Exemplificando o modelo

O esquema a seguir ilustra o raciocínio desenvolvido neste capítulo:

De acordo com essa abordagem, a organização, situada em um ambiente institucional,


define sua estratégia e as competências necessárias para implementá-la, num processo
de aprendizagem permanente. Não existe ordem de precedência nesse processo, e sim
um círculo virtuoso, em que uma alimenta a outra através do processo de aprendizagem.
Os casos Embraer, Laboratório Fleury e McDonald‟s ilustram como diferentes estratégias
exigem diferentes competências organizacionais.

5.1 ESTRATÉGIA DA INOVAÇÃO EM PRODUTOS

A Embraer é um dos (raros) casos de empresa brasileira que compete por inovação em
produtos. Criada em 1969 por professores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
ela utiliza o conhecimento acumulado e conta com o apoio das Forças Armadas,
especialmente da Aeronáutica.
Seu primeiro produto — o Bandeirante — pode ser considerado uma inovação radical, por
ter sido desenvolvido para um mercado ainda não bem configurado na época: o de
transporte aéreo regional. Foi nesse mercado que a empresa focou o desenvolvimento de
competências, sendo o projeto de produtos (aeronaves) e do processo produtivo a
competência essencial.
Quando, ainda na década de 1970, precisou ampliar sua competência na área comercial,
a Embraer associou-se à Piper, empresa americana que fabrica e distribui pequenos
aviões em escala mundial. As alianças com parceiros internacionais para o
desenvolvimento de aviões militares criaram as bases da consolidação de competências
para a integração dos sistemas aeronáuticos, mecânicos, hidráulicos e eletrônicos que
compõem a aeronave.
A excessiva ênfase nas competências técnicas pode ser considerada uma das causas
dos projetos malsucedidos no início da década de 1990: os produtos eram tão
sofisticados do ponto de vista tecnológico que o preço inviabilizou sua venda.

58

Após a privatização, a nova diretoria aportou competências na área financeira e imprimiu


uma forte orientação para o mercado, alterando a cultura organizacional e alavancando a
competência para o desenvolvimento e a gestão de projetos.
O reconhecimento internacional dessa competência é que possibilita à Embraer vender
produtos que ainda estão na prancheta e contar, nesse projeto, com parceiros de risco do
porte das maiores empresas aeronáuticas do mundo.
5.2 ESTRATÉGIA DE EXCELÊNCIA OPERACIONAL

De maneira geral, as empresas que competem em produtos padronizados ou


normatizados devem pautar sua estratégia pela excelência operacional. O McDonald‟s é
um exemplo de empresa que possui estratégia de excelência operacional, procurando
otimizar a relação preço/qualidade.
Os clientes do McDonald‟s sabem que encontrarão, em todas as lojas da rede,
basicamente os mesmos produtos e serviços (com algumas adaptações locais), a mesma
qualidade e rapidez, a preço compatível. Com isso, criou-se um sentimento de confiança
por parte do cliente em relação à marca McDonald‟s, o que acabou se tomando o
diferencial competitivo da rede, ou seja, sua competência organizacional.

5.3 ESTRATÉGIA DE ORIENTAÇÃO PARA SERVIÇOS

As empresas que adotam essa estratégia são voltadas para atender a necessidades de
clientes específicos. Especializam-se em satisfazer, e até em antecipar, os desejos do
cliente em virtude de sua proximidade com ele.
A estratégia competitiva adotada pelo Laboratório Fleury, um centro de medicina
diagnóstica, exemplifica o tipo de atuação orientada para serviços. A proposta da
empresa é oferecer um serviço de alta qualidade e confiabilidade para um segmento de
mercado disposto a pagar por ele. O Fleury busca a proximidade com seus clientes e
oferece serviços diferenciados, como exames ultramodernos e específicos, atraindo
determinado público e buscando satisfazê-lo.

59

Quadro 2. Tipos de estratégia e formação de competências

ESTRATÉGIA
COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS
EMPRESARIAL
OPERAÇÕES PRODUTO MARKETING
Manufatura
Excelência Inovações Marketing de produto para
classe
operacional incrementais mercados de massa
mundial

Sco!e up e Inovações Marketing seletivo para


Excelência
fabricação radicais mercados/clientes
em produto
primária (breakthrough) receptivos à inovação

Desenvolvimento
Manufatura de Marketlng voltado para
Orientação para
ágil, soluções e dientes específicos
serviços
flexível sistemas (customização)
específicos

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AUTORA
MARIA TEREZA LEME FLEURY
Vice-diretora e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), atua na área de recursos
humanos. Mestre e doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e pós-graduada pela Universidade Stanford (EUA). Editora da Revista
de Administração da USP (RAUSP) e coordenadora do Programa de Pós- Graduação da
FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertações de mestrado e teses de
doutorado. Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação
em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e
poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura
organizacional nos cursos de MBA da USE Desenvolve atividades de pesquisa,
diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas,
nacionais e multinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras.
autora de diversos livros.

61

Os processos de recrutamento e seleção

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA

ELIETE BERNAL ARELLANO

1. Introdução

Reconhece-se o recrutamento e seleção como ferramenta importante e integrada na


estratégia de negócios da empresa. Se a empresa necessita passar por mudanças e
renovação, deverá buscar e atrair pessoas com tal potencial. Se, pelo contrário, tratar-se
de uma empresa conservadora e enrijecida, o perfil do profissional de que necessitará
será outro.
Passamos por um momento histórico em que a competição é um fator presente nas
organizações, e isso se reflete na concorrência por profissionais que agreguem condições
determinantes no diferencial de qualidade das empresas.
Recrutamento e seleção são processos que fazem parte da rotina de preenchimento de
vagas em aberto, da rotina de admissão de pessoal. Pode-se utilizar grande quantidade
de instrumentos comprovados cientificamente, que proporcionam melhor qualidade e
maior precisão a esses processos.

63

2. O que é recrutamento?
Recrutamento é a fase inicial do preenchimento de uma vaga em aberto. Lodi (1967
define recrutamento como “um processo de procurar empregados”. Tal procura se faz
com base nas requisições de pessoal emitidas pelos supervisores e no mercadc de
trabalho, no qual de um lado competem os empregadores e de outro os próprios
profissionais. Os empregadores competem em termos de salários, condições de trabalho
e benefícios oferecidos. Os candidatos competem en termos de qualificação pessoal, o
que inclui habilidade, conhecimento, experiência e personalidade.
O recrutamento é influenciado diretamente pelo mercado de trabalho. Em períodos de
recessão, de crise econômica e poucos investimentos, o mercado de trabalho recebe
maior oferta de mão-de-obra que de postos de trabalho. Em períodos de crescimento e
desenvolvimento econômico, a disputa pelos candidatos torna-se acirrada.
Flippo (1961) define o recrutamento como “um processo de procurar empregados,
estimulá-los e encorajá-los a se candidatar” a vagas de determinada organização. Uma
variável importante relaciona-se à imagem que a empresa projeta no mercado de
trabalho. A empresa reconhecida como um bom lugar para trabalhar terá maior
visibilidade e provavelmente maior número de candidatos. No entanto, é sempre
necessário planejar e organizar esforços para estimular e atrair novos talentos, através do
processo de recrutamento que a empresa expõe o grau de profissionalismo com que trata
seus colaboradores. Um processo de recrutamento malconduzido projeta uma imagem
negativa da empresa.
O recrutamento dá subsídios para o processo de seleção. Se não existirem candidatos
com potencial para o preenchimento de uma vaga, não haverá como efetuar a seleção. O
processo de recrutamento necessita de criatividade para atrair o máximo de pessoas que
tenham o perfil desejado e estejam interessadas em participar.
O recrutamento pode ser feito de duas formas básicas:
a) atraindo-se pessoas já contratadas pela empresa, mas que trabalham em outros
cargos;
b) buscando-se candidatos que não têm vínculo direto com a empresa no mercado de
trabalho.

2.1 RECRUTAMENTO INTERNO

a procura de candidatos para o preenchimento de uma vaga dentro da própria


organização. Ao adotar essa técnica alguns cuidados de gerenciamento de expectativas
devem ser tomados. Há empresas que alegam que isso gera competição interna,
descontentamento e frustração para aqueles que foram preteridos no processo. Por outro
lado, o recrutamento interno estimula o desenvolvimento profissional e oferece
perspectivas de crescimento na carreira aos funcionários da empresa. De qualquer forma,
o recrutamento deve ter normas definidas, transparentes e conhecidas por todos para
minimizar eventuais problemas.

64

As principais vantagens do recrutamento interno são:


> menor custo direto;
>conhecimento prévio do perfil de desempenho do “candidato”;
> estímulo à preparação para a promoção, proporcionando medidas especiais de
treinamento e criando um clima sadio de progresso profissional;
> melhora do moral interno;
>demonstração de valorização do pessoal que já compõe a emresa.
A essas vantagens, Chiavenato (1999) agrega melhor aproveitamento do potencial
humano da organização, incentivo à permanência dos funcionários e fidelidade à
organização, adequação a situações de estabilidade e pouca mudança ambiental e
ausência de necessidade de socialização organizacional de novos membros.

2.2 RECRUTAMENTO EXTERNO

É a busca de candidatos no mercado de trabalho ou em fontes específicas para o


preenchimento do cargo. A opção pelo recrutamento externo deve, preferencialmente, ser
feita após avaliação da alocação de pessoas que já estejam empregadas na empresa.
Esse critério gera expectativas positivas de carreira, além do sentido de justiça pelo
oferecimento de oportunidades aos funcionários já comprometidos e fiéis aos objetivos da
empresa.
O recrutamento externo tem vantagens que devem ser ponderadas, levando-se em conta
o contexto em que a empresa está inserida no momento. Algumas delas:
>novas personalidades e talentos;
>inovação da composição das equipes de trabalho;
> atualização de estilo e tendências do mercado.
Em geral, os custos diretos do recrutamento externo são maiores que os do recrutamento
interno. Apesar de acarretar custos diretos menores, porém, o recrutamento interno leva a
custos indiretos referentes ao remanejamento de cargos e ao processo seletivo em si.
Algumas fontes de recrutamento podem ser citadas:
> consulta ao cadastro de candidatos da própria empresa (processos seletivos anteriores
ou apresentação espontânea de candidatos);
> escolas de cursos técnicos, faculdades e universidades;
> entidades de classe (sindicatos, associações e conselhos de classe);
>anúncio de vagas em locais visíveis da empresa ou em locais específicos;
>cadastros de outros recrutadores e grupos informais;
>intercâmbio entre empresas;
>sites especializados em oferta de candidatos;
>empresas de outplacement;
65

>anúncios em jornais, revistas, rádio e televisão;


>agências de emprego ou headhunters;
>site da própria empresa.
As vagas (ou posições) de maior complexidade e responsabilidade ou que encontrem
baixa oferta no mercado de trabalho em geral exigem maior investimento de recursos
(múltiplos e combinados).

3. O que é seleção de pessoal?

Seleção é a escolha do candidato mais adequado para a organização, dentre todos os


recrutados, por meio de vários instrumentos de análise, avaliação e comparação de
dados.
Santos (1973) define seleção como um processo pelo qual são escolhidas pessoas
adaptadas a determinada ocupação ou esquema operacional. Nem sempre isso significa
escolher os candidatos que revelam aptidões ou capacidades em índices elevados. Em
princípio, é a escolha dos candidatos com maior afinidade de expectativas e
potencialidades com as expectativas e necessidades previstas para o cargo ou posição
em processo de preenchimento. Isso significa aqueles que mais convêm a determinado
plano de ação, pois em muitos casos os escolhidos não são os mais talentosos, e sim os
mais adequados a uma função em uma situação predeterminada.
Algumas vezes, admitir um funcionário cujo potencial é maior que a capacidade da
empresa de oferecer oportunidades de desenvolvimento e crescimento provavelmente
levará à desmotivação. Por essa razão, em caso de contratação, as expectativas devem
ser gerenciadas para evitar sentimentos de desvalorização profissional no empregado.
Da mesma forma, admitir um funcionário sem a qualificação necessária gerará tensão e
ansiedade, estresse e até irritabilidade se essa admissão não for gerenciada
adequadamente, investindo-se em treinamento e capacitação. Nessa situação, pode-se
questionar: por que não investir em treinamento do funcionário que já faz parte da
organização? A única resposta aceitável seria o caso de o investimento em qualificação e
desenvolvimento ocorrer em prazo maior que o previsto para a obtenção do nível de
produtividade esperado.
Antes de o processo seletivo ser iniciado, há necessidade de obter informações sobre as
atividades a serem desenvolvidas e as habilidades indispensáveis para sua execução. Em
muitas empresas já existem descrições e análises das competências necessárias. Mesmo
assim, é indispensável a realização de uma entrevista com o requisitante da vaga para
conhecer suas necessidades e expectativas e confirmar c perfil psicológico desejado e a
bagagem de conhecimentos do candidato.
O contato com a área deve ser feito em todas as etapas do processo seletivo, incluindo-
se obviamente o levantamento do perfil do candidato. A decisão sobre c preenchimento
da vaga, a avaliação e a comparação dos candidatos e a decisão final sobre o escolhido
devem ser feitas pela pessoa ou área que receberá o empregadc selecionado. Quanto
mais envolvida a área estiver, maior a possibilidade de acertal na escolha.

66
Por se tratar de um processo em que se pesquisam dados intrínsecos aos candidatos, a
ética deve estar presente acima de tudo. Afinal, a pessoa está procurando emprego e
depara com uma bateria de avaliações com o objetivo de revelar aspectos de sua
inteligência, personalidade, interesses, sociabilidade, vida pessoal e vida profissional. Não
ser contratado após um processo seletivo pode levar o candidato, mesmo sabendo que
apenas um pode ocupar a vaga existente, a questionar suas capacidades e habilidades e
a ter a auto-estima afetada.
Por isso, os resultados devem ser comunicados, os critérios divulgados previamente e a
posição geral da empresa esclarecida. Deve-se evitar personalizar restrições ou falhas
observadas em entrevistas, testes ou técnicas vivenciais. Em casos especiais, deve-se
recomendar melhorias ou investimentos pessoais-profissionais com o esclarecimento das
razões da escolha ou da rejeição de maneira a evitar traumas ou frustrações. Da mesma
forma, os resultados das várias etapas do processo devem ser confidenciais, restritos à
área de seleção ou ao próprio candidato.

4. Técnicas utilizadas na seleção de pessoal

A seleção de pessoal não pode ser feita apenas pela avaliação da experiência e do
conhecimento do trabalho a ser realizado. Conhecer aspectos relacionados à
personalidade do candidato é fundamental para verificar se a contratação será positiva
para a empresa e para o empregado. Todos os métodos psicométricos prevêem uma
margem de acerto e erro, por isso não são a expressão do futuro, mas a predição. A
utilização de diversas técnicas que se complementam pode diminuir a possibilidade de
erro na escolha do candidato.
A seguir, serão abordadas as principais técnicas utilizadas no processo seletivo:

4.1 ENTREVISTAS

A entrevista é o instrumento mais importante do processo de seleção. Exatamente por


essa razão, deve ser conduzida por um profissional experiente e capaz de identificar que
fatores de ordem pessoal podem interferir no processo (antipatia, atração, rejeição etc.). É
recomendável que vários entrevistadores avaliem o mesmo candidato para minimizar
esse problema. O entrevistador deve ter sempre em mente as expectativas da área.
As entrevistas são utilizadas em vários momentos do processo seletivo. Com entrevistas
de triagem pode-se verificar aspectos evidentes e determinantes para a ocupação do
cargo. Para uma vaga de segurança, por exemplo, em que é necessário permanecer de
pé e fazer rondas o dia todo, um candidato obeso não terá o preparo físico básico. Além
do biótipo e de dados demográficos, pode-se também fazer uma averiguação inicial dos
interesses e das expectativas do candidato, como pretensão salarial, desenvolvimento de
carreira, horário e jornada de trabalho, disponibilidade para viagens, entre outros.

67

A entrevista pode aprofundar a pesquisa dos dados do candidato. Deve ser realizada por
meio de questões semi-estruturadas, apresentadas no decorrer do diálogo entre
entrevistador e entrevistado. Deve-se permitir a espontaneidade no momento da
exposição do candidato. Quanto menos tensão for gerada e maior a confiança
conquistada por ambos, melhor será a qualidade do diálogo.
Segundo Weiss (1992), a entrevista deve seguir quatro estágios:
> Abertura: é a hora do aquecimento, na qual o entrevistador se apresenta e expõe a
proposta da entrevista e como será conduzida.
>Pesquisa: tem como objetivo obter do candidato as informações necessárias á avaliação
de seu perfil pessoal e profissional.
>Troca: é o momento em que o candidato faz as perguntas que revelam seus interesses,
valores, atitudes e preocupações. Normalmente são perguntas relacionadas ao cargo, às
condições de trabalho e à empresa.
> Fechamento: nesse ponto, o entrevistador deve dar um breve feedback da entrevista e
informar as etapas futuras do processo seletivo.
A entrevista deve pesquisar aspectos de conteúdo profissional e pessoal do candidato
tanto relacionados com a vida pregressa quanto com as expectativas de vida futura.
Alguns tópicos são essenciais para apurar essas informações. O primeiro deles diz
respeito ao desenvolvimento de carreira, em que são abordados aspectos de sua
formação profissional, experiências anteriores, empresas em que trabalhou, motivos pelos
quais saiu dessas empresas, insatisfações na vida profissional, planos e ambições de
carreira. Outro ponto refere-se ao relacionamento profissional, ou seja, como o candidato
se relacionava com colegas, subordinados e chefias nos empregos anteriores. O
ambiente familiar — a estrutura familiar do candidato e as responsabilidades econômicas
que tem — é outro assunto que deve ser abordado.
Além disso, os interesses pessoais, isto é, a investigação de hobbies e hábitos que dão
satisfação ao candidato, podem trazer revelações importantes sobre as preferências e
realizações. Saber como o candidato se relaciona socialmente e se pertence a algum
grupo, associação ou religião possibilitará verificar seu grau de sociabilidade. Finalmente,
discutir as perspectivas futuras do candidato ajudará o entrevistador a verificar que
planejamento de vida e autogestão de carreira o candidato possui e a avaliar de que
maneira a empresa poderá incluir-se nesse projeto pessoal.
Outra maneira de conduzir uma entrevista é a utilização do próprio currículo do candidato
como roteiro, agregando-se as informações não mencionadas por ele.
A linguagem do corpo, ou seja, gestos e posturas que indicam o estado emocional, o grau
de interesse e a reação ao momento, deve ser observada, pois pode acrescentar
informações importantes sobre o modo como o candidato responde a determinada
situação.

68

4.2 PROVAS DE CONHECIMENTO

Podem ser gerais ou específicas. As provas gerais visam avaliar o grau de cultura geral
do candidato. Pode ser, por exemplo, uma simples redação para verificar a fluência
escrita, o conhecimento de português e a ordenação de idéias e pensamentos ou uma
prova de matemática, nos diversos níveis de complexidade, de acordo com a
escolaridade exigida para o cargo. Essas provas têm baixa correlação com o
desempenho profissional imediato, porém servem para entender melhor o universo do
candidato e sua atitude pessoal-profissional.
As provas específicas visam avaliar os conhecimentos profissionais que o candidato
possui, imprescindíveis para o bom desempenho da função. Podem ser de cálculos
matemáticos, matemática financeira, mecânica, idiomas etc. importante que esses
instrumentos sejam desenvolvidos e validados internamente na empresa para não
eliminar bons candidatos.

4.3 TESTES PSICOLÓGICOS

Testes psicológicos são instrumentos padronizados que servem de estímulo a


determinado comportamento do examinado. Visam predizer o comportamento humano
com base no que foi revelado na situação de teste.
Santos (1973) define os testes psicológicos como provas ou verificações sistematizadas
no sentido de medir (ou avaliar) um atributo qualquer: uma aptidão (a inteligência, por
exemplo), uma atitude, o campo de interesses, a estabilidade emocional ou traços de
personalidade (a dominância, a agressividade, a introextroversão etc.). Segundo Tiffin e
McCormick (1969), o uso de testes e provas psicológicas, conjugado com outros recursos,
é o procedimento de maior segurança de que se dispõe. Vários estudos indicam que o
emprego de técnicas psicológicas de seleção supera os índices alcançados pelos
processos tradicionais ou pelo recrutamento ocasional.
Santos (1973) lembra que na escolha dos testes psicológicos deve-se observar:
>se oferecem condições de sensibilidade, ou seja, se são adequados à idade,
escolaridade e ao grupo social, econômico ou profissional daqueles que vão ser
examinados;
> se apresentam condições satisfatórias de validade, demonstrando suficiente evidência
científica de que medem aquilo que se propõem medir;
>se são precisos, ou seja, coerentes entre si e constantes na medida.
Os testes psicológicos podem ser divididos em psicométricos e de personalidade. Os
testes psicométricos são aqueles que medem as aptidões individuais, determinando um
índice comparado com escores ponderados e validados anteriormente. É o caso dos
testes de inteligência. De acordo com Binet, a inteligência visa ao ajustamento contínuo
do indivíduo ao ambiente como resultado da organização mental, que envolve várias
funções — compreensão, juízo crítico, invenção e direção.

69

A teoria de Thurstone avalia a inteligência no conceito expresso pelo fator G, mensurando


a aptidão verbal, a fluência verbal, a aptidão numérica, a aptidão espacial, a memória
associativa, a aptidão perceptiva e o raciocínio abstrato. Outros testes psicométricos
utilizados no processo seletivo são: WAIS, WISC, cubos de Kohs, matrizes progressivas
de Raven.
Os testes de personalidade identificam traços de personalidade, aspectos motivacionais,
interesses e distúrbios como o neuroticismo. Segundo Santos (1973), embora esses
testes não permitam inferências precisas do possível sucesso profissional, indicam
estados temperamentais, necessidades, pressões ou conflitos emocionais que, afetando a
vida do indivíduo, podem refletir-se em sua atividade profissional. Nessa categoria
existem os testes projetivos, em que o candidato associa conteúdos internos pessoais a
estímulos apresentados, como o teste de Rorschach e o TAT, e os expressivos, em que
se utilizam lápis e papel, como o PMK.

4.4 TÉCNICAS VIVENCIAIS


São técnicas que exigem respostas a situações de forma que os candidatos interajam e
participem ativamente delas. Por se tratar de atividades que envolvem atuação e muitas
vezes simulações de uma circunstância profissional, o controle da situação por parte do
candidato fica diminuído e os resultados podem ser mais visíveis e espontâneos. Essas
técnicas necessitam de estruturação anterior e devem ser aplicadas por profissionais
qualificados, capazes de controlar a situação e evitar conflitos ou descontrole emocional
de algum participante. Podem ser classificadas em:
> Provas situacionais: relacionadas às tarefas do cargo. Podem ser, por exemplo, um
teste de digitação e a operação de uma empilhadeira.
> Dinâmica de grupo: envolve jogos de grupo com situações estruturadas, relativas ou
não ao cargo, nas quais os integrantes interagem. E uma técnica muito utilizada, pois
permite observar problemas de relacionamento, integração social, liderança etc.
> Psicodrama: tem como pressuposto a expressão da personalidade através de um papel
social atribuído, no qual o candidato deve expressar-se de acordo com a linguagem e as
dimensões desse papel. Por se tratar de uma representação, o candidato fica livre para
expressar sentimentos, valores e emoções.

4.5 AVALIAÇÃO DE SAÚDE

O médico deve ter conhecimento da função para avaliar as condições de saúde do


candidato e verificar se ele está ou não habilitado para seu desempenho. A avaliação de
saúde é acompanhada de exames clínicos específicos de acordo com a legislação e a
política da empresa.

70

5. A questão do recrutamento e seleção no contexto da gestão de pessoas

Dutra (2001) insere os processos de recrutamento e seleção na denominação de


captação de pessoas no âmbito das relações macroeconômicas de obtenção de mão-de-
obra. Tal conceito sinaliza processos mais amplos, como a expatriação, isto é, as
transferências entre áreas da mesma organização no âmbito nacional e no internacional.
A captação de pessoas é uma das várias formas de movimento de funcionários nas
organizações e no mercado. Na verdade, o trabalho de captação será sempre requisitado,
qualquer que seja a movimentação de pessoas na empresa — por transferência,
promoção, demissão ou contratação.
Para muitos autores, a gestão estratégica de pessoas é definida como a forma de orientar
essas pessoas a alcançarem os objetivos organizacionais e ao mesmo tempo os próprios
(Chiavenato, 1999; Rothwell e Armstrong apud Dutra, 2001). Sob essa visão, o
recrutamento e seleção passa a ter papel fundamental na renovação ou confirmação da
estratégia adotada pela organização.
Outro ponto importante refere-se ao planejamento do quadro de pessoas. Dutra (2001)
considera-o importante na gestão do movimento de pessoas na organização, pois a
empresa deve ter clareza de sua necessidade de pessoal ao longo do tempo tanto em
termos quantitativos quanto em termos qualitativos. A captação de pessoas realizada com
o conhecimento de necessidades futuras ou excessos presentes garante seu alinhamento
com a estratégia da empresa, além de permitir melhor utilização dos recursos disponíveis
tanto interna quanto externamente.
Um bom processo de recrutamento e seleção tem como vantagens a adequação potencial
e a maior facilidade de negociação de metas de desempenho. Devem ser observados,
entretanto, cuidados como a supervalorização da cultura interna, e a preferência pelo
recrutamento interno deve ser consolidada na política de RH das empresas.

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São Paulo: Nobel, 1992.

71

AUTORAS:

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA


Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos
humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas
áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no
trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e
Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, SefazMT,
Banco do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Viliares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô, entre
outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério da
Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep) da FIA, conveniada à FEA-
USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Vanzolini, conveniada à Poli-USE Ocupou
cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de
Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos
(APARH) e Medicina Psicossomàtica (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro
Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros
relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho.

ELIETE BERNAL ARELLANO


Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição
Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós-
graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra aulas na
FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina
Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de
administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção,
sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho,
avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de
pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos
humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Anãlise do cumprimento da Norma
Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de
alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como
Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação
Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional.

72

A avaliação como instrumento de gestão

JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO

GERMANO GLUFKE REIS

1. Introdução

A prática da avaliação de pessoas no ambiente empresarial é frequentemente associada


a um instrumento específico de gestão: a avaliação de desempenho. Pronunciar o termo
avaliação é o suficiente para remeter as pessoas quase instantaneamente a tal
instrumento, cujo propósito é verificar quanto o profissional se adapta aos objetivos da
empresa e às demandas e exigéncias do trabalho. Não é difícil imaginar por que essa
ferramenta é logo lembrada ao falar em avaliação nas empresas: afinal, na maioria das
vezes, representa uma tarefa árdua e desafiadora tanto para aqueles que avaliam como
para os que são avaliados, além de produzir implicações importantes em termos de
remuneração e carreira.
No entanto, a avaliação de desempenho se propõe a ser mais do que um recurso que
auxilia a isolar, observar, mensurar, formalizar e recompensar comportamentos e
resultados alcançados pelos indivíduos. Mesmo nos enfoques mais tradicionais, constitui-
se num sistema que tem por objetivo a melhoria global do desempenho e da
produtividade das pessoas ao longo do tempo (Latham e Wexley, 1994), configurando-se,
portanto, em um sistema de gestão do desempenho. Nesse sentido, deve interconectar-
se com outras

73

funções de gestão de recursos humanos intercambiando inputs com práticas de seleção,


desenvolvimento profissional, gestão de carreira, remuneração e assim por diante a fim
de alavancar os profissionais de uma empresa a níveis superiores de desempenho.
Deve ser compreendido, também, como um sistema que impõe uma divisão de
responsabilidades pela gestão de pessoas na organização e, mais especificamente, pelos
esforços de melhoria de desempenho. Nesse processo, a área de recursos humanos
apóia e gerencia o sistema, mas seus principais atores são, de fato, o avaliado e o
avaliador. Tradicionalmente, existe clara relação hierárquica entre os dois e normalmente
o avaliador é superior imediato do avaliado.
Assunto polêmico, o processo de avaliação encontra, no ambiente empresarial e no
acadêmico, críticos e defensores. De qualquer maneira, é amplamente difundido como
instrumento de gestão, embora, muitas vezes, seja pouco conhecido no que se refere a
suas implicações. Este capítulo tem como objetivo principal ampliar a discussão sobre
avaliação além do acompanhamento do desempenho e, para isso, pretende:
>revisitar as principais bases históricas e conceituais que conduziram o processo de
avaliação à forma como tem sido atualmente empregado nas organizações;
>descrever os principais tipos de avaliação existentes e a forma como são aplicados;

>discutir problemas-chave que costumam acompanhar as avaliações, apresentando os


cuidados que tendem a minimizá-los;
>ressaltar o papel dos gerentes na eficácia do processo;
>apontar as principais tendências no campo da avaliação de pessoas nas empresas.

2. Bases históricas e conceituais

Com o advento da administração científica, a prática da avaliação ganhou lugar nas


organizações como forma de controlar e disciplinar a atuação do trabalhador em relação
aos movimentos, tempos e à produtividade esperados (Brandão e Guimarães, 2001).
Acompanhando a evolução da administração, tal prática incorporou contribuições do
movimento de relações humanas, possibilitando maior interatividade entre chefia e
subordinado no processo, bem como a preocupação com a motivação e o
desenvolvimento profissional do avaliado.
Ao longo do tempo, a prática da avaliação — notadamente da avaliação de desempenho
— recebeu importantes contribuições conceituais de determinados campos de estudo e
pesquisa de comportamento e gestão:

>Da psicologia cognitiva e de teorias da motivação: principalmente da teoria da fixação de


objetivos (goal-setting theory), que ressalta a importância de que sejam claramente
definidos os objetivos e as expectativas relativos ao profissional — objetivos específicos,
claros e desafiadores, bem como feedback constante, tenderiam a promover melhorias de
desempenho (Latham e Yukl, 1975) —, e da teoria das expectativas, a qual argumenta
que a inten_idade do investimento

74

pessoal no desempenho de determinada tarefa depende da expectativa de que esse


desempenho seja acompanhado de consequência ou resultado atrativos para a pessoa. A
intensidade desse investimento também depende da expectativa de que os resultados
efetivamente possam ser alcançados (Vroom, 1964).
>Da psicologia comportamental: enfatiza a utilização de comportamentos observáveis e
mensuráveis como base da análise dos profissionais. Decorre daí um esforço para
vincular comportamentos a consequências positivas como forma de estimular os
comportamentos desejados pela organizaçãcl.
>Da administração por objetivos (APO): apoiada na goal-setting theory, propagou a
idéia do gerenciamento de pessoas baseado na negociação prévia de objetivos e metas
mensuráveis e observáveis. As avaliações de desempenho — sistemáticas — permitem
acompanhar os resultados efetivamente alcançados e propor ações conetivas.
>Do desenvolvimento organizacional (DO): difundiu novos instrumentos de avaliação,
enfatizando a troca defeedbacks como forma de intervenção na dinâmica interpessoal de
grupos de trabalho e de alavancagem de mudanças comportamentais. Estimulou a
utilização de diferentes fontes de feedback (e não apenas a chefia) no processo de
avaliação.
A utilização da avaliação nas organizações, que se intensificou durante as décadas de
1960 e 1970, passou a ser duramente criticada no final dos anos 1980. Deming (1986),
engenheiro que teve forte influência no movimento de qualidade do Japão e do Ocidente,
caracterizou a avaliação de desempenho como uma das “sete pragas” que assolam as
práticas de gestão norte-americanas. O autor argumenta que as avaliações tendem a
atribuir aos indivíduos variações e problemas de desempenho que, na realidade,
deveriam ser compreendidos como conseqüência de falhas dos sistemas. Outras críticas
ressaltam o caráter meramente burocrático e pro forma que a avaliação acaba
assumindo, bem como as distorções perceptivas de avaliados e avaliadores, que
interferem nos resultados do processo.
Em parte, as opiniões desfavoráveis à avaliação de desempenho são decorrência natural
da ampla gama de transformações experimentadas pelas empresas nos últimos anos. Em
sua origem, o processo de avaliação foi concebido na lógica da organização hierárquico-
funcional, na qual quem avalia é a chefia imediata e a principal referência da análise do
desempenho é o cargo, isto é, avalia-se a consecução de objetivos e atribuições
relacionados a determinado cargo. Tais perspectivas entram em conflito com um
ambiente organizacional cada vez mais caracterizado por relações multidirecionais e
networhs com vinculos hierárquicos menos evidentes, nos quais os individuos e seus
recursos, e não mais os cargos, são a principal referência de consecução da estratégia
organizacional.
Cabe ressaltar que a expectativa de desempenho de um profissional na organização —
base do processo de avaliação de desempenho e das ações decorrentes — é função de
outra dimensão que também merece ser acompanhada e, portanto, avaliada: o grau de
desenvolvimento do profissional. Esse desenvolvimento, que tradicionalmente é
observado pela análise do cargo, reflete, por sua vez, um conjunto de experiências e
repertórios que foram “lapidados” ao longo da vida do profissio-

75

nal, com maior ou menor velocidade devido a seu potencial e à existência ou não de
determinadas características comportamentais. Cada uma dessas dimensões, resumidas
no Quadro 1, traduz um aspecto importante para a determinação da contribuição do
profissional à organização e, dessa forma, deve ser monitorada.

Quadro 1. Foco das avaliações

Foco das avaliações Objetivos


Predizer a adequação futura do profissional a determinada situação ou objetiv
Aferição de
trabalho. Propõe-se a prever o desempenho potencial de uma pessoa caso oc
potencial
determinado cargo ou papel na organização.

Dar feedbacks de determinados comportamentos observáveis, alinhados a va


Análise missão e objetivos da empresa. Propõe-se a promover autoconhecimento e
comportamental contribuir para a identificação de pontos fortes e oportunidades de melhoria,
estimulando a adoção de comportamentos considerados críticos para a empr

Observar o grau de desenvolvimento e maturidade do profissional como subs


Desenvolvimento
à distribuição de responsabilidades, à definição de ações de capacitação e a
profissional
movimentações salariais e de carreira.

Orientar o desempenho para metas e objetivos da organização. Permite aferir,


Realização de metas
quantitativamente, o gap entre resultados individuais/grupais esperados e
e resultados
resultados efetivamente alcançados.

A não observância da multiplicidade de aspectos pelos quais cada profissional deve ser
avaliado pode ser vista como uma das principais causas das fortes críticas sofridas pelos
processos de avaliação nas décadas de 1980 e 1990. Nessa época, segundo pesquisa
apresentada por Vicere e Fulmer (1998), a avaliação de desempenho passou de uma das
estratégias mais freqüentemente utilizadas no desenvolvimento gerencial a uma das
menos empregadas. Isso significa que a análise do profissional em apenas uma de suas
dimensões ou a avaliação de várias dimensões através de uma única ferramenta dificulta
a boa compreensão dos indivíduos e o planejamento das ações dela decorrentes, tendo
contribuído sobremaneira para a derrocada quase total das sistemáticas de avaliação de
pessoas nesse período.
No entanto, percebe-se forte reaquecimento do tema no final dos anos 1990 (Vicere e
Fulmer, 1998), que traz consigo a preocupação de situar e distinguir diferentes tipos de
avaliação, conforme seus objetivos e sua natureza. É importante compreender tal
diferenciação, pois cada tipo de avaliação impacta na escolha dos conteúdos que se
pretende avaliar, nos instrumentos a serem utilizados e nas ações decorrentes.

3. Tipos de avaliação

3.1 FOCO NA AFERIÇÃO DE POTENCIAL

Na maioria das vezes esse tipo de avaliação é realizado para respaldar promoções,
principalmente em níveis gerenciais. Utiliza intensamente simulações que permitem
verificar o desempenho do profissional em situações com demandas semelhantes às que
encontraria em posições hierárquicas superiores. Pode ocorrer em assess-

76
ment centers, onde o profissional é avaliado por psicólogos em dimensões como
comunicação oral, capacidade de decisão, iniciativa etc.
A avaliação de potencial também pode ter foco no longo prazo, procurando identificar
quanto um indivíduo poderá adaptar-se a uma função gerencial no futuro, após
investimentos maciços em desenvolvimento. Dessa forma, as empresas identificam
pessoas de alto potencial (high potential), que provavelmente ocuparão cargos-chave em
sua estrutura.
Em geral, essa segunda perspectiva apóia-se em algum modelo conceitual de
identificação de potenciais. O modelo desenvolvido por Jaques e Cason (1998), por
exemplo, pressupõe que a capacidade de processar informações, na dimensão cognitiva,
é decisiva no desempenho profissional. Tal dimensão, que para os autores é inata e
amadurece ao longo da vida segundo uma curva específica de potencial, varia de pessoa
para pessoa, permitindo a alguns atingir determinados patamares de capacidade e a
outros não. Essa variável cognitiva determina a forma como uma pessoa consegue
responder a diferentes graus de complexidade em suas atribuições. Com base em
capacidades apresentadas pela pessoa hoje, seria possível prever, com certa precisão, a
evolução dessa dimensão no futuro.

3.2 FOCO NA ANÁLISE COMPORTAMENTA

Esse tipo de avaliação tem sido realizado, com freqüência, com os principais gestores das
companhias. O ponto de partida é a identificação dos comportamentos de liderança que a
empresa pretende estimular e que traduzem seus objetivos e valores. Esses
comportamentos são observáveis no ambiente de trabalho e constituem um “inventário de
práticas de liderança”. Exemplos hipotéticos desses comportamentos poderiam ser:
comunicar à equipe os objetivos da companhia, fornecer feedbacks sistemáticos aos
membros de sua equipe, certificar-se de que as necessidades do cliente estejam sendo
efetivamente atendidas, entre outros.
Esse inventário de comportamentos é a base dos questionários de avaliação e auto-
avaliação utilizados no processo. Quando a avaliação tem como foco a análise
comportamental, é freqüente sua aplicação por múltiplas fontes, que se utilizam
defeedbacks provenientes de diversos componentes do network pessoal do avaliado. Os
resultados das avaliações, por sua vez, são cuidadosamente repassados para os
avaliados na forma de relatórios de feedback.

3.3 FOCO NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Quando se observa a dinâmica do trabalho nas organizações, fica evidente a existência


de pessoas em diferentes estágios de desenvolvimento profissional. Percebese, por
exemplo, que um supervisor de produção se encontra em estágio de desenvolvimento
mais avançado que um auxiliar de produção, um analista sênior está à frente de um
analista júnior e o presidente da companhia está em posição superior a seus gerentes.
Mas com que parâmetros essas diferenças podem ser avaliadas?

77

Avaliação 360 graus


A avaliação 360 graus — também conhecida como feedback 360 graus, feedback com
múltiplas fontes, avaliação multivisão, entre outros — tem sido uma prática cada vez mais
freqüente em organizações ocidentais.

Como técnica utilizada principalmente em programas de desenvolvimento gerencial, a


avaliação 360 graus consiste em coletar feedbacks dos comportamentos de liderança dos
principais gestores no ambiente interno e no externo da organização. Quem emite os
feedbacks são pessoas situadas em diferentes posições em redor do avaliado e que
fazem parte de seu netowk: superior imediato, pares, clientes e outros stakeholders.

Figura 1. Avaliação 360 graus: recebimento de feedbacks do network pessoal

Aqueles que fornecem os feedbacks avaliam a freqüência com que o profissional põe em
prática comportamentos considerados críticos para a consecução dos objetivos
organizacionais. Em geral, os avaliadores são treinados previamente e seu número pode
variar entre três e vinte pessoas para cada avaliado, dependendo do caso.

Além disso, há a auto-avaliação, na qual o receptor de feedbacks registra as próprias


percepções. Contrastar a auto-imagem profissional com as percepções de colegas de
trabalho é um dos momentos de maior aprendizagem e reflexão, o que contribui para o
autoconhecimento do participante. Nesse processo, é possível identificar claramente os
pontos fortes e as oportunidades de melhoria. Um consultor pode apoiar a pessoa nessa
análise e na construção de um plano pessoal de desenvolvimento.

Nos últimos anos, artigos a respeito do assunto têm surgido de forma crescente em
revistas norte-americanas da administração e mesmo na imprensa. Em 1993, uma
pesquisa indicou que 26% das empresas norte-americanas já utilizavam algum tipo de
avaliação de desempenho com múltiplos avaliadores (Newman, 1993). No mesmo ano, a
revista Fortune (edição de 27 de dezembro de 1993) apresentou uma relação de vinte
grandes empresas que desenvolviam essa prática, entre elas Alcoa, AT&T, Bell South,
DuPont, Hewlett-Packard,J.P. Morgan, 3M, Motorola, Procter & Gamble.

No Brasil, empresas como Aracruz, Amex, Merck, Schahin, Shell, Sun Microsystems e
tess são alguns exemplos de corporações que já utilizaram esse técnica. Tanto nos
Estados Uni-

78

dos quanto no Brasil, essa utilização tem sido vinculada principalmente a esforços de
desenvolvimento de lideranças, embora no cenário norte-americano esteja crescendo a
vinculação da avaliação 360 graus a práticas de remuneração, promoção e downsizing, o
que pode ser arriscado para a maioria das empresas, normalmente pouco habituadas ao
intercâmbio franco de feedbacks entre seus profissionais.

Resultados de pesquisas sugerem que avaliações sistemáticas com múltiplas fontes


tendem a contribuir para que os profissionais tenham percepção mais acurada de si
mesmos e de sua atuação (Cheston, 1996), o que impacta positivamente no desempenho
(London e Smither, 1995). Além disso, as pessoas que participam do processo modificam
determinados comportamentos ao longo do tempo (Hazucha et al, 1993; Smither et al,
1995; Goldsmith, 1996).

Embora especialistas, gestores e consultores apontem os benefícios da avaliação 360


graus para indivíduos e empresas, também são levantados questionamentos. Um artigo
de 1997 publicado pela Academy of Management Executive critica a utilização do 360
graus como panacéia (Waldman et al, 1997), Os autores denunciam os riscos das
pressões de modismos sobre a decisão de utilizar novas práticas de gestão e
desenvolvimento de pessoas. Segundo eles, muitas organizações adotam o 360 graus
por imitação simplesmente porque os concorrentes ou bench-marks já o fizeram, sem
considerar que nem todo contexto é propício para sua utilização.

Tradicionalmente, as diferenças de grau de desenvolvimento dos profissionais eram — e,


em muitos casos, ainda são — equacionadas por meio do conceito de cargos. Esses
cargos, ao remeter os profissionais que os ocupam a determinado conjunto de atividades,
delimitam seu espaço de atuação e seu nível de responsabilidade. Daí surge a pergunta:
por que o cargo de presidente foi alocado ao profissional X, e não ao profissional Y, que
recebeu a incumbência de desempenhar as atividades definidas para o cargo de gerente?
Certamente porque o profissional X encontra-se num estágio de desenvolvimento que lhe
permite tomar decisões com o nível de complexidade e abstração exigido pela posição de
presidente e, provavelmente, o profissional Y não.
Praticamente toda a literatura que procura esclarecer a lógica de desenvolvimento das
pessoas — seja com o objetivo de equacionar a gestão de carreiras nas empresas, seja
de estabelecer programas de capacitação adequados, seja de definir o padrão
remuneratório a ser atribuído aos profissionais — trabalha, implícita ou explicitamente,
com a lógica de complexidade de trabalho.
Nessa perspectiva pressupõe-se haver relação direta entre a complexidade do trabalho
executado por um profissional, seu estágio de desenvolvimento (sua capacidade de tomar
decisões corretas no grau de complexidade ao qual está sendo submetido) e seu
reconhecimento na organização. Dessa forma, o cargo, ao definir a pnon o que se espera
da atuação do profissional nele alocado, determina, para os trabalhadores, a
complexidade de suas funções e aponta os requisitos exigidos para seu desempenho
(formação mínima, experiência necessária, conhecimentos específicos etc.). É
tradicionalmente visto, portanto, como capaz de conferir parâmetros às diversas ações em
gestão de pessoas. Assim, capacita-se para o desempenho de cargos, remunera-se com
base neles e promove-se para cargos mais elevados na estrutura organizacional.
Embora o uso de cargos como parâmetro principal em gestão de pessoas mostre-se
obsoleto diante da emergência de situações dinâmicas de trabalho, em que as pessoas
assumem responsabilidades relativas às necessidades da organização e a sua

79

capacidade — e vontade — de assumi-Ias, e não devido ao que está definido na


descrição de seu cargo, a lógica de complexidade do trabalho permanece válida, estando
presente em diversas outras teorias que focam a gestão de pessoas (para mais detalhes
sobre tais teorias veja Jaques, 1967 e 1990, Mishina e Inaba, 1985, e Hipólito, 2000). Isso
significa dizer que, havendo necessidade da organização de que se faça uma ação,
assume a incumbência de realizá-la o profissional que se encontra num nível de
desenvolvimento que o torna capaz disso. Nessa linha, as avaliações devem deixar de
focar o simples cumprimento do que está descrito no cargo e passar a observar
diretamente o grau de complexidade das responsabilidades assumidas pelas pessoas em
sua interação com as necessidades organizacionais.
Quando o assunto é avaliação do desenvolvimento, portanto, o desafio consiste em
elaborar ferramentas capazes de apontar o grau de complexidade do trabalho com que os
profissionais conseguem lidar e o conjunto de capacidades necessárias para sua
realização. Sistemas de gestão por competências são exemplos de uma base a partir da
qual se pode avaliar o desenvolvimento das pessoas e, daí em diante, decidir sobre ações
de capacitação, carreira ou remuneração.

3.4 FOCO NA REALIZAÇÃO DE METAS E RESULTADOS

Esse foco do processo de avaliação consiste na tentativa de depreender o esforço e a


dedicação dos profissionais na execução do trabalho. Nesse caso, a recompensa ocorre
sobretudo por meio de práticas de remuneração variável, já que o esforço, por ser
circunstancial, pode oscilar com o tempo.
A avaliação do esforço, no entanto, não é fácil, uma vez que exigiria, a rigor, a
observação e o acompanhamento dos profissionais ao longo de todo o período de tempo
em que se dedicam ao trabalho. Certamente tal método seria inviável, o que leva ao
surgimento de alternativas que priorizam a observância dos resultados obtidos pelos
profissionais como fruto do esforço, dando origem aos sistemas de avaliação de metas e
resultados.
Nesses sistemas, define-se previamente um conjunto de metas ou resultados esperados
com base na atuação dos indivíduos ou grupos e acompanha-se sua realização,
atentando para a existência de fatores externos que possam influenciá-la. Três aspectos
críticos devem ser considerados na estruturação de sistemas de avaliação de metas e
resultados:
> Considerar uma expectativa desafiadora, porém factível, dos resultados esperados da
atuação do indivíduo ou grupo que está sendo acompanhado. Tal expectativa, em geral, é
desenhada considerando-se o estágio de desenvolvimento dos profissionais envolvidos,
conforme definido no tópico sobre foco no desenvolvimento profissional.

80

> Definir com clareza a expectativa do resultado a ser alcançado para que as pessoas
possam direcionar seus esforços no sentido de atingi-lo e negociá-lo previamente entre as
partes interessadas.
> Estabelecer antecipadamente critérios de revisão das metas traçadas quando fatores
externos significativamente fortes interferirem na expectativa de resultados a serem
alcançados.
Ao conceber um sistema de avaliação focado na realização de metas e resultados, há
uma tendência natural de buscar indicadores quantitativos — em geral financeiros — para
acompanhamento. Essa escolha, embora dê concretude e maior objetividade à avaliação,
leva, muitas vezes, ao estímulo a ações cujos resultados são observados no curto prazo,
em detrimento da observância de aspectos importantes para a sobrevivência da
organização cujos resultados, porém, não aparecem em curto período de tempo.
Como alternativa, têm-se formulado metodologias de desenvolvimento de medidas de
desempenho que vão além da definição de indicadores de resultados de curto prazo,
como o balanced scorecard, e introduzido estímulos à obtenção de resultados de longo
prazo, como é o caso das stock options.
Como saídas (outputs) do processo de avaliação de metas e resultados, espera-se obter
sincronia das ações individuais e grupais com os resultados desejados pela organização,
a possibilidade de identificar obstáculos à realização dessas ações e o conseqüente
planejamento de medidas para superá-los, a identificação de necessidades de
qualificação dos profissionais ou de revisão das configurações das equipes e a base de
decisões remuneratórias, especialmente no que se refere à remuneração variável.

4. Cuidados especiais

Existem alguns pontos que merecem atenção especial na implementação de processos


de avaliação. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que o campo da avaliação de
pessoas é repleto de nuances e subjetividade: de forma geral, o mesmo comportamento
ou competência pode ser percebido e interpretado de maneira diversa pelas pessoas.
Isso significa que um dos principais problemas associados aos sistemas de avaliação
refere-se às diferenças de percepção dos envolvidos, o que pode comprometer a precisão
das avaliações. Alguns procedimentos, entretanto, contribuem para que isso seja
minimizado:
> Utilização de critérios claros de avaliação, negociados e legitimados, como instrumento
adequado de acompanhamento do profissional ou grupo. Esses instrumentos devem
originar-se das necessidades da organização contrapostas a sua cultura, crenças, valores
e objetivos.

81

>Ampla comunicação de objetivos, etapas e impactos do processo, criando-se um


significado e enfatizando-se seus resultados positivos para a empresa e para cada
profissional que dela faz parte. Embora todo instrumento de avaliação de pessoas seja
subjetivo por natureza, deve-se dedicar atenção especial à minimização desse aspecto,
caracterizando-se com precisão os fatores a serem avaliados, estimulando-se a troca de
experiências entre avaliadores ou estabelecendo-se mecanismos de controle que
apontem desvios em relação ao resultado médio esperado.
> Capacitação dos usuários do sistema (avaliadores e avaliados) quanto à importância e
utilidade de cada um dos instrumentos de avaliação utilizados e à compreensão das
ações deles decorrentes.
> Apresentação da avaliação como elemento de apoio ao desenvolvimento organizacional
e profissional, desmistificando-se a relação usualmente estabelecida entre avaliação e
punição.
>Adoção de uma sistemática que transcenda a dimensão unidirecional (chefe-
subordinado), estimulando-se a auto-avaliação e a avaliação com múltiplas fontes.
A adoção desses cuidados ajuda, em primeiro lugar, a minimizar outro efeito colateral do
processo: a ansiedade excessiva. Não é incomum as pessoas associarem a avaliação a
auditorias de RH ou a processos de enxugamento de quadro anteriormente vivenciados.
Em segundo lugar, as mudanças comportamentais almejadas pelos processos de
avaliação demandam um conjunto de ações integradas para que, de fato, venham a
ocorrer; requerem esforços combinados do individuo — com suas aspirações e seus
projetos pessoais — e da organização, gerando-se oportunidades e estímulos ao
desenvolvimento dos atributos desejados; e necessitam ser reforçadas por práticas de
gestão de pessoas condizentes com os comportamentos sinalizados como críticos para o
sucesso da empresa.
A falta de cuidado nesse sentido leva, muitas vezes, a avaliações que enfatizam
comportamentos que, na prática, são até mesmo punidos no dia-a-dia da organização.
Possíveis incongruências entre os sistemas de avaliação aplicados pela organização e
suas práticas de gestão (como ênfase nos valores integridade e ética em avaliações,
enquanto o sistema de remuneração premia resultados alcançados a qualquer preço, ou o
discurso da preferência pelo trabalho em grupo, em times, quando se recompensa de
forma essencialmente centrada no individuo) tendem a gerar descrédito em relação à
sistemática de avaliação e à própria organização.
Um terceiro cuidado na condução das sistemáticas de avaliação consiste no uso efetivo
dos resultados para subsidiar ações concretas e na transparência com que isso ocorre.
Caso contrário, a avaliação perde significado, passando a sensação de se tratar apenas
da aplicação de mero instrumento burocrático. Nesse caso, sua aplicação será evitada ou
feita com pouca atenção.
Finalmente, cabe destacar a importância da atuação gerencial na condução de
sistemáticas de avaliação. Seu papel no processo envolve, por exemplo, o uso dos meios
disponibilizados como elemento de apoio à gestão e à tomada de decisão, o

82

esclarecimento aos profissionais locados em sua equipe dos objetivos da avaliação e de


sua importância, a condução do processo de maneira clara, imparcial e negociada, a
prática do feedback e a orientação aos subordinados no tocante a ações que devem ser
realizadas como forma de suprir pontos de melhoria identificados no processo de
avaliação e a sugestão de revisões dos processos e instrumentos de avaliação para
adequá-los às necessidades e características concretas da organização.

5. Tendências

As principais tendências do processo de avaliação de pessoas podem ser resumidas nos


seguintes pontos:
>Estabelecimento de um compromisso cada vez mais direto com a estratégia da
empresa. Para isso, têm-se inserido, com freqüência, no cenário das avaliações a
utilização de modelos de gestão por competências e a adoção de metas e indicadores de
desempenho que são desdobramentos da estratégia organizacional e balancejam
indicadores financeiros com indicadores de outra natureza:
clientes, processos, inovação, pessoas etc. A utilização do balanced scorecard, por
exemplo, ou de instrumentos semelhantes permite maior ênfase na gestão de vetores do
desempenho futuro da organização e das pessoas (a avaliação de desempenho
tradicional enfatiza a mensuração do desempenho passado, dos resultados já
alcançados), bem como o estabelecimento integrado de metas corporativas, de
grupos/equipes e individuais.
>Utilização de modelos que integram as diferentes funções de gestão de pessoas, ou
seja, a aplicação de sistemas que orientem tanto a gestão do desempenho quanto ações
de seleção, desenvolvimento, carreiras, promoção etc. Os modelos de gestão de pessoas
por competências, mais uma vez, se enquadram nessa categoria.
>Avaliação cada vez mais compreendida como um espaço para negociação e equilíbrio
entre expectativas da empresa e da pessoa, devendo-se balizar decisões que contribuam
para ambas as partes.
> Fortalecimento do papel dos gerentes como coaches no apoio ao desenvolvimento e à
melhoria de desempenho. Em paralelo, reforça-se o papel dos avaliados como gestores
das próprias competências e da carreira.
>Avaliação seguida de um processo de feedback e encarada como oportunidade de
autoconhecimento. Nesse sentido, cada vez mais têm-se utilizado auto-avaliações,
contrapondo-as a avaliações de outras fontes.
>Utilização de diversas ferramentas de avaliação, cada qual muito bem definida quanto ao
foco e aos resultados pretendidos.
> Sistematização prévia de possíveis ações decorrentes de um processo de avaliação
como subsídio à decisão gerencial.
> Utilização de avaliações com múltiplas fontes (avaliação 360 graus) com feedbacks de
chefias, pares, subordinados e clientes internos e externos.
O caso da Indústria de Alimentos S.A., baseado em experiências reais, ilustra um sistema
de melhoria de desempenho no qual se integram algumas das novas práticas
mencionadas neste capítulo.

83

Estudo de caso: avaliação de gerentes da Indústris de Alimentos S.A.

Empresa transnacional, de origem norte-americana, está instalada no Brasil e atua no


setor de alimentos. É líder de mercado com algumas de suas marcas. As avaliações
ocorrem em um sistema denominado de processo de melhoria de desempenho, tendo
como público-alvo o corpo gerencial da companhia (cerca de 150 pessoas).

Esse processo corre internacionalmente e tem por objetivo alinhar a melhoria de


desempenho individual e organizacional, assim como o crescimento futuro e o
desenvolvimento da equipe mundial da Indústria de Alimentos S.A. Está focado nas
seguintes dimensões:

1. Desempenho atual: os resultados alcançados pelo profissional em suas metas


individuais do ano anterior.

2. Desempenho futuro: engloba as metas do próximo período e também ações que irão
viabilizar seu desempenho no futuro, o que inclui ações de desenvolvimento de
determinados atributos de liderança.

Para alcançar seus objetivos, o processo envolve:

> A definição de metas individuais que resultam do desdobramento, em cascata, do


balanced scorecard daorganização, desenvolvido com base nas escolhas estratégicas da
empresa. Tal desdobramento resulta em metas e indicadores de desempenho individuais
— alguns deles relacionados aos vetores de desempenho futuro da empresa — que são
negociados com a chefia imediata no início do período, revisados em um momento
intermediário e avaliados no final do período.

> A identificação das competências prioritárias a serem desenvolvidas pelos gerentes no


próximo período de forma que possam atingir, no futuro, desempenho superior em sua
função. Essas competências — as dez Competências de Liderança da Indústria de
Alimentos S.A. — são consideradas críticas para o sucesso da companhia. Todas elas
apresentam definições detalhadas e pressupões-se que a expressão de cada uma,na
forma de comportamentos, possa ser observável no ambiente de trabalho. No final de
cada período, o gerente indentifica em conjunto com sua chefia imediata as competências
prioritárias para desenvolvimento. Nesse momento é empregada a avaliação 360 graus,
que contribui oara a identificação das competências de liderança.

A avaliação 360 graus ocorre com input do processo de melhoria de desempenho no


momento da avaliação de fechamento, no final do período. Disponibiliza percepções de
pares, subordinados, clientes e fornecedores internos, ue serão analisadas pelo gerente e
sua chefia antes de se chegar a um acordo com relação às competências de liderança a
serem priorizadas.

A expextativa é balancear as percepções do chefe e do gerente com outras perspectivas


e identificar pontos fortes e oportunidades de melhoria individual com base nas
percepções de pessoas com as quais o gerente estabeleceu, durante o período, uma
relação de trabalho. O objetivo principal é desenvolver o profissional, contribuindo com a
alavancagem de suas competências de liderança.

O desenvolvimento dos profissionais é apoiado por um programa de desenvolvimento


gerencial, que tem por objetivos impulsionar a compreensão do novo modelo de negócios
e da cadeia de fornecimento para o cliente, bem como disseminar o novo conceito
comercial da companhia e explorar e aprofundar temas relacionados às competências de
liderança prioritárias, identificadas por meio do processo de melhoria de desempenho.
Assim, baseada das avaliações finais de todos os gerentes, a área de recursos humanos
levanta as competências que foram apontadas com mais freqüência como prioridades de
desenvolvimento e que serão enfatizadas no programa de desenvolvimento gerencial.

84

6. Conclusões

Avaliações fazem parte do cotidiano de qualquer organização, sendo necessárias para


averiguar a correção das ações organizacionais e identificar as necessidades de revisão e
melhoria. Mesmo que de maneira informal, a cada momento os gestores se envolvem em
algum processo de avaliação — inclusive de pessoas —, e os profissionais se vêem
refletindo (avaliando) se suas decisões, suas ações e seus encaminhamentos de carreira
estão indo ao encontro de expectativas previamente programadas.
A vantagem de estruturar esse processo e introduzi-lo como prática formal nas
organizações está em produzir ferramentas comuns aos diversos gestores e profissionais,
vinculadas aos objetivos e às estratégias da organização. Dessa forma, é possível dar
parâmetros às decisões decorrentes do processo de avaliação, aproximar as
interpretações de avaliadores e avaliados em torno de um ponto comum e diminuir a
influência de idiossincrasias no processo e nos resultados das avaliações.
A importância das avaliações está, portanto, no subsídio à decisão gerencial com base
em critérios definidos como legítimos pela organização e pelos profissionais. Dessa
forma, é possível ter uma visão mais apurada e ampla da empresa e de seu quadro de
profissionais, de suas fragilidades e de seus pontos fortes, oferecer feedback e coaching
estruturado e obter informações que sirvam de base a decisões relativas à gestão de
pessoas. O resgate do uso de avaliações formais nas organizações, nos últimos anos,
certamente objetiva alcançar esses resultados pela busca de instrumentos alinhados a
suas características, cultura e necessidades.
Infelizmente, não existem soluções únicas nem respostas definitivas quando o assunto é
avaliação. Cabe lembrar, no entanto, a importância de conduzir esse processo com
cuidado, de forma estruturada e planejada, para que não se cometam os mesmos erros
que levaram à descrença nas avaliações nas décadas de 1980 e 1990, a ponto de terem
sido apontadas como uma das “sete pragas” dentre as práticas de gestão das empresas.

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AUTORES
JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO

Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em


recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em
Administração Industrial (Ceai), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e tcnico-
pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USE Autor do livro
Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo
(Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido
vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande
porte.

GERMANO GLUFKE REIS

Psicólogo organizacional pela Universidade de Brasília e mestre em Administração de


Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Tem atuado como consultor pela
IDEA — Desenvolvimento Empresarial, prestando assessoria a empresas como KPMG,
Wyeth-Whitehall, Siemens, Sun Microsystems e Tess, entre outras, em projetos nas áreas
de gestão de pessoas e desenvolvimento gerencial. Professor da ESPM e da Facamp.
Autor do livro Avaliação 360 graus: um instrumento de desenvolvimento gerencial (Editora
Atlas).

86

Sistema de recompensas: uma abordagem atual


JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO

1. Introdução
Decisões sobre a estruturação e o funcionamento da sistemática de recompensas e seu
gerenciamento no dia-a-dia organizacional constituem, sem dúvida, uma das dimensões
críticas em gestão de pessoas. Mais que o poder de compra ou o padrão de vida que o
salário ou outras formas de recompensa podem proporcionar, sua importância está
atrelada a um valor simbólico, que representa quanto o indivíduo vale para a organização.
esse caráter simbólico que reforça a importância de uma relação próxima entre aquilo que
a organização valoriza ou quer estimular em seus profissionais e a prática de
recompensas, de modo a incentivar comportamentos e ações que agreguem valor. O fato
de o montante distribuído a título de recompensa representar, na maior parte dos casos,
parcela significativa do total de dispêndio das empresas realça a necessidade de alinhá-lo
à contribuição dos profissionais para a organização, de forma a não gerar desequilíbrio
entre a estrutura compensatóna vigente e os resultados obtidos em sua prática.
Tradicionalmente, o cargo é utilizado por grande parte das organizações como elemento
decodificador do valor agregado pelos profissionais e, portanto, como principal referência
na definição de

87

sua recompensa. Essa pratica, eficiente quando se esperava das pessoas apenas a
reprodução de um conjunto de atividades definidas pelo cargo, vem se demonstrando
frágil em realidades dinâmicas, nas quais a ação do indivíduo é significativamente
influenciada pelas necessidades organizacionais (que mudam com intensidade crescente)
e pelo nível de competência do próprio profissional. Nesse novo contexto, o uso do cargo,
ao despersonificar a recompensa, impede que se reconheçam de forma diferenciada as
pessoas que mais contribuem para a consecução dos objetivos organizacionais.
Este capítulo elucida as limitações das práticas usuais de recompensa e aponta
alternativas alinhadas com o cenário competitivo e com os resultados pretendidos por
meio de sua aplicação. Dentre essas alternativas, destacam-se o uso do conceito de
competências para balizar recompensas, a intensificação do emprego da remuneração
variável e a adoção de benefícios flexíveis, escolhidos e estruturados com base na
análise dos métodos existentes contrapostos ao ambiente, às características e às
possibilidades concretas da organização.
Este capítulo inicia-se com uma retrospectiva da prática de recompensas, apresenta as
limitações dos sistemas de remuneração usualmente utilizados e culmina com a
apresentação das tendências na estruturação e no gerenciamento da prática
compensatória.

2. Evolução da prática de recompensas

2.1 SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS

Embora a prática de recompensar pessoas pelo seu trabalho esteja presente desde os
primórdios do sistema capitalista de produção, a utilização de métodos sistemáticos para
a definição do padrão de recompensas surgiu somente a partir da Primeira Guerra
Mundial (Albuquerque, 1982), com o crescimento das organizações em tamanho e
complexidade.
Esses métodos surgiram num contexto histórico-social específico, no qual prevaleciam os
princípios tayloristas-fordistas de produção (e de gestão de pessoas), que apregoavam a
estruturação e a divisão de tarefas como as grandes âncoras de todo o processo
produtivo. Esperava-se dos trabalhadores, portanto, a simples reprodução de um conjunto
de atividades definidas em seu cargo e, quanto melhor o fizessem, mais estariam
contribuindo para o sucesso organizacional.
A equação é simples: conhecendo-se os produtos (ou serviços) oferecidos ao mercado e
o conjunto de atividades necessárias para produzi-los, bastava distribuíIas ao longo da
força de trabalho, e sua execução conduziria, naturalmente, à obtenção dos resultados
desejados. Uma vez que as atividades executadas eram quase todas rotineiras e
metodicamente estruturadas, parte do ganho na produção resultava da especialização do
profissional, ou seja, do quanto ele era hábil, veloz e efetivo na realização das atividades
a ele atribuídas. Essa habilidade tendia a desenvolver-se com a prática, reforçando o
conceito de divisão e estruturação do trabalho.

88

Figura 1. A lógica funcional de recompensas

Como, nesse modelo, o trabalho do profissional é determinado pelo conjunto de


atividades que lhe competem, e esse conjunto pode ser comum a vários empregados,
parece sensato remunerar da mesma forma todos que exerçam atividades semelhantes.
Origina-se aí o conceito de cargos e sua aplicação enquanto elemento principal na
determinação das recompensas.

Ao estabelecer a priori as atividades pelas quais cada profissional é responsável, define-


se seu espaço de atuação na organização e, portanto, o valor agregado pelo seu trabalho.
Uma vez que é objetivo das organizações recompensar em função desse valor agregado,
nada mais natural que utilizar o conjunto de atividades designado ao profissional — ou
estabelecido na descrição de seu cargo — como elemento essencial na determinação de
sua recompensa. Portanto, na sistemática funcional de compensação (centrada em
cargos), mensura-se o valor dos cargos para a organização e, quanto maior for esse
valor, maior deve ser a recompensa atnbuída aos profissionais neles alocados.
O modelo funcional de recompensas cresceu de forma avassaladora com o aumento de
complexidade das organizações e com a necessidade de estabelecer parâmetros que
auxiliassem no gerenciamento dessa complexidade. Dentre os fatores que o
impulsionaram, destacam-se:

89

>seu alinhamento com as necessidades das organizações e com a filosofia de gestão que
preponderou por décadas, centrada na estruturação de tarefas e no comando e controle;
>a percepção de objetividade no método, em função de se utilizarem técnicas estatísticas
sofisticadas para pontuar a importância relativa dos cargos para a organização. A
cientificidade do método serve de argumento para justificar as diferenciações salariais e,
ao ter cargos e não pessoas como foco principal, sugere imparcialidade;
> o fato de ser um método “bem avaliado” e, portanto, estimulado pelos órgãos que
regulam as práticas trabalhistas. Isso porque, ao estabelecer regras para a diferenciação
das recompensas que independem da análise dos individuos, torna-se mais difícil
determinar recompensas por critérios discriminatórios (seja em função de gênero e raça,
seja outro critério). Essa preocupação está bastante presente na literatura, sobretudo a
norte-americana.
A lógica de remunerar conforme o cargo funcionou bem (e em alguns casos ainda
funciona) enquanto suas premissas permaneceram válidas, ou seja, a existência de
situações de trabalho em que se espera dos profissionais essencialmente a reprodução
de uma série de procedimentos previamente definidos. No entanto, à medida que as
organizações mudam (ou são pressionadas a mudar) e passam a utilizar seus
profissionais de outra forma, com muito mais flexibilidade, autonomia e delegação de
responsabilidades, cai por terra a base de sustentação dos sistemas funcionais de
recompensa.
Ao apontar a inconsistência entre o que se paga (e se valoriza) com os sistemas
funcionais e o que se espera dos profissionais nos dias de hoje, Emerson (1991) discute
as limitações dos cargos enquanto parâmetro principal para definir a remuneração.
Analisando-os atentamente, percebe-se que o descompasso é decorrente da
incongruência entre suas premissas e o mundo organizacional atual, levando a uma série
de restrições, dentre as quais destacam-se:
>inflexibilidade, reduzindo a agilidade da organização para acompanhar as mudanças
internas e do mercado de trabalho;
>desalinhamento em relação aos objetivos estratégicos da empresa, por ser definido a
partir de configurações organizacionais momentâneas;
> inviabilidade de descentralizar as decisões de recompensa para os gestores, uma vez
que os critérios utilizados na maior parte das vezes são complexos e restritos à área de
compensação;
> alto custo de atualização do sistema, típico da utilização de métodos comparativos.
Tem-se, portanto, um método que não atende às atuais necessidades das organizações
e, ao focalizar os cargos e não as pessoas que os ocupam, deixa de reconhecer os
talentos, aqueles que realmente se destacam, que assumem responsabilidades e,
portanto, agregam mais valor, com o conseqüente risco de perdê-los para o mercado de
trabalho. Ao mesmo tempo, a complexidade e a padronízação dos sistemas

90

funcionais inviabilizam sua utilização como elemento de disseminação dos valores e


objetivos organizacionais, essencial para que os profissionais possam se auto-regular
diante das situações e decisões inerentes ao dia-a-dia do trabalho.

2.2 BUSCA DE ALTERNATIVAS AOS SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS

No extremo oposto ao método de remuneração funcional, que subjuga as pessoas ao


cargo no qual estão alocadas, vê-se a alternativa de remunerar com base na análise da
pessoa e de seu conjunto de habilidades. Essa alternativa já abrangia, no início da
década passada, 40% das grandes organizações americanas (Lawler, 1990). Sua
aplicação, no entanto, estava restrita a posições operacionais, em que a relação entre a
habilidade e a obtenção de resultados para a organização é bastante próxima, e para
alguns casos de profissionais em áreas de pesquisa e desenvolvimento.
A dificuldade de expandir o conceito para outras posições está justamente na
necessidade de garantir que, ao recompensar habilidades, se esteja reconhecendo a
contribuição, o valor agregado para a organização. Caso contrário, estar-se-á gerando um
desequilíbrio entre o que se recompensa e o que se obtém em troca. No entanto, a
literatura e a experiência têm demonstrado que, para posições não estruturadas, que
envolvem em sua essência análise e tomada de decisão, não é possível estabelecer
relação direta entre habilidades e/ou conhecimentos e a contribuição do profissional,
restringindo o uso desse método e impedindo que seja visto como alternativa ao método
funcional.
As limitações das técnicas tradicionalmente utilizadas para estabelecer recompensas têm
levado à busca de alternativas mais alinhadas com o atual contexto organizacional que
possibilitem reconhecer a entrega, o valor agregado pelos profissionais, seja em função
do nível de decisões e responsabilidades esperado de sua atuação, seja pelo
acompanhamento dos resultados efetivamente obtidos por eles. Isso significa que o foco
de observação passa a ser o indivíduo (e não seu cargo), que é então medido com base
em réguas que traduzem a agregação de valor sob o ponto de vista da organização. Essa
visão, cada vez mais presente nas empresas modernas, sustenta-se nas seguintes
constatações:
> em situações de trabalho dinâmicas, pouco estruturadas, a pessoa faz seu espaço,
independentemente do que está descrito em seu cargo e, caso não seja adequadamente
recompensada, sofrerá grave injustiça;
> os profissionais reconhecem o nível de recompensa como justo quando percebem que
ele está relacionado com seu potencial para resultados e com seu conjunto efetivo de
responsabilidades (laques, 1990). Pesquisas apontam que a mesma relação é observada
como reguladora da prática compensatória do mercado, ao menos quando se considera a
dimensão dos salários (Hipólito, 2000);
>recompensar o valor agregado pelo profissional, seja expresso pelo conjunto de
responsabilidades que assume, seja pelo acompanhamento da realização de metas
atribuídas, é plenamente compatível com a lógica vigente no sistema de produção
capitalista.

