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O Modelo Chileno - Fabiana Fredrigo.

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O MODELO CHILENO

FABIANA DE SOUZA FREDRIGO*

Moulian, Tomás. Chile Actual: Anatomia de un Mito. Santiago: Lom/Arcis, 1997.

O livro de Tomas Moulian1 sobre as rebuscadas, neste livro em especial, o autor


vicissitudes do Chile de nossos dias veio a buscou se distanciar, mais enfaticamente, do
público em meados de 1997 e se configurou léxico das Ciências Sociais. De acordo com
num extraordinário êxito de vendas, para a suas justificativas, a linguagem acadêmica,
surpresa de muitas pessoas, inclusive do grave e padronizada - associada à busca de
próprio autor. Este não é um acontecimento uma falsa objetividade científica - não
de todo excepcional e pode ser explicado pela permitiria a compreensão dos fatos que ele
capacidade que revelou seu autor de enfrentar pretendia abordar, uma vez que estes
os dilemas mais severos da transição política revelam-se fruto de uma época na qual se
vivenciada em seu país desde a retirada de experimentou a dor, o terror, a crueldade, o
Pinochet da presidência da República. Trata- delírio, enfim, uma época em que se viveu a
se, assim, de um livro que, em função de margem de experiências-limite. Dessa
forte e marcante traço de oportunidade, maneira, Moulian prefere que se tome seu
convenceu os chilenos de sua importância e livro como um ensaio, o que acaba
extrapolou o universo acadêmico. A conferindo ao autor a possibilidade de ousar
perspectiva de análise que investiga o Chile e, por meio dos riscos que esta análise pode
Atual como herança dos dezesseis anos de trazer, anunciar um tipo distinto de
ditadura faz com que o texto de Moulian seja, interpretação. Porém, esta interpretação só se
simultaneamente, uma fecunda interpretação faz válida à medida que desvela o mito, ou
da sociedade e política de seu país e uma melhor, que se proporciona a anatomia deste,
conclamação aos cidadãos para que estes se acertando as contas com o Chile ditatorial
revigorem do torpor que ainda os domina. que infinita responsabilidade teve na
construção mitológica do Chile "moderno e
Certamente, Moulian tem conhecimento
neoliberal".
das positividades de seu texto e, não por
acaso, resolveu adotar um discurso reforçador De um lado, essa ousadia discursiva nos
do que até então lhe era característico, deixa, realmente, mais próximos das
buscando o rompimento com os recursos experiências que o autor quer narrar e
textuais acadêmicos. Sempre afeito as analisar. Proporciona ao leitor avaliar as
metáforas e às construções lingüísticas mais razões da sociedade chilena no que diz

* Mestre em História pela Faculdade de História, Direito e Serviço Social/UNESP-Câmpus de Franca

