Os Cristãos Novos No Ceará
Os Cristãos Novos No Ceará
Os Cristãos Novos No Ceará
O Povo tremendamente endogâmico, o hebreu, conservou seus traços, sua mentalidade, seus hábitos milenares, integralmente, pouco
sofrendo, no conjunto, com as constantes mudanças de domicílio e pátrias através das perseguições que sempre o acompanharam. Odiados
em todos os lugares onde estagiavam, expulsos incessantemente de qualquer pouso onde provisoriamente se estabelecessem para uma
passageira moradia, é de admirar a perseverança com que sempre resistiram aos mais indizíveis sofrimentos. Partindo de um tugúrio a outro,
sempre, onde paravam para tornar um pouco de ânimo, mantendo o mesmo espírito de constância, de persistência na crença ancestral, no
espírito das gerações nunca esquecidas de seus profetas, guardando suas tradições, seus hábitos inveterados, seu folklore. A par disso, a
imutabilidade antropológica, num conservantismo somático raro em qualquer outro povo ou raça. Pouco difere hoje um judeu puro,
autêntico, que não tenha sofrido em sua gênese a influência de outra raça (e isto encontramos com frequência), de um outro de sua grei do
século XV ou do XVI.
No presente trabalho pretendo mostrar a grande influência do elemento marrano na formação da família cearense. Foi substancial. E
não era para esperar o contrário. Portugal foi conhecido em épocas pretéritas como a pátria mesma dos judeus. Fugidos da Espanha,
encontraram abrigo na proteção de D. Manuel. Foram legião. Elevaram para um terço a proporção que já era de 1/5 entre cristãos e judeus.
Numa populacão de 1.000.000, eram 300.000 e tornaram-se 550.000, em 1.350.000. Chegada a hora da perseguição, entre outras opções,
viram o Brasil em princípio de colonização. Lançaram-se ao desconhecido com o ânimo de desbravadores e logo viram surgir as
possibilidades de fácil enriquecimento que o seu crisotropismo antevia. Trouxeram a técnica da indústria do açúcar e pouco depois estavam
dominando o mercado da Bahia e de Pernambuco. Ricos, passaram a monopolizar o mercado pelas facilidades que encontravam na
colocação internacional de seu produto através da confraria dos judeus banqueiros da Holanda, Itália e França. Veio a Inquisição em
Olinda, afugentou muitos, prendeu alguns. A invasão holandesa trouxe-lhes a liberdade de culto. Abriram a Sinagoga Zur Israel,
descamuflaram-se, voltaram a usar os seus nomes hebraicos, opulentaram-se novamente, mas foi breve a ilusão. De Pernambuco, aqueles
menos enraizados sairam para as Antílhas a fundar cidades, colonizar Martinica, fazer nascer a futura Nova York. Outros, retornaram à
Holanda com todos os seus cabedais. Mas, muitos ainda ficaram, voltando novamente às práticas de um cripto judaismo ao qual já se tinham
desabituado. Aparecem em 1711 no Recife, lutando pela autonomia da Vila em contraposição a Olinda com seus nobres.
Começa o desbravamento dos sertões vizinhos. Adaptam-se às novas condições de vida. Vão alí tanto em procura de novas riquezas como
para encontrar melhor refúgio para melhor professarem sua religião. É estranhavel esse adentramento de um povo, que na afirmação de um
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anônimo do século XVII “não cavam vinhas, não semeiam os campos, nem na força da calma do estio regam e
recolhem os pães e mais novidades” — (Cod. 1506, Papéis da Inquisicão).
São encontrados nos Engenhos da Paraíba em 1729. São dezenas de famílias que praticam acintosamente o
judaismo. Teve muito trabalho com eles o Familiar do Santo Ofício Antônio Borges da Fonsêca, pai do genealogista
e governador do Ceará, Antônio José Vitoriano Borges da Fonsêca. Surpreendendo em pleno campo paraibano um
forte e amalgamado grupo de criptojudeus não perdeu tempo em prendê-los e encaminhá-los a Lisboa. Poucos
voltaram; dois, pelo menos, sabemos, alimentaram as fogueiras inquisitoriais e muitos morreram nos seus cárceres
ou ficaram esmolando na capital do Reino. Os que conseguiram escapar da prisão mais e mais enterraram-se nos
sertões da própria Paraíba e do Ceará. Estes, disfarçadamente, conseguiram uma grande infiltração no nosso
Estado, sobretudo nos lugares do litoral mais próprios a cultura da cana de açucar. Ficaram em tôrno das atuais
cidades de Cascavel, Aracati, etc.
Este fato ficou, até hoje na lembrança do povo, nas tradições de muitas famílias. Descendem muitas famílias cearenses desses cristãos
novos. Esta recordacão duas vezes centenária foi, há pouco mais de 30 anos passados, revivida por um conhecido comerciante cearense que
estava desejoso de mandar seus filhos estudar na Alemanha de Hitler. Sabedor das perseguições que estavam sofrendo os judeus naquela
nação, previdentemente achou por bem mandar fazer umas indagações genealógicas acerca de suas origens. Ouvira dizer, quando criança,
que entre os seus avós, alguns professaram a fé de Moisés. Certos sobrenomes eram suspeitos e seria grande temeridade enviar assim mais
vítimas para “a boca do lobo”. Procurou parentes mais idosos e, especialmente, conhecida senhora, hoje nonagenária, profunda conhecedora
des raízes das famílias do Ceará. Muito sensatamente, lembrou ela as dificuldades que tinha para dar uma confirmação documentada, mas,
pelo que ouvira dizer por seu pai e avô, pessoas que viveram no século passado e que tiveram certa curiosidade por estes estudos, tudo levava
a crer que a desconfiada heranca poderia ser facilmente comprovada em certos livros guardados no Arcebispado. Talvez ela estivesse
enganada, porquanto, em tais livros não caberia qualquer insinuação de tal labeu.