91

A Figura 2 ilustra a lógica de distribuição de atribuições ou de definição do espaço de


atuação dos profissionais. Cada vez mais presente nas organizações, ela tem
influenciado na concepção dos sistemas de recompensa. A partir das necessidades
apresentadas pelos clientes e da análise do ambiente como um todo (fornecedores,
concorrentes etc.), estabelecem-se relações e assumem-se responsabilidades de modo a
obter os resultados desejados. A configuração ou distribuição das responsabilidades se
dá, portanto, de forma dinâmica, em função das necessidades da empresa e da
competência de seus profissionais.

Figura 2. Definição dos espaços de atuação num contexto dinâmico

O panorama apresentado até aqui servirá de base para a discussão das tendências de
formatação dos sistemas de recompensa a partir da análise de cada um de seus
componentes.
A estruturação de um sistema de recompensas deve considerar, dentre as inúmeras
possibilidades de composição, asforinas mais alinhadas á “filosofia” de gestão da
organização e ao que se quer, de fato, valorizar e estimular. Os possíveis componentes
de um sistema de recompensas são apresentados na Figura 3. Serão analisados somente
os componentes que se relacionam com a categoria de remuneração.

3. Componentes dos sistemas de recompensa

3.1 SALÁRIO

Trata-se da parcela fixa da remuneração, paga regularmente (Ceriello e Freeman, 1991).


Representa, geralmente, o principal componente do mix de recompensas

92

Figura 3. Componentes de um sistema de recompensas

oferecido pelas organizações, sobretudo quando se observam relações estáveis de


trabalho.
Como visto, as práticas de recompensa, historicamente, definem o salário de acordo com
o cargo ocupado pelo profissional (como critério principal), possibilitando pequenas
diferenciações em funçáo de seu nível de maturidade, tempo de atuação na empresa,
conjunto de conhecimentos ou habilidades, dentre outros.
No entanto, as limitações encontradas no conceito de cargos têm levado a variações em
seu uso no estabelecimento dos salários para, assim, alinhá-lo a interesses e
necessidades das organizações. Como exemplo dessas variações, destacam- se a
utilização de caracterizações de cargos mais abrangentes e genéricas, com foco nos
processos internos da companhia (Wood e Picarelli, 1996), e o estabelecimento de
bandas salariais largas (broadbandings), de forma a possibilitar diferenças salariais
maiores entre os ocupantes de determinada posição, flexibilizando seu uso.
Como as variações no emprego da sistemática funcional de compensação nem sempre
se mostram suficientes, alternativas têm surgido no mercado. Destaque-se a emergência
do conceito de competências, entendido como “um saber agir responsável e reconhecido,
que implica em mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que
agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo” (Fleury e Fleury,
2000). Os modelos de gestão salarial por competências mais efetivos têm por foco,
portanto, a agregação de valor, e não a simples aquisição de conhecimentos ou
habilidades, como muitos imaginam.
A construção de sistemas de administração salarial por competências parte, em geral, de
uma análise da organização, seu conjunto de valores, visão de futuro e orientações
estratégicas. Definem-se, então, as competências necessárias aos profissionais para que
mantenham a empresa competitiva no longo prazo e caracteriza-se a evolução no
exercício dessas competências (Hipólito, 2000). Essa caracterização é concebida e
organizada por meio de frases, espelhando, para cada competência, o crescimento de
complexidade e responsabilidades na sua aplicação. A Figura 4 ilustra um conjunto de
competências típico de posições de natureza gerencial, com a caracterização de uma
dessas competências em níveis de complexidade, que ser-
93

Figura 4. Exemplo de competências gerenciais e sua caracterização ao longo de


níveis crescentes de
complexidade

Para cada nível de complexidade/responsabilidade criado a partir das competências, é


possível construir faixas salariais e critérios de evolução dos profissionais ao longo delas.
A complexidade da atuação do profissional no conjunto de competências estabelecido
pela organização define, portanto, a faixa salarial na qual o profissional será administrado
e é um dos elementos de decisão sobre seu posicionamento ao longo da faixa.
É possível, no entanto, inserir outros elementos na decisão sobre esse posicionamento,
como contemplar a política salarial da organização para as posições em análise, sua
situação em relação ao mercado de trabalho, as disponibilidades financeiras da
companhia e, no nível individual, considerar o desempenho, a aquisição e o uso de
determinada habilidade técnica.
Ao contrário do modelo funcional, o sistema de gestão por competências pressupõe a
ampla divulgação dos critérios definidos, de forma a servir como orientador das ações
individuais. Possibilita, ainda, intensa flexibilidade em seu uso, uma vez que está
dissociado de qualquer configuração organizacional momentânea, como a estrutura de
cargos, a estrutura organizacional ou a organização de seus processos internos.
Embora as vantagens do uso do conceito de competências para fins de gestão salarial
sejam nítidas em comparação com os sistemas funcionais (ao menos para empresas
situadas em ambientes competitivos, com forte pressão para mudanças), tem-se
percebido, em muitas ocasiões, a dificuldade em romper totalmente com o

94

conceito de cargos. Nesses casos, em geral, opta-se pela manutenção dessas estruturas
em paralelo, como complementares, até que o abandono da estrutura funcional de
recompensas possa ocorrer.

3.2 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL

Enquanto o salário é definido nas organizações em função do conjunto de


responsabilidades e da complexidade do trabalho esperado de um profissional (avaliado
ou não com base no conceito de competências) e é atribuído regularmente, a
remuneração variável (em suas diversas formas) está atrelada ao acompanhamento da
performance/desempenho, podendo ou não existir, com maior ou nenor intensidade, em
face dos resultados alcançados.
Embora no passado a utilização de uma parcela variável na remuneração estivesse
restrita a algumas posições da área comercial e à alta direção (na forma de bônus),
percebe-se, atualmente, que essa forma de recompensa tem crescido substancialmente
como alternativa à parcela fixa de compensação. Dentre os motivos para o crescimento
da remuneração variável, destacam-se:
a busca, por parte das organizações, da redução dos custos fixos, substituindo- os
sempre que possível por custos variáveis;
a possibilidade de oferecer maiores ganhos aos profissionais em anos de bons
resultados, uma vez que, ao contrário do salário, não é selado um compromisso de
sustentação do nível de pagamento, dado a título de variável em anos subseqüentes;
a aceitação dessa prática por trabalhadores, sindicatos e empresas, deixando as
organizações que não a adotam com menor poder competitivo no mercado de trabalho;
os incentivos fiscais que vêm sendo atribuídos à prática de um tipo específico de
remuneração variável, a participação nos lucros e resultados (Rosa, 2000), regulada pela
Lei Federal n° 10.101, de 19/12/2000. A própria regulação em lei da participação nos
lucros e resultados estimula as empresas a se prepararem para seu cumprimento.
A avaliação da performance, base para a remuneração variável, em geral é feita por meio
do acompanhamento da realização de metas predefinidas para determinado período de
tempo. A definição pode ocorrer no âmbito da organização, área, equipe e, em alguns
casos, no nível individual, dependendo para isso de algumas precondições, como a
existência de uma cultura organizacional favorável e a possibilidade de acompanhar a
interferência individual no cumprimento das metas (o que é mais dificil em algumas
posições e/ou setores de atuação e, normalmente, requer um longo período de maturação
dessa prática na organização).
Em razão disso, percebe-se a tendência à utilização de parâmetros de acompanhamento
de resultados de grupos para determinar a remuneração variável e distinguir
individualmente os profissionais a partir da remuneração fixa. Outro fator que

95

estimula as empresas a olharem prioritariamente grupos como referência para a


remuneração variável é o objetivo de grande parte delas: estimular a atuação em equipe e
a cooperação como elementos de convergência das ações individuais em torno dos
objetivos maiores da companhia. Vale reforçar que nem sempre o melhor resultado
individual significa o melhor para a equipe e para a organização.
Fica claro que as parcelas de remuneração fixa e variável se complementam,
reconhecendo-se aspectos diferentes nos profissionais: enquanto o salário vem sendo
vinculado à competência, e esta se demonstra aditiva ao longo do tempo (isto é, não
diminui, a não ser em casos excepcionais), a parcela váriável da remuneração tem como
foco principal o acompanhamento de resultados, que se caracterizam, na essência, pela
circunstancialidade. Podem, portanto, diminuir ou aumentar em função do ambiente, da
organização ou do estado de ânimo/esforço do profissional ou da equipe. Embora se
verifique a tendência de aumento da parcela variável no composto remuneratório, em
detrimento da parcela fixa, nota-se que essa premissa (alinhamento entre remuneração
fixa e fatores aditivos no tempo e entre remuneração variável e fatores
pontuais/circunstanciais) mantém-se inalterada.

3.3 BENEFÍCIOS

Embora os pacotes de benefícios (compensação indireta) tenham sido desenhados


inicialmente para ir ao encontro das necessidades básicas da maioria — procurando
contemplar aspectos que possibilitem, fora do trabalho, uma vida mais gerenciável e
segura —, eles se transformaram com o tempo num mecanismo de atração e retenção de
pessoas talentosas (Cascio, 1992), ganhando popularidade nos anos seguintes à
Segunda Guerra Mundial (Flannery et al, 1997). Ao mesmo tempo, cresce a importância
de administrá-los com cuidado na medida em que representam um dispêndio anual
significativo (Cascio, 1992). De acordo com pesquisa realizada pelo Hay Group
(consultoria especializada em remuneração) em 1994, nos Estados Unidos, os benefícios
representavam, em média, “25% dos custos totais da folha de pagamento” (Flannery et al,
1997).
A gestão de benefícios nem sempre é simples; ao contrário, exige certa complexidade
administrativa. Em função disso e da dificuldade de reduzir benefícios, uma vez
concedidos, toda decisão em relação ao tema deve contemplar uma análise da
organização no longo prazo, dos resultados pretendidos com sua aplicação e dos custos
dela decorrentes. Deve-se atentar, ainda, para o papel reservado aos benefícios dentro
do composto remuneratório.
Cascio (1992) comenta que as diferentes perspectivas na análise dos benefícios entre
organização e profissionais contribuem para tornar sua gestão complexa:
enquanto as empresas olham essencialmente os custos do beneficio, os profissionais
direcionam a análise para o valor dele, dimensões nem sempre alinhadas. Por exemplo, a
empresa pode estar despendendo recursos para prover um plano de saúde no qual
determinado profissional não tem interesse, seja porque prefere manter um

96

convênio particular já existente, seja por poder usufruir do plano de saúde do cônjuge. O
autor acrescenta que, para evitar essa situação e potencializar o impacto da prática de
benefícios, algumas empresas estão oferecendo planos de benefícios flexíveis, nos quais
o profissional escolhe a totalidade ou parte do conjunto de benefícios com base em
alternativas oferecidas pela organização. Trata-se, no entanto, de uma opção que
aumenta a complexidade administrativa de manter o pacote de benefícios, aspecto que
deve ser levado em conta antes de sua introdução.

4. Conclusão

As possibilidades de desenho da estrutura de recompensas são inúmeras, o que torna


crítica a escolha de formas alinhadas com as características da organização e do
ambiente na qual ela se insere, de modo a reforçar o conjunto de sinalizações que a
empresa quer passar e mantê-la competitiva no mercado de trabalho. Percebe-se, no
entanto, que os profissionais de recompensa têm focalizado mais a dimensão operacional
de atuação, explorando possibilidades técnicas complexas, porém desconectadas da
análise ampla de seus efeitos como elemento de atuação estratégica.
A crescente importância dos sistemas de gestão de pessoas, incluindo recompensas, põe
em xeque a atuação dos profissionais da área de recursos humanos. Impõe-lhes a
necessidade de entender de maneira ampla a organização, seus valores, cultura e
objetivos, de conhecer, ao menos conceitualmente, as formas de compensação e o que
são capazes de estimular, de buscar constantemente alternativas de compensação mais
alinhadas com as necessidades da empresa e de promover a capacitação dos gestores
para que atuem nas decisões de recompensa.
Todo esse leque de conhecimentos e percepções deve ser mobilizado de forma a
viabilizar uma atuação dos profissionais de recompensa capaz de, efetivamente,
alavancar os objetivos e resultados estabelecidos pela organização.

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AUTOR

JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO

Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em


recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em
Administração Industrial (Cmi), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e técnico-
pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USP. Autor do livro
Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo
(Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido
vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande
porte.

98

A GESTÃO DE CARREIRA

JOSÉ SOUZA DUTRA

1. Introdução
A gestão de carreira por parte das organizações e por parte das pessoas tem sido objeto
de grande discussão em revistas especializadas e na literatura contemporânea. As
discussões tomaram dois rumos:
o primeiro foca o papel da pessoa na gestão de sua carreira e de sua competitividade
profissional e o segundo o papel da organização no estímulo e suporte ao
desenvolvimento da carreira da pessoa.
O objetivo deste capítulo é oferecer uma visão ampla da gestão de carreira. Será
apresentada a evolução do pensamento sobre gestão de carreira e serão discutidos o
papel da pessoa e da organização e as tendências nessa área.

2. Conceituação

Como se trata de um termo bastante utilizado, ao qual se agregam vários significados,


carreira é uma palavra de dificil definição. Podemos utilizar carreira para nos referir à
mobilidade ocupacional, como o caminho a ser trilhado por um executivo — carreira de
negócios —, ou à estabilidade ocupacional, ou seja, a carreira como

99

profissão, como a carreira militar. Em ambos os casos, carreira passa a idéia de um


caminho estruturado e organizado no tempo e no espaço que pode ser percorrido por
alguém (Van Maanen, 1977). Partindo dessa mesma linha de raciocínio, Hall (1976)
sugere a seguinte definição: “Carreira é uma sequência de atitudes e comportamentos,
associada com experiências e atividades relacionadas ao trabalho, durante o período de
vida de uma pessoa”.
Entretanto, a definição de carreira cunhada por London e Stumph (1982) torna-se a mais
adequada para orientar a discussão contemporânea do tema:
Carreira são as seqüências de posições ocupadas e de trabalhos realizados durante a
vida de uma pessoa. A carreira envolve uma série de estágios e a ocorrência de
transições que refletem necessidades, motivos e aspirações individuais e expectativas e
imposições da organização e da sociedade. Da perspectiva do indivíduo, engloba o
entendimento e a avaliação de sua experiência profissional, enquanto da perspectiva da
organização engloba políticas, procedimentos e decisões ligadas a espaços ocupacionais,
níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas. Estas perspectivas são
conciliadas pela carreira dentro de um contexto de constante ajuste, desenvolvimento e
mudança.
Tal definição encerra conceitos importantes. Em primeiro lugar, não trata a carreira como
uma seqüência linear de experiências e trabalhos, mas como uma série de estágios e
transições que vão variar em função das pressões sobre o individuo, originadas dele
próprio e do ambiente onde está inserido. Em segundo lugar, pensa a carreira como fruto
da relação estabelecida entre a pessoa e a empresa, englobando as perspectivas de
ambas. Finalmente, trata a carreira como elemento de conciliação dinâmica das
expectativas entre a pessoa e a empresa.
Durante os anos 1970 foram feitas as primeiras tentativas de estruturar a discussão sobre
carreira levando-se em conta a relação entre a empresa e as pessoas. Um marco desse
trabalho é o livro de Douglas Hail (1976) Careers in organizations, que procura efetuar
uma relação entre o sucesso das pessoas em sua carreira profissional e o
desenvolvimento organizacional. Outra obra importante é a de Edgar H. Schein (1978),
Career dynamics, que analisa a relação dinâmica entre pessoa e empresa com base na
construção de processos de carreira. Nessa década, vários autores procuraram discutir o
papel das pessoas, da empresa e do meio social na construção de carreiras.
A produção dos anos 1980 é muito rica tanto na qualidade das reflexões quanto na
diversidade dos temas abordados. A principal produção ocorre nos Estados Unidos
devido aos seguintes aspectos:
No início dos anos 1980, os chamados babyboomers (pessoas nascidas no período do
pós-guerra, que provocou uma explosão de nascimentos nos Estados Unidos e na
Europa) ocupam todas as posições de média gerência e não deixam espaço para as
gerações seguintes.
Durante os anos 1970, a mulher entra mais fortemente no mercado de trabalho, gerando
alterações na malha de concorrência e preocupações com a carreira do casal. Isso
significa que a mobilidade geográfica vai se tornando mais complexa porque as empresas
passam a ter de se ocupar não só da carreira de seus empregados mas também da de
seus cônjuges.

100

Nos anos 1980, o mercado sofre grandes transformações com a entrada do Japão como
novo concorrente internacional.
As organizações são pressionadas a dar respostas mais rápidas para o mercado, com
mais qualidade e menor custo.
Os pais ficam muito mais preocupados com a carreira de seus filhos.
Esse conjunto de fatores pressiona tanto empresa quanto pessoas a pensarem em
carreira. A produção dos anos 1980 vai naturalmente se especializando em uma literatura
voltada para as pessoas, que apresenta temas como escolha de carreira, mercado de
trabalho, formas de planejar a carreira, como negociar a carreira com a empresa, como se
recolocar etc., além de em livros voltados para as organizações que abordam temas como
estímulo e suporte ao autodesenvolvimento, estruturação de carreiras, acesso
democratizado às oportunidades etc.
A produção dos anos 1990 seguiu essa mesma tendência, ou seja, a segmentação da
produção para as pessoas e para as empresas. Nesse período, o mercado de trabalho
ficou mais exigente, globalizou-se e ganhou mais mobilidade. Com o crescimento do
mercado de comunicações surgem novas e inesperadas carreiras. A discussão sobre
carreira ganha força nas escolas, nas empresas, nos sindicatos e na sociedade como um
todo nos Estados Unidos e na Europa.
No Brasil, essa discussão sobre carreira começou a fazer sentido somente nos anos
1990. Existem poucas empresas preocupadas com o tema, e boa parte das pessoas não
pensa sobre o assunto. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa há vasta literatura a
respeito do tema, no Brasil a produção é escassa. Existem razões para acreditar que
daqui para a frente haverá grande mudança nesse quadro devido ao desenvolvimento
econômico do país e ao mercado de trabalho cada vez mais exigente.
Para compreensão mais profunda da gestão de carreira, será didaticamente separada a
apresentação do tema, primeiramente com a discussão sobre o papel da pessoa e depois
sobre o papel da empresa.

3. O papel da pessoa na gestão de carreira

Há, por parte das pessoas, uma natural resistência ao planejamento de sua vida
profissional tanto pelo fato de encararem a trilha profissional como algo dado quanto pelo
fato de não terem tido nenhum estímulo ao longo da vida. A resistência ao planejamento
individual de carreira é ainda muito grande no Brasil, pois as pessoas tendem a guiar suas
carreiras mais por apelos externos, como remuneração, status, prestígio etc., do que por
preferências pessoais. Embora não existam até aqui pesquisas que confirmem essa
afirmação, há a seu favor inúmeras constatações empíricas oriundas de eventos em que
esse assunto foi discutido, intervenções em empresas e trabalhos com estudantes de
nível superior.
Acredita-se que tal quadro venha a ser modificado nos próximos anos graças a mudanças
de postura e comportamento exigidas das pessoas pelas empresas e pelas pressões
sociais ç econômicas. Observa-se ainda que, em momentos de crise e escassez de
emprego, as pessoas tomam-se naturalmente mais preocupadas em

101

planejar suas carreiras, buscando conselhos, métodos e instrumentos que as ajudem no


processo.
De outro lado, verifica-se a empresa cada vez mais preocupada em estimular as pessoas
a planejar suas carreiras. Os motivos que têm levado a isso são:
A busca de posicionamento mais competitivo em seus mercados tem conduzido as
empresas à redefinição do perfil exigido de seus recursos humanos. Tal perfil desloca-se
da postura e do comportamento obedientes e disciplinados para a inovação e a
capacidade de empreender. Essa situação, observada em todo o mundo, pôde ser
comprovada no Brasil por pesquisa realizada pela Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) com 250 dirigentes
empresariais no início de 1993. Observa-se que, de modo geral, a mudança de
comportamento é de responsabilidade da pessoa, assim como seu desenvolvimento.
Cabe à empresa estimular e oferecer todo o apoio necessário para que o indivíduo possa
empreender seu desenvolvimento e sua carreira. Essa postura é cada vez mais
identificada nas grandes organizações brasileiras.
> O estímulo para que as pessoas planejem suas carreiras tem sido um instrumento
importante para torná-las empreendedoras consigo próprias. O planejamento da carreira
faz com que as pessoas reflitam sobre seu desenvolvimento e as posiciona para negociar
com a empresa. Tal prática é cada vez mais disseminada nos Estados Unidos, no Canadá
e nos países europeus e é identificada em alguns países asiáticos e na Austrália,
enquanto na América Latina é vista com menos freqüência. No Brasil, há poucos
exemplos de empresas que estimulam e oferecem condições concretas para que as
pessoas possam planejar a carreira.
Além dos aspectos ligados aos estímulos gerados pela empresa, pode-se ante- ver maior
pressão do ambiente social sobre as pessoas para que planejem suas carreiras. Tal
antevisão é alicerçada nos seguintes argumentos:
>Aumento da diversificação das oportunidades profissionais ocasionado pelos
movimentos de maior complexidade organizacional e tecnológica das empresas, de
revisão das estruturas organizacionais e de diversificação do mercado de produtos e
serviços, o que exige das pessoas posicionamento cada vez mais consciente quanto à
trajetória profissional.
> Disseminação maior da idéia de que as pessoas são capazes de influenciar as próprias
carreiras tanto no setor privado quanto no público.
>Valorização social do contínuo crescimento, da mobilidade, da flexibilidade e da
notoriedade. Esse tipo de valorização pressiona as pessoas a competir consigo próprias e
a rever sempre suas expectativas e necessidades.
Esses aspectos deverão criar a demanda crescente por um projeto profissional
consciente, ou seja, por uma visão das possibilidades concretas de desenvolvimento
profissional. Pesquisas demonstram que a ausência de um projeto profissional consciente
leva as pessoas a situações cujos riscos mais comuns são:

102

> Armadilhas profissionais: cai-se em uma armadilha quando se executa um trabalho


que demanda pouco dos pontos fortes e muito dos pontos fracos. Esse trabalho, na maior
parte do tempo, gera grande desgaste e pouca satisfação, minando a energia, conduzindo
a uma situação de estresse e inibindo o desenvolvimento. Existem dois tipos de
armadilha: a que se percebe imediatamente e a que é notada vários anos após nela
termos entrado, sendo esta muito pior que a primeira. Em um ambiente de grande
competitividade profissional, cair em uma armadilha pode trazer muitas dificuldades ao
processo de desenvolvimento.
> Falta de foco: as pessoas só se incomodam com a carreira quando sentem desconforto
profissional. O processo que envolve a instalação do desconforto profissional, a
percepção, a ação de mudança e a saída da situação de desconforto demora de dois a
cinco anos. Isso significa que, durante o período de desconforto, o autodesenvolvimento
fica estagnado ou ocorre lentamente.
> Alternativas restritas: visão limitada das alternativas de desenvolvimento profissional
tanto na empresa quanto no mercado.
O projeto profissional consciente minimiza tais riscos porque pressupõe uma visão de
carreira de dentro para fora, ou seja, que a pessoa tome a si própria como referência para
desenvolver seu projeto priorizando seus pontos fortes, o que gosta de fazer e o que faz
bem.
Para o estabelecimento de um projeto profissional podem ser utilizadas várias técnicas.
As mais comuns são:
Manuais de autopreenchimento, como os apresentados por Savioli (1991) e por Kotter,
Faux e McArthur (em London e Stumph, 1982).
Workshops de planejamento de carreira em que os participantes trabalham sua avaliação
individualmente e em grupo e discutem preferências e objetivos de carreira. Esses
trabalhos podem gerar ainda insumos para uma continuidade de trabalho individual
(homework) a ser confrontado com opiniões de familiares, amigos e, eventualmente,
parceiros de empresa (Gutteridge em HaIl, 1986).
Suporte de consultores especializados que utilizam um mix de técnicas que envolvem
preenchimento de manuais de auto-avaliação e entrevistas de aconselhamento.
Geralmente esse tipo de serviço está associado a uma exigência de empresas a seus
empregados, quer visando a trabalhos de desenvolvimento, quer visando a trabalhos de
recolocação (outplacement). Tal suporte pode ser dado por conselheiros da própria
empresa ou contratados.
As etapas de construção de um projeto profissional podem ser realizadas de diferentes
maneiras. Um modelo que sintetiza de forma genérica as proposições de diversos autores
para planejamento de carreira é apresentado por London e Stumph (1982). Segundo eles,
o planejamento de carreira depende de três tarefas de responsabilidade do indivíduo. A
primeira delas é a auto-avaliação, isto é, a avaliação das próprias qualidades, interesses e
potencial para vários espaços organizacionais. A segunda diz respeito ao estabelecimento
de objetivos de carreira, ou seja, a iden-

103

tificação de objetivos de carreira e de um plano realista baseado na auto-avaliação e na


avaliação das oportunidades oferecidas pela empresa. A terceira refere-se à
implementação do plano de carreira, que consiste na obtenção de capacitação e acesso
às experiências profissionais necessárias para competir pelas oportunidades e para
atingir as metas de carreira.
London e Stumph afirmam que as pessoas podem conduzir seu planejamento de carreira
de várias formas. Duas preocupações, porém, são essenciais: formar uma visão realista,
clara e apurada das próprias qualidades, interesses e inclinações pessoais e estabelecer
objetivos de carreira e preferências profissionais. A proposta desses autores apresenta-se
esquematizada na Figura 1.

Figura 1. Etapas do processo de planejamento de carreira

A Figura 1 aponta como ponto de partida a auto-avaliação, o autoconhecimento. a partir


daí que devem ser desenvolvidos os objetivos de carreira e o plano de ação para a
consecução dos objetivos. Com base nesse exercício, será possível identificar as
oportunidades de carreira. Naturalmente tais etapas são interativas, ocorrendo contínua
influência entre elas ao longo do processo de planejamento de carreira. Pode-se
estabelecer as seguintes etapas para a construção de um projeto profissional:
> 1º passo — autoconhecimento: é, sem dúvida, a parte mais importante e difícil do
processo, o saber-se, o conhecer-se, o olhar-se. As técnicas mais comuns são a análise
de realizações, a análise de valores pessoais e a análise de personalidade. Pelo
levantamento de realizações a pessoa percebe sua evolução e seus pontos fortes. O
mapeamento de valores pessoais é efetuado usando-se parâmetros estabelecidos por
pesquisadores como Edgar Schein (1990) e Derr (1988). A análise de personalidade é
feita por testes de diversas origens. Os mais comuns são baseados em Jung.
Informações sobre o tema podem ser encontradas em Casado (1998).
> 2º passo — conhecimento do mercado: o mercado, dentro e fora da empresa, deve
ser sempre analisado observando-se as opções, as tendências, as limitações e as
alternativas de desenvolvimento profissional. Verifica-se, por meio de pesquisas, que as
pessoas orientam suas carreiras considerando o organograma da empresa ou seu plano
de cargos e salários. Esse é umgrande equívoco,

104

pois o organograma e os cargos refletem o passado ou o presente. Quando se pensa em


carreira a cabeça deve estar no amanhã, e não no ontem.
> 3º passo — objetivos de carreira: uma parte significativa da literatura estimula as
pessoas a iniciar sua reflexão estabelecendo objetivos de carreira. Isso, porém, pode
conduzi-las ao risco de fechar demais o foco. Por exemplo: uma pessoa estabelece o
objetivo de chegar ao cargo X na empresa Y em cinco anos, mas nem sequer é possível
saber se a empresa Y e o cargo X existirão daqui a cinco anos. Portanto, utilizar-se de
qualquer referencial extelno é perigoso, pois esse referencial sempre será movediço. O
único referencial que não muda é o individual. A recomendação é procurar estabelecer
objetivos centrados no aspecto pessoal utilizando-se de perguntas do tipo: “Como posso
estar mais feliz profissionalmente daqui a cinco anos?” Para responder, é essencial o
auto- conhecimento para saber o que fará a pessoa feliz profissionalmente. Recomenda-
se ainda que os objetivos sejam pensados em todas as dimensões relevantes: familiar,
social, pessoal, econômico-financeira etc.
>4º passo — estratégias de carreira: uma vez definido o objetivo, a pergunta seguinte
será: “Qual é a estratégia para alcançá-lo?” Rothwell e Kazanas (1988) propõem como
principais estratégias o crescimento na empresa ou no mercado, a diversificação com a
agregação de novas responsabilidades ou atribuições, a integração com a agregação de
nova área de trabalho na empresa ou novas ocupações fora dela, a revisão com a
desaceleração ou o reforço de determinadas áreas de atuação e, finalmente, a
combinação de todas as estratégias.
> 5º passo — plano de ação: após a definição da estratégia, é importante a elaboração
de um plano de ação. O plano de ação deve conter metas de curto prazo, indicadores de
sucesso, fatores críticos para o sucesso e uma avaliação dos recursos de tempo, dinheiro
e aperfeiçoamento necessários.
6º passo — acompanhamento do plano: a avaliação dos resultados das estratégias de
carreira deve ser um processo contínuo. Para isso, os objetivos ou metas fixados
representam um padrão de mensuração essencial. Além disso, é importante avaliar a
consistência das ações e dos próprios objetivos ou metas quanto a valores e interesses,
demandas da empresa e da ocupação, demandas do ambiente, praticidade,
disponibilidade de informações e recursos, compatibilidade com a vida familiar, lazer e
interesses pessoais e nível dos riscos envolvidos. Muitas dessas questões não poderão
ser respondidas com precisão, mas servirão para indicar necessidades de revisão do
planejamento de carreira.
Uma vez construído o projeto profissional, o processo seguinte é a negociação com a
empresa. Nesse caso, quatro aspectos principais devem ser considerados. importante
definir o posicionamento da empresa no projeto de carreira. A empresa pode estar ou não
no projeto. Caso não esteja, é importante avaliar quais são as alternativas fora dela, tais
como: mudar de empresa, montar um negócio, transformar-se em prestador de serviços,
dedicar-se á vida acadêmica etc. A inclusão da empresa no projeto significa que é
possível vislumbrar oportunidades.
105

O segundo ponto é a avaliação de oportunidades. A empresa em geral não divulga


formalmente as oportunidades. Muitas vezes, nem tem consciência de todas as
oportunidades existentes. Portanto, é importante estar em constante avaliação da
situação. As melhores fontes de informação são as pessoas, pois elas formam a rede de
relacionamentos.
É essencial também a avaliação dos requisitos exigidos, cuja clareza auxiliará na busca
das posições nas quais há interesse e na definição do perfil adequado para ocupar tais
posições. Por fim, a negociação com a empresa traz segurança à carreira. Isso significa
que escolhas estão sendo feitas: sabe-se á que se quer e o que não se quer. À medida
que as prioridades são definidas, investe-se naturalmente a energia nesse caminho,
passa-se a ocupar espaços e a sinalizar com mais clareza o rumo a tomar.
Outro aspecto fundamental quando se analisa o papel da pessoa é o processo de escolha
da carreira e qual a dinâmica desse processo ao longo da vida. Essa questão tem sido
pesquisada em vários campos das ciências sociais. HalI (1976) e Van Maanen (1977)
procuraram analisar toda a produção dessa área até o final dos anos 1970. Segundo os
autores, as teorias da escolha de carreira podem ser agrupadas em duas categorias
gerais. A primeira delas é a compatibilidade, isto é, determinadas pessoas escolhem
determinadas ocupações com base em medidas de compatibilidade entre a pessoa e a
ocupação escolhida. A segunda refere-se ao processo de escolha, ou seja, a pessoa, ao
longo de sua trajetória de vida, vai gradualmente chegando à escolha de sua ocupação.
Dentro da categoria da compatibilidade, acredita-se que as pessoas estejam naturalmente
preocupadas em escolher uma carreira que atenda a suas necessidades e seus
interesses e que os expresse, uma vez que grande parte de suas vidas gira em torno do
trabalho. A compatibilidade entre uma pessoa e sua carreira pode ser explicada por
quatro características individuais: interesse, identidade, personalidade (valores,
necessidades, orientação pessoal etc.) e experiência social (Hall, 1976). Essas teorias
são fortemente embasadas, em sua elaboração e divulgação, em referenciais
psicanalíticos e biológicos (Van Maanen, 1977).
A categoria da compatibilidade dá maior ênfase a explicações sobre o que influencia a
escolha da carreira, oferecendo uma visão estática da escolha, e menor ênfase à forma
como se processa essa escolha e a seu motivo. Os autores que enfocam o processo de
escolha procuram dar respostas a essas perguntas. De acordo com Ginzberg et al.
(1951), o processo de escolha de uma carreira pode ser dividido em três estágios ao
longo da vida de uma pessoa:
>Estágio da fantasia: cobre o período da infância até os 11 anos.
> Estágio das escolhas tentativas: geralmente dos 11 aos 16 anos e está baseado
primeiramente em interesses e posteriormente em capacidades e valores.
> Estágio das escolhas realistas: a partir dos 17 anos e geralmente subdividido em três
períodos — exploração, no qual é examinada uma série de opções de carreira,
cristalização, quando as opções começam a ser mais bem focadas, e especificação,
período em que a pessoa escolhe uma carreira em particular.

106
Durante a idade adulta, as pessoas podem viver vários ciclos de exploração, cristalização
ou especificação de modo a encontrar a carreira que melhor se adapte a suas
necessidades, interesses e habilidades. Tal processo pode arrastar-se além dos 30 anos
nas pessoas que continuam investindo em seu processo educacional. Uma
escolha mais definitiva da carreira ocorre por volta dos 40 anos, na chamada crise da
meia-idade (HalI, 1976; Super e Bohn, 1972).
Van Maanen (1977) afirma que a abordagem dos sociólogos tem sido bem diversa. Eles
acreditam que diferenças de raça, classe, sexo, religião, nacionalidade, educação, família
ou área de residência têm papel importante não só na escolha da carreira mas também
na construção de expectativas. Dentre os sociólogos, destacam-se três categorias de
abordagem: sociologia industrial, ocupacional e organizacional. Tais categorias
influenciam-se mutuamente e são diferenciadas pelas questões que procuram responder,
pelos modelos de análise empregados e pelo grupo de pessoas com que trabalham —
sociologia industrial com operários, sociologia ocupacional com todos os membros de
determinada atividade e sociologia organizacional com gerentes e profissionais dessa
área (Salaman e Thompson, 1974). Os sociólogos contribuíram com uma visão crítica do
processo de escolha de carreira analisando como as pessoas apreendem normas e
valores de atuação no mundo do trabalho, como o status de uma ocupação influencia sua
escolha e como a ideologia dá suporte a pequenas relações entre pessoas dentro de
determinada carreira.

4. O processo de escolha de uma carreira

A compreensão do processo de escolha da carreira por parte de uma pessoa é importante


para entender o conjunto de pressões que pesam sobre ela na realização de seu
planejamento. Para tanto, as contribuições oferecidas por Super (1957), Super e Bohn
(1972) e Schein (1978) acerca de estágios de vida e sua influência sobre os processos de
escolha e desenvolvimento de carreira são fundamentais.
A psicologia vocacional desenvolveu em seus estudos os estágios de vida das pessoas e
as expectativas de carreira (Super e Bohn, 1972), cuja realização se deu com registros de
vários depoimentos. Super (1957) aponta os cinco estágios de vida — infância,
adolescência, idade adulta, maturidade e velhice — catalogados nesse tipo de análise.
No que tange às opções de carreira, a infância (até 14 anos) é uma fase de fantasia,
enquanto a adolescência (15 a 24 anos) é caracterizada pela exploração, na qual a
triagem de oportunidades de carreira é muito hesitante porque a pessoa não utiliza
plenamente suas aptidões e seus interesses. É na idade adulta (25 a 44 anos) que a
pessoa, devido aos compromissos sociais que assume, tende para a estabilização
profissional. “O compromisso com uma profissão (ou com a família) tomase mais definido
com o realismo produzido pela modificação das aspirações para a utilização das
capacidades e para a busca de canalização dos interesses num mundo que já é, então,
mais bem compreendido” (Super, 1957).
O estágio de maturidade (45 a 64 anos) é apontado como a fase da permanência. Super
estuda, entretanto, uma série de pessoas que vivetam processos de

107

mudança significativa em suas carreiras nessa fase. Tais casos são notados
principalmente em função da turbulência vivida no ambiente profissional, o que obngou as
pessoas a estar em constante reciclagem de conhecimentos. São notados também em
decorrência de mudanças na estrutura familiar, quando os filhos estão deixando o
convívio dos pais, o que faz com que a mulher reveja seu papel e o casal suas relações.
O estágio da velhice (após os 64 anos) é visto como uma fase de declínio das
capacidades físicas e mentais, o que estimula os indivíduos a retirar-se gradativamente
de sua atividade predominante durante a fase adultá e a de maturidade.
Esses estágios, embora não ocorram de forma linear e uniforme em termos individuais,
mostram que a relação das pessoas com a carreira sofre alterações ao longo do tempo.
O comportamento das pessoas em relação à escolha e ao desenvolvimento da carreira
segue padrões determinados por sua condição socioeconômica e racial, pelo sexo, nível
de inteligência etc. Super (1957) agrupa tais determinantes em psicológicas, sociais e
ambientais (guerras, ciclos econômicos, alterações tecnológicas, entre outras).
Schein (1978) encara a questão da carreira como um processo de desenvolvimento da
pessoa como ser integral. Argumenta que, para refletir sobre a carreira das pessoas, é
preciso entender suas necessidades e características, que não estão ligadas apenas à
vida no trabalho. São fruto, isso sim, da interação da pessoa com todos os espaços de
sua vida. Nesse sentido, Schein acredita que as pessoas devem ser encaradas como
parte efetiva de um mundo onde enfrentam múltiplos problemas e pressões. Na
sociedade ocidental, tais pressões e problemas podem ser agrupados em três categorias:
> Pressões e problemas decorrentes do processo biológico e social associado ao
envelhecimento. De forma geral, relacionam-se à idade determinantes de natureza
biológica, como alterações no corpo e alterações na capacidade física e mental, e de
natureza sociocultural. Essa associação permite configurar um ciclo biossocial que irá
influenciar o comportamento e as preferências das pessoas.
> Outro conjunto de pressões e problemas é decorrente das relações estabelecidas entre
a pessoa e sua família. Tal categoria apresenta características peculiares que a
diferenciam da categoria biossocial (embora também possa ser associada a ela). As
pressões aqui estão relacionadas à natureza da relação com a família e aos diferentes
compromissos assumidos, como a condição de casado, solteiro, viúvo, separado ou
divorciado, com filhos pequenos ou não, com filhos adolescentes ou não, com suporte
financeiro e emocional a pais idosos ou não etc. Nessa categoria, também é possível
definir um conjunto de pressões e problemas típicos das várias fases das relações
estabelecidas com a família, configurando-se um ciclo familiar ou de procriação.
>A terceira categoria está associada ao trabalho ou à construção da carreira. As pessoas
têm domínio parcial sobre pressões e problemas decorrentes dessa categoria, uma vez
que estes emanam de necessidades definidas pela sociedade, suas instituições
econômicas, suas tradições e políticas educacionais etc. De

108

outro lado, a relação que as pessoas estabelecem com o trabalho ou com a carreira não
sofre o determinismo das outras duas categorias, já que os indivíduos podem truncar,
mudar ou alavancar a carreira. As relações que as pessoas estabelecem com sua
ocupação ou com empresas formam também um ciclo a cujas etapas ou estágios podem
ser associadas determinadas características.
Os três ciclos são descritos na Figura 2. Percebe-se que há momentos na vida em que,
devido à idade, relação profissional e situação familiar, as pessoas recebem grande
conjunto de pressões. Esses momentos, apresentados na Figura 2, tendem a exercer
grande influência nas decisões sobre projetos de vida pessoal e profissional.
Figura 2. Ciclos de influência sobre as pessoas

Essas fases, ou ciclos, vêm sofrendo alterações nos últimos anos, motivadas
basicamente por dois fatores: aumento da longevidade das pessoas e redução da oferta
de empregos. Observa-se o aumento da expectativa de vida das pessoas graças aos
avanços da medicina. Os futurólogos acreditam que as pessoas nascidas após o ano
2000 poderão contar com uma expectativa de vida de 120 anos. Tal afirmação está
baseada em tendências como o contínuo avanço da medicina e a disposição da
humanidade para investir cada vez mais em pesquisas ligadas à saúde e em formas de
disseminar rapidamente as conquistas desse campo; o aumento da preocupação da
humanidade com o meio ambiente e a busca de maior qualidade de vida; e a maior
consciência das pessoas de si próprias, buscando manter sua integridade física, psíquica
e social.
Futurologias à parte, a maior longevidade não é algo episódico, mas uma tendência
importante que influi decisivamente na vida e na construção de expectativas
e projetos. Alterações importantes de padrões comportamentais em decorrência

109

disso já podem ser observadas: o ápice da carreira profissional, que era aos 40 anos,
deslocou-se, nos países desenvolvidos, para os 50 anos. O mesmo fenômeno pode ser
identificado no Brasil com pessoas da classe média e da alta: os planos de aposentadoria,
que estabeleciam 55 anos como data-limite de retirada da vida profissional até meados da
década de 1980, passaram a ser reformulados, uma vez que as pessoas, aos 55 anos,
estão cheias de vitalidade. Por outro lado, a complexidade das empresas aumentou e elas
necessitam de gente mais experiente. Além disso, não há sistema previdenciário, público
ou privado, que suporte pessoas que contribuem durante trinta ou 35 anos e depois
usufruem outros trinta ou 35 anos. As pessoas afinal não têm mais como objetivo de fim
de vida o ócio. Pelo contrário, estão cada vez mais empenhadas em se tornar úteis e
usufruir a vida. Quanto mais as pessoas têm consciência de si próprias, mais esse
movimento se intensifica.
O fator da longevidade é suficiente para rever alguns aspectos importantes de
expectativas e projetos. Se anteriormente uma pessoa de 40 anos começava a pensar em
aposentadoria, atualmente cultiva projetos de ascensão, de investimento em
desenvolvimento pessoal e visualiza um largo horizonte à frente.
A reflexão sobre tendências oferece munição para pensar com mais clareza sobre as
possibilidades de desenvolvimento e seu dimensionamento no tempo.

5. O papel da empresa na gestão de carreira

Quando as pessoas falam de planos de carreira, têm em mente projetos que deixam
absolutamente claras as possibilidades de desenvolvimento profissional ou apontam com
precisão esse horizonte. Associa-se, portanto, à noção de plano de carreira a idéia de
uma estrada plana, asfaltada e bem conservada que, trilhada pela pessoa, a conduzirá ao
sucesso, à riqueza e à satisfação profissional. Quando se olha para a realidade das
empresas, verifica-se que a carreira é uma sucessão de acontecimentos inesperados de
parte a parte, ou seja, tanto para a pessoa quanto para a empresa. Deve-se pensar a
carreira, portanto, como uma estrada sempre em construção pela pessoa e pela empresa.
Desse modo, ao olhar para a frente, se verá sempre o caos a ser ordenado e, olhando-se
para trás, será possível enxergar a estrada já construída. Uma empresa que administra de
forma compartilhada as carreiras de seus profissionais terá diante de si várias estradas
em construção.
Para uma empresa que trabalha com centenas, milhares ou até dezenas de milhares de
profissionais, seria impossível conciliar as diferentes expectativas de carreira dessas
pessoas com as necessidades organizacionais sem diretrizes, estruturas de carreira ou
instrumentos de gestão, isto é, sem um sistema de administração de carreiras. Tal
sistema não deve ser entendido como uma moldura na qual as pessoas devem
obrigatoriamente se encaixar, mas como a estruturação de opçôes, como forma de
organizar possibilidades e como suporte para que seja possível planejar a carreira dentro
da empresa.
Diversos autores têm apresentado diferentes posições acerca da caracterização do
sistema de administração de carreiras:

110

>Gutteridge (1986) caracteriza-o como um conjunto de instrumentos e técnicas que visam


permitir a contínua negociação entre a pessoa e a empresa;
>Walker (1980) considera o sistema um conjunto de procedimentos que permitem à
empresa identificar as pessoas mais adequadas às suas necessidades, facultando a
estas planejar suas carreiras e implementá-las;
>London e Stumph (1982) procuram caracterizar o sistema na mesma linha adotada por
Gutteridge, enfatizando, porém, as questões de planejamento e acompanhamento das
necessidades da empresa;
>Leibowitz et ai. (1986) caracterizam o sistema de administração de carreiras constituído
de diretrizes, instrumentos de gestão de carreira integrados aos demais instrumentos de
gestão de recursos humanos, estrutura de carreira e um conjunto de políticas e
procedimentos que visam conciliar as expectativas das pessoas e da empresa.
Com base na contribuição desses autores pode-se dividir o sistema de administração de
carreiras, com o objetivo de melhor estudá-lo, nas seguintes partes:

5.1 PRINCÍPIOS

O sistema deve estar assentado sobre princípios que representam os compromissos


acordados entre a empresa e as pessoas. Embora possam ser revistos ao longo do
tempo para ajustar-se a novas necessidades, está pressuposto que sua alteração seja
lenta, uma vez que dificilmente ocorre uma situação em que todos os princípios sejam
integralmente revistos a um só tempo. Os princípios garantem, portanto, a consistência do
sistema de administração de carreiras ao longo do tempo.

5.2 ESTRUTURA DE CARREIRA

A estrutura de carreira dá concretude ao sistema, uma vez que define a sucessão de


posições, sua valorização e seus requisitos de acesso. Geralmente, ao desenhar uma
carreira, se delineia sua estrutura — uma carreira em linha, uma carreira paralela em Y,
uma carreira paralela múltipla etc.
5.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO

Os instrumentos de gestão dão suporte à relação contínua entre as pessoas e a empresa.


São eles que garantem o nível de informação das pessoas em relação à empresa e vice-
versa, estimulam e oferecem o suporte necessário para que a pessoa planeje sua
carreira, permitem à empresa decidir sobre oportunidades de carreira e sobre a escolha
de pessoas, garantem os espaços necessários para que pessoas e empresa negociem
suas expectativas e sustentam a revisão contínua do sistema como um todo.

111

5.4 DEFINIÇÃO DE PAPÉIS

Alguns autores simplificam o papel da empresa na administração de carreira reduzindo-o


à estruturação de processos sucessórios, O papel da empresa é bem mais amplo e, para
compreendê-lo, vamos dividi-lo em três categorias, conforme a natureza das decisões:
>Definição estratégica: nesta categoria são agrupadas decisões ligadas à
compatibilização do sistema de administração de carreiias com os princípios que balizam
a gestão de recursos humanos e com as estratégias organizacionais e de negócios da
empresa. Podem ser incluídas aqui decisões como conciliação entre desenvolvimento da
empresa e das pessoas, definição de trajetórias de carreira e especializações importantes
para a manutenção ou incorporação de vantagens competitivas, grau de liberdade dado
às pessoas para efetuar opções de carreira e de compartilhamento das decisões sobre
trajetórias profissionais e nível do suporte dado ao planejamento individual de carreira.
>Definição do sistema de administração de carreiras: incluem-se nesta categoria
decisões ligadas à configuração técnica do sistema. Tais decisões formam a base de
funcionamento do sistema e devem, portanto, estar alinhadas com a definição estratégica.
Podem ser incluídos na categoria: formatação e características das estruturas de carreira,
níveis (degraus) dentro de cada estrutura e requisitos de acesso e escolha dos
instrumentos de gestão a serem incorporados no sistema.
>Definição da metodologia de concepção, implementação e atualização do sistema:
se as decisões anteriores formam a base de funcionamento do sistema, as decisões
abrangidas por essa categoria estabelecem seu funcionamento. A simples importação de
modelos de administração de carreiras não torna efetivo um sistema. É necessário que
sejam levados em conta a cultura da empresa, seu momento histórico e suas
necessidades concretas. Assim sendo, o processo utilizado na concepção do sistema é
fundamental. As decisões incluídas na categoria são: pessoas abrangidas pelo sistema e
grau de envolvimento em sua concepção e implementação, nível de consenso sobre o
atendimento das necessidades e expectativas da empresa e das pessoas pelo sistema,
grau de compatibilização do sistema com os demais instrumentos de gestão de recursos
humanos e timing de implementação do sistema.

6. Efetividade da carreira da pessoa e da empresa

O compartilhamento das decisões sobre carreira apresenta-se como resposta às


pressões sobre a organização para obter maior envolvimento das pessoas com o
trabalho, torná-las mais responsáveis por seu futuro profissional e adequar o processo de
seu desenvolvimento às necessidades da empresa. Entretanto, há um grande fosso entre
a idealização e a prática da gestão compartilhada de carreira, causado por resistências
das pessoas e das empresas (Hail, 1986; Gutteridge, 1986).

112

Algumas pessoas percebem o desenvolvimento de carreira como responsabilidade


primária ou exclusiva da empresa. Há quem ache que a ascensão na carreira é uma
questão de sorte, bastando estar no lugar certo na hora certa. Por sua vez, outros
acreditam que, para fazer carreira, devem pular de empresa em empresa, uma vez que
“santo de casa não faz milagre”. Outras pessoas não vêem sentido em pensar no
planejamento de carreira, uma vez que não é possível prever o futuro. E, finalmente, há
aqueles que ao efetuar sua auto-avaliação, atitude inerente ao processo de planejamento
de carreira, não têm coragem de encarar a si próprios ou relutam em fazer as mudanças
necessárias ao plano de carreira.
Nas empresas, a baixa apetência por mudanças é traduzida por expressões do tipo: “Nós
sabemos o que é melhor para nossos empregados”, “Um sistema dessa natureza é muito
custoso”, “Esse sistema pode despertar expectativas irreais em nossos empregados” etc.
Além disso, há a resistência dos gestores em assumir o papel de mediadores entre as
necessidades da empresa e as expectativas de seus subordinados, e a falta de
legitimidade do sistema, devido à forma como foi desenvolvido e implementado, faz com
que seja encarado como mais um modismo da empresa. Aliada a todos esses fatores, a
resistência da empresa também se dá pela falta de persistência, com o abandono
gradativo do sistema à medida que deixa de trazer resultados imediatos (segundo Hail e
Gutteridge, são necessários pelo menos cinco anos para sua consolidação).
Hali (1986) afirma que as resistências serão cada vez mais brandas à medida que as
pessoas forem pressionadas a fazer uma revisão da própria posição em relação à carreira
e que as empresas descobrirem o paralelismo que há entre seu sucesso e o sucesso das
pessoas que para elas trabalham.

Referências bibliográficas

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potencial humano nas organizações. São Paulo: FEA/USP, 1998. Tese de doutoramento.
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VAN MA.ANEN, John. Organizational careers: some new perspectives. New York: John
Wiley & Sons, 19
WALKER, James W Human resource planning. New York: McGraw-Hill, 1980.

AUTOR

JOEL SOUZA DUTRA

Professor-doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da


Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra cursos de graduação e pós-
graduação. Tem mestrado na Fundação Getúlio Vargas e doutorado na FEA-USP
Coordenador do curso MBA/RH e vice-coordenador do Programa de Gestão de Pessoas
(Progep), ambos da FEA-USP Atua como administrador em níveis gerenciais e diretivos
nas áreas de organização e de recursos humanos em empresas industriais de grande
porte do setor metalúrgico e de informática. Trabalhou como consultor coordenando
projetos nas áreas de planejamento estratégico, estrutura e desenvolvimento
organizacional e sistemas de gestão de recursos humanos. É diretor-instituidor da Fischer
& Dutra Gestão Organizacional e supervisor de projetos de pesquisa, consultoria e
treinamento da Fundação Instituto de Administração, da FEA-USP Supervisionou projetos
de capacitação para Grupo Abril, Unibanco, FMC e Brasilprev.

114

Gestão estratégica das relações de trabalho

ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA

1. Introdução
Este capítulo visa delimitar o campo da gestão das relações de trabalho com base num
enfoque crítico e estratégico. Inicia-se por uma breve discussão do conceito de relações
de trabalho e pela análise dessas relações sob dois pontos de vista: da gestão e dos
gestores das organizações e do trabalho e das organizações dos trabalhadores. Discute a
questão dos sistemas de relações de trabalho em alguns países de referência e sua
configuração no Brasil. Relaciona as mudanças recentes dos paradigmas do trabalho e da
gestão e conclui indagando sobre a pertinência da gestão estratégica das relações de
trabalho.
O objetivo deste capítulo, portanto, é contribuir com a formação de competências dos
agentes de gestão das relações de trabalho nas empresas, nos sindicatos, no governo e
nas organizações da sociedade civil.

2. Conceito de relações de trabalho

O conceito de relações de trabalho abrange o conjunto de arranjos institucionais e


informais que modelam e transformam as relações entre capital e trabalho em suas
diversas dimensões na complexa formação

115

social e econômica capitalista, cuja totalidade está determinada pelo modo de produção
das mercadorias, isto é, pela contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas
tecnológicas e do trabalho e as relações sociais de produção. Por estar no campo das
relações sociais, as relações de trabalho são influenciadas por costumes, tradições,
ideologias, culturas e, em especial, pelos valores atnbuídos à categoria trabalho,
originários das sociedades que ingressam de forma particular no capitalismo universal.
As relações de trabalho, apreendidas desse modo mais complexo, distinguem-se da
noção de relações industriais, muito difundida nos Estados Unidos e na Inglaterra, cujo
significado abrange apenas o sistema de normas e regulamentação das relações de
trabalho dentro de uma visão estática e normativa que aspira à estabilidade e à ordem
social, omitindo assim a questão essencial da contradição e do conflito entre capital e
trabalho, que imprime a dinâmica de mudança das relações de trabalho ao longo do
tempo.
Ainda, do ponto de vista conceitual, observa-se que as relações de trabalhc não se
restríngem à noção de relações trabalhistas, dado o corte jurídico e normativo dessa
concepção, geralmente definida em texto de lei ou legislação trabalhista € social, assunto
da especialidade do advogado e do direito social e do trabalho. Tampouco à noção de
relações interpessoats no trabalho, que abrange dimensões individuais e
comportamentais, assuntos da especialidade da psicologia organizacional e
comportamental.
Três pressupostos são essenciais para a atualização do conceito de relações de trabalho
como relações entre forças sociais contraditórias:
as relações entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção continuam a
prevalecer mesmo com o >advento da informação, do conhecimento e da imaterialidade
nos processos organizacionais e empresariais;
> o trabalhador assalariado é livre para vender sua força de trabalho, realidade
contradítória incontestável porque, caso não consiga vender sua força de trabalho, deixa
de ser livre para viver;
>a produção de bens e serviços, apesar de coletiva e social, marcada pela
interdependência complexa e internacional dos setores de produção material e imaterial,
as chamadas cadeias produtivas, continua determinada em última instância, em
contrapartida, pela apropriação privada dos resultados e concentrada em pequenos
grupos proprietários e gestores.
Em uma única frase: nunca houve, como hoje, tanta concentração de riquezas e de renda
em parcelas minoritárias da sociedade, o que reforça o caráter contraditório dos sistemas
e das formas de trabalho do capitalismo contemporâneo.
Permanece a desigualdade na origem da relação social estabelecida entre agentes antes
do exercício do trabalho na organização e, com efeito, ainda predominam na organização
o domínio e a subordinação do trabalho com respeito ao capital. Convém observar, de um
lado, o surgimento de novas formas precárias de trabalho e, de outro, os deslocamentos
imigratórios em busca de trabalho, cuja mobilidade e liberdade no campo internacional,
tanto incentivada no passado, hoje tem sido coibida e reprimida em plena universalização
do regime de salariado.

116

A novidade principal reside nas relações de trabalho estabelecidas nos proces sos
organizacionais e de trabalho chamados imateriais, informacionais e subjetivos, nos quais
aparentemente ocorre uma individualização e autonomização do trabalho das pessoas.
Na verdade, verificam-se a interface e a dependência direta dessas
atividades com relação às cadeias produtivas complexas e baseadas na tecnologia micro-
eletrônica, de hardware e software.
Assim, as relações de trabalho, como arranjos formais e informais entre capia tal e
trabalho, têm uma dinâmica determinada pelos conflitos otiundos da estrutu) ração da
sociedade capitalista, cuja visualização e entendimento são dados através de um recorte
das dimensões micro, meso, macro e hipermacro sociais, que serão estudadas a seguir.
Introduzir a problemática da gestão estratégica das relações de
s trabalho e informar sobre as competências essenciais para lidar com esse campo tem
como requisito básico o conhecimento dessas dimensões, de acordo com a par
ticularidade das sociedades e economias nacionais, nas quais variam as dimensões que
são mais ou menos determinantes na configuração das relações de trabalho.
A dimensão microssocial abrange o local de trabalho, o processo de trabalho, a empresa
ou a organização, nos quais se estabelecem políticas de recursos humas nos e gerenciais
baseadas em filosofias e culturas organizacionais. Consideram-se também, nessa
dimensão, as novas relações de trabalho estabelecidas com as organizações formais,
desde a subcontratação, a terceirização, o trabalho parcial e temporário até o trabalho
informal.
A dimensão mesossocial abrange principalmente as agências de mediação dos
trabalhadores e dos empresários, tais como sindicatos, associações, federações, os
setores empresariais e as cadeias produtivas. É o espaço dos arranjos e sociais e
institucionais que ultrapassa os limites da empresa ou organização e exige da gestão uma
visão setorial e estratégica que articule tanto o ambiente e interno quanto o externo.
A dimensão macrossocial abrange os arranjos do Estado, as políticas públicas e sociais, a
legislação social e trabalhista, o Parlamento e as relações entre forças políticas, que
representam campos de força cujas decisões interferem na sociedade e na economia
como um todo, em particular no mercado de trabalho, na distribuição de renda, no custo
da força de trabalho, na regulamentação das condições a gerais do trabalho etc. Exige da
gestão uma visão macroestratégica capaz de abranger cenários sociais, políticos e
institucionais complexos.
Uma quarta dimensão poderia ser introduzida como hipermacrossocial global devido à
globalização das economias, à atuação das empresas transnacionais, aos arranjos dos
blocos internacionais, como União Européia, Mercosul, Alca, e ao papel cada vez mais
relevante das agências internacionais, como OIT, ONU, FMI e OMC. Cenário
particularmente interessante, nessa dimensão, ocorreu com a realização simultânea em
janeiro e fevereiro de 2001, respectivamente, do Fórum Social Mundial de Porto Alegre,
que reuniu organizações sociais, ONGs, sindicatos e movimentos alternativos, entre
outros, e do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reuniu as principais lideranças
econômicas do mundo, com alguma participação de organizações sociais. Outras
questões conflituosas das relações de trabalho têm mostrado sinais de que problemas
corporativos, setoriais e regionais estão

117

sendo encaminhados e decididos de forma global, ou seja, nas matrizes das empresas. O
caso da Multibrás, no primeiro semestre de 2001, e o caso da Volkswagen, no segundo
semestre do mesmo ano, ambos envolvendo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, são
exemplos relevantes.

3. As relações de trabalho na perspedíva da gestão e dos gestores

A gestão, em geral concebida de forma pragmática, significa a tomada de decisões sobre


os recursos para atingir objetivos e compreende as funções de planejamento,
organização, direção e controle. A palavra-chave na gestão das relações de trabalho é
controle. As tentativas, as formas e os processos de controle sobre a força de trabalho
caracterizam a gestão das relações de trabalho ao longo da História. Do passado aos dias
de hoje, apesar de ser visto como a característica básica das relações de trabalho, o
controle sobre a força de trabalho também pode ser considerado o problema principal
desse tipo de relação no sentido de garantir, por meios inter- pessoais, científicos,
burocráticos, comportamentais e tecnológicos, a transformação da força de trabalho
alienada (comprada) em produtiva para o capital.
A organização capitalista tem origem na passagem do artesanato à manufatura, no
contexto da transição do feudalismo ao capitalismo. Consolida-se com a fábrica moderna
ou a grande indústria, organizações típicas da fase concorrencial e competitiva do
capitalismo, cuja expansão desemboca na empresa moderna concentrada, unidade típica
da fase monopolista do capitalismo. A internacionalização crescente da empresa moderna
produtiva cria as condições para a emergência do fenômeno da globalização ou
mundialização, termos contemporâneos que indicam a mobilidade flexível do capital em
uma economia cada vez mais informacional, imaterial e de serviços.
O controle e a transferência do saber e do agir operário para a gerência foram a principal
tarefa da escola científica de gestão centrada na dimensão econômica e salarial. Para
administrar o processo organizacional e as relações de trabalho, após a separação do
planejamento e da execução do trabalho, o foco era a recompensa material e salarial
oferecida pela organização formal. O pressuposto da identidade de interesses entre
empresa e empregado reforçava esse ideal de eliminação do conflito.
Em seguida, a ênfase desloca-se para a dimensão social, na qual o trabalhador é
reconhecido como pessoa com necessidades sociais, como estabelecer relações
informais integradoras, sentir-se bem no grupo, envolvimento e reconhecimento social.
Assim, também pressupondo-se a identidade de interesses, a eliminação do conflito dar-
se-ia gradativamente pela expansão da produtividade e do bem-estar na empresa e na
sociedade.
As escolas de gestão (estruturalistas, comportamentalistas e sistêmicas) desde então
passam a responder com mais sofisticação aos problemas sociais do trabalho e, com
algumas diferenças entre si, entendem a natureza humana como adaptativa às
organizações e funções, admitem a existência do conflito entre capital e trabalho,
sugerem recompensas mistas (sociais e econômicas) para sua administração e propõem
uma organização cooperativa e sistêmica aberta ao ambiente. A abordagem sis-

118

têmica de gestão com a finalidade de buscar maior adaptação da empresa ao ambiente


entende que o subsistema social de valores, papéis e comportamentos deva estar
funcionalmente integrado com o subsistema técnico. O ideal da integração funcional
acaba por prevalecer sobre qualquer perspectiva relacional. É nesse contexto de
predominância da teoria dos sistemas aplicada a todas as esferas da sociedade que a
noção de sistema de relações de trabalho ganha também maior sentido.
Destacam-se ainda, no campo da gestão, dois tipos de abordagem: a sociotécnica e a
contingencial. A primeira introduz o problema de forma muito mais adequada: o sistema
social influenciado por normas, valores e aspirações tem eficiência real, enquanto o
sistema técnico tem apenas eficiência potencial — isso pressupõe que o grupo social
deve ser consultado e participar das escolhas para uma interação mais adequada entre
empresa e ambiente. A segunda abordagem introduz as contingências da tecnologia e do
ambiente nas escolhas organizacionais dos modelos de gestão das organizações e da
organização do trabalho e das relações de trabalho: o modo semi-artesanal, o modo
burocrático, tayloristalfordista, o modo baseado no enriquecimento de cargos e o modo
dos grupos semi-autônomos.
Daí por diante, os modelos de gestão da força de trabalho tendem à descentralização e
ao participacionismo com a formação dos grupos semi-autônomos, das células de
manufatura, do trabalho de equipe, dos círculos de controle de qualidade, o que em
síntese se entende como a passagem do paradigma fordista para o toyotista, até o limite
da produção enxuta determinada pela introdução intensiva das tecnologias
microeletrônicas.
A função de recursos humanos como subsistema da gestão evoluiu, e muito, dentro
desse processo de mudanças: desde a antiga função de pessoal, passando pela
formação do departamento de recursos humanos, até assumir posição sistêmica e
estratégica na empresa, habilitando-se de forma crescente a lidar com a gestão das
relações de trabalho.
No momento em que a função de RH assume o modelo sistêmico — como resultado da
integração funcional dos subsistemas de suprimento, aplicação, manutenção,
desenvolvimento e avaliação — está completo o ciclo de crescimento, independência e
autonomia relativa, e o RH já está habilitado a disputar um papel estratégico na gestão da
empresa moderna e a lidar mais diretamente com a gestão das relações de trabalho. A
abrangência dos assuntos internos de cada subsistema de‟ recursos humanos no fundo
pretende estabelecer controle total e sistêmico sobre a força de trabalho no nível da
empresa, o que também significa uma estrutura de alto custo. A gestão de pessoas como
desdobramento desse processo, nesse contexto, assume um compromisso maior com a
individualização da relação de trabalho e com a reestruturação da área.
Enfim, muitas empresas modernas vincularam a área de relações trabalhistas ou de
relações industriais à diretoria (ou vice-presidência) de recursos humanos. Não se trata,
aqui, de recolocar “os pingos nos is” na discussão (Fischer, 1985), mas há ainda hoje
certa confusão entre relações de trabalho e função de recursos humanos. Há uma
resistência enorme dos representantes de RH em compreender sob uma perspectiva
relacional a configuração de sua área de atuação, ou seja, como agente e resultado
complexo de relações sociais de trabalho.

119

Essa perspectiva relacional implicaria compromisso muito maior com a democratização da


empresa e com uma negociação mais ampla das atribuições da área de RH
comparativamente às praticas ainda em vigência. De todo modo, arrisca-se projetar uma
nova função para a gestão de pessoas: na imagem da figura de um pêndulo representado
pela função da gestão de pessoas, em que o pólo do trabalho está à esquerda e o pólo do
capital à direita, propõe-se alterar o movimento do pêndulo, quase sempre atraído pelo
pólo extremo do capital, para o sentido do pólo do trabalho. Isso implicaria repensar a
gestão do trabalho abstrato, a força de trabalho como mercadoria, a coisficação do
humano, para outra gestão, centrada nas pessoas propriamente ditas. Em outras
palavras, significa buscar o caminho da integralidade do ser humano, tendo-se em vista a
qualidade de vida e a realização do ser que trabalha. Essa utopia, entretanto, também
pressupõe outras transformações na organização econômica, social e política das
sociedades, ainda desconhecidas.

4. As relações de trabalho na perspectiva do trabalho e dos trabalhadores

Eis a outra parte do problema dos processos de controle das relações de trabalho:
as organizações e as ações coletivas dos trabalhadores, em particular o sindicalismo. No
tópico anterior, foram examinadas a forma de organização do capital inscrita nas escolas
e as abordagens da gestão. Além disso, foi apresentada uma pequena introdução a
respeito dos novos papéis da função de RH em face dos problemas existentes nas
relações de trabalho.
A questão ainda não discutida refere-se à causalidade e ao sentido das mudanças de
gestão. É evidente que a concorrência e a competitividade entre as empresas, a
necessidade de realização e de expansão do capital e dos negócios, o desejo de
aperfeiçoamento técnico e de desenvolvimento tecnológico, entre outros aspectos
objetivos, apresentam a necessidade de mudanças na gestão das organizações. No
entanto, o que se deseja enfatizar é o papel central da contradição entre trabalho e
capital, em especial no momento em que as ações e organizações coletivas dos
trabalhadores são desenvolvidas e pressionam por mudanças nos padrões das relações
de trabalho e de gestão.
Toda a estrutura montada para gerir as relações de trabalho na era contemporãnea do
capitalismo, isto é, durante o século XX, entendido por I-lobsbawm (1995) em um dos
seus últimos livros como a era dos extremos, está na proporção direta da atuação da mais
importante organização dos trabalhadores: o sindicato e suas diversas formas de
organização. Em contrapartida, a dessindicalização da força de trabalho está na razão
direta da desregulamentação, da flexibilização, da precarização do trabalho e das novas
configurações das relações de trabalho, na maioria das vezes inseguras e instáveis.
A questão central que se propõe, desde o nascimento e a consolidação dos sindicatos
como agentes de mediação e controle da força de trabalho, é seu significado para o
cotidiano do trabalho nas organizações. Isso quer dizer o que significam as relações de
trabalho sem e com a representação sindical.

120

O sindicato adquiriu poder semelhante ao da empresa ao longo do século XX.


