FERRY - Luc-Kant Uma Leitura Das Três Críticas PDF
FERRY - Luc-Kant Uma Leitura Das Três Críticas PDF
FERRY - Luc-Kant Uma Leitura Das Três Críticas PDF
Editoração: DFL
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CAPITULO lll
llá tl;m r..on:r.eito que simboliza mais e mellior do que todos os outros o
roo,1JnentopeJo q.>al a filosofia kantis'-'1 inverte a relação do furito com o
Infinito, a relaçlo do homem com Deus, eque já vimos em prAtica no cen
tro das duas pTimeiras C.rJt:ica.s. Esse conceitO é a "estética.". Embora
grego por sua etimologia (aisthesis • sensaçoo), ele possui uma significa t
das relações entre humanidade e divindade e que carocteri2a:r!i n~o apc Podes. segundo tua escolha, oo:osidera:r: o exemplo dos pintores, dos
ll!IS a filosofia kantista, mas, de maneira mais geral, toda a atmosfera das arquitetqs., dos consl'n\tort$ dt: barcos. de todos os outros profissionais ( ...]1
'' "I.uzes". Nessas condições, mo é de snl'prcenderofato de que a primeita cada um d-elea se propõe certa ordem (cosmos) quando coloca etn seu devi·
"Estética" - a primeira obra a trazer ~licitamente esse titulo - surge do lugar cada coisa que tem a ordenar, e obriga mna a ser o que convém à
apeMs em 1750. 1'rata-ac da Aestiletica do filósofo alcmllo Alexander outra. a se ajustar a ela até que o conjunto contrtitua uma obra que :re.ilite
Baumgarten. Como sempré ocorre na ltistória das ideiois, o surgi:Jnento de uma ordem e um mTanjo.
um conceito novo, sobretudo se promete perdurar, não é insignificante e
merece ser analisado por ll1l:\ instante antes de adentrarmos no ce:rne da
Em tal conte,1o, a obra possuia certa "objetividade", exprimia menos
terceira Ori.ti.ca.
a Jnspiraç~o sobjetiva do arquiteto ou do escultor <lo que a ordem cósmi
CA que ele apreendia na qul\l\dade de modesto intercessol· ent.rc os
homens c os deuses. Tanto o percebemos que, no fundo, pouco nos
A dupla revolução da estéfiC;J, o génio eo gosto
impor1n conhecer a identidade do autor desta estátua ou daquele baixo
relevo antigo. Tampouco passaria por nossa cabeça procurar o nome de
O nasr.ilneuto da estética e, por conseguinte, o fato de dedicarmos
uru artista atrás dos gatos de bronze q11e podemos admirar llaS salas de
IJJ.tla disciplina especial aoestudo da sensibilidade como tal, em vez de
egiptologia, o essencial é que se tratáva de um animal sagrado, que en.car
considerã-la secundária, é incompreensível se não a restabelecermos
nava stmbolos cósmicos ou religiosos que tràJ1Sce·o diama humanidade e
cont base numa <lupla perturbação intervinda na ordem da arte, pertu:r
que era rransfigurado como tal no espaço da orle.
baçilo essa paralela àquela que vimos em prlitica 1la revolução cienti:fiCA.
na q\1al a primeira Critica se inspira\..~. Provavelmente se !ará a objeção de que havia .. autores" nas civi}b.ações
,' I' Comecemos coro a parte do autor. Nas civilizações do passado. as pré~democrliti cas.Aiguns deles, como o famoso Zêuxisde qucfala Plat~o.
chegaram a dei'XArum nome. 'rodaviâ:, n.o seio de suaprópriaciviliz.aç!lo.
' obras de arte cumpriam l>.tna funçllo sagrada. Aind• no seio da Anti
guidade grega, para evocar uma tradiçlo no entanto próxima da nossa, não eram percebidos como ..g~nios••, se por esse termo entende:rroo&o
elas tinham }>Or missão refl~tú· a ordem cós.m.ica exterr'l}l. e superior aos que ele irli designar a partir do século XVIII, criad.ores c:x nlhilo, demiur
homens. Eram oo.mo um "pequeno mundo" que supostamente represen gos humanos, capazes de encontrar neles próprios todas as fontes e todos
tava, em escala reduzida, as pl'opriedades harmoniosas do grande todo os recursos de sua inspiração. O artista antigo era mais um intercessor
cósmico. E é dal<rue extraiam sua grandeza imponente, sua capacidade de entte o mu.ndo humano e o un)veno dos de\tSes. entre os indivicluos e o
se impor efetivamente aos indiv:fduos que as :recebiam como elementos cosmos- do que um verdadeiro denúttrgo. Por conseguinte, entendemos
viudos de fora. Jlm Platão, que em muitos aspectos era o mais • modemo" como a elCigência de inovaçÃo e de Ol·igioali.dade radicais que se alia à eon-_.,
dos antigos, o llelo nUllca se d.e fini.t pura e simplesmente em tennos de cepção moder na do autor é inseparãvel da ideologia da tlibua rasa que se
criação subjetiva, nem mesmo em função do efeito que podia prodU'âr em exprime jã etn Descar tes. O belo não deve se>· descoberto, como se já
outra sensibilidade particular. Aideia do Belo estava maJs associada à de preexistisse no mundo objetivo, mas criado. i.nveJJtado, e ·cada momento
~ma ordem objetiva, em que reinavam "a medida e a proporção" (Filebo). de renovação deve encontrar, a partir de enUo, seu lugat no seio de 'O:O:IIt
E nesse sentido, por exemplo, que Sócrates intexpcla Górgias no diálogo história d.a arte, cuja encarnação iostitucionallogo será oferecida pelo
que leva o nome do famoso sofista' museu.
LUC FERRY ~ Kant Crltica da faculdade de julgar
A em~ m~t>ç3odo lado do autor, que separa tilonitidamenteo mundo ,..,dem>< o dos critérloe do gosto. VoltAremO$ o encontrá-lo no ceme d•
moderno do antigo, reeponde. do lado do espectador, o surgimento da Cólica d• faculd:Jdo dejufFe, sobretudo, do distinção radical 'l"e eb.
noçso de goeto. Ao que parece, o termo aparece pela primeira vet e111 mstaur> eoUe ovudadelro, o belo e o ogradivel. O verdadeiro e o agradável
GraciAn- pelo menos entendido em seu •entido figurado -para designar se opOt•n diamclto\meotA: um ao outro em matérl> de critérios. Com efeito,
I a capacidade subjetiva de distinguir o oonveniente do inconveniente. 0 pelo menos em alguns cosos. podemo& di&t!nguir com certeu o verdadeiro
f belo do feio. Slgnllic.' diter 'l"•· diferentemente do que acontecia entre
I' do falso (pela dernonstraçllo em materuAtica ou pela experimentaçlo nas
os antJsos, o belo nlo dealgna mais uma qualidade ou um conjunto de ç~enciosnotunia), enqu•oto o ngndlvcl t eeontinnartseodo, pan sempre,
propriedades que pertencem de maneiro intrfllkco às obras de arte. puramente subjeti'IO' quem se a~reveria a"demonstrar" • um de seus con
Conforme lnalstem os primeiros tratados de estética, o belo é apenas ,.;mqueesteerraaonlogosw-deowuoodegdonocafé? Emcontrapar
subjetivo. realde essencialmente no que ognda nosso gosto, nossa &cnsi tida. o coso do belo é muito malsoompleJO, poisaseo respeitodÍ$CIItimos
bilidade (oi&tbc&$). É o 'I" e, por exemplo, ressaltA Crou-em seu Traité como se pudéasemos "quase" demons1nr que uma obro é bela ou nlio,
du Buu (17•s>• "Quando se pergunta o que é o Belo, USo se preu:nde falar porém com a ooo&cleocla de que evidente11>ente, em última instância. é
de um objeto que exi•te fora de nós e que é separado de todos os outros, impolll!lveli'O*>Iver o debate. 0.: reoto, t essa ambiguid>de do belo que lhe
como quando se pergunta o que é um ea>'llo o~ o 'l"e é uma ãrvore [...]." confere seu Cllcaoto, tela '!"• nos leva a f.Jar dele na vida cotidiana com
Montesqulw nlo dit oad> diferente em seu famoso Ensaio sobre 0 muito maisvigor - pr<mdiaao é• Yiolencia de certas querelas estéticas
gosto. do que de um teorema de Osica ou de wna divergencia de gosto culinólrio.