Consultei e copiei quase todos as livros guardados na Cúria de Fortaleza e hoje já posso afirmar, que em parte, aquela senhora tem razão.
Pode-se, com métodos científicos de estudo e interpretação, verificar “quem é quem” pelos registros paroquiais.
São bem conhecidos os livros das Denunciações e das Confissões da Bahia e de Pernambuco, divulgados por Capistrano de Abreu,
Rodolfo Garcia, Paulo Prado e outros. Estes, se referem aos trabalhos do Visitador Heitor Furtado de Mendonça durante os anos de 1591 a
1595. Ultimamente, José Gonsalves de Mello Neto publicou mais um volume de Confissões de Pernambuco que permanecia inédito. Em 1612
volta o Santo Ofício ao Brasil e o resultado desta Visitação foi publicado nos Anais da Biblioteca Nacional, tendo como Visitador, o bispo
Marcos Teixeira. Nestas duas visitações, grande parte do Brasil, da Paraíba para o Sul foi visitada. Sabe-se agora, que o Norte não escapou
das inquirições do Santo Ofício. Foi divulgado recentemente pelo Prof. José Roberto do Amaral Lapa, de S. Paulo, o “Livro da Visitação” dos
Estados do Grão Pará, Maranhão, Rio Negro, Piauí e terras adjacentes”. Esta, em 1763, fato até agora inteiramente desconhecido dos
historiadores. Foram ouvidos 353 brancos, 55 indios, 42 negros escravos, 17 mamelucos, 6 cafusos e 12 mulatos.
O Ceará, certamente por sua pequena população, pobreza de recursos e desinteresse mesmo dos inquisidores, foi deixado à margem.
Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição, para incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias
cripto judaicas da Paraíba e Pernambuco para nossa terra. Esta migracão está bem documentada nos livros de registros paroquiais. Aí
aparecem todos aqueles apelidos comuns aos judeus da região. São numerosos os Fonsêcas, Henriques, Rêgos, Pinto, Nunes, Mesquita,
Rosa, Antunes etc., sobrenomes tipicamente do povo da raça proscrita. O primeiro desses grupos familiares, os Fonsêcas, foi o mais
numeroso. Residiam na Paraíba em engenhos de açúcar próximos a atual capital. Possuíam recursos e eram muito aparentados com outros
grupos marranos. Foi o que mais sofreu com a Inquisição.
Em base nos documentos já divulgados desde a século passado por Varnhagen, e ultimamente retomados por muitos pesquisadores
patrícios, e também estrangeiros, sabe-se que desde 1729 começaram a sofrer os vexames da perseguição do Santo Ofício. Não é de estranhar
que tenham sido os primeiros a procurar abrigos noutras terras. Alguns, puderam assim proceder; outros, foram agarrados antes de poder
tomar qualquer atitude ou recorrer a abrigo seguro nas casas de parentes tidos por cristãos velhos.
Através dos registros de casamentos e batizados pude identificar a vinda para Aquiráz, de uma filha do casal
mais inexoravelmente atormentado pelos “familiares” inquisitoriais. Charmava-se Josefa Maria dos Reis. Nome
disfarçado de uma Fonsêca Rêgo, cristã nova pelos 4 costados. Era filha de Manuel Henriques Fonsêca e de
Joana Rêgo. Vale a pena contar a história deste casal. No “Auto de Fé” de 17 de junho de 1731, em Lisboa,
aparece o pai de Josefa qualificando-se como cristão novo, de 53 anos de idade, lavrador de canas, natural do
Engenho Inhobim e morador no Riacho do Meio, distrito da cidade da Paraíba, no Bispado de Pernambuco.
(Rev. Inst. Hist. Bras. Tomo 7 (1845)). Foi comprovada a sua culpa; judaizava. Foi condenado a cárcere e hábito
perpétuo. E também perda de todos os seus bens. (Os marranos brasileiros, Isaac Izeckson, 195). É provavel que
jamais tenha voltado ao Brasil. Sua mulher, Joana do Rêgo o acompanhou no infortúnio. Presa na Paraíba, foi
levada para Lisboa, figurando no mesmo Auto de Fé. Também natural da Paraiba, jamais voltou a sua terra.
Hábito e cárcere perpétuo. Este hábito significava que pelo resto da vida teria que usar um “sambenito”, isto é,
uma espécie de avental amarelo com a estrela de David na frente. O aparecimento em público de uma pessoa
com este vestuário era motivo pare escárnio e manifestações de insultos e, às vezes de violência por parte da
multidão enfurecida, sobretudo, após uma simples manifestação das forças da natureza, como tufões, sismos, etc.
A eles era atribuída a fúria divina.
Pois, deste casal, era filha Josefa, que casou em Aquiráz a 22 de novembro de 1735. Ofereceu ao Padre ou sacristão que documentou o
sacramento, a sua filiação e naturalidade. Devia estar muito segura de sí. Segurança que poderia ser motivada por sua total adesão a Fé
católica ou por gozar de proteção especial de parentes influentes na nova terra de sua adoção. Os pais são dados como já falecidos. O noivo
Antônio de Freitas Coutinho, natural de Sergipe d’El Rey, é fllho de Pedro de Freitas Faleiro e Margarida de Brito Coutinho. Este último
apelido é tipicamente judeu. E os Fonsêca Rêgo tinham já outras ligações com esta família de cristãos novos. Os padrinhos foram o Tenente
Cel. José Correia Peralta e o Sarg.-mor Manuel de Brito. Presumo ser este o protetor de Josefa. Os Britos do Ceará eram cristãos novos. Em
documentos antigos eles são taxados de mouros, mas, isto é apenas uma incompreensão muito corrente na época, em que não se distinguia o
árabe do judeu; ambos eram inimigos da fé. O primeiro aparecimento do nome de Josefa em documento eclesiástico foi em Aquiráz, a 20 de
julho de 1734, quando ela foi madrinha de um escravo de Manuel de Brito. O casal não teve filhos; apenas adotou uma criança chamada
Joaquim, que teve por padrinho Luis Ribeiro Monção. Antônio de Freitas Coutinho teve vida ativa, sobretudo após 1746 quando passou a
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figurar na lista dos ocupantes de cargos públicos: alcaide, carcereiro e, mais demoradamente, “tesoureiro do cofre dos órfãos”. Nesta função,
sucedeu ao protetor Manuel de Brito. Num certo período ele desaparece da cena pública. Coincide isto, com a nomeação para governador do
Ceará de Francisco da Costa. Costa era sobrinho de Antônio Borges da Fonsêca, familiar do Santo Ofício que teve grande atuacão na
Paraíba na repressão ao surto de judaismo alí ocorrido no segundo decênio do século XVIII. Foi este “familiar”, que verificou e ordenou as
prisões dos hereges. A queixa está bem explícita nas declarações de Antônio da Fonsêca Rêgo.