Transformado em objeto de estudo da sociologia do trabalho, da economia do trae balho,
da teoria das organizações e da ciência política, representa também o prin cipa e mais
estável instrumento de ação, luta e organização dos trabalhadores.
O Muitas outras formas de organização surgiram nas lutas trabalhistas, tais como
comissões de fábrica, conselhos de empresa e representantes de fábrica, embora não
tenham sobrevivido com o mesmo vigor se comparadas aos sindicatos.
O sindicato é sobretudo um fenômeno do capitalismo e unia organização de defesa do
valor da força de trabalho no mercado capitalista. Nesse caminho, o sindicato se
desenvolveu nas dimensões da união, associação e solidariedade dos trabalhadores na
organização da luta econômica, salarial e social, nas dimensões políticas e ideológicas
desde o anarquismo, do reformismo social e cristão até o socialismo e o comunismo, das
dimensões da consciência de classe ou de agente de mediação para a luta política.
O sindicato é uma forma de associação e organização social duplamente determinada: de
um lado por aspectos externos, como os processos econômicos, industriais, tecnológicos,
de gestão, político-ideológicos, sociais e culturais, e de outro pela própria dinâmica interna
como organização socialmente delimitada com capacidade de desenvolver relações,
estratégias, orientações próprias e de mudar a sociedade.
As metamorfoses mais importantes dos sindicatos, da economia ao patamar da política,
foram a formação do sindicato corporativo e profissional e sua transformação em sindicato
de indústria, de massa e de todos os trabalhadores (qualificados e não-qualificados) e a
passagem do sindicalismo de confronto e de oposição para o sindicalismo de controle e
de participação.
Ocorrem, a partir de então, a institucionalização e a burocratização dos sindicatos com a
emergência da democracia industrial e com a introdução de mecanismos de participação
e co-gestão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, transformando-os em
verdadeiras máquinas de negociação social e política. O chamado pacto fordista,
keynesiano ou social-democrático foi fechado entre os sindicatos e os partidos políticos
que detinham praticamente o monopólio da representação da classe trabalhadora. Assim,
há a expansão dos sindicatos nos segmentos dos serviços e nas classes médias em um
cenário cada vez mais de serviços e menos industrial, isto é, em uma sociedade muito
mais organizada e preparada para lidar com os conflitos sociais, institucionalizando as
lutas de classes com a criação de canais de negociação e participação.
O resultado dessa perspectiva foi a predominância da lógica instrumental da economia
sobre a política, que contribuiu com a inclusão dos trabalhadores na democracia social
capitalista, mas não desenvolveu a perspectiva mais ampla de transformação e
emancipação presente nas origens do sindicalismo. Em certo sentido, as cúpulas e as
direções sindicais, nesse processo, acabam por se distanciar dos trabalhadores de base e
não têm interesse em desenvolver alternativas de organização. Engessados e
institucionalizados, os sindicatos não resistem á crise sistêmica iniciada na década de
1980.
A crise do sindicalismo é conseqüência das mudanças ocasionadas pela terceira
revolução industrial e pela reestruturação produtiva e tecnológica conduzida

121

pelo pólo do capital em detrimento do mundo do trabalho. Na sociedade contemporânea,


o efeito disso pode ser observado nos dados sobre a queda de sindicalização, a queda de
cobertura dos contratos coletivos sindicais, a crise política e ideológica com a derrocada
do socialismo real, o refluxo das greves e das mobilizações sindicais, a multiplicação de
novos movimentos sociais e de organizações sociais das chamadas minorias, o
pluralismo de idéias e a polêmica discussão da perda da centralidade da categoria do
trabalho na forma de pleno emprego ou de emprego de oito horas de jornada. Veja a esse
respeito as resenhas produzidas por este autor sobre os livros de Antunes (1995 e 2000).
Observando-se a evolução do sindicalismo, é facilmente perceptível o fato de que no pólo
do trabalho ocorre um problema semelhante em relação ao pólo de gestão, apesar das
contradições, em termos de concepção de mundo: nesse segmento, os sindicatos
também não foram capazes de avançar em uma concepção emancipadora do trabalho, o
que significaria considerar a dimensão social determinante sobre a econômica, a idéia de
humanizar cada vez mais as relações de trabalho no sentido
II de superar uma visão instrumental, coisifi cada, alienada e estranhada do trabalho.
Hoje os desafios para a recuperação dos sindicatos colocam-se nos seguintes termos:
serão capazes de romper barreiras entre os trabalhadores “estáveis” e os precarizados,
desempregados, terceirizados? De transformar o sindicalismo de participação e
envolvimento? De superar o corporativismo de categorias? De estruturar um sindicalismo
horizontal e romper com a burocratização e de recuperar um projeto de emancipação?

5. Sistemas de relações de trabalho

Já discutidas as questões da gestão e do trabalho, argumentar-se-á sobre os sistemas de


relações de trabalho. Ainda que a idéia de sistema não seja a preferida para discussão, é
impossível fugir ao desafio. Antes, porém, fazem-se necessárias algumas considerações.
Foi Hyman (1981) que realizou importante discussão teórica e conceitual sobre as
abordagens conservadoras das relações industriais que se utilizam da noção de sistema.
Essas abordagens tiveram o mérito de elaborar uma teoria sobre as relações industriais.
Utilizaram a noção de sistema de relações que priorizava a verificação da
institucionalização das normas e das regras, preocupadas que estavam com a
manutenção da ordem geral da sociedade em detrimento da existência de interesses
particulares que concorriam e disputavam na prática os espaços do trabalho.
A contraposição a essa tendência conservadora seria encarar a noção de sistema
incorporando-se a existência de forças e processos contraditórios que ocasionam tanto
estabilidade temporária quanto instabilidades como conseqüência dos conflitos laborais,
além de entender a regulamentação do trabalho.
A crítica de Hyman à noção de sistema de relações industriais ou de trabalho considera
que tal concepção perde de vista as estruturas de poder e de interesses, bem como a
dinâmica social, econômica e política da sociedade. Por outro lado, acaba

122
por se converter em coisificação do social ao ignorar as práticas humanas definidoras das
relações sociais de trabalho no cotidiano. Esse também é um problema da perspectiva da
gestão estratégica das relações de trabalho quando pnoriza o controle e o interesse
instrumental pelos resultados econômicos em detrimento das necesis sidades e
aspirações sociais do trabalho.
Feitas as ressalvas, neste ponto é importante discutir o significado de sistema de relações
de trabalho na teoria e na prática, o que implica examinar como são estabelecidas as
regras, as normas e as instituições das relações entre trabalho e capital. Qual o papel dos
antagonistas sociais diretos e do Estado na configuração do sistema? De que maneira as
dimensões definidoras das relações de trabalho participam da configuração de um
sistema? Quais instituições permanecem e quais são obsoletas? Por que, para quem, em
que momento, em que contexto? Pode-se falar hoje em dia em sistema de relações de
trabalho?
A dinâmica dos sistemas de relações de trabalho é em geral definida por questões como
negociação, acordo, contrato, reivindicação de salário, condição de trabalho, jornada de
trabalho, benefício, introdução de novas tecnologias, políticas de qualificação e de
demissão, garantia de representação e participação sindical, entre outras. Cada país,
entretanto, estabelece seu sistema de regras de acordo com suas realidades e com as
práticas e o jogo de forças entre os agentes privados e públicos.
Um ponto de partida dessa análise reside na formação de uma visão geral dos países
capitalistas avançados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália e Grã-
Bretanha, entre outros. Apesar da característica semelhante entre esses países na
adoção de um sistema de relações de trabalho baseado na livre negociação e na
contratação do trabalho sem a intervenção direta nem a tutela do Estado, na realidade
ocorrem diferenças paradigmáticas entre eles.
Pelo menos três padrões diferenciados podem ser visualizados: primeiro, o sistema de
relações de trabalho no qual predomina a dimensão microssocial, que se refere à relação
direta entre trabalho e capital no âmbito da empresa, com a presença ou não do sindicato.
É o caso de Estados Unidos, Japão e Inglaterra. O caso americano e o inglês
apresentaram uma dessindicahzação crescente das relações de trabalho nas últimas
décadas e o caso japonês é o paradigma do sindicalismo de empresa. Segundo, o
sistema de arranjos sociais amplos, no qual a dimensão mesossocial das agências de
mediação — arranjos sindicais setoriais e nacionais — é predominante. É o caso de
Suécia, Itália e Espanha. E terceiro, os sistemas de relações mais burocratizados,
institucionalizados e politizados nos quais predominam a dimensão macrossocial, política
e ideológica. É o caso da França e da Alemanha. O sistema alemão de co-gestão e
previdência e o caso da política de redução da jornada de trabalho para 35 horas na
França na forma de lei podem servir de exemplo.
A negociação e a contratação coletivas podem ser consideradas as características mais
gerais dos sistemas de relações de trabalho. Em um sistema negocial, mais
descentralizado, as partes sociais em disputa, ou seja, os antagonistas sociais — trabalho
e capital — estabelecem com maior autonomia e independência as regras do sistema,
criando uma herança, uma cultura, uma tradição e um acúmulo de experiências e ajustes
dos conflitos e das contradições no âmbito da empresa ou estabelecimento.

123
Diferentes são as negociações e contratações coletivas setoriais e nacionais, que
abrangem as relações entre sindicatos de trabalhadores e o setor empresarial por inteuo,
representado por associações ou sindicatos patronais, que estabelecem regras e
regulamentações válidas por certo período. E ainda negociações de caráter político, que
envolvem o estabelecimento de regras abrangentes e válidas para um país inteiro e
geralmente abarcam sindicatos nacionais, centrais sindicais e partidos políticos que, por
pressão, conseguem criar ou alterar leis ou instituições.
No contexto atual, independentemente do sistema adotado, as tendências de mudanças
ocasionadas pela era da acumulação flexível (Harvey, 1992), baseadas na divisão do
mundo do trabalho — entre o trabalho regular e o irregular, o trabalho formal e o informal,
o sindicalizado e o não-sindicalizado, o trabalho estável e o temporário, o contratado e o
subcontratado, o trabalho de tempo integral e o de tempo parcial —, impõem novos
desafios para as relações de trabalho. Tanto as instituições trabalhistas estatizadas ou
institucionalizadas quanto os arranjos negociados diretamente estão ameaçados. A
impressão que se tem é de uma força estrutural que pressiona para a desregulamentação
geral das relações de trabalho.
Uma hipótese a ser discutida, em parte já realidade, é a inadequação da noção de
sistema de relações de trabalho vis-à-vis a diversidade, a heterogeneidade e a
complexidade das relações de trabalho. Talvez o mais adequado fosse definir “mundos
diversos do trabalho” como as relações específicas de trabalho fragmentadas do ponto de
vista estrutural. Qualquer perspectiva unitária ou de reunificação desse conjunto diverso e
heterogêneo, no sentido da formação de uma consciência de classe trabalhadora, estaria
sobretudo determinada pelo campo da política ampla e pública.

6. Sobre o sistema brasileiro de relações de trabalho

A especificidade do sistema brasileiro de relações de trabalho está na persistência do


regime tutelar baseado no controle e na intervenção do Estado sobre as relações entre
trabalho e capital. O sentido essencial da criação do sistema e da legislação trabalhista
era garantir, por meio do controle e da regulamentação das relações de trabalho, a
acumulação e a modernização capitalista em sua fase de industrialização.
Desde os anos 1930, as iniciativas do governo Vargas com a criação do Ministério do
Trabalho e em seguida no campo da legislação trabalhista tinham nítida vocação
corporativista, cuja característica essencial era o controle sobre a ação dos trabalhadores
e suas organizações. No auge do Estado Novo, em 1943, foi criada a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), que define as características básicas do sistema legal e oficial de
relações de trabalho.
As peças básicas que compõem a CLT são: Normas Gerais e Especiais de Tutela do
Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Organização Sindical, Convenções Coletivas
de Trabalho, Processos de Multas, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e
Processo Judiciário do Trabalho.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, muitas outras iniciativas na forma de decretos e
medidas legais foram responsáveis pela revisão e adequação da legisla-

124

ção ao contexto socioeconômico e político mais geral. E, particularmente nos anos 1960,
a criação do Sistema Único de Previdência Pública e do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço completou a organização do sistema. Portanto, criou-se um sistema único federal,
centralizado e formal em um meio heterogêneo.
O fato é que a CLT representava ao mesmo tempo atraso e modernização de acordo com
a diversidade de situações de trabalho no Brasil. Um sistema ambíguo que reconhecia e
regulamentava os direitos sociais do trabalho, mas inibia as lutas trabalhistas e sindicais
por melhores condições salariais e de trabalho. Por outro lado, protegia os empregadores
do conflito, mas gerava a falta de cumprimento da legislação por parte deles (os motivos
iam desde o alto custo da contratação do trabalho até uma cultura de desprezo e
desrespeito pelo trabalho alheio, cujas raízes são históricas), o que acionava
permanentemente a função fiscalizadora e judiciária do aparato estatal do trabalho.
É possível verificar o funcionamento do sistema oficial de relações de trabalho baseado
na CLT desde o início até o fim de um contrato formal e individual de trabalho. A
legislação social — Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, férias,
décimo terceiro salário, cobertura por acidentes e doenças etc. — estabelece uma relação
de dependência com o vínculo empregatício. O controle e a proteção do trabalhador
individual estendem-se á esfera coletiva de uma categoria ou setor econômico, cuja
atualização das condições de trabalho depende dos arranjos negociais, por meio de
acordos e convenções coletivas de trabalho, cujo processo, definido em lei, nunca poderia
subtrair direitos já definidos na lei maior. O problema social maior ocorre, como se sabe,
quando cessa o contrato de trabalho, pois todo o edifício de proteção social tende a
desmoronar, provocando a chamada precanzação e degradação do trabalho e produzindo
a informalidade e a economia subterrânea.
Enfim, o sistema oficial de relações de trabalho no Brasil tem uma imagem de rigidez
devido a esse caráter corporativista, fiscalizador e de estrutura complexa de controle e
organização, dependente do Estado, sem liberdade plena para os sindicatos, sem a livre
contratação e negociação entre as partes, bastante diferente dos sistemas utilizados nos
países capitalistas avançados, como foi estudado anteriormente. De outro lado, revela-se
o caráter de proteção social importante no mundo de hoje.
Do ponto de vista histórico, o efeito desse processo foram a inibição do nível microssocial
— empresarial e organizacional — para desenvolver e criar formas de gestão das
relações de trabalho de acordo com a emergência dos conflitos nas organizações, a
definição de um sistema de relações burocratizado e controlado entre os sindicatos e os
setores empresariais e a predominância da dimensão macroinstitucional determinada pelo
controle do Estado sobre as partes, o que levou a uma acomodação generalizada em
relação ao sistema (sua longevidade é uma das provas desse argumento).
As mudanças nesse cenário iniciam-se com a transição da ditadura para a democracia e
as relações dialéticas do processo com as relações de trabalho. Emergem um novo
sindicalismo e um padrão mais descentralizado de relações de trabalho, principalmente
nos pólos avançados e dinâmicos do capitalismo brasileiro. A Constituição de 1988
representou uma inflexão nesse processo na medida em

125

que estabeleceu alguns princípios democráticos no interior do sistema. No entanto,


garantiu a permanência de institutos do passado, mantendo em grande parte a tutela e o
controle sobre as relações de trabalho dada pela permanência do papel antigo da Justiça
do Trabalho, da estrutura sindical corporativista baseada no monopólio e na unicidade da
representação entre outras instituições tutelares. O resultado foi a configuração de um
sistema híbrido de relações de trabalho, que permanece até os dias de hoje,
acrescentado de medidas flexibilizadoras e desregulamentadoras estabelecidas na
década de 1990.
A seguir, descrevem-se as principais fases do sistema brasileiro de relações de trabalho,
relacionadas com a estrutura e a ação dos sindicatos:

Antes de 1930:

> Autonomia sindical e ausência de liberdade sindical.

>A qustão operária e trabalhista era caso de polícia.

1930-45:

>Montagem gradual da legislação trabalhista e sindical corporativista.

>Institucionalização da estrutura sindical oficial.

>Controle dos sindicatos pelo Estado.

>Criação da CLT, em 1943

1946-63:

>Período de redemocratização e persistência do corporativismo trabalhista.

>Dinamização, mobilização e participação crescente dos sindicatos oficiais na vida


política nacional.

>Politização do sindicalismo.

1964-77:

>Golpe militar e repressão aos sindicatos.

>Exclusão política dos trabalhadores.

>Fim da estabilidade e criação do FGTS.

1978-87:

>Renascimento do movimento sindical e surgimento do novo sindicalismo.

>Explosão das greves.

>Criação das centrais sindicais.

>Implementação da negociação coletiva direta.

>Presença das comissões de fábrica.


>Sistema híbrido de relações de trabalho.

1988-94:

>Nova Constituição e liberaçização restritas dos sindicatos.

>Livre associação sindical no setor público.

>Fim da intervenção no Ministério do Trabalho nos sindicatos.

>manutenção do corporativismo.

>Unicidade sindical.

>Monopólio de representação.

>Justiça do trabalho.

>Introdução da flexibilização nas relações de trabalho.

1995-2000:

> Avanço da flexibilação das relações de trabalho.

>Explosão do trabalho informal e da precarização do trabalho.

>Terceirização do trabalho.

>Aumento do trabalho temporário e autônomo.

> Crise do sindicalismo.

Para compreender as mudanças no sistema brasileiro de relações de trabalho, é


necessário que fatores importantes sejam observados:
>fatores econômicos, relacionados com a transição da inflação para a estabilização da
moeda, com a abertura de mercado e a globalização;
>fatores tecnológicos e padrões de gestão, relacionados às mudanças tecnológicas da
automação e criação de sistemas flexíveis de acumulação, à introdução parcial da gestão
participativa baseada nos CCQs — células e trabalho em grupo —, como alternativas da
gestão baseada na rotinização e na variante brasileira do taylorismo e do fordismo;

126

>fatores políticos relacionados à democratização e à Constituição de 1988 e à derrocada


do socialismo real, com a queda do Muro de Berlim no plano internacional;
> aspectos propriamente sindicais, tais como a organização do novo sindicalismo, a
consolidação das centrais sindicais como interlocutoras dos trabalhadores e a divisão do
sindicalismo em várias vertentes.
Desde a introdução do Plano Real (após 1994), novas questões que antes não figuravam
no cenário entram em pauta no cotidiano das organizações, muitas vezes sem o concurso
das negociações efetivas, o que, além da novidade, demonstra o predomínio dos
interesses do capital sobre o trabalho. Essas questões referem-se à competitividade
global, à qualidade dos processos, à produtividade e à reestruturação produtiva, bem
como à flexibilização das relações de trabalho com a adoção da jornada flexível, o banco
de horas com redução e aumento da jornada de trabalho, a participação nos lucros, os
programas de demissão voluntária, a terceirização e a subcontratação.
Evidentemente existem setores nos quais essas inovações passam por processos de
negociação coletiva e pelo poder de barganha das partes em questão, como no caso
paradigmático do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Expenéncias como as das câmaras
setoriais, das comissões de fábrica, das negociações de processos de reestruturação
produtiva, das câmaras privadas de entendimento e, atualmente, das câmaras voluntárias
de conciliação amenizaram ou mesmo amorteceram crises maiores nas relações entre
trabalho e capital no caso brasileiro.
O papel do governo também se altera substantivamente porque, apesar das oscilações, a
orientação geral do Ministério do Trabalho é favorável às reformas no sentido da
desregulamentaçâo e da flexibilização das relações de trabalho, cujos marcos seriam: a
reforma sindical (fim do imposto sindical obrigatório, fim da uni- cidade e instalação do
pluralismo sindical), a valorização dos mecanismos de mediação nas questões
trabalhistas, a diminuição dos recursos à Justiça do Trabalho e a substituição de mesas-
redondas das DRTs por câmaras privadas e públicas de conciliação, a redução do custo
da contratação do trabalho etc.
No plano judiciário, não são ínfimas as decisões contrárias aos interesses dos
trabalhadores quando o Tribunal Superior do Trabalho impede decisões de aumentos
salariais dos Tribunais Regionais do Trabalho ou intervém em greves e conflitos
atribuindo multas exorbitantes aos sindicatos, por exemplo.
O sentido mais geral das mudanças do sistema brasileiro de relações de trabalho no atual
contexto político, social e econômico aponta para um conteúdo nitidamente liberalizante
até o ponto no qual o negociado pode prevalecer sobre o legislado. Uma série de medidas
tomadas durante os últimos governos desde 1994
— entre as quais participação nos lucros e resultados, desindexaçâo salarial, rejeição da
Convenção 158 da OIT, que limita a demissão de trabalhadores, cooperativas
profissionais, contratação por tempo determinado, trabalho em tempo parcial, banco de
horas, suspensão temporária do trabalho, garantia de emprego com redução do FGTS,
reformulação da organização sindical e reformulação da Justiça do Trabalho com a
introdução de mecanismos de mediação e conciliação de conflitos

127

individuais — flexibilizou a própria CLT, representando uma forte desregulamentação com


efeitos nefastos de precarização das condições de trabalho e de emprego. Dessa forma,
as relações entre capital e trabalho estão longe de atingir o equilíbrio e tendem a
reproduzir com maior gravidade a desigualdade e a injustiça sociais no mundo do
trabalho.
É nesse aspecto que se desenvolve, no âmbito do fim do segundo governo de Fernando
Henrique Cardoso, a luta entre trabalho e capital mediada pelo Estado, na figura do
Ministério do Trabalho, cuja proposta visa flexibilizar a CLT no sentido de que o negociado
prevaleça sobre o legislado.
Enfim, há uma pressão significativa para imprimir mudanças no sistema de relações de
trabalho — em grande parte desfavorável ao pólo do trabalho. O momento não favorece
os sindicatos, que vivem uma crise estrutural que abrange aspectos financeiros, poder de
atração para a sindicalização, diminuição das bases trabalhadoras devido às
reestruturações organizacionais e aos deslocamentos do capital e uma crise de natureza
subjetiva que envolve a política, a ideologia e a cultura na relação entre tendências
sindicais e entre dirigentes e bases.
Para a formulação de um sistema de relações de trabalho mais democrático no Brasil
será preciso reorganizar e revitalizar as forças do mundo do trabalho, e os sindicatos
terão importante papel a desempenhar no sentido de ampliar seu poder de representação
e negociação, horizontalizar sua estrutura, diminuir a enorme pulverização e
fragmentação atual, unificando dentro das possibilidades as lutas trabalhistas, globalizar e
mundializar suas atividades.

7. Mudanças nos paradigmas da gestão e do trabalho

Os novos tempos devem ser os espectadores do aprofundamento das alterações nos


processos de produção e circulação de mercadorias, produtos e serviços, com a
aplicação intensiva da ciência e da tecnologia, orientada pela acumulação de capital cada
vez mais flexível e mundializada. Assim, os padrões de gestão das empresas devem
buscar maior flexibilidade, competitividade, inovação, conhecimento e redução de custos
para desenvolver os negócios. Contudo, tanto as empresas quanto outras organizações
sociais encontrarão dificuldades de desenvolvimento devido a problemas sociopolíticos
que poderão criar limites enormes no que se refere à dimensão da demanda.
Curiosamente, no interior dessa “nova” ordem nunca se falou tanto em pessoas, gestão
de pessoas, competências e talentos pessoais e organizacionais, aprendizagem, ética e
responsabilidade social. Tudo indica que, no âmbito do novo paradigma de gestão das
organizações, ocorre um conjunto de ações inovadoras e destrutivas de processos,
modos e estruturas de trabalho anteriores, articuladas com um complexo de justificativas
morais e sociais para firmar no nível subjetivo, ou mesmo superestrutural e ideológico, a
dominância do tal paradigma.
Nessa “nova” ordem, muitos são os efeitos e os desafios para os trabalhadores
e para as relações de trabalho em qualquer canto do mundo. A objetividade e a
subjetividade do trabalho foram afetadas profundamente. Assim, alteraram-se tanto as

128

práticas de trabalho, redefinindo-se as condições, o ambiente, o mercado, o perfil das


ocupações, o emprego e a renda, quanto as identidades políticas e ideológicas do
trabalho, as imagens e o próprio sentido do trabalho e as relações entre capital e trabalho
em cada organização, nas cadeias produtivas e na sociedade.
A nova realidade, sintetizada na figura do trabalhador hifenizado (trabalho-parcial,
trabalho-temporário, trabalho-casual, trabalho-por-conta-própria, trabalho- em-casa etc.),
vem acompanhada, em geral, da precarização e degradação das condições de trabalho e
renda. A expansão da força de trabalho ferfiinina está relacionada com tal figura e tem
sido alvo de maior exploração e desvalorização nos setores industriais e de serviços.
Acentuam-se as dificuldades de ingresso dos mais jovens e de permanência dos mais
velhos nos mercados de trabalho. Quadros técnicos, gerentes e executivos de empresas,
como os demais assalariados, em suas diferenças, vivem situações de instabilidade
semelhantes. No setor público, a privatização, o controle dos gastos públicos e o arrocho
salarial têm provocado constantes ameaças às condições de vida e trabalho do
funcionalismo, apesar dos mecanismos legais e corporativos de proteção. Enfim, a
heterogeneidade, a fragmentação e a complexidade do mundo do trabalho combinam-se
com o aumento da insegurança, da instabilidade e do estresse nesse campo.
As organizações sindicais e os partidos políticos, outrora atuantes na defesa econômica e
política dos trabalhadores, não estão conseguindo manter o poder de intervenção
conquistado, o que aumenta cada vez mais os flancos do trabalho.
As empresas privadas, agentes e pacientes do acirramento da competição, promovem
com maior velocidade a destruição criativa de processos, estruturas, tecnologias
organizacionais e postos de trabalho. Os efeitos práticos disso são mudanças velozes nas
cadeias produtivas e de serviços com a emergência de novos setores e a obsolescência
dos antigos. Alguns exemplos podem ser mencionados para ilustrar esse processo:
>a Amazon, maior empresa do mundo de comércio virtual, adquiriu uma carteira de
clientes de 10,7 milhões em quatro anos de vida, enquanto as tradicionais redes
brasileiras de lojas Mappin e Mesbla quase se extinguiram não fossem os arranjos de
aquisição por um grande grupo varejista;
>a Brastemp, do grupo Multibrás, fechou as portas de suas fábricas no ABC, liquidando
mais de mil postos de trabalho, e se instalou em Joinville.
Os governos dos estados, envergonhados e oscilantes na desmontagem do bem-estar
social, sentem-se pressionados pelos mercados competitivos e, contraditoriamente,
atuam na manutenção e na desestruturação da ordem social e institucional construída no
passado recente.
O terceiro setor, composto de organizações não-lucrativas e não-governamentais, apesar
do crescimento e da relevância na promoção de ações sociais, comunitárias e coletivas
diversas (ver a título de exemplo estudo de Rifkin, de 1995, sobre o fim do emprego e a
instigante discussão sobre o terceiro setor como a aurora pósmercado e suas
possibilidades de elaboração de um novo contrato social), apresen-

129

ta limites organizacionais, estruturais e financeiros e procura compensar


fragmentariamente, com base na iniciativa privada e social, as lacunas deixadas pelo
mercado e pelo Estado nas esferas culturais, sociais e ambientais, essenciais à qualidade
de vida das pessoas.
Os novos paradigmas do sistema capitalista comprimiram tempo e espaço dentro da
lógica maníaca de busca de resultados e desempenho. Em outros termos, aprofundou-se
a contradição entre a racionalidade, baseada no avanço do conhecimento, da ciéncia e da
tecnologia, e a irracionalidade, baseada na perda de controle pessoal dos processos,
ocasionando o aumento do risco e da insegurança sociais. Nesse contexto, toma-se difícil
imaginar a manutenção de sistemas de relações de trabalho, o que paradoxalmente
ameaça a ordem geral da sociedade, outrora fundada no trabalho, pois não se sabe se
está preparada para uma desestruturação dessa magnitude.
Observe-se passagem lapidar de Sennett (1999), que aborda a preocupação com a
corrosão geral do caráter e dos impactos da flexibilidade na vida social contemporânea:
A cultura da nova ordem perturba profundamente a auto-organização. Pode separar a
experiência flexível da ética pessoal estática […], pode separar o trabalho fácil, superficial,
da compreensão e do empenho […], pode tornar o constante correr riscos um exercício
de depressão. […] A mudança irreversível e múltipla, a atividade fragmentada podem ser
confortáveis para os senhores do novo regime, […] mas podem desorientar os servos do
regime. E o novo ethos cooperativo do trabalho em equipe instala como senhores os
“facilitadores” e “administradores de processo”, que fogem ao verdadeiro compromisso
com seus servos. Quer dizer que o antes era melhor?
Nenhum de nós poderia desejar o retomo da segurança — […] era claustrofóbica […] —,
seus termos de auto-organização eram rígidos. Numa visão de longo prazo, embora a
conquista de segurança pessoal servisse a uma profunda necessidade prática e
psicológica no capitalismo moderno, essa conquista custava um alto preço. Uma
debilitante política de antigüidade e direitos por tempo de serviço governava os
trabalhadores sindicalizados […]; continuar esse estado mental hoje seria uma receita de
autodestruição nos atuais mercados e redes flexíveis. O problema que enfrentamos é
como organizar as histórias de nossas vidas agora, num capitalismo que nos deixa à
deriva.

8. Considerações finais

Este capítulo termina com uma indagação: é possível a gestão estratégica das relações
de trabalho?
Diante do que já foi estudado, a resposta parece evidente: é possível gerir as relações de
trabalho quando se articulam diversas dimensões complexas, e isso requer visão
estratégica, do micro ao contexto macroglobal, para compreender os arranjos
institucionais e informais de regulação que interferem nas relações sociais e entre classes
sociais, grupos e indivíduos em situação de trabalho.
Na medida em que o planejamento foi separado da execução do trabalho, a gestão das
relações de trabalho se impõe e permeia todo o processo sistêmico de trabalho desde o
ingresso no mercado de trabalho, o recrutamento e a seleção em uma

130

organização e o processamento nas organizações até a dispensa do trabalhador da


organização através de desligamento ou demissão. Aqui cessa a responsabilidade da
gestão da organização, apesar de que o retomo ao mercado de trabalho no caso do
trabalhador ativo é inevitável, como desempregado, trabalhador informal, precário e
temporário, ou a situação define-se pela inatividade, como o aposentado. O problema
central é o estabelecimento dos parâmetros de avaliação da qualidade desses processos
comparativamente às diversas realidades nacionais e suas relações no campo
internacional. Aqui se poderia indagar sobre a tendência para uni sistema global de
relações de trabalho baseado em princípios ou parâmetros universais de justiça, direitos e
liberdade. Entretanto, torna-se difícil pensar nesses termos à medida que o capitalismo se
movimenta em busca de vantagens comparativas e competitivas.
Por outro lado, do ponto de vista qualitativo e da efetividade, a questão é complexa. A
gestão das relações de trabalho no contexto capitalista não deve recorrer à idéia da
eliminação do conflito, determinado que está pela dialética e contradição entre capital e
trabalho. O máximo atingível é a cooperação instável por algum tempo, dependendo das
habilidades e competências dos agentes envolvidos nas dimensões micro, meso e
macrossocial e, cada vez mais, global.
Outro caminho mais radical e — por que não dizer? — utópico seria responder à
indagação de forma negativa. No contexto capitalista, não há possibilidade de gestão
positiva das relações de trabalho porque, sem a transformação radical do sistema, a
gestão confunde-se com a dominação do capital sobre o trabalho. Nesse sentido, uma
concepção avançada de gestão de pessoas pressuporia o pós-capitalismo? É possível
um sistema de trabalho no qual existam a superação das pessoas como recursos e ainda
relações sociais de produção em relações de trabalho não alienadas e não estranhadas?
Em que consistiria um novo processo de gestão de pessoas diverso da tergiversação
sobre a velha administração de recursos humanos? A gestão de RH em nada escondia a
finalidade de tornar o ser humano um recurso como unidade de medida e a força de
trabalho uma mercadoria. Agora a gestão sem o componente do controle, voltada para a
melhoria da qualidade de vida das pessoas e em busca do sentido substantivo do
trabalho cotidiano, seria bem diferente.

Recomendação final: para uma fertilíssima discussão do assunto relações de trabalho


na economia de serviços no paradigma americano, recomenda-se o filme Bread and
roses (Pão e rosas), dirigido por Ken Loach. Alguém disse que no século XX a
degradação do trabalho iria se estabelecer. Essa é uma verdade maior para os imigrantes
da nova economia americana (o que hoje tem o pomposo nome de diversidade social,
étnica e racial), em particular para a força de trabalho feminina. Nele se vê também o
papel do sindicato e da militância sindical, trazendo a velha questão da consciência de
classe em si, categoria hoje tão desprezada, e da qualidade de vida dentro e fora do
trabalho, isto é, dentro de um edifício de escritórios em Los Angeles e fora, na
comunidade imigrante dos hispânicos. Apesar do drama e da tragédia de alguns
personagens, o filme tem final feliz, do jeito americano, com a comemoração da conquista
da abertura de negociações entre a empresa contratante dos serviços temporários, os
trabalhadores do sindicato e os faxineiros desempregados do edifício. Bom filme! E é
sempre importante elaborar um relatório com suas impressões.

131

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AUTOR

ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de


São Paulo (FEA- USP)
desde 1991 e da PUC-SP desde 1982. Doutor em Ciências Sociais (1996) e mestre em
Ciência Política (1990) pelo IFCH-Unicamp. Coordenador técnico do curso de
especialização em Economia e Gestão das Relações da Cogeae-PUC-SP (1999-2000).
Professor do Programa de Educação Continuada para Executivos (MBA-RH) da FIA-FEA-
USP desde 1997 e coordenador do módulo Relações de Trabalho e Sindicalismo.
Membro do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (Progep), da FIA-FEA-USP .Foi
consultor da área de educação profissional da Fundação Bradesco (2000). Autor de livros,
capítulos, vários artigos e resenhas na área de sociologia do trabalho.
132

Aprendizagem e gestão do conhecimento

MARIA TEREZA LEME FLEURY

MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR

1. Introdução

Organizações que enfrentam condições de incerteza, ambientes em mudança e intensa


competição devem ser capazes de aprender e, ao fazê-lo, desenvolver novos
conhecimentos. Já se tomou lugar-comum afirmar que o recurso mais valioso das
organizações em um cenário de mudanças e crescente complexidade são as pessoas.
Temas como capital humano, capital intelectual, inteligência competitiva e gestão do
conhecimento vêm se tomando palavras de ordem nas organizações, com diferentes
significados e implicações. Todo processo de aprendizagem e criação de novo
conhecimento começa no nível individual, isto é, nas pessoas. São as pessoas o ponto de
partida e de sus- tentação para a ação estratégica da organização em seu dia-a-dia.
Esses temas tomam-se cada vez mais importantes em razão do ambiente competitivo em
que se inserem as organizações. Do ponto de vista da competitividade das empresas, a
perspectiva dominante — a análise da indústria, que tem em Porter (1986) seu principal
representante — vem sendo confrontada com a chamada visão da empresa baseada em
recursos (Wernerfelt, 1984; Barney, 1991, entre outros), que afirma que os recursos e as
competências da empresa são os principais determinantes de sua vantagem competitiva.

133

Tal visão tem duas implicações relevantes para os estudos de aprendizagem e gestão do
conhecimento. Primeira, o reconhecimento de que recursos implicam ativos tangíveis e
intangíveis. Conjuntos de habilidades e conhecimento, desenvolvidos através de
processos de aprendizagem, são ativos que desempenham um papel estratégico na
“economia do conhecimento”. Segunda, à medida que os recursos específicos da
empresa recebem maior atenção, questões relacionadas a como eles podem ser
desenvolvidos tornam-se cada vez mais relevantes e decorrem de processos de
aprendizagem (Moingeon e Edmondson, 1996). O conhecimento desempenha um papel
central e estratégico nos processos econômicos, e os investimentos nos ativos intangíveis
crescem mais rápido do que os investimentos nos ativos físicos ou tangíveis. Países,
empresas, pessoas com mais conhecimento são mais bem-sucedidos, produtivos e
reconhecidos.
O objetivo deste capítulo é propor o debate dos conceitos de aprendizagem e gestão do
conhecimento, no intuito de clarificar idéias e encaminhar discussões práticas, através do
processo de aprendizagem e gestão do conhecimento que as organizações podem
desenvolver as competências necessárias para a realização de sua estratégia competitiva
(Fleury e Fleury 2000).
2. Recuperação do conceito de aprendizagem

A aprendizagem pode ser entendida como um processo de mudança provocado por


estímulos diversos e mediado por emoções que podem ou não produzir mudança no
comportamento da pessoa.
Para muitos especialistas, existe uma distinção entre o processo de aprendizagem, que
ocorre dentro do organismo de quem aprende, e as respostas emitidas pelo indivíduo, as
quais podem ser observáveis e mensuráveis. Dentro dessa concepção, há duas vertentes
teóricas em que, basicamente, os modelos de aprendizagem se sustentam:
>Modelo behaviorista: tem como principal foco o comportamento, que pode ser
observado e mensurado. Nesse caso, planejar o processo de aprendizagem implica
concebê-lo como passível de observação, mensuração e réplica científica.
>Modelo cognitivo: enfoca tanto aspectos objetivos e comportamentais quanto aspectos
subjetivos. Leva em consideração as crenças e as percepções dos indivíduos, que
influenciam seu próprio processo de apreensão da realidade.
As discussões sobre aprendizagem em organizações enraízam-se mais fortemente na
perspectiva cognitivista, enfatizando, porém, as mudanças comportamentais observáveis.

3. Aprendizagem organizacional

Em uma organização, o processo de aprendizagem pode ocorrer em três níveis:


> Nível do indivíduo: é o primeiro nível do processo de aprendizagem. Está carregado
de emoções positivas ou negativas, por meio de caminhos diversos.
> Nível do grupo: a aprendizagem pode vir a constituir um processo social partilhado
pelas pessoas do grupo.

134

>Nível da organização: o processo de aprendizagem individual, de compreensão e


interpretação partilhados pelo grupo, torna-se institucionalizado e se expressa em
diversos artefatos organizacionais, como estrutura, regras, procedimentos e elementos
simbólicos. As organizações desenvolvem memórias que retêm e recuperam informações.
Peter Senge (1990), em seus textos sobre aprendizagem organizacional, comenta que o
ser humano vem ao mundo motivado a aprender, explorar e experimentar. Infelizmente, a
maioria das instituições sociais é orientada mais para controlar o indivíduo do que para
propiciar-lhe condições de aprendizagem; recompensa o desempenho das pessoas pela
obediência a padrões estabelecidos, e não por seu desejo de aprender.
Senge foca inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarificação
de objetivos e projetos sociais. Em seguida, esse foco se desloca para o grupo e,
finalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. Senge procurou construir
guias de ação que visam ao desenvolvimento da aprendizagem organizacional por meio
do conhecimento e explicitação dos modelos mentais individuais, de grupo e da
construção de projetos coletivos.
Utilizando a idéia de modelos mentais de Senge, Daniel Kim (1993) analisou
a passagem da aprendizagem individual para a coletiva. O autor divide o processo
de aprendizagem em dois níveis:
>Aprendizagem operacional: consiste na aquisição e no desenvolvimento de habilidades
físicas para produzir ações (know-how).
>Aprendizagem conceitual: ocorre com a aquisição e o desenvolvimento da capacidade
para articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência (know-why).
Embora o conhecimento operacional seja essencial para o funcionamento de qualquer
organização, cada vez mais tem de estar associado ao conhecimento conceitual. Os dois
processos têm de ocorrer em todos os níveis da organização, ou seja, não deve haver
fronteiras rígidas entre os quadros operacionais, que detêm apenas o conhecimento
operacional, e os quadros diretivos, que detêm o conhecimento conceitual, superando-se,
assim, a concepção taylorista entre aqueles que pensam e aqueles que fazem. O quadro
a seguir resume algumas das principais definições de aprendizagem organizacional.

Aprendizagem organizacional é um processo de identificação e correção de erros


(Argyris,1992)

Aprendizagem organizacional significa im processo de aperfeiçoar as ações pelo melhor


conhecimento e compreensão (Fiol e Lyles, 1985).

Organizações que aprendem são organizações capazes de criar, adquirir e transferir


conhecimentos e modificar seus comportamentos para refletir esses novos
conhecimentos e insights (Garvin, 1993).

Uma organização está continuamente expandindo sua capacidade de criar o futuro


(Senge, 1990).

135

Senge apresenta o processo de aprendizagem como um ciclo contínuo, composto de três


conjuntos de elementos: aptidões e habilidades, conhecimentos e sensibilidades, atitudes
e crenças.

Figura 1. Ciclo de aprendizagem proposto por Senge

A partir do desenvolvimento de novas habilidades e aptidões, altera-se a compreensão


dos indivíduos sobre a realidade. Novos conhecimentos e sensibilidades são então
incorporados, modificando seus modelos mentais, compostos de “idéias profundamente
arraigadas, generalizações ou mesmo imagens que influenciam
- nosso modo de encarar o mundo e nossas atitudes” (Senge, 1994). Novas crenças e
atitudes, baseadas na interpretação da realidade, poderão surgir, enriquecendo esse
mecanismo e estimulando o desenvolvimento contínuo de habilidades e aptidões,
retroalimentando o sistema, que se transforma em um ciclo reforçador.
As etapas de ação e reflexão realimentam-se mutuamente. A geração e a aplicação de
conhecimento ocorrerão a partir da seqüência contínua dessas etapas. A aprendizagem
adquire uma dimensão organizacional quando o ciclo de aprendizado individual se amplia
para a dimensão da organização.
Nas organizações, há um processo permanente de mudança, e ele se dá com a
mobilização contínua dos ciclos de aprendizagem individual e organizacional,
caracterizando o estabelecimento da dinâmica de aprendizagem constante.
4. Circuitos de aprendizagem

O tema da aprendizagem organizacional ganhou notoriedade a partir do início da década


de 1990, principalmente após a publicação dos trabalhos de Peter Senge. Os estudos
sobre aprendizagem organizacional, no entanto, já eram recorrentes na área de
administração desde a década de 1970. Chns Argyris e Donald Schõn, em parceria, são
responsáveis por alguns dos textos seminais sobre aprendizagem organizacional. A
contribuição mais disseminada de Argyris e Schõn (1974, 1978) diz respeito ao conceito
de circuitos de aprendizagem, que trata de como os pressupostos que orientam o
comportamento dos indivíduos e grupos nas organizações podem ser alterados em um
processo de aprendizagem organizacional.

136

Um aspecto fundamental para a melhoria de desempenho e para o sucesso das


organizações é a forma como tratam suas experiências, positivas ou negativas, e como
mantêm ou mudam suas diretrizes para a ação organizacional, incorporando essas
experiências. Argyris e Schõn (1978) afirmam que nas organizações o processo que as
habilita a encaminhar suas políticas ou a atingir seus objetivos pode ser chamado de
aprendizagem em circuito simples.
Os autores citam o exemplo de um termostato, capaz de “aprender a sentir” quando está
muito quente ou frio e, ao receber essa informação, produzir uma ação corretiva. Quando
o processo questiona as bases para a ação, que estão explicitadas nos objetivos e
políticas organizacionais e às vezes em normas de conduta não escritas, pode ser
chamado de aprendizagem em circuito duplo. Voltando ao exemplo do termostato, Argyris
e Schõn afirmam que, se além de detectar o problema o termostato pudesse questionar
as razões pelas quais os problemas (erros) estão ocorrendo, ele estaria desenvolvendo o
processo em circuito duplo.
Schõn (1983) empresta de Ashby (1940) o conceito de circuito simples e duplo no sentido
de distinguir o grau de profundidade e extensão em que as mudanças organizacionais
incursas se constituem em aprendizagem. No circuito simples, um feedback conecta o
erro/problema detectado à sua estratégia de ação, enquanto as normas que sustentam a
ação são mantidas inalteradas. Como exemplo, ele cita uma falha na produção, a partir da
qual seus membros instituem um novo sistema de trabalho extraordinário para conduzir a
produção de volta ao nível desejado.
Já a aprendizagem que ocorre no circuito duplo liga o erro ou problema detectado às
estratégias de ação e às normas pelas quais as ações são avaliadas. Utilizando o mesmo
exemplo, quando o trabalho extraordinário realizado pelo grupo não surte o efeito
desejado e os problemas tomam a ocorrer, é necessário rever algumas questões mais
profundas, os pressupostos ou os valores fundamentais adotados pelo grupo. Por
exemplo: “Nossas metas são realistas?” “Estamos avaliando adequadamente nossos
concorrentes?” “Nossas estratégias mercadológicas são as mais adequadas?” “Definimos
adequadamente nossos segmentos-alvo?” Com base nas respostas a essas perguntas,
devem ocorrer mudanças nos pressupostos que orientam as ações dos grupos nas
organizações. Uma aprendizagem em circuito duplo implica uma profundidade e
amplitude de mudanças bem superior àquela que pode ocorrer em circuito simples.
Em outro trabalho, Argyris (1992) afirma que o circuito simples resolve os problemas
visíveis, porém não soluciona a questão mais básica de por que os problemas existem.
No circuito duplo, diz o autor, primeiro é necessário alterar os pressupostos ou valores
fundamentais que governam as ações, ou seja, deve-se aprender uma nova teoria
aplicada. A Figura 2 ilustra bem os dois conceitos de aprendizagem.
Argyris explica que, para que os membros da organização desenvolvam a capacidade de
produzir circuitos duplos, é necessário desenvolver antes uma cultura que premie ações
dessa natureza, em que os problemas fáceis e rotineiros, que não requerem
monitoramento de longo prazo para sua efetivação, sejam tratados como aspectos
inerentes às atribuições dos indivíduos na organização, com a autonomia devida e
prevista nas organizações que aprendem. Em ambientes turbulentos, a capacidade de
aprender nos dois níveis toma-se ainda mais relevante (Oliveira Jr., 1996).

137

figura 2. Circuito simples e circuito duplo de aprendizagem

Entretanto, foi a partir da divulgação dos trabalhos de Peter Senge sobre as chamadas
learning organizations, ou organizações que aprendem, que o tema ganhou destaque,
extrapolando o mundo acadêmico. É evidente, porém, que um pesquisador/consultor, por
mais prestigiado que seja, não consegue por si só deflagrar uma nova onda de
pensamento na administração se ela não encontrar ressonância e for consistente com as
necessidades das empresas naquele momento histórico. E foi justamente isso o que
aconteceu com esse conceito e com as propostas de desenvolvimento de dinâmicas de
aprendizagem nas organizações.
É por intermédio do processo de aprendizagem que a organização pode desenvolver as
competências essenciais ao seu posicionamento estratégico. O processo de
aprendizagem está intimamente ligado à gestão do conhecimento nas empresas, como se
verá mais adiante.

5. Aprendizagem e gestão do conhecimento

As organizações podem não ter cérebros, mas possuem sistemas cognitivos e memórias
e desenvolvem rotinas, ou seja, procedimentos relativamente padronizados para hdar
com problemas internos e externos. Tais rotinas vão sendo incorporadas na memória
organizacional. As mudanças em processos, estruturas ou comportamentos não seriam,
por si sós, indicadores de que a aprendizagem realmente aconteceu: é necessário
também que esse conhecimento sej a recuperado pelos membros da organização.
O conhecimento é um recurso que pode e deve ser gerenciado para melhorar o
desempenho da empresa. Ela, portanto, precisa descobrir as formas pelas quais o
processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado e investigar como o
conhecimento organizacional pode ser administrado para atender às suas necessidades
estratégicas, disseminado e aplicado por todos como uma ferramenta para o sucesso da
empresa.
Conhecimento pode ser definido como “o conjunto de crenças mantidas por um individuo
acerca de relações causais entre fenômenos” (Sanchez, Heene e Thomas,

138
1996), entendendo relações causais como relações de causa e efeito entre ações e
eventos imagináveis e suas prováveis consequências. O conhecimento da empresa é
fruto das interações que ocorrem no ambiente de negócios e se desenvolve através do
processo de aprendizagem. O conhecimento pode ser entendido como o conjunto de
informações associadas à expenência, à intuição e aos valores (Fleury e OliveiraJr.,
2001).
É possível distinguir dois tipos de conhecimento: o explícito e o tácito. O conhecimento
explícito, ou codificado, refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal,
sistemática, enquanto o conhecimento tácito possui uma qualidade pessoal, tomando-se
mais difícil de ser formalizado e comunicado: “O conhecimento tácito é profundamente
enraizado na ação, no comprometimento e no envolvimento em um contexto específico”
(Nonaka, 1994).
O conhecimento tácito, segundo Nonaka, consiste em parte de habilidades técnicas, o
tipo de destreza informal e de difícil especificação incorporado ao termo know-how
(Nonaka, 2001).

Na visão de Spender (2001), tácito não significa conhecimento que não pode ser
codificado, mas que ainda não foi explicado. O autor menciona que o conhecimento tácito,
rio local de trabalho, apresenta três componentes:
> Consciente: facilmente codificável, pois o indivíduo consegue entender e explicar o que
está fazendo.
> Automático: o indivíduo não tem a consciência de que o está aplicando.
> Coletivo: conhecimento desenvolvido pelo indivíduo e compartilhado com outros; é
resultado da formação aprendida em um contexto social específico.
Pode-se distinguir diversos níveis de interação social através dos quais se cria
conhecimento na organização. É importante que a organização seja capaz de integrar
aspectos relevantes do conhecimento desenvolvido a partir dessas interações. A fim de
apresentar uma compreensão melhor de como o conhecimento é criado e de como a
criação do conhecimento pode ser gerenciada, Nonaka e Takeuchi (1995) propõem um
modelo de conversão de conhecimento. Ele pressupõe quatro formas de conversão de
conhecimento.

139

Por socialização os autores entendem a conversão que surge da interação do


conhecimento tácito entre indivíduos, principalmente através da observação, imitação e
prática. A chave para adquirir conhecimento desse modo é a experiência compartilhada.
Combinação é uma forma de conversão do conhecimento que envolve diferentes
conjuntos de conhecimento explícito controlados por indivíduos. O mecanismo de troca
pode ser reuniões, conversas por telefone e sistemas de computadores, que tornam
possível a reconfiguração da informação existente, levando a um novo conhecimento.
Internalização é a conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito, no qual
os autores identificam alguma similaridade com a noção de “aprendizagem”.
Externalização é a conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito, apesar
de este não ser um conceito bem desenvolvido, de acordo com os autores.
A abordagem de criação de conhecimento de Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995)
estabelece importantes nexos com o trabalho de Brown e Duguid (1991): “Tentativas de
resolver problemas práticos freqüentemente geram relações entre indivíduos que podem
proporcionar informação útil. A troca e desenvolvimento de informação dentro dessas
comunidades em amadurecimento facilitam a criação de conhecimento, estabelecendo
uma relação entre as dimensões rotineiras do trabalho do dia-a-dia e aprendizagem e
inovação ativas” (Nonaka, 1994). Essas comunidades representam, portanto, um papel-
chave no processo de socialização apresentado por Nonaka e Takeuchi, no qual o
conhecimento tácito entre indivíduos é integrado, passo importante para o
desenvolvimento de conhecimento coletivo na empresa.
Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) afirmam que os quatro modos de conversão
de conhecimento devem ser gerenciados de forma articulada e cíclica e denominam o
conjunto dos quatro processos de “espiral de criação de conhecimento”. Nessa espiral,
conhecimento começa no nível individual, move-se para o nível grupal e então para o
nível da empresa. À medida que a espiral de conhecimento sobe na empresa, ela pode
ser enriquecida e estendida, seguindo a interação dos indivíduos uns com os outros e
com suas organizações. A criação de conhecimento organizacional requer a partilha e a
disseminação de experiências individuais. Em alianças entre empresas, cada processo
deve proporcionar um caminho para que gerentes estejam expostos a conhecimento e a
idéias fora dos limites tradicionais da organização (lnkpen, 1996).
Nonaka (1994) explica que existem diversos gatilhos que induzem os modos de
conversão de conhecimento. A socialização normalmente se inicia com a construção de
um time ou campo de interação, o que facilita a troca de perspectivas e de experiências
entre seus membros. A extemalização pode ser iniciada com sucessivas rodadas de
diálogo, em que a utilização de metáforas pode ser estimulada para ajudar os membros
do grupo a articular suas perspectivas e a revelar conhecimento tácito. A combinação é
facilitada pela coordenação entre membros do time e outras áreas da organização e pela
documentação do conhecimento existente. A internalização pode ser estimulada por
processos de aprender fazendo (learning by doing), em que os indivíduos passam pela
experiência de compartilhar conhecimento

140

explícito gradualmente traduzido, em um processo de tentativa e erro, em diferentes


aspectos de conhecimento tácito.
Socialização, externalização, combinação e intemalização devem ser integradas como
etapas de um processo contínuo e circular que ocorre no meio de um grupo, coletividade
ou comunidade de praticantes na organização. Como conseqüência, esse processo é
basicamente interdependente. A prática desenvolve a compreensão, que pode
reciprocamente mudar essa prática e estendê-la à comunidade, de forma que
conhecimento e prática estejam inter-relacionados (Browri e Duguid, 2001).
No processo de transferência do conhecimento tácito, pode haver imperfeições, já que
não é diretamente apropriável. Trata-se de um conhecimento muito específico à realidade
daquela determinada atividade, por isso sua transferência é difícil, custosa e incerta. Já o
conhecimento explícito, de fácil transferência, corre o risco de ser revendido, perdido ou
comercializado por alguém que o adquire, o que o torna mais acessível a concorrentes
potenciais.
Alguns especialistas aconselham as empresas a se concentrar no desenvolvimento de
conhecimento explícito que possa ser retido através de patentes e copyrights e também
no desenvolvimento de conhecimento coletivo tácito, que, embora mais difícil de transferir,
é mais fácil de proteger.
Segundo Spender (2001), embora o conhecimento seja um importante ativo fluido, ele
necessita de gerenciamento. O autor parte da crença de que “o conhecimento não pode
ser gerenciado a menos que seja identificado”. O conhecimento é identificado quando faz
sentido para a organização, ou seja, quando está relacionado com seus objetivos
estratégicos. Nesse sentido, a identificação, o monitoramento, a retenção dos
conhecimentos e competências-chave para a organização constituem processos cruciais
para o seu posicionamento estratégico.

6. Caráter estratégico do conhecimento

Três pontos principais acerca da natureza intrínseca do conhecimento são relevantes


para a ação estratégica (Oliveira Jr., 2001):
a definição de qual conhecimento realmente vale a pena ser desenvolvido pela empresa;
as formas pelas quais é possível ou não que esse conhecimento venha a ser
compartilhado pelas pessoas, constituindo vantagem para a empresa;
> as formas pelas quais o conhecimento que constitui a vantagem da empresa pode ser
protegido.
Embora seja comum a disseminação e o compartilhamento do conhecimento por todos
nas empresas, existem também conjuntos de conhecimento pertencentes somente a
alguns indivíduos, a pequenos grupos ou a áreas funcionais. Para tomar o conhecimento
acessível a toda a organização, as empresas buscam codificá-lo e simplificá-lo. Procuram
estabelecer uma linguagem comum, permitindo, assim, a criação de uma estrutura para o
conhecimento organizacional.
Os esforços para agilizar a multiplicação do conhecimento atual e também de um novo
conhecimento reproduzem um paradoxo central: a codificação e a simplificação do
conhecimento acarretam maior facilidade de imitação (Kogut e Zander, 1992). Apesar da
necessidade estratégica de as empresas transferirem conhecimento

141

para se desenvolver, é preciso evitar que os competidores tenham facilidade de imitação,


o que levaria à corrosão da vantagem competitiva anteriormente estabelecida.
Segundo Grant (1996), para que o conhecimento agregue valor à organização, algumas
condições devem ser observadas:
>Transferibilidade: capacidade de transferir conhecimento não apenas entre empresas,
mas principalmente dentro da empresa.
>Capacidade de agregação: associada à transferência de conhecimento. Capacidade de
o conhecimento transferido ser agregado pelo recebedor e adicionado a conhecimentos
previamente existentes.
>Apropriabilidade: habilidade do proprietário de um recurso em receber retorno
equivalente ao valor criado pelo recurso.
>Especialização na aquisição de conhecimento: reconhece que o cérebro humano
possui capacidade limitada de adquirir, armazenar e processar conhecimentos. Como
conseqüência, para que o conhecimento seja adquirido, são necessários indivíduos
especialistas na aquisição, armazenagem e processamento em alguma área do
conhecimento.
>Importância para a produção: parte do pressuposto de que o insumo crítico para a
produção e a principal fonte de valor é o conhecimento. É fundamental que o
conhecimento agregue valor ao processo produtivo.
Ações relacionadas com a criação e a transferência de conhecimento devem estar
comprometidas com o desenvolvimento das competências estratégicas definidas pela
empresa. A natureza do conhecimento agregado às competências será decisiva para a
sustentabilidade da vantagem competitiva conferida por tal competência (Oliveira Jr.,
1999 e 2001).
O conhecimento pode ser desenvolvido internamente na empresa, pode ser coletado
externamente (por exemplo, pela contratação de pessoas que detêm o conhecimento
necessário e pelo monitoramento do ambiente externo) ou pode ser desenvolvido através
de relações de parceria ou alianças estratégicas com empresas, universidades ou
instituições externas à organização.
Por meio de processos de aprendizagem que cruzam conjuntos de conhecimentos
individuais, unidades individuais isoladas e parcerias com outras organizações, forma-se
o know-how coletivo, ou conhecimento coletivo, no qual estão insendas as competências
essenciais da empresa. Tal conhecimento, aperfeiçoado pela prática de trabalho, possui
uma natureza dinâmica para atender às demandas contínuas do mercado.
Em suma, ao analisar como uma organização gerencia o conhecimento, é possível
distinguir três momentos nesse processo:
>aquisição e desenvolvimento de conhecimentos;
>disseminação do conhecimento;
>construção da memória.

142

Figura 3. Gestão do conhecimento

6.1 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE CONHECIMENTOS

A aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências podem ocorrer por


processos proativos ou por processos reativos.
Os processos proativos incluem a experimentação e a inovação, que implicam a geração
de novos conhecimentos e metodologias, criando novos produtos ou serviços com base
em situações não rotineiras. A experimentação usualmente é motivada por oportunidades
de expandir horizontes, e não pelas dificuldades existentes.
Os processos reativos compreendem três modalidades:

>Resolução sistemática de problemas: nos últimos anos, esse processo ganhou


especial destaque em virtude dos princípios e métodos dos programas de qualidade.
Suas ferramentas estão atualmente disseminadas, como diagnóstico feito com métodos,
uso de informações para a tomada de decisões e uso de instrumental estatístico para
organizar os dados e proceder a inferências.
>Experiências realizadas por outros: a observação das experiências realizadas por outras
organizações pode constituir um importante caminho para a aprendizagem
organizacional. O benchmarlzing, por exemplo, tem sido usado como ferramenta para
repensar a própria organização.
>Contratação de pessoal: o chamado “sangue novo” pode constituir importante fonte de
renovação dos conhecimentos da organização.

6.2 DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO


Pode ocorrer por processos diversos:
>Comunicação e circulação de conhecimentos: o conhecimento precisa circular rápida e
eficientemente pela organização. Observa-se que novas idéias têm maior impacto quando
compartilhadas coletivamente do que quando são propriedade de poucos.
>Treinamento: talvez seja a forma mais corriqueira de pensar o processo de
aprendizagem e disseminação de novas competências.
>Rotação de pessoas: por áreas, unidades, posições na empresa, de forma a vivenciar
novas situações de trabalho e compreender a contribuição das diferentes posições para o
sistema-empresa.

143

>Trabalho em equipes diversas: a interação com pessoas de background cultural


diferente — em termos de origem, formação ou experiência profissional — propicia a
disseminação de idéias e o surgimento de propostas e soluções para os problemas.

6.3 CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

A construção da inemóna organizacional refere-se ao processo de armazenagem de


informações com base na história organizacional, as quais podem, assim, ser
recuperadas e auxiliar na tomada de decisões. As informações são estocadas, e tanto as
experiências bem-sucedidas como as malsucedidas devem ser de fácil recuperação e
estar à disposição das pessoas.
Uma organização pode existir independentemente deste ou daquele indivíduo. O foco nas
atividades cognitivas individuais, como elemento central no processo de aquisição de
informações, reflete um construto ativo da memória.
Entretanto, interpretações de problemas variam conforme os indivíduos. A tendência à
coerência que caracteriza as interpretações organizacionais é possível pela partilha de
informações; assim, transcende o nível individual. Isso mostra como a organização
preserva o conhecimento do passado, mesmo quando alguns elementoschave a deixam.
As interpretações do passado estão embutidas em sistemas e artefatos, em estruturas e
nos indivíduos.
: Alguns autores diferenciam duas estratégias para a construção da memória
organizacional (Hansen, Nohria e Tierney, 1999): primeiro, por meio de estratégias mais
centralizadoras, com a construção de bancos de dados, em que o conhecimento é
codificado e estocado e depois disponibilizado para todos os membros da organização —
estratégia particularmente relevante para o conhecimento explícito; segundo, através do
indivíduo, que disponibiliza o conhecimento para os demais membros por sua rede de
interações — isso é particularmente relevante para o conhecimento tácito.
Em suma, a gestão do conhecimento está imbricada nos processos de aprendizagem nas
organizações e na conjugação destes três processos: aquisição e desenvolvimento de
conhecimentos, disseminação de conhecimentos e construção de memórias. Ocorre
assim um processo coletivo de elaboração das competências necessárias à organização.

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WERNERFELT, B. A resource based view of the firm. Strategic ManagementJournal, 5, p.
171-80, 1984.

145

AUTORES

MARIA TEREZA LEME FLEURY

Vice-diretora e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e


Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEAIUSP), atua na área de recursos
humanos. Mestre e doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e pós-graduada pela Universidade Stanford (EUA). Editora da Revista
de Administração da USP (RAUSP) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação da
FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertaçôes de mestrdo e teses de
doutorado. Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação
em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e
poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura
organizacional nos cursos de MBA da USP Desenvolve atividades de pesquisa,
diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas,
nacionais e muhinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras. É
autora de diversos livros.

MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR


Doutor em Administração pela FEA-USP e professor da PUC-SP e da Fundação Dom
Cabral. Foi pesquisador visitante da Universidade Cambrige (1997/1998), na Inglaterra.
Consultor de empresas e professor convidado dos programas de MBA da Fundace-USP,
em Ribeirão Preto, e da FIA-USP, em São Paulo.

146

Mudança e transformação organizacional


ROSA MARIA FISCHER
1. Mudando os paradigmas da mudança
“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.” Ninguém
atravessa duas vezes o mesmo rio. Essa reflexão, atribuida a Heráclito, filósofo
grego do século V a.C., provavelmente é a mais citada assertiva para ilustrar que
a mudança é um atributo inerente à natureza humana e às relações do homem em
sociedade. Nem a pessoa que atravessa o rio permanece a mesma cada vez que
o faz, nem o rio, seguindo o caminho irrevogável de seu fluxo, consegue banhar
com as mesmas águas os pés daquele que o atravessa em diversas
oportunidades.
O curso do tempo, essa entidade abstrata criada pela necessidade humana de
conhecer e controlar, é o primeiro e o mais inexorável determinante para que
todas as coisas estejam em permanente processo de mudança. Seja na natureza,
seja no ambiente social culturalmente delimitado, todos os elementos — com
ritmos e velocidades específicos a cada um — vivenciam alterações que os
tornam diferentes, em maior ou menor grau, do que eram no momento anterior e
do que serão no momento seguinte.
As organizações não escapam a essa inexorabilidade. Ainda que a observação do
funcionamento e do desempenho de uma organização

147

cause a impressão de permanência, uma análise mais aprofundada permitirá


identificar indícios de modificações em curso. Alguns desses indícios são mais
visíveis porque alteram características muito evidentes, como episódios de
crescimento organizacional acelerado ou quando a organização decide,
intencionalmente, modificar suas finalidades, a forma de atuar, seus
procedimentos técnicos ou administrativos.
Como os quadros de mudanças intencionais ou mais radicais são mais evidentes,
tende-se a considerá-los únicos e a subestimar a importância dos processos de
mudança contínuos, que constituem a dinâmica própria de cada, organização.
Essa tendência permitiu que a produção de conhecimentos sobre mudança
organizacional fosse muito displicente, tratando-a como um fenômeno episódico
que poderia ser administrado de forma circunstancial.
Até a década de 1970, a teoria das organizações oferece pouco espaço ao
tratamento do tema, ressaltando mais os aspectos e os desdobramentos
negativos do que orientando o gestor sobre as formas de lidar com esse
fenômeno, que, afinal, constituía parte inerente da entidade organizacional.
A teoria das organizações, principalmente a originada da produção americana,
estava sustentada por um paradigma explicativo da estrutura e funcionamento das
organizações que preconizava sua estabilidade. Estabilidade, aqui, era sinônimo
de perenidade, de permanência no tempo e no espaço. Isto é, as organizações —
e nesse caso, principalmente, a grande corporação industrial, que era o tipo de
organização para quem se produziam as teorias de gestão — deveriam ser
administradas de forma a permanecer grandes e poderosas.
Essa visão de mundo e de como as organizações devem estar nesse mundo é,
evidentemente, um paradigma’ que contém em si os elementos ideológicos e os
juízos de valor próprios desse mesmo mundo; vale dizer, dessa época, dos
ambientes socioeconômicos nos quais são formulados, da correlação de forças
que caracteriza tais ambientes e das perspectivas desejadas para o
desenvolvimento desse cenário.
O paradigma da estabilidade não nega que as organizações estão em mudança
constante, porém pressupõe que as alterações possam ser sempre tão
harmônicas e sutis que tais modificações sejam sempre incrementais e,
principalmente, nunca desestabilizem o desempenho organizacional. Mudanças
em larga escala, que abranjam diversos espaços da organização ou alterem
diferentes processos, afetando as pessoas e suas relações, são encaradas, no
escopo desse paradigma, como crises de alto risco geradoras de conflitos
inadministráveis. Por isso, esse tipo de mudança deveria ser evitado, todo esforço
da administração deveria ser colocado na manutenção do status quo e, quando
uma modificação fosse absolutamente inevitável, o gestor deveria circunscrevê-la
ao mínimo espaço organizacional.
148

A visão de mudança que prevaleceu na teoria e prática administrativa até os anos


1960 fortaleceu algumas características básicas do modelo de managernent
fundamentado no paradigma da estabilidade. Entre elas destacam-se:
>- o papel mais importante do gestor é o controle , para assegurar que
procedimentos sejam realizados sempre conforme as rotinas-padrão;
>- para desempenhar com eficiência esse tipo de controle, o gestor deve
centralizar as informações, as decisões e o comando das ações;
>- quando administra uma mudança, o gestor deve limitar sua abrangência ao
espaço organizacional mínimo necessário , evitando que as alterações
contaminem grupos de pessoas e funções organizacionais que não estejam
diretamente relacionados com as características da organização que estão sendo
alteradas;

149

> o gestor deve conceber e implementar um projeto que permita implantar a


mudança em prazo reduzido, com o mínimo de recursos e com o foco em metas
estritamente controladas.
Como se vê, o tratamento da mudança organizacional como um “mal necessário”
refletia uma visão de mundo para a qual o controle era a função mais importante;
o sucesso era assegurado pela capacidade de reproduzir rotinas e procedimentos,
e a inovação — mesmo quando valorizada como expressão da módernidade —
deveria ser temida e afastada porque trazia consigo a fragmentação da ordem
vigente.
A partir da década de 1970, contudo, essa visão é modificada pelas profundas
alterações de natureza social, econômica e política que começam a afetar o
mundo dos negócios, pressionando as organizações empresariais a rever seus
modelos de gestão e, portanto, os paradigmas que lhe dão sustentação. Daí em
diante, o conceito de mudança — como acontecimento tópico e pontual,
gerenciado no ãmbito de um projeto específico e restrito — começa a se mostrar
insuficiente para dar conta de uma realidade muito mais complexa e
multidimensionada.
O paradigma da estabilidade cede espaço ao paradigma da transformação
organizacional. Foi um momento em que a teoria precisou ampliar seu espectro e
aprofundar sua abordagem porque as organizações, principalmente as empresas,
estavam vivenciando processos nos quais as mudanças não eram simplesmente
lineares e incrementais, mas abrangentes e transformadoras; elas não afetavam
apenas algumas áreas organizacionais, mas espraiavam-se por diferentes
espaços, atingindo, simultaneamente, diversos processos; as mudanças não
estavam focadas em um elemento da organização, mas tinham um caráter
multidimensional.
Impressionados com a amplitude desses processos, alguns autores dos anos
1970 e 1980 lançaram o conceito de “mudanças de larga escala”, definindo-as
como “uma transformação durável no caráter organizacional que altera
significativamente a performance da organização” (Lawler III, 1989).
Quando falam de “caráter organizacional”, os autores dessa linha de pensamento
referem-se ao que se poderia denominar de características genéticas da
organização:
> a natureza dos produtos ou serviços que justificam sua existência;
os processos produtivos que adota para realizá-los, assim como os procedimentos
administrativos e as práticas gerenciais com que conduz tais atividades;
> o modo como estrutura e distribui os espaços, as atribuições e as
responsabilidades;
> os critérios de integração, coordenação e diferenciação com os quais determina
os padrões de relações internas;
> os canais de relacionamento que estabelece com o ambiente em que está
inserida, com os stakeholders com quem interage e com as comunidades sociais
que estão em seu entorno.
Considerando a multidimensionalidade dessas características, constata-se que a
mudança organizacional não pode mais ser vista como um projeto isolado que

150

ocorre esporadicamente no cotidiano organizacional, instalando alterações em


algum aspecto da estrutura, ou em alguma etapa de um processo, e depois se
encerra, devolvendo a organização a um novo patamar de estabilidade. Sendo de
larga escala, abrangente, profunda e multidimensional, a mudança tem de ser
conceituada, concebida e gerenciada como um processo de transformação
contínua.