Voltaremos a esse as.su.uto em detalhe$ ao examinar como Kaot propGe
Slo cases difenn1ea prateres de nossa alma que fo.rmamos objetoSc do resolver essa .. antinom5a .. do julgunento est.~tico. que uma fórmula de
goslo, como o belo [...]. Oa a.ntigoa nn.o tinham esclarecido isso muito .bem. Nietz.schc rca.um irf• multo btUII '"Castos c cores nAo se discutem... E. no
Olhavam como quaUdadcs positivas todas as qualidades relativas de nossa cn!Jinto, n$o se fn• 01Jtrn coisnl"
alma [... ). Portanto, as fontes do Belo, do Bom, do Agradável estão em nO•
Por enqu aút0 1 ~ 8Uíit~1ente J10lllf QliC essa qucat5o dos critérios está
mcemoe1 c buacnr sun& n1.z0e~ signi fic:t huscu as c.\usas do.a prneres de
noesalll.mu. d.ireto.meute .ligada oo aurgimento d11 subjetividade moderna ou, o que
equjv:tlcao IU'CSillO, Ci''e ell\éoresulbldoduruptura ooro.ummundo:mtigo,
Sendo nssim, pnra os pn is f1tudadores da estêtica. a consciência no seio do qual • objeúvidude do belo, definido como uma espécie de
de uma ruptura com o Antiguidade é )>etfeitamente clar a. Por certo, "raicrocosm!>s" à imagem do fl''•ude todo cósmico, Ilno deixava dúvidas.
a opinllo segundo A IJUal o artista deve procurar • harmonia certamente Compreendemos perfeitamente por que, se o belo é subjetivo, se é. camo
Jltio desaparece - peJo menos nfto jmediatn:nentc -na estética nascente. se di-Z, '\p.tc.st.Ao de gosto'" e de se.nsi.bíl idude, e não mais de harmonia com
Em controp:o;lido, e nisso está " verdadeira ruptura, a harmonia noo é a natureza objetiva, como explicar a existência de consenso em torno do
mais emprestada de \llllll ordem traoscendentc. externa e .superior ao
que eh•m:unos de "grundea obrru(? Como compreender que, contra toda
homem. Em Kant, como veremos, ela se totnan\ harmonia das faculdades
s®jetivas ern nós, de m•nc.ira que nlo ~porque o objeto é intrinstt:R expectativa, alguns autores a.e tornam '"clá.ssicos" eauavessam os séculos
mente bolo que ele •GT>d•. mas porque proporeioru certo tipo de praur t>nto qumto as clvilli~s? Com a snbjetivitaçlo da arte. com o nascimen
ligodo mois 11 organiuç4o da subjetividade bu.maD:l e secsfvel do que~ to dopo e do gosto. a antiga moso03 do belo cedC\1 1\.gara wna estética,.
cncun•çRo de um• ordem extéma • nós que o cham:unos de belo. uma teoria dO$ efeitos prodtnldos por cen.. • cria~es• subjetivas sobre
Eis tambétn • n2lo para o surgimento do problems crncial, pratica noosa sensibilidade igu•.lmcntc subjetiva. I! t justamente isso que revela
mente dcseoohecldo dos Mligos, que olo cessar{ de preocupara estética a questlo dos critérios. ou seja. da "dlscutibilldade" do gosto.
LUC FERRY +& Kant Cr(licll df> /f>culdadt d• julgar
'ute ó roui1o forte e amplo. mais atê do que no domlnio das ciênrjas. No ·.~spêcie bUIJl.ar;HJ:, desvelando para nós, à sua malleitB, gfltndes "'tipos
mã'x,h:no. como já observava Hume com ironia. há menos discordância '.'ideais" da humanidade, o hipócrita. o Avaro, o DonJua:n, o hipocond:r!aco
sobte a grandeza de Homero ou de Shakespeare do 'J'>esobre a validade da ... .:.AcadaVC"t10 são as idelas, as "noções comuns'' Wcialmenteapreendidas
tísica de Galilcu ou de Descartes. E, no entanto, estamos no centro da · pela inteligencia que em .seguida são tomadas sensíveis na arte e, desse
subjetividade ma:is i>itensa e declarada. Como isso t possível? Poderia ponto de visia, a questão do• critérios já não cria ncnbttm problema, é
haver critérios ocultos do hdo? :S prov/iye), e é a revelá-los e discuti-lo• belo o que exprime wn.a verdade de rAzão com. vi\'acidade e, por canse
que essa nova Qj~ciplina, a estética, írá. se consa.grar. .· guiDte, de maneira agradável pata todo espfl'ito normalmente cons-
Para nos atermos :~o essencial, podertamos di~e•· que. M final do titttldo.
séc•.>loXVIll, três grandes respostass§o dadas à questAo dos critérios do Uma segunda resposta, que poderfamos cban\ar, no sentido mais
belo. filosófico do termo, de "materialista". desenha-se no empirismo ing1es.
A primeira 6 perfeitamente representada pelo classicismo francês, Ela simplesmente toma o sentido oposto daquela dos clãssicos franceses.
que se concehe em grande parte como 1una herança do racionalismo car.. Poderlamosresulni-Lt da seguinte maneira• a beleza não é absolutamente a
tcaiano. Seu modelo eu cama-se até na caricatura dos primeiros versos <le ilustração de uma ide iaverdadeira, de uma verdade de razão, mas. ao con
Arepoérique. em 'l''e Boileau r essalta a racionalidade da obrn de arte. t.rál'io. reside em objetos bastante concretos que, de modo muito mate ...
"Nada além do belo é verdadeiro/só o verdadeiro é apxeciltvellele deve rJa1, de1eita.mnossos órgãos sensoriais. Ncs~a perspectiva. ooJl'lo :resolYe:r
I •
r.e inar em toda parte/e até mesmo na fábula.• O Belo se defu:te entiio como a quest~o do critério do belo? Como explicar q nc algmnas ob t'lls encón
~ : a ihtstraçll.o de uma idcia verdadeira, como a euca rJl3.Ç!io de uma vetdade tram uma adesão quase u.niver8'll ou.. pelo menos. )l•stante geral?
I •
de razão num m:tterinl senóivel. Na medida em que. seg><ndo a célebre A respostapode ser breYe• uma vez que os seres humanos têm pratica
fórmttla de Descartes, "o bom-senso é a coisa mais bem partíll>ada do mente os mesmos órgãos sensori.ai$, o gue agrada a um deve agradar iam
I •
': mundo''. entendemos f-acih:neJlle que. na perspectiva do classicismo. a bêm aos outros, de maneira que n~o bA nenhuma surpresa no fato de o belo
questão doscxitérios d.o belo se torna relativamente fãcil de resolver. se a agradar quase univeJ'salm~te. As três con.sequências dessa tese, expressa
hele-6!-t .reajde .oa. en~e:oaça.o sensível de uma ideia verdadeira e, como tal, com excelência. nos Ensajos estéticos de I·lume, são bastante previsivcis:
eo oount li. hm:n.anidade, ê dificil entender por que nào se uniria a nós. inici~lmente., a arte se aproxima, numa constante c já antiga aoalogi:i, da
Desse modo, a pala"·a de ordem clássica. segundo a qual na arte convém culinária (da "arte culiDária ") .llm seguida. o problema prb:tcipal de tal teo
I' "imitar a. natureza... s\lgere qne a universalidade do bom gosto depende ria. estética lt~o ê mais compreender os consensos. que silo evidentes. mas
li de sua relação com um mundo objetivo, desvelado pela rat-ão. Portaoto, O
gênio ilissico n.'io é tanto aquele que inve<l.lil. m!lll aquele que desve.la e
t>'}llicar as divergúncias de gosto. NesS> óptica. e.''}llicaremos sua ra.zllo por
meio das pe'J'>enas diferenças <IUt afetam os órgnos, que. por sua vez.
I descobre-nesse sentido, a arte adota utividade cieutifica como mode
lo. Nessas condições. pode-se j-uJgar a beleza como • vet·dade. e isso por
pod.em ser saudãveis ou doentes, edttcados ou selvagens, reflnados ou
grosseil'<>s etc. Por fim. como • ciência, a estética é assunto de especialistas,
uma r a<ão bastante compteensive!. a primeira nada mais é do que a daqueles que "slo entendidos•, que treinaram seus órgãos sensoriais.
e.'l'ressão sensível da segunda. É nessa pefSpectiva que Rameau fundará Nada resume melhor essa doutl'ina do <rue a ~ nedota contada por
sua música na ror:. temática. elaborando assim a teoria mais pe:tfeitamen1e Hume num de seus ensaios: dois renomados sommeliers são convidados
racionalista da harmonia. É nesse sentido tamhêm que Moli~.re tentam por um t·ei a provru· o vinho de um t onel Ambos o declaram cxcele)\1e,
"ilustrar" de maneira senslvelalgumas verdades bem sentidas sobre a mas um deles percebe um l eve gosto de f erro. e o outro. de couro.
LUC FERRY .g. Kant Cr{tíca da faculdade de julg.ru
'lbrnam-se motivo de troça e são mandados de volta a sua adega. Por6m, natur<oza.Nela, tudo é • m<•terial", e, no entanto, esse material f~• sentido,
wna vez te1·minado o tonel, descobrc .. se em seu fundo uma peq\tena -so, por si só, inteligivel. Tal é a alqnimi• milagTOsa da arte que -nos
chave ornada com um anel de couro ... Desse modo, ·vemos como, embora a analisá-la, a falar aseu respeito, a discutir sobre ela atê mr.smo com
&:nsualista. Hume pennanecerá ligado à ldcia clássica de uma objetividade paixão ... porem, sem nunca poder chegar à minima prova.