Na Revista de História n. 98, pág. 359, em documentado trabalho de Anita Novinsky, podemos verificar que Antônio tinha na época de
sua prisão, na Paraíba, 47 anos, isto é em 22 de novembro de 1729. Era lavrador de canas, não possuia bens de raíz, mas arrendava terras a
Baltazar da Rocha e a João Peixoto. No inventário feito na ocasião, declarou possuir diversos bens móveis, animais, escravos, jóias etc.
Lamenta-se também da violência cometida pelos policials que a mando de Antônio Borges da Fonsêca o prenderam. Quebraram toda a louça
de barro de seu uso. Tinha credores diversos e um deles, Francisco Barbosa de Menezes, talvez fosse o deste mesmo nome residente na época,
em Aracati, e tronco da família Bezerra de Menezes naquela região. Entre as seus sobrinhos citados, está o nome de Miguel Henriques, que
faz lembrar a seu homônimo. Miguel Henriques Fonsêca que teve, em Portugal, em 1682, um trágico fim: foi queimado vivo, “ouvindo o
crepitar das próprias carnes e os uivos do populacho que o apedrejava” (Lucio de Azevedo, História dos cristãos novos portugueses, 323).
Miguel, que era advogado, não abjurou de sua fé tradicional e arraigada. Antes de ir para a fogueira, entregou ao juiz uma declaração
afirmando que voltaria, daí por diante, a assinar o seu nome na maneira hebráica original, isto é: Misael Hisneque de Fungoça. Aí a origem
do apelido dessa família.
Voltando ao casal pai de Josefa. Tiveram outros filhos. Três deles, pelo menos, tiveram contas a ajustar com a lnquisição: José da
Fonsêca Rêgo, Dionísia da Fonsêca e Izabel da Fonsêca Rêgo.
Estes 3 irmãos de Josefa estavam presentes no Auto de Fé de Lisboa realizado a 6 de julho de 1732. Certamente, a prisão havia ocorrido 2
ou 3 anos antes, motivada por denúncias dos próprios pais e de mais uma outra testemunha. Era condição exigida pelos inquisidores: duas
testemunhas, duas denúncias. José, tinha 31 anos, era solteiro e já vivia muito dentro do sertão, nas Piranhas, próximo às lindes com o
Ceará. Izabel, de 26 anos, já era viúva de Antônio Nunes e Dionísia, a mais convicta na religião de Moisés, tinha apenas 24. Muitos outros
parentes estavam também em Lisboa, presos e passando pelas maiores agruras, na incerteza de seus destinos. Neste Auto, somaram 17, todos
da cidade da Paraíba. José morreu no cárcere e suas duas irmãs foram condenadas a cárcere e hábito perpétuo, tal como seus pais. Dionísia
foi renitente. Mesmo nas garras do Santo Ofício, continuou a judaizar, voltando ao banco de réus no auto de Fé de 18 de outubro de 1739 e
mais uma vez condenada a prisão perpétua e sambenito. E extranhavel ter escapado da fogueira num Auto onde foi condenado a esta pena,
por renitência um seu contraparente, o célebre Antônio José da Silva, filho de Lourença Coutinho.
Em que consistiam estes delitos tão graves que levavam estes infelizes a sacrificarem
suas vidas, tendo uma morte infame e, muito pior ainda, muitas vezes, aqueles que não
eram queimados e deveriam suportar pelo resto da existência as masmorras infectas, os
trabalhos forçados, o degrêdo para terras inóspitas? Unicamente a fato de judaizarem;
isto é, de, no recôndito de seus lares, praticarem cerimônias rituais milenares, jejuando
nos grandes dias, deixando de trabalhar aos sábados, ou, algumas vezes, por um
descuido, fazendo transparecer opiniões pessoais a respeito do conceito em que tinham
os sacramentos ou atos da Religião oficial. Ainda hoje perduram, sem que ninguém se
aperceba disto, no nosso dia a dia, hábitos e costumes que no passado eram vedados aos
católicos. Por exemplo, o resguardo de 40 dias é prática tipicamente israelita: certos
cuidados com os cadáveres antes do sepultamento, a troca de roupas limpas nos
sábados, a uso da lamparina, tão comum no interior. Muito esmiuçado pelos
inquisitores eram os hábitos alimentares. A maneira de tratar a carne e a escolha desta
ainda perduram em muitas famílias. É claro, que atualmente estas pessoas são
incapazes de explicar esta ou aquela preferência por determinado peixe ou por particular tratamento que recebem os alimentos em suas
cozinhas. Nos séculos das perseguições, sabiam. Sabiam, mas, diante dos inquisidores faziam-se de inocentes. É muito divulgado nos livros
que tratam do assunto, as confissões das filhas de Branca Dias, em Olinda. Diogo Fernandes e Branca fundaram uma Sinagoga em
Camaragibe e lá reuniam frequentemente os criptojudeus da região. Muitos cearenses descendem deste casal, sobretudo, comprovadamente,
os provenientes de Agostinho de Holanda, um dos filhos do fundador da família, Arnau de Holanda. Agostinho era casado com uma neta de
Branca Dias, Maria de Paiva. Apesar de toda a prosápia da família naqueles recuados tempos, este sobrinho neto do Papa Adriano VI foi
chamado para dar explicações de certos hábitos alimentares de sua mulher que ali já procurara se justificar alegando idiossincrasias,
repugnancias e males do estômago. Milhares de atuais cearenses são 8º, 9º e 10º netos de Maria de Paiva, que pelo exposto devia estar muito
impregnada da fé de seus avós, judeus convictos, renitentes escapos da fogueira pela extemporaneidade da visita de Heitor Furtado de
Mendonça. Pelas monitorias da Inquisição, nestes casos de pertinácia e de resistência por parte dos cristãos novos de praticarem a fé católica,
os descendentes destes casais, até a 10ª geração, eram execrados, vilipendiados e sujeitos a outros vexames. Pombal se encarregou de cortar
este cordão umbilical.