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respeito às escolhas políticas que foram feitas teoria à práxis política, uma vez que esse
e permite que, aos poucos, se configure o encaminhamento da teoria como um
quebra-cabeça da transição chilena. Da instrumento de mobilização suscitaria as
mesma forma, encaminha, inclusive o leitor transformações históricas, conforme o texto:
brasileiro, ao reconhecimento do cotidiano Pode-se dizer que o ato prático da apropriação his-
analisado pelo autor. Por outro lado, esse tórica, isto é, de intervenção no que é dado, especi-
almente de historicidade e transformação, requer
método discursivo, em algumas passagens,
uma consciência historiográfica entendida como um
distancia o texto de um exame mais mito mobilizador mais que como teoria. Não se ne-
pormenorizado e causa fastio. cessita tanto da verdade como da apropriação do
passado enquanto força simbólica, unificadora, ca-
O que ocorre é que, por vezes, a força da paz de modelar o presente. O mito é um saber con-
metáfora domina a idéia chave de tal forma vertido na crença capaz de suscitar a passionalidade
que uma explicação adicional assume caráter que conduz à práxis (p.380)2 .
desnecessário. O leitor, então, tem de Assim, mesmo guardando certa prevenção
estabelecer um grau de inteligibilidade à quanto ao uso veemente de metáforas e
abstração e se conformar com o excesso discordando de Moulian no que tange à
retórico. O que é para ser uma insinuação crítica sobre a pretensa objetividade das
converte-se em uma indução/sedução. Aliás, Ciências Sociais - intensa e extensa polêmica
parece ser esse um dos objetivos de Moulian: que não cabe nessa resenha -, não podemos
além da análise, o autor quer seduzir o leitor deixar de anotar que o autor é fiel, durante
à sua causa. Na realidade, esse é um objetivo todo o seu texto, ao tipo de análise que
da maioria dos autores. No entanto, explicita no prólogo:
acreditando que este livro de Moulian têm
Minha intenção é reaprender a escrever produzindo
relevância adicional para o panorama político esse texto. Prefiro enfrentar os perigos do excesso
chileno e que a escolha do autor em se retórico do que o vazio da hipocrisia, as ambigüida-
distanciar do vocabulário acadêmico lhe des do que o rigor gelado de um saber fechado. Este
é um ensaio. Seu destino não está nem na coerência
proporcionou aumentar seu poder de absoluta nem na demonstração formal de cada hi-
persuasão, pensamos que esta anotação não é, pótese. Joga-se com a insinuação. (p.11).
de nenhum modo, dispensável. Não sem
Propositadamente, a primeira parte do
propósito, por exemplo, Moulian faz uma
livro trata do Chile Atual e revela aspectos
crítica à Eugênio Tironi - hoje, o intelectual
comuns à América Latina pós-autoritária.
defensor da modernização neoliberal - e,
Explicita, por exemplo, como as
mesmo sendo ela de caráter só insinuante, a
transformações ditatoriais - que atingiram
discussão que o autor não pretende
especialmente a cultura política - levaram os
desenvolver está ali presente, com todo seu
latino-americanos à adoção fanática do
vigor. Na realidade, o tom discursivo de
"neoliberalismo salvador". Mostrando os
Moulian evidencia que para ele a produção
aspectos que elucidam o quanto essa
do conhecimento deve estar vinculada a uma
realidade no Chile assume contornos mais
razão prática que justifique a apropriação e o
graves, Moulian leva a concluir que os
desenvolvimento de determinado
chilenos, então transmutados de cidadãos
conhecimento. Nesse sentido, a produção políticos à cidadãos credicard, fecham os
histórica deve assumir a tarefa de conduzir a

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olhos às imperfeições herdadas do duram há tempos. Na realidade, boa parcela


autoritarismo e se curvam à modernização da esquerda não aceita a deblaché do Estado
como se ela fosse muito mais importante do de bem-estar social e se vê encurralada diante
que o aprofundamento democrático - uma do propagado sucesso do neoliberalismo
escolha advinda da transição chilena, pautada chileno, mesmo acreditando ser este um mito.
pelo pragmatismo e pela racionalidade. O problema da Concertación não reside
A convivência e a conveniência em apenas no "modelo econômico" herdado. É
relação à democracia - neodemocracia, nas evidente que a centro-esquerda chilena
palavras de Moulian - que se herdou, convive com um duro dilema (que foi o
posterior a 1988, faz do Chile a pátria do mesmo para todas as democracias que se
esquecimento (p.37). Embora distintos estabeleceram, na América Latina, após os
projetos políticos para redemocratização regimes autoritários da década de setenta):
tenham sido apresentados, os chilenos reproduzir os índices econômicos da ditadura
resolveram eleger aquele que ostentava a e levar adiante a prosperidade e a
bandeira de mal menor e habituaram-se ao modernização do país para que não corra o
discurso político que privilegiava a risco de enfrentar uma crise de
racionalidade e o possibilismo3. Daí surge a ingovernabilidade. Nesse panorama, o reflexo
idéia de consenso, compreendido de modo na política é inevitável e todas as mudanças
desvirtuado. Para os chilenos, ele não assume nesta área tornam-se, efetivamente,
o lugar de uma prática necessária à política complexas e graduais. Porém, mais
que, longe da pretensa "harmonia social", não prejudiciais que o neoliberalismo, sem
homogeneiza ou faz desaparecer as divisões e deixarem de ser uma conseqüência dele, são
os conflitos sociais. Ao contrário, para o os efeitos da política que o Chile se vê
Chile Atual, o consenso nasce de uma obrigado a realizar - uma política tecnicista e
democracia truncada que propaga a morte das que se encontra amarrada pelo poder
ideologias e promove um jogo de cartas legislativo dos senadores designados.
marcadas, alargando os problemas de uma Tomás Moulian faz uma análise acertada
transição angustiante, daí ser certeiro o uso quando toca na ferida da esquerda, aberta por
da metáfora de uma "jaula de ferro" para a sua incredulidade da conversão latino-
democracia chilena. americana ao neoliberalismo. Profundamente
De acordo com a análise de Moulian, o golpeada pela ditadura em 1973, a esquerda,
sistema democrático chileno sofre do mal da especialmente, demorou para entender a
reprodutibilidade. O poder mudou de mãos e passagem do estatismo ao liberalismo, obra
a política democrática - fruto de uma do governo autoritário. No Chile, foi com dor
transição pactada4 com os militares - que se percebeu que Pinochet realizou o que
reformulou-se apenas em alguns aspectos. A a Unidade Popular utilizava como retórica
Concertación não conseguiu, ainda, driblar o discursiva: a revolução. Portanto, assumir o
modelo econômico deixado por Pinochet. E, processo de redemocratização exige conviver
talvez, nem seja o caso de tentar criar com o constrangimento e o mal-estar, além, é
desafetos entre a sociedade e neoliberalismo - claro, com a sobrevivência política de
já que ambos experimentam núpcias que Pinochet e a intromissão das Forças Armadas