do belo, ainda que "fuodc • essa objetividade não na ta•ão univers.'ll, como Portanto. 6 sobre a báse de um conflito, de mua antinomia que opôe o
os cartesianos, mas na hipótese de uma estruturapsioobiológica comum à , _,.1,-w- de v:ista dos cartesianos e o dos sensualistas, que a Critica da facul·
htunarúdade. A esse respeito. seu ponto de 'ista ainda domina ampb dade de julgar se construirá. Nessas condições, antes de estudar as moda
roente aquele de muitos bjólogos contemporâneos. lidadessegundo a.sqnais ela pxetenderi resolvê-lo. não é;nútil.dJMrmais
Fwttlmente, na Critica dn faculdade dc julgu, Kant I~Wçará as bases a1btOmas palavras sobre a maneira como a. quetela )'ealmente se encarnou,
de uma. concepção do gosto que ultrapassará essa op9siÇão do racionalismo antes de Kant, na bistóTja da estética nascente. Pois, especialmente na
e dOmatcríalismo para fundar. o essencial das teorias do gênio; retomadas Franç.a, ao ponto de vista dos cmpiristM propriamente dito se sobrepori
pelo rom.mtismo. O belo nl!O ê nem o verdadeito, como pens.unos clás 0 dos autores. que, wmo o abade Du llos, teceberão a herança de Pascal,
sicos, ne1n o agradável, como querem os empi.ristas. A prova? Ela~side ou seja, a hleia de que os rmpetos do coração são inefáveis. E essa conota
justamente no fenômeno da·discutihilidade" do gosto, que Ka.nt coloca çjo s~plementax em relaçlo ao empil·ismo de Hume taml>6m e<:rã levada
ráno centro de SUl\ reflexão. Certamente, em maté:ri<\ de gosto, na verd.a.. exn conta por Kaut na terceira Cri.ticn.
de nada 6 demonstrável. o que hasta para wdicax que ele n~o pel:tenee à
esfera da ciência e da \•erdade. Porém, em contrapartida, o que o distin
CJassiciSJ11o e sentimento no séculoXVIn
gue do agradiivel e, por conseguinte, f» com que ele não pertença à arte
• mdiscul:ibilidade do gosto
culinária é que, num paradoxo que toda a estética kantista tentará eluci
dar, podemos discutir a respeito, como se fosse possível - o que não
Oconflito que opoe a estética cU.ssica à do sentimento tem suas raízes
OCO):t:e da mesma rua:n.e.ira na culin~ria - fomect"x argumentos e:m favor
.., n.o século XVU. Entretanto, continua no século XV!ll com uma nuança
ou em detrimento de um julgamento de gosto .
... i.ITlportantc, couforme demonstra a obra do discípulo de Boileau, Charles
Nessa perspectiva, o belo se definirá. como tun imecmediário entre a Batteux. Les llc,u.x-Al'ts réduits .i un m~me príncipe (J746) , a saber, a
narureza e o espírito, entre o inteligível e o sensivel ou.. antes, como uma preocupação de introdu•írna reflexão sobre o Belo a obse.rvvção da expe
espécie de reconciliação milagrosa de ambos, e tudo oco..-re como se nele riência concreta em vez de co.nJiar apenas nas virtud.es da dedução carte
o scnsivel apontasse a partir de si próprio para oigrúficações ;nteligíveis. siana: "Imitemos O$ verdadeiros IJsir.os que reúnem experiências e, ero
É o que se pode d.i't.er. por exemplo, de uma obra musical, d.e wu coro de scgnida, í'Undam sobre e] as nm sistema que as reduz em principio." Sem
Ba.eh ou de uma sonata de Moiart: como uma história que con1aríamos a d~vida, o modelo ê fornecido roais pela -Jlsica de Newton do que pela <le
uma criança. eles possuem um começo, wn desenvolvimento e u.m fita. Desc~est assim como a primeira l'eduz a diversidade elos fenômenos
podem ser tristes ou serenos, tumult'Uosos ou cabnoõ etc., em todo caso, celestes a 11m principio único - a gra>i t,.ção universal-. na esfe<O estética.
podem exprimir inúmeros estados de alma. Mas .tod•s essas signific.,ções partindo- se d,:; experiênda, c não de princípios a priori, é preciso tentar
que h vezes chegamos ~ cooceitlUl]izar são criadas por fenôme.nos reduzir a diversidade das regras concretamente em jogo nas obras de a.cte
puramente sc.ns1veis: na rnUsica, nAo bi\ nenhuma palavra, nenhum con aUilla única regra. pois "tçdas as regras são os ramos presos a um mesmo
ceito, nenhuma imagem, nenhuma represcntaçlo intelectual de qualquer cnule".
LUC FERRY ~ Kant Critica da faculdade de julgar l4,3
O esptxito humano só pode criar de maneira imprópria~ todas as suas .. Convém confcrit· mais importância à observação do qne à deduçi\o l)a
produções trazem a marca de um modelo. [.. .] Sendo t~ssim, o gênio que n-a~ · . reflt".xão estética em $i. O empirismo surge aqui como um complemento
balh.u pa.ra agtada:r não deve :nem pode sair dos limites da _própria :oattlf(UJ. .- !. desse anticartesbnismo pascaliano que jã per r..ebiamos em Bouhours>
Sua l'unç!o consiste não em imaginar o que pode ser, mas em eJJ.contraro :m:ts, fundamentalmente. a estética do senlimento só desen•tolve e enri
que~. lnYenta.rnasartesnãQ é dar o ser a um obj<:to, €:reconhecê-lo onde ele quece a estética da delicadeza, "So hã alguma matéria em qne a a:rgumen
éecomoeleé. tação deve caEar...se perante a experiência, certamente é nas quest.Oes que
podemos levantat sobre os méritos de um poema."
Portanto>a :nte n ão difere essenciahnentc da ciên ciA, }JOis a única Destarte, o essencial do conflito continua intacto no sécul o XVlfl e
originalidade do al'tista depende da escolh• do tema, da composição, e as..:;im permanecerã até o surgimento das primeiras tentativas de síntese.
não de suas faculdades de cdaçno. Quanto ~o essencial, ele se limita a que tóm seu último coroiUllento na Critica da faculdade de julgar. de Kant.
apresentar num material sensível-o mármore. as cores. os sons e1c.-a Pro,•a disso é o fato de a quest~o central da OJ>tinomia, aqnela da discutibi
ideiaiJiltluai que'!'""' exprimir. lidode do gosto, serigual.menteeludida por Batteux eDu Dos' no prlm•jro,
Na ou·r;ra vertente do conflito, o maior teórico da estética do seJ.lti eJJl nome de um racionalismo dogmático, pois, "de modo gel'lll, só pode
-'"
~
Se o mérito m.ais impo"l.'tmte dos poemas e dos quadros fosse esta-r em gosto.
cónformidade com regras r<::digidas por escrito, poderíamos dizer que a.
melho.r mmei.ra de julgar sua excelenda e a categoria à qual devc:m pettcn
A antinomia do gosto: a superaç~o
cer na estima dos homens seria o eam.inho d3 discussllo e da análise. M3 s 0
.mérito mais importante dos poemas e dos qu.:td:ros ~ noa agradar. do classicismo e do sentimentalismo
•••
e, a pa.t ti.r de então~ ê ao sentimento q1\e se deve referil· para emitir um Por trãs das questões manifestas - o belo é a imitação de uma verda
julgamento. Por ou.tro lado, como Do Bos rulo considel:a. <..'omo fará mais de desv~Jada pela razão ou a manifestação subjetiva dos irnpubos inefã
( ~
tarde KatJt, a possihiliclade de uma critica do racionalismo dogmático não V"eis de um coração que reage às impressões de um objeto sensivt>J? -, ,.
'. trata-se, para Kant, de resolver a ques-tão do "senso comum" (de onde
impedir toda referência n critérios inteligíveis- a "ld.eias'; indetermjna
das, para n;to dizer a regras cientificas-, ele também serã. lew1do a com-. vem a concordância dn maiori::l dos homens quanto às grandes obras?),
parar a impossibilidade da discussão estética com aquela da discussão que recobre perfeitamente aquela dos critérios, evitâudo reduzir. como
culinãl'ia: f:w.em os clássicos, o julgamento do gosto aumjúlgamento quase cientifico
e, assim. negar sua especificidade. Desse modo. a análise kantista da ,.
Depois de ter estabeleeido O$ priucípiol' geométricos sobre o sabt~t c antinomia aparece como tun momento crucial na história da estética
definido as qualidades de cada ingrediente qne entra ua composição deS6cs moderna.
pratos, será que algtun dia óu&arinmos discutir a propoJ·ç:ro mantida em sua Tomando •=
caminho que lhe é fa:mUiar, KanL expõe a querela par
;;; mistura pata dtc::idJr se o tempero~ bom? N~da fazemos [•.. ] provmtos o tindo de um "tópico ... de uma análise dos lugares .. comuns que conccr·
I" lempero e. mesmo sem co:uh(:<:er essasregt·as, ~Ht.bcmos que é bom. De certo ncm ao julgamento do gosto.
I modo, o cone o mesmo com as obl'a& intclectu.ais e os quadros feitos para O primeiro deles, ·· cada UJil com seu gosto ... não apresenta nenhuma
nos agradar qu:mdo nos comovem. dificuldade particular, significa simplesmente que o helo se confunde
tom o agradável, que o julgamento do gos1o t aSS\lrrlo c;; riJamente suhje·
tivo, que não poderia. a partir de então, prct:ender ohter a adesão m"CessárJa
..
A discussão é inútil, "can&ativ~ para o esCl·itor e desagtad:ivel p:ua o de-outrem. O segundo é mais sutil: "gosto não se discute ''. Supõe que o
l ei1or". julgamento do gosto. cmhora encerre ull)a pretensr.o il universalidade.
De um noutro momento do conllito que opõe a estética do sentimento não poderia s.er dcmonstTado por provas :nem por argon~:~entos que se
e o classicismo, hã na: o apenas oposiç~o • .mas também, como em toda apoicm em concei1os ci.entificos determinados.