Voltando ao casal de Aquiráz, Antônio de Freitas Coutinho e Josefa Maria dos Reis. Josefa, unicamente naquele batizado de um escravo
de seu protetor teve seu nome anotado nos livros paroquiais. Antônio aparece uma única vez, também, testemunhando um casamento. Na
capela do Forte, em 5 de agosto de 1761 presenciou o enlace de um filho de Paschoal Nunes Pereira. É bem estranhavel esta ausência aos
atos religiosos de apadrinhamento, sobretudo num casal de bastante projeção no incipiente meio social, onde ele por diversas vezes ocupou
cargos por eleição de seus coetâneos.
Antônio faleceu pouco depois desta última data, pois, sua viúva, a 9 de julho de 1764 casava segunda vez com o recém viúvo Jacinto
Coelho Frazão. Josefa teria cerca de 50 anos e Jacinto mais do que isto e fôra casado com Maria Lopes Leitão, irmã de Francisco de Brito
Pereira. Lopes, Brito e Pereira são nomes usuais entre os “da nação”.
Judaizaram também no Ceará? Não podemos afirmar. Algum dia pode ser, tal como aconteceu agora no Pará, o “Livro” do Ceará
aparecerá, se é que a Inquisição tenha andado por aqui, o que é pouco provável. E aí conheceremos os seus nomes e as suas convicções
religiosas. Por ora, resta-nos levar nossas conjecturas até aquela Casa Grande nas proximidades de Baturité e chegar até o copiar, onde uma
senhora de idade revive a sua triste mocidade na Paraíba. Em suas lembranças e em seus sonhos estarão presentes as cenas cruciantes da
prisão de seus pais e irmãos e as noticias inseguras, por algum correligionário, dos Autos de Fé em Lisboa.
Os confitentes e denunciantes que compareciam à mesa inquisitorial eram obrigados a assinar um papel obrigando-se a jamais revelar o
que se passasse durante os interrogatórios. Apenas o que se tornava público eram as procissões para a Praça onde deveria ocorrer a
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publicação das sentenças e o cumprimento da pena, nas fogueiras previamente preparadas.
Nessas ocasiões apenas era dado encontrarem-se aqueles que durante anos permaneciam nas masmorras vigiados dia e noite. Muitas
vezes para um último olhar, uma despedida cruel. Nestas circunstâncias estiveram parentes próximos de Josefa: Antônio da Fonsêca Rêgo e
Maria Valença, ambos queimados em praça pública. Seus pais, uma vez, juntamente com os 3 filhos, para receberem a sentença de cárcere
perpétuo. O casal de velhos e o filho homem, suportaram pouco tempo; morreram na prisão. Dionísia voltou a um 2º Auto, por relapsia.
Tudo leva a crer que Josefa tinha certa inclinacão pela observância da Lei mosáica. O seu 2º marido, um Frazão, teve ascendentes
inteiramente integrados no judaismo durante a ocupação holandesa. Um deles, Samuel Frazão chegou a ser eleito Rabino da sinagoga
mauricia.
Mais difícil se torna hoje em dia a identificacão destas pessoas, em vista da Carta Régia de 25 de maio de 1773, quando se mandou
proceder uma devassa em todos os livros das Misericórdias, Irmandades, Companhias e Corporações, limpando-os de quaisquer notas
maliciosas que fizessem distinguir cristãos velhos e novos. A lei era dura e foi cumprida, fazendo desaparecer para sempre as preciosas
informações que nos possibilitariam uma identificação correta e segura dos marranos. Resta-nos, através de antigos genealogistas, e com o
seguimento ordenado, metódico e paciente, acompanhar o desenrolar das múltiplas gerações. O trabalho é penoso, estafante, enfadonho,
mas, compensa, pela alegria de um achado interessante, pelo levantamento de uma cortina que esconde um passado fascinante.
Por Vinícius Barros Leal, médico e historiador. Publicado na Revista do Instituto do Ceará - ANNO LXXXIX - 1975
Foi levada ao teatro e a televisão uma peça de Dias Gomes, em forma de novela, explorando um tema interessante, o suposto inquierito
inquisitorial de uma portuguesa residente no Brasil nos tempos coloniais. Esta história, vista no seu aspecto lendário, já foi aproveitada por
diversos autores brasileiros, geralmente intelectuais paraibanos e pernambucanos, todos eles, como ocorre no caso mais recente,
extrapolando elementos e fatos históricos, reais, cerca de duzentos anos além da data em que efetivamente ocorreram.
Em “Branca Dias dos Apipucos” Pereira de Melo coloca-a na trama da Guerra dos Mascates, em 1710. Em
“Céu dos trópicos”, Olavo Dantas conta outra versão da desdita da marrana rica e possuidora de tal
quantidade de jóias e pratarias que ao ser perseguida, jogou toda a imensa fortuna em um açude das cercanias
do Recife. Acrescentou depois Flávio Guerra a esta história, que as “águas do rio ficaram tão claras e
límpidas como o metal que tragara”. Transformou-se em riacho da Prata o “Lago 2 irmãos”. J. J. de Abreu no
“Livro de Branca Dias”, lançado na Paraíba, em 1905, fornece dados pessoais da heroína de sua novela
afirmando até a data de seu nascimento, em 1734, na capital de seu estado, filha de Simão Dias e Maria Alves
Dias. À fantasia do autor ajunta supostos pronunciamentos de Branca e uma sentença do Santo Ofício
quando, na realidade, aquele tribunal malfadado já se encontava praticamente desativado. Acresce que Pombal já tinha, há dois anos,
expulsado os jesuítas de seu Reino quando aparece o inaciano entregando a vítima ao desumano verdugo.
