Ladislaw Dowbor - Os 4 Motores Da Economia
Ladislaw Dowbor - Os 4 Motores Da Economia
Ladislaw Dowbor - Os 4 Motores Da Economia
No novo mundo econômico que construímos a partir dos anos 1980, o poder é dos
intermediários. Uma vez mais, podem ser úteis, quando contribuem mais para a
economia do que o custo de apropriação e de desorganização que provocam. Mas
quando se tornam muito poderosos, e podem inclusive dobrar as leis que regulam as
suas atividades e gerar as leis que os favorecem, o seu poder desarticulador sobre
quem quer investir, produzir e consumir pode ser muito grande.
O texto que segue visa explicitar como este processo se dá na economia brasileira.
A economia funciona movida por quatro motores: as exportações, a demanda das
famílias, as iniciativas empresariais e as políticas públicas. No nosso caso, a partir
de 2014, estes quatro motores ficaram travados, e o sistema financeiro
desempenhou um papel essencial neste travamento. Entender este processo nos
permite entender as principais engrenagens da própria economia.
As exportações
Ainda que se trate de bens físicos como minério de ferro ou soja, o fato é que no
plano internacional as variações são diretamente ligadas às atividades financeiras
modernas. Não há razões significativas em termos de volumes de produção e de
consumo mundial que justifiquem as enormes variações de preços de commodities
no mercado internacional. Os volumes de produção e consumo de petróleo, por
exemplo, situam-se em torno de 95 milhões barris por dia, com muito poucas
alterações. Mas as movimentações diárias de trocas especulativas sobre o petróleo
ultrapassam 3 bilhões de barris, cerca de 30 vezes mais. São estas movimentações
especulativas que permitem entender que com um fluxo estável do produto concreto
o petróleo possa variar em poucos meses de 114 a 29 dólares o barril.
O que movimenta os preços neste caso não é a economia chinesa, ou uma decisão
da Arábia Saudita ou ainda a entrada do Irã de volta ao mercado, mas sim a
expectativa de ganhos especulativos dos traders, hoje 16 grupos que controlam o
comércio mundial de commodities. Estes grupos, concentrados em Genebra,
alimentam o chamado mercado de derivativos, que hoje ultrapassa 600 trilhões de
dólares, para um PIB mundial de 80 trilhões. Neste sistema estão todos os grandes
grupos financeiros mundiais, gerando imensa instabilidade tanto para os países
produtores como para os países consumidores.
A demanda interna
A atividade empresarial
Os investimentos públicos
Vejamos o quarto item da engrenagem, a taxa Selic que incide sobre a dívida
pública. O mecanismo é simples. Em 1996, para compensar as perdas que os
bancos sofreram ao se quebrar a hiperinflação, o governo criou um mecanismo de
financiamento da dívida pública com taxas de juros elevadas. A minha poupança,
por exemplo, está no banco, mas rende muito pouco. O banco, por sua vez, aplica
este dinheiro em títulos da dívida pública, que rendiam, na fase do governo de FHC,
em média 25% a 30%, chegando a um máximo de 46%. A justificativa era de se
tranquilizar “os mercados”, ou seja, os grandes intermediários financeiros, nacionais
ou internacionais. Ser “confiável” para a finança internacional e as agências de
classificação de risco tornou-se mais importante do que ser confiável para a
população.
Para pagar estes intermediários, o governo precisou aumentar os impostos, que
subiram de 25% para 32% do PIB na época. Na fase atual, em 2016, com uma taxa
de 14,25%, o governo transfere uma grande parte dos nossos impostos para os
bancos. É uma taxa menor do que na fase FHC, mas incide sobre um estoque maior
de dívida. O mecanismo é simples. Eu que sou poupador, de um bolso coloco a
minha poupança no banco que me remunera de maneira simbólica, e de outro bolso
tiro 14,25% para dar ao governo que os transfere para o banco. Em outros teremos,
eu pago ao banco, através dos meus impostos, para que tenha o meu dinheiro. É
importante lembrar que os títulos da dívida pública pagam na faixa de 0,5% ao ano
na maioria dos países do mundo.