~6 LUC FERRV ~ Kant Critica do foculdodo de julgar ~7
Para compreenderem 1.oda sua exten~o a antinomia do classicismo e Ora. é justrunentc isso quo, cada urna à sua maneira. a tese ocnoualist:o
do sensuaUemo. a css:as duas opiniOes correntes ainda 6 preciso acres ·
0
• antltese clâs•lea, que compllem • antinomia do gosto. tendem a
centAr uma m.\xiln>. que uda um ew:ontrará em si pela simples rc!lf<Xio, negan
"Pode-se discutir o gosto.· Contrariamente As •parencias, essa n>mm. Tese. O julgamento do gosto nlo se funda o os conceitos; do oon-
• 1•
Dlo contradi• o ~ndo lugar-comum. pois M uma bo• diferença entre trlrlO. poderiam08 dlsput~r • eae rupeíto (decidir por meio de provas).
uma dispulltlo-argwnentaçio citl)U(ica que procede por demODStraÇSo ~.Anll<eu. Ojulgamento do gosto fuoda-scemconccitos; do conin
conC<!Irual- e uma diseus&lo (Streit). que viSll apenas a wna concor rio, niO poderiamos nem meamo, apesar dasdiferençaa que ele apresenta..
dSncb hipottllca e muito frigi! referente ao objeto belo. Em contrnparti diocutir a esse respeito (visar ao aseentimentoneccssltio de outrem para
da, a ideia de cliocuulo opOe·oe o primeiro lugar-comum, "Pode-se di~t esse julgamento)."
culiro gosto (embora n~o oe pos8'l di•pu14-Jo) [ ... ).Essa sentença envol Aontinomia gin totalmeotc o;m 10mo da questão da COIDllDicobilidade
I ve o contririo da primein proposição ('..da um com seu gosto'). Com do julgamento esc.tllco. de sua capacidade de trane<:ender ou nlio a subje
't '
I efeito, nas sicun~s em que t permitido di&:utir, também.., deve ter a
capem nça de entrar em acordo·, porUnto. delr.ulsccndcr a esfera mona
tNidade JIMdculardo Cogito. Apenu nessa 6pliea aborda- se o problema
da raciooalid nde ou da irraclonolidnde (conceituolidade ou n1o·
I dista do ccgito, do aubjetividade individual. volc,da para seu ego. conceitualidnde) do gosto.
:· Desse modo. o estabelecimento da antinomia procede de um com Ero certo sentido. se entc..a.dJdas corretamente, a tese e a antitese
'·
portamento fenomenológico: trata-se de descreveras contradiÇões real encerram algo cone to. de manclt<~ que podemos admitir- esse ser! o
mente vividos pela conscieneía cotética para incitar à reflerlo. Desde que principio da soluç~o konllsta - qne elaA se opõem apenasemaparencta: é
'
nceltemos refleiJ'r, eocon.ttl"'e:tnO$ em nós mesmos- no fundo. essa é a ve~'((ndc qne o jul!l"mento do gosto (teto) n~o se apoia emcotoceitos cien
conV"im;.no do Kanl - o sentimen to 1rltimo de que, no mesmo tempo, é tlllcosc que n~o depende de uma demonstroçlo, como c.rê ondonalistoo
'
'' ...·-
~
·imposolvel demonstrar a validade de nossos julgamentos estéticos e, no rlãssico, pol'tm, uunpouoo delxn de a<:r verdade <[Uc. de certo modo, esse
entanto, em eerto sentido, d legitimo discuti-h. Conservamos n.a dJscussã.o julgamento remete o .. con<'..oito6 iJ1dCterminados". não cientlficos. por
'! I :n cerlo, maa irueliglvci&- ou scjlk, pura Kant. conforme vereJnos mais
a cspc••nJJÇll, ni:o.dn que muit~a vezes dcsihtdida, de fazer partil11aruma.
..·-:J
::~.
oxperieocla ••·eapelto d• <Jttal temos alntlliÇlio de que, embora seja iotal
me.nte iiHlJvidual, deve poder ono ser eatr:tnha o outrem na medida em
H(liante, esse julgamento remete ~a "ldolns do rat~o· que fundam apo..;
biüdad.e, se nao de uma disputRtio. oo menos de uma discussllo que pode
~
~r: qne de 6 out.r·ol1orocm. 'K:uot nos convid• a pensar naidciade que o julga conduz.i raum .. $CD$0 comum".
~·
.;;;. mento do gosto aponuo, • Jlllrtir de si mesmo. pa.r:a u.m objetivo de comu· 'Portanto, a OJ)Oilçlo t OJ)Ollauparcnte- sof1stica ou "dialética"
nleaçao int01'6ubjotivo. paro "uma ampliaç~o do objeto e do sujeito": se porque o termo "conceito"' "nllo 6 t.omado no mesmo sentido nas duas
começannoaa d!scudro gotto. se nesoecaso-A diferença do cr•c aconte m.\ximas da faculdade cstttiea de julga.r"' ora, na lCliO. entendemos por
ce no doiOÍDlo cullnirio. que erroneamente dJzemos que resulta da arte oonceUo uma regTa clentlflca do entendimento. ora,~a anl!tea<:. 'ri.<:amos
qu~ndo na verd>dc se trata apenas de arteSll03to- a discord~ncia suscit> apenas a wntt !dela indettnnlttada da ratAo. Por oon~e. para re..<olver
um ""rdodei.ro diãlogo, eis o indicio. ainda que momentaneamente miste aantinomia, "seria preciso exprimir-se da seguinte lo~ na t..., o jul
rioso, de que julif'W'OI • c>:peritncia estttica como sendo comiUÚcil•cl, gamento do gosto Dlo se funda em conceitos detcrminodOS; e, na autlte
mesmo que cl• sópoou ser fUndada em conceitos cicntiBcos. mesmo que ae: o julgamento do gosto 1\u>da-se nwn conceito. mas num conceito
a comurucaÇIO que ela wdua nunca sej> fP'Talltida. lndctt:rmiDJldo. e. a681m. Dlo boveria entre elas nenhuma oontrndiçlo".
LU C FERRY ·~ Kant 1 19
A 6lgnl:ficaçAo oooereta da soluçAo kantista jáse·dellneú, por ser 0 .,...,. . o partir da realidade do objeto em sil Caso se verilique que o
0 00
objeto de um sentimento p:ll'tieular e intimo, a beleza desperta as Ide;.. ·~ menta do goeto, apesar de seu carAter subjetivo, dá lugar a um senso
da rufo. que utao presentes em todo bomem- eis por que ela pode ~=w:n. isso ocor.tc unicamente por nsõcs de fato que, como tais. na.o
tnnsc:ender a oubjetMdade particular e 8ltscitar um senso comum (ums requerem a <liscusslo, ma&llmASimplt$ COill!tataç.,o. Sendo assim. a der
veoque as ldeiu "despertadas" pelo objeto belosllo oomunslhiUllanidade. radeira conscqu~ncb do empirismo t que •wn julgamento do gosto s6
Veremos um pouco mala ad.i1nte em que consistem exa1amente essas _met<Çe a<.r coll81derado exato poff[uc ocontt<:t: de um grande núme.-o de
famosasidelu.ls quaiJ Kant.., oontenu por enquanto em fater alnslo). pessoas con<:Ordu a &ell respeito - nlo porque, por trás dessa eoncor
O objeto belo f, ao mesmo tempo, puramente senslvel e. no entanto. dlnda. se supOe alg\tm pri.nclpio • priori. mas porque (como para o gosto
intelectualc ele 6 recoDCili~ da natureu e dointeleeto, =reconciJia. elo p.W.to) os sujeitos slo casualmente org;aniudos de mancin uniforme·.
çAo contitJ&emc, fruto da pr6pri• nature<a (da nature<a externa, quando 0 Belo &e redu. ao agradlvel. c a arte. • cullnlria. De resto, a variedade dos
se trahl da beleu de wna paisagem, da natureu no homem, no caso do gostos nlo merece maia discusslo do que sua concordllncia. ~·também
genio na origem d.1 obra de arte), e nJo de uma vontade consciente que depcnded• simples constatAçiO. e o aenao coro>un n~o podena ser nem o
seguiria regras determinadas, como querem os cUssicos. lmposslveJ. objet<l nem o efeito de um diAlogo interaubjetivo. Desse modo, a tese
portanto, produtir cienlifie•mente uma obra de arte aplicando regr.. oureo aocofl'tncia de um pcicoloaJsrnoque tJn poucotemposerásubsti
,," como poderiam os (ner. por exemplo, com a construç~o de uma ponte. tuido por um mstoricismo. depois por um socioloaJsmo e atualmente até
lmposalvel, contudo, negar que a obrn desperta em nós nilo apenas $Cntl mesmo por um bioloaJwo. que umbêm reduzir~o o gosto a uma questlo
mentos e emoçOes, mos também representações intelectuais.llis por que
···' podemos <liaculir essa q uesllo sem, no entanto, p oder demonstrá-la ...
dereooptAculo materfbl.
Além d11qull o '(UC contem de correto, a tese e • :mlftese da antinomiJ - A antftcse, compreendJda dogmaticamente, por certo consegoe
'"' também podem ser Interpretada.$ de •Mneira errônea ou, como <lizlúln~ fumlar o senso comum, mas ao preço do um thcplo erro: ela reduz o julga·
..r".... "dogm4tlca":
meuto do gosto num julgamento lógico, c a~lrtc. a uma ciência. Oconcci..
::::: to ceJ>lral da estética racionalista clbsica torno-se, nssiro, o da perfeição.
'••
....
... - Jl te$e s ifSUWca ent~o que o gosto, que depende do sentimento. é
.,c._..