Mais tarde, em 1922, Carlos Dias Fernandes publica “O algoz de Branca Dias” dando-a como de excepcional beleza delatada ao Santo
Ofício pelo despeito de um franciscano repudiado pela judia.
Todos terminam suas novelas, dramas e romances com Branca ardendo na fogueira lisboeta da Inquisição.
Ainda outro paraibano, Ademar Vidal, volta, anos mais tarde a abordar romanescamente o caso, oferecendo até a data do horrendo
suplício: 20 de março de 1761, na rua do Limoeiro, na capital lusitana.
A história, porém, é outra. A revelação dos documentos da atuação do Santo Ofício no Brasil foi feita graças ao grande empenho de
Capistrano de Abreu, que com sua extraordinária pertinácia conseguiu mandar copiar e divulgar grande parte dos códices pertinentes
guardados na Torre do Tombo.
Através desses importantes documentos ficamos conhecedores da realidade, afastando completamente a lenda e o folclore a respeito de
Branca Dias.
Ela existiu de fato e foi progenitora de muitos cearenses de hoje. Quando o Visitador Heitor Furtado de Mendonça chegou em Olinda em
1553, já, de muito, eram brancos os ossos da principal figura da novelesca história. Casada que fora com Jorge Fernandes, morava o casal
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em um engenho de açúcar, próximo de Olinda, onde, às escondidas, praticavam “judiarias”, isto é, comemoravam as datas sagradas da
religião proscrita, reuniam-se num arremedo de sinagoga e faziam certo proselitismo. A família era grande, composta de oito filhas e dois
filhos. As moças, algumas casaram bem, com cristãos velhos, apesar do estigma que conservavam de seu marranismo milenar.
Inês, a mais velha, foi casada com Baltazar Leitão Cabral, de família ilustre, irmão de Bispo.
Nas denunciações feitas após a publicação do édito e o prazo de 30 dias “da graça” em qualquer um dos
habitantes da Nova Lusitânia poderia, sem maiores riscos acusar, delatar, denegrir a honra e a consideração alheia,
muitos apareceram alí para contar ao Visitador fatos por eles testemunhados ou conhecidos. Algumas das
incriminações feitas a Branca Dias haviam ocorrido há 34 ou mais anos. Joana Fernandes revelou que, com outras
meninas, naqueles tempos distantes, frequentara a casa da judia, uma espécie de escola de artesanato, onde
aprendiam a “coser e lavrar”. Ela e as pequenas companheiras espreitavam as atividades da casa, por trás das
cortinas, por certo, em suas famílias suspeitada da prática da religião mosaica. Nessa ação tinham reparado que
“guardavam o sábado” e que nesses dias vestiam roupas limpas, o que não faziam durante a semana. Nas 6as feiras
havia um afã descomum das negras escravas limpando candeias, lavando louça e o jantar saia mais cedo.
Descobriram até a existência de uma “toura”, prova cabal da prática do judaísmo. Este objeto tão revelador, em forma de rolo, contendo o
Pentatêuco, leitura obrigatória dos daquela grei. Quando Joana falou ao Visitador nos hábitos alimentares da família, tocou no ponto básico
das suspeitas. Os inquisidores nada mais necessitavam para a confirmação do prejulgamento. Eram judeus, continuavam assim, apesar de
batizados, aparentemente contritos, externamente católicos romanos, mas que agora abjuravam também a nova e verdadeira Fé, observando,
às escondidas os ritos desterrados. Mereciam o castigo mais violento como era de praxe a Inquisição proceder na correção desses hereges.
Mas, quanto a Branca Dias, tornava-se difícil a refrega, porquanto ela e o marido já eram defuntos há muitos anos. Ele, revelara a viúva de
Duarte Coelho, afastara o crucifixo que na hora da morte aquela senhora cristamente lhe achegara.
O Santo Ofício tinha uma fórmula para esses casos. Já que eles não poderiam ser queimados em vida o seriam “em estátua”. Uma
escultura de madeira representando a figura do transgressor preparada, e, com toda solenidade queimada em ato público como tal fora a
própria vítima. E não faltava povo suficiente para encher a praça onde esse espetáculo fosse apresentado.
Das filhas de Branca Dias, interessa-nos Inês, progenitora de muitos cearenses, especialmente os descendentes das famílias Holandas e
Linhares de Sobral, Baturité e Cascavel.
Uma moça, Maria de Paiva, filha única do casal Baltazar-Inês, casou com um ilústre varão pernambucano, o Capitão Agostinho de
Holanda Vasconcelos, filho, neto e bisneto de barões e condes do Santo Império e ele próprio, dos da “governança” da terra.
Apesar de todas as honrarias de seu marido, de seu pai e do tio Bispo, não escapou Maria de Paiva das malhas do Santo Ofício. Ela era,
ninguém esquecia, neta de Branca Dias, a judaizante odiada por quanto olindense se dissesse honrado, bom e temente a Deus; e, pelo fato
mesmo, “meia cristã nova” na despótica e escarniante matemática genética inquisitorial.
A 7 de fevereiro de 1594 compareceu à Mesa, perante o Visitador, o lavrador Tomé Dias, enfatizando ser Maria de Paiva neta de Branca.
Notara ele, em certas ocasiões em que frequentara a casa da olindense suspeita, que a mesa onde almoçavam ou jantavam nunca havia prato
algum de peixes ou mariscos dos proibidos aos marranos. Teve a audácia de indagar o motivo de tal recusa e Maria alegava problemas
digestivos. Mas, achava ele que a desculpa era apenas a preocupação de ocultar a prática dos ritos judaicos.