O Brasil tem um PIB da ordem de 5,5 trilhões, o que significa que a cada vez que se
drena 55 bilhões das atividades produtivas para a especulação, é um por cento do
PIB que se perde. Se o gasto com a dívida pública atinge 9% do PIB, como é o caso
em 2015, são cerca de 500 bi dos nossos impostos transferidos essencialmente
para os grupos financeiros. Com isso se esteriliza parte muito significativa da
capacidade do governo financiar infraestruturas e políticas sociais. Além disso, a
Selic elevada desestimula o investimento produtivo nas empresas pois é mais fácil,
como vimos, ganhar com títulos da dívida pública. E para os bancos e outros
intermediários, é mais simples ganhar com a dívida do que fomentar a economia
buscando bons projetos produtivos, o que exigiria identificar clientes e projetos,
analisar e seguir as linhas de crédito, ou seja, fazer a lição de casa, usar as nossas
poupanças para fomentar a economia. Os fortes lucros extraídos da economia real
pela intermediação financeira terminam contaminando o conjunto dos agentes
econômicos.
Em termos de impacto econômico, os investimentos públicos são essenciais para
dinamizar qualquer economia moderna. Os dois grandes eixos de dinamização na
esfera pública são os investimentos em infraestruturas, como transportes, energia,
telecomunicações e água e saneamento, e as políticas sociais, como saúde,
educação, cultura, lazer, esportes, habitação, segurança e outras atividades que
constituem essencialmente investimento nas pessoas. Ao desviar uma grande parte
dos recursos públicos de investimentos para remuneração aos intermediários
financeiros e rentistas em geral, travou-se o quarto motor da economia.
Em termos políticos este mecanismo perverso tornou-se explosivo, pois se
inicialmente o sistema favorecia essencialmente os bancos, hoje com a abertura de
aplicações no Tesouro Direto para qualquer poupador, gerou-se uma massa de
empresários e pessoas da classe média que se acostumaram a ver o seu dinheiro
render a partir da elevada taxa Selic. Quando o governo Dilma tentou baixar os
juros, que chegaram a 7,5% para uma inflação de 5%, a revolta foi geral, e iniciou-se
uma articulação perversa entre crise financeira e crise política, uma aprofundando a
outra.
É essencial entender que as pessoas de menor rendimento, os três quartos do país,
aplicam muito pouco em produtos financeiros, e mal conseguem fechar o mês, em
particular pelo endividamento que os enforca. E esta população necessita vitalmente
dos investimentos públicos, como saúde, educação, saneamento básico, habitação
popular e outras iniciativas. Quando os recursos que serviriam ao financiamento
destes setores são desviados para quem tem importantes aplicações financeiras, ou
seja, para os segmentos mais ricos do país, gera-se um aprofundamento das
desigualdades, invertendo todos os esforços de 12 anos de ampliação de políticas
sociais e de demanda popular. O Brasil volta assim para uma economia “de base
estreita”, e trava-se o objetivo histórico essencial de harmonizar o país pela elevação
social das massas populares.
É importante mencionar aqui que o mecanismo perverso criado no país se encontra
em numerosos países, ainda que sob diversas formas. O denominador comum é o
fato dos grandes grupos financeiros se apropriarem das políticas públicas por meio
do inchaço da dívida pública. A sobrevivência do governo passa então a depender
menos do seu empenho em assegurar políticas que favoreçam a população em
geral, e mais de mostrar que é “confiável” para o sistema nacional e mundial de
especulação financeira. São inúmeros os países que elegeram governos com
programas progressistas e terminaram aplicando políticas de direita. E para a
população, vende-se a ideia de que são as políticas sociais que geraram o déficit
público e o travamento da economia. Quando se compara as poucas dezenas de
bilhões que representa o Bolsa Família, investimento nas pessoas, e os 500 bilhões
transferidos para rentistas, que ganham sem produzir, o argumento se torna ridículo.
Aliás, trabalhos de Jorge Abrahão no IPEA mostram que para cada 1 real investido
no Bolsa Família o efeito multiplicador leva a um aumento do PIB de 1,85 reais.
A articulação perversa
Primeira publicação no livro O Brasil Que Queremos – Emir Sader (org.). Rio de Janeiro:
LPP/UERJ, 2016.