O Modelo Chileno - Fabiana Fredrigo.
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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1998 UNESP-FCL
respeito às escolhas políticas que foram feitas teoria à práxis política, uma vez que esse
e permite que, aos poucos, se configure o encaminhamento da teoria como um
quebra-cabeça da transição chilena. Da instrumento de mobilização suscitaria as
mesma forma, encaminha, inclusive o leitor transformações históricas, conforme o texto:
brasileiro, ao reconhecimento do cotidiano Pode-se dizer que o ato prático da apropriação his-
analisado pelo autor. Por outro lado, esse tórica, isto é, de intervenção no que é dado, especi-
almente de historicidade e transformação, requer
método discursivo, em algumas passagens,
uma consciência historiográfica entendida como um
distancia o texto de um exame mais mito mobilizador mais que como teoria. Não se ne-
pormenorizado e causa fastio. cessita tanto da verdade como da apropriação do
passado enquanto força simbólica, unificadora, ca-
O que ocorre é que, por vezes, a força da paz de modelar o presente. O mito é um saber con-
metáfora domina a idéia chave de tal forma vertido na crença capaz de suscitar a passionalidade
que uma explicação adicional assume caráter que conduz à práxis (p.380)2 .
desnecessário. O leitor, então, tem de Assim, mesmo guardando certa prevenção
estabelecer um grau de inteligibilidade à quanto ao uso veemente de metáforas e
abstração e se conformar com o excesso discordando de Moulian no que tange à
retórico. O que é para ser uma insinuação crítica sobre a pretensa objetividade das
converte-se em uma indução/sedução. Aliás, Ciências Sociais - intensa e extensa polêmica
parece ser esse um dos objetivos de Moulian: que não cabe nessa resenha -, não podemos
além da análise, o autor quer seduzir o leitor deixar de anotar que o autor é fiel, durante
à sua causa. Na realidade, esse é um objetivo todo o seu texto, ao tipo de análise que
da maioria dos autores. No entanto, explicita no prólogo:
acreditando que este livro de Moulian têm
Minha intenção é reaprender a escrever produzindo
relevância adicional para o panorama político esse texto. Prefiro enfrentar os perigos do excesso
chileno e que a escolha do autor em se retórico do que o vazio da hipocrisia, as ambigüida-
distanciar do vocabulário acadêmico lhe des do que o rigor gelado de um saber fechado. Este
é um ensaio. Seu destino não está nem na coerência
proporcionou aumentar seu poder de absoluta nem na demonstração formal de cada hi-
persuasão, pensamos que esta anotação não é, pótese. Joga-se com a insinuação. (p.11).
de nenhum modo, dispensável. Não sem
Propositadamente, a primeira parte do
propósito, por exemplo, Moulian faz uma
livro trata do Chile Atual e revela aspectos
crítica à Eugênio Tironi - hoje, o intelectual
comuns à América Latina pós-autoritária.
defensor da modernização neoliberal - e,
Explicita, por exemplo, como as
mesmo sendo ela de caráter só insinuante, a
transformações ditatoriais - que atingiram
discussão que o autor não pretende
especialmente a cultura política - levaram os
desenvolver está ali presente, com todo seu
latino-americanos à adoção fanática do
vigor. Na realidade, o tom discursivo de
"neoliberalismo salvador". Mostrando os
Moulian evidencia que para ele a produção
aspectos que elucidam o quanto essa
do conhecimento deve estar vinculada a uma
realidade no Chile assume contornos mais
razão prática que justifique a apropriação e o
graves, Moulian leva a concluir que os
desenvolvimento de determinado
chilenos, então transmutados de cidadãos
conhecimento. Nesse sentido, a produção políticos à cidadãos credicard, fecham os
histórica deve assumir a tarefa de conduzir a
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história fatalista que fez da razão o caminho a um projeto de modernização produtiva, com
acertado para a transição chilena, uma vez democracia e eqüidade. E, mesmo que essa
que se pensava ser este o único destino do opção não tenha sido percebida com todas as
Chile; textualmente pode se ler: nuances na época, quando se pôde enxergá-la
Uma das principais imagens que projeta o Chile
claramente, criou-se o mito. O mito que,
Atual é de algo sólido, 'que (não) se desmancha no desde então, se exportou e que faz referência
ar', porque se re/apresenta como a Única Raciona- à transição perfeita. Tendo sido uma escolha,
lidade. Argumenta-se desse modo: O Chile Atual é
assim porque teve de ser assim, não tinha outro ca- isso explica porque a necessidade dos
minho se queria seguir a direção da Razão. Somente chilenos em qualificar a transição como uma
muito além da Razão tinha outros caminhos. E jus- transição ideal e não como um mal menor
tamente esse olhar que desejo evitar, usando a es-
tratégia do salto narrativo. (p.16). (p.361).
Não obstante, quando Moulian nega o
Porém, se a crítica de Moulian é válida e
possibilismo chileno - enquanto estratégia e
fundamental para o contexto político que a
conduta política - acaba criando um
sociedade chilena vivencia, é preciso que se
inconveniente que se relaciona,
esclareça - e o autor não deixa de tocar nesse
paradoxalmente, com a visão de História
assunto - que sua postura pode ser mitigada
adotada por ele. Cabe transcrever o seguinte
com algumas considerações sobre o processo
trecho:
de transição chilena. Evidente que, entre
outros fatores, Pinochet tornou-se uma figura "Na História, entendida como a luta de sujeitos que
nela vão se constituindo, não existe necessidade. O
mitológica para os chilenos: para uns, ele era que existe são sim opções e oportunidades, situadas
o próprio demônio encarnado, com um poder e condicionadas, interpretadas pelos atores. "
que parecia emanar de algo superior; para (p.170).
outros, ele era o patriarca-provedor. Derrotar Como conciliar essa visão de História com
essa ditadura de caráter personalista não era a negação do possibilismo adotado pela
tarefa fácil para uma oposição acuada e oposição? Moulian quer se distanciar da
cansada dos desmandos dos militares. Assim, afirmação sobre a existência de "necessidades
apostou-se na probabilidade. Portanto, a históricas". Para tanto, em contraponto a esta
escolha da razão e da institucionalidade não idéia, utiliza a noção de que os sujeitos
se deu ao acaso. Porém, o grande problema históricos são os construtores do processo,
de Moulian é não aceitar, por princípio, o consolidando-o longe de qualquer
possibilismo. Assim, embora entenda as determinação apriorística. Porém, como
dificuldades que a oposição enfrentou, negar que, no decorrer dessa construção, os
mostra-se impiedoso nas críticas que sujeitos históricos encontram-se muito mais
endereça à Concertación. Avalia que a opção próximos da dimensão das probabilidades
pelo possibilismo - ou pelo conhecido históricas? Assim, para que se possa conciliar
realismo político - foi uma atitude que não se essa visão de História que o autor adota com
assumiu, conscientemente, entre as décadas a crítica que ele faz à oposição, é preciso que
de 80 e 90. No entanto, uma escolha se sua opinião seja, no mínimo, relativizada. Do
afirmou: a de deixar de lado o projeto de nosso ponto de vista, a História compõe-se,
aprofundamento democrático para alinhar-se sim, de probabilidades e possibilidades
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