Aobra bela é .a quela quo. de ocordo com n:gros (conceitos) deten ninadas
um:t questno puramente subjctiva: sfgn.ü'i ca, portanto, pelo lllcnosde por uma • arte: poética", n:ol ;,,. pcrfeitamcme um fim, tan\M•n determina
~~ <lireito. que é i.ocomunleAvel, inel4vel. Como jã ftl úa no plano da filosofia do conceitulllmente. Ocescnciol do arte reside M conceito. É graças a
~ especul•Uvo, para llcrkeley, o sensualismo condu• ao solipsismocstético: ele quo dctcrmJ.JJamos um fim ediflconte. graça• a ele tamMm que o
"cada um com seu gosto•, o sujeitonlo passa de um indivlduo·mõnada, reali;AillOS tomando os eamlflhoe da técnica (da qual a perspectiva, em
incapaz de uir de si mesmo- eonsequentemeote. o empirismo, como piotur.. é um doa roodcloa). Mas o clasalcismo dogmtirico encerra um
toda monadologia. só poderá resolver o problema da intersubjetividade segundo erro (ur.na falha, oem d~vlda. aos olhos de Kant), ao reduúr o
se recorrer i ideia. em t\lt.im:t inadncia teológjea, de uma harmonia belo lsiropleo represenuçAo ttcnlca de um fim estabelecido pela razão c
preestabelecida. Para explicar, por exemplo, que os humanos veem. todos pelo gosto p a m essa pr6pr1a ratlo. t.le acaba perdendo a subjetividAde
ao mesmo tempo. uma mesa oa sala, é preciso recorrer ã hipótese de om jusumeote reivind i cada pela est~liea do sentimento, embora ela o conte·
Deus que tem a hoodade de colocar em <4da mõnada representaçoes que besse mal. O dassiclamo funda o senso comum de tal modo que deixa de
coucordem entre si -Isso se descartarmos as teses retlistas que eaplicom reunir sujeitos parc:lcula.re.s. anlm1doa por sentimentos. para reunir
LUC FERRY .g. l<ant Crfticc <ia fac ..ldode de julgar
lndiv1duos· m0nsdas que só se comunicam entre si de forma iDdiret>, particularidade d<>e811jeitoo parece bem preservada, mas a i":ers~j~
apems pelo conceito. portmto, poraqnflo que neles~ o menossubjetr.o, dade acaba sendo reduzida a um prioclpio puramente matenol., à ideta de
Para o rnclooailm>o clABOico, ·o julgamento do gosto dissímnla um julga- - · uiD• estrutura pllquica c orglnic• comum 1 wna ea~eie de indiv!duos.
mento da ntJo sobre a pel"feiÇllo de •~ coisa e a relaçlo do que é clife Seodo 1 esi.m, 1 exper!enc!• cstttica nada mais requer que seja especifica
rente nela com um 6m•, o Importante é suher se a obra de arte é "ben- . mente bUII)2DO, o Belo t apenao uma variedade do agradãvel, e aarteculi
feita•, se estA ou n~o em conformidade eom •s •regras da arte• (com .. nitia. 0 modelo da estttica em geral.
regras da penpcctiv.t, com a regra du tüs unidades etc.) -Ul03 vez que 1 AqucsUo levantada pela antinomia do gosto ta seguinle• como man
sensibilidade 6 apenas o modo confuso pelo qnal os homens, seres flni ter a Jdl#• de wna potsh•el unM:nalidade do gosto sem que o prinelpio
toe, percebem lliDI realidade que. no fundo, é totalmente illlliligí•eL desse senao comum seja oegador da snbjelividade? llm outros termos,
Apesar de sua oposlçJo. a tese e a antltese dogmitieas acabam con como pensar a intersubjetiY!dadc estética sem fundA·Ia numa ratlo dog
cordando. no erro, quanto ao e$$ene!ah o Cogito, o indi...S.dno, ~uma mltica ou n..ma ertrutura pa!cofisiol6gica empirica? E, inversamente,
mOoada (scoalvel ou racional, no fundo, pouco importa} que só pode como monte r a particularidade •bsoluta do gosto sem ceder i fórmula
~. entrar em comunlcaç.lo com •• outras mOnodas indireàmente, mo pela • cada qual com seu gosto • e destruir, a86im, a pretcnslo à universalidade,
..,. via da discuss5o, m.. por intermédio de uma harmonia preestabelecida na .us&ncia da qual • simples di~<:usslo eottt.ica perderia toda signifi
.... (harmonia dos 6rgaos sensoriais no empirismo, barmoma das rat.Ocs caçAo? "Quando é permitido dJscuÚr. deve-se também ter a esperança de
tDdJv:!duals no racionalismo). A cada vez, o sujdto encontra-se reduzido entrar em ac.ordo [...)", diJ KanL
ao illd.ivJdu.o monadista e desprovido de soa dimensão essencial. a O l'acioualisroo e o cmpiri&rno baseiam-se muna concepção reifica
inteJ·sobjetiv:!dadc. Em ambos os CRBos, a diseoSSiio revela-se desprovida dora da subj etividnde; ar'llbos pensam o Cogito de •naneira monadista,
....,, de serttido• nos emphiaras. l>01'<JilCt>tdo se reduz a qt•estões de f~to, nos como urna coi8~ vollacl3 par'• at mesma - o que f:lt com que conduz.a.m.
... ncionaUs1as, po•·que o concei1o, no cASo, ns regras da arte, Jogo pôe um .oomprimeb·o momento, ao sollpslamo e recorrAm, em segtmda instân
....~...."•·
fim n todo dise\I$8AO possivel ao deeretnr peremptoriamente onde se cia. à ideia de uma harmonia preestabelecida 0\armonia das ~en1es ou
eneontrnm o bom e o .•nalt gosto.
...
.....
dos corpoa) para l·esolver o problema d11 iutersnbjetividade. E a lógica
dessa soluç~o C(l•e se trato de abolh· ao se colocar em prãtica um pensa
~
~~
Dcterrnir.Mç/lo e reflc'Xflo, porque o belo cnc=
o ideal de uma comm.licaçilo sem conceito
mento intd.i to do sujelt.o que. em Xant, recebe o nome de l!eflexão.
Esta tíltlma se encontro implicada jA no distinçno do julgamento
detertninante e do jl~g:>mento re11exivo, sobre a qual se baseia toda • teo
ria eStttica desenvolvida na terccita Criticao
Embora por ra~es Inversas, o racionalismo clássico e o e:mplriSlXlO
sell8uallsto •presentam omesmo defeito, ambos levam a fundar o • senso .! ' em pensar o pa.....-6-
A faculdade de julgarem gcr!al t aquela que conSiste
•'
comum•, auseitado pelo objeto belo, de tal manel.r• que a subjetividade se çula.r como compreeDdfdo aob o universal. Se ,o univenal (a regra.
encontra, por assim dizer. rcmCIIda e, por conugtünte. negada. Eotre os o princlp>O. alei) 6 d•do. entloaiAculdade ~ julg.rt. que 8\lbaum<: sob este
dAssleos, a personalidade própria ao autor de um julgamento de gosto llltimo o pl.rticu!M, t detemúoante C..J. Se apenas o particular 6dado, e se
dissolve-se numa razno universal que se compt>rta de modo dogmático alaculdadedejulprd...,eacontrarotml•enal(quelbe..,.,..ponde).elaê
em relaçJo ao particular. Entre osempiristas. numprimeiromomento. a Bimpl......ote rellex!Y>.
LUC FERRY ·~ Kant Critü;a dn faculdade de jul&ar •s3
.. dado wtelcctuol l!la significa • exigfncia, !nacess!vel mas continuamen- do senslvel e do inlellg!vcl. sem di= precisamente em que pode consistir
'· te presente, de uma racionalfuçno perfeita do rea1, portanto, u:m.a sub esoa reoonciliaç§o) que 6 poaslvcl ·discutir" o gosto e ampliar a esfera da
aunçQo completa da matéria sensfvcl do conhecimento sob a f o•~•• inte subjeUridade pura pl11'a con8idcrar uma divisAo »lo dogm6cica da expe
i' tiéncia cst6tic,, com o outro, um• ver. que ele é outro serbuuuwo.