A reconceptualização, aqui proposta, do conceito de mudança como definido no


paradigma da estabilidade para o conceito de transformação organizacional não
se reduz a preciosismo acadêmico. De fato, reflete o rearranjo do ambiente no
qual as organizações estão inseridas. Os fenômenos recentes da ampliação do
acesso à tecnologia da comunicação, do redesenho das relações econômicas no
mundo glo-

151
balizado e das mudanças comportamentais que eles desencadearam vem
condicionando empresas e organizações de todos os tipos a reverem suas
“características genéticas”.
O conceito de transformação, no lugar da concepção anterior de mudança
organizacional, reflete também uma profunda alteração da visão de mundo e do
conteúdo ideológico dos modelos de gestão. O paradigma da transformação
pressupõe que o esforço de direcionamento de uma organização deve estar
voltado para o aperfeiçoamento contínuo, e não para a estabilidade de normas,
padrões e regras previamente instaurados e perenemente tornados rotineiros. E
que o gestor deve funcionar como facilitador de condições e recursos que
propiciam o desenvolvimento permanente. Ele não centraliza, mas mobiliza, as
informações e o conhecimento; ele não limita, mas amplia, a participação e o
intercâmbio; ele não restringe a abrangência, mas coordena as ações específicas
de mudança para assegurar sua integração.
2. Modelando o processo de transformação
A concepção e a implantação de um processo de mudança organizacional exigem
que se assuma um conjunto de pressupostos básicos. O primeiro é que nas
modernas organizações complexas que atuam no âmbito do Estado, do mercado
ou do chamado terceiro setor a transformação organizacional é um dos processos
organizacionais inerentes à dinâmica de funcionamento e às estratégias de ação
definidas pela organização. Ela funciona como um processo contínuo de
construção e reconstrução do significado da organização, com o qual se busca
aperfeiçoar sistemas, processos, políticas e práticas que constituem sua gestão e
desenvolver as competências — pessoais e organizacionais — que constituem
seu mais valioso patrimônio. Como um dos mais importantes processos
organizacionais, a transformação não pode ocorrer de forma imprevista e
extemporânea, ao sabor de acontecimentos fortuitos, mas deve ser modelada e
gerenciada com instrumentos que assegurem sua internalização nas esferas mais
íntimas da organização.
O pressuposto seguinte estabelece a conexão entre estratégia e transformação.
Isto é, o diagnóstico de “por que mudar” e “o que mudar” depende da clara
compreensão de como interagem dois pólos de qualquer organização: de um lado,
o direcionamento estratégico, constituído pelo intento estratégico e pelos focos
que direcionam as estratégias propriamente ditas; de outro, o conjunto de
elementos que integram o conteúdo de sua gestão e cuja composição determina
seu nível de excelência.
A Figura 1 ilustra a sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento
organizacional. O direcionamento estratégico é a face visível do desempenho
organizacional, como a organização quer ser vista e como ela é vista e avaliada
nas relações estabelecidas com o ambiente externo. É pelo desempenho dessa
engrenagem que ela é mensurada em termos de competitividade externa. Ter
atingido ou não os focos de suas estratégias confere-lhe a medida de sucesso ou
fracasso.
Contudo, apesar de sua visibilidade predominante, a engrenagem do
direcionamento estratégico não tem força motriz própria. Ela depende do
acionamento da

152

:Figura 1.
Sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento
organizacional

energia e da velocidade que são produzidas e lhe são transferidas pelo movimento
da engrenagem menor. Esta é composta de todos os elementos constituintes da
configuração organizacional, e seu funcionamento gera um fator que se pode
chamar, provisoriamente, de competitividade interna por analogia com o
desempenho competitivo usado para mensurar a organização. A competitividade
interna não é um indicador de concorrência entre os componentes do contexto
interno, mas do grau de higidez, de condicionamento, de prontidão com que se
apresentam no processo de gerir a organização2.
comum que esses componentes apresentem diferentes graus de desenvolvimento
e aptidão para alavancar a competitividade externa. A organização pode, por
exemplo, dispor de excelentes instrumentos de gestão, porém não oferecer às
pessoas condições de desenvolver habilidades que façam esses instrumentos
funcionar com rendimento máximo. Ou então foram feitos investimentos para
modelar uma estrutura organizacional moderna e flexível, mas nenhum
aperfeiçoamento foi levado a efeito para superar as deficiências de comunicação
interna. Assincronias desse tipo não impedem o funcionamento da organização,
mas acarretam perdas e disfunções que, se não podem ser diretamente
observáveis no movimento da engrena-

153

gem menor, com certeza estarão refletidas nos resultados do desempenho da


engrenagem maior.
O terceiro e último pressuposto é o de que a transformação organizacional só se
efetiva com as pessoas, para as pessoas e através do envolvimento e do
comprometimento das pessoas. Portanto, a cultura da organização deve se
fundamentar na valorização do ser humano, de seu trabalho, da inteligência que
ele aplica nesse trabalho e na geração de conhecimento organizacional advinda
da inter-relação pessoalsaber/organização.
O grau de competitividade que a empresa revela no ambiente externo como
resultado de suas estratégias de ação é condicionado pelo nível de
desenvolvimento de sua competitividade interna. Esta resulta de um processo de
gestão que mobiliza a inteligência e o conhecimento organizacional para que a
organização se desenvolva e se aperfeiçoe continuamente. Esses
aperfeiçoamentos ocorrem, concomitantemente, em diversos aspectos da
organização — como a definição de focos estratégicos, o modelo organizacional e
seus sistemas de gestão, as políticas e os processos organizacionais, as técnicas
e os instrumentos gerenciais —, mas estão modelados em um processo
transformacional que os agrega em linhas de ação sinérgicas.
Tal modelagem exige que o processo de mudança seja enfocado segundo uma
abordagem contextualista, pois tanto os fatores do ambiente externo como os do
ambiente interno influem no sentido e na orientação da transformação. O contexto,
o conteúdo e o processo da mudança são as respostas para três questões básicas
e preliminares a sua concepção: por que mudar, o que mudar e como mudar
(Pettigrew, 1986).
O desafio de mudar uma organização não se resolve apenas com a percepção da
necessidade de inovar e remodelar seu perfil, mas envolve o desafio de encontrar
o modo mais adequado de como mudar e conseguir transformar a organização no
sentido determinado pela percepção do que é preciso mudar. Esse “como” é
próprio das especificidades de cada organização e do desejo de mudança
expresso em seus objetivos estratégicos. Por isso, o “como mudar” passa,
necessariamente, pelo desenvolvimento das pessoas, pela capacidade que elas
têm e querem disponibilizar para compreender e internalizar os valores da
mudança, transformando-os em práticas organizacionais que concretizem o
desejo de transformação.
Em seu design, o processo deve admitir, necessariamente, os parâmetros de
abrangência, integração e sustentação. O processo precisa ser abrangente, a fim
de conter, simultaneamente, os aspectos organizacionais e os aspectos técnicos e
comportamentais que configuram o cenário específico de cada organização.
Integrado, para atuar em diversas esferas e através de diferentes linhas de ação,
mantendo a consistência interna essencial à manutenção e à solidez do processo.
Sustentado, com o objetivo de buscar a consecução de metas concretas de
transformação, com resultados observáveis através de indicadores do
desempenho das pessoas e dos negócios.
Para dar conta dessa amplitude, o processo de transformação organizacional deve
se constituir em um eixo gerador de mudanças organizacionais que guardem
consistência entre si e estejam sempre voltadas para o desenvolvimento da
competitividade interna da organização. Vale dizer, mobilizar a inteligência
organizacional

Figura 2.
Etapas do processo de transformação
organizacional
estocada, otimizando o emprego dos recursos humanos e estimulando o
desenvolvimento de suas competências pessoais e profissionais.
Concebido desse modo, o processo busca delinear um modelo de gestão focado
em resultados; identificar os fatores restntores e facilitadores de sua
implementação; gerar um programa de disseminação que assegure a
compreensão e a adesão do público interno; delinear os instrumentos gerenciais
necessários para alcançar a excelência de gestão.
A metodologia empregada na concepção e implementação do processo de
transformação organizacional pode ser sintetizada no modelo de quatro etapas
interdependentes: auscultação, concepção, disseminação e sustentação. Como as
transformações organizacionais são processos, e não uma sucessão de
mudanças estanques e isoladas, as etapas podem tanto se sobrepor umas às
outras como ser conduzidas concomitantemente, conforme as especificidades do
processo de transformação organizacional. Assim, a nítida separação entre as
etapas do processo mostrada na Figura 2 é apenas um recurso utilizado para
facilitar a compreensão dos objetivos, das finalidades e dos procedimentos
empregados em cada fase.

155

A primeira etapa do processo é denominada auscultação. Nela realizam-se os


levantamentos e as análises de dados que ajudam a identificar as características
dos processos de trabalho, os fluxos de comunicação e a interação entre as
diferentes áreas organizacionais. O objetivo dessa abordagem analítico-descritiva
é determinar os fatores restritores e alavancadores da eficiência dos
procedimentos e da eficácia dos resultados das práticas administrativas, técnicas
e gerenciais em uso na organização.
As atividades desenvolvidas nessa etapa diferenciam-se de um diagnóstico
organizacional tradicional em virtude das seguintes características:
> trata-se de uma intervenção breve que busca evitar a morosidade inerente aos
levantamentos minuciosos, pois eles geralmente tendem a perder sua efetividade
diagnóstica;
> supera a superficialidade do levantamento breve mediante o emprego de
técnicas interativas; elas possibilitam que o próprio agente da ação coopere no
levantamento, na análise e na interpretação dos dados e vivencie, assim, um
processo de aprendizagem organizacional;
„ utiliza uma análise focada, isto é, com base no uso de dados secundários da
própria organização, seleciona previamente os processos ou áreas-chave para
levantamento e análise, partindo do pressuposto de que as intervenções de
aperfeiçoamento organizacional nesses pontos focais exercerão o efeito-
demonstração ou, ainda, um efeito sinérgico sobre as áreas/processos em
interação.
Na auscultação, são também mapeados e analisados os projetos de
aperfeiçoamento organizacional já existentes na organização, para verificar a
possibilidade de adequá-los e integrá-los ao processo de transformação em
delineamento. Evita-se, dessa forma, desperdiçar recursos e energia já
mobilizados, bem como desrespeitar os padrões próprios da cultura
organizacional. Parte-se do pressuposto de que a organização pode ter, dentro de
si própria, idéias que possam gerar as melhores soluções para seus problemas de
desenvolvimento.
Já nessa etapa inicia-se o processo de estabelecimento de compromisso com o
corpo diretivo, gerencial e técnico da organização, que participa das atividades de
levantamento de dados, elaboração de informações e geração de análises. O
objetivo é impedir que o diagnóstico deixe de incorporar a visão e os valores da
comunidade organizacional, tendendo a expressar a extemalidade da concepção
do “dever ser” da organização. Empregam-se técnicas tradicionais de
levantamento de dados, como o mapeamento de documentos e a aplicação de
questionários padronizados e de entrevistas semi-estruturadas, visando coletar
material quantitativo e qualitativo. Todo o material é sistematizado e pré-analisado
e, em seguida, submetido a análises em profundidade e/ou detalhamento; recebe
também sugestões de aperfeiçoamento, por meio de clínicas temáticas e/ou
workshops estruturados.
importante que a apresentação e a análise dos resultados da auscultação sejam
compartilhadas, de modo que haja clareza e concordância quanto aos principais
problemas da organização, pois é em tomo deles, em última instância, que a
organização deverá trabalhar para conceber propostas de mudança e
aperfeiçoamento. Os

156

participantes dos eventos de apresentação dos resultados da fase de auscultação


são, geralmente, os prováveis componentes de um grupo estratégico, que se
encarregará de formular e disseminar as proposições de mudanças que compõem
o processo de transformação. Recomenda-se que o grupo seja formado por
pessoas de áreas e níveis hierárquicos heterogêneos na organização e que
detenham um perfil de competências que lhes possibilite assumir o objetivo de
conceber a transformação e gerir sua transição sem que haja uma ruptura da
legitimidade do poder organizacional.
A etapa de concepção do processo de transformação organizacinal representa a
transição entre a constatação de problemas, carências e necessidades de
aperfeiçoamento técnico e gerencial e a construção de uma forma exeqüível de
conceber e implementar as mudanças e os aperfeiçoamentos de curto e médio
prazo. Aqui, o conceito de construtivismo não constitui uma referência superficial,
mas um fundamento filosófico da metodologia de trabalho, que se concretiza no
planejamento e na execução de atividades interativos, nas quais o grupo de
mobilização formado desde a fase inicial do processo e, eventualmente, outros
grupos organizacionais atuando em sistema de network engajam-se nas tarefas
de criar soluções para os problemas identificados e delinear linhas de ação que
visam incrementar a eficiência organizacional.
Nessa fase há uma ampla utilização de diferentes técnicas participativas com o
objetivo de construir parâmetros e indicadores, definir papéis e internalizar a
metodologia de modelagem da concepção. Realizam-se reuniões com os
principais gestores da organização para definir a composição do grupo de
mobilização, que será o principal responsável pela gestão do processo de
transformação.
O grupo pode ser constituído de dez a cinqüenta gestores, dependendo do
tamanho da organização. Não existe regra para definir quem deve ou não
participar dele, porém é importante que haja membros de diferentes áreas
organizacionais e de distintos níveis hierárquicos. Os participantes devem ter
predisposição para trabalhar em grupo, flexibilidade para lidar com situações de
incerteza e mudança, além de conhecimentos e habilidades técnicas e
comportamentais adequados para esse tipo de atividade.
O grupo de mobilização deve ser responsável pela gestão e disseminação do
processo de transformação, pela integração do planejamento e da ação
institucional e pelo monitoramento de resultados também será o principal elo de
comunicação e a interface com a estrutura formal. Não é necessário, e em alguns
casos é preciso até mesmo evitar, que o grupo assuma caráter representativo,
embora seja importante que seus componentes tenham facilidade de assumir a
liderança situacional e de desempenhar o papel de formadores de opinião.
O grupo deve se reunir com freqüência predeterminada para definir as diretrizes
do processo de mudança e apresentar propostas de encaminhamento para
superar as dificuldades. Gradualmente, o grupo vai adquirindo uma posição
estratégica e concentrando informações e poderes que lhe imprimem o status de
estrutura informal de poder, a qual passa a atuar simultaneamente com a
organização formal, definida pelas linhas de autoridade e responsabilidade
tradicionalmente estabelecidas.
Quando se define a composição desse grupo, deve-se balancear membros que
possuem posições de destaque na estrutura formal da organização com outros
que

157

não possuem, pois, enquanto os primeiros legitimam o trabalho e conferem


autoridade ao grupo, os segundos são a principal fonte de inovação, com grande
potencialidade para gerar mudanças, já que vêem a organização de um ponto de
vista diferenciado e por isso podem ser importantes agentes de disseminação das
mudanças.
É fundamental que, desde o início da etapa de concepção, haja o
comprometimento total do grupo de mobilização com o processo de transformação
organizacional, uma vez que as diretrizes estratégicas definidas serão
disseminadas por toda a organização, envolvendo um número crescente de
funcionários, que atuarão em grupos de trabalho heterogêneos e descentralizados
para o desenvólvimento dessas propostas. Além disso, porque o ambiente
organizacional pode exigir ações precisas e emergenciais de aperfeiçoamento,
cujos resultados serão imprescindíveis para fundamentar a escolha da melhor
modelagem de aspectos institucionais e organizacionais. Essas ações, que podem
emergir durante a própria etapa de concepção do processo, demandam que as
pessoas do grupo de mobilização assumam responsabilidades de decisão que
excedem os limites de sua posição tradicional.
Os principais papéis do grupo de mobilização são de:
elo de comunicação com as diferentes áreas e segmentos funcionais, mantendo a
relação de mão dupla que assegura as condições de compreensão e
internalização das mudanças, assim como seu contínuo aperfeiçoamento;
interface com a cúpula diretiva da organização, garantindo processos decisórios
legítimos que incorporem a contribuição das áreas e dos segmentos funcionais
participantes.
Com o andamento do processo, o grupo de mobilização tende a incorporar
grande número de pessoas, exigindo que se implantem dois mecanismos na etapa
de disseminação para assegurar a eficiência do processo:
a seleção de um subgrupo de coordenação que, sendo menor e agregando
legitimidade política e representatividade organizacional, apresente mais agilidade
na decisão e implementação de projetos e ações, principalmente os emergenciais
e/ou de curto prazo;
> a criação gradativa, em velocidade compatível com os resultados desejados do
processo, de subgrupos ou grupos-tarefa centrados em tarefas/ações/objetivos
específicos que ampliem a network de pessoas/segmentos ocupacionais e áreas
organizacionais efetivamente envolvidos em transformar a organização.
O impacto dessa fase, portanto, não se restringe apenas a alguns aspectos da
gestão da organização, mas interfere na própria possibilidade ou não de se
configurar um modelo de excelência de gestão que assegure a capacidade de
obter resultados efetivos do desempenho organizacional. Esse momento de
passagem do diagnóstico para a concepção das mudanças constitui um dos
pontos de alta vulnerabilidade, em que a viabilidade do processo é questionada
quanto a legitimidade política, exeqüibilidade técnica e existência de condições e
recursos para que os aperfeiçoamentos sejam factíveis e perenes. Tais
aperfeiçoamentos devem, necessa-

158

riamente, aparecer na melhoria da performance organizacional sob a forma de


incremento da qualidade e produtividade dos resultados e da satisfação do
cliente/consumidor.
Para que os gestores possam dispor de parâmetros adequados sobre a
percepção, a imagem e as expectativas que os clientes e os demais stakeholders
externos à organização têm do desempenho organizacional, toma-se importante
realizar levantamentos estruturados que tragam para a organização diagnósticos
gerados com base nessa perspectiva externa. Na geração dos diagnósticos,
podem ser mpregados diversos métodos, como pesquisas quantitativas, grupos de
discussão ou entrevistas em profundidade. Sempre que possível, é importante
envolver os membros da organização, para que eles reconheçam a importância
desse tipo de atividade e, simultaneamente, contribuam com o processo de
análise e discussão dos resultados.
Na concepção do projeto, procura-se desenvolver um mix de produtos resultantes
das atividades, como:
> Concepção do direcionamento estratégico: feita com base na definição dos
focos estratégicos, que traduzem a “situação ou estado desejado” ou o “intento”
que a organização quer atingir em determinado momento do futuro e para a qual
direciona seus esforços, seus recursos e suas ações gerenciais. Criam-se
parâmetros de atuação para a organização e seus gestores, para que possam
atuar alinhados com o direcionamento estratégico único e inteligível para todos os
componentes de um sistema organizacional definido.
Estabelecimento de critérios para a excelência de gestão: através da
identificação de elementos restritores e alavancadores do modelo de gestão da
organização, estabelecem-se diretrizes de aperfeiçoamento essenciais para
incrementar a competitividade interna e desenvolver as competências já instaladas
na organização. Os aspectos centrais que caracterizam o modelo de gestão e
devem ser abordados nessa etapa do trabalho são: visão/direcionamento da
organização; modelo organizacional; recursos humanos; estrutura organizacional,
comunicação e decisão; tecnologia e sistemas de informação.
> Mapeamento dos agentes externos: levantamento para identificar quais são
os agentes do contexto cujas expectativas e demandas influenciam o desempenho
organizacional. Trata-se de um momento privilegiado, por incorporar a visão dos
agentes externos ao processo de transformação organizacional e gerar propostas
para aproximar a organização de seus principais usuários e parceiros.
> Definição do perfil do gestor: consiste na criação interativa do instrumento
gerencial que define os parâmetros de desempenho e desenvolvimento
profissional adequados à organização. Sensibiliza as pessoas para a importância
do autodesenvolvimento e oferece parâmetros para a organização direcionar seus
investimentos em desenvolvimento de recursos humanos e educação corporativa.
Com base na identificação das diferentes necessidades de aperfeiçoamento
organizacional, podem ser formados os grupos-tarefa, constituídos por gestores
da organização de diferentes níveis e áreas de atuação, que passam a trabalhar
de forma participativa. Os grupos empenham-se no levantamento e na análise de

159

:Figura 3.
Estrutura de gestão do processo de transformação organizacional

informações, com o propósito de detectar problemas específicos e gerar projetos e


planos de ação para o aperfeiçoamento organizacional.
Para que os grupos possam desenvolver projetos de forma integrada, recomenda-
se que o trabalho do grupo de mobilização e o dos grupos-tarefa sejam
acompanhados por um grupo de coordenação e integração dos projetos,
composto de representantes dos diferentes projetos e de um gestor que esteja em
um alto nível na organização.
Com o andamento do trabalho dos grupos, há a tendência de ampliar
significativamente o volume de trabalho e as reuniões, tanto entre os membros de
uma mesma equipe como entre os diferentes grupos. Esse acréscimo de
atividades pode sobrecarregar alguns participantes e exigir a ampliação ou a
recomposição dos grupos-tarefa. É importante também que o grupo de
coordenação monitore o ritmo de trabalho e a produtividade dos grupos-tarefa,
estabelecendo metas e aferindo resultados, de modo que tais grupos não
excedam o prazo e os recursos alocados para cumprir seus propósitos. Uma das
formas mais comuns de resistir à mudança consiste em “eternizar” a duração da
tarefa: os grupos não se desmobilizam, porém o processo permanece
estacionário. Por isso é importante que a coordenação, prevendo tais ocorrências,
utilize mecanismos de avaliação e realize a recomposição dos grupos sempre que
o imobilismo ameaçar o conjunto do processo.
Um dos principais produtos da etapa de concepção é a elaboração de um plano
de ação. O trabalho resultante das atividades desenvolvidas pelos grupos- tarefa é
consolidado nesse plano, envolvendo o conjunto da organização em uma
programação de atividades de curto e médio prazo que viabilizam a transição
entre o antigo e o novo modelo de gestão e a implementação de projetos e ações
prioritários de mudança e aperfeiçoamento organizacional.
A Figura 3 ilustra as principais atribuições dos grupos que, nesse momento,
constituem uma espécie de núcleo gerador do modelo de gestão compartilhada
que formatará a futura estrutura organizacional.

160

O grupo de mobilização passa a ser uma estrutura informal que gere a transição
inicial do processo de transformação. A dinâmica do processo de transformação
tende a alterar as relações de poder na organização e tomar quase inevitável uma
reestruturação organizacional. O grupo de mobilização fica responsável pela
gestão de aspectos estratégicos da organização, podendo, ao menos em
princípio, gerar transformações em larga escala, como modificar a missão, os
objetivos, a estrutura e os principais processos organizacionais.
Da mesma forma, os grupos-tarefa passam a conhecer melhor à organização e
suas atividades. Interagem entre si e rompem as tradicionais barreiras criadas
pela departamentalização. Discutem os principais problemas que prejudicam a
organização e desenvolvem projetos com o objetivo de aperfeiçoar seu modelo de
gestão.
Esses processos configuram uma mudança organizacional que pode estremecer
relações de poder, favorecer o surgimento de novas lideranças e transformar
aspectos da própria cultura organizacional. A profundidade dessas mudanças
pode ser determinante para o papel que caberá aos grupos de mobilização e aos
grupos- tarefa ao término da etapa de concepção. Em geral, quanto mais
profundas as mudanças, maior é a necessidade de redesenho da estrutura
organizacional.
A etapa de disseminação amplia a participação dos funcionários no processo de
transformação organizacional de forma gradativa, em eventos estruturados, nos
quais os seguintes objetivos devem ser atingidos:
disseminar o conteúdo dos produtos elaborados pelo grupo de mobilização que
atuou na etapa de concepção;
aferir o grau de compreensão e adequação das propostas de mudança à realidade
organizacional vivenciada pelos participantes;
adequar ou detalhar propostas/produtos com abrangéncia genérica nas diferentes
áreas organizacionais;
> gerar idéias, sugestões e críticas que aperfeiçoem as propostas originalmente
concebidas, agregando novos valores, adequando suas especificações à
realidade organizacional e propiciando uma efetiva concepção construtivista da
gestão estratégica da organização;
> estimular a adesão consciente dos participantes aos princípios e critérios dos
produtos gerados, para que seja possível obter a intemalização desses princípios,
visível nas práticas cotidianas dos profissionais, e o comprometimento com
resultados, os quais podem ser aferidos com sistemas de avaliação da
performance organizacional.
Tais objetivos indicam que a etapa da disseminação é crucial, porque contrapõe
as propostas geradas na concepção às necessidades da organização e
expectativas dos demais funcionários. Além disso, a disseminação obriga que se
aperfeiçoe a estrutura de gestão do processo de transformação, a qual deve ser
provisória e flexível para facilitar a implementação, mas conter alguns princípios
básicos que serão mantidos na modelagem de uma estrutura permanente: decisão
próxima da ação, processos decisórios consensuais e comunicação interna em
mão dupla e em fluxo permanente, para assegurar a transparência do processo e
a ampliação da participação.

161

Nessa etapa, o grupo de mobilização se amplia e assume papéis cada vez mais
importantes. Os componentes devem transformar-se em multiplicadores,
disseminando conceitos e idéias sobre o processo, conquistando novos
segmentos da organização e a adesão e o comprometimento necessários para a
transformação efetiva.
As atividades de disseminação devem ser planejadas, para que se estabeleça um
equilíbrio entre a difusão de informações, que pode gerar “ansiedade
organizacional”, e a quantidade de gestores comprometidos e em condições de
dar a necessária sustentação ao processo. O grupo de mobilização deve ter
condições de gerir os eventos, multiplicar os facilitadores, absorver as sugestões
de reformulação e atualizar os produtos, conforme a reação dos grupos
participantes dos eventos e o andamento das ações de mudança.
A etapa de sustentação do processo de transformação organizacional envolve um
conjunto de atividades com o propósito de efetuar o monitoramento e a avaliação
das ações e dos rumos do processo. A partir desse momento, os gestores da
organização devem estar capacitados para empregar técnicas de levantamento de
informações que funcionem como uma espécie de auscultação permanente,
trazendo subsídios para o contínuo aperfeiçoamento do processo.
A gestão participativa deve propiciar oportunidades para a discussão dos
principais problemas da organização e a revitalização dos compromissos que
unem os gestores em torno de objetivos comuns.
3. Gerenciando a mudança organizacional
Quando se pensava a mudança no contexto do paradigma da estabilidade, sua
ocorrência era considerada um fenômeno organizacional quase inadministrável.
As ferramentas de gerenciamento existentes limitavam-se a técnicas e
procedimentos da administração de projetos.
O gestor tendia a se sentir impotente, ele era dirigido pelo fluxo da mudança e
respondia de forma reativa a sua manifestação, incapaz de conduzi-lo e controlá-
lo.
O desafio trazido pelas organizações complexas modernas é permanecer em
constante desenvolvimento e, frequentemente, provocar saltos de transformação
organizacional. É um processo que pode e deve ser gerenciado tanto nos
aspectos objetivos, dos aperfeiçoamentos técnicos e administrativos requeridos
em cada situação específica, quanto nos aspectos menos visíveis — como os
padrões culturais e a dinâmica das relações de poder —, subjacentes ao
processo, mas com uma influência tão poderosa quanto os primeiros.
Na consolidação de um processo de transformação organizacional, certos
aperfeiçoamentos são essenciais para alterar tanto os aspectos objetivos quanto a
intimidade da organização. Um deles é a revisão da estrutura organizacional,
entendida como o modo de divisão da organização em diferentes áreas ou
espaços organizacionais que explicitam as competências, as relações de
autoridade e subordinação e os canais formais de comunicação e decisão que
regem o funcionamento da organização. É fundamental que as estruturas sejam
delineadas com base na revisão do modelo institucional e levem em conta os
princípios de flexibilidade, compartilhamento das decisões e descentralização das
atividades.

162

Estruturas excessivamente centralizadas e formalizadas impedem que a


organização responda rapidamente a mudanças ambientais, tecnológicas e
sociais. Para isso, é fundamental o estabelecimento de estruturas organizacionais
que permitam o emprego intensivo de espaços coletivos de decisão. Tais espaços
podem ser células ou “mesões” nos quais os vários atores organizacionais têm a
oportunidade de se reunir, evitando-se a individualização das áreas e a
personalização de espaços, processos e atividades organizacionais. A gestão
compartilhada substitui a forma tradicional de concentração de poder e autoridade
no “chefe” de cada setor, característica bem marcante nas instituições
enrocráticas e nas estruturas departamentais. Um grupo de gestores passa a ser
responsável pelas decisões em cada espaço organizacional, propiciando a
integração entre diferentes áreas e o comprometimento dos gestores com os
resultados coletivos.
O modelo de gestão, por sua vez, deve proporcionar condições de decisão
compartilhada e de ação focada no resultado final e otimizadora da utilização dos
recursos. São importantes, nesse modelo, a criação e o aprimoramento de
sistemas que ampliem a participação em processos decisórios e facilitem a
comunicação interna. O aperfeiçoamento desses dois sistemas tende a produzir
um efeito de “socialização” das informações, atribuições e responsabilidades que
pode redundar na redistnbuição do poder organizacional.
Em organizações mais transparentes, com estruturas flexíveis e formas
compartilhadas de gerir e decidir, provavelmente as condições para gerar e
disseminar conhecimentos e competências são mais favoráveis. E conhecimento é
o capital mais valioso para as organizações do século XXI.
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Paulo: Makron, 1992.

163

AUTORA
ROSA MARIA FISCHER
Professora associada da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra cursos de graduação e
pós-graduação, com mestrado e doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da
USP e livre-docência pela FEA-USP. Foi coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em Administração e conselheira do Programa MBA-Executive
Intemational da FEA-USP Coordena o Centro de Estudos em Administração do
Terceiro Setor (Ceats),‟da FEA-USP, e o Programa de Estudos em Gestão de
Pessoas (Progep), da FIA/FEA/USP. Supervisora de projetos de pesquisa,
consultoria, treinamento e desenvolvimento da Fundação Instituto de
Administração (FIA), da FEA-USP, da qual é conselheira-instituidora. Docente
titular do Conselho Departamental e da Egrégia Congregação da FEAUSP
Coordena e ministra seminários, cursos e eventos nas áreas de gestão de
mudanças e de recursos humanos, sociologia das relações do trabalho, inovação
e estratégia, cultura e poder nas organizações. Diretora-instituidora da Fischer &
Dutra Gestão Organizacional, que concebe e implementa projetos de
transformação organízacional para empresas privadas e estatais, órgãos da
administração pública e entidades do terceiro setor. Sócia-fundadora e membro
permanente do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos sobre Cultura
Contemporânea (Cedec). Participou da equipe de pesquisadores do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Conselheira do Núcleo de Estudos
sobre a Violência da USP e integrante do Conselho Editorial da Revista de
Administração. Assessora da Fundação para Apoio à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e secretária da Rede Latino-Americana da Intemational
Society for Third-Sector Research (ISTR). , ainda, autora de diversos livros e
artigos.

164

O processo de socialização organizacional


GILBERTO SHINYASHIKI
1. Introdução
A crescente competitividade do ambiente empresarial tem feito aumentar a
necessidade de mudanças nas organizações. A capacidade de mudar é sinônimo
de sobrevivência. A velocidade das transformações toma indispensável que as
empresas sejam capazes de gerar novas respostas a cada momento (Galbraith et
ai., 1995; Lawler III, 1996).
A cultura organizacional‟ é um dos fatores críticos na concepção e implementação
de processos de mudança (Davis, 1984; Thévenet, 1989; Schein, 1989; Kotter,
2000), pois pode inibir as mudanças estratégicas ao produzir uma miopia
estratégica, já que os gerentes vêem os eventos através de um conjunto de
crenças dessa
165

:Figura 1
Relação entre comportamento inovador e criativo de um novato

cultura — que tem sido seu guia efetivo desde o passado, e sua resposta natural é
mantê-lo. Mesmo quando conseguem superar essa miopia, reagem aos eventos
de mudança de acordo com tal cultura (Sapienza, 1990; Lorsch, 1990).
Para o administrador não é suficiente identificar a cultura da organização e a
influência que ela exerce no processo de gestão. É essencial que ele compreenda
como essa cultura é transmitida ou aprendida pelos participantes da organização,
o que possibilita seu gerenciamento. Nesse ponto, a análise do processo de
socialização organizacional — entendido como “o processo pelo qual uma pessoa
aprende valores, normas e comportamentos exigidos, o que lhe permitirá participar
como membro de uma organização, e esse processo é contínuo durante toda a
carreira do indivíduo na organização” (Van Maanen, 1976) — pode lançar luz na
compreensão do que está sendo feito para adaptar os novos empregados à
cultura organizacional (Anthony, Perrewé e Kacmar, 1996; Robbins, 1998). Falhas
na condução do processo de socialização dos empregados podem provocar
(Schein, 1971; Wanous, 1992):
> rejeição, que pode levar o empregado a ser expelido da organização ou a
canalizar sua energia contra os objetivos da empresa;
conformidade, que pode embotar sua criatividade e fazê-lo trabalhar de forma
estéril e burocrática, o que faz com que a organização se torne frágil no contexto
atual;
> aumento do custo da rotatividade e absenteísmo de pessoal.
O desejo de toda empresa é criar um tipo de individualismo criativo. Nesse caso, o
novato aceita os valores essenciais da empresa (que podem ser: realizar um bom
trabalho, obter lucro, produzir com qualidade, acreditar em mercado e competição,
entre outros), mas, cuidadosamente, procura manter-se independente de todas as
normas e valores que são relevantes, mas não essenciais.
Para o administrador de recursos humanos o conceito de socialização é cada vez
mais Util para planejar ações que podem ser inseridas nas políticas e práticas de

166

gestão de RH com o objetivo de manter ou desencadear um processo de


mudança. Esforços de recrutamento e seleção, palestras de integração de novos
colaboradores, desenho de sistemas de remuneração e implementação de
mentores para acompanhar a vida dos ocupantes de alguns cargos têm sido feitos
isoladamente, muitas vezes sem o objetivo de organizar um processo sistemático
de socialização do novo colaborador, no qual os instrumentos de gestão de
pessoas são planejados e organizados de forma a conseguir ofit desejado do
empregado à organização e, no caso de uma empresa em processo de mudança,
ofit para um novo coIjunto de valores, comportamentos e disposições (Sathe,
1990).
2. Socialização: um conceito abrangente
A socialização, freqüentemente, está associada ao desenvolvimento da criança.
Ela, todavia, não se restringe a esse período do desenvolvimento, e seria ingênuo
imaginar que, nessa fase, fosse possível proporcionar todo o aprendizado social
necessário para o desempenho de papéis adultos e das inúmeras mudanças que
ocorrem na vida de um individuo.
A socialização é formada por quatro componentes:
Agente: alguém que serve de fonte do que deve ser aprendido.
Processo: o processo de aprendizagem.
Alvo: a pessoa que está sendo socializada.
Resultado: algo que está sendo aprendido.
Durante a infância, os maiores responsáveis pela socialização são a família, que
ajuda a desenvolver as habilidades interpessoais e cognitivas; os colegas, que
proporcionam um relacionamento com o mesmo nível de status e são importantes
por influenciar o desenvolvimento do sef a escola, que ensina habilidades como
leitura, escrita e aritmética; traços de personalidade como a perseverança; e os
meios de comunicação, em particular a televisão (Hollander, 1971).
A socialização está baseada em três processos:
Aprovação social: a associação de reforço e punição aos comportamentos
constitui a base do aprendizado tanto de comportamentos como de padrões de
desempenho.
>. Aprendizagem imitativa: freqüentemente, em especial na infância, a
aprendizagem ocorre por imitação, sem reforço aparente nem intenção de ensinar.
Muitos comportamentos e habilidades do indivíduo são aprendidos pela
observação de outra pessoa e das conseqüências desses comportamentos para
essa pessoa (Bandura, 1971).
>- Internalização: processo pelo qual um padrão comportamental externo se torna
interno e posteriormente guia os comportamentos da pessoa, resultando
no exercício do autocontrole.

167

Outra perspectiva importante é de que a socialização é o modo pelo qual a


sociedade controla o indivíduo. A socialização produz a uniformidade entre os
membros de uma sociedade e certo grau de controle social sobre os
comportamentos dos indivíduos. Para manter a continuidade de uma organização
social, os papéis, comportamentos, valores e atitudes devem ser transmitidos.
Sem a socialização, a sociedade não se reproduziria em cada geração
subseqüente (Bush e Simmons, 1990).
Atitudes, assim como valores, são adquiridas por meio da socialização. Em
sentido amplo, podem ser consideradas representações psicológicas da influência
da sociedade e da cultura no indivíduo. São inseparáveis do contexto social que
as produz, sustenta e elicia sob circunstâncias apropriadas. Atitudes retêm a
singularidade das experiências individuais, são aprendidas e tendem a persistir
como conseqüência das interações sociais anteriores (Hollander, 1971).
3. Socialização: um processo de mão dupla
Pelo que já foi exposto, pode-se chegar erroneamente à conclusão de que o
socializado tem posição passiva no processo de socialização. No entanto é
preciso entender que tanto o socializado como o socializador podem ser
transformados de maneira significativa durante o processo. Esse conceito de
transformação mútua fica mais evidente quando lembramos que a aprendizagem
social ocorre em ambiente social e o socializado é parte integrante do ambiente.
Assim que o socializado responde ao estímulo apresentado pelos outros, suas
respostas constituem estímulos significantes para os responsáveis por sua
socialização. Dessa forma o indivíduo ajuda a moldar o próprio ambiente social e
se torna tanto socializador quanto socializado.

168

3.1 DESENVOlVIMENTO DE PAPÉIS SOCIAIS


A socialização pode ser compreendida como um processo de desenvolvimento de
papéis, entendendo-se papel como o comportamento esperado de um indivíduo
quando ocupa dada situação social. Em conformidade com essa definição,
praticamente todos os atos sociais podem ser pensados como constituindo
comportamentos de papéis, no sentido de que, do ator individual, espera-se que
responda com desempenho às expectativas legítimas que percebe dos outros
significativos em seu ambiente social.
Assim sendo, a socialização refere-se ao processo pelo qual o indivíduo aprende a
desempenhar os vários papéis sociais necessários para sua participação efetiva
na sociedade. Isso quer dizer o modo como ele adquire o conhecimento, as
habilidades e as disposições que o capacitam a desempenhar seu papel de
acordo com as expectativas dos outros enquanto muda de uma posição a outra na
ordem social no deconer do tempo: de bebê para criança e para adulto, de
estudante para trabalhador, de filho para marido, pai e outras posições
simultâneas — adulto, trabalhador, filho, marido e cidadão (Goslin, 1971).
3.2 NEGOCIAÇÃO DE COMPORTAMENTOS
Em um sistema interagente, cada participante influencia o comportamento de
outro de modo significativo, e assim não é possível falar de aprendizado de papel
sem falar de ensino de papel. Entendendo a socialização como um processo de
mão dupla, podemos considerar alguns fatores que, de certa forma, afetam os
comportamentos dos indivíduos em grupos sociais, comportamentos que podem
estar sujeitos à negociação entre os participantes. A estabilidade do sistema de
interação depende da concordância dos participantes com um contrato,
especificando-se o que um demanda de outro.
O contrato pode variar conforme a institucionalização de comportamentos
existente antes de as partes entrarem em interação. Sob condições de alta
institucionalização há menos espaço para barganha. Entretanto, algum padrão
mútuo satisfatório de acomodação pode ser obtido através de negociação entre as
partes antes de a interação se realizar. De certo modo, papéis recíprocos devem
ser criados e tacitamente aceitos pelos participantes. Nessas condições, os
indivíduos devem ter habilidades adequadas para estabelecer e manter a
identidade situacional e reconhecer as identidades que os outros participantes
tentam criar. Em relação à negociação de papéis, pode-se destacar que:
alguma negociação é possível ou necessária para o estabelecimento de toda
relação interagente, não importa quão institucionalizado seja o papel;
na maioria das situações existe a negociação, apesar de uma ou todas as partes
envolvidas não terem consciência disso. No outro extremo, há situações nas quais
tal negociação é consciente e bem estruturada;
> é uma vantagem para o participante a percepção que ele tem de que a
negociação é possível e que aspectos do próprio comportamento podem ser
negociados;

169

outro ponto importante é a distribuição de poder. A distribuição igual de poder


tende a produzir muita improvisação de papéis e freqüentemente a tentativa de
modelar o papel do outro;
a intemalização de valores e padrões de conduta pode restringir significativa-
mente a liberdade absoluta do indivíduo na negociação de seu papel.
Fica evidente que a aquisição de certas habilidades e atitudes facilita o processo
de socialização. Quanto mais velho o indivíduo, mais se espera o aumento de seu
repertório de habilidades (verbal, cognitiva e de percepção), o que vai facilitar a
aquisição e o desempenho de novos papéis.
4. Socialização do adulto
A socialização é um processo contínuo que evolui durante toda a vida. É evidente
que a socialização experimentada pela pessoa durante a infância não pode
preparála para todos os papéis no futuro (Brim, 1966).
Inkeles e Smith (1981) explicam que em qualquer etapa da vida, especialmente no
início e no meio da idade adulta, as pessoas podem sofrer consideráveis
mudanças de personalidade, algumas suficientemente profundas para ser
qualificadas de transfonnação. Afirmam que parece não haver ambigüidade no
fato de que as experiências que um homem tem, sobretudo na idade adulta e
especialmente em seu trabalho e no contato com os meios de comunicação de
massa, são pelo menos tão importantes para determinar o nível de modernidade
individual que ele irá atingir quanto as experiências do início da vida.
4.1 TEORIA DE PAPÉIS
As teorias de papéis possibilitam a compreensão mais clara do que acontece no
processo de socialização. Essas teorias assumem que o papel é um conjunto de
expectativas a respeito do que alguém deve fazer e que os papéis são variáveis e
vinculados às características sociais. Dessa forma, as expectativas que o
indivíduo terá de si mesmo dependem da característica que está em evidência em
dado momento (Heiss, 1990).
Gecas (1990), analisando os contextos da socialização, enfatiza a importância a
ser dada às características das estruturas sociais das situações à medida que
afetam o processo de socialização e influenciam os indivíduos envolvidos,
destacando dois elementos fundamentais da estrutura interna desses contextos de
socialização:
o sistema de papéis e a distribuição de poder.
O sistema de papéis refere-se à configuração de status sociais junto com as
expectativas de comportamentos, direitos e responsabilidades de uma pessoa que
atua em um grupo. Papéis proporcionam o conteúdo principal da socialização na
medida em que abrangem identidades específicas (por exemplo, professor),
comportamentos (ensinar), valores (o ensino é bom) e crenças (o estudo leva ao
aumento da competência). O papel social é formado não só pela expectativa do
indivíduo mas também como resultado do conjunto de interações sociais com os
outros.

170

Outro elemento importante da socialização é a distribuição de poder. O indivíduo


cujo status formal no grupo envolve a socialização dos demais tem poder
considerável sobre os outros, chamados de socializados. Estes últimos,
entretanto, não são totalmente desprovidos de poder mesmo nas formas mais
assimétricas de distribuição (formal).
4.2 CONFLITO DE PAPÉIS
As mudanças contínuas que ocorrem nos papéis envolvem dois temas críticos: o
conflito de papéis, que resulta em demandas conflitantes de novo papel em
determinado ponto do tempo, e a descontinuidade de papéis, que se refere à
contradição entre as demandas do novo e do velho papel. Tal contradição é
problemática tanto por confrontar com uma situação potenciaimente traumática
como por tomar mais difícil a tarefa de aprender e se ajustar ao novo papel (Bush
e Simmons, 1981).
Quanto mais preparado estiver o indivíduo para o novo papel, mais fácil e
completa será a transição. A socialização antecipada (que ocorre antes de
assumir o papel) amortece o impacto da transição e colabora com a aquisição
bem-sucedida do novo papel. Os conceitos subjacentes a essa socialização são a
preparação prévia do indivíduo para o papel que irá desempenhar no futuro, o
domínio das habilidades necessárias para dar conta dele e a consciência das
expectativas e recompensas vinculadas ao novo papel.
Os ritos de passagem minimizam os efeitos negativos da descontinuidade entre os
papéis seqüenciais e as mudanças de status. Esses rituais tomam as transições
mais fáceis porque sinalizam aos outros que o status da pessoa mudou, que as
novas expectativas são apropriadas e, finalmente, simbolizam a mudança para o
próprio indivíduo.
4.3 AMBIGÜIDADE DE PAPÉIS
Um dos desafios com que o novato lida em sua entrada na organização é o
trabalho propriamente dito. A definição do papel é a compreensão pelo novato de
que tarefas desempenhar, quais são as prioridades e como deve alocar seu tempo
nas tarefas. A teoria de papéis afirma que, quando o comportamento esperado de
um indivíduo é inconsistente — um tipo de conflito de papéis —, ele vai
experimentar o estresse, tomar-se insatisfeito e ter desempenho menos eficaz do
que quando ocorre o contrário (Rizzo et ai., 1970).
Tanto a teoria clássica como a teoria de papéis tratam do tema ambigüidade de
papéis. Para a teoria clássica de organização, toda posição em uma estrutura
organizacional formal deve ter um conjunto especificado de tarefas ou
responsabilidades. Tais especificações, ou definição formal de exigências do
papel, têm o objetivo de permitir à gerência a administração e o controle da
performance do empregado, assim como proporcionar orientação e direção. Se o
empregado não sabe a autoridade que tem para decidir, o que se espera que ele
realize nem como será avaliado, isto é, se há ambigüidade de papéis, ele hesita
em tomar decisões e, procurando evi-

171

tar o estresse, utiliza uma abordagem de tentativa e erro para descobrir quais são
as expectativas de seu superior ou usa mecanismos de defesa que mascaram a
realidade da situação, aumentando, portanto, a probabilidade de ficar insatisfeito e
ansioso com seu papel, distorcendo a realidade e apresentando baixa
performance.
5. Socialização ocupacional
O significado do trabalho perpassa e define fortemente o sentida da vida adulta na
maioria das sociedades ocidentais. Os valores e comportamentos associados com
o trabalho são entrelaçados com o tecido dos indivíduos, da cultura e das
sociedades. O trabalho preenche, em nossa sociedade, um conjunto de
necessidades do indivíduo, como subsistência, realização pessoal, independência,
apoio social, estruturação do tempo e estabelecimento de identidade. Proporciona
um papel ou posição ocupacional que o identifica. “A identidade do papel
profissional está enraizada na sociedade e vinculada a papéis recíprocos e
obrigações que dão significado para a vida e status para o ocupante” (Merton,
1957, apud Katz e Feroz, 1992).
Em uma sociedade que valoriza o trabalho, não estar engajado em uma ocupação
pode levar à desvalorização pessoal. No início da fase adulta, o indivíduo tem de
fazer uma escolha de vital importância, que é a ocupação — escolha que pode
exigir muitos anos de treinamento no sistema educacional.
5.1 IDENTIDADE SOCIAL.
A parte socializada do self é normalmente chamada de identidade e é apropriada
pelo indivíduo num processo de interação com os outros. Somente se a identidade
for confirmada pelos outros é que se torna real para o indivíduo (Berger e Berger,
1979). Identidade é um termo poderoso porque fala da definição de uma entidade
— organização, grupo ou pessoa — e é um construto-chave do fenômeno
organizacional e subtexto de muitas sessões de estratégia, iniciativas de
desenvolvimento organizacional e esforços de socialização. Parte da força desse
construto vem da necessidade que uma entidade tem de responder à questão
“quem somos nós?” ou “quem sou eu?” para poder interagir efetivamente com
outras entidades. Da mesma forma, as outras entidades precisam responder à
questão inicial “quem é ele?” para uma interação efetiva. Portanto, identidades
situam a organização, o grupo e a pessoa (Albert, Ashforth e Dutton, 2000).
Esse construto não é um termo novo na literatura, mas ganhou força na vida
organizacional contemporânea. Numa visão macro, o ambiente se torna mais
complexo e dinâmico, as organizações ficam mais orgânicas com o achatamento
das estruturas hierárquicas, o crescimento do poder dos times e a terceirização de
competências secundárias, e à medida que as formas convencionais de
organização são desmanteladas o são também os repositónos da história e os
métodos organizacionais, assim como os meios organizacionais pelos quais as
organizações se perpetuam. Gradativamente, a organização reside na cabeça e
no coração de seus mem-

172

bros. Portanto, na ausência de uma estrutura burocrática externa, torna-se cada


vez mais importante a existência de uma estrutura cognitiva internalizada que
expresse um senso claro de identidade organizacional e indique o que é a
organização e para onde ela pretende ir.

Numa visão micro, diante do imenso enxugamento das organizações nos últimos
anos, a diminuição de contratos relacionados de longo prazo em favor de
contratos transacionais de curto prazo ( Rousseau,1995 ) e o crescimento das
carreiras

173
boundaryless fazem com que a noção de identificação e a lealdade do funcionário
para com o empregador, grupo de trabalho ou ocupação pareçam fora de moda,
até mesmo ingênuas. Entretanto, é justamente pela perda dessas amarras
organizacionais que a identidade individual é um tema crítico.
Na sociedade pré-industrial era possível antecipar o futuro baseando-se no futuro
dos pais e dos avós. Na era industrial muitas tradições foram erradicadas, mas as
escolhas de identidade no que dizia respeito à ocupação, ao empregador, à
vizinhança e aos amigos tinham uma característica de permanência. Neste tempo
pós-industrial, entretanto, há muito menos identidades atnbuídas; mais opções de
identidade, mais tolerância a diversidades e mudanças de identidade mais
freqüentes no decorrer da vida.
Tais identidades são construídas pelo processo de socialização, que se inicia na
infância, combinando-se os mecanismos de desenvolvimento das capacidades e
de construção de regras, valores e signos proporcionados não só pela família mas
também pelo universo escolar e pelos grupos de idade, nos quais ocorrem as
primeiras experiências de cooperação, fabricando-se as primeiras identidades.
Essa socialização contribui, também, para fornecer as referências culturais com
base nas quais os individuos irão identificar seus grupos de referência, interiorizar
seus traços culturais e antecipar suas próximas socializações. A socialização
contínua é inseparável das mudanças estruturais que afetam os sistemas de ação
e induzem às reconversões periódicas das identidades previamente constituídas e
das construções mentais que lhe são associadas.
As identidades estão em movimento, e essa dinâmica de desestruturação e
reestruturação conduz a uma crise. Cada configuração de identificação toma a
forma de uma mistura no seio da qual as antigas identidades se chocam com as
novas exigências de produção e na qual as antigas lógicas entram em
combinação e, às vezes, em conflito com as novas tentativas de racionalização
econômica e social (Dubar, 1991).
6. Socialização organizacional
Van Maanen (1976) define a socialização organizacional como o processo pelo
qual a pessoa aprende valores, normas e comportamentos esperados, que lhe
permitem participar de um processo contínuo durante sua carreira dentro da
organização.
A socialização bem-sucedida proporciona ao individuo nova auto-imagem, novo
comprometimento, novos valores e novos talentos. O processo motivacional para
assumir o novo papel começa a ser desenvolvido através da seleção ou
socialização por antecipação (isto é, a preparação para o papel começa a ocorrer
antes da entrada formal do indivíduo na organização).
A socialização não se restringe ao momento no qual o indivíduo está no grupo. Há
uma etapa que antecede o contato com a realidade do novo posto de trabalho
(Wanous et ai., 1984; Feldman, 1976; Louis, 1980). Essa etapa possui duas
dimensões importantes:

174
:Figura 2.
Controle sobre o novato: seleção e socialização
organizacional

a imagem que a nova organização tem para a pessoa que vai ser admitida; as
expectativas que esse candidato tem de sua atividade na nova organização.

Tais dimensões:

desencadeiam o processo de socialização por antecipação, que pode levar o


candidato a rever seus comportamentos e valores para se adaptar à nova
organização;
demonstram a importância da política de seleção quando descreve, e explica ao
candidato detalhes da organização, suas políticas e as características do novo
papel organizacional que lhe caberá.
A admissão do candidato e o choque com a realidade, com a confirmação ou a
negação das expectativas, vão influenciar o processo de socialização ou
determinar a saída do novato. Quando os novos empregados entram na
organização vivenciam um choque de realidade ou surpresa, em especial quando
seus pressupostos existentes em relação aos eventos apresentados não
combinam com os que vigoram no novo ambiente. Como resultado, os novos
empregados, para reduzir a incerteza ou a ansiedade que permeiam o processo
de entrada, podem ser forçados a reavaliar seus pressupostos e a procurar
informações sobre o porquê do comportamento das pessoas do novo ambiente
(Jones, 1986; Louis, 1980).
No processo de entrada organizacional de um novato pode-se destacar a etapa
anterior à admissão (recrutamento e seleção) analisando-se a relação entre o
processo de seletividade e o esforço de socialização. A Figura 2 mostra
graficamente como a necessidade de socialização aumenta quando o grau de
seletividade diminui. Podemos supor uma formula: a + b = c, em que a é o grau de
seletividade, b a quantidade de socialização e c o controle total que a organização
exerce sobre os novatos (Wanous, 1992).

175

A socialização ocorre através de estágios. Segundo Wanous (1992), a


socialização organizacional pode ser dividida em três componentes básicos:
Processo: aprender com as outras pessoas que estão tentando persuadir os
novatos a adotar normas e valores organizacionais. Por outro lado, o novato ouve
e observa suas ações. Essencialmente, a socialização organizacional diz respeito
às relações interpessoais no trabalho e, portanto, a ênfase recai na aprendizagem
social.
Foco da aprendizagem: é o novo papel a ser adotado, o novo grupo ou os novos
valores e normas organizacionais. A aprendizagem não ocorre somente em mão
única, pode existir influência mútua. O contrato psicológico é o melhor exemplo
disso. Esse termo refere-se ao entendimento entre novato e organização sobre o
que cada um espera do outro. Diferentemente do contrato legal, o contrato
psicológico não é escrito.
Dinâmica única do conflito: é específica, separando socialização de outros tipos de
aprendizagem (por exemplo, treinamento de habilidades) que o novato adquire
após a admissão. A despeito de todos os esforços de recrutamento e seleção,
ainda vão existir conflitos entre as expectativas e os valores do novato e os da
organização. Isso porque o conflito é causado pela interface de pessoas de
diferentes grupos (hierárquicos, funcionais e culturais).
Wanous, analisando quatro modelos de socialização — Schein (1978); Feldman
(1976); Porter, Lawler e Hackman (1975); e Buchanan (1974) —, combina os
modelos de socialização em um único e integrado modelo de socialização
organizacional (Quadro 1), que procura considerar tanto a perspectiva do indivíduo
quanto a da organização, a direção da influência da organização para o indivíduo
e vice-versa, baseado em eventos que ocorrem, e não somente na passagem do
tempo.

Quadro 1.
Modelo integrado de socialização organizacional

Fonte: Wanous, 1992.

176

Van Maanen e Schein (1979), em sua teoria de socialização organizacional,


destacam o componente psicológico com as seguintes premissas:
- os indivíduos, ao vivenciar uma transição na organização, acham-se em situação
produtora de ansiedade e, assim, estão mais ou menos motivados para
reduzi-la aprendendo as exigências funcionais e sociais dos novos papéis;
qualquer pessoa que atravessa uma nova região organizacional fica sensível aos
sinais emitidos pelos colegas, superiores, subordinados, clientes e outros pares,
que a orientarão no aprendizado de seu novo papel;
a estabilidade e a produtividade de qualquer organização dependem, em grande
parte, do modo como os novatos venham a desempenhar suas tarefas;
o modo como os indivíduos se ajustam às novas circunstâncias é bastante similar,
apesar de existir grande variação de conteúdo particular e de tipo de ajustamento
obtido ou não. Em outras palavras, raramente tal aprendizado estará completo até
que o novato passe por um período de iniciação no novo papel.
Uma organização pode ser encarada pelas dimensões que definem os papéis
organizacionais (Figura 3). A primeira dimensão é a funcional e refere-se às
diversas tarefas desempenhadas pelos membros da empresa (finanças,
engenharia etc.). A segunda dimensão diz respeito à distribuição hierárquica de
posições dentro da organização. Essencialmente explicita, pelo menos no papel,
quem é responsável pelas ações de quem (diretor, gerente, supervisor etc.). A
terceira dimensão é a mais difícil de conceituar, pois se refere à inclusão da
pessoa dentro da organização. Pode ser representada como um eixo radial que
vai da borda ao centro de um círculo, isto é, de acordo com o ritmo com que o
empregado se integra, passa pelos papéis de novato, assume os de veterano e
chega até o de figura central.
As fronteiras são diferentes dentro das empresas e entre elas tanto em número
como em permeabilidade. Empresas muito centralizadas têm muitas fronteiras
hierárquicas. Outras, mais achatadas, possuem mais fronteiras funcionais.
As empresas variam também no processo de filtragem usado para selecionar e
processar as pessoas que atravessam uma fronteira em particular. A passagem
da fronteira hierárquica está associada às noções de mérito, potencial e
desempenho anterior, apesar de que tempo de casa e idade são fatores
freqüentemente utilizados como medida de ascendência.
Figura 3.
Três dimensões dos papéis organizacionais

177

A fronteira funcional filtra as pessoas baseando-se na capacidade ou atitude


demonstradas para desempenhar determinada tarefa. O filtro inclusor representa
as avaliações feitas por terceiros do ajuste que a pessoa faz para ser membro do
grupo.
O modelo de organização criado pela combinação dessas três dimensões —
funcional, hierárquica e inclusora — torna-se analiticamente útil e possibilita a
formulação dos seguintes postulados:
> a socialização, apesar de ser contínua ao longo da carreira do indivíduo dentro
da organização, é mais intensa e problemática para o membro (e para os outros)
imediatamente antes e após a passagem de uma fronteira;
> uma pessoa tem maior impacto sobre os outros quando está no ponto mais
distante de qualquer fronteira da organização. Isso significa que, quando alguém
está nesse ponto, fica imune à ansiedade do novato que acabou de passar a
fronteira ou do candidato que está se aproximando da fronteira para ser incluído;
> por causa do formato piramidal das organizações, a socialização no curso da
dimensão inclusora é mais crítica para membros localizados na base do que para
os situados no topo, considerando-se que qualquer movimentação para cima
significa que houve a ocorrência de um movimento para dentro.
Talvez a resposta mais fácil de um novato a determinado papel seja custodial, ou
seja, preservar conhecimentos, estratégias e missões associados ao papel.
Assumindo essa posição, o novato não questiona, mas atinge o status quo. Outra
resposta é a inovação de conteúdo, caracterizada pelo desenvolvimento de
mudanças substantivas, melhorias da base de conhecimento ou práticas
estratégicas de um papel em particular. Levando-se a análise um passo adiante,
um indivíduo pode procurar redefinir o papel completo atacando e tentando mudar
a missão associada tradicionalmente a esse papel. Essa resposta é evidenciada
pela rejeição completa da maioria das normas que regulam a conduta e o
desempenho de um papel em particular.
Van Maanen e Schein (1979) definiram com a expressão táticas de socialização
organizacional os modos pelos quais os outros, na organização, estruturam as
experiências dos indivíduos que estão em transição de um papel para outro. De
acordo com a teoria, os novatos respondem diferentemente a seus papéis por
causa das táticas de socialização usadas pela organização, que modelam as
informações que recebem.
Dando e suprimindo informações, ou proporcionando informações de determinado
modo, os veteranos podem encorajar os novatos a interpretar e responder às
situações de forma previsível. Essas táticas podem ser selecionadas consciente-
mente pela direção da empresa, quando programa um curso de treinamento ou de
integração de novos colaboradores, ou podem ser selecionadas
inconscientemente, representando simplesmente precedentes estabelecidos no
passado da organização, tais como o método de socialização “cai na piscina e
nada”, usado em certos cargos em que o indivíduo tem de aprender por si mesmo
a desempenhar o novo papel.
Os novos empregados respondem a seus papéis de modos diferentes porque as
táticas de socialização usadas pela empresa determinam a informação que irão

178

O processo de socialização organizacional 1 179


receber. As seis estratégias de socialização mais significativas para influenciar as
respostas dos novatos são (Van Maanen, 1976):
Coletiva ou individual: é coletiva quando os novos empregados participam juntos
de experiências comuns de aprendizagem para produzir respostas padronizadas
às diversas situações. É individual quando o novo empregado tem um conjunto de
experiências singulares que permitem heterogeneidade de respostas. A
socialização coletiva tende a produzir respostas custodiai_ nos novatos.
Formal ou informal: é formal quando os novos empregados são separados dos
outros membros da organização enquanto aprendem seu papel. É informal
quando o novato aprende seu trabalho junto dos membros da empresa. A
socialização formal tende a produzir respostas custodiais, enquanto a informal tem
o potencial de produzir respostas mais fortes, tanto custodiais como inovadoras,
dependendo do agente socializador.
Seqüencial ou randômica: é seqüencial quando proporciona informações explícitas
sobre a sequência de atividades das quais os novatos irão participar
na organização e randômica quando a seqüência das atividades é incerta. A
socialização seqüencial tende a produzir respostas custodiais, enquanto a
randômica tende a expor o novato a ampla variedade de visões e percepções.
Fixa ou variavel: é fixa quando proporciona um cronograma preciso associado a
cada estágio do processo e variável quando não existe cronograma. A
socialização variável tende a produzir respostas custodiais. A lógica é de que a
situação variável produza o máximo de ansiedade e funcione como forte agente
motivador de conformidade.
> Serial ou isolada: a tática é serial quando os membros experientes da
organização servem de modelo para os novatos. Na isolada, o novo empregado
deve
desenvolver sozinho as próprias definições das situações. É mais provável que a
socialização serial produza orientação custodial.
Investidura ou despojamento: investidura está relacionada ao grau de apoio que
os membros experientes da organização atribuem ao novato. Despojamento
é a tática em que os membros experientes desvalorizam o novato. Esta última
tende a conduzir para a orientação custodial.
Van Maanen e Schein (1979) postulam o fato de que a interação das diversas
táticas de socialização provoca resultados diferentes no tipo de resposta do
novato ao processo. Os autores afirmam que a resposta custodial será o resultado
mais provável dos processos de socialização seqüencial, variável e serial,
envolvendo o processo de despojamento. A resposta de inovação de conteúdo é o
resultado provável dos processos coletivo, formal, randômico, fixo e isolado. A
inovação de papel será o resultado mais provável da socialização individual,
informal, randômica e isolada, envolvendo o processo de investidura.
Estudos realizados por Jones (1986) testando o modelo proposto (Quadro 2)
encontram maior relação entre as táticas institucionalizadas e as respostas
custodiais dos novatos. Pelo contrário, as táticas individualizadas produzem
orientação de papel mais inovador.

179

Entretanto, contrariamente ao argumento de Van Maanen e Schein (1979), as


táticas variáveis e o despojamento estão associados às respostas custodiais (os
autores argumentavam que as táticas fixas e as de investidura estariam
associadas às respostas custodiais). Isso sugere que os dois fatores contribuem
para desencoraj ar os novatos de desempenhar seu papel de forma contrária ao
usual na organização devido à habilidade de prever o progresso na organização e
às definições que os outros oferecem da situação. Considerando-se que o novato
sabe qual será seu progresso, ele tende a não balançar o barco e pôr em risco
esse progresso; a dificuldade de aceitar as definições dos outros resulta no
aumento da incerteza ou ansiedade do novato.

6.1 IMPLICAÇÕES NA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

O tamanho e a heterogeneidade da empresa fazem com que as deliberações


sobre um processo de socialização sejam difíceis. Entretanto, as políticas e
práticas de gestão de RH podem ser aperfeiçoadas para influenciar esse
processo. A seguir são apresentadas as principais reflexões sobre as políticas,
identificando-se o efeito e propondo-se alterações.
Para facilitar a análise, será utilizado o estudo de caso de um programa de
trainees (Shinyashiki, 2000), que tem sido uma prática bem disseminada nas
organizações com o objetivo de renovar o quadro de pessoal e preparar talentos
para demandas futuras. Esse estudo de caso foi realizado em uma empresa
multinacional, acompanhando-se um grupo de trainees durante dois anos, desde
sua admissão.
O perfil do trainee e os critérios de seleção eram adequados aos objetivos do
programa, consistindo em prova situacional, envolvimento do gerente no processo
seletivo e testes psicométricos. Entretanto, apesar da existência de um perfil claro,
parecia que a influência das áreas na seleção dos trainees era grande, algumas
vezes, mesmo quando o candidato não preenchia o perfil.
O processo de recrutamento foi realizado com base na procura espontânea e na
seleção interna, o que acabou limitando o número e as competências dos
candidatos e fazendo com que as diferenças entre eles no processo seletivo
fossem pequenas e irrelevantes para alterar a classificação. Essa modalidade de
recrutamento facilita a orientação do papel custodial, pois, quando os candidatos
procuram a empresa através de informações de funcionários ou pela imagem da
organização, ou já pertencem ao quadro da empresa, há uma pré-seleção de seu
perfil e o processo de socialização por antecipação é desencadeado.

Quadro 2.
Classificação das estratégias de socialização

Fonte: Jones (1986).

180

O processo de recrutamento descrevia aos candidatos um programa de trainees


idealizado, e o trainee, ao ser confrontado com a realidade, experimentava
ambigüidade e a necessidade de negociar seu papel nos departamentos,
principalmente quanto ao aspecto de como lidar com a resistência a mudanças. O
processo de seleção poderia ser mais realístico para gerar um processo mútuo,
reduzir o choque com a realidade e a conseqüente insatisfação e ambigüidade
experimentadas pelos trainees. Buckley et ai. (1998) consideram que o
recrutamento realístico diminui as expectativas que estão em desacordo com a
realidade e minimiza os efeitos negativos — turnover, baixa satisfação e falta de
comprometimento. O choque de realidades do grupo dos trainees, que se
desdobrou na experiência de ambigüidade e conflito de papéis, está relacionado
com as percepções da entrada de uma pessoa na organização (Bauer e Green,
1998).
Aparentemente, a concessão de vagas para o programa de trainees era mais fácil
do que para a reposição ou o crescimento do quadro permanente. Isso leva a crer
que um departamento solicitava uma vaga no programa de trainees e não tinha a
intenção de seguir as diretrizes do programa, mas somente de ter um funcionário
a mais. Observava-se muitas vezes que o quadro dirigente se comportava de
forma ambígua. A inserção de um traínee em certa área fazia pressupor que seus
gerentes tinham aderido aos objetivos do programa de mudança, pois este
demandava um conjunto de ações dos gerentes. Entretanto, era freqüente
constatar que alguns deles utilizavam os traínees para atividades cotidianas. Essa
situação levava o trainee a experimentar a ambigüidade de papel. A estratégia de
socialização individualizada amplificava tal ambigüidade à medida que o processo
era conduzido, isoladamente, em cada área. A inclusão de algumas táticas de
socialização institucionalizada, nas quais todos os traínees participariam de
atividades em conjunto, poderia reduzir a influência da diversidade.
As táticas de socialização utilizadas na empresa tinham as características da
individualizada: o processo era informal, não tinha seqüência nem cronograma de
atividades fixas, sendo marcante a ansiedade que essas táticas geravam no
trainee durante o processo de construção de seu papel. O impacto era mais forte
no grupo dos trainees com menos tempo de casa (novos), que tinha recebido
menos informações sobre as exigências do programa e os comportamentos e
atitudes esperados. Os trainees que eram ex-estagiários não sentiam tanta
ambigüidade justamente por já ter sido inseridos no contexto organizacional. Estes
últimos percebiam seu papel como uma extensão do papel de estagiário, quando,
na verdade, se tratava de papéis bastante distintos. Isso, se verdadeiro, pode inibir
a inovação esperada dos participantes do programa.
A tática individualizada acabava, também, por exercer grande controle sobre os
comportamentos e as atitudes dos novatos quando os deixavam sozinhos na
negociação da identidade de seu papel. Isso sugere que o tamanho da
organização e as táticas de socialização isoladamente não são suficientes para
definir um processo de ajustamento, podendo encorajar tanto à conformidade
como à inovação, dependendo da intenção do gerente na adoção da prática de
RH e da permeabilidade da necessidade de mudança existente na organização.
Um programa de mudança, para ter eficácia, depende do grau de crença que os
indutores dessa mudança têm no projeto proposto (Vianna, 1993).

181

As políticas de retenção de trainees não eram coerentes com as atividades de


treinamento e desenvolvimento, pois apesar do investimento que os tomava
valorizados pelo mercado não havia evolução na carreira. Tarefas mais
desafiadoras e a inclusão da variável competência no sistema de remuneração
podem surtir efeito na retenção e na sinalização da necessidade de mudança.
O domínio da linguagem adotada na organização foi a dimensão mais difícil de
aprender. A movimentação pelas diversas áreas dentro do departamento e pelos
diversos departamentos funcionais da organização deve explicar a dificuldade.
Como o grupo de ex-estagiários tinha maior domínio do conteúdo interpessoal da
socialização, provavelmente devido às relações existentes, isso fez com que os
colegas mais experientes representassem uma importante fonte de informação
com relação a conhecimento do cargo, normas e nuanças do trabalho em grupo,
cultura da organização e expectativas. Por outro lado, os trainees novos não
possuíam nenhum referencial anterior no qual pudessem basear suas
expectativas em relação ao papel de trainee. Assim sendo, é possível que as
expectativas fossem influenciadas pela venda da imagem do programa quando da
seleção. Isso explicaria por que esses trainees assumiam postura mais crítica e
manifestavam maiores níveis de ambigüidade e de conflito de papéis.
Esse processo se tomou critico para a formação da identidade dos trainees. Como
a estratégia de socialização era individual e informal, cada trainee se via na
condição de negociar sua identidade com seus coordenadores. Tal situação
ajudou os trainees que tinham a habilidade de percepção da possibilidade de
negociar, aliada à habilidade de negociar, a levar vantagem na construção de sua
identidade em comparação com parte do grupo, que queria que a área de RH
exigisse que os gerentes cumprissem o programa.
A tática de socialização individualizada tornava mais difícil a clarificação do papel.
O esforço marcante dos trainees foi a definição desse papel, e o choque maior foi
o que ocorreu entre a proposta do papel formal e a realidade que encontraram na
área funcional quando o outro não reconhecia esse papel, tornando a interação
conflituosa ou acomodada.
As estratégias mais utilizadas no processo de busca de informações que os
trainees empreendiam para facilitar sua inserção na organização eram observar,
ouvir, participar e assistir. Adicionalmente, pode-se indicar a estratégia de
questionar. Isso mostra a importância da estratégia verbal no processo de
socialização, fazendo com que os trainees com maior habilidade verbal e
interpessoal obtivessem mais êxito no processo de negociação do papel. Explica-
se, então, a forte relação entre o domínio do conteúdo interpessoal da
socialização e a probabilidade de prever a permanência do trainee na empresa.