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no Legislativo (com a atuação dos senadores Chile Atual, o neoliberalismo assume um


designados). Quando faz a crítica ao cidadão caráter demasiadamente real, sobrepondo-se à
credicard/weekend, Moulian elucida que o política.
neoliberalismo chileno foi além da área Para Moulian, a transição revalidou seu
econômica, transformou-se em obsessão e mito quando o exportou, criando e exibindo
assumiu os postos de socialização que, antes para o resto do mundo sua "face modelo".
de 73, ficavam a cargo da política. A Assim que a estrutura do regime militar se
propagada morte das ideologias confecciona viu protegida, realizou-se a passagem do
o maior dos mitos: o do fim da política que poder para os civis, representados pela
inaugura a possibilidade da resolução dos coalizão de centro-esquerda. Partindo desse
problemas políticos por meio de decisões pressuposto, Moulian avalia e compreende o
técnicas e pragmáticas. Dessa forma, a processo chileno como uma mera
política chilena atual não consegue criar um formalidade, uma aparência.
espaço cultural para seu desenrolar, uma vez Dessa interpretação anterior, advém a
que toda integração advém das relações idéia central do livro: a política chilena
mercantis. O neoliberalismo, desde então, é apenas incorporou o transformismo. Na
legitimado por um contexto histórico que realidade, a vitória militar se deu desde o
obstaculiza a compreensão e a elucidação dos desenho do projeto transformista - com a
mitos que envolvem a política chilena. Constituição de 1980 - até sua consolidação -
Todavia, o torpor do cidadão weekend - que é com as negociações de 1989 e a
o que parece incomodar Moulian, implementação do projeto de reforma
verdadeiramente - só pode ser ulttrapassado pactada. Sendo assim, a democracia
se a Concertación conseguir oferecer uma protegida nada mais é do que o fruto de um
opção aos encantos neoliberais. gato-pardismo. A transição revela-se, assim
Sabe-se que a partir do momento que a que se desprende do mito, como uma pseudo-
modernização se estabeleceu nas alamedas de mudança, estrategicamente articulada e
Santiago, uma importante virada na cultura imposta pelos militares para forçar sua
política chilena se impôs no cotidiano do permanência entre os meandros do poder. Tal
cidadão comum. Como afirma Moulian, como esclarece o autor:
qualquer política que exige heroísmo é vista
Chamo de transformismo o longo processo de pre-
como elitista (p.263). Dessa maneira, paração, durante a ditadura, destinada a permitir a
oferecer uma opção não pode significar o continuidade de suas estruturas básicas sob outras
roupagens políticas, as vestimentas democráticas. O
rechaço à modernização - parte integrante da
objetivo é o "gato-pardismo", mudar para permane-
vida do cidadão credicard. Antes disso, a cer. (p.145)
Concertación deveria dar mostras firmes de
que a política tem espaço. Para tanto, a Dessas considerações sobre o Chile Atual,
aderência ao discurso sobre a "morte das Moulian revela todo seu pessimismo e
ideologias" não colabora em nada. Mobilizar descrença diante da transição que se efetivou
uma sociedade civil integrada pelo mercado e não poupa críticas ao caminho que a
exige motivos mais próximos ao seu mundo e oposição resolveu trilhar, a partir de fins de
é preciso que se atente para o fato de que, no 19865. Entende o autor que se deve fugir da