Ug!vel (a c81rutura categoria!). Em termos cloros, se pudéssemos nos
colocar do ponto devlsw de Dens. nao haveria já para n6s distinçQo entre
•. o scnslvel e o iolellglvel. a intuiç!o e o conceito. o particular c o universal,
....·~ a. na I ure~n e o esphito cte. Que tal ponto de vista n1io possa. ser o nosso e, Ciêncin c beleza, o J1rn do idetJ) dássico
'
I r"
II I
...:-,.::
~: .
mais do que Isso. uno possa •·el:ot.ivit.tr o ponto de vlsm finito do homem, de urnn objetividade do gosto
I
I
.... eis o que J'COUita de seu esta!\tto puramente ideal. Atítulo de sün ples exi
!I
I
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~:f~
2""
gfnc!a "" rotno, o rato é cruc A ldeia de Deus ou a Ide in de sistema (o que
equivale no mesmo) As vezes pode ser, se nlointcgralmente "preenchida"
("apresen!Jidn", aegundo Kanl). ao menos parcialmente ou "simbolica
Pm· conseguinte, a diferença en~1 entre o julgamento de conbeci
menlO ~ulgn.menco determlnllnte) e o julgamento de gosto (julgamento
....:.!! rdlcxivo) deve ser especificada p11ra que apareça o fundamento último da
.i2tll• mente" evo<.adn por certos objetos. O & lo é justamente um desses obje distinç:So rea1i1.adg pela &Oiuçllo da :mtinomü• entre uma disputab·o, em
tos, uma vez que é reconcillnç5o parcial da natureza c do espirilo, da sen que a p:uticuliltidnde subjetiva se om~a numa racion1illdndc imperiosa. e
sibilid•de c dos conceitos, funciona como um traço contingente, umsún a discussllo, em que e.saa mesma par-ticularidade, lllantendo-se como
bolo dessa !de ia ueccasAr!o tl.t razlo.
pameular, vl.$a cnttet<uoto a ae •.mpli1U'It6 pretender: sem demonstl<lÇliO,
Portanto, os cinco momentos do reflexlo cst.,.Jo presentes no ju.lg;o· aem passar pela mediaçlo de um conceito, alcançar a universalidade.
mcmto de gosto que procede s) do partieulu (o objeto belo) ao universal Considerewoelniclalxnente o caso de um julgamento que viS<: à obje
(a cxigfnc!a de'""" uuilo perfeita do sens!vel e do intcUgível); !V &em thidade cien1ific:a. Na filosol.i> prt· erllíca, e singularmente no cane$1a
conceito dererminado (essa c:xigfncia nada indica que possa fomecer a lli$mo, vimos que o problem• da objetividade .. colocava nos segninres
matéria de uma •arte pott!ca" cientllico); 3) sou:>ente aldeia de ~sou
''• >s6 Crítica da faculdaclo de julgar
termos: {{'Ucstionar $C nossas representações dos objetos são "'''e)"dadeiw , não roais e:m referência a UJna "coís.a em si" externa que sexá. necessário
ras• significa mnru saber se silo adequadas à objetividade que suposb distinguir entre aquelas que são vãlidas apenas para mim (subjetivas) e
men te existe em si, fora de mlllha representação. Também vimos que, aquelas que são uníversaimenteválidas (objetivas).
formulado nessc-..s termos, o problema da objetiY:idade é aprlori insol\tvcl: 'Jrata-s-e. portanto, pllra :retomar aexpress:lo husset·liana, de fundar a
.nu.ttca posso, por definição. saber o que o objet~ é emsl, fora do olha)' que "transcendência" (a objetividade, a intersuhjemodade) .no seio da "ima
l anço sobre ele. C:.:.m efeito, por definiÇão. o objeto que considero é sem nência" (sem "salr" das representaçilcs).IÍ a uma transcendência como
pre um objeto para mim, umobjetod.e.minbarepresentaçi!o. e. para saber essa que visa o j11lgamcnto cientifico (detenninante). Examinemos o
o que esse objeto é em sJ, seria necessã.rio q-ne eu pudesse, por assim, exemplo de um julgamento que enuncia uma relação causal entl'e doia
di•er, salr de minha consciência- o que. Jogic;unente, é imposs!vel. Nas fenômenos . Entram em jogo dois elementos que, segundo Kant. permi
filosofias prê-c>·itícas. naquelas que concebetn o Cogito como um sujeito tem pretender a objetividade nn Ygaçi!o do efeito com a causa,
fechado em sua consciência, eomo uma mônada prisioneira de suas
- ln.icialro.ente, devemos posstúr uma tegra universal (o julgamento
representações, a própria posiç1io do problema da objetividade só pode
detenninante procede do universal ao particular): no caso, tratA-se do
... levar • falsas soluções, lU!la consiste em fazer intervir Deus (gara·ntúl
princípio de ca•osal.idade, segundo o qual todo e reito possui necessaria
divina ou harmonia preestabelecida) psra que ele assegure a passagem ·-
~ mwte uma causa.
entre o objeto para nós e a coisa em si (ou o que designamos como tal).
ê - 1hs, para se:r realmente cicntifica - e não apena.s metafísica - ,
Asegnnda 6 o ceticismo, cujailustraçi!o espetacular é oferecida pela filo
essa lei também deve indicar um critê:rio de aplle~ção aos fenômenos.
~ sofia de llerkcley. Em suma, ou fundamos a intersubjetividade na inter
i
'
...1;
vençl'io do&'l))iítica de um deus exmaclJina, ou renunciamos à objetividade
C<>roo todos estes \lltintos es tão sih1ados no temp o, o principio de causa·
.....!
I ::::: }idade aplícar..sc.. â a toda sucessão cuja irreversibHidnde possa ser mos
para aceitar o idealismo total ou, como se dit.iana épa<:a <le Kant, o" egoís
I ..::.::;;t.. trada numa experiência. isolando-se va.tiâveJs.
.' II ("'""
~ mo" filosófico .
Como podemos ver. em muitos aspectos a axrtiuomia do gosto repl'o Se t:\1 aplicar essa lei seguindo esse cri1ério. não pode:rei associar
I ....•...,..
;~
duz esu estrutura. Segundo a Crftica d:J razAo pur.1, é preciso .realizar uma "livremente" qualquerfenômeno a qualquer ou !l-o. Ou. mais exatamente,
I
I ... "refutação do idealismo", ultrapassar o ponto de vista dos Cogito dogmâ se eu ussoci:.lr minb..asrcprescntações sem levar em couta a lei e seu crjté ..
' ·-.:
! .. ticos ou céticos e definir a. objctMdade independentemenm das noções rio, as associações que produzirei n.no terão ntnl-luma objetividade e per
I' 2•;
I :;z
~oz
de interio,~idnde e de e.nelioridade As quais remetem implicitamente as
concepçõesmonawstas do sujeito. }á conhecemos a solução do problema.
manecerão p\U·amcnte subjetivas.
Assim, no nivel da filoso.fia teóúea, distinguiremos dois tipos de
I .;;ta~
A objetividade não designarã nlais o que é externo à represcntaçi!o, e sim associação; as puramente empírica.s. que contam apenas com u.ma sjgni
I! o caráteruniversalmente vãlido dos esqu~mas ou dos ••co:nectores.. que ficação subj etiva, e as objetivas, que supõem:d ntcrvenção de um concei
' re:llizam. a assocülção ou a sintese das re1>rcsentações. Sendo assim, to, ou seja~ de uma regra de sintese ao mesmo t~mpo detetminada c
o subjetivo e o objetivo se oporao como umanssoc.iação de representações determinante. Por exemplo, se olho o muro que está à minha frente
vãlidas apena$ para mim e uma associação de :representações válidas uni virtlltdo a cabeça da esquerda para a direita, posso ter. no nlvel puramen·
ve<Salmentc (o que faz com que aiutersubjetivid•de se encontre defiujfi te subjetivo da pereepç1io, a sensação de que o tnuío "existe da esquerda
va.mentcinstah>da no centro da objctivid:Jde). lÍ .ao seio das npresenta· para adireita". Mas é claro que uma proposiÇão fundada em ud sensação
çôes ou, mais exatamente, das associações (sintests) de representações. e nlo tem nenhum• objetividade. e que. na verdade, as partes do mUio
Crltic<J do faculdade de julgar •59
existem de modo "ei.multlneo·, p<>Ttllnto, tenho de "coloci·bs juntas•, ara serem ··apresentadas", deviam "'allzarllma reoonciliaçaoper
"sinteti•~·laa• par• llit:rapaa&ar minha perr.epçlo particular e alcançor a P• P .
feíta entre o senstvel e o inieUglvel. que corresponde ao p<>nto de Vlsta
objetividade.
que um ente.ndiJnento divino tena sobre o mtmdo - o que p<>deriamos
O funelonam~io do julgatnento de gosto deve ser de.crito em rela repruentar pelo griflco seguinte,
çlo a cases doia tipos de aseoelaçllo (a aseoeiaçto emp!rica snhjetiva. a
aseoelaçlo eoDCeltual objetJ,.}. Com efeiio, ele faz parte de ambas, sem.
no entauto, eoofundlr-se eom nenhuma delas.
Se5"odo a anUise desenvolvida na terceira Ctltica, a sensaÇão da
lddt de dtted• {cwja ~o
beleza e o pmer est~tleo que a acompanha oascem de uma "livre" asso
ciaçlo da lmaginaçlo• p<>rocasilo da pereepçiO deum objeto belo. a ilna·
ginaçlo. a "moia p<>derosa faculdade ren$1•'e!". associa. imagens sem que
..
cdJiria a tfftlCSC do ICNtrd e. cfo
~
que ele é externo a nós e contingente em relação a nossos princípios e que Sob essa exprc$s.D.O de sensus C:Qmmunis- dceJara Kant - , devemos
ludo se pa.ssa como se e1e só existisse para satisfazer espontanéamente ~ C(l.mprecndera jdcia de um se.oso comum a todos, ou seja, de uma facUldade
nossa exigência de racionalidade (de reooncil.iaÇJ~o do sensível e do :inte de julgar que. em sua reflexão, leva emconsideração o JUodo de represe:nta
ligivel). O que agrada aqui é o fato de que o realapatcéc. sem nossa :inter çao de w:ahotn('.m totalatente diferente para ligar, po:t· assimd.U.er. seu jul..
veDção. para s atisfazer exigências que, no entallto, são subjetivas. A ga:roento a 1oda. a razão humana e. dcs&a maneira, escapar à iltls:io resultante
Beleza naturtll deverã ent1io ser considerada o modelo da beleza artlstica d•• condiÇões subjeti•as e partitul'll.'e• 1...1.