Para se ter uma noção de o quanto chegava o receio de se pensar que um desses fatos chegasse ao conhecimento do Santo Ofício por
outras vias apressavam-se aqueles que conviviam com os suspeitos em delatá-los. Tomé era casado com uma sobrinha de Maria de Paiva e
comensal frequente de sua casa; e, ai dele se o Visitador recebesse denúncia de tal comportamento da tia por pessoas outras se não os da
convivência da cristã nova. E foi muito prudente o sobrinho delator, porque logo mais chegava ao Convento onde “se aposentava” o
Visitador, um francês, mercador, hóspede da véspera de Maria que também notara a indiferença de sua anfitriã para um opíparo prato de
lampréias...
É interessante rememorar tais fatos e, sobretudo, corrigir as deturpações que tem surgido na história de Branca Dias, aquela infortunada
mulher que a incompreensão religiosa do tempo levara a alguns exagerados praticantes da Ordem de São Francisco a representarem-na, em
painél em seu convento, com os pés de cabra para significar sua diabolização.
Desde aquele primeiro ensaio de drama ou de tragédia extrapolado de Pernambuco para a Paraíba e completamente extemporâneo em sua
versão apresentada na Televisão e no teatro brasileiro, vem se perpetuando uma falsidade histórica que nos interessa por ter como principal
protagonista, uma pessoa de quem muitos de nós possuimos parcela de sangue a correr nas veias.
Por Vinícius Barros Leal. Publicado no Jornal O Povo, de Fortaleza, edição de 01/07/1979
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Como era de esperar, bem estabelecidos os batavos, alguns cristãos novos tiraram as máscaras e passaram a frequentar
desembaraçadamente os atos rituais praticados nas Congregações judaicas “Zur Israel” e “Magen Abraham”. De 1648 a 1653 houve uma
pausa nas vicissitudes e perseguições, revelando-se os cripto-judeus, sem hesitação, fervorosos praticantes da ortodoxia mosaica. No Livro
das Atas das duas Congregações do Recife, especialmente a primeira, vêem-se os nomes de muitos daqueles que anos antes da entrada dos
holandeses eram dos que negavam decisivamente o sangue judeu a correr-lhes nas veias.
O documento básico e verdadeiro dos acontecimentos desse tempo é exatamente o livro das atas, publicação que a Biblioteca Nacional
realizou em seus “Anais”, do manuscrito original existente no Arquivo da Comunidade judaico-portuguesa de Amsterdam. No precioso
documento vamos encontrar muitos apelidos ainda correntes nas famílias nordestinas. Numa declaração constante no Livro e assinada por
cento e oitenta e tantas pessoas, dentre eles há Pinheiros, Leões, Coelhos, Dias e Frazões. Durante esse tempo de liberdade religiosa voltaram
aos pre-nomes bíblicos. Assim, na quase duas centenas de firmadores do registro vinte e dois chamam-se Isaac, vinte e cinco Abraão,
dezessete Jacob, vinte e um Moisés, vinte e cinco David, com todas as variantes gráficas desses tradicionais nomes dos da grei israelita. Como
sobrenomes, os mais comuns foram Henriques, repetido sete vezes; Mendes, cinco; Cardoso e Álvares, quatro.
Com a derrota dos invasores tudo isto acabou. Alguns fugiram em tempo para as Antilhas e aí ficaram, continuando nas atividades
ligadas à indústria açucareira, metier em que eram versados; outros, passaram aos domínios ingleses da América e foram pioneiros na região
onde hoje domina Nova Iorque, em gleba comprada e que denominaram Nova Amstedam. Na grande cidade americana ainda são
homenageados e os seus túmulos indicados aos visitantes como os dos fundadores na megalópolis.
Os portugueses que se tornaram judeus foram levados pelos correligionários para a Holanda e lá, com a ajuda dos irmãos de crença se
estabeleceram, muitos prosperando nos mais diferentes negócios, especialmente naqueles em que são mais inclinados: o comércio e indústria
das pedras preciosas, com magnificas oficinas de lapidação. Em Amsterdam existe ainda hoje uma comunidade israelita de descendentes
desses indivíduos, com grandes firmas de exportação e do importação, em plena atividade, ostentando nomes portugueses dos seus titulares,
apesar dos trezentos e tantos anos já decorridos. Entre eles falam um dialeto eivado de expressões seiscentistas, mas bem compreensível pelos
de fala portuguesa.
Como tem acontecido em todos os momentos e lugares onde duas forças antagônicas se
encontram, sempre existem judeus em ambos os lados. O fato tem servido até para pilhérias
jocosas. O mesmo aconteceu durante o domínio holandês no Brasil. Enquanto temerariamente
aderiam aos invasores aqui, outros em Portugal, ajudam a expulsar do Brasil o holandês
compreensivo e tolerante, com os parentes e correligionários. Em Lisboa no início do reinado
bragantino os marranos se prontificaram a ajudar a Coroa por todos os meios possíveis em troca
de certas vantagens. O Santo Ofício estorvou o plano apesar das graças e eloquência do Padre
Vieira. No entanto, concorreram para a formação da Companhia Geral do Comércio que tanto fez
no bloqueio do Recife e na cobertura das forças que avançavam pelo sertão. Francisco Barreto,
Mestre de Campo, cumpriu a artigo 7o das condições estipuladas, que “os portugueses de nação
hebreu que permanecessem na cidade saíssem sem ser molestados”. Eram poucos agora, porém,
esses mesmos, com os seus cabedais, tiveram permissão para sair ilesos.