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história fatalista que fez da razão o caminho a um projeto de modernização produtiva, com
acertado para a transição chilena, uma vez democracia e eqüidade. E, mesmo que essa
que se pensava ser este o único destino do opção não tenha sido percebida com todas as
Chile; textualmente pode se ler: nuances na época, quando se pôde enxergá-la
Uma das principais imagens que projeta o Chile
claramente, criou-se o mito. O mito que,
Atual é de algo sólido, 'que (não) se desmancha no desde então, se exportou e que faz referência
ar', porque se re/apresenta como a Única Raciona- à transição perfeita. Tendo sido uma escolha,
lidade. Argumenta-se desse modo: O Chile Atual é
assim porque teve de ser assim, não tinha outro ca- isso explica porque a necessidade dos
minho se queria seguir a direção da Razão. Somente chilenos em qualificar a transição como uma
muito além da Razão tinha outros caminhos. E jus- transição ideal e não como um mal menor
tamente esse olhar que desejo evitar, usando a es-
tratégia do salto narrativo. (p.16). (p.361).
Não obstante, quando Moulian nega o
Porém, se a crítica de Moulian é válida e
possibilismo chileno - enquanto estratégia e
fundamental para o contexto político que a
conduta política - acaba criando um
sociedade chilena vivencia, é preciso que se
inconveniente que se relaciona,
esclareça - e o autor não deixa de tocar nesse
paradoxalmente, com a visão de História
assunto - que sua postura pode ser mitigada
adotada por ele. Cabe transcrever o seguinte
com algumas considerações sobre o processo
trecho:
de transição chilena. Evidente que, entre
outros fatores, Pinochet tornou-se uma figura "Na História, entendida como a luta de sujeitos que
nela vão se constituindo, não existe necessidade. O
mitológica para os chilenos: para uns, ele era que existe são sim opções e oportunidades, situadas
o próprio demônio encarnado, com um poder e condicionadas, interpretadas pelos atores. "
que parecia emanar de algo superior; para (p.170).

outros, ele era o patriarca-provedor. Derrotar Como conciliar essa visão de História com
essa ditadura de caráter personalista não era a negação do possibilismo adotado pela
tarefa fácil para uma oposição acuada e oposição? Moulian quer se distanciar da
cansada dos desmandos dos militares. Assim, afirmação sobre a existência de "necessidades
apostou-se na probabilidade. Portanto, a históricas". Para tanto, em contraponto a esta
escolha da razão e da institucionalidade não idéia, utiliza a noção de que os sujeitos
se deu ao acaso. Porém, o grande problema históricos são os construtores do processo,
de Moulian é não aceitar, por princípio, o consolidando-o longe de qualquer
possibilismo. Assim, embora entenda as determinação apriorística. Porém, como
dificuldades que a oposição enfrentou, negar que, no decorrer dessa construção, os
mostra-se impiedoso nas críticas que sujeitos históricos encontram-se muito mais
endereça à Concertación. Avalia que a opção próximos da dimensão das probabilidades
pelo possibilismo - ou pelo conhecido históricas? Assim, para que se possa conciliar
realismo político - foi uma atitude que não se essa visão de História que o autor adota com
assumiu, conscientemente, entre as décadas a crítica que ele faz à oposição, é preciso que
de 80 e 90. No entanto, uma escolha se sua opinião seja, no mínimo, relativizada. Do
afirmou: a de deixar de lado o projeto de nosso ponto de vista, a História compõe-se,
aprofundamento democrático para alinhar-se sim, de probabilidades e possibilidades

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infinitas. Entretanto, longe do fatalismo ou deixa de suscitar o temor e dispõe - a bel-