(o que. no contrário do que pensava Hegel, confere ptofundidade Heo.ria
kantista do gênio) . Por outro lado. se as Ideias da ra2llo, tlllhora :indetcr Jlis a razão para a máxima fundamentAl da faculdade de julgar reflexi
ffli»ad.• s. não fossem consideradas comUDs à buman.id.•dc. o objeto belo, va.tt máxima d o ''pensamento ampliada"• "pensar colocando-se no lugar
ao despertar essas ideias, n!lo suscitaria um senso comum nem mesmo 0 de o1dra pessota...
ptojeto. em caso de contestação, de discutira gosto, pots. para discutir. •é É nesse ponto da argnmcntaç<lo kantista que se conclui a solução da
pteeiso ter ao menos a esperança. de entrar em acordo" ... antinomia do gosto e que é .necessário especificar a natureta e.xsta daqui
,, Nesse sentido, a inters1lhjetivjdade remete a certa conccpç.~o da sub· lo <rue. ao mesmo tempo, aproxima )nas também separa radicalmente
.'". jeti,·idade que não é inútil explicitar. Kaotdos dois pontos de vista constitutivos da antinomia.
... No racionalismo dogmático, bem como no empirismo ael.lSUa1ista,
'"
.., não é proprJamcnte o senso comum que é visado. No prinleixo caso. a
,~. Um pensi!Dlento inédito do sujeito, como a retlexi!o obra de arte busca unta universalidade fundada na razão, c• .no segundo.
e o senso conlum nos conduzem natnral:ruente il 3pesar de tunrelat il'ismo de principio. ela pode aceder, como em Hume.
noção de "pensamento ampliado " a uDla generalidade fundada empiric.amente, a uma hacmotúa. resultante
da sill1patia entendida , no sentido próprio, como o fato de sofrer em
~·· Contingencia da b eleza, tmiversalidade <lo h orizonte de espeta no comum o mesmo sentimento. Em certos aspectos. a p osição de Kantpodc
;.t .
qual se funda o julgamento de go$to, tais são os dois termos entre os parccerpr6xima do :racionalismo e do empirismo: na pnS$agem q:ue aca
quais se move a )·eflexão. Vimos de que modo. de um pauto de vist;, ]ógi bamos ele ler, não é por uma referência .. c:lâssica"a" toda a raz~o humana..
co, a ativiclade reflex.i.va residia inicial mente na compara~o. s egundo que o senso comUU'I €. fundado? E. de rr...~to, como indica suficientemente
os conceit os de identidade e de diferença, dos elementos que collljlõem a exp:ress§o. não seriB esse senso comum uma questão de sensibilidade,
os gêneros e as espécies. Essa acepção da palavra, que remonta à psico destntbuento?
logia wolHiana, encontra seu prolongamento numa teoria do Wltz, do Apesar da aparência. a diferença entre aposição kantista e o raciona...
"esp lr ito ", ent.enwdo como a capacidade de estabelecer rel ações fumo clássico é fundatnental: se é de fato em referência à razão que se
imp1·evistas entre elementos apa-rentemente distaJ,tcs ou b astante concebe a a:olpliação da re.flex~o que cria \llU senso c~Ínum, (i ·r ado de que
wferentes. Mas a essa "ampliação do objeto", como di• Kant, também se trata já n ão ê a.ra•tão determinante dos cartesianos, mas a ldeia
corresponde uma "ampliação do sujeito", pela <fl)al este último deixA de indeterruinad• de uma h armon.ia da imaginação se!'sivel e do entendi
se wnter nos limites estreitos do egoismo monadista p ara aceder à esfera mento, Jdein que. por si só. é evocada aptnas ele modo contingente e
do "sensoco1nwn": imprevisivel pelo surgimento da be leza natural ou genial. Portanto. o belo
permanece essencialmente uma quest1io destb.limento e de sensibilidade.
t62 LUC FERRY +~ Kant Critica da facW.dade de julfSar
:Ma$ novamente~ em relaç.ão ao que ocorre no empirismo, é Pl'eciso · é I\ tstamentenessa CX])eriê.ncia da ampliação de si, da.aber-
. lvação. Pots .
1 . da visão e ao horizonte que se situa, alémd~. pr~r do conheCllllcn~
ter cautela ao evitar confundir o sentimento e a simpatia. Jsso é o que :nos. :
lembra uma importante Refle.xllo de Kant. · ·tb te6nco
. e dAs imperalivos da êtica, toda a 'fimltdade da exlstencJa
v
~:.
particular que é" humanidade). qúe o povoam. Por·exemplo
_ • •retirar-se do mundo" . o fato,
. . . não designa
•
deus 101 .·mprovávc], de deixar a terra onde res1d1mos. e sun o de se
..,:
:;..
Por conseg\ti.nte, é preciso l·ejeitar a simpatia tanto qtUI.nto a razão . d u
:, abstrair da sociedade dos humanos ou, como se costuma dizet·, as mun-
,. dogmática, uma YCZ que se trata de p ensar nas condiÇões transcendenta.is
"·
de possibilidade de um senso com= estético realmente iníersubjetil~ danio\ades". ,
" Ora, a esses dois cou ceitos de muudo (na nua! e hurnan~) tr.rubem
--
.........
'
oa verdade. tanto no racionalismo quanto no empirismo, o fundamento
do "senso comum" não é urnfundatoento da i.ntcrsubjetividade, p ois ele • visões morais difel·entes. Uma~ loglcameute,
corresp Onde m du'lS ·1
i ...' amda a própria ideia de subjetividade, absorvida num caso em henellcio doJDinou a Antigui.dadr. e cons'ide:ra que a ética deve l·esidir essencw -
;'
' ......
~·
.,., de 'U.m unive:rsaJ impe-ssoal e. no outro, em beneficio de tuna estruturl\ roeute nos compôrtarnentos que estão cro conformidade eom sua natu
situplesmente material, de modo que ambos excluem a possíbilidade da reza cósmica. A out~a.. ao contrário. encontra seu apogeu após a nlptura
···~·
,;..;:..
,:or.: <.Üscussllo. Pois a discnss~o. e com ela toda critica (incluida logicamente a com aAntigttidadc, no l1ascimen1o do djl·eito e da m~ralxno~e~os. Ela
J
o;e distinrue e-s pecialmente por meio da noção kanusta de Remo dos
....:..
t:'":;""' critica da arte), supõe ao mesmo tempo o reconhecimento de um ponto de
..._
~-,.
,:;] vista comuro c o fato de esse ponto de •d.stanao ser conceitual, mas inde fins'" na"convicção de (l'le a bu.maru' dade. quando reomda
.. . couvemente·
leJ':tlJinado, ou seja: a ligaçho de um se'lJtimeJJtQ psrticullJr e de 1Ulla Jdeia ment~ por leis morais e jurídicas comtms c até mesmo unive~ais, pode
unj}•crsal reolizada pela refle:tão, terJdo em vis-ta estabelecer Urt)a comu 1orja.r algo como um:. "segunda ntüu:re?.a" e consti~it por.~: mesm~
Dicaçii.o direta entre osindivfduos, um setJto comum nbo conceirnabtJcn· mas desta vez .na ordem do espirito. o análogo de um !cosmos . mn uru
tetimd•do. verso que. por ser totalmente humano e até fundad9 n a liberdade do~
Este é o ponto em que a terceira Grfôc:J ultrapassa infinitamente homens e "fabl'icado.. por des, n:to deLu de repres~tar um todo bar
a simples problemática da estética. Longe de se limitar a apresentar uma monioso e ordenado.
soluç!o, por mais elegante e profunda que seja. à qucstlio dos critérios
do jtdgamcnto de gosto, ela se torna doutrina do senlirlo, para não dizer da
LUC FERRY ~ Kant Cr{tico da faculdade d• jtúgar
Se seguirmos a annlogia. a vida moral lx:m·sucedida dcfi.ni:r·se-Hor. <tutro. Na verdade, esS<I noçlo. que Kant introduz como que incidental-
malmonte n06 mesmoo termo6 que pora os antigos OOJtlO vida erobantlOnia 11100te na Crltic• d• f•culdade do julgar. é crucial. Ela ainda deverá ser
com o cosmoo, a menoo que o IUmo tenha mudado de sentido, doravame, é e;tplicitada $e quisermos perceber as r:nlles do extraordinmo futuro de
Abwn;w.idade que ele remete. uma ve• que ela é capu de COnstruir •Ill e. ainda"" época. ela é potencialmente investida.
universo artific:W. t tlllllbtm nesse contexto que devemos compretnder qu .&m oposJÇio ao espirlto "limitado•, o pcnsornento ampliado é ini
as famosu expre- kantisus do inlpcrativo categórico, que nos COnvi cialmente aquele que consegue ·colocar-se no lugar do outro •, n.ilo •pc
dam a VÍ\ICr aplicando miximas morais suscet1~cis de se transfonoa:rem n>S para melhor compreeod~·lo. mu também para tentar. num movi
lels ~' ·da namreu •• Este 6ltimo termo pcssui aqui apenas UIIla mento de retorno a s.i mesmo, tomo se partisse do exterior. enxergar
oignificaçlo analógica, ele designa a capacidade que essa filosofia e. alêm seus próprios julgamento• e nlorea do ponto de vista que poderia ser o
dela, toda a pol!tica modetnA nos conferem para in~entar por e para nlio dos outros. Nesse sentldo.aldeia de "pciiJillllCnlo ampliado· encontn
mesmos ••• universo moral. uma sociedade humma pacificada pelapro ri uma posteridade nlo apenaa nas teorias cootemportneas da :ugu ..
mulgaç.'o de leia "anlinatunis". tais oomo, por exemplo, aquela segundo mentaçio (por exemplo. em Habermas ou ainda na noçSo de "véu de
..."