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AUTOR GILBERTO SHINYASHIKI Professor-doutor da área de recursos humanos


do Departamento de Administração da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-
USP), campus de Ribeirão
Preto. Psicólogo graduado pelo Instituto Metodista de Ensino Superior, mestre e
doutor em Administração
pela FEA-USP Foi aluno visitante na Essec, França, e Fulbright visiting scholar no
Centro de Recursos
Humanos da Wharton School, na Universidade da Pensilvânia (EUA). Atualmente
é diretor de Recursos
Humanos da USP
184

O desenvolvimento das pessoas e a educação corporativa

MARISA EBOLI

1. Introdução

Parece inquestionável a relevância que as áreas de treinamento e desenvolvimento estão


adquirindo sobre as demais funções da gestão de pessoas. A migração do T&D
tradicional para a educação corporativa ganhou foco e força estratégica, evidenciando-se
como um dos pilares de uma gestão empresarial bem-sucedida.
A proliferação de experiências de universidades corporativas, ao mesmo tempo em que
abre possibilidades concretas para transformar em realidade o velho sonho da “integração
escola-empresa”, tem gerado muita discussão e polêmica nos círculos acadêmicos. A
grande questão que se propõe é: as universidades corporativas constituem uma ameaça
ou uma oportunidade para as universidades tradicionais?
As experiências nessa área deveriam servir para tranqüilizar os preocupados com tal
questão, pois a realidade é rica em exemplos de parcerias estratégicas e inovadoras entre
as universidades corporativas e as instituições de ensino superior.
De acordo com estimativas recentes, milhares de empresas norte-americanas criaram
universidades-empresas, faculdades e institutos de ensino para satisfazer as carências de
conhecimento dos

185

empregados. Um dos primeiros e mais notados dentre esses empreendimentos foi a


Universidade Motorola. Pouco tempo depois, porém, essa tendência atingiu todos os
setores de atividade e empresas de todos os tamanhos.
Por que uma empresa deseja criar uma universidade corporativa? De acordo com Tobin
(1998), há várias razões para isso:
Valores: muitos executivos têm a crença de que conhecimento, habilidades e
competências formarão a base da vantagem competitiva futpra de seus negócios, o que
os estimula a investir na abertura de universidades corporativas como meio de intensificar
o desenvolvimento de seus empregados nessas áreas.
Imagem externa: deve causar ótima impressão aos clientes ou sócios o fato de que o
diretor-presidente de uma empresa possa dizer: “Nosso pessoal está sendo treinado em
nossa universidade” ou “Se nós assinarmos este acordo de parceria, poderemos abrir as
portas de nossa universidade para seus empregados”.
Imagem interna: se a iniciativa de instituir a universidade corporativa provier diretamente
de uma organização de treinamento já existente, o grupo de treinamento se empenhará
em obter recursos e reconhecimento para sua empreitada. Afinal de contas, o prestígio
advindo do estabelecimento de uma universidade corporativa vai recair sobre aquele
primeiro grupo de treinamento. Antes era o “grupo de treinamento” ou o “departamento de
treinamento” que se reportava ao vice-presidente de recursos humanos. Agora é a
universidade corporativa que trata diretamente com a presidência. “Eu era gerente de
treinamento, agora sou reitor!”
O fato é que, mantida a atual taxa de crescimento, estima-se que em 2010 o número de
universidades corporativas nos Estados Unidos ultrapasse o volume de universidades
tradicionais existentes naquele país, tornando-se o principal veículo de educação de
estudantes pós-secundários.
No Brasil essa tendência está apenas começando à medida que as empresas começam
também a perceber a necessidade de renovar seus tradicionais centros de T&D de modo
a poder contribuir com eficácia e sucesso para a estratégia empresarial agregando valor
ao resultado do negócio.
Dentro desse contexto, este capítulo pretende lançar alguns aspectos importantes na
reflexão sobre vantagens, possibilidades, desafios e limitações de implantar um projeto de
educação corporativa.
Para tanto o capítulo está estruturado da seguinte forma: primeiro será discutida a
mudança de paradigma da administração taylorista/fordista para a gestão flexível e seu
impacto na formação de pessoas. Em seguida apresenta-se a estreita relação entre as
políticas e práticas de gestão de pessoas e o sucesso obtido pelas empresas,
destacando-se o papel das universidades corporativas como um sistema de
desenvolvimento de pessoas e de talentos alinhado às estratégias de negócio, o que se
evidenciou como poderosa fonte de vantagem competitiva. No terceiro tópico, articulam-
se os conceitos: educação corporativa, gestão do conhecimento e gestão por
competências. Depois serão tratados o contexto de surgimento e a evolução das
universidades corporativas nos Estados Unidos e no Brasil. Posteriormente

186

serão apresentados, de forma sucinta, missão, objetivos, princípios e práticas de uma


universidade corporativa de sucesso. Na seqüência serão abordadas algumas
experiências com parcerias de projetos de educação para setores de atividades
específicos ou para determinadas categorias profissionais. Finalmente, algumas
considerações sobre como implantar sistemas educacionais para enfrentar os desafios de
competitividade dos novos tempos.

2. A passagem da administração taylorista/fordista para a gestão flexível

Quando se discutem as transformações necessárias na região latino-americana para dar


continuidade às reformas e ao desenvolvimento de seus países, evidencia-se a estreita
ligação entre educação, modernidade e competitividade. Um dos maiores obstáculos ao
progresso da América Latina é a falta de investimento na qualificação e educação da
força de trabalho e de desenvolvimento das competências locais. Essa etapa é essencial
na busca de eficácia e competitividade e deve unir progresso e cultura, universo técnico e
cultural.
A troca de paradigma na gestão de empresas, a passagem da administração
taylonsta/fordista para a gestão flexível, gerou forte impacto no comportamento das
organizações. Estruturas verticalizadas e altamente centralizadas cedem espaço para
estruturas horizontalizadas e amplamente descentralizadas. A rígida divisão entre
trabalho mental e manual tende a ser eliminada. Tarefas fragmentadas e padronizadas
tornam-se integrais e complexas, exigindo, em todos os níveis organizacionais, pessoas
com capacidade de pensar e executar simultaneamente.
Se, no primeiro exemplo de administração, a produção era padronizada e centralizada, o
trabalho alienante, a tecnologia de automatização rígida e o trabalhador banalizado e
rotinizado, os novos modelos de gestão mostram a produção fundamentada na
flexibilidade, diversificação e autonomia, o uso da tecnologia de automação flexível e o
perfil do trabalhador gestor.
Na organização taylorista, a mera reprodução de trabalho e conhecimento era suficiente
para um bom resultado nos negócios, e a relativa estabilidade do ambiente externo
permitia a separação entre concepção do trabalho e sua realização. À cúpula
administrativa cabia a responsabilidade de analisar e interpretar o ambiente dos negócios
e definir manuais e regras que deveriam ser seguidos por todos na empresa.
Dentro dessa visão é que se formaram as áreas de T&D das empresas (Treinar. V.t.d. 2.
Tornar apto, destro, capaz para determinada tarefa ou atividade, segundo o Aurélio).
Essas áreas habituaram-se a entregar cursos ao público interno por força de demandas
concretas, oferecendo programas cujo objetivo principal era desenvolver habilidades
específicas que enfatizassem necessidades individuais e sempre dentro do escopo tático.
Como resultado, surgiu um novo ambiente empresarial caracterizado por profundas e
freqüentes mudanças e pela necessidade de respostas cada vez mais ágeis para garantir
a sobrevivência da organização. Tudo isso representa forte impacto

187

sobre o perfil dos gestores e colaboradores que as empresas esperam encontrar nas
próximas décadas. Exige-se cada vez mais das pessoas uma postura voltada para o
autodesenvolvimento e para a aprendizagem contínua. Para implementar esse novo perfil
é preciso que as empresas implantem sistemas educacionais que privilegiem o
desenvolvimento de atitudes, posturas e habilidades, e não apenas o conhecimento
técnico e instrumental.
Essas tendências apontam um novo aspecto na criação de uma vantagem competitiva
sustentável: o comprometimento da empresa com a educação e o desenvolvimento das
pessoas. Surge assim a idéia da universidade corporativa (UC) como eficaz veículo de
alinhamento e desenvolvimento dos talentos humanos com as estratégias empresariais.
O novo estilo de gestão exigirá que se forme uma verdadeira cultura empresarial de
competência e resultado, o que supõe profundas mudanças não só na estrutura, nos
sistemas, nas políticas e nas práticas mas também essericialmente na mentalidade
organizacional e individual.
A educação corporativa será fundamental nesse processo como energia geradora de
sujeitos modernos, capazes de refletir criticamente sobre a realidade organizacional, de
construí-Ia e modificá-la continuamente em nome da competitividade e do sucesso. Além
disso, favorece a inteligência e o alto desempenho da organização na busca incansável
de bons resultados.

3. Gestão de pessoas como fator de sucesso empresarial

Pesquisas enfatizam a relação entre as best practices de RH adotadas pelas empresas,


que as ajudam a atrair, manter e desenvolver os profissionais mais talentosos, e o
sucesso que têm alcançado.
O guia As melhores empresas para trabalhar no Brasil, publicado pela revista Exame,
aponta a mesma direção: as boas práticas de RH resultam em mais lucros, e as
empresas em que melhor se trabalha são as que têm mais sucesso. Ser hoje uma
empresa admirada pelos funcionários e considerada boa para trabalhar adquiriu tamanha
importância que estar incluído na relação do guia da revista Exame tornou-se parte do
plano de metas da área de RH de muitas organizações.
Comparando-se os resultados da pesquisa publicada nos últimos três anos fica bastante
evidente quanto a questão de treinamento, desenvolvimento e educação ganhou força em
relação às outras práticas de RH. Salta aos olhos a quantidade de empresas relacionadas
no guia de 2001 que têm um sistema diferenciado de desenvolvimento de pessoas dentro
do conceito de universidades corporativas. Destacam-se Accor Brasil, Alcoa, Algar, Amil,
BankBoston, Brahma, Elma Chips, McDonald‟s, Microsiga, Nestlé, Orbitall, Serasa, Tigre
e Xerox, dentre outras que estão desenvolvendo projetos similares.
A Pesquisa RH 2010, concluída em 2001 pelo Programa de Estudos em Gestão de
Pessoas (Progep), sob a coordenação dos professores André Fischer e Lindolfo
Albuquerque, também apresenta resultados importantes. Professores, consultores,
diretores de RH e formadores de opinião em geral, segundo a pesquisa, apontam as
empresas que, no Brasil, estão prontas para enfrentar os desafios futuros graças ao

188

modelo de gestão de pessoas que adotam: ABB, Accor Brasil, Alcoa, BankBoston,
Brahma, Citibank, Dow Química, Dupont, Unilever, HP, IBM, 3M, Microsoft, Motorola,
Natura, Nestlé, Rhodia, Siemens e Xerox.
interessante notar que várias dessas empresas, além de ter sólido sistema de educação
corporativa, também se tomaram conhecidas por dispor de uma cultura empresarial
competitiva, que alavanca suas estratégias de negócio. ABB, BankBoston, Brahma, HP e
3M já se tornaram exemplos clássicos no assunto.
Outro resultado importante da pesquisa refere-se aos principais desafios estratégicos de
gestão de pessoas. Os mais mencionados foram:

> atrair, capacitar e reter talentos: 64,20%;


> gerir competências: 48,30%;
>gerir conhecimento: 46,70%;
>formar o perfil de profissional demandado pelo setor: 45,80%.

No tocante às principais tendências de mudança na gestão de pessoas, destacaram-se:

> autodesenvolvimento: 100%;


> comprometimento das pessoas com objetivos organizacionais: 100%;
>educação corporativa: 99%;
>gestão de competências: 99%;
>gestão de conhecimento: 98%.

De acordo com as pesquisas, todas as opiniões convergem para o mesmo sentido: é


absolutamente necessário que as empresas desenvolvam seus talentos e suas
competências para que aumentem a competitividade e obtenham melhores resultados
nos negócios. Para que isso ocorra é necessário que haja ações integradas e conectadas
em todas as esferas, conforme ilustrado na Figura 1.

Figura 1. Educação corporativa: conectividade para competitividade

189

Do ponto de vista do indivíduo, é preciso um estágio de maturidade e autoconhecimento


que permita a conscientização e a internalização do real sentido da aprendizagem e do
desenvolvimento contínuos para que se instalem as competências humanas críticas ao
sucesso da empresa onde trabalha.
Com relação à área de RH, é fundamental que tenha atuação estratégica com uma
gestão por competências que permita o alinhamento de atuação entre competências
pessoais e empresariais. É também crucial medir o que é mais importante para um
resultado de sucesso.
E, finalmente, sob a ótica da empresa, é necessária a criação de condições propícias para
o desenvolvimento de líderes eficientes. Isso significa profundas mudanças não só de
estrutura, sistemas (em especial comunicação e processo decisório), políticas e práticas
mas principalmente de mentalidade, valores e cultura organizacionais. É impossível
querer que as pessoas adquiram novos padrões culturais, abrindo-lhes uma amplitude e
uma profundidade de desejos e sonhos, e ao mesmo tempo continuem inseridas em
organizações fechadas e conservadoras, sem que isso gere forte conflito entre o mundo
interior e o exterior.
E preciso que se consolidem e disseminem seus valores e princípios básicos de
forma consistente para que sejam incorporados, tornando-se norteadores do
comportamento das pessoas e permitindo o direcionamento entre objetivos e valores
individuais e organizacionais.
É fundamental que as práticas de T&D e de educação corporativa favoreçam uma
atuação profissional impregnada de personalidade, criando condições para o
desenvolvimento do conhecimento criador, do empreendedorismo e o florescimento de
líderes eficientes. Mais e mais pode-se perceber a necessidade de as empresas deixarem
de encarar o desenvolvimento de pessoas como algo pontual, treinando- as em
habilidades específicas. A postura voltada à aprendizagem contínua e ao
autodesenvolvimento é um estado de espírito, um processo de constante crescimento e
fortalecimento de indivíduos talentosos e competentes. Cabe às organizações, entretanto,
criar um ambiente favorável para sua manifestação.

4. O contexto de surgimento das universidades corporativas

É sabido que, neste milênio, a base geradora da riqueza das nações será constituída pela
organização social e pelo conhecimento criador. Não é por coincidência que o tema
universidades corporativas desperta tanto interesse nas empresas realmente
preocupadas com a competitividade, propiciando ao mesmo tempo encantamento e
polêmica.
A universidade corporativa surge no século XXI como o setor de maior crescimento no
ensino superior. Para compreender sua importância tanto como novo padrão de educação
superior quanto, em sentido amplo, como instrumento-chave de mudança cultural, é
necessário compreender as forças que sustentaram o aparecimento desse fenômeno
(Meister, 1999). Em essência, são cinco:

190

>Organizações flexíveis: a emergência da organização não-hierárquica, enxuta e


flexível, com capacidade de dar respostas rápidas ao turbulento ambiente empresarial.
>Era do conhecimento: o advento e a consolidação da economia do conhecimento, na
qual este é a nova base da formação de riqueza no nível individual, empresarial ou
nacional.
>Rápida obsolescência do conhecimento: a redução do prazo de validade do
conhecimento associado ao sentido de urgência.
>Empregabilidade: o novo foco na capacidade de empregabilidade/ocupacionalidade
para a vida toda em lugar do emprego para toda a vida.
>Educação para a estratégia global: mudança fundamental no mercado da educação
global, evidenciando-se a necessidade de formar pessoas com visão global e perspectiva
internacional dos negócios.
Essas tendências apontam fortemente um novo e importante aspecto na criação de uma
vantagem competitiva sustentável — o comprometimento da empresa com a educação e
o desenvolvimento dos funcionários, surgindo assim a idéia da universidade corporativa
como ferramenta eficaz de alinhamento e desenvolvimento dos talentos para as
estratégias empresariais. A realidade mudou, exigindo que todas as pessoas de todos os
níveis da empresa tenham bem desenvolvida sua capacidade de criar trabalho e
conhecimento organizacional, contribuindo de maneira efetiva para o sucesso dos
negócios.
Os mais tradicionalistas de modo geral torcem o nariz para o emprego indevido do termo
universidade, sendo esse um dos primeiros questionamentos sobre o assunto. A
expressão universidade corporativa foi cunhada nos Estados Unidos e, indubitavelmente,
tem forte apelo mercadológico, pois é um dos principais simbolos associados à
aprendizagem e à educação. Acredita-se que tal escolha se relacione a:
>uma reverência às escolas tradicionais de Administração por conciliarem atividades de
pesquisa, docência e prestação de serviços;
>uma autocrítica feita pelas próprias empresas à postura imediatista de apenas “consumir
conhecimento rápido e utilitário”;
> uma critica construtiva às escolas tradicionais de Administração e Negócios, que foram,
em muitos casos, se distanciando da realidade vivida pelas empresas.
importante dizer que outras nomenclaturas são empregadas para se referir à UC:
organização-instrutora, universidade-empresa e até mesmo organização qualificada. Não
são termos mutuamente excludentes. O que importa, entretanto, é que seja um sistema
de desenvolvimento de talentos cujo processo respeite seus pressupostos e princípios de
concepção e implementação.
Outro ponto polêmico da utilização da expressão UC é: não seria apenas uma forma
sofisticada, ou até pretensiosa, de nomear as áreas de T&D nas empresas? Até pode ser,
pois o prestígio advindo do estabelecimento de uma UC é grande. Como já foi dito, antes
era o “grupo de treinamento” ou o “departamento de treinamento” que se reportava ao
diretor ou vice-presidente de RH. Agora é a UC que trata diretamente com a presidência.

191

Tampouco nada impede que seja adotado o rótulo e não seja incorporada a prática,
mantendo-se os vícios e práticas do mais obsoleto centro de T&D. Mas o que se deve ter
em mente é que a UC é mais que uma nomenclatura que se convencionou.
A UC, portanto, é um sistema de desenvolvimento de pessoas pautado pela gestão por
competências. As UCs estão para o conceito de competência assim como os tradicionais
centros de T&D estiveram para o conceito de cargo.
Ao longo deste capítulo o leitor verá que os termos universidade corporativa e educação
corporativa serão usados livremente, como equivalëntes. Talvez não seja uma
aproximação totalmente correta do ponto de vista conceitual, mas, na medida em que o
surgimento do conceito de universidade corporativa foi o grande marco da passagem do
centro de T&D tradicional para uma preocupação mais ampla e abrangente com a
educação de todos os funcionários de uma empresa, na prática é a universidade
corporativa que traz à tona a nova modalidade de educação corporativa.
Uma forma de avaliar o real fôlego de um projeto de UC é observar se a empresa também
está trabalhando com o conceito de competência em outros subsistemas da gestão de
RH, e não apenas em T&D. Se o conceito de competência é incorporado e assimilado
como um valor da empresa, esta tende a contratar por competência, a remunerar por
competência, a avaliar por competência etc. Torna-se, mais que um conceito, um valor e
uma prática empresarial. Dessa forma, a UC evidencia-se como uma mudança
significativa em relação ao ultrapassado centro de T&D.
A propalada gestão do conhecimento torna-se fundamental para o sucesso das
empresas. Preocupadas, as organizações estão entrando numa nova realidade,
reconhecendo a rápida obsolescência do conhecimento e a necessidade de não só
assimilar mas também gerar conhecimentos, especialmente os vinculados aos negócios
da empresa.
O número de organizações com UC nos Estados Unidos cresceu de 400 em 1988 para
aproximadamente 1.600 em 1998. As experiências mais famosas são as de empresas
como AT&T, Deli, Disney, First Union Bank, Ford, General Electric, General Motors,
Lucent, McDonald‟s, Motorola e Xerox. Os custos ficam em torno dos mesmos 3% a 5%
da folha de pagamento gastos com os centros de T&D tradicionais.
No Brasil, as experiências pioneiras bem-sucedidas são de empresas como Accor Brasil,
Algar, ABN-RealAmiI, Brahma, BankBoston, Carrefour, Datasul, Elma Chips,
Fischer&America, Illy Café, McDonald‟s, Metrô, Motorola, Novartis
Agribusiness, Orbitail, Sabesp, Siemens, Souza Cruz, Telemar, Unimed e Visa.
As organizações que aplicam os princípios inerentes à UC estão criando um sistema de
aprendizagem contínua em que toda a empresa aprende e trabalha com novos processos
e novas soluções e compreende a importância da aprendizagem contínua vinculada a
metas empresariais.

5. Articulação de conceitos: educação corporativa, gestão do conhecimento e


gestão por competências

Escanear o futuro para antecipar uma nova onda de tendências, que permita incorporar
práticas organizacionais que façam as pessoas trabalhar cada vez mais, melhor e mais
rápido, é uma preocupação constante.

192

Não por coincidência, as empresas interessadas em projetos de educação corporativa


são as que realizam esforços intensos para mapear suas competências criticas e
investem em gestão do conhecimento.
Para um entendimento simplificado de competência, ela é resultante de três
fatores básicos:

>Conhecimentos: relacionam-se à compreensão de conceitos e técnicas — o saber fazer.


> Habilidades: representam aptidão e capacidade de realizar e stão associadas à
experiência e ao aprimoramento progressivo — o poder fazer.
>Atitudes: apresentam a postura e o modo através do qual as pessoas agem e procedem
em relação a fatos, objetos e outras pessoas de seu ambiente — o querer fazer.

Com a gestão do conhecimento é possível construir as competências criticas, ou seja,


aquelas que irão diferenciar a empresa estrategicamente.
Na Figura 2, apresentam-se de maneira simplificada as principais idéias abordadas até
este ponto sobre as relações entre competências, gestão do conhecimento,
aprendizagem e um sistema de educação corporativa integrador e articulador desses
conceitos.

Basicamente três questões devem ser respondidas:

a) Por que implantar um sistema de educação corporativa?


Refere-se ao motivo principal de implantação de um sistema de educação corporativa,
que é elevar o patamar de competitividade empresarial através do desenvolvimento, da
instalação e da consolidação das competências criticas empresariais e humanas.

Figura 2. Educação corporativa: articulação dos conceitos de competência, gestão


do conhecimento e aprendizagem

193

b) O que fazer para implantar um sistema de educação corporativa?


Refere-se ao que deve ser feito para que um sistema de educação corporativa seja eficaz,
isto é, aumentar a inteligência da empresa através da implementação de um modelo de
gestão de pessoas e da gestão do conhecimento.
c) Como fazer?
Para que um sistema de educação corporativa atinja seus propósitos é fundamental que
pessoas motivadas se envolvam e se comprometam. Só através das pessoas será
construído um sistema de educação verdadeiramente simples e eficaz. Para tanto, é
essencial a criação de um ambiente e uma cultua empresarial cujos princípios e valores
disseminados sejam propícios a processos de aprendizagem ativa e contínua que
despertem e estimulem nas pessoas a postura do autodesenvolvimento e favoreçam a
formação e a atuação de lideranças educadoras.
Adotar uma estratégia baseada nos talentos significa que as empresas levam mais a sério
a questão de formação, desenvolvimento e retenção desses talentos. Nada mais simples
que a noção de que as pessoas farão a diferença entre empresas vencedoras e
perdedoras. Isso significa o retorno à simplicidade de idéias e práticas, pois a única
prática realmente de sucesso será a valorização do que existe de mais simples e
profundo no ser humano: sonhos, valores e princípios motivadores do comportamento
traduzidos em objetivos que estimulem a curiosidade e a vontade de aprender, inerentes
à natureza humana, e o principal: que sejam concretizados em ações e resultados
visíveis.

6. Universidades corporativas: conceito, princípios e práticas

A missão de uma UC consiste em formar e desenvolver talentos na gestão dos negócios,


promovendo a gestão do conhecimento organizacional (geração, assimilação, difusão e
aplicação), através de um processo de aprendizagem ativa e contínua. O objetivo
principal desse sistema são o desenvolvimento e a instalação das competências
empresariais e humanas consideradas críticas para a viabilização das estratégias de
negócio.
De forma geral as experiências nessa área enfatizam os seguintes objetivos globais:
>difundir a idéia de que o capital intelectual será o fator de diferenciação das empresas:
>despertar nos talentos individuais a vocação para o aprendizado;
> incentivar e estruturar atividades de autodesenvolvimento;
> motivar e reter os melhores talentos, contribuindo para o aumento da felicidade pessoal
dentro de um clima organizacional saudável;
>responsabilizar cada talento pelo processo de autodesenvolvimento.
Um projeto bem-sucedido de UC corresponde à implementação de aspectos como a
definição clara do que é crítico para o sucesso da empresa; a realização do diagnóstico
das competências críticas empresariais e individuais; o foco no aprendizado
organizacional, fortalecendo a cultura corporativa voltada à aprendizagem, inovação e
mudança constante; a adoção do conceito de educação inclusiva, contemplando o público
interno e externo, ou seja, incluindo toda a cadeia de agrega-

194

ção de valor — clientes, fornecedores, distribuidores, parceiros, familiares e comunidade


—; a ênfase em programas orientados para as necessidades dos negócios; e a venda de
serviços, tomando-se um centro de resultados.
As experiências de implantação de projetos de UC tendem a se organizar em tomo de
alguns princípios. O primeiro deles diz respeito ao desenho de programas que incorporem
a identificação das competências críticas empresariais e humanas. O segundo aspecto
refere-se à migração do modelo sala-de-aula para múltiplas formas de aprendizagem —
aprendizagem a qualquer hora e em qualcuer lugar. Outros pontos correspondem ao
delineamento de programas que reflitam o compromisso da empresa com a cidadania
empresarial, ao estímulo de gerentes e líderes para o envolvimento com o processo de
educação, assumindo assim o papel de agentes de mudança, formadores de talentos e
disseminadores da cultura organizacional, e à criação de sistemas eficazes de avaliação
dos investimentos e dos resultados obtidos.
No quadro abaixo sintetizam-se as oito práticas de sucesso para um projeto de educação
corporativa:

EDUCAÇÃO CORPORATIVA

PRINCÍPIOS DE SUCESSO

1. Ações e programas educacionais concebidos com base na identificação nas


competências críticas (empresariais e humanas).

2. O sistema de gestão do conhecimento estimula o compartilhamento de conhecimentos


e a troca de experiências.

3. Intensiva utilização da tecnologia aplicada à educação : “Aprendizagem a qualquer hora


e em qualquer lugar”.

4. Forte compromisso da empresa com a cidadania empresarial.


5. Veículo de fortalecimento e disseminação da cultura.

6. Líderes e gestores se responsabilizam pelo processo de aprendizagem.

7. Na avaliação dos resultados dos investimentos em educação são considerados os


objetivos do negócio.

8. Formação de parcerias com instituições de ensino superior.

PRÁTICA 1: AÇÕES E PROGRAMAS EDUCACIONAIS CONCEBIDOS COM BASE NA


IDENTIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS CRITICAS (EMPRESARIAIS E HUMANAS)

Para que seja construída com sucesso a ponte entre o desenvolvimento de talentos
(competências humanas) e as estratégias de negócio (competências empresariais), o
projeto de educação corporativa deve contemplar a identificação, a formação e a
mobilização dessas competências no sentido de agregar valor ao negócio.
O conceito de competências críticas, criado por C. K. Prahalad e Gary Hamel, dois dos
maiores gurus da estratégia empresarial, é amplamente conhecido e aceito no mundo
corporativo. Os próprios autores têm reforçado com muita ênfase a necessidade de as
empresas reexaminarem suas competências, incorporando e administrando as novas
competências requeridas, por causa das significativas mudanças em andamento no
contexto global.

195

No entanto, a ampla aceitação do conceito de competências críticas não corresponde


necessariamente a uma aplicação correta desse conceito. Por isso, é conveniente
relembrar alguns aspectos centrais:
>As competências críticas devem oferecer reais benefícios aos clientes e
consumidores: um bom exemplo é o caso da Odebrecht, que além da notória
capacidade de executar obras possui duas competências críticas que a distinguem da
concorrência: a habilidade de apoiar seus clientes ia montagem de sofisticadas equações
financeiras e a capacidade logística de mobilizar obras em remotas regiões do planeta.
> As competências críticas devem ser difíceis de imitar, mas não são eternas:
a Avon foi pioneira em investir na relação vendedora-consumidora, pois teve a clareza de
que confiança seria o fator crítico de sucesso de uma empresa apoiada no sistema de
vendas diretas. Consolidou tal competência e notabilizou-se mundialmente. As empresas
concorrentes, entretanto, estão atentas para a importância dessa competência e
começam a investir nessa relação. Foi muito difícil a imitação durante longos anos, mas, a
partir do momento em que isso começa a ser feito com sucesso pela concorrência, esse
relacionamento não é mais uma competência crítica da Avon. Competências críticas não
são eternas.
> As competências críticas não se limitam apenas às paredes da organização:
competências críticas também podem estar fora da empresa, na cadeia de agregação de
valor — sócios, parceiros, fornecedores, distribuidores etc. Um exemplo clássico é o da
Brahma. A maior competência da Brahma, além da boa qualidade do produto que vende,
é a eficaz rede de distribuição. De nada adianta fazer uma excelente cerveja e investir em
publicidade se o produto não está disponível nas condições ideais de consumo quando
alguém pede “uma cerveja bem geladinha” em qualquer ponto do país.
>As competências críticas não se limitam aos produtos físicos ofertados:
competências críticas podem estar ligadas a aspectos simbólicos do produto, esses sim
agregadores de real valor para os consumidores. o caso do McDonald‟s: dentro da
Universidade do Hambúrguer as pessoas são preparadas e capacitadas para atuar nos
atributos de rapidez e padronização dos produtos, que dão sustentação ao simbólico
“segurança da família”, no qual reside sua verdadeira competência para o sucesso.
O Quadro 1 ilustra o elo de encadeamento entre a definição das competências
empresariais, sua tradução para áreas específicas ou processos da empresa e a
competência humana requerida para apoiá-las.
Parece evidente a urgência de as empresas aplicarem corretamente o conceito de
competências críticas para que possa ser realizado um diagnóstico profundo e
consistente, o que facilitará decisões adequadas e integradas sobre gestão de talentos,
tais como o perfil daqueles que devem ser recrutados, os estilos de liderança, o sistema
de avaliação e remuneração e o desenho dos programas educacionais. Tudo isso,
obviamente, tendo-se como alvo as competências humanas que precisam ser adquiridas,
desenvolvidas e instaladas para que esses talentos estejam aptos a viabilizar as
competências empresariais, formando-se assim a cadeia de competências.

196

Quadro 1. Cadeia de competências: alguns exemplos

Resumidamente, um diagnóstico consistente das competências críticas deve ser realizado


em duas etapas:
1. Competências empresariais: são as competências críticas já instaladas e por adquirir
para que a empresa aumente e consolide cada vez mais sua capacidade
de competir dentro da estrutura de seu setor de atuação.
2. Competências humanas: são as competências que precisam ser adquiridas e
desenvolvidas na esfera individual para que a empresa tenha sucesso em seus objetivos
estratégicos. São competências de negócio, gerenciais, técnicas e comportamentais
daqueles que exercem funções críticas na empresa e devem refletir as principais
vertentes do diagnóstico de competências empresariais realizado anteriormente.
Assim, a educação corporativa cumprirá seu papel de principal veículo de integração e
disseminação de uma cultura empresarial de competência e resultado, apoiando todos os
talentos internos e externos no processo de aquisição das competências humanas críticas
que irão agregar valor ao negócio, gerando resultados para a empresa, seus clientes,
acionistas e a comunidade.

PRÁTICA 2: O SISTEMA DE GESTÃO DO CONHECIMENTO ESTIMUlA O


COMPARTWHAMENTO DE CONHECIMENTOS E A TROCA DE EXPERIÊNCIAS

O conhecimento como a principal fonte de vantagem competitiva das empresas que visam
ao desenvolvimento sustentável é uma verdade que vem conquistando defensores em
todas as esferas da vida organizacional.
O desafio das empresas realmente competitivas não é mais simplesmente produzir bens
e serviços, mas desenvolver atividades que gerem soluções integradas não só para
clientes e consumidores mas para toda a cadeia de agregação de valor.
Observa-se, na vivência das empresas, que a ênfase principal da gestão do
conhecimento ainda se refere ao aspecto técnico, ou seja, à implantação de um sistema
grandioso e abrangente do ponto de vista da estrutura tecnológica necessária para que a
gestão do conhecimento ocorra. Sem dúvida, a estrutura tecnológica é

197

fator importante e facilitador do compartilhamento de conhecimento, mas não condição


suficiente. A participação e a mobilização das lideranças e de suas equipes são
fundamentais para que o sistema ganhe vida e assim atinja os objetivos propostos.
Gerar e transferir conhecimento na empresa é sempre um processo de aprendizagem
organizacional sobre o qual ela, a empresa, também pode e deve ter influência. Os
principais desafios das empresas nessa área são:
> aprender a lidar com a rápida obsolescência do conhecimento, isto é, a redução do
prazo de validade do conhecimento associado ao sentido constante de urgência;
> incorporar ritmo, rapidez e precisão, que são os princípios fundamentais da gestão do
conhecimento;
>entender que conhecimento não é coleção, é conexão. Muitas vezes, mais importante do
que gerar novos conhecimentos é fazer novas conexões com conhecimentos já existentes
e disponíveis sobre o negócio da empresa. Estimular a criatividade coletiva é fator crucial
nesse aspecto;
>descobrir as formas pelas quais a aprendizagem pode ser estimulada e intensificada;
>investigar como o conhecimento organizacional pode ser gerenciado para dar suporte à
viabilizaçáo das estratégias de negócio da empresa através do desenvolvimento e da
instalação das competências criticas;
> ampliar a rede de relacionamentos internos e externos da organização.
Para que um sistema de gestão do conhecimento favoreça a inteligência empresarial e
seu alto desempenho, é fundamental intensificar e otimizar as atividades relacionadas ao
ciclo de gestão de conhecimentos específicos sobre o negócio e a empresa. As etapas
principais desse ciclo são:
> Geração: refere-se ao processo de pesquisar, procurar e validar conhecimentos.

> Assimilação: diz respeito ao processo de educar as pessoas para que assimilem os
conhecimentos essenciais (compreensão de conceitos e técnicas que permitam que as
pessoas saibam executar determinada atividade).
> Comunicação: é o processo de divulgar os conhecimentos organizacionais para que se
transformem em inteligência empresarial.
> Aplicação: relaciona-se a ações e processos que estimularão o desenvolvimento de
habilidades (aptidão e capacidade de realizar) e atitudes (postura e modo através do qual
se procede em relação a fatos e pessoas do ambiente) para que se possa e queira atuar
aplicando os conhecimentos assimilados de forma consequente, gerando assim
resultados e agregando valor ao negócio. É nesse momento que o conhecimento se
converte em competência.
Neste ponto, chega-se a uma importante reflexão: que ações e práticas gerenciais
poderiam ser implementadas no cotidiano de trabalho de tal maneira que motivem as
equipes a gerar, assimilar, comunicar e aplicar os conhecimentos orga-

198
nizacionais? Tais atividades e práticas darão vida e sustentação ao sistema como um
todo. Pensando-se com seriedade e profundidade nessas práticas, perceber-se-á que um
sistema de gestão do conhecimento também é responsabilidade de todos, e não apenas
da área de tecnologia da informação da empresa.
Só com a participação ativa de pessoas motivadas, envolvidas e comprometidas no dia-a-
dia com todo o projeto é que será construído um sistema de gestão do conhecimento
verdadeiramente eficaz. Para tanto, é essencial que se criem um ambiente e uma cultura
empresarial cujos princípios e valores disseminados sejam propícios à formação e
atuação de lideranças exemplares, que implementem processos de aprendizagem, que
despertem e estimulem as pessoas ao desenvolvimento e à instalação de suas
competências críticas e que as conectem com as estratégias de negócios. Só assim será
possível aumentar a inteligência empresarial e obter patamares cada vez mais elevados e
diferenciados de desempenho.

PRÁTICA 3: INTENSIVA UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA APLICADA À EDUCAÇÃO.


“APRENDIZAGEM A QUALQUER HORA E EM QUALQUER LUGAR”

As universidades corporativas surgiram e se propagaram por meio de um novo contexto


empresarial caracterizado pela “era do conhecimento”, na qual o conhecimento é a nova
base de formação de riqueza no âmbito individual, empresarial e nacional, e pela rápida
obsolescência do conhecimento associada ao sentido de urgência.
A universidade corporativa é sobretudo um processo e uma mentalidade que permeiam
toda a organização, e não apenas um local físico de aprendizado. Deve estimular as
pessoas a compartilharem os conhecimentos e as competências, criando e fortalecendo
uma rede interna e externa de conhecimentos. Nesse sentido, a utilização da tecnologia
transforma-se numa prática social saudável e moderna que permite unir universo técnico
e cultural.
Muitas universidades implantadas pelas empresas não têm campus nem instalações
físicas definidas. Muitas são virtuais, utilizando-se da tecnologia já disponível e
propiciando a realização do aprendizado “a qualquer hora e em qualquer lugar”, o que foi
enormemente facilitado pela chamada era da economia digital. Graças à realidade virtual,
a aprendizagem virtual tem impactado fortemente a maneira de as empresas renovarem
seus tradicionais centros de treinamento, mostrando-se muito eficazes em:
>estimular as pessoas ao aprendizado contínuo;
>estimular as pessoas a se responsabilizarem pelo processo de autodesenvolvimento;
>favorecer o compartilhamento do conhecimento organizacional;
>fazer com que as pessoas aprendam mais sobre o negócio da empresa;
>melhorar a comunicação interna e externa;
>ampliar a quantidade e a qualidade da rede de relacionamentos com toda a cadeia de
agregação de valor: fornecedores, distribuidores, clientes, comunidade etc.;

199

>melhorar significativamente o serviço aos clientes;


>diminuir os custos com treinamento;
>aumentar a produtividade.
As experiências mais bem-sucedidas de universidade corporativa estão fundamentadas
na educação a distância e na utilização intensiva da tecnologia, em suas mais diversas
formas, para criar um ambiente organizacional propício à aprendizagem ativa, contínua e
compartilhada. Esse aspecto tem-se mostrado essencial para aumentar a autonomia dos
aprendizes e descentralizar o pr6cesso de aprendizado, favorecendo assim o aprendizado
coletivo de forma concreta, e não apenas retórica.
As promessas sedutoras da tecnologia aplicada à educação, permitindo que as pessoas
aprendam mais, melhor e mais rápido, e assim se tornem mais inteligentes e
competentes, estão deixando a todos como que hipnotizados. Tamanha é a euforia sobre
esse assunto que às vezes temos a impressão de que, em vez de nos apoiar na
tecnologia como recurso de suporte à aprendizagem e à vida, estaríamos nos colocando
a seu reboque, permitindo que ela defina prioridades e agendas da educação corporativa.
Nessa área, é sempre bom relembrar os sábios conselhos de John Naisbitt (2000), que ao
mesmo tempo em que nos desperta para a relevância da alta tecnologia também nos
aconselha a não ignorar a importância do alto contato humano...
O número de interessados em educação que utilizam as mais novas tecnologias tem
crescido de forma explosiva nos últimos anos. Milhões de dólares são gastos em
equipamentos, computadores, vídeos, satélites, hardware e software na esperança de
instrumentalizar estudantes de todas as idades para que adquiram as competências
requeridas no mundo atual.
Muitas dúvidas ficam no ar: investir em que tipo de educação utilizando-se a tecnologia?
uma boa idéia para quem? Em que condições? É necessário saber quem será afetado,
como e por qual prática específica. O fato é que essas questões ainda não estão
completamente esclarecidas nem mesmo perto de ser esgotadas.
Certa ocasião, quando indagado se a educação a distância vai substituir a forma
tradicional de ensino ou se é um complemento, ou seja, uma forma de atualização
constante de executivos e pessoas que contam com pouco tempo para freqüentar salas
de aula, o professor Fredenc Litto, presidente da Associação Brasjleira de Educação a
Distância (Abed) e coordenador científico da Escola do Futuro da USP, disse: “Acho que a
resposta certa é: as duas coisas. Vai substituir professores desatualizados por aqueles
atualizados e dinâmicos de outros locais que podem agora ser „transportados‟ pelas
novas tecnologias até qualquer lugar virtualmente. Mas acredito que o fator de
flexibilização vai falar mais alto. Imagine assistir a uma aula no domingo às 6 horas,
porque é o único momento disponível na semana, ou às 23 horas, especialmente as
pessoas que possuem maior facilidade de concentração no período noturno”. Ainda
segundo o professor Litto, a definição de que tipo de tecnologia utilizar depende da
natureza do conteúdo do curso, do público-alvo e do “estilo” didático preferencial do
professor responsável pela realização do curso. Quanto ao tutor, monitor ou facilitador
para manter a discussão entre os alunos

200

dentro do canal central de conteúdo, ele considera isso realmente essencial. Acredita
também que, embora o e-learning ainda esteja dando seus primeiros pas505 no Brasil,
não é apenas mais um modismo das novas tecnologias de informação: ele veio realmente
para ficar e, sem sombra de dúvida, crescerá e será tão importante na sociedade quanto
toda a educação presencial.
Na prática, o que se tem visto, de um lado, é a dificuldade de encontrar no mercado quem
ofereça com a mesma qualidade o trinômio conteúdo-tecnologia-serviços para atender às
necessidades das empresas. De outro lado, muitas vezes as próprias empresas não têm
clareza de suas necessidades nessa área.
De acordo com Marcelo Fernandes, da Mentor Tecnologia, o fator primeiro que tem de ser
considerado para analisar as soluções mais adequadas à aprendizagem mediada por
tecnologia (AMT) é o que se pretende de um projeto dessa natureza: se é um programa
de treinamento, cujo objetivo é melhorar o desempenho das pessoas, com foco em uma
tarefa específica, e de alcance de curto prazo; se é um programa de desenvolvimento,
cujo objetivo é capacitar os profissionais a assumir novas e futuras posições na carreira,
tendo alcance de médio prazo; ou se é um programa de educação, cujo objetivo é formar
a pessoa para sua vida e para o mundo, tendo assim alcance de longo prazo. No
treinamento, o aspecto principal a ser trabalhado é o conhecimento — o saber fazer pela
transmissão de instruções. O tipo de domínio é psicomotor-cognitivo e requer que o
problema seja de tipo bem estruturado, enfatizando a compreensão e a aplicação do
conteúdo assimilado. Já em um programa de desenvolvimento, a tônica é a
implementação de habilidades — o poder fazer, sendo essencial a preparação para
políticas práticas organizacionais. O domínio é cognitivo-comportamental, e o problema
tanto pode ser de tipo bem estruturado quanto pouco estruturado. Finalmente, teríamos
os programas de educação, em que a questão da atitude — o querer fazer — é o principal
ponto a ser desenvolvido mediante a transmissão de valores que orientem a postura
profissional. O domínio é cognitivo-comportamental, e o problema é de tipo pouco
estruturado, privilegiando análise, síntese e avaliação de situações.
Essas definições tornam possível estabelecer as características mais adequadas ao
projeto de AMT, ou seja, um sistema de suporte ao desempenho, por exemplo, no caso
de treinamento, ou uma classe virtual (assíncrona ou síncrona), no caso de um programa
de educação, ou ainda uma combinação dos dois, no caso de um programa de
desenvolvimento. O Quadro 2 sintetiza essas idéias.
Finalmente, cabe salientar que, além de todos esses fatores, outro aspecto crucial a ser
considerado é a cultura organizacional. Para que a AMT atinja os objetivos desejados é
condição essencial que os participantes dos programas tenham uma nova atitude perante
o seu papel de alunos, que deve necessariamente ser proativa e acompanhada de uma
postura constante de autoconhecimento e de autodesenvolvimento. Do ponto de vista das
lideranças é essencial que estas assumam seu papel de educadores e também se
responsabilizem pelo processo de aprendizagem de suas equipes. E tudo isso, é lógico,
reforçado por uma cultura organizacional cujos valores, traços e pressupostos básicos
consolidem e disseminem a valorização da diversidade, do pensamento sistêmico, da
iniciativa, da inovação, da responsabilidade, da orientação para o futuro, da liberdade, da
comunicação intensa, do

201

Quadro 2. Tipo de programa versus tipo de AMT

compartilhamento de experiências e do trabalho de equipe como pilares do auto-


desenvolvimento contínuo.
Parece muito complicado? Pode ser, mas foi encarando com coragem esses desafios que
empresas como Real-ABN Amro Bank, BankBoston, CEF, Carrefour, Embraer, 3M,
Microsiga, Origin, Promon, Sabesp, Siemens, Unilever, Unimed e Xerox, dentre outras
que hoje são referência nacional por seus bem-sucedidos projetos de educação
corporativa, implementaram a educação a distância, propiciando assim a aprendizagem
ativa e contínua a qualquer hora e em qualquer lugar!
É necessário formular sistemas educacionais competitivos que incorporem novos
elementos, tais como recursos tecnológicos e métodos de aprendizagem, que favoreçam
a conectividade, customização, interatividade e simultaneidade. Os que se negarem a
aceitar a importância da tecnologia aplicada à educação empresarial estarão em sénas
dificuldades para formar e desenvolver pessoas talentosas, capazes de articular conceitos
e práticas, de refletir cnticamente sobre as experiências, de interagir no ambiente dos
negócios e de atuar de forma ágil, eficaz e competitiva.

PRÁTICA 4: FORTE COMPROMISSO DA EMPRESA COM A CIDADANIA


EMPRESARIAL

No mundo corporativo, a preocupação com o tema da cidadania empresarial vem


ganhando cada vez mais espaço na agenda das empresas, que se sentem estimuladas a
adotar posturas firmes e inovadoras diante de questões relativas à ética e à
responsabilidade social, imprimindo assim qualidade superior na relação empresa-
sociedade.
Exercitar a cidadania individual e corporativa tem-se mostrado uma das práticas mais
eficazes no desenvolvimento de pessoas talentosas e competentes que

202

desempenham o papel de atores sociais na construção e na transformação da realidade


organizacional e contribuem para que a organização também cumpra sua função de
empresa-cidadã.
Um dos princípios fundamentais das UCs é o de que o desenvolvimento da cidadania
corporativa seja contemplado na elaboração de seus currículos, uma vez que esse tipo de
ação:
>estimula o orgulho do funcionário e fortalece seu vínculo com empresa;
>contribui na construção de uma relação diária mais saudável e produtiva entre gestores
e funcionários e de relações positivas em negócios com outras organizações;
> favorece a atração e a manutenção de empregados de alto quilate.
As pesquisas realizadas sobre o tema apontam os principais efeitos dos programas
empresariais de atuação social:
> as pessoas tendem a sentir muita simpatia e até orgulho por trabalhar em uma
organização consciente de sua responsabilidade social, que facilita a participação dos
próprios funcionários em atividades de projetos sociais sob a forma de trabalho voluntário;
>a auto-estima das pessoas também se eleva quando sua atuação em projetos sociais
melhora a percepção que têm de sua capacidade de realizar trabalhos interessantes e
importantes que beneficiam alguém. Esse sentimento de ser útil, do qual o trabalho
moderno é tão escasso, eleva o nível de satisfação, motivação e felicidade;
> as pessoas tendem a desenvolver posturas e relações mais solidárias e cooperativas,
que facilitam as atividades de grupo, a gestão da diversidade e a interação entre níveis
diferentes e áreas diversas, além de desenvolver a criatividade e a inovação na solução
de problemas. Em outras palavras: a aquisição e a instalação de competências humanas
essenciais ao sucesso das empresas.
Não é mero acaso o fato de que as empresas pioneiras na implantação de projetos de
educação corporativa no Brasil também o são no que se refere a programas de cidadania
empresarial. Criam assim uma sinergia fantástica na formação de pessoas internamente
fortalecidas, que se inserem nas relações sociais e se responsabilizam pela construção e
transformação da própria realidade, favorecendo a modernidade da organização e da
sociedade.

PRÁTICA 5: VEÍCULO DE FORTALECIMENTO E DISSEMINAÇÃO DA CULTURA

Tenho enfatizado que a educação corporativa é um dos principais veículos de


consolidação e disseminação da cultura empresarial. de fundamental importância que os
responsáveis pela concepção, pelo desenho e pela implementação das ações e dos
programas educacionais aprofundem seus conhecimentos sobre educação e

203

pedagogia para que tenham clareza dos impactos da educação corporativa no processo
de fortalecer, consolidar e disseminar a cultura organizacional. Sempre é oportuno
relembrar que:
> Educação designa o processo de desenvolvimento e realização do potencial intelectual,
físico, espiritual, estético e afetivo existente em cada ser humano (Marques, 2000).
Designa também o processo de transmissão da herança cultural às novas gerações.
Assim sendo, educação diz respeito à influência intencional e sistemática sobre o ser
humano com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo em uma sociedade a fim de
conservar e transmitir a existência coletiva (Luzunaga, 1990).
> Pedagogia refere-se à reflexão sistemática sobre educação. É a reflexão sobre
modelos, métodos e técnicas de ensino, ou seja, é a ciência da educação, a arte e a
técnica de ensinar e está intimamente relacionada com filosofia, psicologia, sociologia etc.
(Luzuriaga, 1990).
Fazendo-se um contraponto dos dois conceitos, pode-se dizer resumidamente que
educação é prática, é experiência e realidade vivida, enquanto pedagogia é teoria, é
pensamento e ideal a ser vivido. Ao analisar a relação entre filosofia e
educação/pedagogia, pode-se dizer que não há uma pedagogia isenta de pressupostos
filosóficos.
Existem basicamente três grupos de entendimento do sentido da educação na sociedade
(Luckesi), que se revelam em três tendências filosófico-políticas para compreender a
prática educacional. Filosóficas porque compreendem seu sentido e políticas porque
constituem um direcionamento para sua ação. São elas:
> Redentora: concebe a sociedade como um conjunto de seres humanos que vivem e
sobrevivem num todo orgãnico e harmonioso com desvios de grupos e individuos que
ficam à margem desse todo. Tem uma visão “não-crítica” da sociedade: o que importa é
integrar em sua estrutura tanto os novos elementos (novas gerações) quanto os que se
encontram á margem. A educação assume seu papel de manter o corpo social,
promovendo a integração e a adaptação dos indivíduos pela correção de seus desvios de
comportamento.
> Reprodutora: afirma que a educação faz parte da sociedade e a reproduz. A
interpretação da educação como reprodutora da sociedade significa entendêla como um
elemento da própria sociedade determinado por seus condicionantes econômicos, sociais
e políticos. Esta, além de crítica, é reprodutivista. Pela aprendizagem de alguns saberes,
envolvidos na ideologia dominante, é que são reproduzidas as relações de trabalho, as
relações de poder e as relações sociais vigentes.
Transformadora: tem por perspectiva compreender a educação como mediação de um
projeto social. Ela nem redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio para
realizar um projeto de sociedade. Propõe-se a compreender a educação dentro de seus
condicionantes e agir estrategicamente para sua transformação. Propõe-se a desvendar e
utilizar-se das próprias contradições da sociedade para trabalhar realística e criticamente
por sua transformação.

204

A transposição dessas idéias para um sistema de educação corporativa pare- ce


extremamente útil para os responsáveis pela concepção de programas educacionais, pois
permite identificar com clareza como deverão ser trabalhados os aspectos relativos à
cultura empresarial. Assim, com a educação corporativa pretende-se adaptar e integrar os
indivíduos aos valores e princípios da cultura vigente? Ou se pretende reproduzi-los e
disseminá-los? Ou os programas devem estimular uma leitura crítica da cultura e da
realidade empresarial e favorecer a formação de nova mentalidade e novo modo de
pensar que estimulem a mudança organizacional? Ou ainda todas as anteriores,
dependendo da situação e do público-alvo dos programas?
É inquestionável que alguns dos principais objetivos esperados com um sistema de
educação corporativa são:
>conscientizar gestores e suas equipes da importância de vivenciar e praticar a cultura
empresarial, buscando sempre o equilíbrio construtivo entre a necessidade de garantir a
prática dos princípios filosóficos corporativos básicos e as especificidades da realidade
dos diferentes públicos envolvidos;
>ser um instrumento de alinhamento entre a cultura empresarial e os colaboradores de
todos os níveis, disseminando-a em toda a cadeia produtiva onde a empresa opera;
>constituir-se em instrumento de promoção e consolidação da integração cultural.
É fácil perceber que, para cada um dos objetivos apontados acima, existem estratégias
educacionais mais adequadas no que se refere à forma de lidar com a dimensão cultural,
embora não sejam necessariamente excludentes. Mas de modo geral poderíamos
classificá-las da seguinte forma:
>Estratégia de integração: deve ser aplicada principalmente em ações e programas
educacionais voltados para novos colaboradores da empresa, novos parceiros, novos
fornecedores e público externo em geral. É adequada e necessária para todos aqueles
(novos ou antigos) que apresentem baixo grau de alinhamento cultural.
>Estratégia de reprodução: fundamental em ações e programas educacionais dirigidos
para os líderes e gestores empresariais e formadores de opinião em geral, quer sejam
membros internos, quer externos. Deve enfatizar os traços culturais vigentes
alavancadores do sucesso empresarial.
>Estratégia de transformação: inicialmente deve ser utilizada em ações e programas
educacionais para alta direção e lideranças empresariais, estimulandoas a identificar as
discrepâncias de percepção entre a cultura atual declarada e a praticada na empresa (por
exemplo: novos traços a ser incorporados, atuais traços que deveriam ser abandonados,
barreiras que impedem a prática qualificada da cultura empresarial desejada) para que
seja possível formular um projeto de mudança e transformação rumo a nova cultura
empresarial, que por sua vez fundamentará o futuro processo de reeducação.

205
Estou ciente de que o assunto da relação entre educação/pedagogia e as respectivas
posturas filosófico-políticas merece ser discutido com mais cuidado e profundidade.
Procurei aqui apenas trazer à tona essa reflexão. Mas parece indiscutível a necessidade
de termos consciência de que ações e programas educacionais não são neutros com
relação ao modelo social e cultural vigente nas organizações, muito menos no que diz
respeito às relações de poder. Projetos de mudança organizacional sempre implicarão
necessariamente mudanças de ordem cultural e política.
Enfim, refletir sobre qual é o poder de um sistema de educação corporativa de integrar,
reproduzir ou transformar traços, valores e pressupostos básicos de uma empresa é um
dos fatores críticos para construir uma cultura organizacional voltada à aprendizagem e
ao autodesenvolvimento contínuos.

PRÁTICA 6: LÍDERES E GESTORES SE RESPONSABILIZAM PELO PROCESSO DE


APRENDIZAGEM

Ao analisar as melhores práticas de educação corporativa fica evidente a importância de


os líderes e gestores assumirem seu papel de educadores. É fundamental que eles se
envolvam e se responsabilizem pela educação e aprendizagem de suas equipes e se
comprometam com todo o sistema. Como já foi dito anteriormente, também é essencial
que se criem um ambiente e uma cultura empresarial cujos princípios e valores sejam
propícios a processos de aprendizagem ativa e contínua e despertem e estimulem nas
pessoas a postura do autodesenvolvimento.
Nesse sentido, mais uma vez o papel dos líderes e gestores é vital não só por se tratar de
agentes de disseminação, consolidação e transformação da cultura empresarial mas
principalmente porque através da atuação exemplar serão percebidos como lideranças
educadoras, cujo modelo de comportamento deve ser seguido e buscado pelos demais
colaboradores da empresa.
Na prática isso significa que os líderes precisam estar preparados para desempenhar
plenamente seu papel de educadores, formadores e orientadores no cotidiano de
trabalho, criando um ambiente em que os membros da equipe se sintam motivados a
utilizar toda a sua potencialidade e a buscar sempre padrões elevados de desempenho.
Refletindo-se sobre a importância disso, uma questão vem à mente: como tais lideranças
estão sendo preparadas para esse papel?
De modo geral, tais líderes são alvo de programas educacionais cujos conteúdos
objetivam desenvolver as competências técnicas e comportamentais na gestão dos
negócios. Mas será que existe a preocupação de formá-los também como educadores?
Estariam as empresas também preocupadas em ampliar conhecimentos, habilidades e
atitudes no tocante ao tema educação?
Conforme foi dito anteriormente, educação é prática, é experiência e realidade vivida,
enquanto pedagogia é teoria, é pensamento e ideal a ser vivido.
Sob a ótica da educação corporativa, seria recomendável que os responsáveis pela
concepção, implementação e pelo desenho das ações e dos programas educacionais
desenvolvessem programas e ações especificamente voltados à meta de estimular
gerentes e líderes a refletir sobre comportamentos e ações com suas equipes no coti-

206
diano de trabalho, contemplando sempre a dualidade desses dois mundos corporativos, o
do ideal e o do real, o do abstrato e o do concreto, o da ideologia e o do pragmatismo, o
do pensamento e o da ação, o da realidade idealizada e o da realidade vivida, o do futuro
desejado no longo prazo e o do presente vivenciado no imediato.
Contrapor e ao mesmo tempo integrar e transformar esses dois mundos à luz das teorias
da educação e da pedagogia propiciaria uma enorme consciência do conhecimento
organizacional e permitiria que os líderes construíssem a própria pedagogia para depois
convertê-la nas melhores práticas que legitimariam sua liderança educadora.

Figura 3. A dialética da liderança educadora

O gestor que, baseado nessa postura dialética, criar um ambiente de trabalho em que sua
equipe tenha condições de expressar e questionar opiniões (e elas sejam levadas em
consideração), seja reconhecida e elogiada por um trabalho bem-feito, perceba a
preocupação do gestor com o progresso de seus membros, visualize oportunidades para
que seus membros aprendam, se desenvolvam e se sintam motivados a ensinar outros
membros, com certeza construirá um excelente lugar não só para trabalhar mas também
para aprender e educar.
Trabalhar aprender e educar estará cada vez mais associado e integrado na vida
corporativa, e a prática exemplar da liderança educadora será o alicerce da construção do
ideal organizacional almejado.

PRÁTICA 7: NA AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS DOS INVESTIMENTOS EM


EDUCAÇÃO SÃO CONSIDERADOS OS OBJETIVOS DO NEGOCIO

A mudança estrutural perseguida em T&D, com enfoque no aumento de performance, não


é assunto novo. Realmente novos são dois elementos que estão recebendo acentuada
ênfase devido às exigências dos negócios contemporâneos:

207

> Necessidade de parceria com a gerência: o T&D tradicionalmente atua mais em


paralelo com a gerência que em parceria. No atual mundo dos negócios, isso não
funciona mais.
>Vínculo com as necessidades do negócio: no mundo dos negócios, a identificação
das exigências de desempenho humano começa com a clarificação dos objetivos atuais e
futuros desses negócios. Uma vez definido o objetivo é preciso que os clientes internos e
externos respondam à seguinte questão: o que as pessoas precisam fazer mais, melhor e
diferentemente para atingir tal objetivo?
No Brasil, algumas empresas evoluíram e cresceram com base em programas de
capacitação bem concebidos e executados. Em sua maioria, porém, essas mudanças
ainda são superficiais. O que vem mudando, e muito, é o valor investido nos programas
educacionais corporativos. Verdadeiras fortunas são gastas, mas a maioria dos
programas de T&D continua desvinculada das estratégias de negócio, agregando pouco
valor aos resultados obtidos. A matéria publicada pela revista Exame em junho de 1998
foi um marco nesse assunto, pois destacou as vultosas quantias dos investimentos em
treinamento no Brasil e o alto grau de insatisfação com os resultados obtidos. Em 1996,
foram investidos 580 milhões de reais; em 1997, 650 milhões de reais; e em 1998, 800
milhões de reais. Dentre as principais críticas apontadas na mesma matéria salientaram-
se:
>“Práticas que não acrescentam um centavo ao resultado da empresa”.
>“Falta de foco com o que se espera do treinamento”.
> “A maioria dos programas não consegue levar os conceitos à prática”.
> “Presidentes e diretores do primeiro escalão não se envolvem na definição dos objetivos
do treinamento”.
>“Aceitação do cardápio de pratos prontos oferecidos por consultores e escolas de
Administração”.
A percepção de ineficácia dos programas, o acirramento da competitividade e o aumento
da crise econômica vivenciada pelas empresas colaboraram para a crescente
preocupação dessas empresas em não desperdiçar recursos com programas que não
possam ser traduzidos em resultados mensuráveis.
Um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas é criar indicadores eficazes de
mensuração dos resultados obtidos com os investimentos em treinamento. Os indicadores
utilizados tradicionalmente (número de dias de treinamento, horas de treinamento por
funcionário, média do custo de treinamento, número de pessoas treinadas, número de
cursos oferecidos etc.) pouco auxiliam na compreensão de quanto o negócio foi realmente
beneficiado com o treinamento. É imperativo que se estabeleçam indicadores de
mensuração estreitamente vinculados aos resultados do negócio, tais como: melhor
qualidade dos produtos e serviços, maior participação no mercado, melhor qualidade de
atendimento, melhor imagem, prêmios recebidos, lançamento de novos produtos, tornar-
se referência no mercado etc. Isso significa ser crucial avaliar e mensurar o impacto dos
programas ofertados e das ações empreendidas nos resultados do negócio.

208

Scott Parry (1997) e Donald Kirkpatrick (1998), dois autores de renome internacional
quando o tema é avaliação e transferência de treinamento, estão convenci- dos de que
apenas entre 10% e 20% do que se aprende em um programa de treinamerito é aplicado
um mês após o retorno do participante às atividades de trabalho.
A idéia dos autores de avaliar os programas de T&D em quatro níveis — reação,
aprendizado, aplicação e retorno sobre investimento — não é nova. Foi por eles proposta
há mais de trinta anos, mas só nos dias de hoje, quando as empresas vivem um momento
de extrema competitividade e restrição, é que se deu destaque absoluto a tal questão, já
que o assunto tem preocupado estudiosos, consultores, responsáveis pelas áreas de RH
e, principalmente, dirigentes empresariais.
Os autores retomaram pesquisa realizada em 1996 pela Amencan Society for Training
and Development (ASTD), que identificou o fato de que um dos aspectos mais
desafiadores para o T&D é avaliar o aumento de desempenho por ele causado. Isso, na
verdade, não causa surpresa, pois há tempos a alta administração das empresas quer
saber qual o resultado para a organização dos milhares de dólares gastos anualmente em
treinamento.
Um programa de treinamento é mais bem-sucedido quando os participantes corretos
(seleção) recebem conhecimentos, habilidades e atitudes corretos ensinados por
métodos, meios e instrutores adequados (processo), no momento e no local certo, de tal
forma que atendam ou superem as expectativas da organização (objetivos e desempenho
voltado para resultados).
Avaliação antes do treinamento

O processo de avaliação deve começar com a análise das necessidades que precede o
treinamento. Treinamento deve ser definido como o processo que permite diminuir a
defasagem entre conhecimentos, habilidades e atitudes que os participantes trazem para
o curso e os que devem levar para ter atuação efetiva no trabalho. O propósito do
treinamento é estreitar o gap entre o comportamento de entrada e o final. Para tanto,
alguns pontos devem ser questionados antes de desenhar, desenvolver e aplicar
programas de treinamento:
>O que os treinandos querem aprender com o treinamento?
>O que os treinandos necessitam aprender com o treinamento?
> Quais as competências requeridas dos participantes?
>Que fatores do ambiente de trabalho irão sustentar o desempenho desejado?
> Quais os resultados esperados? Realísticos? Desejáveis? Mensuráveis?
>Qual a natureza e o tamanho do gap entre o comportamento de entrada e o final?
>Quais os recursos existentes (pessoas, equipamentos, suprimentos) para facilitar a
aprendizagem?
>Qual o custo do treinamento em relação ao benefício estimado?
As respostas a essas questões devem orientar as decisões sobre como desenvolver um
programa de treinamento bem-sucedido na diminuição do gap de entrada

209

e saída, como foi dito anteriormente. É necessário também desenvolver estratégias de


agregação dessas competências no local de trabalho, uma vez que muitos tipos de
problema de desempenho não podem ser corrigidos apenas pelo treinamento.

Avaliação durante o treinamento

É fundamental que sej a realizada uma avaliação durante o treinarnento para tomar
medidas corretivas durante o processo. É importante saber:
>As condições de aprendizagem são confortáveis?
> Os participantes estão aprendendo?
>O conteúdo é relevante?
>Os participantes aproveitam a própria experiência?

Avaliação depois do treinamento

De modo geral os participantes de cursos já estão bem familiarizados com as avaliações


de reação. Muitos programas avaliam quanto os participantes aprenderam.
A crescente ênfase no desempenho no local de trabalho e no retorno sobre o
investimento tem levado treinadores a avaliar o impacto do treinamento meses depois de
terminado. Dessa forma é possível medir quanto os participantes estão aplicando o que
aprenderam, levando-se em conta reforços e adversidades do cotidiano de trabalho.
Somente assim é possível avaliar a transferência do treinamento. Algumas reflexões
podem ajudar na avaliação de performance:
>Que fatores do cotidiano de trabalho estão apoiando ou dificultando a performance
desejada?
> O que poderia ser feito para intensificar os fatores favoráveis e reduzir os
desfavoráveis?
>Que aspectos do treinamento se revelaram mais importantes? E menos importantes?
>Que mudanças podem ser percebidas no comportamento pré-treinamento e pós-
treinamento?
>Qual o valor em dólares dessas mudanças?

Avaliação dos quatro níveis

Uma explicação completa dos quatro níveis de avaliação de treinamento pode ser
encontrada no livro Evaluating training programs, de Donald Kirkpatnck (1998). Eles são
apresentados no Quadro 3:
> Nível 1. Reação: a avaliação de reação é feita com um questionário que mede as
impressões dos participantes sobre os programas de T&D com relação a côn-

210

Quadro 3. Os quatro níveis de avaliação do treinamento

NÍVEL ASPECTO NATUREZA QUESTÃO INSTRUMENTO

Quanto os participantes
1 Reação Gostaram? Formulários
gostaram do curso?

Quanto eles Testes, exames


2 Aprendizado Aprenderam?
aprenderam? e simulações

Mensuração
Estão Quanto estão aplicando
3 Aplicação do
utilizando? no trabalho?
desempenho

Qual o retorno
Estão Análise
4 Resultados do treinamento
pagando? custo-benefício
sobre o investimento?

teúdo, instrutores, materiais e recursos instrucionais, ambiente e instalações. De forma


geral, a avaliação de reação é feita sem maiores problemas pelas empresas, sendo
prática comum e disseminada.
Nível 2. Aprendizado: avaliar o aprendizado significa determinar a extensão em que os
participantes melhoraram ou aumentaram conhecimentos, habilidades e atitudes em
decorrência do treinamento. As questões normalmente feitas para avaliar esse nível são:
que sabem fazer agora que não sabiam antes do treinamento? O que podem fazer agora
que não conseguiam antes?
Nível 3. Aplicação: avaliar a aplicação significa identificar se as pessoas treinadas estão
transferindo os novos conhecimentos e habilidades assimilados para o comportamento no
trabalho. Na prática, ao avaliar esse nível, avalia-se também a própria performance do
indivíduo.
Nível 4. Resultados: neste nível, avaliar resultados significa determinar se o treinamento
afetou positivamente os resultados dos negócios ou contribuiu com os objetivos da
organização. As questões a ser feitas são: como a empresa foi beneficiada com o
treinamento? A produtividade aumentou? As reclamações de clientes diminuíram?
Avaliar os resultados obtidos com treinamento, considerando-se esses quatro níveis,
implica planejar e integrar todo o processo de avaliação para que se tenha clareza da
informação (o quê?) que se pretende levantar, em que fonte (onde?), por meio de que
método (como?) e em que momento (quando?).
No Quadro 4 apresenta-se o resultado de uma pesquisa realizada pela Corporate
University X-Change que demonstra que, em uma amostra de 100 empresas com
universidade corporativa, 62% incorporaram os quatro níveis de Kirkpatnck em seus
modelos de mensuração.

Quadro 4. Indicadores utilizados para avaliar o modelo de educação corporativa

211

O modelo de Kirkpatrick não estabelece explicitamente a natureza hierárquica entre os


níveis. No entanto, na prática essa hierarquia é aceita. Ter reações positivas (nível 1) é
pré-requisito para que o aprendizado ocorra (nível 2). O comportamento (nível 3) depende
do aprendizado, e é a mudança de comportamento (nível 3) que gera resultados para a
organização.
As recomendações do modelo de Kirkpatrick continuam representando o estado-da-arte
quando o assunto é avaliação de treinamento. Mas, apesar de toda a atenção que tem
recebido ao longo dos anos, a utilização desse modelo é tímida
devido à dificuldade e ao custo de mensurar os níveis 3 e 4.

PRÁTICA 8: FORMAÇÃO DE PARCERIAS COM INSTITUIÇÕES DE ENSINO


SUPERIOR

Com a proliferação da educação corporativa, uma questão polêmica surge sistemae—


ticamente: as universidades corporativas constituem uma ameaça ou uma oportunidade
para as escolas tradicionais de Administração?
A emergência de universidades corporativas não significa o esvaziamento do papel das
universidades tradicionais na formação de profissionais, na realização de pesquisas e na
prestação de serviços à comunidade nem mesmo uma ameaça de extinção. Pelo
contrário, as experiências mais bem-sucedidas nessa área são de empresas que
realizaram parcerias com algumas universidades ou institutos com competência para
agregar valor a esses programas corporativos, contribuindo assim para que as empresas
realizem com mais competência e resultado o processo de divulgação e aplicação dos
conhecimentos considerados críticos para o sucesso do negócio.
Atualizar continuamente a base de conhecimento de um empregado é tarefa muito
audaciosa e exige que as universidades corporativas unam forças com escolas
tradicionais de Administração para desenvolver as competências críticas empresariais e
humanas.
As parcerias de sucesso entre empresas e universidades têm-se transformado
em verdadeiras alianças entre clientes e fornecedores, ancoradas numa concepção
comum das necessidades de qualificação da força de trabalho.
Os termos dessas parcerias são muito diversificados. Baseada em entrevistas com
reitores de várias universidades corporativas e de escolas de Administração de
Empresas, a expert americana nesse assunto Jeanne Meister (1999) identificou tipos de
parceria entre empresa e universidade. Essas parcenas abrangem principalmente:
>o desenvolvimento de programas de ensino personalizados para executivos;
>a criação de programas de graduação personalizados;
>a formação de um consórcio de parceria de aprendizado.
O advento das universidades corporativas abre possibilidades concretas de transformar
em realidade o velho sonho da integração escola-empresa, mas sem dúvida exige o
amadurecimento da postura de ambas as partes para que, ao mesmo

212

tempo em que se estabeleça uma relação de intensa cooperação, também seja


preservada a essência do papel de cada uma delas, ou seja, as universidades
corporativas têm como objetivo desenvolver nos profissionais as competências críticas
para a viabilização das estratégias empresariais, enquanto as escolas tradicionais de
Administração têm como objetivo desenvolver nos profissionais as competências criticas
para o mundo do trabalho.