Nenhum daqueles que aderiram ao judaismo militante, creio, permaneceu em Pernambuco. A onda entusiástica do nativismo e de
vangloria pela tremenda vitória, quase sem a ajuda de fora, não permitiu aceitar qualquer desses indivíduos que passara escandalosamente
para o inimígo, e ainda mais, adotando a reliqião repugnada. No entanto, muitos dos seus descendentes e colaterais aí eram moradores e
contiruaram a viver no solo nordestino, mantendo o elo que os ligavam aos antigos troncos. E estes são os ascendentes de muitas famílias
hodiernas da região.
O Ceará, por ser ainda terra inculta, desconhecida e inóspita, recebeu, pelo fato mesmo, regular contingente de marranos antes, durante e
depois do conflito. Para aqui emigraram os perseguidos dos tempos imediatamente posteriores à derrota holandesa. Vieram, com estágio na
Paraíba e Rio Grande do Norte. O maior contingente veio quando reacendeu-se a perseguição, nos anos de 1729 a 33. Famílias marranas
que viviam quietamente em três engenhos próximos à Capital paraibana foram surpreendidas pela visita inesperada do Santo Ofício, na
pessoa de seu Familiar, o Capitão Antônio Borges da Fonseca. Oito casais foram presos e enviados para a Inquisição de Lisboa e talvez
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jamais tenham voltado, nem os seus filhos readiquirido os bens confiscados. Aterrados, filhos, netos, noras e genros procuraram as nossas
plagas onde se fixaram. Já encontrei e dei publicidade na Revista do Instituto o registro de casamento de uma filha do casal mais atingido:
Manuel Henriques da Fonseca e sua mulher Joana Rego.
Por Vinícius Barros Leal. Publicado no Jornal O Povo, de Fortaleza, edição de 25/03/1981
Os Cristãos Novos
Varridos os árabes do solo espanhol, restou a comunidade judaica como único grupo religioso e cultural distinto e divergente da maioria
da polulação católica da penínsila ibérica. Todas as outras minorias étnicas formadoras da nação já haviam sido aglutinadas. Os judeus
representavam uma excessão.
Argutos e engenhosos sutilmente haviam conquistado uma posição de relevo na sociedade, muitos elevados às mais altas dignidades. O
próprio rei servia-se da competência de médicos, legisladores, economistas e astrônomos seguidores da Lei Mosaica.
O povo, movido por extraordinária força de fingida hipocrisia e animados pelos sucessos das batalhas travadas na explulsão do intruso
mulçumano, não queria parar com as vitórias já alcançadas. Exigia o aniquilamento dos renegados traidores de Cristo. O rei cedeu à pressão
e, através de negociações longamente parlamentadas conseguiu das autoridades romanas os Breves e Rescritos papais de esconjuração dos
rejeitados frequentadores das sinagogas.
Muitos anos mais tarde Portugal também foi obrigado a aceitar a ação do terrível tribunal em suas terras.
D. Manuel, para casar com uma princesa espanhola foi obrigado a consentir na explulsão dos judeus de seu
reino como condição contratual. Protelou, no entanto, remanchou, “fez cera” na linguagem popular de hoje.
Não lhe agradava a perfídia. Tinha amigos entre os marranos e bem sabia quanto a sua pátria lhes devia em
ajudas financeiras nas aperturas, no favorecimento da incipiente indústria, no aprimoramento cultural e,
sobretudo, o grande capital de inteligências superiores que representavam, muitos deles dedicados à
Matemática, à Astronomia e à Medicina. Estes últimos eram setores basilares da segurança e prosperidade da
nação lusa.
O rei português não participava também do ódio ao judeu na mesma intensidade da desafeição de seus súditos para com eles. Estudou
uma maneira mais suave de solucionar o grande problema e com muita cautela, ouvindo conselheiros e ministros, colocou os indesejáveis
hereges frente a um dilema: o exílio ou o batismo; não havia outra opção. A maior parte preferiu procurar abrigo noutras reinos mais
tolerantes. A população judaica de Portugal chegava a um total que representava um terço dos habitantes do país; eram trezentos mil em um
milhão.
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Há anos que clandestina ou oficialmente cruzavam a fronteira portuguesa ou entravam em seus portos milhares de perseguidos pela
Inquisição espanhola. Outros monarcas lusitanos tinham estabelecido taxas para o ingresso cobradas nas passagens fronteiriças para isto
destinadas, onde, além do que exigiam os cofres reais, a violência, a cobiça e a desonestidade dos funcionários extorquia a última moeda ou
jóia do infeliz acossado. Muitos chegavam na mais extrema miséria e passavem a receber a ajuda oculta dos tesouros secretos dos
correligionários solidários. A emigração forçada era contínua dia e noite, as estradas e portos cheios de indivíduos na mais deplorável
situação, carregando trastes, arrastando velhos, crianças e doentes na ânsia de encontrar um porto seguro, longe dos celerados
perseguidores.
O Rei, apesar de querer demonstrar certa piedade pelos judeus, paradoxalmente tomou outra medida, esta
classificada pelo bispo D. Jerônimo de “injusta e iníqua”. Mandou que se obstasse a saída das crianças judias
que deveriam ser doutrinadas no catecismo católico.
Eram de esperar as cenas mais dramáticas e pungentes diante de tal desacerto. Famílias que não poderiam
permanecer no país, mas obrigadas a uma separação desumana viam seus filhos violentamente arrancados
dos braços das próprias mães. Os suicídios foram sem conta; poços encheram-se de cadáveres.
Tanta intolerância repugnava os mais duros corações. Mas a palavra do Rei estava comprometida. Tinha
que se fazer assim. Diante de tal situação, não havia outro remédio para os que queriam se safar de tanto
sofrimento senão levar os inocentes filhinhos à pia batismal para receberem o sacramento em que não
acreditavam. Era a única maneira de salvar-lhe a vida, no entanto. Assim, milhares de judeus tornaram-se cristãos. Os mais esclarecidos
religiosos da época entendiam ser o procedimento anti-cristão, cruel e reprovável , mas ninguém tinha coragem de tomar uma posição de
defesa, por poder ser interpretada como um ato de desacato ao mais intransigente dos Tribunais, o chamado Santo Ofício.