das determinações apriorísticas, as prazer - do poder que emana de sua figura e
probabilidades não se dão ao acaso, estando sua posição. Cabe, então, retornar ao
circunscritas às "necessidades históricas" que argumento inicial dessa resenha: os temas
se impõem e convergem para uma ação levantados pelo livro de Tomás Moulian
dialética, afirmadora da conduta dos sujeitos extrapolam sua importância acadêmica e
históricos6. sugerem uma oportunidade para que se reflita
Dessa maneira, sustentamos que a crítica sobre a tormenta política que o Chile
que deve ser feita à oposição política não é atravessa.
quanto à estratégia utilizada, mas sim quanto Entendemos que a positividade da
à condução adotada. A negociação de 1989, abordagem proposta por Moulian encontra-se
após o rechaço à Pinochet por meio do no desvelar que este faz dos mitos da
plebiscito, revelou uma oposição sociedade chilena. A interpretação fecunda
amedrontada que, diante da possibilidade de do Chile contemporâneo - ou Atual, como
vitória nas eleições presidenciais, agendadas prefere o autor - remete à busca das razões
para dezembro do mesmo ano, preferiu dos mitos do país no seu passado. Porém,
amortizar o choque e não entrar em conflito esse flashback - que recorre à experiência da
com as Forças Armadas. Em nome da Unidade Popular e aos passos do regime
estratégia emergente do realismo político, militar - não deve ser tomado como se a
buscou-se dominar as expectativas sociais. genealogia fosse uma das grandes obsessões
Ilusão triunfalista ou não, o fato é que, do autor. Ao contrário, sua intenção foi
naquele momento, vivia-se a revalidação da avaliar os distintos processos políticos
tradição político-cultural chilena, que se vivenciados por este país sul-americano e
pautava pelo legalismo e pela repelência à investigar aspectos importantes da cultura
polarização e aos choques políticos - política chilena. Em decorrência desta
marcando estes últimos uma presença característica, a leitura é fundamental não só
constante desde a experiência traumática do para o público chileno. Certamente, além de
golpe militar de 1973. Não obstante, é termos a oportunidade de nos inteirar mais da
compreensível o inconformismo de Moulian história política chilena, também, nos
e, diante do Chile Atual, se faz necessário reconheceremos na narrativa de Moulian,
repensar as estratégias que privilegiam, quase desde que guardadas as devidas diferenças
sempre, o esquecimento, a amortização dos históricas entre Brasil e Chile.
choques ou então a política do consenso (se
desvirtuada, como já se analisou).
1 Este autor é cientista político chileno, foi pesquisador da
Passados nove anos de governo civil, o FLACSO (Faculdades Latino-Americanas de Ciências
Sociais) e, atualmente, é diretor e professor do curso de
Chile não conseguiu, ainda, se desvencilhar Ciências Sociais da Universidade de ARCIS de Santiago do
Chile
dos mecanismos de tutela da ordem
2Apenas como um acréscimo a esta interpretação, podemos
democrática. Além disso, a mais nova buscar a fonte explicita de Moulian, neste caso, Walter
discussão que toma conta do cenário político Benjamin. Do mesmo modo que este teórico, Moulian
entende que o recorte do passado - embora não use o termo
diz respeito a uma herança infeliz do período "resgate" como o faz Benjamin, o sentido é o mesmo - pode
iluminar o presente e, assim, conduzir à ação prática para a
militar: os senadores vitalícios. Pinochet não transformação.

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3 Quando nos referimos ao caráter possibilista da transição


chilena, queremos nos remeter à atitude da oposição em fins
de 1986. Neste contexto, tendo assistido ao fracasso das
mobilizações sociais contra o regime e vendo este último sair
fortalecido, a oposição, dominada pela crença de que aquela
ditadura poderia se eternizar, resolveu promover um giro
estratégico. A primeira a propor essa mudança, já desde
1984, foi a Aliança Democrática (uma coalizão opositora de
tendência centrista), especialmente por melo da Democracia
Cristã. Pensando nos artigos da Constituição de 1980, a
oposição, com o derrocamento das protestas, resolveu entrar
no jogo legal e passou a convencer outros setores da
sociedade civil da necessidade de uma preparação para o
plebiscito de 1988. Esta discussão encontra-se desenvolvida
em minha dissertação de mestrado, defendida pelo Programa
de Pós-graduação da FHDSS/UNESP-Franca, Intitulada:
Mobilizações Sociais e Ditadura: A Influência das Protestas
na Transição Chilena.

4 Moulian discute, em textos anteriores a este, as distintas


estratégias da transição chilena e conclui que ela representou
uma reforma pactada. Essa interpretação indica duas
Importantes características desse processo que ocorreu,
formalmente, entre os anos de 1988-1989: 1) ele se efetivou
por meio de um pacto entre a oposição e os militares, 2) com
a Constituição de 1980, os militares referendaram seu projeto
de transição e traçaram ali os mecanismos que instituíram a
democracia protegida. Nessas condições, a institucionalidade
democrática com a qual a Concertación teve de lidar não
permitia profundas transformações. Ao contrário, foi preciso
que se negociasse com os militares reformas, que
praticamente criaram uma espécie de democracia tutelada,
com constante intervenção militar em assuntos políticos. Para
uma análise mais detalhada, ver: MOULIAN, Tomás.
Limitaciones de la transición a Ia democracia en Chile.
Proposiciones, n.25, Santiago: SUR, 1994.

5 Estamos nos referindo à escolha da oposição em deixar de


lado o discurso sobre a ilegitimidade da Constituição de 1980
e aderir à institucionalidade, buscando efetivar uma
campanha pelo "NO" para o plebiscito que estava marcado
para 1988. Este deveria decidir sobre a continuidade ou não
de Pinochet.

6 No entanto, Moulian não acredita nessa ação interativa.


Para ele, onde há a "necessidade histórica" não há opção, o
contexto não pode ser modificado, pois se encontra em seu
estado "natural" Para esclarecer esta questão, ver,
cuidadosamente, p.380-382.

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