7. Educação setorial: construção de parcerias para a competitividade

Durante o período colonial e o imperial, a educação no Brasil era de responsabilidade dos


padres jesuítas. Na era republicana, surgiram os primeiros colégios públicos. Em 1932,
Anísio Teixeira, provavelmente influenciado pela publicação de Educação e democracia,
do americano John Dewey, escreveu o artigo “Educação não é privilégio” e logo depois
assinou, com Fernando de Azevedo, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.
Pioneiros e absolutamente necessários para um país em início de construção.
Ao longo do século XX, a educação, antes dos padres, depois do Estado, foi ganhando
novas mãos para ampará-la. A iniciativa privada, com o surgimento das escolas-
empresas, deu impulso de modernidade a um setor considerado estagnado.
As experiências de universidades corporativas estão redefinindo a relação entre negócios
e educação. Espera-se hoje em dia que um empregado reinvista e recicle continuamente
sua base de conhecimento. Cada vez mais trabalhar e estudar são lados diferentes da
mesma moeda, e isso acontece no local de trabalho, e não apenas na sala de aula. À
medida que a velocidade da mudança aumenta com as enormes pressões da competição
e dos avanços tecnológicos, a validade do conhecimento para as mais diversas
ocupações dependerá, cada vez mais, de um competente e eficaz sistema educacional.
Quase na virada do milênio, as empresas brasileiras entraram no jogo. Visando
desenvolver talentos para aumentar suas competências de competição, os antigos
departamentos de T&D foram virando estruturas educacionais tão refinadas que adotaram
o nome de universidades corporativas. Marcaram a chegada do quarto grau: a educação
continuada, a cargo das empresas que sabem que educação vira competência, vira
qualidade e finalmente se transforma em lucro e sucesso.
Nada mais a inventar? Nem pensar! Uma vez que o trabalho de atualizar continuamente a
base de conhecimento de um empregado e de instalar e desenvolver as competências
humanas críticas para uma atuação de excelência é tarefa muito grande e audaciosa, é
normal que pequenas e médias empresas tenham restrições e dificuldades para conceber
e implantar projetos eficazes de educação corporativa.
Para equacionar esse problema, observa-se um movimento crescente no Brasil de
experiências bem-sucedidas de projetos de educação para setores de atividade
específicos ou para determinadas categorias profissionais. Dá-se assim a união de
empresas concorrentes no mercado, mas parceiras no aprimoramento das pessoas e na
formação do perfil profissional demandado pelo setor.

213

O início do século XXI assiste ao surgimento das universidades corporativas setoriais.


São associações, sindicatos ou organizações não-governamentais que realizam
proveitosas parcerias com o objetivo de formar profissionais com o perfil de competências
necessário ao setor e promover a gestão do conhecimento setorial (geração, assimilação,
divulgação e aplicação) mediante a realização de pesquisas e a prestação de serviços à
comunidade.
Essas novas parcerias estão ativamente empenhadas em garantir que as necessidades
de formação e treinamento da força de trabalho do futurp sejam preenchidas com a
criação de programas conjuntos de educação que desenvolvam habilidades,
conhecimento e competências necessários para o sucesso em determinada indústria.
Tais práticas têm-se transformado em verdadeiras alianças entre empresas, clientes,
fornecedores e comunidade, ancoradas numa visão compartilhada e na concepção
comum das necessidades futuras da força de trabalho.
No Brasil, uma dessas experiências pioneiras refere-se à Universidade do Professor, em
Faxinal do Céu, no Paraná, entidade vinculada à Secretaria de Estado de Educação.
Estabelecida em 1995, visa ao aprimoramento da qualidade do ensino da rede pública
com o Programa de Capacitação Continuada para professores, gestores escolares,
gestores do sistema e pessoal de apoio administrativo. Outra iniciativa importante é a
Universidade Sebrae de Negócio (Usen), de Porto Alegre, um espaço especial de
formação das competências requeridas para empreendedores.
Baseado também no conceito de universidade corporativa, o Sesi criou a Unisesi, uma
universidade virtual destinada ao desenvolvimento de tecnologias, à prospecção de novos
produtos e serviços, à satisfação dos clientes e à formação inicial e continuada dos
profissionais da entidade, bem como de empresas e outras instituições que atuam na
gestão e prestação de serviços sociais. Dentro da mesma linha, desenvolveu-se o projeto
de educação corporativa do Senac de São Paulo.
Outros exemplos são a Universidade Abrange, da Associação Brasileira de Medicina em
Grupo, a Universidade do Alimento, no Paraná, e a Universidade Secovi, criada pelo
Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis
Residenciais e Comerciais de São Paulo com o objetivo de desenvolver a capacidade e o
conhecimento necessários ao pleno exercício das atividades imobiliárias e a pretensão de
se tomar um núcleo de formação, informação, pesquisa, aprimoramento e qualificação
profissional.
Resumidamente é possível destacar traços comuns entre essas experiências. São eles:
>desenvolver competências críticas para o aumento do padrão de atuação do setor e a
consolidação de sua competitividade;
>tornar-se um pólo de inovação e irradiação de conhecimentos e de formação de
profissionais para o setor;
>ensinar crenças e valores do setor de atividade e de seu ambiente de negócios e
competição;
>desenvolver e disseminar uma cultura setonal de excelência;
>formar categorias de profissionais competentes para gerar o sucesso do setor e das
empresas componentes de toda a sua cadeia produtiva;

214

aumentar a empregabilidade e o valor de mercado das categorias profissionais


envolvidas, promover o desenvolvimento da cidadania.
A era da informação já está ultrapassada. Vive-se em plena era da educação — a
informação transformada em conhecimento, que uma vez transmitido e comunicado se
transforma em inteligência, que ao ser aplicada na tomada de decisão revela-se uma
competência, agregando valor e gerando produção de bens, de serviços e de riquezas.
Competência para o desenvolvimento de pessoas, especialmente tendo o interesse
comum como fio condutor, e para a geração de indivíduos melhores, mais responsáveis,
mais colaboradores e mais cidadáos.

8. Como conceber e implementar sistemas educacionais competitivos

Quando discutidas as transformações necessárias na região latino-americana para dar


continuidade às reformas e ao desenvolvimento de seus países, evidencia-se a
necessidade urgente de investir na qualificação e na educação da força de trabalho e de
desenvolver competências locais.
A troca de paradigmas na gestão de empresas, ou seja, a passagem da administração
taylorista/fordista para a gestão flexível, gerou forte impacto no comportamento das
organizações. Esses fatores alteram fortemente o perfil de gestores e colaboradores
esperado pelas empresas nas próximas décadas, e exige-se cada vez mais das pessoas
uma postura voltada ao autodesenvolvimento e à aprendizagem contínua.
Para desenvolver esse novo perfil é preciso que as empresas implantem sistemas
educacionais que privilegiem o desenvolvimento das competências críticas para o
sucesso, ou seja, aquelas que serão diferenciadoras na competitividade. Competências
referem-se a atitudes, posturas e habilidades, e não apenas a conhecimento técnico e
instrumental, exigindo-se que os programas de educação empresarial favoreçam a
atuação profissional de gestores e colaboradores de modo personalizado e criando-se
assim condições propícias para o desenvolvimento de líderes eficientes.
Enfim, é necessário formular sistemas educacionais competitivos que incorporem novos
elementos, tais como recursos tecnológicos e métodos de aprendizagem que promovam a
transição de aprendizes passivos para ativos gestores de negócios no cenário global. Isso
significa passar de um aprendizado estático e passivo para uma forma de aprender mais
dinâmica, ativa e participativa e, conseqüentemente, mais eficaz.
Esse será o nome do jogo, no qual mais do que sistemas econômicos competitivos
haverá sistemas educacionais competitivos. As universidades corporativas têm-se
revelado um sistema muito eficaz de concepção, desenvolvimento e implementação de
educação corporativa voltada para a competitividade. Quem souber entrar nessa
competição terá mais sucesso na formação de uma força de trabalho e de uma empresa
de classe mundial.

215
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AUTORA

MARISA EBOU

Desde 1987 é professora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,


Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde obteve os
títulos de mestre e doutora em Administração. No Progep, coordena projetos de
universidades corporativas. Ministra a disciplina Educação Corporativa, Gestão do
Conhecimento e Aprendizagem no programa de pôs-graduação e no programa de MBA-
RH. Atua em projetos de consukoria, treinamento e desenvolvimento realizados pela
Fundação Instituto de Administração (FIA), instituição conveniada com a FEA-USP, para
os bancos Banespa, BankBoston, Itaú e Unibanco e empresas como Beigo-Mineira, Cesp,
Eletropaulo, Itaipu e Natura, entre outras. É autora de vários artigos ligados aos temas de
relações do trabalho, gestão de pessoas, treinamento, desenvolvimento e educação,
cultura organizacional e modernidade nas organizações.
216

A responsabilidade da cidadania organizacional

ROSA MARIA FISCHER

1. Responsabilidade social: um conceito em busca de definição

O tema da função social da empresa na economia capitalista alimenta polêmicas desde a


Revolução Industrial. A fase do capitalismo monopolista acrescentou ingredientes ao
debate, quando a expansão da economia industrial deu contornos mais nítidos aos
desequilíbrios da distribuição da renda e à distância social entre os incluídos e os
excluídos dos mercados em que se dão as relações econômicas de produção.
Nos países de economia avançada na Europa e na América do Norte, tais problemas não
se agudizaram tanto quanto nos países pobres, em virtude de uma conjunção de fatores.
Um deles foi a estruturação de um Estado do bem-estar social razoavelmente eficiente,
que assegurava condições básicas de subsistência aos grupos marginalizados ou àqueles
precariamente inseridos nas relações produtivas. Mas, antes disso, havia um pressuposto
óbvio: nas conjunturas econômicas fortes, nas quais havia pleno emprego ou, pelo
menos, a oferta mais ampla de oportunidades de inserção no mercado de trabalho,
reduziam-se as possibilidades de exclusão social. Acrescente-se também o papel nada
desprezível de uma filantropia

217

empresarial, principalmente nos países anglo-saxões, a qual assume como compromisso


cívico a responsabilidade de prover recursos para o atendimento de certas demandas
sociais.
Com base nesses quadros de relativo equilíbrio, alguns analistas, refletindo sobre as
condições determinantes da pujança econômica das nações, têm sido categóricos em
recomendar que as empresas deveriam restringir sua função social ao papel para o qual
tinham sido criadas e estavam posicionadas no mercado. Isto é, à produção de riqueza
sob a forma de produtos e serviços disponibilizados aos consumidores e clientes; à
multiplicação do capital investido, sob a forma de lucro; e à geração dos empregos
necessários para realizar tal produção e comercialização.
O pagamento de salários justos acionaria uma dinâmica harmoniosa de crescimento de
mercado e de incremento da renda nacional. A arrecadação de tributos justos asseguraria
a distribuição equânime dos recursos e as condições necessárias para a vida social. E,
finalmente, a reinversão do capital multiplicado, no próprio negócio ou em novos
negócios, criaria a mágica do equilíbrio econômico e da justiça social.
O expoente dessa linha de pensamento é, atualmente, o Prêmio Nobel de Economia
Milton Friedman, que defende a tese de que a única responsabilidade sacial da empresa
é exibir um desempenho econômico inquestionável. Esse desempenho é mensurado,
basicamente, pela remuneração do capital dos investidores. No outro pólo estão autores
como Rifkin e Thurow, que, desde o início da década de 1990, identificaram a
necessidade de buscar formas inovadoras de absorver a capacidade produtiva do
homem, e como Kotler, que lançoua proposição do “capital reputacional”, valor pelo qual
as empresas teriam também a responsabilidade de zelar e administrar. Mas foi Drucker
quem, também nesse tema, liderou o debate com pioneirismo, expresso não apenas em
obras da décade de 1980 como também na criação de Peter F. Drucker Foundation. Ele
contesta Friedman ao ressaltar que o desempenho econômico pode ser a primeira, mas
não é a única responsabilidade de uma empresa, pois “as organizações têm a
responsabilidade de achar uma abordagem para os problemas sociais básicos que podem
estar dentro da sua competência e, até mesmo, serem transdormados em oportunidades
pára elas” (Drucker, 1994).
Contudo, esse quadro nunca se tornou real. Ao contrário, mesmo nas economias mais
equilibradas observa-se que a intensidade e a velocidade com que o capital se acumula e
reproduz provocam o aumento das distâncias sociais, reforçam as injustiças distributivas,
propiciam movimentos monopolistas e de cartelização que deformam as relações entre
atores sociais, originalmente pensados como semelhantes em força e poder.
Já na primeira metade do século XX, essas constatações alimentaram os argumentos de
correntes de pensamento que buscavam ampliar o papel da empresa em suas relações
com o ambiente social. Sustentados por uma visão sistêmica das organizações, tais
argumentos ressaltavam a profunda interação delas com o sistema social em que
estavam inseridas, demonstrando a inevitabilidade de assumirem um papel consciente e
ativo em suas relações com a sociedade abrangente. Dessa reflexão surge o conceito da
responsabilidade social da empresa, cunhado, no âmbito da teoria das organizações,
como uma das funções organizacionais a ser administradas

218

no fluxo das relações e interações que se estabelecem entre os sistemas empresariais


específicos e o sistema social mais amplo.
Talvez por seu forte componente ético, o conceito não foi absorvido na prática
empresarial e gerencial. Algumas vezes, as empresas chegavam a explicitar a intenção
de cumprir sua função social de modo mais amplo, porém, na prática, limitavam-se a
ações pontuais ou esporádicas. Outras, de caráter fortemente paternalista, visavam
apenas conter as manifestações mais agressivas do latente “conflito de classes” que
acompanhou a expansão da chamada Segunda Revolução Industrial nos Estados Unidos
e da industrialização de substituição de importaçõs no Brasil.
Apesar de já terem surgido na época algumas proposições de instrumentos técnicos para
operar e gerir a função de responsabilidade social no contexto administrativo das
organizações — caso do balanço social —, o fato é que são raros os exemplos de
empresas que adotam essas práticas. No Brasil, acompanhando a tendência das
economias subdesenvolvidas, o tema da responsabilidade social ocupou a atenção de
alguns intelectuais na década de 1970, mas não chegou a sensibilizar os empresários e
os executivos responsáveis pelas decisões estratégicas dos negócios. Essa postura,
protegida por um sistema econômico de produção fortemente dependente do Estado e
pelo obscurantismo que caracteriza as ditaduras militares, prevaleceu sobre quaisquer
criticas ou evidências até meados da década de 1990, quando começou a se tornar um
indício de visão empresarial limitada e obsoleta.
As justificativas desse procedimento, quando expressas, apoiavam-se desde em
conteúdos éticos até em questões de ordem prática. Questionava-se a legitimidade de
usar recursos privados para atender a necessidades sociais e se tal desvio não
prejudicaria a própria competitividade da empresa. Argumentava-se que, ao abraçar
metas diferentes daquelas que constituíam o seu motivo de ser, a organização dispersaria
energias e recursos, confundiria seus funcionários sobre critérios e prioridades. E,
finalmente, transmitiria uma imagem institucional confusa: o mercado poderia interpretar
esse “ecletismo de atuação” como falta de foco estratégico e fragilidade da competência
empresarial; as organizações assistenciais poderiam criar uma relação de dependência,
considerando a empresa um eterno doador a fundo perdido; o Estado poderia tentar
delegar a ela boa parte de suas funções sociais.

Ashley(1999), em artigo publicado na revista Organizações e Sociedade, faz uma


interessante retrospectiva de processos jurídicos que envolveram a questão de
responsabilidade social nos Estados Unidos. No caso Dodge versus Ford, de 1916, o
presidente e acionista majoratório Henry Ford, argumentando a favor da realização de
objetivos sociais, decide não distribuir parte dos dividendos e aplicá-los em investimentos
para melhorar a produção, e, um fundo de reserva e em aumentos de salário. A Corte,
porém, decide a favor dos Dodge, justificando que “a corporação trabalha para benefício
de seus acionistas e que diretores corporativos têm livre-arbítrio apenas quanto aos meios
de alcançar tal fim, não podendo isar os lucros para outros fins. A filantropia corporativa e
o investimento na imagem[…] poderiam ser realizados na medida em que favorecessem o
lucro de acionistas”.

Em 1953, no caso Smith Manufacturing Company versus Barlow, a Justiça americana foi
favorável à doação feita pela em´resa à Universidade de Pinceton, que era contestada por
um grupo de acionistas. A decisão da Suprema Corte de Nova Jersey estabelece em lei a
filantropia empresarial, determinando que uma corporação pode assumir uma estratégia
de desenvolvimento social.

219

Embora o conceito e a prática da responsabilidade social tenham ficado perdidos ao longo


de décadas, as mudanças sociais e políticas que marcaram a passagem do século
provocaram o ressurgimento do tema não apenas no âmbito do debate acadêmico mas
no contexto dos desafios colocados para as organizações que quisessem transpor os
umbrais do século XX. O chamado mundo globalizado não se reduz a uma nova
articulação das forças produtivas e a uma nova configuração dos mercados; ele se amplia
como fenômeno que modifica diversas esferas da vida social: as facilidades da tecnologia
da comunicação aproximam povos de diferentes raças e culturas; fatos econômicos e
políticos locais repercutem nas mais diversas partes do mundo; o acesso às informações
propicia o desenvolvimento da consciência sobre os direitos de cidadania.
A conjuntura que se formou com a fragmentação da potência econômica socialista e a
desregulamentação dos mercados, com a adoção de novas tecnologias de produção e
com a emergência de uma sociedade da informação acarretou o surgimento de um
ambiente de negócios no qual as empresas se tomaram mais vuineráveis às
instabilidades sociais. Se, por um lado, a desterritorialização da produção
ii torna possível romper com o equilíbrio entre a oferta e a procura de mão-de-obra, por
outro a transparência exigida nos procedimentos administrativos impossibilita a utilização
de formas de trabalho iníquas, como o emprego do trabalho infantil e o regime de
escravidão. Se a soberania do Estado se reduz ao perder a maior parte de sua autonomia
para regular as relações de produção, em contrapartida aumenta a pressão pela adoção
de novos modelos de pacto social nos quais predomina a característica da
intersetonalidade entre Estado-mercado e sociedade civil.
Apesar de o desemprego estrutural e a explosão demográfica aprofundarem o abismo
social que separa ricos e pobres, é inevitável o surgimento de “novas atitudes sociais” que
reformulem a ordem social, nem que seja para, no mínimo, assegurar a existência de
mercados consumidores para os produtos e serviços produzidos pela economia global.
Esse cenário complexo e contraditório, no qual as empresas têm grande poder de
manipulação das forças de mercado mas são também extremamente vulneráveis às
mudanças do comportamento social, tornou-se propício ao ressurgimento da proposta de
exercício da responsabilidade social.
Nos países de economia desenvolvida, intensificam-se as proposições empresariais
voltadas para o atendimento de interesses e necessidades da sociedade. Essas
proposições alteram a própria forma de administrar o negócio: por exemplo, o conceito de
marketing focado no cliente expande-se para muito além da figura do consumidor direto,
abrindo espaço para que se consolide um tipo de legislação de direitos que assegura ao
indivíduo uma posição significativa na relação com as organizações privadas. Noutra
esfera, porém com o mesmo sentido, os órgãos da administração pública são estimulados
a remodelar sua visão do usuário e a enxergá-lo não apenas como o individuo que
necessita ou depende de um serviço público mas como o cidadão que tem o direito de
receber esse serviço e pode exigir dele padrões relevantes de qualidade.
Alinhado com mudanças desse tipo, que alteram o conteúdo e a forma da administração
dos negócios, o conceito de responsabilidade social não emerge

220

como simples reedição das proposições originais. Ele passa a ser operado como uma das
funções a ser desempenhadas na administração das empresas privadas, a qual consiste
em responsabilizar-se por uma atuação social que visa reduzir e/ou eliminar carências
que impedem ou prejudicam o pleno desenvolvimento de comunidades sociais nas quais
essas organizações estão inseridas e/ou com as quais mantêm algum tipo de interação.
Nas economias em desenvolvimento, as proposições de atuação social das empresas
apresentam significativo crescimento na década de 1290. Se de um lado isso reforça a
tese de que, no mundo globalizado, as organizações de mercado necessitam manter
certa sintonia entre sua forma de atuar e a de se relacionar com a sociedade civil, de
outro evidencia também que o quadro de desajustes e desequilíbrios socioeconômicos
desses países chegou a um ponto em que eles se tornam disfuncionais para a própria
existência das relações capitalistas de produção.
O ressurgimento da proposição da responsabilidade social nas economias caracterizadas
pela forte exclusão social como elemento restritivo do desenvolvimento sustentado requer
uma reflexão mais aprofundada sobre a própria definição do conceito. preciso esclarecer
quais tipos de atividade configuram o que se pode chamar de atuação social de
empresas. E, nesse aspecto, pode-se dizer que tanto a prática quanto a teoria navegam
em terreno pantanoso.
No plano teórico, a pouca produção sobre o tema, ainda que provinda de estudos sérios,
não autoriza seu emprego como corpo de conhecimento referencial consistente.
Pesquisas, estudos e artigos sobre responsabilidade social no Brasil são produzidos de
forma crescente no campo da Administração e das Ciências Sociais nos últimos cinco
anos, refletindo simultaneamente a percepção da lacuna existente, a constatação do
baixo interesse que havia pelo tema e a necessidade de retomálo dentro da nova ótica de
uma sociedade que se globaliza.
Na prática, a atuação social das empresas preenche uma ampla e variada gama de
atividades, o que toma difícil identificar padrões que permitam uma definição abrangente.
A complexidade aumentou quando o tema responsabilidade social ganhou destaque na
mídia especializada, que se tornou uma eficiente divulgadora da proposição ao ressaltar
casos e experiências que passaram, por sua vez, a ganhar notoriedade. Contudo, essa
excessiva exposição pode levar a que se misturem alhos com bugalhos, fazendo com que
qualquer tipo de iniciativa seja classificada como atuação social, mesmo aquelas que não
passam de instrumentos de marketing institucional ou de política de benefícios da
empresa.
O interesse despertado mostrou às empresas que essa era uma característica que
deveria estar associada às suas marcas. Embora não fosse possível quantificar, ou
mesmo identificar com clareza seu significado, o diferencial de “empresa focada no social”
popularizou-se, tomando-se essencial à formação de uma imagem institucional positiva e
empática.
O fenõmeno foi, no caso brasileiro, reforçado pela presença de outros agentes sociais
interessados em incentivar a atuação social das empresas. Do lado da sociedade civil
organizada, surgiram movimentos associativos, como Instituto Ethos, Gife, Viva o Rio,
Viva o Centro, e também ganharam força organizações já existen-

221

tes cujo ideário enfocava o exercício da cidadania plena‟. Do lado do Estado, foram
marcantes a consolidação da Comunidade Solidária como forma de ampliar a participação
social e a descentralização administrativa, que remeteu ao nível municipal o tratamento
das necessidades sociais locais. Configurou-se, assim, um cenário de amplas
possibilidades para que as empresas ocupassem novos espaços e assumissem outros
tipos de relacionamento com a comunidade, apoiadas por entidades associativas e
estimuladas pelo governo.
Embora essa tendência se mostre irreversível, e justamerte porque se consolidará como
prática empresarial e como responsabilidade gerencial, toma-se essencial proceder a uma
reflexão que contribua para definir com maior precisão o conceito e para orientar sua
operacionalização.
Em primeiro lugar, sugere-se uma ampliação do conceito fundamentada nas mudanças
que ocorreram na realidade empírica das organizações. Atualmente, a responsabilidade
social não pode ser exigida apenas das organizações de mercado, mas de toda e
qualquer forma organizativa, independentemente de quais sejam suas finalidades
expressas, sua constituição jurídica, sua estrutura administrativa e financeira.
O exercício de responsabilizar-se pelo social, por sua vez, deve estar inserido em um
conceito mais amplo e mais abrangente, que é o conceito de cidadania. Mais amplo
porque abarca não apenas as responsabilidades econômico-financeiras mas também
aquelas de ordem política, cultural e social que compõem a textura das organizações e
das sociedades. Mais abrangente porque incorpora os direitos que asseguram a vida em
sociedade: o direito à vida, à liberdade, à segurança, à expressão, com os quais se
estrutura a civilidade entre os seres humanos.
Ao propor o conceito de cidadania organizacional, procura-se integrar de forma
consistente a visão de dentro para fora e de fora para dentro da organização. Isto é,
quando se relaciona com os atores sociais que não fazem parte de sua comunidade
intema — sejam clientes, consumidores e usuários, sejam simples cidadãos —, a
organização deverá pautar-se pelos mesmos valores de civilidade que adota com aqueles
que fazem parte de seu universo interno: funcionários e empregados de qualquer nível ou
acionistas e proprietários. A cultura organizacional não admitirá pesos e medidas
diferentes no que concerne ao exercício da cidadania no âmbito das relações internas e
externas da empresa.
Quando esse exercício se concretiza em atividades que visam, exclusivamente, contribuir
para que a comunidade atinja metas de desenvolvimento, configura-se o quadro de
atuação social da organização. É importante ressaltar: o exercício da cidadania
organizacional não pressupõe, nem exige, que a organização atue socialmente. O
inverso, contudo, não é verdadeiro: para desenvolver estratégias e práticas de atuação
social, é imprescindível que a organização paute seu desempenho por parâmetros de
cidadania.
Tal esclarecimento é essencial para reduzir a nebulosidade em torno do tema, e
principalmente quando o crescimento do interesse por ele pode aumentar a con-.

222

fusão. É alto o risco de empresas mal administradas e que se conduzem por diretrizes
éticas condenáveis buscarem a chancela de “empresas cidadãs” junto ao público através
de investimentos em programas sociais simplesmente usados como veículo de marketing.
Ou, ainda, que boas práticas de gestão de recursos humanos, que beneficiam, exclusiva
ou majoritariamente, os empregados da organização, sejam divulgadas como formas de
atuação social.
Uma gestão de recursos humanos eficiente, mais “generosa”, sempre traz retornos à
organização. Pode e deve ser estimulada como “boa prática” „administrativa, mas não
deve se confundir com as estratégias de atuação social, que visam resultados
e retornos para a comunidade ou a sociedade.

Ao lidar com o conceito de cidadania organizacionai, a organizaçao — uma empresa de


qualquer tipo, uma entidade sem fins lucrativos, uma ONG ou um órgão público — deverá
pautar seu funcionamento e desempenho por diretrizes que asseguram às pessoas o
exercício pleno de seus direitos e as condições para seu desenvolvimento contínuo. É
quase inevitável que a organização, independentemente de sua atividade-fim, promova,
entre suas estratégias de atuação, uma que se destine à realização de resultados para a
coletividade. A atuação social pode focalizar questões específicas das comunidades em
que a organização está localizada ou problemas sociais regionais ou nacionais. Em
qualquer desses escopos, o modo de decidir e agir da organização será consistente com
os padrões de cidadania que emprega nas relações com sua comunidade interna.

2. Atuação social da empresa: uma tendência

Em 1999, a pedido do Programa Voluntários, da Comunidade Solidária, a Universidade de


São Paulo realizou a primeira pesquisa brasileira para conhecer as estratégias de atuação
social de empresas2. Os resultados desse trabalho mostram que, mais do que o modismo
extensamente veiculado pelos canais de comunicação, as proposições de atuação social
são uma tendência de estratégia empresarial que se fortalece no caminho que vai da
responsabilidade social para a cidadania organizacional
A pesquisa delineou um perfil de atuação baseado em questões como: o que fazem as
empresas que afirmam investir em atividades sociais e a quem beneficiam com sua ação?
Como se distinguem as empresas “socialmente responsáveis” das demais: são
predominantemente pequenas ou grandes, nacionais ou multinacionais? Estão situadas
apenas em capitais e regiões desenvolvidas ou estão dispersas pelo país?
Uni primeiro dado, apresentado na Figura 1, revela que 56% das empresas investem em
programas ou atividades de cunho social ou comunitário. Esse dado, à primeira vista
altamente favorável, refere-se, porém, a uma atuação social ampla
„A pesquisa “Estratégias de empresas no Brasil: atuação social e voluntariado” foi
realizada pelo Centro de Estudos em
Administração do Terceiro Setor (Ceats), da Fundação Instituto de Administração da
FEA!USP, em parceria com o
Programa Voluntarios, o Gife, o Senac e o CIEE; sua publicação e distnbuição são de
responsabilidade da Comunidade
Solidária.

223

Figura 2.
Por número de funcionários
Figura 3.
Por origem do capital
Figura 4.
Por setor
de atuação
Figura 5.
Por região

e genérica — em grande ou pequena escala, realizada de forma continuada ou apenas


pontual —, o que relativiza bastante o alto percentual. Surpreende, isso sim, o fato de
43% das empresas declararem não fazer nada na área social. Embora os dados também
indiquem que as empresas já estão consideravelmente sensibilizadas pela necessidade
de terem uma atuação social, na prática ela ainda precisa se ampliar e conquistar muito
espaço no ambiente empresarial brasileiro.

Figura 1. A empresa apóia programas sociais?

Como se diferenciam as empresas brasileiras que investem na área social? As quatro


figuras seguintes apresentam a resposta a essa pergunta de acordo com os principais
recortes utilizados nesse estudo: número de funcionários, origem do capital, setor de
atuação e região geográfica.

Figura 2. Por número de funcionários

Figura 3. Por origem do capital

Figura 4. Por setor de atuação


Figura 5. Por região

Os dados são reveladores: o porte da empresa (expresso pelo número de funcionários)


está fortemente relacionado com a atuação social, como indica a Figura 2. Das empresas
grandes (com mais de mil funcionários), 70% desenvolvem projetos sociais, em
comparação com apenas 46% das pequenas (consideradas aquelas com menos de cem
empregados). O porte está positivamente relacionado com

224

quase todos os aspectos de investimento social e com a promoção do voluntariado


levantados na pesquisa: quanto maior é a empresa, maior sua probabilidade de ter uma
atuação social mais consistente.
As empresas privadas (nacionais e multinacionais) diferenciam-se no aspecto da atuação
social das organizações públicas: 61% das multinacionais e 56% das nacionais afirmam
atuar na área social, contra 42% das públicas. O primeiro dado não significa,
evidentemente, que as multinacionais tenham maior preocupação com o social do que as
empresas estatais. A atuação das organizações públicas mereceria um estudo à parte e
mais profundo, já que seu caráter estatal introduz inúmeras peculiaridades, como levá-las
a desempenhar, por princípio, funções públicas e, freqüentemente, de cunho social.
Propostas consistentes de estímulo à participação de seus colaboradores em atividades
sociais, sob a forma de voluntariado, emergem de empresas que já têm “tradição” na
atuação social ou que pelo menos se mostram mais sensíveis ao tema; são elas que mais
estimulam o trabalho voluntário entre seus colaboradores.
Em alguns dos casos estudados, essa concepção já está consolidada por práticas
contínuas de investimento em projeto sociais. A C&A tem uma política de atuação social
em qualquer região do mundo onde instale seus negócios. A Mercedes-Benz pretende ser
reconhecida como empresa que resguarda o meio ambiente e a comunidade social. A
Acesita herdou de sua origèm como empresa estatal a responsabilidade de zelar pelo
bem-estar e pelo desenvolvimento da comunidade em seu entorno.
Em outros casos, a implementação de programas de atuação social é relativamente
recente ou se encontra ainda em estruturação. Reforça, contudo, essa idéia de
precedência, ou seja, de que a proposta do voluntariado decorre do clima favorável
estabelecido para seu florescimento, sempre que a organização assume o compromisso
de se transformar em “empresa cidadã”.
A maioria das empresas que consolidaram sua atuação social constituiu um instituto ou
uma fundação como forma juridica e organizacional de gerir suas atividades. Incluem-se
nesse caso, na amostra estudada: o Instituto C&A, o Instituto Credicard, a Fundação
Iochpe, a Fundação Victor Civita, a Fundação Educar e a Fundação Acesita. De outro
lado, Natura, Xerox, Avon, Informare, Dixtal, Bosch, McKinsey, Caixa Econômica Federal,
Intermédica, 3M, Andersen Consulting e Schering-Plough são empresas que mantêm as
atividades sociais no próprio ãmbito da organização.
Não parece, à primeira vista, que a alocação das atividades sociais no interior da
empresa, ou em uma entidade com personalidade jurídica própria, implique diferenças
significativas de atuação. A decisão de constituir uma personalidade jurídica própria, que
se responsabilize pela atuação social, pode provir de uma orientação corporativa,
especialmente no caso das multinacionais, ou pode atender a uma necessidade de
racionalização administrativa, principalmente nos aspectos tributário-legais. Qualquer que
seja, no entanto, a formatação organizacional, o que ressalta para a comunidade de
funcionários é a existência dessa função na empresa, que passa a ser vista como motivo
de orgulho e, muitas vezes, como canal de participação.

225

Exemplos como esses indicam que, seja por orientação corporativa ou estratégica, seja
para se resguardar de uma eventual indefinição jurídica, as empresas de grande porte e,
principalmente, as multinacionais ou transnacionais procuram ter na fundação ou no
instituto seu “braço de atuação social”, que é articulado na organização mas mantém
autonomia administrativa, legal e financeira. Foi o caminho tomado pela Acesita logo após
sua pnvatização: desativou o antigo Departamento de Relações com a Comunidade da
empresa estatal e o substituiu por uma fundação, que formulou sua missão e escolheu
suas estratégias de atuação.
Uma das questões que se colocam para reflexão é quanto a dicotomia entre atividade
empresarial e atuação social pode se refletir em um distanciamento do funcionário ou
mesmo em completo desconhecimento das atividades das quais poderia se tornar
voluntário.
Algumas empresas não desejam criar outra personalidade jurídica para abrigar sua
atuação social. O relato mais enfático foi o da Natura, que procura promover uma
integração entre a filosofia empresarial, fortemente baseada em crenças, e a orientação
dada ãs atividades sociais. Essa integração é considerada essencial, porque ambos os
tipos de atividade devem reproduzir os padrões da cultura organizacional da empresa.
Nos depoimentos obtidos na pesquisa, observa-se que a maioria das empresas não tem,
a priori, a preocupação de estabelecer uma relação entre sua atuação social e suas
estratégias de negócios. Algumas empresas chegam a ressaltar que as ações sociais são
totalmente desvinculadas do negócio tanto nos aspectos administrativos quanto nos
objetivos estratégicos. Enfatizam que esperar qualquer tipo de retorno das atividades de
responsabilidade social descaracterizaria essa atuação e levaria à perda de credibilidade.
No entanto, mesmo quando as empresas desvinculam as estratégias negociais das
estratégias de atuação social, elas observam resultados positivos para seus negócios,
advindos do exercício das atividades de caráter social.
Há empresas que procuram ressaltar a sinergia entre o negócio e a atuação social, o que
parece conduzir a uma otimização do emprego de recursos próprios em seus projetos
sociais. E isso é ainda mais importante quando os recursos são o talento, a
disponibilidade, a expertise profissional e o conjunto de competências desenvolvido pelas
pessoas. na situação de trabalho que o individuo encontra o espaço e o desafio para se
desenvolver. Quando o voluntariado possibilita o emprego de conhecimentos
especializados, competências profissionais e experiência de trabalho das pessoas, ele
tende a provocar maior satisfação nos colaboradores engajados, resultando em
envolvimento mais profundo.
Alguns casos mapeados na pesquisa são paradigmas da importância dessa sinergia e
indicam que ela pode ocorrer em empresas de qualquer setor econômico ou de quaisquer
características organizacionais; a sinergia foi identificada tanto em empresas prestadoras
de serviços quanto em organizações industriais e comerciais.
A iniciativa de se dedicar a projetos sociais tem diversas origens. Empresas
multinacionais e transnacionais podem receber uma orientação corporativa nesse sentido.
Há empresas que a definem como um dos componentes de seu direcionamento
estratégico. Outras sensibilizam-se pela percepção de problemas sociais do entorno
comunitário em que estão inseridas suas instalações ou de onde provêm

226

seus colaboradores. É interessante ressaltar, porém, que existe sempre um momento em


que um dirigente da organização propõe a idéia e se responsabiliza por assegurar sua
consolidação. O papel dessa liderança é fundamental para concretizar um desejo, uma
idéia que pode estar sendo compartilhada pelo “inconsciente coletivo” da empresa, mas
ainda não encontrou um canal de expressão.
A análise da Figura 6 revela que a maioria dos programas enfoca a criança e o
adolescente, principalmente os problemas de qualidade de ensino e capacitação
profissional. Essa acentuada preferência está atrelada, provavelmeiite, à visão das
empresas e dos próprios voluntários engajados de que o investimento no futuro faz- se
pela formação do cidadão desde a infância. Embora louvável, essa tendência está
marginalizando outras questões sociais importantes que talvez não sejam tão atraentes:
os deficientes físicos e mentais, os idosos de baixa renda, os portadores de síndromes e
doenças incuráveis e de tratamento dispendioso.

Figura 6. População-alvo da atuação social

Excetuando a questão ambiental e o Estatuto da Criança e do Adolescente, os programas


empresariais não estão voltados para atividades de defesa de direitos civis. Uma
tendência muito bem recebida é a atuação na área de gestão com o objetivo de ampliar a
capacitação técnica e gerencial de pessoas que lidam com a administração de entidades
sociais. De um lado, esse aperfeiçoamento é considerado fundamental para melhorar o
desempenho dessas organizações e, de outro, as empresas se dão conta de que é um
recurso que elas têm em abundância. Os voluntários envolvidos com esse tipo de
trabalho, no qual repassam know-how, demonstram um alto nível de gratificação pessoal
porque consideram que esse suporte torna as organizações mais eficientes.
É comum que as empresas utilizem seus produtos e, principalmente, suas “competências
organizacionais”. A Schering-Plough, indústria farmacêutica, desenvolve projetos de
prevenção e manutenção da saúde para famílias de baixa renda. A Informare, a Andersen
Consulting e a McKinsey fazem assessorias e consultorias ém seus campos de
especialidade. A Iochpe Maxion emprega a inteligência e a experiência de seus técnicos e
gestores na capacitação profissional de jovens e no desenvolvimento organizacional de
entidades sociais.

227

Empresas com redes descentralizadas, como as lojas C&A e DPaschoal e as agências da


Caixa Econômica Federal, criam programas flexíveis que possam adaptar-se à localidade.
Também a maioria das empresas mencionou que o funcionário tem alguma autonomia
para selecionar ou indicar projetos e entidades a serem apoiados. São aspectos
importantes, pois asseguram a participação responsável do colaborador, permitem uma
seleção eficaz dos projetos e oferecem oportunidade de uma relação mais direta da
empresa com a comunidade social em que está inserida.

3. O desafio da cidadania para a gestão de recursos humanos

Um dos maiores desafios, se não o maior, dos modelos inovadores de gestão de pessoas
é exatamente o de propiciar as condiçôes e os recursos para que se desenvolva uma
cultura de cidadania organizacional. Desafio para o qual cada organização deverá
encontrar um caminho, pois as tendências apontam para um futuro, muito próximo, em
que todas as pessoas desejarão sentir-se cidadãs em cada papel que tiverem de
desempenhar, em cada relação em que se envolverem, em cada contexto organizacional
a que estiverem vinculadas.
Para esse cenário futuro, algumas questões que hoje se coldcam no ambiente
organizacional deverão estar resolvidas. Algumas dizem respeito à motivação para o
trabalho: cada vez mais as pessoas desejam obter a satisfação dos chamados fatores
intrínsecos. Sentir-se realizadas, gostar do que fazem, obter valorização e
reconhecimento, mobilizar seu talento e conhecimento são determinantes que fazem as
pessoas eleger um trabalho e se dedicar a ele.
Outras questões dizem respeito ao ambiente social predominante no contexto
organizacional onde se dão as relações de trabalho. Transparência na comunicação,
fidedignidade das informações, condições ampliadas de participação, valorização do
patrimônio de conhecimento coletivo, tratamento digno e respeitoso dado a cada pessoa
são requisitos mínimos da convivência em organizações modernas. Tais características
devem compor a própria cultura organizacional e são um solo propício para o
desenvolvimento da cidadania organizacional. O que não se pode esperar é o contrário.
Isto é, que uma empresa com padrões culturais autoritários e conservadores, com
relações de poder discricionárias e com políticas e práticas gerenciais que não dignificam
o ser humano e seu trabalho, queira estabelecer atividades internas e externas
configuradas como opções cidadãs. O atributo da cidadania organizacional é uma
característica que está nos genes da organização, que se concretiza em cada funcionário
que se percebe como cidadão e, só então, espraia-se na atuação social responsável.
É nas políticas e práticas de gestão de recursos humanos que, em primeiro lugar, se
assegura a presença desse código genético. Identificar a filosofia e os valores que
sustentam a gestão das pessoas para verificar sua consistência com os princípios da
cidadania é um dos passos preliminares para estabelecer uma estratégia de atuação
social. O mesmo critério de valor que a empresa utiliza com seu funcionário deve ser
usado para classificar os demais stakeholders: acionistas, fornecedores, clientes,
consumidores. Para a organização cidadã, não existem graus de cida-

228

dania, não existe cidadão de primeira nem de segunda classe; ou é ou não é cidadão.
Isso se reflete na coerência que deve estar estabelecida entre a estratégia de negócios e
a estratégia de responsabilidade social.
Inicialmente pode parecer difícil e complexo compatibilizar essas diretrizes estratégicas.
No entanto, a prática mostra que é mais um desafio à vontade empresarial do que aos
procedimentos administrativos. O Prêmio ItaúlUnicef de Educação e Participação é um
exemplo de caso bem-sucedido de atuação social em que ela configura uma formulação
estratégica do próprio banco. Ao realizar o p1ê- mio, ao lado de outras ações definidas da
mesma forma, a empresa alia-se a parceiros poderosos e competentes. O Unicef, como
instituição reconhecida mundialmente, lhe dá legitimidade política e social e o Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) lhe oferece
assistência técnica com padrões de excelência. Mas, além dessas e de outras parcenas
escolhidas de forma criteriosa, o banco utiliza recursos e competências organizacionais
próprios de seu negócio: capacidade de gerenciamento, ampla rede de agências com boa
estrutura de atendimento de público, presença física em centenas de cidades espalhadas
no território nacional.
A sinergia entre o negócio, as competências organizacionais e as formas de operar as
proposições de responsabilidade social vem se mostrando cada vez mais factível. Kanter
(1999) relata em artigo da Harvard Business Review casos de corporacões multinacionais
de setores importantes da economia — informática, tecnologia, telecomunicações — que
vêm abandonando a tradicional postura filantrópica empresarial para assumir uma
parceria com o setor social. Essa parceria se dá no campo do negócio e ao mesmo tempo
mostra resultados na solução de problemas sociais. Escolas públicas, asilos, creches
assistenciais e entidades para aposentados estão deixando de ser o repositório “do que
sobra” ou “do que passou a ser obsoleto” na empresa para se transformar em laboratórios
de inovação, espaços de pesquisa e desenvolvimento de produtos, projetos catalisadores
das mudanças tecnológicas e organizacionais. “Estas companhias têm descoberto que os
problemas sociais são problemas econômicos […] aplicando sua energia em resolvê-los,
estimulam, poderosamente, o desenvolvimento de seu próprio negócio” (Kanter, 1999).
Se a organização consegue assimilar a proposta da atuação social como foco estratégico,
ainda resta um importante desafio de gestão. Onde são operados os programas? Que
áreas organizacionais devem se apropriar da atuação responsável? Em tempos de pouca
importância, a atuação social era relegada a qualquer área, ou até ficava sob a
responsabilidade de um dirigente ou executivo que se interessava, particularmente, por
essa atividade. Em tempos do “modismo da responsabilidade social”, começa a crescer o
interesse de diferentes áreas: Marketing reivindica seu papel de “dona da imagem”, da
marca, dos veículos de comunicação”; a Presidência quer associar a visibilidade positiva
ao nome do executivo principal; a área de Recursos Humanos “carrega o piano” de
implementar projetos, principalmente quando opta por estimular o voluntariado entre os
colaboradores da empresa.
Nesse sentido, é importante ressaltar que a atuação social é um “produto” de toda a
organização; logo, deve ser gerenciado por um mix de áreas que coordenam entre si as
atividades específicas: comunicação interna, comunicação institucional, operação de
programas e projetos etc.

229

A importáricia da gestão das atividades de cidadania organizacional e responsabilidade


social já é tão reconhecida que criou a necessidade de instrumentos como o decálogo
abaixo, elaborado e distribuído pelo Programa „.iluntários, do Conselho da Comunidade
Solidária.

A importância da gestão das atividades de cidadania prganizacional e responsabilidade


social já é tçao reconhecida que criou a necessidade de instrumentos como o decálogo
abaixo, alaborado e distribuído pelo programa Voluntário, do Conselho da Comunidade
Solidária.

Os 10 passos fundamentais

Estruturando o Programa da Voluntariado Empresarial

1. Identificar a visão, os valores e as ações de responsabilidade social que a empresa já


realiza: trata-se de conhecer a empresa e sua cultura interna.
2. Recrutar o primeiro comitê de trabalho: identificar as pessoas e o departamentos que
articularão os primeiros contatos e traçarão o planejamento do programa.
3. Desenvolver conceitos e estratégias de apoio ao programa: o envolvimento da alta
direção é fundamental. O programa deve atender aos objetivas de mercado da empresa:
imagem pública, coerência no discurso etc.
4, Diagnosticar as experiências e as potencialidades dos fundonários: quantos se
prap8em a ser voluntârios? Em que áreas? Com que disponibilidade de tempo?
5. Identificar as necessidades da comunidade: que carências podem ser supridas pelo
trabalho voluntário?
6. Estruturar o programa de voluntariado: definir objetivos, estratégias, recursos humanos
e materiais, cronograma de implantação e sistema de avaliação.
7. Implantar e gerenciar o programa: é importante que haja um coordenador com visão
profissional do programa e um amitê consultivo, representando diferentes áreas da
empresa.
8. Divulgar Interna e externamente o programa de voluntariado: para estimular a
participação e disseminar conceitos.
9. Valorizar e reconhecer as ações voluntárias: criar prêmios, buaon. enviar cartas de
agradecimento, divulgar casos exemplares.
10. Wabalhar em rede com outros programas e associações de empresários: formar
parcenas, aprender uns com os outras, interferir na formulação de políticas públicas.

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WEISBROD, Burton. The nonprofit economy. Harvard University Press, 1988.

AUTORA

ROSA MARIA FISCHER

Professora associada da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da


Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra cursos de graduação e pós-
graduação, com mestrado e doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da USP e
livre-docência pela FEA-USP Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Administração e conselheira do Programa MBA-Executive International da FEA-USP
Coordena o Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor (Ceats), da FEA-
USP, e o Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (Progep), da FIA/FEA/USP.
Supervisora de projetos de pesquisa, consultoria, treinamento e desenvolvimento da
Fundação Instituto de Administração (FIA), da FEA-USP, da qual é conselheira-
instituidora. Docente titular do Conselho Departamental e da Egrégia Congregação da
FEAUSP Coordena e ministra seminános, cursos e eventos nas áreas de gestão de
mudanças e de recursos humanos, sociologia das relações do trabalho, inovação e
estratégia, cultura e poder nas organizações. Diretora-instituidora da Fischer & Dutra
Gestão Organizacional, que concebe e implementa projetos de transformação
organizacional para empresas privadas e estatais, órgãos de administração pública e
entidades do terceiro setor. Sócia-fundadora e membro permanente do Conselho
Deliberativo do Centro de Estudos sobre Cultura Contemporânea (Cedec). Participou da
equipe de pesquisadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Conselheira do Núcleo de Estudos sobre a Violência da USP e integrante do Conselho
Editorial da Revista de Administração. Assessora da Fundação para Apoio á Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e secretária da Rede Latino-Americana da International Society for
Third-Sector Research (ISTR). , ainda, autora de diversos livros e artigos.

231

O indivíduo e o grupo: a chave do desenvolvimento

TÂNIA CASADO

1. Introdução
O termo indivíduo (Ferreira, 1986), quando substantivo, refere-se a “pessoa humana,
considerada quanto às suas características particulares, físicas e psíquicas”. Uma
organização é composta de pessoas, que trazem para seu interior suas necessidades,
interesses, sonhos, potencialidades e limitações. Quando usado como adjetivo, indivíduo
é sinônimo de indiviso, de algo que não pode ser dividido. E esse significado parece estar
definitivamente incorporado às políticas e ações contemporâneas de gestão de pessoas.
Nela, não se vê mais o papel profissional como desvinculado dos aspectos pessoais e
cada vez mais denota-se a importância de entendimento e integração dos aspectos
pessoais que fazem a diferença no desempenho profissional.
De acordo com Piéron (1964), é diante das demais pessoas que a individualidade se
complementa. Dessa forma, o convívio nos
pos sociais (nos quais se incluem os grupos de trabalho) possibilita a expansão e o
desenvolvimento dos indivíduos. Portanto, o ambiente organizacional oferece a
oportunidade do desenvolvimento integral do ser humano.
Do ponto de vista empresarial, as mudanças a que as organizações estão expostas fazem
com que novas formas de gestão sejam

235

desenvolvidas e aplicadas. No cenário atual de crescente especialização, de grande


competitividade e de recursos escassos a serem otimizados, o trabalho em time aparece
como umas das alternativas viáveis de gestão de recursos humanos para levar a
organização aos patamares de desempenho esperados. Albuquerque (1992) aponta a
tendência ao trabalho em grupo como “premissa importante na definição da nova
concepção de sistemas de gestão na empresa competitiva” e, ao mesmo tempo, afirma
que o trabalho em grupo necessita ser mais bem compreendido e conceitualizado.

2. Ser indiviso

O homem é um ser biopsicossocial. Cada um dos três aspectos — biológico, psíquico e


social contribui para “a edificação da ordem individual, a colocar o indivíduo enquanto
indivíduo e ator de sua própria história e fixar limites” (Chanlat, 1993). Cada um dos três
níveis pode influenciar os demais, e essa composição deve ser considerada ao estudar os
indivíduos e os grupos nas organizações.
Entre os diferenciais do ser humano em relação aos animais, por exemplo, estão o fato de
pensar para agir e a vida em sociedade. A natureza humana conjuga essas ações no
sentido da sobrevivência da espécie considerando o aspecto biológico, o psíquico e o
social.
Sigmund Freud, em seus estudos (apud Hail e Líndzey, 1984), aborda a necessidade de o
ser humano compatibilizar a realidade social e psíquica, enfatizando o contato e a relação
com o outro como promotores da constituição da personalidade. A personalidade é
composta de três sistemas — o id, o ego e o superego — que determinam o
comportamento do indivíduo.
O id é chamado por Freud de a verdadeira realidade psíquica, pois representa desejos e
aspectos psicológicos herdados e internos; o superego é o representante dos valores e
ideais morais da sociedade; e ao ego cabe a função de executivo da personalidade, pois
procura integrar as exigências muitas vezes antagônicas do id, do superego e do meio
ambiente. O papel principal do ego é o de “intermediário entre as exigências instintivas do
organismo e as condições do ambiente. Seus objetivos consistem em manter a vida do
indivíduo e garantir a reprodução da espécie” (Hali e Lindzey, 1984).
Assim, para perpetuar a espécie, o homem busca integrar seus impulsos à realidade
social, cuja trama já existente lhe possibilita uma autonomia relativa. “Marcado pelos seus
desejos, suas aspirações e suas possibilidades, ele dispõe de um grau de liberdade, sabe
o que pode atingir e que preço estará disposto a pagar para consegui-lo no plano social”
(Chanlat, 1993). As organizações estão repletas de possibilidades de observação desse
exercício puramente humano.
As justificativas para o estudo dos processos grupais acham-se na própria natureza deles:
o desenvolvimento humano. As organizações são compostas de pessoas que trazem para
o ambiente de trabalho todo o seu jeito de ser, sentir e viver. São motivações diferentes,
habilidades e aptidões diversas, competências distintas que precisam conviver e produzir.
Desconsiderar essas questões impede a visão

236

acurada da organização e impossibilita qualquer ação para a melhora dos modelos de


gestão de pessoas.
Há muito que as organizações e os indivíduos se ressentem da falta de caminhos que
compatibilizem as motivações individuais com os objetivos organizacionais, que integrem
o aspecto individual e o coletivo de modo claro e profícuo, que unam aspirações de
desenvolvimento humano com necessidades de desenvolvimento da empresa. Esse
dilema, o da cisão entre a individualidade e a participação no coletivo, necessita ser mais
bem estudado. Somente pela descoberta de pontos tangentes no processo de
desenvolvimento humano individual e no coletivo é que se pode acreditar firmemente em
respostas. O verdadeiro trabalho em time, mais que necessidade imposta pelo cenário
atual, é uma alternativa factível.

3. Ambiente social produtivo: o trabalho em time

As organizações já notaram a necessidade de alterar seus modelos de gestão baseados


no desempenho individual para um novo paradigma: o trabalho em time. A busca dessa
nova realidade organizacional tem como objetivo aumentar a produtividade, a
competitividade e a eficiência.
O desenvolvimento de times é a “resposta para o cenário de trabalho atual:
necessariamente mais ágil, integrado e entrosado, em que a multifuncionalidade e as
habilidades não são fatores de limitação para o trabalhador, mas, ao contrário, contribuem
para seu crescimento global” (Casado e Matoso, 1996). Construir times de trabalho é a
saída que as organizações encontram para lidar com os desafios que surgem na luta por
sobrevivência, crescimento e perpetuação.
Dados publicados acerca das organizações que se destacam positivamente no mundo
inteiro atestam que elas têm utilizado o trabalho em time em seus modelos de gestão para
enfrentar os novos desafios do ambiente empresarial (Valikangas, 1991). lnimeras
pesquisas desenvolvidas para identificar as principais características do profissional do
futuro apontam a habilidade de trabalhar em time como uma das favoritas, pois modelos
de organização mais integrados, nos quais a informação e os resultados são
compartilhados, estão surgindo e se consolidando.
Visando atender às solicitações de seus clientes, os práticos da administração lançam
mão de técnicas e instrumentos que prometem atingir patamares superiores de trabalho
conjunto. Há numerosas publicações corh propostas metodológicas, jogos e sugestões
que pretendem auxiliar os administradores a lidar pragmaticamente com a interação entre
pessoas no ambiente de trabalho. Destaquem-se os jogos e a parafemália esportiva —
colocados à disposição dos participantes que deverão vivenciar situações difíceis e de
limite nos programas de desenvolvimento de equipes — que pretendem habilitar os
indivíduos a lidar melhor com as questões referentes aos seus grupos de trabalho na
empresa.
Um breve exame da maior parte do material disponível para o desenvolvimento de times
de trabalho demonstra a abordagem simplista que muitos oferecem e as intervenções
superficiais que propagam. Assim, administradores e organizações buscam cada vez
mais novas saídas e submetem-se a todo tipo de abordagem que prometa alguma luz
sobre a matéria.

237

Compreender as interações humanas num grupo de trabalho demanda o conhecimento


mais aprofundado das questões psicodinâmicas. Para isso, é preciso saber mais sobre a
natureza dos grupos humanos e abordar pontos conceituais com base nas escolas
clássicas que estudam a interação humana.
As referências sobre o assunto que aparecem em textos e em aplicações práticas
alternam os termos grupo, equipe e time para definir trabalho conjunto. Neste capítulo
serão esclarecidos esses usos, relacionando-os às diferentes abordagens teóricas.

4. Um pouco de história

Há séculos, o interesse nas questões relativas às formas de interação entre as pessoas


promove a reflexão dos pensadores. De acordo com Cartwright e Zander (1967), a mais
antiga literatura filosófica sobre o funcionamento de grupos apresenta uma série de
especificações sobre as melhores formas de organização da vida coletiva. Entre os
séculos XVI e XIX surgiram escritos que abordavam a relação dos homens com os
demais na sociedade — são os rudimentos, os embriões em que se embasaram muitas
das correntes que tratam das questões sobre grupos.
Contudo, o estudo dos grupos da forma como hoje se exerce surgiu por volta dos anos
1930, nos Estados Unidos, como um campo identificável de investigações e pesquisas.
Isso ocorreu quando “administradores e teóricos da organização começavam a acentuar a
importância dos grupos e das relações humanas na administração” (Cartwright e Zander,
1967).
A origem desse campo está muito associada ao trabalho de Kurt Lewin, que popularizou a
expressão dinâmica de grupo. Amplamente empregada desde então, ela hoje apresenta
inúmeros sentidos, que vão das técnicas de trabalho em grupo praticadas em programas
de treinamento a um ramo do conhecimento das ciências sociais. Em 1945, Lewiu criou a
primeira instituição dedicada especificamente à pesquisa nessa área.
Embora esse trabalho tenha grande importância para o tema e seja até os dias atuais
referência para pesquisadores, muitos outros estudiosos contribuíram para a ampliação
do entendimento das interações humanas. Além disso, as próprias exigências da
sociedade colaboraram para o surgimento e desenvolvimento desse campo de pesquisa.
Segue-se uma breve explanação das principais correntes teóricas clássicas que estudam
o funcionamento de grupos.

5 Considerações teóricas no estudo dos grupos

Das numerosas definições de grupo, provavelmente o conceito mais difundido é o de um


conjunto de pessoas que compartilham crenças e valores. Dessa definição ficam fora os
aspectos do fazer grupal.
Para Grinberg (apud Rodrígues, 1981), um grupo é “uma pluralidade de pessoas que num
determinado momento estabelecem uma interação precisa e sistemática entre si. Isto
significa que, em todo agrupamento psicológico, as pessoas se conhecem e se
identificam”.

238

Alguns teóricos, entre eles Smith (apud Rodrigues, 1981), definem grupo como uma
“unidade que consiste num número plural de organismos (agentes) que possuem uma
percepção coletiva de sua unidade e que têm o poder de atuar, ou já estão atuando, de
modo unitário frente ao ambiente”.
Para Bion (1975), todo grupo, “por casual que seja, encontra-se para fazer algo”. O autor
afirma que dentro de todo grupo constituído para um fim determinado existem dois outros
grupos: o de trabalho e o assumido. Bion estabelece diferenças entre eles: o grupo de
trabalho produz algo concreto, relacionado à realidade, à maturidade e à cooperação, e o
grupo assumido, com origem nas forças emocionais dos participantes, existe sob a forma
de uma fantasia compartilhada por eles.
Para Pichon-Riviêre (apud Quiroga, 1977), a temática remete necessariamente à
problemática do indivíduo, já que a psicologia do grupo se define com base na concepção
do sujeito segundo a qual ele é ao mesmo tempo agente do processo interativo e fruto da
determinação das relações que constituem as condições concretas de existência do
grupo. Dessa forma, o sujeito tem necessidade do intercâmbio com o meio e está sempre
voltado ao mundo externo (ao grupo), na relação com o outro, em busca da fonte da
gratificação dessa necessidade. O processo entre necessidade e busca da satisfação faz
do sujeito o ator da tarefa do grupo.
Feia Moscovici (1994) distingue os conceitos de grupo e de equipe, deixando claro que
para ela o grupo é um estágio anterior — e talvez mesmo inferior — à equipe. Segundo a
autora, a equipe é “um grupo que compreende seus objetivos e está engajado em
alcançá-los de forma compartilhada. A comunicação entre os membros é verdadeira,
opiniões divergentes são estimuladas. A confiança é grande, assumem-se riscos. A
equipe é um grupo com funcionamento qualificado”.
Katzenbach e Smith (apud Moscovici, 1994) estabelecem diferenças entre suas definições
de grupo e equipe, classificando-os de acordo com seu modo de funcionamento.
Resultam dessa classificação cinco definições:
>Pseudo-equipe: grupo que pode definir um trabalho a fazer, mas não busca nem se
preocupa com o desempenho coletivo. As interações entre os participantes inibem o
desempenho individual e não produzem nenhum ganho oriundo do esforço coletivo.
>Grupo de trabalho: nessa configuração, os membros podem partilhar informações. As
responsabilidades, os objetivos e os produtos, porém, são individuais. Mesmo que sejam
eficientes, esses grupos não produzem trabalho coletivo, já que seus componentes não
vislumbram nenhum motivo para se transformar numa equipe.
>Equipe potencial: modalidade em que há disposição para produzir algo em conjunto.
Seus membros, contudo, precisam de maior entendimento sobre a finalidade, os objetivos
e mesmo sobre a tarefa.
>Equipe real: grupo em que há comprometimento dos membros com os resultados,
atuação responsável e confiança, direcionados por objetivos e missão comuns.
>Equipe de elevado desempenho: essa modalidade de grupo acresce aos requisitos
expostos para a equipe real a legítima e produtiva preocupação e o comprometimento
com o crescimento pessoal e o sucesso de cada um dos membros.

239

Pode-se dizer que o conceito de grupo é menos abrangente que o de equipe, que, por
sua vez, é mais restrito que o de time. Para melhor entendimento, seguem os três
conceitos:
>Grupo é o conjunto de pessoas que compartilham valores, crenças, visões semelhantes
de mundo, possuem uma identidade e podem ser consideradas um todo. A visão de
grupo é de natureza essencialmente relacional, de interação e alianças afetivas, que dão
unidade e identidade ao conjunto de pessoas.
>Equipe é o conjunto de pessoas que buscam um objetiva comum, clara e explicitamente
formulado. Cada uma usa suas habilidades e se esforça no cumprimento de sua tarefa de
acordo com o objetivo maior. Os componentes de uma equipe têm grande clareza da
divisão de responsabilidades e das fronteiras de suas ações, bem como de suas
atribuições. O foco da definição de equipe é a responsabilidade pelo cumprimento das
atribuições que levarão à consecução dos objetivos comuns.
>Time é o conjunto de pessoas com habilidades e potencialidades peculiares a serviço de
um objetivo comum. Elas compartilham valores, buscam resultados comuns e contam
com alto grau de comprometimento, o que as faz responsabilizar-se por mais do que a
simples realização de suas tarefas e atribuições individuais.
Os três conceitos apresentam nítidas diferenças entre si: o grupo enfoca prioritariamente
as ligações afetivas entre os componentes, enquanto a equipe volta-se principalmente
para o resultado. Já o time reUne os aspectos emocionais presentes no conceito de grupo
com a noção de responsabilidade pelo resultado presente no conceito de equipe.
A diferença entre equipe e time pode ser ilustrada pelo depoimento de um executivo ao
referir-se ao desempenho de seu grupo de trabalho: “Todos nós somos muito bons no que
fazemos e cada qual sabe e cumpre seu papel na busca de resultados; só temos um
problema: somos péssimos nas fronteiras”. Por fronteira ele indica a região obscura do
trabalho, com limites indefinidos ou pouco claros, que não compete a ninguém
especificamente, mas sofre as interferências de todos, e sobre a qual qualquer um dos
componentes pode agir, contribuindo para o resultado global. Usualmente, a fronteira
representa o lado mais sutil da interface de trabalho, em que podem desenrolar-se as
relações interpessoais mais delicadas. A habilidade de atuar produtivamente nessa região
diferencia o grupo de um verdadeiro time.

6. As diversas orientações teóricas

As principais abordagens sobre grupos que têm interferido e contribuído para o


entendimento do tema serão brevemente explicitadas a seguir. Essa divisão tem uma
natureza compreensiva, já que no estudo dos trabalhos dos expoentes de cada
abordagem não só se percebe a consideração de outros conceitos como se atestam as
referências explícitas a conceitos e abordagens das demais escolas.

240

6.1 TEORIA DE CAMPO DE KURT LEWIN

Lewin afirma que o comportamento é produto de um campo de determinantes


interdependentes cujas características estruturais são representadas por conceitos da
topologia e da teoria dos conjuntos e cujas características dinâmicas sao representadas
por meio de forças e conceitos psicológicos e sociais.

6.2 TEORIA DA INTERAÇÃO

Nessa abordagem, o grupo é concebido como um sistema de indivíduos em interação. Os


conceitos básicos trazidos por essa vertente (atividade, interação e sentimento) são
fundamentos da construção de todos os conceitos de ordem elevada. As figuras mais
importantes desse enfoque são Robert Bales, G. C. Homans e W E Whyte Jr.

6.3 TEORIA DE SISTEMAS NO ESTUDO DO GRUPO

Theodore M. Newcomb foi um dos entusiastas dessa abordagem, que enfatiza os tipos de
“entrada” e “saída” do sistema e, como a teoria de campo, tem interesse fundamental nos
processos de equilíbrio. Os estudos de Newcomb demonstraram que as atitudes dos
indivíduos estão fortemente arraigadas nos grupos de que fazem parte e que a influência
do grupo sobre as atitudes de um indivíduo depende da natureza da relação entre eles.

6.4 ORIENTAÇÃO SOCIOMÉTRICA DE MORENO

O criador do psicodrama vê o grupo em termos de tabulação e análise de escolhas


interpessoais. As dinâmicas que envolvem os vários papéis desempenhados pelos
integrantes do grupo são identificadas através do levantamento das relações preferenciais
para as tarefas desenvolvidas.
6.5 ABORDAGEM PSICANALÍTICA DE GRUPOS

A teoria psicanalítica foi utilizada por Freud para o entendimento da dinâmica de grupos
sociais. Outros seguiram seus passos e talvez, dentre eles, Bion tenha sido o que mais se
notabilizou com o estudo da dinâmica grupal na abordagem psicanalítica. Nesse enfoque,
os conceitos advindos da psicanálise — identificação, regressão, mecanismos de defesa
e noção de inconsciente — apresentam grande relevância.
Essa leitura da dinâmica grupal surgiu pela primeira vez numa conferência do Instituto
Tavistock de Londres, em 1957, e foi levada aos Estados Unidos em 1965, passando a
ser conhecida como Modelo de Grupo de Tavistock. l uma abordagem muito utilizada no
estudo dos grupos organizacionais e oferece excelente compreensão da problemática da
interação entre pessoas na organização, além de metodologias e propostas de ação
viáveis e factíveis. No Brasil, Arakcy M. Rodngues pesquisou, escreveu e realizou
importantes trabalhos voltados a grupos organizacionais nessa abordagem.

241

6.6 ABORDAGEM COGNITIVA

Tratando-se de tema que envolve os fatores humanos, é previsível que as concepções


oriundas da psicologia geral influam nos modos de compreender e atuar na dinâmica dos
grupos. São constantes as abordagens motivacionais, de aprendizagem e de percepção.
A teoria cognitiva é uma das mais freqüentemente encontradas em trabalhos desse tipo.
Seu ponto de vista dá importância à forma como os indivíduos recebem e integram as
informações sobre o mundo social e como essa informação influi em seu comportamento.
L. Festinger produziu muitos estudos nessa aboraagem.

6.7 ORIENTAÇÃO EMPÍRICO-ESTATISTICA

Encontram-se aqui as vertentes que buscam nos processos de grupo as relações e os


entendimentos apreendidos com o uso de processos estatísticos. Nessa visão, procuram-
se os aspectos da dinâmica grupal através do uso de metodologias estatísticas, de
correlação e interação entre variáveis, e não de conceitos construídos ou selecionados a
priori por um teórico. Obviamente, existe um corpo teórico que norteia essa busca, mas as
conexões são desenvolvidas graças aos procedimentos estatísticos. Incluem-se nessa
abordagem os estudiosos dos testes de personalidade e das medidas de traços
individuais na composição dos grupos. Um modelo clássico amplamente conhecido é o de
R. Cattell (apud Anastasi, 1976). Com a evolução das técnicas e metodologias
estatísticas, esse ramo possui grande potencial de crescimento.
O teste brasileiro Diagnóstico de Tipo Psicológico, DTP (Casado, 1998), o inventário de
Briggs-Myers (1987) e o questionário de Keirsey e Bates (1978) são três exemplos dessa
abordagem.

6.8 MODELO FORMAL

A matemática foi o ponto de apoio que os estudiosos da dinâmica dos grupos buscaram
para compreender os processos grupais. De acordo com French (apud Cartwright e
Zander, 1967), o modelo formal “tenta integrar resultados anteriores numa teoria
logicamente consistente, a partir da qual é possível derivar hipóteses testáveis para
orientar pesquisas futuras”.
7. Aspectos relevantes na formação de grupos de trabalho

Muitas variáveis interferem na composição de um grupo de trabalho. A seguir são


apresentadas cinco das mais importantes.
Tamanho: o número ideal de componentes de um grupo de trabalho depende de seus
objetivos. Grupos excessivamente grandes podem dificultar o processo de comunicação,
tornando-o lento e impreciso, e diluir a responsabilidade

242

pelos resultados. Quando o resultado for bom, o sentimento de orgulho pode ficar
disperso, minimizando a gratificação pelo trabalho bem-feito. Se o resultado ficar abaixo
do esperado, um número grande de participantes pode atribuir a culpa a outrem.
> Regras: a existência de padrões morais, valores e regras de funcionamento nos grupos
auxilia os componentes a saber o que. . esperado, válido e. leg,ttimo em termos de
comportamento. As regras e normas podem ser explícitas ou implícitas e surgem com a
história do grupo, desenvolvendo-se e perpetuando-se na medida de sua evolução.
>Papéis: definir e esclarecer os diversos papéis presentes nos grupos sociais — e, em
especial, nos times de trabalho — auxilia os componentes a entender as expectativas
mútuas e a se situar para um exercício mais proficuo da experiência grupal.
>Ritmo: é importante compreender o ritmo próprio de cada grupo social, representado por
sua dinâmica de forças, pela velocidade de sua comunicação, pela agilidade de suas
ações e pela premência de tomar decisões. No âmbito organizacional, determinados
segmentos podem apresentar ritmos diferentes, interferindo na relação e na
interdependência na busca dos resultados.
>Linguagem: padrões de comunicação expressos na linguagem verbal, não-verbal e
simbólica dos grupos são verdadeiros mapas de diagnóstico de aspectos mais profundos
de sua composição. Atentar para a forma e o conteúdo do discurso dos componentes,
suas expressões idiossincráticas e demais mecanismos de expressão é tarefa
indispensável daqueles que se dispõem a compreender seu funcionamento. Além disso,
como já foi dito anteriormente, a linguagem tem extrema importância como forma de
defesa e sobrevivência dos grupos sociais. Citem-se como exemplo os códigos e jargões
próprios utilizados nas organizações.

8. Sociometria: uma técnica para analisar as interações nos grupos

Quando o problema é a aplicação dos conceitos e modelos à realidade organizacional,


uma técnica que possibilite a visualização das interações humanas torna-se necessária,
especialmente nas ações de gestão de pessoas e reestruturação organizacional. A
sociometria e sua representação gráfica — o sociograma — têm sido um instrumento
valioso para objetivar as interações pessoais, apontando a existência e a localização de
subgrupos, de estrangulamentos de comunicação grupal e de possibilidades de
estabelecimento de maior fluidez nos processos grupais.
A sociometria, conhecida como a ciência das interações humanas nos grupos, oferece
uma medida das relações interpessoais dentro de um grupo social. As interações são
levantadas de modo a identificar padrões de relações interpessoais no grupo. Os
principais padrões são: panelas, estrelas, pontes, indivíduos isolados.
Panelas são os agrupamentos relativamente permanentes, com investimento emocional
por parte dos participantes. Estrelas são indivíduos com a maioria das ligações numa
rede, os mais procurados pelos participantes do grupo. Pontes são

243

as pessoas que favorecem as ligações entre dois agrupamentos ou panelas, pois


pertencem a ambos. Isolados são aqueles indivíduos que não se acham conectados a
uma rede social.
Trata-se de uma ferramenta relativamente simples. Solicita-se às pessoas que indiquem,
em ordem de preferência, os colegas com quem gostariam ou prefeririam trabalhar ou
executar qualquer atividade. Tomam-se alguns cuidados para não intimidar ou expor as
pessoas, como garantir que as informações serão confidenciais e que nenhum colega
saberá de suas escolhas.
É certo que essa técnica demanda um vínculo de confiança entre o grupo e a pessoa que
faz a solicitação. Em processos de diagnóstico organizacional isso é importante não só
para essa fase da sociometria mas também para assegurar a qualidade das demais
informações obtidas no grupo.
Após o levantamento, pode-se proceder à tabulação (Tabela 1) e à realização do
sociograma (Figura 1), que vai proporcionar uma fotografia das interações no grupo.
Então as relações entre os membros serão mapeadas, possibilitando uma intervenção
mais acurada.