A vontade do Rei estava totalmente mobilizada para atender às exigências dos pais de sua noiva que em repetidas cartas exigiam esses
martírios provocadores de tão tristes lágrimas.
Nascia assim uma nova comunidade de indivíduos, a dos sacrificados judeus obrigados a demonstrar uma crença absolutamente estranha
sem qualquer possibilidade de opção. Eram os cristãos novos.
Por Vinícius Barros Leal. Publicado no Jornal O Povo, de Fortaleza, edição de 27/12/1980
BENMIARA - Moysés Benmiara. Casado com Rachel Benmiara, pais de Letícia. Nascido em 1866 em Sobral, tendo mais irmãos (Lira,
Judeus em Sobral, p. 70).
GRADWOHL - Samuel Gradwohl. (Samuel Ben Mordechai). Do livro Sepulturas de Israelitas II (de Egon e Frieda Wolff, pag 189), escrito o
seguinte: “Cemitério São José, Sobral, Ceará” (N. B. Cinco linhas em hebraico cuja tradução se encontra à direita): “Aqui foi enterrado um
homem honesto e puro, Samuel Ben Mordechai. Faleceu em 29 de heshvan 5661. Sua alma goza de glória”. Mais embaixo escreveu: Samuel
Gradwohl, falecido aos 79 anos, 29-11-1911”. (Informação do Padre João Mendes Lira).
GRADWOHL - Frères Gradwohl. Importadora e exportadora em Fortaleza, à rua Major Facundo, 102 (Al. C. 1895, p. 51; 1898, pp. 97, 99).
LEVY - Benoit Levy. Em 1872 chegou ao Rio, de Bordéus e esc. (DR, 16-1), seguindo para Santos (DR, 11-3). Negociante em Fortaleza em
1873 (Al. CE. 1973, p 119). Depois era sócio de Benoit LEVY & DREYFUS, na mesma cidade (Al. CE. 1900, p 93). Sócio do comitê da
Alliance Israélite Universalle de Pernambuco, em 1877, constando como residência a cidade de Aracati (AIU, 1877, p 97). Benoit Levy &
Dreyfus, estabelecida em Fortaleza em 1900; sócios BENOIT LEVY e SIMON LEVY (Al. CE. 1900, p. 93).
LEVY - Edmond Levy. Francês, estabelecido no Ceará. De Bordéus e esc. (JC, 8-11-1897). Requerimento no Ministério da Fazenda contra
multa imposta na Alfândega do Ceará em 1898 (JC, 15-9). Pediu indenização no valor de 5 caixas de conhaque inutilizados pela mesma
Alfândega em 1899 (JC, 22-11). Sócio de J. WEILL & C., Fortaleza, em 1900 (Al. CE 1900, p. 95) e sócio titular de Edmond LEVY e C. (Ibid,
p. 94). Duas viagens para o sul (JB, 28-2-1899 e 1-5-1903) e para Manaus e esc. (JC, 29-10-1904).
LEVY - Heyman Levy. Francês, de Havre (DR, 6-8-1858). Em 1867, residindo no Ceará, tornou-se sócio da Alliance Israélite Universelle
(Inf. Do Embaixador Zvi Loker) contribuindo, no Rio, com 25 francos (AIU, 1867, p. 75) e, em 1868, no Recife, com 20 francos (Ibid. 1868,
p. 81).
LEVY - Natali Levy. Sócio do Comitê da Alliance Israélite Universelle de Pernambuco, em 1877, constando como endereço Aracati (AIU,
1877, p. 97).
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LEVY - Simon Levy. Sócio de Benoit LEVY & DREYFUS, em Fortaleza (Al. CE., 1900, p.93).
LEVY - Levy Frères. “Ao Farol da Bastilha”, estabelecida à rua Formosa, 52, em Fortaleza (Al. FORTALEZA 1895, p. 31; 1898, p 98.
LION - Abraham Lion. Sócio da Alliance Israélite Universelle de Pernambuco residindo em Aracati (AIU, 1878, p.93).
NETTER - Leon Netter. Francês; para Ceará (DR, 6-8-1865); de Bordéus (DR, 20-11-1866); para a Bahia (DR, 24-3-1867); de Buenos Aires
por Santos (DR, 26-2-1869); do norte (DR, 2-3-1869); para Rio Grande (DR, 6-6-1869).
NETTER - Max Netter. De Bordéus e esq. (DR, 20-4-1862); para Ceará (DR, 6-8-1865).
WEIL - Jacques Weil (Weyl). Francês; de Havre (DR, 18-1-1855); do norte (DR,20-5-18700. Negociante em Fortaleza (Al. CE. 1873, p. 119).
WEILL - Weill J(acques). Sócio de Jacques WEILL & C., loja de modas em Fortaleza (Al. F., 1895, p. 52) e de J. WEILL & C., a partir de
1896 (Al. CE., p. 101; 1900 p. 95). Jacques Weill & C.) Firma à rua Major Facundo 70, Fortaleza; Sócios: J. WEILL e EDMUND LEVY (Al.
CE, 1896. P. 101; 1900, p. 95). O jornal de Sobral, Ceará, “A Cidade”, mencionou, a 21-9-1901, a presença em Sobral de um representante da
firma oferecendo jóias de ouro e brilhantes, com exposição na loja de Bruno F. De Albuquerque (Carta do Pe. João Lira no J. I. De 20-7-
1981).
WEILL – Samuel Weill. Casado, natural da Alsácia. Sepultado no Cemitério São José, em Sobral, no dia 29-10-1901. Faleceu de congestão
na idade de setenta e nove anos. (Pe. João Lira, 1988).
Abreviaturas
Fontes:
Dicionário Biográfico II – Judeus no Brasil – Século XIX – Egon e Frieda Wolff – 1987
A presença dos Judeus em Sobral e Circunvizinhanças e a Dinamização da Economia Sobralense em Função do Capital Judaico – Padre
João Mendes Lira - Rio de Janeiro - 1988
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Adriano Barros Leal
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