~
a qual minha liberdade deve luminar onde começa a do outro ...
É tambtm lle88e sentido, e relembrando aideia antiga de cosmos, '!'<•
ignorincia •. tal como formulada por Jobn llltwls), mas também, muito
~
aléro da filoeofia univerait~ria, na convicÇio propriamente humanista e
~nt opOc o ooncclto "escollstico" da filosofia • sen conceito"cósmico·,
'· democritica segundo • qual, paro respeiUr •• diferenças c as identida
• I
5~ segundo o primeiro, essa disciplinal<Uum.ir·se-ia ao aprendizado ape des culturais diJ~tantea da.a nossas, é necessArio que o ser humano seja
~:: nas esr.olar de oooheclnlentos, e o filósofo seria simplesmente umerudi· eapa• de instJuriU'umo dJI!IQncio de si mesmo (aquelA do" esplrito Cl'íti
....
·-..··
to entte outros, com o segundo. ao contrãtlo. ele aparece comomnverda eo") c. para .c;ompreender a si mesmo. de instituir o possibilidade de ter
dciro sAblo e nt6 mesmo, como diz Kont, como um "legiilidor" capaz de
.. ,.
r· aproendor c tnnsformu em leis válidas para sua própria vida os fins
em .relaçso a suos próprios tradiçOes um olhar de certo modo externo. Eis
;;. 0 quo exige .a "autorreflexJto"'1 com efe i1o. pnm tomar consciência de si
........ csaencinis dll ratno humann - R priJOcira e mais importante de] as, no mesmo, o ser bumano pJ.'ccisn estRr disu.nLe do si mesroo; entre outras
~J ~:;
...... plano prático, era o respeito pelo interesse gcnl (pelo universal) e. por coisas, é isso r1ue nos permlle considerar ponlos de vista diierentes dos
"'1:: conseguinte, peltt personalidade alheia.
'~;>.
nossos.
~ Porém, nno 6 s6 iaso - c f ne>lse ponto q ue a ética formal começa a
1)>. En<[l••nro o espfrito limito do permauece preso a sua comunidade de
:::.!!: ultrapnasnr n elruesma rumo a \tiDa doutrina do sentido ou da. silvaç:to:
;Jill': origem. a ponto do julgar que ela h única posslvel ou, pelo lnenos. que é
com essa oovo concepç!io. bumanista e ollo mais naturalista. de um cos ., a únlca boa e legltlmo. o C8Jllrito ampliado, ao se situar do ponto de 'ista
mos por • seim dlt.er aupraoatural. e com a definição inédita da vida boa ' alheio, consegue contemplar o mttndo corno espectador interessado e
que cla implica. RJ!Irece progrust•amente-ultrapassando o ideal moral benevolente. Na medido em <[llOaceita deseent:Talizar sua perspectiva
do "l\eino doe fins". portanto, a <.'tortação ao respeito, simplesmente inicial. subtrair-se do clrCldo limltado do egocentrismo, ele pode pene
leg>l. pcloa outros homens- uma nova representaçlo da vida boa. a exi tru os costtunes e oa vaJores di6untes dos teU$. depois, "~oltando a si
gtncia de uma • cxlsttncla com os oull'OS•, de mn ·mundo comam· , como mesmo. tomar conscitnc:Ll de ai próprio de u.ma maneira distanciada~
dbhendt. que finalmente estaria em conformicL!de com os princlpios menos dogmilica. c. I.Nim. t:nriqueccr consideravelmente suas pró..
do "pen"'-"'ento ampliado", ou seja. de certo tipo de coropreensJo do
priasvisóu.
LUC FERRY ~ Kant Crltica da faculdade de julgar 167
Em 'le't de comentar detolhadamente o )>ensrunento de Kant tal corno dtu'llllte urn ano; e&$3. v1agero rompeu w:irlha 'Vida. em duas. Os JivToa que
ele aparece neste ou n aquele parágrafo da terceix~ Critica, prefiro ilustrá. escrevi sobre essas duas viogens iç.ar<~m-me para novos donútúos de emo
lo aqui evocando preocupaç<;es contemporâneas. Num discuxso profen çllo. deram.-mc umavis!o de mundo que eu jamais tivera, ampliaram-me
do por oca$lão da entrega de seu prêmio Nobel , em dc.emhro de ~oo1 , 0
1ee;oicilJ)lente.
escritor anglo-indiano V. S. Naipaul descreveu com perfeição, sem
I
I , no entanto fazer a..menor referência.à·tr.:tdiçllo kantista. essa experiêncihdo N~o se vê a.q ui nem rel>egaçlo nem ren~n.cia ãs particularidades de
· · Antru~s
pensamento ampliado c os beneficios que ela pode trazer não apenaspa,..., a . ong
. ero um díst:mciamento, umaa.tUJ!li•çDo davisão que permite
,.
escrita de um livro. mas, de modo mais profundo. para a conduta de uma apreendê-las de outrá perspectiva, menos i.mtts-1, mais ger~, c. por con-
vi do humana. Ao contar sua inf§ncia "'' p equena ilhA de 'llioidad, Naipaul , i.nte. transfigurá-las no espaço da arte para delas extrair os momen
evoca as limitações inerentes a toda vida comunitária, encerrada Jlosparti ' ., :::ingularea.. ao mesmo tempo insubstittúveis e significativos para os
cularismos, em tennos que merecem ser restituidos em toda a suaprec5sllo: ontros- oquefmcom que a obra deNaipaul, longe de qualquer folclotie>no,
pudesse elevar-se à categoria de ..literaL1;ua mundial".
Nós, indianos. i.m.igrados da f.ndia [...] levãv-.unoa essencialmente'Vid:l$ No fundo, o ideal llterário mas igualmente existencial que Na ipalll
!:':' ritn:W:zadas e ainda nJI.o éramos capü7.C8 da amoavaliaçll.o necessári<t par;. desenha aqui significa que temos de ir além não apenas do egocentrismo,
~ (:omeçar a aprender[. ..). Em 'lrmid.<~d, onde,l'ecém -chegados, fol'lllfc\•a.tnos mas t rullhém <lo respeito simplesmente formal ou legal das difercn~as
~·!e.
uma eomw:ridade en.t desv:tntagem, esaa idei.) de exclusão era 1una espécie para entrar oa vid.a comum. que ê a única a dar sentido a nos~s existen
·" de prQteção que nos permitia, po:r um mom.euto apenQs, viver à no'.lsa ciss iDdividuaJs. Predsamos dos outros para C01npreender a nosmcsroos.
; :1
.. :maneira c seg1.1ndo nossas próprias regt·as. vi''Cl:' em nossa fndia que esta\':t precisamos <le s ua liberdade e. sepossivel, de sua felicidade par• realizar
.• se apagando. Bis a ra't.Ji.Opa.ra. um exb:aordiuirio egocentrismo. Olhávamos:
pa:ra dentro; cumprlalllO,a noa83.S jornadas-: o mundo externo existia numa
nossa pr6pri~ vida. Nesse sentido, a consideração da moral aponta, por
...... assim dizer. para uma problemática mais elevada: aquela que leva em
I ~ ·· espécie de obscuridade; não nos, intcgt·o\vamos e:m nJt.da [... ),
;;;.. conta os elementos suscetíveis de dar. de maneira subst:wcial. uma signi
f I .~ ..
:.: ~. ficaçlo ou \l;ma direção a nossas e.xistênclas e que temos de C\lltivar se
I ~"'
~l~
E N:úpaul pôe· se a explicar de que modo, depois de já se ter tomado quisermos consegu:ir. de certo modo. ••salvar- nos por nossas Jlróprias
I' esctitor. ''as zonas de b:evas" que o ej:rcundavam quando criança- os forças".
II I
....
~_ ..
~:r;::
':>;..
"""::
abo:rígincs. o Novo .MW'ldo, a Índia, o universo muçulmano, a África. a
Inglate)·ra - to1·oaram~se seus temas preferidos. que U1e permitiram, a
Nesse sentido, a concepção kantist> do peusamcnto ampliado, para
al!m do campo do estética, permite ooneeheruma resposta p ara a questão
certa dist.â:neia, escrevertn:nlivro-sobre sua ilha natal. Poste-:riormente ele filosôfiea cru.cial. a da "salvação sem Deus", que poder!amos simples
acrescenta o seguinte, que talvc~seja o essencial: mente formular da seguinte maneira, para que serv~ tornar-se adulto,
em~ell1ecer? Para a,mpliar a visão, amar o singular e i\s ve-Les viver a anula
1
Mas quando este livro foi conclWdo, tive a acnst!ç~o de que tinha tindo ç§o dotempo·que nos é dada pot sua presença. Talvez~><>ia menos do que a
tudo o qtiC podja de minha: ilhst. Porm& que eu refletisse. nenhu.ma omxa promessa cristã, mas quem podel'ia seriamente P.retender que nada
história.itle vinha ã cabeça. Então, o acaso vcio em meu socorro. Tomei•me fosse?
\i;l.jante. Fui para as Antilhas e entendj bem lnelhor o mecanismo colonial
de que eu havia fc.i to p;uie. l"ui para~ Índia. a páb'ia de meus âoccwais.