Tabela 1. Tabulação de um levantamento sociométríco

Componente 1º 2º 3º

A 4 2 1

B 2 1 1

C 1 1 2

D 2 — —

E — 2 1

F — — 2

G — 2 1

H — — 1

I — — 1

Figura 1. Sociograma
244

9. Comentários finais

As organizações contemporâneas e seus dirigentes já perceberam a necessidade de


entender o ser humano e as interações que empreende para reafirmar-se como ser
socialmente produtivo, exercitando o projeto maior de sua natureza, que é compatibilizar
seus impulsos instintivos com a realidade social.
O corpo teórico denominado comportamento organizacional foi buscar conceitos na
psicologia, na antropologia e na sociologia para ajudar a desvenaar os meandros mais
profundos do fator humano como forma de obter ambientes organizacionais propícios ao
desenvolvimento mútuo de indivíduos, grupos e organizações.
Por outro lado, não se pode ignorar que grupos e organizações exercem cada vez mais
influência sobre as condutas individuais e que as exigências econômicas e sociais da
comunidade externa às empresas determinam as configurações e os parâmetros de
relacionamento entre organização e indivíduos. “O nível da sociedade engloba, penetra e
irriga o universo dos indivíduos, das interações e da organização” (Chanlat, 1993).
Somente integrando a visão interna e externa ao homem nas organizações é que se
poderá perceber e intervir nos fenômenos organizacionais, compreendendo em que
medida organizações, grupos e indivíduos podem fundir seus obetxvos, muitas vezes
conflitantes, em algo que traga sentido à relação ser humano-empresa.

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Economic Forum, 1991.

AUTORA

TÁNIA CASADO

Professora-doutora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,


Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), atua na área
de recursos humanos. Psicóloga, mestre e doutora em Administração pela FEA-USP, é
coordenadora do Programa de Estágio e do Programa de Orientação para Carreira
(POC), ambos da FEA-USP, e vice-coordenadora do Centro de Estudos em
Administração do Terceiro Setor (Ceats), da FEA-USP Possui experiência como
consultora organizacional em: diagnóstico e mudança organizacional; identificação e
desenvolvimento do potencial humano nas organizações; construção de times de trabalho
(team building); estabelecimento de políticas de recursos humanos; pesquisas de clima
organizacional e desenvolvimento gerencial.

246

A motivação e o trabalho

TÂNIA CASADO

1. Introdução

A motivação tem sido um dos temas mais estudados em gestão de pessoas e, mesmo
assim, permanece um dos aspectos mais preocupantes do cotidiano das organizações.
Muito se fala, muito se tenta e, na realidade, pouco se avança. São inúmeras as opções
para motivar os empregados, há muitos investimentos em novos e retumbantes
programas motivacionais e, passado pouco tempo, volta-se à estaca zero.
A grande quantidade de teses e artigos sobre o assunto não consegue diminuir a
inadequação da relação das pessoas com seu trabalho e, novamente, surge a culpada: a
motivação.
Quantos gestores não ouviram de seus superiores a célebre frase: “Você tem que motivar
seus subordinados!”? Que sentimentos essa frase tem despertado em cada um dos
gestores que a ouviram?
Ao que tudo indica, existe disparidade entre o que se entende por motivação e o que se
espera dela na prática, ou seja, o que se pratica sobre motivação nas organizações está
muito distante da discussão e do entendimento conceitual dos estudiosos do assunto.
Esclarecer os conceitos básicos do tema, comparar as principais correntes teóricas e
atentar para os principais desafios da gestão de pes-

247

soas, previamente ao estabelecimento de discussões sobre algumas das práticas mais


comuns, é, portanto, uma tarefa útil a ser cumprida neste capítulo.
Inicialmente será abordada a natureza intrínseca da motivação. A seguir, serão
apresentados a evolução histórica dos conceitos, os modelos e as propostas atuais e os
principais desafios.

2. Motivação: fator intrínseco

Em sentido mais amplo, na psicologia, motivação corresponde “a uma modificação do


organismo que o faz mover-se, até que se reduza essa modificação” (Piéron, 1964). Para
melhor entendimento dessa definição, deve-se lembrar o conceito de homeostase, que
está incluído no entendimento de motivação. Homeostase é a “tendência à estabilidade
do meio interno do organismo” (Ferreira, 1986) ou “característica geral dos organismos,
que consiste em manter constantes as condições de vida, ou restabelecê-las, quando
forem modificadas, particularmente no que concerne ao seu interior” (Piéron, 1964).
Motivação é definida como um impulso à ação. É também traduzida como necessidade ou
tendência (Piéron, 1964; Archer, 1997). Por tratar-se de impulso ou necessidade, é óbvio
que é originada basicamente no interior dos indivíduos. Assim sendo, a fala comum “você
tem que motivar seus empregados!” perde seu uso prático, pois sugere algo impossível
de realizar.
Esse equívoco talvez determine a impotência de gestores e organizações ante os
aspectos motivacionais das pessoas no trabalho. Dessa forma, é necessário entender
mais profundamente os aspectos internos do ser humano. Observe-se o que Freud tem a
relatar com relação à motivação humana.

3. Motivação e deslocamento da energia psíquica

Freud (apud HaIl e Lindzey, 1984) concebe a personalidade como composta de três
grandes sistemas: id, ego e superego. O id é entendido como a representação mais forte
do mundo interno e é composto dos instintos, representações psicológicas do desejo e da
necessidade que geram tensão. O id não tolera aumentos de energia experimentados
como tensão. Sua função é buscar a estabilidade descarregando a tensão através de
ações reflexas ou de comandos para que o ego resolva o desconforto da necessidade
encontrando formas realistas de satisfação. Trata-se de um processo homeostático.
O ego então age para possibilitar a descarga da tensão originada no id pelos instintos. O
ego deve integrar os impulsos dos instintos (id) e as regras morais e sociais advindas do
terceiro sistema, o superego, representante interno dos valores e ideais tradicionais da
sociedade, cuja principal função é inibir os impulsos do id.
O instinto exerce uma pressão determinada por sua força e pela intensidade da
necessidade subjacente; ele é o verdadeiro propulsor da personalidade. A forma de
energia pela qual os instintos realizam sua tarefa é denominada de libido.

248

Como se vê, cada sistema tem as próprias funções, dinamismos, mecanismos e


componentes, embora interajam determinando o comportamento. Apesar de o id ser o
reservatório da energia psíquica, o fluxo e o deslocamento de energia ocorrem entre os
três sistemas, o que dá dinâmica à personalidade.
O deslocamento da libido, ao buscar a satisfaçâo das necessidades e baixar a tensão
(homeostase), “gera um acúmulo de energia não descarregada, que agirá como força
motivadora permanente do comportamento” (Hali e Lindzey, 1984). A busca de novas
formas de redução da tensão leva à conhecida intranqüilidade e insaciabilidade humana,
muitas vezes vista como um obstáculo à gestão de pessoas nas organizações. Toda a
gama de interesses, preferências e atitudes ncontrada no comportamento humano é
possibilitada pelo deslocamento, o principal mecanismo de desenvolvimento da
personalidade. Se a energia (libido) não pudesse deslocar-se, o ser humano seria
impulsionado somente pelos instintos, reproduzindo formas fixas de comportamento. A
motivação humana é alimentada pelos deslocamentos da libido.

4. Evolução histórica do ceonceito

A preocupação dos gestores com a motivação, tal como se conhece hoje, é relativamente
recente. De acordo com Steers e Porter (1975), antes da Revolução Industrial a
motivação tinha a forma de medo de punição — física, financeira ou social. Entretanto, à
medida que as indústrias de larga escala tomaram o lugar das organizações artesanais,
destruindo formas sociais e de troca nas relações profissionais e demandando maior
complexidade, os processos de interação entre os trabalhadores e seus patrões foram
substituídos por formas frias e tênues de relacionamento entre trabalhadores e empresas.
Essa mudança acarretou alterações nos padrões exigidos para a eficiência e o retorno
dos investimentos, ocasionando transformações nas relações de trabalho. A força
trabalhadora precisava, a partir de então, ser também mais eficiente e lidar com uma
supervisão distante e impessoal. Essas mudanças originaram uma nova filosofia de
gestão, na qual “muitos fatores motivacionais intrínsecos foram substituídos por fatores
extrínsecos” (Steers e Porter, 1975), conhecida como administração científica.
A administração científica, fundamentada em um modelo caracterizado como tradicional e
muito bem definida pelos escritos de Frederick Taylor em 1911, retira do trabalhador o
problema pelo bom ou mau desempenho e eficiência e coloca a responsabilidade sobre o
supervisor. É esperado do gerente que preencha cada posição de trabalho com o mais
adequado trabalhador, forneça treinamento e exerça o controle para garantir resultados.
Uma vez atingidos esses resultados, o gestor deverá recompensar os trabalhadores com
um bom programa de remuneração, que os induza a produzir sempre mais, mais rápido e
melhor.
O modelo tradicional fundamenta-se na seguinte percepção da natureza humana: os
trabalhadores são vistos como mercenários preguiçosos, sem ambições de crescimento
profissional. A natureza do trabalho deve ser simples, repetitiva e fácil de controlar.

249

Sievers (1997) faz duras críticas ao modo tradicional de entender a motivação, afirmando
que ela só passou a ser um tópico quando o sentido do próprio trabalho desapareceu ou
então foi perdido, e essa perda está diretamente ligada à crescente divisão e
fragmentação do trabalho, originada pela busca excessiva de eficácia. Para ele, essa é
uma perspectiva sombria da natureza humana, que não considera o subjetivismo do
homem e reduz sua atuação profissional a mera relação com um sistema que o controla e
dirige.
À medida que o modelo tradicional passou a ser largamente aplicado nas organizações,
alguns problemas começaram a surgir. Ações complexas vindas dos trabalhadores
buscavam simultaneamente o aumento crescente dos salários e a garantia da segurança
dos empregos como resultado de um sistema que, ao aumentar a eficácia do trabalho,
reduzia o número de empregados necessários à produção. Os sindicatos começaram a
ganhar força, a eficiência no trabalho diminuiu e a simplicidade do modelo tradicional e da
administração científica em enxergar o ser humano começou a mostrar sinais de
inadequação. Como decorrência das novas necessidades do mundo organizacional,
surgiu uma revisão das relações de trabalho: o modelo das relações humanas.
Esse modelo, que nasceu no fim dos anos 1920, propunha uma nova abordagem ao falar
de motivação: o homem deveria ser percebido como um todo, pois desconsiderar a
natureza humana do trabalhador resultava em baixa qualidade do trabalho e reduzida
adesão à organização. Por essa visão, a fragmentação e a rotinização das tarefas
reduzem a possibilidade de o trabalhador sentir satisfação no trabalho, o que faz com que
a busque em outro lugar. Assim, o relacionamento com os colegas aparece como uma
possibilidade de satisfação.
O novo modelo indicava como estratégia motivacional: fazer com que os empregados se
sentissem importantes, abrir canais de comunicação para que fossem ouvidos e permitir
que interferissem e opinassem no modo de executar seu trabalho. Quanto à
remuneração, foram encorajados os sistemas de incentivos em grupo. Nesse modelo, a
percepção da natureza humana é eminentemente social.
Há ainda um terceiro modelo geral de abordagem da motivação humana no trabalho, no
qual se encaixam algumas das mais novas teorias sobre motivação: o modelo dos
recursos humanos. Trata-se de uma perspectiva mais complexa da natureza humana
segundo a qual diferentes fatores se inter-relacionam no processo motivacional: dinheiro,
aspectos sociais, o trabalho em si e perspectivas de crescimento. Ponto central dessa
abordagem é que diferentes trabalhadores possuem diferentes fatores motivacionais e,
além de buscar modos de satisfação distintos, também têm diferentes contribuições a
fazer à organização.
Dentro dessa corrente de entendimento da motivação humana no trabalho estão algumas
convicções básicas sobre a natureza do homem. A primeira é que o individuo quer
contribuir para e com seu trabalho; a segunda, que o trabalho não é algo ruim nem
aversivo em si mesmo; a terceira julga que os empregados podem influir positivamente
nas decisões sobre seu trabalho numa direção que favoreça a qualidade para a
organização; e, finalmente, a quarta considera que o incremento da complexidade da
tarefa, assim como o controle de sua execução pelo próprio trabalhador, é um fator que
aumenta a satisfação do empregado.
250

A estratégia gerencial no processo motivacional, segundo o modelo dos recursos


humanos, é primeiramente compreender a natureza complexa da motivação, encontrando
formas de entendimento das peculiaridades dos liderados, para que o gestor possa
manejar todo o potencial que tem nas mãos. Em seguida, conhecendo as diferenças,
favorecer o atendimento dos objetivos individuais em consonância com os objetivos
organizacionais.
O principal diferencial desse modelo é que a postura do gestor não se dá no sentido de
manipular, mas de estabelecer com os demais empregados uma parceria na qual as
habilidades de cada um, bem como seus objetivos, sejam censideradas o cauxuho da
consecução dos obetivos organizacionais.
Apresentados os três modelos gerais e considerando-se a realidade das organizações,
pode-se perceber a existência de defensores de um ou de outro modelo, bem como de
evidências que fundamentam as preferências por qualquer um dos três. As características
da organização, a complexidade de seus processos e, sem dúvida, sua visão da natureza
do homem vão influir na escolha do modelo preferencial. Contudo, as teorias mais
desenvolvidas e aceitas encontram-se dentro da perspectiva do modelo de recursos
humanos e serão abordadas a seguir.

5. Teorias motivacionais consagradas

Existem várias teorias que explicam a motivação, cada uma com sua forma peculiar.
Todas elas são a expressão de uma maneira especial de ver o ser humano e nenhuma
representa a verdade absoluta sobre o tema.

5.1 ABRAHAM MASWW: TEORIA DA HIERARQUIA DAS NECESSIDADES

Sem dúvida, a teoria mais lembrada quando se fala de motivação é a proposta e


apresentada por Abraham Maslow em 1943. Maslow concebe a motivação como algo
constante, infinito e complexo encontrado em todos os seres humanos. “O homem é um
animal que deseja e que raramente alcança um estado de completa satisfação, exceto
durante um curto tempo. À medida que satisfaz um desejo, sobrevém outro que quer
ocupar seu lugar. Quando este é satisfeito, surge outro ao fundo. É característica do ser
humano, em toda a sua vida, desejar sempre algo” (Maslow, 1954).
Para Maslow, desejar algo implica a ocorrência da satisfação de outros desejos, o que
nos leva à sua segunda formulação: os desejos possuem uma ordem de predominância.
“Não teríamos o desejo de compor músicas ou criar sistemas matemáticos ou estar bem
vestidos [...j se estivéssemos morrendo de sede” (Maslow, 1954). Assim, o teórico propõe
grupos de desejos e impulsos e cria categorias fundamentais que classificam de modo
abstrato os objetivos humanos.

251

A classificação dos objetivos humanos proposta por Maslow resulta em cinco


necessidades que direcionam o comportamento:
> necessidades fisiológicas;
> necessidades de segurança;
> necessidades sociais e de amor;
> necessidades de auto-estima;
> necessidades de auto-realização.
No grupo das necessidades fisiológicas, encontram-se as relativas a fome, sede e sexo,
que compõem o grupo primordial para Maslow: o ser humano a quem tudo faltasse
tenderia a satisfazer, pnmordialmente, as necessidades fisiológicas. Ao homem que se
encontra dominado por essas necessidades, tudo se define com base nelas: “A utopia é
definida como um lugar onde há suficiente comida” (Maslow, 1954). Dessa forma, o
respeito, a liberdade, o conhecimento e o amor não são prioritários para quem não tem
comida.
Uma vez relativamente atendidas as necessidades fisiológicas, surge o segundo grupo:
as necessidades de segurança. Embora seja possível falar de comportamento adulto,
essas necessidades são mais facilmente compreendidas pela observação do
comportamento infantil, pois o efeito de uma ameaça ou a reação ante o perigo são muito
claros nas crianças, que não reprimem suas atitudes emocionais. O adulto saudável, que
vive numa sociedade relativamente pacifista, não encontra dificuldade em satisfazer essa
necessidade. O exemplo de doença mental em que se observa a busca de segurança é a
neurose obsessivo-compulsiva. O obsessivo-compulsivo tenta freneticamente regrar,
ordenar e estabilizar o mundo que o cerca de modo a minimizar o aparecimento de
perigos inesperados e aumentar o sentimento de controle sobre o que é familiar,
ordenado e planejado.
Se os dois grupos anteriores (fisiológico e de segurança) estiverem satisfeitos, surgirá a
necessidade de amigos, namorado, esposa ou filhos, isto é, as necessidades sociais. O
indivíduo necessitará estar com amigos e sentir-se estimado por eles, desejará ser
querido e estabelecer relações afetivas e irá entregar-se mais que tudo á busca desses
objetivos. Maslow argumenta que estão aí os casos mais freqüentes de desajustes
emocionais graves, pois o amor e o afeto e suas possíveis expressões na sexualidade
possuem um caráter ambivalente de desejo e inibição.
A necessidade de auto-estima aparece quando as três outras foram razoavelmente
atendidas. As pessoas saudáveis, segundo Maslow, têm o desejo de uma avaliação
positiva e estável de si mesmas, de auto-respeito e auto-estima, além da apreciação dos
demais. A satisfação dessas necessidades leva a sentimentos de autoconfiança, valor,
força e percepção de ser útil no mundo, enquanto sua frustração gera sentimentos de
inferioridade e impotência, que podem originar reações não só negativas como também
neuróticas. Alfred Adler, um discípulo dissidente de Freud, analisou exaustivamente essa
necessidade em sua abordagem teórica, denominada de teoria do poder.
Classificada no topo da pirâmide, a necessidade de auto-realização surge somente
quando o indivíduo alcançou a satisfação de todas as outras categorias de necessidade.
Nesse aspecto, Maslow inclui a tendência do homem à expressão de seu

252

potencial único, presente em cada ser humano: “A necessidade de realização total é o


desejo de chegar a ser, cada vez mais, o que se é” (Maslow, 1954).
Embora a teoria de Maslow seja uma das mais conhecidas, existem poucas pesquisas
sobre suas predições do comportamento humano. Dentre os estudos existentes, os
resultados alcançados mostram que trabalhadores de níveis mais baixos tendem a
preocupar-se mais com as necessidades de baixa ordem (fisiológicas e de segurança),
enquanto gerentes e trabalhadores de nível mais alto voltam-se mais para o atendimento
das necessidades de alta ordem (auto-estima e auto-realização). Ainda que a teoria de
Maslow possa explicar esses resultadõs, eles não representam um teste para ela.

5.2 CLAYTON AIDERFER: OUTRO TEÓRICO DA HIERARQUIA DAS NECESSIDADES

Alderfer (1969) interessou-se particularmente pelo estudo dos fatores apontados por
Maslow e, em 1969, suas pesquisas o levaram a um modelo revisto da hierarquia
proposto por aquele teórico. Ele propõe um modelo de entendimento dos processos
motivacionais que também parte de uma hierarquia, contudo apresenta algumas
diferenças em relação ao de Maslow.
Para Alderfer, existem três níveis de necessidades — existência, relacionamento e
crescimento —, que combinam os cinco grupos de necessidades de Maslow.
Por existência entendem-se as preocupações de garantir as exigências materiais
humanas básicas, correspondentes às necessidades fisiológicas e de segurança de
Maslow. Por relacionamento entende-se o desejo de manter intercâmbios pessoais
relevantes, o que corresponde à necessidade social e ao componente externo de estima
de Maslow. Finalmente, entende-se por crescimento o desejo intrínseco de
desenvolvimento pessoal, equivalente à necessidade de auto-realização e ao componente
interno de estima de Maslow.
Se para Maslow uma necessidade de nível mais alto só surge quando as necessidades
menores já foram atendidas, na abordagem de Alderfer todos os níveis atuam
simultaneamente. Outra característica da teoria de Alderfer é a existência de um
componente de regressão na dinâmica da motivação, o que faz com que a falta de
satisfação de uma necessidade aumente a importância das necessidades de níveis mais
baixos.

5.3 FREDERICK HERZBERG: TEORIA DOS DOIS FATORES

Herzberg (1959) começou a trabalhar na teoria dos fatores em meados dos anos 1950.
Inicialmente, seus trabalhos abordaram o estudo das teorias de motivação já existentes.
Baseando-se na revisão conceitual que realizou, Herzberg conduziu uma pesquisa que se
tornou famosa entre os estudiosos de motivação.
Enquanto outras teorias eram baseadas em inferências e deduções dos teóricos ligadas a
sua experiência, Herzberg elaborou uma teoria alicerçada numa pesquisa na qual foram
entrevistados 200 indivíduos, entre engenheiros e contadores.
Nessa pesquisa, perguntava-se em primeiro lugar a respeito de situações em que os
entrevistados se sentiram excepcionalmente bem no trabalho. Em seguida,

253

questionava-se sobre os momentos em que se sentiram especialmente mal em seu


trabalho. Como resultado, Herzberg observou que as primeiras ocorrências eram aquelas
em que o trabalho em si e seu desempenho estavam contemplados. Essas situações
dependiam da ação dos indivíduos entrevistados. Contrariamente, ao relatar as situações
nas quais se sentiram especialmente mal, os entrevistados apontaram ocorrências em
que sua participação não era ativa e fatores alheios contribuíram para os acontecimentos.
Publicados em 1959, os resultados da pesquisa indicavam que o homem tem dois blocos
de necessidades: um atendido por fatores de natureza intrínseca e outro atendido por
fatores de natureza extrínseca. Esses dois blocos levaram Herzberg a formular a teoria
dos dois fatores: os fatores de motivação (intrínsecos) e os fatores de higiene
(extrínsecos).
Na teoria dos dois fatores, um deles se relaciona com a satisfação (fatores de motivação)
e o outro com a insatisfação (fatores de higiene). Eles não são vistos em um mesmo
continuum, pois são fatores de dimensões diferentes. A alta satisfação não se traduz pela
ausência de fatores de insatisfação e está relacionada à natureza do trabalho em si.
Assim, o oposto de satisfação não é insatisfação, e sim não-satisfação. Da mesma forma,
o oposto de insatisfação não é satisfação, e sim não-insatisfação. Mais do que um jogo de
palavras, essas diferenças são a essência da proposta de Frederick Herzberg.
Ele conduziu vários estudos com grande número de pessoas. Deles derivam alguns
fatores para cada bloco (motivadores e higiênicos). A lista proposta por Herzberg pode,
eventualmente, apresentar pequenas alterações, pois nem sempre todos os fatores foram
encontrados em todas as pesquisas, mas a essência do conjunto permanece. Assim,
fatores motivadores — aqueles que fazem com que os indivíduos se sintam
especialmente bem e que são os de satisfação — são: crescimento, progresso,
responsabilidade, o próprio trabalho, o reconhecimento e a realização. E fatores
higiênicos — aqueles que fazem com que os individuos não se sintam insatisfeitos, mas
não necessariamente satisfeitos — são: segurança, status, relacionamento com os
subordinados, relacionamento com os colegas, relacionamento com o supervisor, vida
pessoal, salário, condições de trabalho, supervisão, política e administração da empresa.
Sinteticamente, pode-se estabelecer uma comparação entre os fatores da teoria de
Herzberg e a hierarquia de necessidades de Maslow e de Alderfer (Quadro 1). Os fatores
higiênicos estão associados às necessidades de baixa ordem.

Quadro 1. Hierarquia de Maslow, hierarquia de Alderfer e fatores de Herzberg

254

5.4 TEORIA DA DETERMINAÇÃO DE METAS DE EDWIN WCKE

No final dos anos 1960, Edwin Locke (1968) apresentou sua teoria, baseada na
necessidade que as pessoas têm de vislumbrar objetivos claros e diretrizes bem
definidas. Assim, a definição de metas claras e específicas para os trabalhadores
contribui, segundo essa teoria, para a satisfação das necessidades dos indivíduos, O
papel do gestor, portanto, será o de definir e clarificar metas para seus liderados, o que os
fará empregar determinado esforço na sua consecução.
Locke também assinala que metas com razoável grau de dificuldade e definidas com
par(idpaço dos empregados produzem melhores resurtados do que metas muito fáceis ou
que foram definidas sem a participação dos envolvidos na sua consecução. A participação
aumenta a aceitação da meta, o que a torna mais atraente para o trabalhador.
Outro papel importante para o gestor que trabalha sob a orientação dessa teoria é
fornecer feedback adequado aos seus liderados. Se o feedback fornecido pelo supervisor
é importante e ajuda o empregado a manter seu desempenho alinhado com os objetivos,
maior ainda é a importância do feedback autogerado, no qual o empregado tem meios
para avaliar seus progressos e a efetividade de seus esforços.
A teoria motivacional de Locke tem implicações fortes em avaliações de desempenho e
aferições de produtividade, embora ainda não haja evidências de pesquisas que a
relacionem com aspectos de satisfação do trabalhador. Essa teoria também é sujeita a
implicações advindas da cultura do país onde se localiza a organização. Uma aplicação
freqüente da teoria pode ser encontrada no modelo de administração por objetivos (APO).

5.5 TEORIA DA EQÜIDADE

teoria relativamente nova quando comparada às demais e particularmente diferente dos


modelos anteriores no que concerne à formulação. Resultou de trabalhos independentes,
mas convergentes, de vários estudiosos que trabalharam sob os mesmos parâmetros
gerais. A teoria inclui as formulações sobre dissonância cognitiva (Festinger, 1960) e as
reflexões sobre eqüidade e iniqüidade formuladas por Adams (1975).
O grau de eqüidade é definido em termos da razão entre a entrega individual (o esforço,
por exemplo) e a recompensa (o pagamento), comparada a uma relação similar para
outra pessoa que seja relevante em termos de comparação.
O tema central da teoria motivacional é que o maior determinante do desempenho e da
satisfação no trabalho é o grau de eqüidade ou iniqüidade que um individuo percebe na
situação profissional. Deve-se ressaltar um diferencial importante: enquanto outras teorias
consideram o conteúdo objetivo do trabalho ou as características das necessidades
individuais, para essa teoria é a percepção da eqüidade que estimula o comportamento e
traz a satisfação. Em outras palavras, se um indivíduo acha que está sendo menos
recompensado quando comprado a outros, ele se sente insatisfeito e procura formas
alternativas de eliminar a iniqüidade. A teoria da eqüidade é vista como uma teoria de
processo, enquanto as teorias de Maslow e Herzberg são teorias de conteúdo.

255

Entre os estudiosos que elaboraram a teoria está E. Lawler. Ele conduziu inúmeras
pesquisas na abordagem da eqüidade, notadamente no tema remuneração de
empregados. Lawler (em Steers e Porter, 1975) observou que as pessoas tendem a
superestimar os salários daqueles aos quais se comparam.
Como foi dito anteriormente, os indivíduos procuram modos de eliminar a iniqüidade, seja
pelo aumento ou diminuição dos insumos (entregas), sej a pelos produtos (recompensas).
Algumas opções para essa situação: mudar insumos (entregar menos, não empregar
tanto esforço), mudar resultados (ter um diferencial de recompensa, solicitar um
aumento), distorcer a percepção de si mesmo (convencer-se de que trabalha mais do que
os demais), distorcer a percepção do outro (convencer-se de que o outro não trabalha tão
bem assim), escolher uma referência diferente (que favoreça a percepção da eqüidade)
ou deixar o campo (pedir demissão, por exemplo).
A teoria da eqüidade preocupa-se não só com a quantidade absoluta de recompensas
mas sobretudo com a comparação com o que outros recebem. Por causa desse aspecto
comparativo, ela é chamada também de teoria da comparação social (Steers e Porter,
1975). As técnicas de avaliação de cargos e alguns métodos de compensação estão
fundamentados nessa teoria.
5.6 TEORIA DA EXPECTATIVA DE VICTOR VROOM

Em 1964, Victor Vroom propôs sua teoria voltada especificamente para o ambiente de
trabalho. E considerada uma teoria de processo, e não simplesmente de conteúdo, pois
identifica relações entre variáveis dinâmicas, que explicam o comportamento das pessoas
no trabalho. Nela, assim como na teoria da eqüidade, o que está sendo estudado é a
relação entre variáveis (resultados, insumos etc.) mais do que a variável (fator de
satisfação, por exemplo) em si mesma.
Vroom (1975), que se baseia nos trabalhos de Kurt Lewin e outros (1935), propõe: “As
escolhas feitas por uma pessoa entre cursos alternativos de ação são sempre
relacionadas a eventos psicológicos presentes no comportamento”. Para explicitar melhor
seus pressupostos, Vroom apresenta três conceitos: valência, expectativa e força.
Valência é a orientação afetiva em direção a resultados particulares. Pode-se traduzi-la
como a preferência em direção, ou não, a determinados objetivos. Diz-se que algo tem
valência positiva se atrai o comportamento em sua direção. Um objetivo de valência zero
é aquele ao qual uma pessoa é indiferente. Um alvo com valência negativa é aquele que
o indivíduo prefere não buscar.
Há que distinguir valência de um objetivo (alvo, resultado) de seu valor para uma mesma
pessoa. Alguém pode desejar muito um objeto (alta valência) e obter pouca satisfação ao
consegui-lo (pouco valor) ou empregar grande esforço em evitar algo que depois lhe traz
satisfação. No primeiro caso, a valência é positiva, embora o valor tenha sido pequeno, no
segundo caso, embora a valência tenha sido negativa, o objeto representou valor para a
pessoa.

256

Expectativa é o grau em que a pessoa acredita, ou espera, que seus objetivos sejam
atingidos. Diz respeito à probabilidade que a pessoa enxerga na consecução de seus
alvos. É definida como a crença de que determinado ato será seguido de um resultado em
particular. Trata-se de uma associação entre ação e resultado da ação.
Para Vroom (1975), o conceito de força é similar ao conceito de energia para a ação.
A teoria da expectativa vê o indivíduo como um ser pensante que tem desejos e crenças e
atua com base na antecipação e no planejamento dos eventos de sua vida, colocando em
suas ações o esforço adequado e a direção apropriada de modo a atingir seus objetivos.
Ou, dito de outra forma, a força da inclinação para uma ação depende da força da
expectativa (probabilidade) de que o ato será seguido por um resultado de alta valência. É
o reconhecimento da capacidade de planejamento do ser humano que diferencia essa
teoria das demais, e ela tem excelente aplicação dentro do modelo de gestão
compartilhada de carreiras.

6. Principais tendências e desafios do assunto nas organizações

ções é tarefa por demais complexa, ainda que necessária. Para uma boa compreensão
dos aspectos motivacionais observados nas organizações é necessário conhecer as
principais idéias e estudos sobre o tema. Neste capítulo, se não foram expostas todas as
abordagens e teorias de entendimento da motivação humana no trabalho, apresentaram-
se as mais importantes e relevantes. Contudo, é indispensável lembrar que nenhuma das
teorias consegue abarcar toda a verdade sobre motivação. Cada qual fornece sua
contribuição e também apresenta limitações.
A motivação tem sido vista como uma saída para melhorar o desempenho profissional no
que diz respeito tanto à produtividade quanto à saúde organizacional e à satisfação dos
trabalhadores.
O papel do gestor deverá ser sempre o de identificar os norteadores de comportamento
de seus subordinados, assumindo a natureza intrínseca e individual da motivação de
modo a gerir a direção da energia que naturalmente se encontra dentro de cada um num
sentido compatível com os objetivos da organização e com o crescimento de cada
integrante de seu grupo de trabalho.
Cada teoria apresentada possui uma visão da natureza humana; cada homem tem
peculiaridades, preferências, traços de personalidade e processo motivacional. Cada
teoria se aplica diferentemente às distintas visões do homem e da vida; as diferenças
individuais exercem papel importante nas diversas visões. Portanto, é útil integrar às
teOrias apresentadas a noção de traços de personalidade como diferenciadores do
comportamento humano.
Vários teóricos têm apresentado sua caracterologia, contribuindo para o entendimento de
diversos processos humanos, dentre eles a motivação para o trabalho. Entre as
caracterologias mais válidas e usadas para compreender de forma detalhada os
diferentes processos motivacionais, encontra-se a tipologia junguiana (Jung, 1967), que
tem fundamentado alguns testes psicológicos (Casado, 1998; Briggs-

257

Myers, 1987) e inúmeros trabalhos que relacionam o entendimento das diferenças


individuais aos diversos processos motivacionais Esses trabalhos visam alinhar os
objetivos organizacionais com as peculiaridades da força trabalhadora, contribuindo para
um ambiente organizacional mais produtivo, saudável e harmônico.

Referências bibliográficas

ADAMS, J. Stacy. lnequity in social exchange. In: Motivation and work behavior. New
York: McGraw-HiII Book Company, 1975, p. 138-53.
ALDERFER, Clayton. An empincal test of a new theory of human needs. Organizational
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ARCHER, Ernest R. O mito da motivação. In: Psicodinâmica da vida organizacional. Trad.
e coord. Cecília W Bergamini e Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1997.
BRIGGS-MYERS, Isabel; McCAULLEY, M. H. Manual: a guide to the development and
use of the Myers-Briggs Type Indicator. Palo Alto, California: Consulting Psychologists
Press, 1987.
CASADO, Tãnia. Tipos psicológicos: uma proposta de instrumento para diagnóstico do
potencial humano nas organizações. São Paulo: FEAIUSP, 1998. Tese de doutoramento.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FESTINGER, Leon. The motivating effect of cognitive dissonance. In: LINDZEY, Gardner
(ed.). Assessment of human motives. New York: Grove Press, 1960.
HALL, Calvin 5.; LINDZEY, Gardner. Teorias da personalidade. São Paulo: Epusp, 1984,
v. 1.
HERZBERG, Frederick. The motivation to work. New York: John Wiley and Sons, 1959.
JUNG, CarI Gustav. Tipos psicológicos. Nona impressão. Trad. Alvaro Cabral. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1967.
LEWIN, Kurt. A dynamic theory of personality. New York: McGraw-HilI, 1935.
LOCKE, Edwin. Toward a theory of task motivation and incentives. Organizational
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MASLOW, Abraham H. Motivation and personality. USA: Harper Brothers, 1954.
PIÉRON, Henri. Dicionário de psicologia. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1964.
SIEVERS, Burkard. Além do sucedâneo da motivação. In: Psicodinãmica da vida
organizacional. São Paulo:
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STEERS, Richard M.; PORTER, Lyrnan W Motivation and wor behavior. New York:
McGraw-HilI, 1975.
VROOM, Victor H. Work and motivation. New York: John Wiley, 1964.
_________ An outline of a cognitive model. In: STEERS, Richard M.; PORTER, Lyman W
Motivation and work behavior. New York: McGraw-Hill, 1975, p. 185-9.

AUTORA

TÂNIA CASADO

Professora-doutora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,


Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), atua na área
de recursos humanos. Psicóloga, mestre e doutora em Administração pela FEA-USP, é
coordenadora do Programa de Estágio e do Programa de Orientação para Carreira
(POC), ambos da FEA-USP, e vice-coordenadora do Centro de Estudos em
Administração do Terceiro Setor (Ceats), da FEA-USP Possui experiência como
consultora organizacional em: diagnóstico e mudança organizacional; identificação e
desenvolvimento do potencial humano nas organizações; construção de times de trabalho
(team building); estabelecimento de políticas de recursos humanos; pesquisas de clima
organizacional e desenvolvimento gerencial.

258

Liderança, poder e comportamento organizacional

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA ELIETE BERNAL ARELLANO

1. Liderança

A liderança é um processo social no qual se estabelecem relações de influência entre


pessoas. O núcleo desse processo de interação humana é composto do líder ou líderes,
seus liderados, um fato e um momento social. O processo de liderança se verifica em
infinitas situações: na família, na escola, no esporte, na política, no trabalho, no comércio,
na vida pública ou em espaços privados. Ao observar o processo de liderança em
qualquer dos espaços sociais, nota-se que toda pessoa é capaz de exercer influência
sobre as outras e, portanto, que toda pessoa é, potencialmente, um líder.
Muitos cientistas, especialmente pesquisadores de psicologia, sociologia e ciências
políticas, têm estudado de forma sistematizada e científica o processo de liderança no
ambiente laboral. Os primeiros estudos sob a denominação de liderança ganharam mais
visibilidade com a teoria de necessidades de Abraham Maslow, nos anos 1950. Tais
questões têm origem nas raízes sociológicas do poder político e da burocracia
institucional.
Paul Hersey, da Universidade Ohio, e Kenneth H. Blanchard, da Universidade de
Massachusetts, na histórica obra Psicologia para administradores de empresas (1969),
sintetizam dezenas de estudos,

259

que incluem desde categorias de administração científica de Taylor até ensaios de


Hawtorne sobre moral dos empregados, estilos de supervisão e resultados de
produtividade, nível de maturidade/imaturidade dos liderados, atuação da liderança em
relações humanas e/ou na tarefa, eficiência e ineficiência nos resultados de produtividade,
liderança situacional e estrutura dos grupos.
Tais estudos, desenvolvidos entre 1910 e 1970 e sintetizados por Taylor e Hawtorne,
deram maior atenção a aspectos especialmente comportamentais e pessoais
relacionados com o trabalho. Nessa fase, encontra-se um dos primeiros e mais
importantes estudos sobre tipos de liderança, que se tornou reÇerência para muitos
administradores. O modelo foi proposto por McGregor, psicólogo do trabalho, nos anos
1960, com a Teoria X e a Teoria Y, em que os valores do líder sobre as intenções de seus
liderados determinariam um processo de influência mais autoritário (Teoria X) ou mais
participativo (Teoria Y). Esse modelo transformou-se em um dos pilares da história da
teoria da administração.
Recentemente, o conceito de liderança retomou os ensinamentos clássicos de Maquiavel,
com a lógica estratégica do poder em O Príncipe, de 1513 — “os meios justificam os fins”
—, e de Weber, no final do século XIX, com a revelação da burocracia nas organizações,
especialmente militares e religiosas. A retomada sociológica do poder e da burocracia
vem sendo analisada à luz da psicologia profunda, como no clássico O poder nas
organizações, escrito por Pagés (1979) e por pesquisadores franceses. A obra, que
marca uma nova tendência dos estudos sobre liderança, analisa a IBM, relatando a
dominação das multinacionais sobre os individuos. Essa nova fase inclui cultura
organizacional, imaginário, simbolos, expectativas, crenças e mitos como fatores
determinantes da liderança nas organizações. Tais teorias têm maior complexidade de
elementos, pois abrangem aspectos psicanalíticos e sociológicos em seus modelos
teóricos.
Na literatura atual, observa-se a preocupação acentuada com a formação de equipes e
grupos de trabalho no processo de liderança, explicitada no conceito de liderança de alta
performance, no qual o líder é, antes de tudo, um catalisador de talentos na formação de
novas competências e garantia de resultados em processos competitivos de mercados e
ambientes econômicos globalizados.
Os conceitos apresentados neste capítulo destacam as principais teorias e ratificam a
importância da compreensão desse processo social pelos administradores.

2. O líder e a liderança
Stogdill (1948) afirmou que “uma pessoa não se torna um líder por possuir alguma
combinação de traços; o padrão das características pessoais do líder precisa manter
alguma relação relevante com características, atividades e objetivos dos seguidores”.
Maccoby (1977) define liderança com base em quatro grandes funções: pôr em
funcionamento uma política, conceber uma estratégia, mobilizar equipes e fazer alianças
criando uma cultura de empresa que seja motivadora.
Kolb e colaboradores (1978) classificam como os principais problemas do cotidiano de um
líder a responsabilidade e a autoridade, a delegação, o estabeleci-

260

mento de objetivos, o controle, a avaliação de desempenho, a formação de equipes e o


manejo de conflitos. Holiander (1978) conceitua liderança como um processo que envolve
relacionamento de influência em duplo sentido, orientado principalmente para o
atendimento de objetivos mútuos, tais como aqueles de um grupo, organização ou
sociedade. Portanto, segundo o autor, a liderança não diz respeito apenas ao cargo do
líder mas também requer a cooperação de outras pessoas. O destaque é a liderança
como um processo de dupla via entre líder e liderados.
Burns (1978) propõs as seguintes reflexões sobre os padrões de avaliação da eficiência
de um líder:
>É a liderança simplesmente inovação — cultural ou política?
>É essencialmente inspiração? Mobilização de seguidores? Fixação de objetivos?
Consecução de objetivos?
>É o líder quem define valores?
>É o líder um provedor de necessidades?
>Como os líderes requerem liderados, quem dirige quem, de onde, para onde e por quê?
>Como os líderes conduzem os seguidores sem ser inteiramente levados por eles?
Bergamini (1994), uma das principais referências brasileiras nos estudos de motivação,
considera que todas as teorias conservam o denominador comum de que a liderança
envolve duas ou mais pessoas e se trata de um processo de influência exercido de forma
intencional por parte do líder sobre seus seguidores. A autora situa como desafios
centrais da liderança: motivar, inspirar, sensibilizar e comunicar.
Vergara (1999), administradora e pedagoga, afirma que a liderança está associada a
estímulos, incentivos que podem motivar as pessoas para a realização da missão, da
visão e dos objetivos empresariais. Como funções importantes do líder, a autora aponta
perscrutar o ambiente externo, estando atento a mudanças; contribuir para a formação de
valores e crenças organizacionais dignificantes para satisfação das pessoas; e ser hábil
em clarificar problemas.

3. Liderança e poder

Liderança e poder são elementos interligados no processo de influenciar pessoas. O


poder é a força no direcionamento dos sistemas e das situações sociais através dos
recursos organizacionais.
Segundo Montana e Charnov (2001), no ambiente organizacional o poder se classifica
nos seguintes tipos:
>Poder legítimo: inerente à estrutura organizacional, como um cargo ou uma função
predefinidos e compartilhados na cultura da empresa.
>Poder de recompensa: reforço e reconhecimento de determinado comportamento ou
meta atingida.

261

> Poder coercitivo: relaciona-se com a autoridade que aplica punições visando eliminar,
reduzir ou controlar comportamentos e atitudes indesejados em determinado contexto
social.
>Poder de especialização: é a força de influenciar derivada de talentos especiais,
conhecimento e experiência em uma ou mais áreas de informações atrativas para os
liderados.
>Poder de referência: também associado ao carisma pessoal, é a liderança decorrente
do caráter e da legitimidade de conhecimento de uma pessoa.
>Poder de informação: posse de dados estratégicos para unia situação crítica ou de
informações que orientem processos decisórios e escolhas de diversas ordens.
As lideranças possuem ou exercem tais poderes com ênfase em um dos tipos citados ou
em uma combinação de vários deles. Nas equipes, organizações sociais ou em qualquer
outra instituição social, espera-se que a consolidação desses poderes sempre
pressuponha rigorosos padrões éticos e responsabilidade social. Quando isso não ocorre,
pode-se observar, como em inúmeros fatos históricos, graves conseqüências políticas,
sociais e humanas.

4. O momento de liderar

Para Michael Useem, o momento de liderar requer as seguintes atitudes:


>ter visão clara dos objetivos e saber transmiti-la — criar um projeto comum;
>guiar-se por seus valores e pelos valores da organização, mantendo a coerência na
adversidade;
>estimular e criar as condições objetivas para o compartilhamento de informações,
conhecimento e experiências — ajudar a equipe a aprender com a própria experiência;
>preparar as pessoas para situações adversas, capacitando-as para tanto e criando o
suporte da equipe para cada um de seus integrantes;
>esperar e cobrar alto desempenho da equipe;
>manter as pessoas focadas no essencial;
>estimular as pessoas a usarem seus pontos fortes e a desenvolvê-los;
>conquistar aliados que o apóiem nas situações difíceis;
> possuir coragem para tomar as decisões necessárias — a indecisão pode ser tão
danosa quanto decisões ineptas.

5. Teorias de liderança

As teorias apresentadas neste capítulo — teoria dos traços, teoria dos estilos de liderança
e teoria dos enfoques situacionais ou contingencial — representam as tendências
contemporâneas mais utilizadas nos modelos gerenciais e têm subsidiado práticas e
políticas de gestão de pessoas nas empresas.

262
5.1 TEORIA DOS TRAÇOS

A teoria dos traços tem a premissa de que os líderes possuem traços de personalidade
que os auxiliam em seu papel. Essa teoria não enfatiza outras variáveis que podem
interferir na relação líder/liderado, como o contexto em que está inserido e as próprias
necessidades do grupo em que atua. De acordo com esse enfoque, o indivíduo já nasce
líder.
Bryman (1992) cita três grandes tipos de traço:
>Fatores físicos: têm relação com as características físicas do indivíduo, como altura,
peso, aparência física e idade. Não se pode dizer que esses aspectos não sejam
importantes. Uma pessoa cuja voz é alta e empostada consegue chamar muito mais
facilmente a atenção dentro do grupo do que alguém com uma voz baixa e suave. Mas
todos que têm “vozeirões” são líderes? Da mesma forma, dentro de um grupo de
adolescentes é muito mais fácil aceitar um líder jovem, com aparência de vitalidade, do
que um idoso, com larga experiência e vivência. Mas como então explicar o líder político
indiano Gandhi, por exemplo, que era e ainda é admirado por tantos jovens?
> Habilidades: inteligência, fluência verbal, escolaridade e conhecimento são tidos como
características facilitadoras da liderança. Em princípio, quando alguém tem habilidade de
se comunicar ou informar, há maior possibilidade de que atraia a atenção. Mas isso não é
tudo.
>Aspectos da personalidade: moderação, introversão, extroversão, dominância,
ajustamento pessoal, autoconfiança, sensibilidade interpessoal e controle emocional são
as características mais atuantes na aceitação ou não de um líder. Nem sempre uma
pessoa sensível que consegue manter bom relacionamento com as demais assume a
liderança. Não são, necessariamente, aspectos inatos, mas podem ser desenvolvidos
pelas pessoas através de um processo de amadurecimento e autoconhecimento.
O enfoque da teoria dos traços predominou entre 1920 e 1950, e seu sucesso, nesse
período, deveu-se muito à contribuição dada pelas pesquisas desenvolvidas pelos testes
psicológicos. Os aspectos mencionados são importantes para o exercício da liderança,
mas não são os Unicos fatores. 1 excessivo determinismo supor que somente aqueles
que nascem com tais características possam ser líderes. Nesse caso, a crença no
potencial humano para o desenvolvimento deixaria de existir.

5.2 TEORIA DOS ESTILOS DE LIDERANÇA

Em contraste com a teoria dos traços, pela qual se acreditava que características
individuais são determinantes para a liderança, a teoria dos estilos de liderança acredita
que as pessoas podem ser preparadas para exercer o papel de líder. Para isso, há
necessidade de estudar e de construir as formas de exercício do poder, baseadas nas
crenças básicas sobre o homem e a natureza humana.
Lickert (apud Bergamini, 1994) delineia dois estilos de chefia que representam os
extremos entre participação e submissão: a liderança orientada para o emprega-

263
do, com maior envolvimento dos subordinados, e a liderança orientada para a produção,
na qual os empregados apenas seguem as determinações da chefia. A variação entre os
graus de autocracia e democracia é apresentada em quatro padrões:
>Sistema 1: relação com pouca interação, baseada no medo e na desconfiança, com alto
controle no topo da organização.
>Sistema 2: existe alguma confiança na relação. Os objetivos são estabelecidos no topo
da organização, porém há algum controle em nível mais intermediário.
>Sistema 3: os chefes confiam nos subordinados, mas não totalmente. Algumas decisões
podem ser tomadas pelos subordinados, que são recompensados e se sentem
responsáveis pelo alcance dos objetivos da organização.
>Sistema 4: os chefes têm confiança total nos subordinados, que participam das
decisões dentro da organização, havendo envolvimento no estabelecimento e no alcance
dos objetivos. Há comunicação entre todos os níveis e entre os colegas.
Robbins (1999) relata que foram realizados estudos sobre o comportamento dos líderes
com o objetivo de identificar características relacionadas com a eficácia e de definir os
estilos de liderança. Estudos das universidades de Ohio e de Michigan identificaram duas
dimensões descritas pelos subordinados como características do comportamento das
lideranças:
>Estrutura inicial: extensão em que um líder define seu papel e o dos subordinados para
a realização das metas.
>Consideração: relações de trabalho caracterizadas por confiança mútua, respeito às
idéias dos subordinados e interesse por seus sentimentos.
Líderes com grande pontuação em estrutura inicial e consideração tendiam a atingir alto
desempenho e a conquistar a satisfação de seus seguidores. Pesquisadores da
Universidade de Michigan concluíram haver duas dimensões de comportamento de
liderança: uma orientada para o empregado, que dava maior ênfase às relações
interpessoais, e outra orientada para a produção, com maior ênfase nos aspectos
técnicos ou da tarefa.
Com base nesses estudos, Blake e Mouton (1964) desenvolveram o modelo de grade
gerencial, composto de fatores dominantes do pensamento do líder. Essa grade foi
amplamente utilizada em treinamento de empresas entre as décadas de 1970 e 1990,
pois permite verificar como o líder se posiciona em 81 classificações possíveis nos eixos
preocupação com as pessoas versus preocupação com a produção.

5.3 TEORIA DOS ENFOQUES SITUACIONAIS OU CONTINGENCIAL

Nas teorias de enfoque situacional ou contingencial, a liderança é um fenômeno que


depende, conjuntamente, do líder, dos seguidores e da situação. A ênfase não é uma
variável limitada à ação do líder sobre a atitude passiva do subordinado

264

(Bergamini, 1994; Vergara, 1999), mas está relacionada com as características


comportamentais dos liderados, da situação e do objetivo do processo como um todo.
Bryman (1992) afirma que “o enfoque contingencial propõe que a eficácia de um estilo de
liderança seja um aspecto situacionalmente contingente. Isso significa que um estilo
padrão particular de comportamento é eficaz em algumas circunstâncias (como quando a
tarefa traz satisfação intrínseca ou quando as personalidades dos subordinados os
predispõem a um estilo particular), mas não em outras”.
Essa teoria tem forte ressonância nas práticas organizacionais, pois define liderança
como o resultado de um conjunto de variáveis que, sozinh‟as, poderiam não ser
suficientes para o exercício do papel de líder. Em conjunto, entretanto, tais variáveis se
completam e podem facilitar o desempenho desse papel.
A eficácia não depende única e exclusivamente do comportamento do líder, mas há que
considerar os aspectos que circundam o estilo ou, mais especificamente, as chamadas
variáveis ambientais. Analisado por Bergamini (1982), o programa Lifo (Life orientation),
de Atkins e Katcher, tem como filosofia básica a não-existência de estilos ideais e crê que
a eficácia da liderança depende da habilidade de cada líder de tirar o maior partido
possível dos pontos fortes de seu estilo, tendo em vista o grupo de pessoas e a situação
que enfrenta. O líder faz concessões, revisa posições e modifica sua forma de atuação.
Ele influencia, mas também é altamente influenciado pelo grupo que lidera. Tal influência
varia conforme o comportamento do líder na centralização das estratégias. Tannenbaum
e Schmidt (1958) propuseram o continuum do comportamento do líder:

Quadro 1. Continuum do comportarmento do líder

Robbins (1999), citado em estudos de Albuquerque e Dutra (2001), sintetiza as principais


teorias contingenciais. O primeiro modelo contingencial destacado é o Fiedier, que propõe
que o desempenho do grupo depende da combinação entre o estilo do líder de interagir
com seus seguidores e o grau em que a situação dá controle e influência ao líder. Para
isso, desenvolveu-se o CTMP, um questionário que solicita mencionar as características
do colega de trabalho menos preferido, podendo-se, assim, medir se a pessoa é orientada
para tarefas ou relacionamentos. A eficácia da liderança é função do estilo, relacionado à
classificação situacional baseada nos critérios: relações líder/membros, liderado/preterido,
estrutura da tarefa e poder da posição.
A teoria situacional de Hersey e Blanchard concentra-se no estilo de liderança
contingencial quanto à presteza dos seguidores. A ênfase nos seguidores reflete a rea-

265

lidade de que são eles que aceitam ou rejeitam o líder, e a presteza refere-se a até que
ponto as pessoas têm capacidade e disposição de realizar uma tarefa específica.
O conceito apresenta as dimensões de liderança “comportamento de tarefa” e
“relacionamentos”, combinando-as com quatro comportamentos do líder:
>narrar (tarefa alta, relacionamento baixo);

> vender (tarefa alta, relacionamento alto);


>participar (tarefa alta, relacionamento alto);
>delegar (tarefa baixa, relacionamento baixo).
A teoria da troca líder-membro (TLM) argumenta que, por causa de pressões de tempo,
os líderes estabelecem uma relação especial com um pequeno grupo de subordinados.
Esses indivíduos formam o grupo “de dentro” — são confiáveis, conseguem uma
quantidade desproporcional da atenção do líder e têm mais probabilidades de receber
privilégios especiais que o grupo “de fora”.
A teoria do caminho-objetivo (House) tem a premissa de que o trabalho do líder é ajudar
os seguidores a atingir suas metas, fornecendo direção e apoio para assegurar que tais
metas sejam compatíveis com os objetivos do grupo. O comportamento do líder é
motivacional para os seguidores quando:
>torna a necessidade de satisfação do seguidor contingencial ao desempenho eficaz;
>fornece treinamento, direção e recompensas necessários ao desempenho eficaz;

>pressupõe que os líderes são flexíveis, podendo adotar comportamentos diferentes


conforme a situação.
Essa teoria prevê quatro comportamentos de liderança: o líder diretivo, o apoiador, o
participativo e o orientado para realizações.

5.4 ADMINISTRAÇÃO DO SENTIDO: LIDERANÇA CARISMÁTICA,


TRANSFORMACIONAL E TRANSACIONAL

A liderança carismática está associada ao carisma. De origem grega, a palavra “carisma”


significa inspiração divina, que tem a capacidade de realizar milagres e predições. Entre
as características do líder carismático, House aponta a confiança nos seguidores e a
similaridade de crenças. Os liderados apresentam aceitação incondicional dos líderes,
obediência espontânea, envolvimento emocional com a missão, alto nível de desempenho
e crença na capacidade de contribuição.
Na liderança transformacional, de acordo com Burns (1978), líderes e seguidores elevam
um ao outro a níveis mais altos de moralidade e motivação. Esse tipo de influência
aumenta o grau de conscientização e envolvimento e ativa a busca da auto-realização.
Seguindo a hierarquia de Maslow, não existe apelo aos interesses baseados em trocas
utilitárias pela submissão a um objetivo (transacional). Além de ter carisma, o líder
desperta fortes emoções e mudanças, e os valores são compartilhados no contexto da
cultura da empresa.

266

Na liderança transacional, o processo é compreendido como a ocorrência de transações


mutuamente gratificantes entre líderes e seguidores em determinado contexto situacional.
O líder transacional guia seus seguidores na direção das metas e esclarece as exigências
de papel e da tarefa.

6. Desafios e paradigmas da liderança

Muito se tem discutido sobre as vantagens da participação mais efetiva dos empregados
na organização e seus benefícios, como crescimento da motivação e do
comprometimento com a organização, aumento da produtividade, identificação com os
valores da empresa, auto-realização. Um ponto a ser questionado, porém, é que nem
todo grupo está preparado para ser participativo. Essa preparação pode ser sistematizada
em programas e políticas de gestão que viabilizem o amadurecimento das pessoas a fim
de que elas possam se sentir seguras para tomar decisões.
A inteligência emocional, amplamente difundida nas obras do psicólogo Goleman, tem
sido um conceito importantíssimo no desenvolvimento da habilidade de convivência
social. Em síntese, é a capacidade de a pessoa intuir através de sentimentos, emoções e
sensibilidade social. Os elementos que viabilizam a intuição diferenciada são:
autoconhecimento, automotivação, gerência das relações com outras pessoas,
espontaneidade, empada e gerência das próprias emoções. É a capacidade de
compreensão do universo de cada um e seu modo de perceber a realidade em que vive,
os valores que possui, o grau de motivação que o impulsiona e o tipo de
comprometimento estabelecido com o trabalho e a organização.
O momento atual é caracterizado por mudanças no ambiente externo e no organizacional
relacionadas por Albuquerque e Dutra (2001) como:
>Novas arquiteturas organizacionais e de negócio: poder organizacional mais diluído e
descentralizado.
>Globalização: influência de diversos atores sociais sobre as organizações.
> Maior complexidade organizacional: aumento da qualificação e do nível de informação
do trabalhador, da turbulência ambiental e da importância da liderança organizacional.
Em decorrência dessas mudanças, o líder empresarial tem adquirido novos perfis,
deixando de ser controlador e passando a ser facilitador. Busca uma visão estratégica do
negócio, e não só soluções de curto prazo. Em lugar de pretender a disciplina de seus
subordinados, cultiva o comprometimento deles. O comportamento individual passou a
ser focado na valorização das ações em equipe e formações de times.
Concluindo, liderança é um processo no qual o líder busca, sob a influência e a aceitação
do próprio grupo, o alcance de metas e objetivos específicos através de mobilização,
motivação, informação e comunicação, manejo e solução de conflitos, estabelecimento de
estratégias e definição de políticas. A liderança também é exercida quando há intenção de
direcionar a aceitação dos seguidores em ser liderados, Não existe um líder universal, e a
própria História é exemplo dessa constatação. O

267

líder só se mantém líder enquanto estiver atendendo às expectativas e às necessidades


de seus liderados e grupos relacionados com o processo de influência em que está
inserido.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE, L. G.; DUTRA, J. Liderança. São Paulo: FIA, 2001. Apostila do curso de
desenvolvimento gerencial.
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1982.
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BLAKE, R. R.; MOUTON, j. 5. The managerial grid. Houston: Gulf, 1964.
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HOLLANDER, E. E Leadership dynamics: a practical guide to effective relationships. New
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KOLB, D. A.; RUBIN 1. M.; McINTYRE. Psicologia organizacional: uma abordagem
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MACCOBY, M. Perfil de águia: dirigir empresas, uma nova arte. Rio de Janeiro: Difel,
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PAGS, Max et ai. O poder nas organizações. Tradução M. C. Pereira Tavares e 5. 5.
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SCHEIN, Edgar. Organizational psychology. New Jersey: Prentice-Hall, 1994.
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Business Review. March-April 1958, p. 95-101.
VERGARA, 5. C. Gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 1999.

AUTORAS

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA

Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da


Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos
humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas
áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no
trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e
Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, Sefaz-
MT, Banco do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Villares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô,
entre outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério
da Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), da FIA, conveniada à FEA-
USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Van.zolini, conveniada à Poli-USE Ocupou
cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de
Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos
(APARH) e Medicina Psicossomática (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro
Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros
relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho.

268

ELIETE BERNAL ARELLANO


Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição
Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós-
graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra aulas na
FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina
Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de
administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção,
sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho,
avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de
pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos
humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Análise do cumprimento da Norma
Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de
alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como
Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação
Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional.

269

O papel da comunicação interpessoal

TÂNIA CASADO

1. Introdução

Como ser social, o homem possibilitou e garantiu a vida social através dos diferentes
sistemas de comunicação que desenvolveu. Ao interagir com seus semelhantes utilizando
um código comum, inteligível, o homem faz mais do que informar e ser informado sobre
as coisas do mundo: ele agrega novas formas de organização do próprio pensamento,
adquire novos pensamentos e amplia a consciência de si próprio, de seu lugar no mundo
e de sua responsabilidade social.
As organizações, como mais um cenário do desenrolar dos papéis do homem, oferecem
inúmeras possibilidades de comunicação. Ao mesmo tempo, para sua sobrevivência e
aprimoramento, dependem de processos de comunicação cada vez mais claros,
fidedignos e apropriados.
Ao escrever sobre o papel do gestor, Mintzberg (1973) relata a contraposição entre as
características classicamente associadas ao papel do gestor e as respostas que obteve
em pesquisas com gestores ac&rca de suas atividades mais freqüentes. Eles relataram
que sua atividade principal e mais freqüente é estar em interação, em comunicação
contínua com subordinados, pares, clientes e fornecedores,

271

atendendo a demandas organizacionais como reuniões, almoços e festas da empresa,


negociando contratos, concedendo entrevistas, redigindo pronunciamentos — enfim, o
tempo todo envolvidos com a comunicação. Como Mintzberg ressalta, essas atribuições
são de natureza muito diferente do clássico “planejar, dirigir, coordenar, controlar”.
A freqüência e a prática, contudo, não parecem trazer frutos expressivos à melhora dessa
habilidade tão necessária à vida nas organizações. A constatação é feita por todos que,
de alguma forma, interagem nos ambientes empresariais. Distúrbios na comunicação são
encontrados em todos os segmentose níveis hierárquicos das empresas. Não há quem
não apresente um exemplo de problema ocasionado por falha do processo de
comunicação.
Neste capítulo, serão apresentadas algumas das questões mais relevantes sobre
comunicação interpessoal nas organizações, pilar importante da gestão de pessoas.
Como abordar o tema comunicação empresarial é falar de assunto por demais humano,
este capítulo fará a explanação dos aspectos da comunicação interpessoal antes de
lançar-se à discussão dos aspectos da comunicação empresarial.
2. O que é comunicação

O assunto se situa na fronteira de diversos campos do conhecimento: lingüística, fonética,


teoria da comunicação, semântica, psicologia, sociologia, matemática e métodos
quantitativos, Isso dificulta sua discussão e a escolha de definições aplicáveis. Henri
Piéron (1964) apresenta a comunicação como “transmissão de informação”. No Novo
dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, comunicação é
“fazer saber, tornar comum, participar”.
Questão essencialmente social, a comunicação inclui a transferência e a compreensão de
significados. Significado corresponde ao conceito ou à noção do que se quer transmjtir,
seja através de palavras e gestos, seja através de sinais. Não existe interação e não
existe grupo sem a transmissão de significados, ou seja, sem a comunicação.
Comunicação implica a relação entre a parte que transmite e a parte que compreende.
Enquanto não for transmitida e entendida por outros, uma grande idéia não passa de algo
inútil. Comunicar significa também repartir, compartilhar, é ação entendida como um
processo de socialização e de evolução humana tanto em forma como em conteúdo.
Quanto ao conteúdo, as informações transmitidas possibilitam a expressão das emoções,
a explicitação dos valores sociais, a perpetuação da cultura de um grupo, o registro e a
disseminação das descobertas e dos avanços tecnológicos. Com relação à forma, a
comunicação assinala o desenvolvimento humano, pondo à disposição tecnologias cada
vez mais sofisticadas como meios de receber, enviar e registrar informações.
As comunicações possibilitaram o desenvolvimento das unidades sociais, dos pequenos
grupos, em vilas e cidades. Toda a técnica subjacente aos processos de comunicação
alterou os padrões do mundo. O desenvolvimento da linguagem concorreu, sem dúvida,
para a evolução humana favorecendo a organização do pensamento, que conferiu ao
homem maior probabilidade de sobrevivência.

272

Embora sejam as primeiras vias lembradas quando se fala em comunicação, a fala e a


escrita não são de modo algum as únicas formas de intercâmbio entre as pessoas. Os
gestos — caretas, movimentos com as mãos, beijos, sorrisos — expressam mensagens
fortes e relevantes à troca social. Outras modalidades de comunicação, como trajes e
modos de comportamento, também desempenham papel fundamental na vida social, pois
conferem a organização e a unidade necessárias ao convívio entre as pessoas.
Nas organizações empresariais, os processos de comunicação não são apenas maneiras
de perpetuar e disseminar a cultura da empresa, repassando aos seus elementos os
padrões aceitáveis e válidos de estruturação do trabalho, de resolução de problemas e de
relacionamento interpessoal. São também formas pragmáticas de estabelecer e fazer
cumprir objetivos e metas. Na realidade, ao proceder à estruturação de um grupo de
trabalho, o que se organiza é o fluxo de informações relativas aos processos da empresa
voltados ao cumprimento de seus objetivos.

3. Alguns conceitos relacionados com a comunicação

Ao falar sobre comunicação, faz-se necessário promover o entendimento de alguns


termos básicos:
>Emissor: sujeito que dirige a mensagem; fonte.
>Receptor: objeto a quem a mensagem é dirigida.
>Canal: meio pelo qual a mensagem é enviada; quem decide sobre o canal é o emissor
(fonte).
>Mensagem: unidade básica da comunicação, é o produto real da codificação da fonte
(emissor). Como a mensagem é afetada pelo código usado para transmitir significado, o
processo de comunicação não se resume a entender as palavras: há que encontrar o
significado ou captar a mensagem.
>Informação: conteúdo da mensagem. Tem estrutura, expressão, significação e utilidade
imprescindíveis ao seu valor de uso por pessoas e grupos. A informação difere do
conceito de dado por encerrar uma organização e um processamento que a tornam
imediatamente consumível, ao contrário do dado, que é potencialmente disponível.
Subjacente a toda comunicação está o processamento dos dados, transformando-os em
informação.
>Código: transformação convencionada, e reversível, de elemento a elemento, que
permite converter mensagens formadas por um conjunto de signos em outro conjunto de
signos. A diferença entre linguagem e código é o fato de que a linguagem é desenvolvida
durante longo período de tempo, enquanto o código é inventado para um fim específico e
obedece a regras explícitas.
>Sinal: signo antecipadamente convencionado ou inteligível que transmite informação.
>Ruído: distorção na transmissão da mensagem.
>Sistema: conjunto complexo organizado por partes interativas.

273

4. Modelos de entendimento do processo de comunicação

Um modelo é uma forma simplificada de refletir sobre algo real. Modelos expressos num
diagrama, ainda que simplistas para discutir algo tão complexo como a comunicação,
podem ser úteis para ilustrar aspectos críticos do processo. Sem a pretensão de abarcar
toda a complexidade dos processos de comunicação, ou mesmo de uma apresentação
exaustiva de todos os modelos existentes, são exibidos, a seguir, alguns dos modelos de
entendimento mais conhecidos, conforme propostos por Fisher (1981).

4.1 MODELOS LINEARES

Uma forma bem simplista de enfocar a comunicação é concebê-la como a transmissão de


uma mensagem, de um ponto a outro, seguida da informação sobre sua recepção e,
eventualmente, de uma resposta. A abordagem linear do processo remete à discussão de
dois modelos específicos: o modelo de mão única e o modelo de interação.

4.1.1 Modelo de mão única

Para Fisher (1981), esse é provavelmente o modelo de comunicação mais antigo,


derivado da Retórica de Aristóteles, o primeiro trabalho formal sobre comunicação.
Influenciado pela vivência de Aristóteles em observar discursos e assembléias, o modelo
considera a comunicação um processo do emissor para o receptor, que se aprimora
quando o emissor utiliza técnicas corretas para transmitir adequadamente a mensagem
ao receptor. Representado na Figura 1, o modelo enfatiza a preocupação com as
características do receptor, com a adequação da mensagem e com o meio através do
qual ela é enviada.

Figura 1. Modelo de mão única

4.1.2 Modelo de interação


O modelo de interação amplia o modelo de mão única, adicionando quatro novos
conceitos: canal, codificação e decodificação, ruído e feedback (ver Figura 2).

>Canal: qualquer meio através do qual mensagens podem ser enviadas. Nesse modelo, a
escolha do canal, sua natureza e características desempenham papel importante na
efetividade da comunicação. Uma reclamação ou uma advertência por escrito têm peso
maior que as feitas verbalmente, por exemplo.

274

>Codificação e decodificação: codificação é o processo de converter em códigos a


mensagem que o emissor deseja enviar. Nesse caso, a codificação inclui a predição do
comportamento do receptor, pois, ao escolher o código da mensagem, o emissor espera
que o receptor consiga fazer sua decodificação, ou seja, decifre a mensagem.
>Ruído: qualquer coisa presente no sinal recebido que não faz parte intencional da
mensagem original. Ruídos podem originar-se da emissão, estar no canal ou manifestar-
se no âmbito do receptor. Um ruído pode ocorrer em virtude da inabilidade do emissor, do
estado emocional do receptor, da presença de fatores externos de distração ou da ação
de uma terceira pessoa não diretamente envolvida com a mensagem.
>Feedback: retomo da reação do receptor à mensagem enviada pelo emissor. Esse
tópico contém a principal diferença entre o modelo de interação e o de mão única. Aqui a
reação do receptor desempenha papel importante no processo de comunicação e há por
parte do emissor forte preocupação em receber esse retorno.

Figura 2. Modelo de interação

O modelo de interação amplia o entendimento do processo de comunicação, mas ainda o


trata como se ocorresse numa seqüência ordenada: primeiro a mensagem do emissor,
depois a resposta do receptor, a seguir outra mensagem e de novo o feedback.
Outro ponto crítico desse modelo é que não considera importantes aspectos da interação
entre emissor e receptor, como a percepção de um sobre o outro, nem componentes
relevantes do contexto em que a comunicação ocorre: por exemplo, o ambiente
organizacional.
Os modelos denominados de orgânicos, apresentados a seguir, preenchem essa lacuna
de entendimento, inclusive aspectos da relação entre emissor e receptor e das
implicações do ambiente no qual se desenvolve o processo de comunicação.

275

4.2 MODEWS ORGÂNICOS


4.2.1 Relacionamento entre duas pessoas

Esse modelo inclui a reciprocidade entre o emissor e o receptor, quando em


comunicação, e atenta para o fato de que as duas partes mutuamente reforçadoras
mantêm o processo de comunicação no padrão em que se encontra. A visão é
especialmente interessante quando se quer alterar ou aprimorar o padrão da
comunicação. Nesse caso, as partes percebem e reconhecem existir, em seu
comportamento e na percepção do outro, possibilidades de melhorar o processo de
comunicação, compartilhando a responsabilidade pelo aprimoramento.
O modelo é complementado pela necessidade não só de focalizar o comportamento
explícito das pessoas mas também sua percepção dos demais. Se a percepção do outro
encontra aqui sua importância, o mesmo se dá com relação à percepção de si mesmo no
processo de comunicação. Os aspectos diferenciadores do modelo são a forma como
cada parte se percebe, percebe o outro e sua interdependência (Figura 3).

Figura3. Modelo de relacionamento entre duas pessoas

4.2.2 Sistêmico

Esse modelo contempla todos os demais. Considera o ambiente no qual a comunicação


ocorre e oferece mais possibilidades de entendimento do processo total. Trata- se do
modelo mais apropriado para a discussão da comunicação interpessoal nas
organizações, pois engloba as características encontradas nas comunidades
organizacionais: estrutura de grupos, fatores organizacionais, características das tarefas,
normas de comportamento, práticas e modelos de gestão, políticas e valores
organizacionais. A Figura 4 traz a representação gráfica do modelo.

5. Alguns temas em comunicação interpessoal

Agora que os principais aspectos estruturais do processo de comunicação já foram


apresentados, alguns dos itens mais críticos da comunicação interpessoal — percepção,
atitude e modelo cognitivo — podem ser discutidos.

276

Figura 4. Modelo sistêmíco

Como visto anteriormente, os modelos mais completos de entendimento do processo de


comunicação incluem o componente percepção. A percepção do outro e a autopercepção
são componentes com o potencial de criar distorções e de interferir na meta da
comunicação perfeita.

5.1 PERCEPÇÃO

É um processo de captação de informação que se dá por meio de transformações dos


dados primários do mundo na tentativa de enquadrá-los num esquema de classificação
preestabelecido. Dessa forma, o que se seleciona como parte do processo perceptivo não
é uma imagem especular do mundo, mas gestalts (formas abstratas).
Nessa abordagem, a predominância da atenção sobre o foco preferencial (denominado de
figura) versus a atenção sobre o entorno restante (denominado de fundo) influi na
percepção da cena, resultando em distorções entre o real e o percebido. Essa
propriedade da percepção acontece a todo instante e explica muitas ocorrências no
ambiente social ou organizacional. Muitas vezes, por exemplo, o profissional da empresa
não consegue ouvir o subordinado (fundo), pois sua atenção está voltada ao que diz o
superior hierárquico (figura).

5.1.1 Interferências na percepção social (interpessoal)

As distorções de percepção ocasionam fenômenos que interferem no processo de


comunicação interpessoal. São eles:

>Estereotipagem: não se percebe o fato real, mas a projeção de um estereótipo.


Preconceitos alimentam alterações de percepção desse tipo.
> Efeito halo: determinadas características de alguns objetos invadem outros objetos, ou
seja, a percepção que se tem de algo contamina um objeto correiato. Algo como uma
contaminação da percepção.

277

> Expectativa: em relação a determinados fatos e coisas, faz com que se perceba
realmente o que se quer. São exemplos desse tipo de distorção a profecia auto-
realizável, a percepção seletiva, a projeção e a defesa perceptiva. Todas essas
modalidades partem da expectativa de ver ou não ver determinados objetos ou aspectos.
aqui que age o que se denomina de percepção seletiva: vê-se apenas o que se quer ver.
A percepção e, conseqüentemente, a comunicação são influenciadas por outro
componente humano: a atitude.

5.2 ATITUDE

Gordon Allport (1937) afirma que esse é um dos conceitos mais importantes da
psicologia. Segundo ele, atitude é um “estado de prontidão mental e neural, organizado
pela experiência, exercendo uma influência diretiva ou dinâmica sobre as respostas do
indivíduo a todos os objetos e situações com os quais está relacionado”.
A atitude é a predisposição para reagir a um estímulo de maneira positiva ou negativa.
formada por três componentes básicos: o cognitivo (as crenças e os conhecimentos sobre
o estímulo), o afetivo (as emoções) e o comportamental (tendência a reagir respondendo
ao aspecto cognitivo e ao afetivo). Os três componentes, quando não estão em sintonia,
originam um estado de desconforto interno, de incompatibilidade percebida pelo indivíduo,
que Leon Festinger (1957) denomina de “dissonância cognitiva”.
A atitude também pode ter três direções: favorável, desfavorável ou neutra. Essas
direções interferem na transmissão e na recepção da mensagem, implicando alterações
de comunicação.

5.3 DIFERENÇAS NO MODO DE APREENSÃO DE INFORMAÇÕES


As pessoas possuem diferentes processos cognitivos que definem a natureza da
informação buscada. Por isso determinadas informações passam despercebidas para
muitas pessoas, o que faz com que muito do que se pensa estar sendo comunicado fique
perdido nos meandros da fala, da escrita e da comunicação não-verbal.
Muito se tem pesquisado sobre modos preferenciais de comunicação. Ao que tudo indica,
existe uma parcela razoável de viés no processo de comunicação resultante dos traços
inatos de personalidade. A abordagem dos tipos psicológicos de Carl Gustav Jung (1967),
em especial as diferenças ocasionadas pelas quatro funções psicológicas — sensação,
intuição, pensamento e sentimento —, tem trazido luz a algumas questões de conteúdo e
forma do que é comunicado.
Pessoas do tipo sensação focalizam a comunicação no que é concreto, real e palpável e
fazem uso de analogias, enquanto as do tipo intuição apresentam um discurso com
conteúdo mais genérico e conceitual e utilizam simbologias para se expressar. Pessoas
do tipo pensamento transmitem prioritariamente os aspectos imparciais das informações,
comunicando o que deve ser comunicado sem muita

278

atenção ao que os demais sentirão em relação à informação. Já as do tipo sentimento


adotam uma abordagem mais empática, considerando (naturalmente) os aspectos
emocionais presentes na informação e na interação com seu interlocutor.
Conclui-se, portanto, que nas questões de comunicação interpessoal existem
interferências advindas tanto de processos internos quanto de processos sociais.

5.4 FORMAS DE COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL

Na vida pessoal ou nas organizações, as pessoas utilizam basicamente quatro formas de


comunicação: verbal, não-verbal, simbólica e paralingüística.
> Verbal: através da fala ou da escrita, é a mais freqüente e familiar. Na organização, a
instrução é um exemplo de comunicação verbal/oral, e o memorando, de comunicação
verbal/escrita.
>Não-verbal: diferentemente da fala e da escrita, esse modo é sutil e ambíguo. Pode ser
representado pelo gesto ou pela postura corporal.
> Simbólica: o lugar onde se mora, o tipo de roupa que se usa, a decoração do escritório,
todos são tipos de comunicação simbólica.
>Paralingüística: o tom da voz, o ritmo com que se fala e as “pausas cheias” são
exemplos de comunicação paralingüística e conferem sentido especial à comunicação.

6. Comunicação empresarial

6.1 ASPECTOS ESTRUTURAIS

O processo de comunicação empresarial tem três funções referentes aos objetivos da


comunicação nas organizações.
A primeira função é a de produção e controle, voltada à realidade do trabalho e destinada
a execução, monitoramento, controle e avaliação dos trabalhos.
A segunda função trata das necessidades organizacionais de comunicação de mudanças,
de alterações de procedimentos e processos: é a chamada inovação.
A terceira função trata dos meios de realização do trabalho (mas não do trabalho em si) e
se destina à socialização. O aspecto da socialização de membros na organização,
abordado pelas ciências do comportamento, é um cenário muito rico para o estudo do
processo de comunicação empresarial.

6.2 REDES DE COMUNICAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO

As redes de comunicação definem os canais por onde passa a informação. São elas:
>Redes formais: geralmente verticais e centralizadas, por elas trafegam os conteúdos
técnico-administrativos do trabalho. Estudos relatam que a comunica-

279

ção e a resolução de problemas e tarefas simples fluem mais rapidamente nas redes
centralizadas, enquanto a comunicação e a resolução de problemas mais complexos
fluem melhor nas redes descentralizadas ou informais.
>Redes informais: enquanto as redes formais obedecem às direções estabelecidas pela
organização, a comunicação que flui por meios informais pode saltar níveis de autoridade
e mover-se em qualquer direção.

6.3 ASPECTOS DINÂMICO-FUNCIONAIS

Os meios de comunicação empresarial, quer formais orais (reuniões), formais escritos


(jornais, boletins e memorandos), quer informais (rádio peão), funcionam nos aspectos
mais inconscientes da organização. Esses aspectos vão desde sua importância para a
criação e a disseminação dos valores culturais de uma empresa até as formas de defesa
coletiva que podem ser encontradas nos ambientes organizacionais.
O mapeamento dos sistemas de comunicação empresarial (meios, instrumentos, veículos
de comunicação, como também os atores e suas relações) é fundamental para a
apreensão do universo simbólico da organização. A transmissão dos valores da
organização através da socialização de seus membros, da repetição de práticas, rituais e
histórias só é possível mediante um processo de comunicação apropriado.
Fleury (1996) demonstra que os diferentes meios de comunicação interagem,
intercambiam mensagens e refazem o processo de comunicação, veiculando de modo
formal e informal as informações de caráter simbólico da empresa e fortalecendo o tecido
cultural.
Maurice Thévenet (1993), ao abordar o aspecto comunicação, fala da função dos sinais e
símbolos da comunicação organizacional. Eles representam a lógica em miniatura da
empresa. o que a empresa comunica sobre ela própria: o padrão de comunicação visual
(avisos, cartazes, placas de identificação), o atendimento telefônico, a forma de
tratamento dentro da organização (senhor, você), o uso das cores, o vestuário, a
linguagem, o padrão de consumo dos empregados, o logotipo, entre outros.
Os grupos utilizam jargões próprios, herméticos e específicos como forma & delimitar seu
espaço, reforçar sua identidade e se proteger de ameaças comuns. A linguagem
tecnicista, isto é, a linguagem técnica utilizada fora de seus limites, é um exemplo
excelente de mecanismo de defesa coletivo. São vocábulos e modos de expressão entre
técnicos, cientistas e operários utilizados para expor, resolver ou evitar problemas de
natureza social.
Izabel Menzies (1970) pesquisou o processo de comunicação entre enfermeiras num
hospital-escola da Inglaterra e concluiu que os padrões de comunicação serviam como
forma de defesa contra a ansiedade diante de um trabalho com forte desgaste emocional.
Aqui se incluem também os jargões das profissões (o “economês” e o “psicologuês”, por
exemplo). Além dos termos oriundos das modalidades de formação, também existem
organizações que usam termos próprios, compartilhados por seus membros, que ajudam
a reforçar o sentido de pertencer àquele grupo.

280

7. Tendências e desafios

O homem segue usando a comunicação como expressão de sua natureza humana. A


linguagem está em perene mudança. As organizações continuam se desenvolvendo,
moldando-se às necessidades do mercado. Interesses e necessidades de cada época
impõem mudanças, e os padrões de comunicação terão de estar, sempre, em constante
evolução. Ainda que fundamentado em princípios já esclarecidos e estudados, o processo
de comunicação interpessoal no âmbito das organizações deverá ser capaz de abarcar
todas as mudanças e os desafios propostos pela globalização, pelo avanço tecnológico
do setor de transmissão de informações e pela acirrada competitividade.
Lidar com padrões de comunicação oriundos de culturas diversas, que cada vez mais
conviverão no interior das organizações; aprender novas formas de comunicar-se em
meio a tanta diversidade, que já é a marca das novas formas organizacionais; descobrir
novos e melhores usos para a tecnologia disponível na transmissão de informações;
adaptar-se à velocidade e às características da comunicação formal e informal propiciada
pelo arsenal da informática; contribuir para a geração de redes de comunicação que
garantirão a apropriação de todo o conhecimento gerado nas organizações; e dar
fundamento sólido à tão proclamada e desejada gestão do conhecimento — eis as
principais tendéncias e desafios das pessoas que interagem nas comunidades
empresariais.
Barreiras à comrmlcaçio eficaz

Barreiras à comunicação eficaz


> Sobrecarga de Informações: excesso de irifomiação é tão prejudicial quanto a falta dela.
Eecutivos que usam correio eletrônico intensivamente já redamarn do fluxo excessivo de
infomações. Enviar ernails tem gerado sobrecarga (inútil na maior parte dos casos) que
inviabiliza a comunicação do que é realmente importante.
>Tipo de Informação: graças à percepção seletiva, haverá maior ou menor dificuldade de
apreensão de determinado tipo, forma e conteúdo de informação.
> Fontes: a maior ou menor credibidade da fonte, seu grau de influência sobre o receptor
e os estereótipos que suscita podem interferir na eficácia da comunicação.
>Localização fisica: onde ocorre o processo de tómunicação. Locais com excesso de
ruídos e de estímulos á atenção ou ameaçadores para o receptor interferem
negatívamerite no processo de comunicação.
>Filtragem: refere-se á manipulação da informação. Quanta mais níveis hierárquicos
houver na estrutura da organização, maior será a probabilidade de haver filtragem.
>Linguagem: numa organização existem muitas diferenças de nweis oóais de formação,
de área de atuação e níveis de escolaridade. Obviamente essas diferenças ocasionam
grande empecilho na linguagem e na compreensão dos vários grupos.
Dicas pem melhorar a comunicação

>Usar linguagem apropriada à mensagem e ao receptor.


>Oferecer escuta ativa a quem transmite.
>Ter empatia na comunicação interpessoal.
>Parar periodicamente, para reflexão, no processo de comunicação.
>Dar feedback da mensagem recebida e pedir feedback da mensagem enviada

281

Referências bibliográficas
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Winston, 1937.
BOWDITCH, J. L.; BUONO, A. E Elementos de comportamento organizacional.
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Pioneira, 1994, p. 80-93.
M4W /w2 t — »posp5Jco}Ógicos- lii: Vartyo: m&ernIza.ç2o eperspectivas.
São Paulo: Atlas, 1994.
CHER. Cohn. On huinan comunication — A review, a survey, and a crttictsm. 2. ed.
Cambridge, Massachusetts: The MII Press, 1966.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FESTINGER, Leon. A theoiy of cognitive dissonance. Stanford, CA: Stanford University
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FISHER, Dalmar. Comunication in organizations. St. Paul, Minnesota: West Publishing
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FLEURY, M. T. L. O desvendar a cultura de uma organização; uma discussão
metodológica. In: FLEURY, M. T. L.; FISCHER, R. M. Cultura e poder nas organizações.
São Paulo: Atlas, 1996.
JUNG, Cari Gustav. Tipos psicológicos. Nona impressão. Trad. Alvaro Cabral. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1967.
MENZIES, Izabel. Thefunctioning of organizations as social systems of defense against
anxietie. UK: Tavistock Institute of Human Relations, 1970.
MINTZBERG, H. The nature of managerial work. Englewood Cliffs: Prentice HalI, 1973.
PIRON, Henri. Dicionário de psicologia. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1964.
SCHNEIDER, Amold E.; DONAGHY, William C.; NEWMAN, Pamela Jane. Organizational
comunication. USA: McGraw-Hill, 1975.
THÉVENET, Maunce. “Cultura de empresa — Auditoria e mudança”, “Materiais de base”.
São Paulo: FEAUSP, 1993. Apostilas da disciplina Sistemas de Informação e Aspectos
Culturais das Organizações.
ULRICH, Dave. Os campeões de recursos humanos. São Paulo: Futura, 1999.

AUTORA

TÂNIA CASADO

Professora-doutora do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,


Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), atua na área
de recursos humanos. Psicóloga, mestre e doutora em Administração pela FEA-USP, é
coordenadora do Programa de Estágio e do Programa de Orientação para Carreira
(POC), ambos da FEA-USP e vice-coordenadora do Centro de Estudos em Administração
do Terceiro Setor (Ceats), da FEA-USP Possui experiência como consultora
organizacional em: diagnóstico e mudança organizacional; identificação e
desenvolvimento do potencial humano nas organizações; construção de times de trabalho
(team buildíng); estabelecimento de políticas de recursos humanos; pesquisas de clima
organizacional e desenvolvimento gerencial.

282

Uma discussão sobre cultura organizacional

MARIA TEREZA LEME FLEURY

JÁDER DOS REIS SAMPAIO

1. Introdução: as origens do conceito de cultura


A palavra “cultura” não surgiu originalmente no seio da teoria administrativa; pelo
contrário, é um termo muito mais antigo. Na sociedade romana, a expressão latina colere
referia-se ao cultivo de produtos relacionados com a terra, a educação, o
desenvolvimento da infância e o cuidado com os deuses. Esse significado foi se
modificando ao longo dos anos, mas algumas idéias permanecem até hoje. O termo
“cultura” pode ser apreendido em diferentes níveis de manifestação, como a cultura de um
povo ou de um país.
A idéia de cultura nacional se tornou uma preocupação européia inicialmente com os
movimentos de unificação das cidades- Estado em Estados absolutistas porque, de
alguma forma, a intenção da existência de uma identidade entre elas justificava a
centralização do poder político e econômico.
Posteriormente, no contexto do mercantilismo e da expansão imperialista (seja o
imperialismo territorial, seja o imperialismo econômico), o conceito de cultura foi
empregado no sentido do entendimento de costumes, língua, crenças e mitos de povos
diferentes para o estabelecimento de relações comerciais e de relações de

283

dominação. Nesse período, especialmente no final do século XIX, os estudos sobre


cultura depararam com a noção de diversidade, mas empregaram algumas idéias
darwinistas para se fazer entender como culturas superiores e de alguma forma justificar
a dominação política ou econômica.
Edward B. Tylor, antropólogo inglês, definiu cultura, em 1871, como um “complexo total
de conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e
hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”, o que demarcou seu campo
de estudos, remetendo o conceito para os níveis do indivíduo e da sociedade.
2. As bases antropológicas e sociológicas do conceito de cultura

Na perspectiva da antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de


integrar todos os aspectos da prática social. A preocupação fundamental da pesquisa
etnográfica era desvendar os significados dos costumes de sociedades diferentes da
ocidental. Partia-se do pressuposto da unidade entre a ação humana e sua significação,
descartando-se qualquer relação determinística de uma sobre a outra.
Os antropólogos, como aponta Eunice Durhan (1984), tenderam a conceber os padrões
culturais não como um molde que produziria condutas estritamente idênticas, mas antes
como as regras de um jogo, isto é, uma estrutura que permite atribuir significado a certas
ações e em função da qual se jogam infinitas partidas.
Não existe também a preocupação de estabelecer relações entre as representações e o
poder. Segundo Durhan, os padrões culturais não são concebidos como instrumentos de
dominação, a não ser no sentido genérico de que a cultura é instrumento de domínio das
forças naturais:
A opacidade da sociedade, a inconsciência dos homens em relação aos mecanismos de
produção da vida social nunca puderam ser vistas pelos antropólogos, nas sociedades
essencialmente igualitárias com as quais se preocuparam, como resultado do
ocuhamento da dominação de uma classe sobre a outra. Obviamente, é possível analisar
relações de poder nas sociedades primitivas, mas isto não é nem o fulcro nem o centro da
concepção de cultura.
Entre os sociólogos, uma corrente importante para a análise da cultura é o interacionismo
simbólico, cujos autores mais conhecidos são Erving Goffman e Peter Berger. O trabalho
de Berger e Luckmann, The social construction of reality (1967), como o próprio título
indica, procura explorar o processo de elaboração do universo simbólico. Considera-se
importante recuperar certos momentos de sua trajetória, pois a obra toca (explícita ou
implicitamente) em algumas questões centrais para a discussão da cultura e também por
seu pensamento exercer influência sobre os estudiosos da cultura nas organizações.
O indivíduo percebe que existe correspondência entre os significados por ele atribuídos
ao objeto e os significados atnbuídos pelos outros, isto é, existe o compartilhar de um
senso comum sobre a realidade.

284

Segundo Berger e Luckmann, quando um grupo social tem de transmitir sua visão do
mundo a uma nova geração surge a necessidade de legitimação — o processo de
explicar e justificar a ordem institucional prescrevendo validade cognitiva aos seus
significados adjetivados; tem, portanto, elementos cognitivos e normativos e dá origem ao
universo simbólico. Isso porque durante a fase de legitimação se produzem novos
significados já atribuidos aos processos institucionais.
Ao estudar as organizações, é possível observar como certos símbolos são criados e os
procedimentos implícitos e explícitos para legitimá-los. O da empresa como uma grande
família exemplifica essa criação do mito, integrando vários significados e os processos de
sua legitimação.

3. Definição de cultura no nível das organizações

3.1 ESTUDOS TRANSNACIONAIS E TRANSREGIONAIS


O conceito de cultura foi trazido às ciências administrativas no final da década de 1950.
Muitos eventos justificam tal interesse, como a expansão geográfica das empresas
multinacionais, que pretendiam reproduzir suas estruturas em outros países para obter
vantagens comparativas (mão-de-obra barata, novos mercados, proximidade de matérias-
primas, entre outras). Ainda que reproduzindo as estruturas e os principais programas, os
resultados não são os mesmos e os administradores se vêem às voltas com problemas
que não tinham nos países de origem. Dessa forma, uma das primeiras concepções de
cultura empregadas pela administração é semelhante à concepção das culturas
nacionais, pela qual se procura identificar que elementos culturais foram obtidos na
sociedade pelos empregados, especialmente os que entram em conflito com a ordem
organizacional original, para então buscar um novo arranjo organizacional ou uma
mudança de crenças e valores.
Smircich (1983) representa essa linha de estudos de cultura nas organizações na Figura
1. Nela, cada membro da organização (representado como um círculo) é visto como
portador da cultura obtida em um contexto cultural externo a ela.

Figura 1. Modelo teórico dos estudos transnacionais - segundo Smircich

285

Geertz Hofstede et al. (1990) foi um dos autores que se notabilizaram pelo estudo de
culturas nacionais. Ele teve acesso a 116 mii questionários aplicados entre 1967 e 1973
em 72 subsidiárias diferentes da IBM. Esses questionários foram elaborados com base
em entrevistas em profundidade feitas com empregados de subsidiárias de dez países
distintos. Nesse trabalho, Hofstede identificou quatro dimensões independentes, que
chamou de: “distância do poder”, “evitar incertezas”, “individualismo versus coletivismo” e
“masculinidade versus feminilidade”.
Em estudos posteriores, sua equipe identificou um quinto fator independente denominado
de “dinamismo confuciano”, que opõe a orientação de curto prazo á orientação de longo
prazo e foi usado para construir uma explicação parcial do sucesso das economias do
Extremo Oriente nas últimas décadas.
Apesar da criação desse modelo, Hofstede admite que, após esses estudos, “a pesquisa
transnacional na IBM não revelou nada sobre a cultura corporativa da IBM”, o que o levou
a outros modelos de entendimento da cultura nas organizações.
Tal linha de estudos apresenta riscos teóricos e práticos. Um dos autores mais
conhecidos por seus trabalhos acadêmicos e de consultoria na área de cultura
organizacional, Edgar Schein (2001) mostra alguns deles, relacionados com a
supersimplificação:
Se eu quiser trabalhar na Alemanha, ajuda pouco saber que os alemães são compulsivos:
se eu quiser trabalhar na Itália, não é tão útil saber que os italianos expressam suas
emoções com liberdade e, se um alemão quiser trabalhar nos Estados Unidos, será de
pouca valia saber que os americanos são individualistas. Esses insights podem ser
proveitosos, mas não bastam. As culturas são padrões de elementos que interagem; se
não tivermos como decifrar os padrões, não poderemos entender as culturas.

3.2 ESTUDOS DE CULTURA ORGANIZACIONAL OU CORPORATIVA


O conceito de cultura organizacional abandona o contexto sociocultural como a origem
dos fenômenos em estudo e se volta para o interior das organizações e das corpo- rações
(entenda-se corporação como um conjunto de empresas sob a mesma direção).
Smircich (1983) identificou diferentes focos e visões de organização nos diferentes
estudos de cultura que analisou. Além dos estudos transculturais, termo que atribuiu aos
estudos que comparam colaboradores de países diferentes ou de regiões diferentes, a
autora relacionou os seguintes conceitos:

Linha de
onceito de cuftura
trabalho Visão de organização

A cultura funciona como


um meca- nismo
Organizações são organismos
regulatório-adaptativo. Cutura
adaptativos que existem por meio de
Per- mite a articulação corporativa
processos de trocas com o ambiente.
dos indivíduos na
organização,

Organizações são sistemas de co-


Cultura é um sistema de
nhecimento. A noção de organiza-
cognições partilhadas. A
ção repousa sobre a rede de
mente humana gera a Cognição
significados subjetivos que os
cultura através de um organizacional
membros partilham em vários graus e
número li- mitado de
que parecem funcionar de uma
regras.
maneira regular.

286

Linha de
Conceito de cultura Visão de organização
trabalho

Cultura é um sistema de
Organizações são padrões de discurso
simbolos e significados
simbólico. A organização é mantida
partilhados. A ação simbólica Simbolismo
através de modos simbólicos como a
necessita ser interpreta- da, organizacional
linguagem, que facilita os significados
lida ou decifrada a fim de ser
partilhados e as realidades partilhadas.
entendida.

Processos
Cultura é uma projeção da Formas e práticas organizacionais são
inconscientes e
infra- estrutura universal e manifestações de processos
.
inconsciente da mente. inconscientes.
organização

Qual dessas linhas de trabalho constitui a abordagem correta da visão de cultura?


Possivelmente todas. Essas visões não são mutuamente exclusivas, mas também não
podem ser apenas justapostas. Cada uma delas privilegia formas de pesquisa e análise
de informações diferentes para o entendimento de sua abordagem de cultura. Isso levou
Smircich a comparar o conceito de cultura com a imagem de um “código de muitas cores”
ou com um arco-íris.
Alguns autores trabalharam na consolidação dessas diferentes tendências. Edgar Schein
(2001) desenvolveu uma proposta de trabalho variada, que inclui diferentes dimensões.
Para ele, “cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo
inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de
adaptação externa e integração interna e que funcionaram bem o suficiente para serem
considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber,
pensar e sentir em relação a esses problemas”.
Schein elaborou um conceito de cultura concebendo-a com um modelo dinâmico em que
é aprendida, transmitida e mudada. O autor acredita que o conceito é complexo o
suficiente para ser empregado na compreensão de fenômenos de grupos pequenos,
como uma equipe de trabalho, ou grandes, como uma nação ou uma sociedade.

Há três diferentes níveis através dos quais a cultura de uma organização pode
ser apreendida, como se pode ver na Figura 2.

Figura 2. Níveis de apreensão da cultura organizacional segundo Schein

287

>Artefatos visíveis: layout da organização, comportamento e vestuário das pessoas,


rituais, mitos organizacionais, assim como crenças expressas em documentos — fáceis
de ser percebidos, mas difíceis de ser interpretados.
>Valores compartilhados: Schein aponta o problema da diferença existente entre os
valores aparentes e os valores em uso. É difícil identificar esses valores pela observação
direta. É preciso entrevistar os membros-chave ou realizar a análise de conteúdo de
documentos formais da organização. Esses valores, entretanto, expressam o que as
pessoas reportam ser a razão de seu comportamento, o que na maioria das vezes são
idealizações ou racionalizações. As razões subjacentes ao seu comportamento
permanecem escondidas ou inconscientes.
>Pressupostos básicos: normalmente inconscientes, determinam como os membros do
grupo percebem, pensam e sentem. À medida que certos valores compartilhados pelo
grupo conduzem a determinados comportamentos e esses comportamentos se mostram
adequados para solucionar problemas, o valor é gradualmente transformado em um
pressuposto inconsciente de como as coisas realmente são.
Esse modelo não consiste apenas em uma forma de as informações sobre a cultura
organizacional serem apresentadas. Os níveis interagem, ou seja, os níveis inferiores são
fundamentais para a compreensão dos artefatos visíveis. Schein afirmou que os
empregados de uma empresa formal e burocratizada podem compartilhar valores e
pressupostos básicos semelhantes aos de uma empresa do tipo casual e honzontalizada.
Por isso os estudos de cultura organizacional não podem se restringir à observação dos
artefatos visíveis, mas precisam interagir com os membros de uma organização para o
entendimento de seu significado. Mesmo as explicações dos membros da organização
não são suficientes, pois existem pressupostos considerados tão óbvios que eles nem
sequer tomam consciência deles. Tais pressupostos influenciam todo o processo de
interação dos membros da empresa sem que eles se apercebam disso na maior parte do
tempo.
Schein atribui importância fundamental ao papel dos fundadores da organização no
processo de moldar seus padrões culturais: os primeiros líderes, ao desenvolver formas
próprias de equacionar os problemas da organização, acabaram por imprimir sua visão de
mundo nos demais e também sua visão do papel que a organização deve desempenhar
no mundo.
Esses pressupostos básicos não estão organizados aleatoriamente, padronizamse em
paradigmas culturais, com alguma ordem e consistência para orientar a ação do ser
humano. No entanto, é possível coexistirem pressupostos incompatíveis e inconsistentes
em uma organização.
A compreensão da cultura de uma organização implica a discussão de seus pressupostos
básicos. Schein, utilizando como referência os trabalhos de Kluckhohn (1965), propõe um
conjunto de categorias para o estudo da cultura, como se vê a seguir:
>relação da organização com seu ambiente;
>natureza da realidade e da verdade;

288

> natureza da natureza humana;


> natureza da atividade humana;
> natureza dos relacionamentos humanos.

Em termos metodológicos, Schein propõe outras categorias para o processo de


investigação do universo cultural de uma organização:

> analisar o teor e o processo de socialização dos novos membros;


> analisar as respostas a incidentes críticos da história da organização;
> analisar crenças, valores e convicções dos criadores ou portadores da cultura;
> explorar e analisar com pessoas da organização as observações surpreendentes
descobertas durante as entrevistas.
A idéia de pressupostos básicos havia sido utilizada anteriormente por Bion (1975) para
analisar a dinãmica dos grupos. Schein fez uma leitura particular da obra desse psiquiatra
inglês, adaptando os conceitos de Bion a seu modelo teórico.
Bion afirmou que os grupos possuem duas faces. A primeira é a que ele denominou de
grupo de trabalho ou grupo refinado, no qual os membros agem visando à realização dos
objetivos propostos, empregando capacidades individuais e adotando a cooperação como
base do relacionamento de grupo. Entretanto, nem sempre os membros do grupo agem
dessa forma. Em determinadas circunstâncias, eles parecem mobilizados por forças ou
impulsos cujo conjunto foi denominado de mentalidade de grupo ou mentalidade de
pressupostos básicos. Sob o influxo dessas forças ou padrões de comportamento
(patterns of behavior), os indivíduos, sem se dar conta dos motivos de suas ações, podem
agir de três formas distintas: pela dependência, pela luta-fuga e pelo acasalamento.
Tal mentalidade de grupo dificulta a satisfação das necessidades do indivíduo. Os
membros do grupo, em reação a esse desconforto, desenvolvem uma cultura de grupo,
ou seja, relacionam-se segundo certos padrões, escolhem líderes com determinadas
características e valorizam certas reações que preservam o pressuposto básico vigente.
“A cultura de grupo é uma função do conflito existente entre os desejos do indivíduo e a
mentalidade de grupo. Seguir-se-á disso que a cultura de grupo apresentará sempre
sinais das suposições básicas subjacentes” (Bion, 1975).
Schein abandonou a idéia de “padrões de comportamento subjacentes” e ampliou o papel
dos valores, assim como a noção de pressupostos básicos de Bion, adotando a proposta
de Kluckhohn. Assim, os membros do grupo podem agir segundo princípios que
consideram tão óbvios e certos (certezas profundas) que dificilmente se questionam ou
percebem estar agindo dentro de determinado paradigma, que inclui uma visão de
homem, de natureza etc.
Schein adota a postura clínica para o estudo dos fenômenos culturais, em que a demanda
parte da própria organização. Isso conduz a uma relação diversa entre pesqui-

289

sador e pesquisado, relação medida por um contrato social que leva a organizaçã.o a se
abrir e a pôr à disposição do pesquisador dados e informações de diversas naturezas,
dificilmente acessíveis a qualquer outra pessoa. Nas palavras de Schein; “Eu creio que a
perspectiva clínica provê um contraposto útil para a perspectiva puramente etnográfica,
pois oferece melhores possibilidades de apreender coisas sobre a organização”.
Apesar das fortes raízes antropológicas e psicológicas, essa linha de estudos assume os
sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e de expressão de uma
visão consensual da própria organização. A dimensão do poder, intrínseca aos sistemas
simbólicos, e seu papel de legitifnação da ordem vigente e ocultamento das contradições,
das relações de dominação, estão ausentes desses estudos.
Nesse ponto, o trabalho desenvolvido por Max Pagés e seus colaboradores representou
um marco nas pesquisas sobre a temática do poder e suas articulações na vida de uma
organização.
Segundo os autores, na empresa pesquisada os empregados partilham fortemente a
ideologia à medida que participam de sua elaboração, num processo de autopersuasão
que lhes permite contribuir para a própria subjugação. Isso significa que a ideologia não
reside apenas no discurso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjunto de empregados.
Os autores ressaltam que a contribuição do indivíduo à produção depende muito de sua
integração ideológica. A função especial da ideologia não é apenas mascarar as relações
sociais de produção, mas reforçar a dominação e conseguir a exploração dos
trabalhadores.
A importância do trabalho de Pagés não se esgota apenas na análise da produção e das
mediações ideológicas das organizações; avança para outras instâncias da vida
organizacional (econômica, política e psicológica), tecendo um quadro fascinante,
complexo e de certo modo amedrontador das relações de poder entre o individuo e a
organização.
O debate com as várias linhas teóricas que trabalham com a questão da cultura
organizacional apontou a necessidade de elaboração de uma proposta conceitual que,
partindo da concepção de Schein, incorporasse a dimensão política inerente a tal
fenômeno. Na proposta elaborada por Fleury (1989), a cultura organizacional é concebida
como um conjunto de valores e pressupostos básicos, expresso em elementos
simbólicos, que, em sua capacidade de ordenai atribuir signJicações, construir a
identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso como
ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.
Analisar, pesquisar e até mesmo procurar gerenciar a cultura das organizações
incorporando essa dimensão política das relações de poder tem sido o desafio de
pesquisadores e profissionais.
4. Temas atuais no debate sobre cultura organizacional

4.1 DIFERENCIAÇÃO ENTRE CLIMA E CULTURA ORGANIZACIONAL

Muitos profissionais e até mesmo pesquisadores assumem o conceito de cultura como


sinônimo de clima organizacional.

290

O clima organizacional refere-se à percepção que as pessoas têm da organização em que


trabalham, percepção que pode ser influenciada por fatores conjunturais externos e
internos à organização. A idéia do clima organizacional remete à noção de clima
meteorológico e retrata um estado momentâneo da organização. Assim como a opinião
pública, o clima pode alterar-se ante uma notícia, um evento ou um boato.
Os estudos sobre cultura, como bem mostra a discussão teórica anterior, têm um caráter
histórico mais profundo, remetendo às origens da organização, ao processo de definição
de seus valores básicos e à modelagem dos padrões culturais. Tanto o processo de
diagnóstico como as intervenções sobre a cultura de uma organização atestam as
dificuldades de trabalhar com um fenômeno mais complexo e profundo.

4.2 DIAGNÓSTICO DE CULTURA ORGANIZACIONAL

A metáfora que ilustra como realizar o diagnóstico de cultura em uma organização é a da


cebola. Os elementos simbólicos visíveis — o ambiente construído da organização, isto é,
o comportamento das pessoas — constituem a camada mais superficial; em uma camada
mais profunda, estão as histórias, os mitos, os heróis e os fundadores; e, no centro, os
valores da organização. Uma crista formada pelas políticas e práticas de gestão atravessa
as várias camadas, possibilitando chegar aos valores da organização. Essas políticas e
práticas — por exemplo, as políticas de gestão de pessoas, que revelam valores da
natureza humana ou da natureza da atividade humana — ao mesmo tempo refletem os
valores e constituem elementos- chave da mudança (Figura 3).

Figura 3. O processo de desvendar a cultura de uma organização

Em um diagnóstico de cultura, é necessário sempre trabalhar com uma perspectiva


histórica, observando o contexto em que a organização foi criada e o papel do fundador.
A título de informação: o uso de diferentes metodologias para o estudo da cultura
organizacional desenvolvido por Fleury Shinyashiki e Stevenatto (1997) promove uma
discussão aprofundada sobre o uso de metodologias qualitativas versus metodologias
quantitativas, a abordagem teórica que dá sustentação a cada um dos enfoques e o uso
de diferentes técnicas de investigação.

291

4.3 GESTÃO INTERCULTURAI. E DIVERSIDADE CULTURAL


Em tempos de globalização, em que as empresas se internacionalizam à procura de
novos mercados, em que elas se fundem ou realizam alianças em busca de sinergias ou
diversificam seu quadro de empregados, o tema gestão intercultural assume grande
relevância.
Como trabalhar tais questões? Embora os estudos de Hofstede (1990) dêem algumas
pistas de como tratar as diferenças entre as culturas nacionais e sua influência sobre a
cultura organizacional, eles têm limitações. Combinar a abordagem antropológica com
uma abordagem mais pragmática dos estudos de cultura organizacional constitui um
grande desafio.
Uma das dimensões a ser incorporadas a essas discussões é a das relações de poder.
Em um processo de fusão, por exemplo, a relação de dominação se faz presente, e a
empresa mais forte impõe seus valores, suas políticas e práticas, em uma estratégia
semelhante à do exército vencedor que subjuga o inimigo derrotado. As conseqüências
são previsíveis: subculturas guerrilheiras que surgem e minam, muitas vezes, o sucesso
de qualquer processo de fusão.
Schein (2001) analisou o processo de aquisições, fusões e constituição dejoint ventures,
verificando que “as questões culturais se tornam mais barulhentas e visíveis”. Esses
casos assemelham-se aos experimentos de figura e fundo que os psicólogos estudaram
no início do século, nos quais uma imagem se modifica diante dos olhos do observador
após uma simples mudança de perspectiva e ponto de vista.
As fusões de empresas justapõem grupos que possivelmente operavam com valores e
pressupostos básicos diferentes. Ao formar um novo grupo, valores que nunca eram
questionados evidenciam-se, podendo, segundo Schein (2001), promover diferentes
desfechos na nova cultura formada: a coexistência de culturas separadas, o domínio de
uma cultura pela outra e a mistura ou integração das culturas (a criação de um novo
conjunto de valores sobrepostos, que é “vendido às várias unidades culturais”).
Outro tema que também vem recebendo as atenções dos pesquisadores é o da
diversidade cultural, introduzido no Brasil por empresas multinacionais americanas, que
testam programas de gestão da diversidade cultural nas matrizes (ligadas à affirniative
action, ou ação afirmativa, dos Estados Unidos).
O tema soou postiço para as empresas nacionais. Os brasileiros, em geral, valorizam sua
origem diversificada, inclusive suas raízes africanas, presentes na música, na
alimentação, no sincretismo religioso. Gostam de se imaginar uma sociedade sem
preconceitos de raça nem de cor. Mas, por outro lado, o Brasil constitui uma sociedade
estratificada, em que o acesso às oportunidades educacionais e às posições de prestígio
no mundo do trabalho é definido pelas origens econômicas e raciais.
Em uma pesquisa realizada em empresas brasileiras (Fleury e Fleury, 2001), observou-se
uma introdução tímida de programas de diversidade, alguns integrados à questão do
gênero (entrada de mulheres e posição na carreira), outros incorporando a questão racial.
A compreensão desse tema nas organizações necessita ser ampliada e abranger outras
dimensões além de gênero e raça. Implica considerar a diversidade de for-

292

mações, de regiões de origem, de formas de pensar. Implica agregar novas competências


à organização, que tanto contribuem para o crescimento das pessoas que nela trabalham.

5. Conceitos básicos
>Cultura: na antropologia, foi definida por Tylor como um “complxo total de
conhecimentos crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e
hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.
>Cultura organizacional: conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em
elementos simbólicos que, em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir
a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso
como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.
>Cultura nacional ou regional: crenças e valores, expressos ou não em elementos
simbólicos, adquiridos por uma pessoa socializada em determinada nação ou região.
>Nível de artefatos visíveis: nível mais superficial de apreensão de uma cultura, refere-
se a comportamentos, rituais, mitos, crenças e documentos, entre Outros.
>Nível dos valores: nível intermediário de apreensão de uma cultura, consiste nas
convicções básicas que justificam determinados modos de conduta, partilhados pelos
membros de determinada cultura. Geralmente associado a conteúdo emocional, possui
implicações sobre a identidade das pessoas como membros da organização. Essas
convicções podem ou não ser claramente expressas pelos indivíduos.
>Nível dos pressupostos básicos ou suposições básicas: nível mais profundo de
apreensão de uma cultura, consiste nas certezas que fundamentam e permeiam os
demais elementos da cultura organizacional. São geralmente tácitos e referem-se a idéias
amplas como o relacionamento do homem com a natureza, a realidade, a verdade, a
natureza humana, os relacionamentos humanos, o tempo e o espaço. São de difícil
apreensão.
>Subcultura organizacional: conjunto de valores e pressupostos básicos inerentes a um
grupo ou a uma parte da organização. Pode ter contornos próprios às atividades
realizadas e diferenças em relação à cultura organizacional, mas alinhada a ela, ou
constituir uma fonte de conflito com a cultura dominante (nesse caso, alguns autores a
denominam de contracultura)
>Clima organizacional: termo empregado para definir o conjunto de satisfações
e insatisfações dos membros de uma organização em determinado período,
geralmente identificado através de pesquisas calcadas em percepção e opinião.
É mais volátil e menos estrutural que a cultura organizacional
>Diversidade cultural: preocupação contemporânea das empresas, traduzida em
políticas de pessoal e organização do tmbalho que visam manter em seu contexto
pessoas diferentes com relação a gênero, raça, necessidades especiais, regiões de
origem e formas de pensar.

293

Referências bibliográficas

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BION, W R. Experiências com grupos: os fundamentos da psicoterapia de grupo. 2. ed.
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SMIRCICH, Linda. Concepts of culture and organizational analysis. Administrative Science
Quarterly, v. 28, n. 3, p. 339-58, Sept. 1983.

AUTORES

MARIA TEREZA LEME FLEURY

Vice-diretora e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e


Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), atua na área de recursos
humanos. Mestre e doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP e pós-graduada pela Universidade Stanford (EUA). Editora da Revista
de Administração da t]SP (RAI]SP) e coordenadora do Programa de Pós- Graduação da
FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertações de mestrado e teses de
doutorado. Diretora cientifica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação
em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pos-graduação sobre cultura e
poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura
organizacional nos cursos de MBA da USP Desenvolve atividades de pesquisa,
diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas,
nacionais e multinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Quimica, entre outras.
autora de diversos livros.

JÁDER DOS REIS SAMPAIO

Professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de


Minas Gerais. Graduou-se em Psicologia, especializando-se em psicologia do trabalho e
desenvolvimento organizacional. Mestre em Administração pela Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando em Administração na
Universidade de São Paulo. Foi professor-colaborador nos principais programas de
especialização em administração de Belo Horizonte. Consultor de organizações públicas
e privadas, realizou trabalhos de estruturação da área de recursos humanos, análise de
turnover, planejamento estratégico, implantação de área de treinamento e
desenvolvimento de recursos humanos, coordenação de processos de seleção de
pessoal, entre outros. Autor e organizador de dois livros.

294

Qualidade de vida no trabalho

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA

ELIETE BERNAL ARELLANO

1. Introdução

O ambiente empresarial tem buscado a competitividade em virtude das profundas


mudanças ocorridas na economia mundial, nas relações sociais e políticas, na tecnologia,
na organização produtiva e nas relações de trabalho.
No Brasil, essas transformações assumiram expressão maior em conseqUência da
abertura abrupta da economia, da implementação dos programas de estabilização
monetária e das reformas constitucionais que visam à redução e à reorientação do papel
do Estado na economia. Todas essas mudanças geram um ambiente socioempresarial
em ebulição, no qual os fatores conjunturais de sobrevivência muitas vezes se sobrepõem
aos objetivos de mudanças de longo prazo na sociedade que conduzam, efetivamente, a
melhorias de condições de vida e bem-estar dos cidadãos.
Segundo Albuquerque (1992), dentro desse contexto, no qual as organizações buscam
produtividade e processos de mudança que tenham o objetivo de melhorar seu
posicionamento competitivo no mercado, a qualidade de vida no trabalho (QVT) vem
ganhando espaço como valor intrínseco das práticas de competitividade
concomitantemente ao bem-estar organizacional.

295

Na discussão deste capítulo, pretende-se apresentar:


>a evolução histórica do conceito de qualidade de vida no trabalho;
>a importância da administração de programas de qualidade de vida no trabalho, como
parte de uma estratégia de gestão de pessoas, na dimensão individual — do estresse —,
na organizacional e na gestão da qualidade;
>os elementos organizacionais que devem ser observados nos programas das empresas.

2. Conceitos e abordagens sobre qualidade de vida no trabalho

Qualidade de vida no trabalho é o conjunto das ações de uma empresa no sentido de


implantar melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de
trabalho (Limongi-França, 1996).
Existem muitas interpretações de qualidade de vida no trabalho, desde o foco clínico da
ausência de doenças no âmbito pessoal até as exigências de recursos, objetos e
procedimentos de natureza gerencial e estratégica no nível das organizações.
Novos paradigmas de modos de vida dentro e fora da empresa, construindo novos
valores relativos às demandas de qualidade de vida no trabalho, estão sendo estruturados
por diversos segmentos da sociedade e do conhecimento científico, entre os quais
destacam-se:
>Saúde: visa preservar a integridade física, psicológica e social do ser humano em vez de
apenas atuar sobre o controle de doenças e propiciar maior expectativa de vida e
reintegração profissional da pessoa que adoece.
>Ecologia: ciência em que o homem é parte integrante e responsável pela preservação
do ecossistema e dos insumos da natureza, bem como ator do desenvolvimento
sustentável.
>Ergonomia: estuda as condições de trabalho ligadas à pessoa. Fundamenta-se na
medicina, na psicologia, na motricidade e na tecnologia industrial, visando ao conforto e
ao desempenho nas diversas posições de trabalho.
>Psicologia: demonstra a influência das atitudes internas e as perspectivas de vida da
pessoa e a importância do significado intrínseco das necessidades individuais para seu
envolvimento com o trabalho em conjunto com a filosofia.
>Sociologia: atua sobre a dimensão simbólica do que é compartilhado e construído
socialmente, demonstrando as implicações de quem influencia e é influenciado nos
diversos contextos culturais e antropológicos da empresa.
>Economia: enfatiza a consciência de que os bens são finitos e de que a distribuição de
bens, recursos e serviços deve envolver de forma eqüitativa a responsabilidade e os
direitos da sociedade.
>Administração: procura aumentar a capacidade de mobilizar recursos para atingir
resultados em ambiente cada vez mais complexo, mutável e competitivo.
>Engenharia: elabora formas de produção voltadas para flexibilização da manufatura,
armazenamento de materiais, uso da tecnologia, organização do trabalho e controle de
processos.

296

Essas contribuições permitem identificar dois movimentos principais na gestão de


qualidade de vida no trabalho: o primeiro, individual, caracteriza-se pelo aprofundamento
da compreensão a respeito do estresse e das doenças associadas às condições do
ambiente organizacional; o segundo, organizacional, refere-se à expansão do conceito de
qualidade total, que deixa de restringir-se a processos e a produtos para abranger
aspectos comportamentais e satisfação de expectativas individuais, visando à
concretização dos resultados da empresa.

3. Evolução histórica

O conceito de qualidade de vida no trabalho tem sido avaliado e questionado através dos
anos, definindo-se não como modismo passageiro, mas como um processo que consolida
a busca do desenvolvimento humano e organizacional.
Walton (1973), um dos pesquisadores pioneiros da sistematização dos critérios e
conceitos de QVT, define-a como algo além dos objetivos da legislação trabalhista,
surgido no começo do século XX com a regulamentação do trabalho de menores, da
jornada de trabalho e descanso semanal e das indenizações por acidentes de trabalho.
A QVT também está relacionada com os objetivos do movimento sindical após a grande
crise dos anos 1930, que se centraram na segurança e na salubridade do trabalho, no
tratamento dispensado ao trabalhador e no aumento de salários. também associada ao
enfoque da psicologia surgido na década de 1950, em que se considera a existência de
uma correlação positiva entre estado de ânimo e produtividade e afirma-se que é possível
elevá-los mediante a melhoria das relações humanas. Faz parte dos novos conceitos da
década de 1960, como a igualdade de oportunidades e os inumeráveis esquemas de
enriquecimento do trabalho. Pode-se definir QVT como a junção desses movimentos
reformistas mais as necessidades e aspirações humanas, como o desejo de trabalhar
para um empregador que possua sensibilidade social.
Para Wahon (1976), a QVT deve ter como meta a geração de uma organização mais
humanizada, na qual o trabalho envolva relativo grau de responsabilidade e de autonomia
no que se refere a cargo, recebimento de recursos de feedback do desempenho, tarefas
adequadas, variedade, enriquecimento do trabalho e ênfase no desenvolvimento pessoal
do indivíduo. Em 1976, o autor propõe um modelo conceitual composto de oito categorias
com o objetivo de avaliar a QVT nas organizações:
>Remuneração justa e adequada: trata-se da relação do salário com outros trabalhos,
desempenho da comunidade e padrão subjetivo do empregado. Em síntese, eqüidade
salarial.
>Segurança e salubridade do trabalho: os trabalhadores não devem ser expostos a
condições ambientais, jornada de trabalho nem a riscos que possam ameaçar sua saúde.
>Oportunidade de utilizar e desenvolver habilidades: o uso e o desenvolvimento das
capacidades devem atender a certas condições, como autonoWia, variedade de
habilidades, informação e perspectiva da atividade, significado e planejamento da tarefa.

297

>Oportunidade de progresso e segurança no emprego: manifestam-se no


desenvolvimento pessoal, no desenvolvimento da carreira, na possibilidade de aplicação
de novas habilidades, na sensação de segurança no emprego e na remuneração.
>Integração social na organização: um ambiente favorável nas relações pessoais é
atingido com ausência de preconceitos, democracia social, ascensão na carreira,
companheirismo, união e comunicação aberta.
>Leis e normas sociais: o grau de integração social na organiação está relacionado com
o direito à privacidade e à liberdade de expressão de idéias, com tratamento eqüitativo e
normas claras.
>Trabalho e vida privada: as condições de crescimento na carreira não devem interferir
no descanso nem na vida familiar do empregado.
>Significado social da atividade do empregado: a atuação social da organização tem
significado importante para os empregados tanto em sua percepção da empresa quanto
em sua auto-estima.
Nadler e Lawler (1983), ao analisar as origens do movimento da qualidade de vida no
trabalho, descrevem a primeira fase da QVT, de 1969 a 1974, como um período em que
grande número de pesquisadores, acadêmicos, líderes sindicais e representantes do
governo, preocupados com a relação entre os efeitos das atividades profissionais sobre a
saúde e o bem-estar das pessoas e sua satisfação no trabalho, começaram a se
interessar pelas formas de influenciar a qualidade das experiências vividas pelas pessoas
durante o período de trabalho.
Tais características do movimento perduraram até meados da década de 1970, época em
que sofreu uma baixa, uma vez que nos Estados Unidos as atenções foram desviadas
para problemas como inflação e custos de energia. A partir de 1979, surgiu novo interesse
na QVT, estimulado pela competição internacional. Algumas iniciativas, como as
implantadas na General Motors, começaram a ganhar o apreço do público, coincidindo
com uma crescente preocupação com a produtividade. Tais iniciativas produziram grande
quantidade de projetos americanos de QVT, que tiveram seu auge em meados dos anos
1980.
Aguiar (2000) explica que fatores intervenientes no aumento da produtividade estão
presentes no estudo da organização do trabalho desde o início do século, porém foi só a
partir da década de 1960 que os indicadores referentes às necessidades e às aspirações
pessoais ganharam relevância. Isso se deveu ao desafio de produtividade enfrentado
pelas organizações em busca de competitividade, em que se incluía a responsabilidade
social da empresa como fator de avaliação da produtividade. Houve então uma mudança
de postura das organizações, que passaram a entender a qualidade de vida no trabalho
como um aspecto tão importante quanto a modernização tecnológica.
Nadler e Lawler (1983) definem qualidade de vida no trabalho de acordo com a evolução
no tempo e com as diferentes pessoas que o utilizam, isto é, como uma

298

forma de pensar sobre as pessoas, o trabalho e as organizações. Seus elementos


distintivos são:
> a preocupação com o impacto do trabalho sobre as pessoas e sobre a efetividade
organizacional;
> a idéia de participação na tomada de decisões e na solução de problemas.
Bergeron (1982) afirma que a QVT consiste na aplicação concreta de uma filosofia
humanista pela introdução de métodos participativos, visando modificar um ou vários
aspectos do meio ambiente de trabalho a fim de criar uma situação favorável à satisfação
dos empregados e à produtividade.
Fernandes (1996) conceitua QVT como uma gestão dinâmica e contingencial de fatores
físicos, tecnológicos e sociopsicológicos que afetam a cultura e renovam o clima
organizacional, refletindo-se no bem-estar do trabalhador e na produtividade das
empresas. A autora explicita que a QVT deve ser considerada uma gestão dinâmica,
porque as organizações e as pessoas mudam constantemente, e contingencial, porque
depende da realidade de cada empresa, do contexto em que está inserida. Fatores
físicos, aspectos sociológicos e psicológicos interferem igualmente na satisfação dos
indivíduos em situação de trabalho, sem deixar de considerar os aspectos tecnológicos da
organização do próprio trabalho, que, em conjunto, afetam a cultura e interferem no clima
organizacional com reflexos na produtividade e na satisfação dos empregados.
A concepção de Hackman e Oldham discutida por Paiva e Marques (1999) considera que
a qualidade de vida no trabalho se apóia em características objetivas das tarefas
realizadas no ambiente organizacional. Os autores propuseram o “modelo das dimensões
básicas da tarefa”. Tal modelo pressupõe que as “dimensões da tarefa” influenciam os
“estados psicológicos críticos”, que, por sua vez, determinam os “resultados pessoais e de
trabalho”. A “necessidade individual de crescimento”, porém, exerce forças em toda a
cadeia de fatores determinantes da QVT.
Mendelewski e Orrego (1980), ao analisar os diversos enfoques da qualidade de vida no
trabalho, concluem que há uma relação direta entre a posição diante da QVT e os
seguintes tipos de visão:
>visão democrática;
>visão gerencial;
>visão sindical;
>visão humanista;

Quadro 1. Visões da qualidade de vida no trabalho

Visão democratica
Democracia industrial
>Aumento da participação dos empregados na tomada de decisões.
>Alcance das metas do movimento de relações humanas.

Visão gerencial
Aumento da produtividade
>Melhora dos inputs humanos antes dos Ínputs tecnológicos ou do capital para a
produção.

299

Visão sindical Visão humanista


Conquistas sociais Satisfação de necessidades
Quadro 1. Visões da qualidade de vida no trabalho

>Alcance de porção mais eqúitativa de entradas e recursos da organização produtiva.


Organização personalizada.
>Alcance de condições de trabalho mais humanas e saudáveis.

Visão humanista

Satisfação de necessidades

>Satisfação no cargo

>Humanização do trabalho

>Organização personalizada

>Desenvolvimento organizacional

Essas visões vão orientar áreas de concentração de resultados e percepções específicas


de QVT.
O modelo de Belanger (in Fernandes, 1996), abrange aspectos ligados ao trabalho em si,
ao crescimento pessoal e profissional, a tarefas com significado e funções e a estruturas
organizacionais abertas.
Westley (1979) analisa quatro dimensões relacionadas ao trabalho e suas manifestações
no nível individual e no social. Tais dimensões são definidas como econômicas, políticas,
psicológicas e sociológicas e se concretizam em indicadores de QVT. O autor sugere que
a participação de empregados, associações de classe, sindicatos e partidos políticos é
fundamental para a manutenção do bem-estar intra-organizacional.

4. Qualidade de vida no trabalho como gerenciamento do estresse

Toda pessoa é um complexo biopsicossocial, isto é, tem potencialidades biológicas,


psicológicas e sociais que correspondem, simultaneamente, às condições de vida. Essas
respostas apresentam variadas combinações e intensidades nos três níveis e podem ser
mais visíveis em um deles, embora todos sejam interdependentes. Essa abordagem é
descrita por Lipowsky (1986) como o resgate de uma visão mais ampla do conceito de
saúde, tendência que tem crescido nas últimas décadas.
A saúde não é apenas ausência de doença, mas o completo bem-estar biológico,
psicológico e social. A conceituação, adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
em 1986, foi estudada por Dejours (1994) e abre um campo significativo para a
compreensão dos fatores psicossociais na vida moderna e, especifica- mente, no
desempenho e na cultura organizacional da saúde no trabalho.
Essa compreensão do ser humano, em que o indivíduo é o seu corpo, revela condições
de vida e marcas das experiências vividas e desejadas. Situa-se na mesma proposta
conceitual da visão holística do homem, o elo fundamental da qualidade de vida no
trabalho.
Alvesson (1987) cita estudos de Bolinder e Ohlstrõm‟s em que se estabelece uma clara
correlação entre experiências de estresse mental, pressões no trabalho e sintomas
psicossomáticos. As causas observadas são trabalhos com exaustivo esforço físico,
padrões forçados de trabalho (forced rates of work), problemas salariais, atividades
estúpidas e desinteressantes.

300

Rodrigues (1992) reviu detalhadamente os aspectos psicossociais do estresse,


concluindo que não há qualidade de vida no trabalho se as condições em que se trabalha
não permitem viver em nível tolerável de estresse, de preferência tendo como meta o
eustresse (o lado bom do estresse), e não o distresse, tensão nociva que gera, entre
outros, os distúrbios psicossomáticos.
O estresse é vivido no trabalho pela capacidade de adaptação, na qual sempre está
envolvido o equilíbrio obtido entre exigência e capacidade. Se o equilíbrio for atingido,
obter-se-á o bem-estar; se for negativo, gerará diferentes graus de incerteza, conflitos e
sensação de desamparo. O estresse é, talvez, a melhor medida do estado de bem-estar
da pessoa, já que a qualidade de vida no trabalho é individualizada por meio de suas
diferentes manifestações de estresse.
Samulski, Chagas e Nitsch (1996) propõem a compreensão do fenômeno do estresse
“como transação que envolve risco, perda ou situação na qual capacidades a mais devem
ser mobilizadas, e quanto maior é o esforço, mais duvidoso se torna o acontecimento”.
Apresentam-se, assim, os dois componentes básicos da ocorrência de estresse: a
exigência e a capacidade. Exigência condicionada ao meio externo e exigência interna
relacionada com metas e valores pessoais e expectativas de estilo de vida.
Uma abordagem associada à ética da condição humana. Essa ética busca desde a
identificação, a eliminação, a neutralização ou o controle dos riscos ocupacionais
observáveis no ambiente físico, os padrões de relações de trabalho, a carga física e a
mental requeridas para cada atividade, as implicações políticas e ideológicas, a dinâmica
da liderança empresarial e do poder formal ou informal até o significado do trabalho em si,
o relacionamento e a satisfação no trabalho (Cerquinho, 1994). As pesquisas clássicas
sobre condição humana no trabalho voltaram-se inicialmente para a questão do moral no
grupo com base na demonstração de que uma fábrica é uma instituição social (Mayo
apud Tragtenberg, 1985); para as necessidades básicas de segurança, de associação, de
prestígio e de auto-realização (Maslow apud Hersey e Blanchard, 1977); para os fatores
de motivação e hierárquicos que geram estabilidade de interesse e comportamento de
continuidade (Herzberg apud Hersey e Blanchard, 1977); e para os estilos de liderança e
resultados entre líder, liderados e alvo a ser atingido, maturidade e processos de decisão
(McGregor e Argyris apud Hersey e Blanchard, 1977).
Os estudos sobre psicodinâmica organizacional, com Dejours e seguidores, sobre saúde
mental do trabalho e lesões por esforços repetitivos (LER) reforçam a necessidade de
aprofundar a compreensão da provável relação entre pressão de competitividade e
respostas de estresse no trabalho.

5. Produtividade e qualidade de vida no trabalho

De acordo com Bennett (1983), a melhora da produtividade não pode ser discutida sem o
reconhecimento de que o conceito de produtividade vai além da idéia de uma boa
produção ou de eficiência no trabalho. um conceito que encontra raízes no dinamismo
humano por ter uma conexão indispensável com a melhoria da natureza e a qualidade de
vida de cada indivíduo no trabalho.

301

A melhora da produtividade significa motivação, dignidade, participação no desenho e no


desempenho do trabalho na organização. Significa desenvolver indivíduos cujas vidas
podem ser produtivas em todos os sentidos. Segundo o autor, as responsabilidades
gerenciais devem influenciar o comportamento de outros. Max Frisch (in Bennett, 1983)
disse: “Nós pedimos trabalhadores e vêm seres humanos”.
Henry Nunn (in Bennett, 1983) seguiu a mesma linha de pensamento em seu livro The
whole man goes to work, publicado em 1953. Desde aquele tempo, o mundo tem
testemunhado que o homem inteiro traz uma nova étIca ao trabalho e diferentes valores
ao ambiente de trabalho e à instituição. Se as pessoas e suas expectativas e
necessidades mudaram, as práticas e as técnicas gerenciais também precisam mudar
para que a melhora da produtividade seja obtida. A melhora da produtividade significa não
só produzir mais e melhores serviços mas também ter um gerenciamento efetivo e
participativo, que permita uma comunicação mais eficiente, que desenvolva pessoas no
sentido completo e que simbolize uma atitude de apoio.
Estratégias para aumentar a qualidade de vida no trabalho contribuem para um
subproduto essencial da melhora da produtividade, uma vez que estão relacionadas com
a qualidade de experiências humanas no ambiente de trabalho que envolvem o trabalho
em si, o ambiente de trabalho e a personalidade do empregado.

6. Qualidade de vida no trabalho como expansão do conceito de qualidade total


O segundo movimento refere-se à expansão do conceito de qualidade total, que teve
origem na engenharia e visava, especialmente, processos e controles produtivos e
tecnológicos da fabricação do produto. Com a evolução do conceito de qualidade total dos
serviços, abriu-se nova discussão sobre a necessidade de incluir nele o conceito de
qualidade pessoal e, conseqüentemente, o de qualidade de vida no trabalho.
O gerenciamento da qualidade, inclusive a busca da certificação ISO 9000, tem sido um
dos procedimentos mais freqüentes em todo o mundo, a começar pelas exigências da
União Européia de acelerar e proteger a integração econômica européia. A cultura
oriental, por sua vez, tem uma visão organizacional mais abrangente, em que prevalece a
visão da gestão da qualidade total.
A qualidade deve ser gerenciada juntamente com a qualidade de vida. No entanto, existe
grande distãncia entre o discurso e a prática do que seria o bem- estar das pessoas.
Filosoficamente, todos o acham importante, mas na prática prevalece o imediatismo, e os
investimentos de retorno de médio e de longo prazo ficam esquecidos. Tudo está por
fazer. A qualidade de vida no trabalho é uma evolução da qualidade total. E o último elo
da cadeia. Não se pode falar em qualidade total sem incluir a qualidade de vida das
pessoas no trabalho, O esforço que deve ser desenvolvido é o de conscientização, o de
preparação de postura para a qualidade em todos os sentidos — de produção, serviço,
desempenho e qualidade de vida no trabalho. Trata-se de um estado de espírito.
Portanto, é necessária a coerência em todos os enfoques.

302

Os esforços empresariais devem, em última instância, conduzir à realização humana, isto


é, a qualidade só terá sentido se gerar qualidade de vida. Esforços e foco estratégico
como na gestão da qualidade e no envolvimento de pessoas. Essas mudanças
demonstram o aumento da responsabilidade estratégica dos gestores de recursos
humanos.
Nesse sentido, observando-se a evolução das fases de gestão da função de recursos
humanos nas empresas, conforme classificação proposta por Wood Jr. (1995), verifica-se
o surgimento do movimento da qualidade. Pode-se sugerir, na sequência, nova fase
denominada de integral, em que a qualidade de vida será um valor agregado à qualidade
total com vistas a um vínculo mais forte entre competências humanas e processos
produtivos de uso intensivo de tecnologia.
Guerreiro (1989) aponta as limitações dos modelos competitivos baseados no mercado e
propõe a ordenação de negócios sociais e pessoais na esfera microperspectiva e na
macroperspectiva. A idéia central é compreendê-las dentro do enfoque ecológico. Nesse
modelo, a variedade de sistemas sociais constitui qualificação essencial em qualquer
sociedade — o que o autor denomina de paradigmas paraeconõmicos, sistemas que
também compõem a sociedade e não a tornam centrada somente no mercado.

7. Aspectos práticos da qualidade de vida no trabalho nas empresas

Os dados apresentados a seguir fazem parte de pesquisa de campo realizada por


Limongi-França (1996) sobre indicadores empresariais de qualidade de vida no trabalho
— esforço empresarial e satisfação dos empregados no ambiente de manufatura com
certificação ISO 9000. As conclusões foram extraídas de 26 unidades fabris com até 500
empregados localizadas na região de São Paulo.
> O gerenciamento do estresse é percebido como um nível de tensão moderado, mais
acentuado no nível das gerências, que não é administrado adequadamente pelas
empresas; ao mesmo tempo, todos os segmentos consideram muito importante
programas de qualidade de vida para a obtenção de resultados empresariais.
> A maioria das empresas não possui diretoria de gestão de qualidade de vida. Quando
há uma diretoria responsável, ela está ligada a recursos humanos e qualidade.
> Existe poder decisório para a QVT na maioria das empresas pesquisadas, com ênfase
no nível de direção, sugerindo ações mais estratégicas do que gerenciais.
> As áreas específicas envolvidas em QVT estão concentradas em recursos humanos e
saúde. Na área de qualidade, houve a ocorrência de uma empresa que associou QVT ao
programa 5S.
> A maioria das empresas tem funcionários especialmente envolvidos com atividades de
QVT, em geral equipes formadas por uma a cinco pessoas. Algumas empresas menores
relataram ter equipes com mais de dez funcionários, o que indica boa mobilização
organizacional para ações e programas de QVT.

303

>Quanto aos métodos para levantar necessidades de QVT, uma pequena parcela
estabelece procedimentos por meio de freqüência de acidentes de trabalho,
movimento no ambulatório, diagnóstico de clima e auditoria interna. Poucas declararam
associação com determinação legal.
> Na maioria das empresas os programas de QVT têm de um a três anos, o que significa
uma posição consolidada modesta desses programas. Um pequeno
grupo de empresas desenvolve programas há mais de cinco anos, o que caracteriza
solidez e visibilidade dessas ações na empresa.
> Não há propostas de novos programas de QVT para os próximos doze meses na
maioria das empresas. Nas que responderam positivamente, a ênfase é em
procedimentos de implantação e consideração dos empregados como foco de ação de
QVT. Uma das empresas associou novos programas ao 5S do projeto de qualidade total.
> As atividades de QVT, em sua maioria, não têm duração prevista. Podem variar de duas
horas a três anos. Houve duas indicações de duração contínua.
Percebe-se, portanto, escopo muito abrangente, caracterizando a ausência de um modelo
homogêneo e referencial de gestão da QVT.
> Não há dotação orçamentária para QVT na maioria das empresas. Quando existe, o
orçamento é e faz parte do programa de saúde ocupacional, o que demonstra frágil
estrutura orçamentária para QVT.
> Na maioria das empresas, a destinação da verba orçamentária não é específica. Nas
que possuem destinações específicas, os critérios são variados: departamento, projeto e
genérico.
> Apenas uma pequena minoria (20%) das empresas calcula o investimento em QVT
sobre o faturamento anual. As porcentagens vão de 0,0 1% a 1,5% da folha de
pagamento mensal.
> Só um terço das empresas possui atividades formais denominadas de QVT; entre elas,
as mais citadas são as campanhas e palestras. Melhoras no posto de
trabalho e mudanças administrativas também são citadas, embora com menor incidência.
> A maioria das empresas não controla os resultados associados à QVT. Entre as que o
fazem, os controles referem-se à saúde e à doença, com dados obtidos por
meio de questionários e controles numéricos. Os comitês de avaliação aparecem em
quase metade das empresas como instrumento de avaliação. Em geral, as
empresas assinalaram múltiplas ferramentas de controle.
> A maioria das empresas considera os programas e as ações de QVT importantes na
certificação ISO 9000. Os motivos giram em torno de questões de qualidade, atendimento
às necessidades pessoais e até ao negócio da empresa, inclusive com relato de pressão
de cliente externo.
> Os programas e as ações de QVT têm valor para a política de negócios da empresa. As
respostas positivas foram maiores com relação a todas as outras
questões. Os motivos apontados associam-se à empresa como um todo, à imagem
institucional, ao envolvimento dos empregados e à auditoria de clientes externos.

304

8. Considerações finais

A qualidade de vida no trabalho vem ganhando expressão cada vez maior no ambiente
empresarial brasileiro dentro das estratégias de gestão de pessoas. Seja por aumentar a
produtividade, seja como peça importante da competitividade e da modernidade da
gestão de pessoas, seja no atendimento a exigências dos clientes, o fato é que, por meio
de melhorias das condições de trabalho, que fazem parte do escopo dos programas de
QVT, os resultados obtidos podem ter alcançado os objetivos empresariais, auxiliando a
organização a enfrentar o ambiente competitivo e a comprometer as pessoas com o
negócio da empresa. Muitas inovações de gestão foram desejadas pelos que trabalham
em sistemas produtivos, O desafio da QVT é aprofundar o reconhecimento da dimensão
essencial do compromisso do ser humano com as organizações e gerar melhores
condições de vida.

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AUTORAS

ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA

Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da


Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos
humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas
áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no
trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e
Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, SefazMT,
Banco do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Villares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô, entre
outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério da
Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), da FIA, conveniada à FEA-
USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Vanzolini, conveniada à Poli-USP Ocupou
cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de
Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos
(APARH) e Medicina Psicossomática (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro
Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros
relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho.

ELIETE BERNAL ARELLANO

Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição


Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós-
graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra aulas na
FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina
Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de
administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção,
sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho,
avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de
pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos
humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Análise do cumprimento da Norma
Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de
alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como
Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação
Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional.

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