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Nova República Sem Máscara: uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário da independência (2010-2021)
Nova República Sem Máscara: uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário da independência (2010-2021)
Nova República Sem Máscara: uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário da independência (2010-2021)
E-book402 páginas5 horas

Nova República Sem Máscara: uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário da independência (2010-2021)

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Sobre este e-book

Este livro se prontifica a fazer uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário de sua independência. A tarefa é árdua, visto que na condição de historiador, é sabido que, às vezes, é necessário um recuo seguro do tempo. Contudo, qual é o tempo preciso que delimita a segurança? Impossível precisar.
A Nova República passou nos últimos dez anos por eventos alucinantes. Não se teve um mínimo de paz em todo esse tempo. A vida do cidadão brasileiro foi consumida por intrigar políticas, problemas sociais, discursos moralistas e crises econômicas. É a pior década da história econômica do Brasil republicano.
O debate político foi às favas. Havia entre nós o mínimo de cordialidade, quando o assunto era política. Violência contra presidenciáveis, ataques a jornalistas, discursos de ódio e o ambiente tóxico das redes sociais carbonizaram a vida do leitor nos últimos dez anos. E, você, às vezes, nem sabe o porquê.
A pandemia da Covid-19 tornou o cenário muito pior. Disparado, o Brasil é o país com o pior desempenho no combate à doença. O descaso com o número de mortos, o falso dilema vida versus economia e as ações lamentáveis do presidente Jair Bolsonaro foram trazendo novas reflexões.
A presença obrigatória das máscaras, por questões sanitárias, escondendo uma parte das faces levou o autor a refletir: o que está escondido na história recente da Nova República? O debate político raivoso, tóxico e agressivo no que tange ao combate à pandemia só levantou novos questionamentos, afinal, a vida é o bem mais precioso que temos.
O terrível cenário supracitado levou o autor a indagar sobre a questão estrutural: o Brasil é um país carente de projetos. Tal constatação é triste! O deserto de ideias é gigantesco. E a culpa é dupla. Primeiro, ela deriva da nossa incapacidade de fazer política; segundo, o Brasil se tornou assim por conta da presença corriqueira do neoliberalismo entre nós.
O escritor havia encontrado o "Fio de Ariadne". O Brasil se tornou um laboratório de um neoliberalismo agressivo, violento e, infelizmente, reacionário. Sem política, não há projetos; sem projetos, reina a violência; com a violência, não há política. Jair Bolsonaro foi eleito nesse cenário. Esse é o Brasil real, que sofre às vésperas do bicentenário da independência.
Com prefácio da professora Dra. Carla Reis Longhi, o livro convida o leitor a entender uma parcela de nossos problemas reais nos últimos dez anos. Vamos tirar a máscara da Nova República!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de ago. de 2021
ISBN9786525204826
Nova República Sem Máscara: uma interpretação do Brasil às vésperas do bicentenário da independência (2010-2021)

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    Nova República Sem Máscara - Gustavo dos Santos Prado

    1. O Brasil acolheu Mises...

    Ø Brasil assistiu nos últimos dez anos à popularização do nome de Mises. A frase Menos Marx, mais Mises ganhou espaço em protestos de rua que pediram o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff; haviam cartazes que pintavam o nome de Marx de vermelho e Mises de verde e amarelo, como se o escritor austríaco tivesse escrito em seus inúmeros tratados de economia uma base segura para os rumos da nação, debilitada por uma crise econômica que não havia precedentes na história recente do país.

    Dilma havia herdado de seu antecessor, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, um cenário econômico relativamente favorável, por conta da forte intervenção estatal na economia para conter o avanço da crise de 2008 – que se somou a várias outras crises que o próprio liberalismo produziu ao longo do século XX. Iniciada pelo choque do setor imobiliário, a crise de 2008 foi alimentada por outras variáveis: o gasto incontido dos Estados Unidos na Guerra do Iraque e a falência de empresas que resultaram em uma onda de desemprego em massa³⁸; por outro lado, manteve-se a postura incessante pelos altos rendimentos na economia especulativa, que simbolizou a dificuldade de o Estado governar a macroeconomia. ³⁹ A falência do Lehman Brothers, banco de investimento que surgiu em 1850, foi o maior símbolo dessa catástrofe econômica.

    Lula, diante do caos econômico que chegou ao país, reduziu o imposto de produtos industrializados de linha branca para manter a liquidez do mercado interno, fora a manutenção da agenda assistencialista e dos programas sociais. Membros da oposição naquela altura também pediram uma maior interferência do Estado como fórmula para estancar os efeitos da crise: Andrea Calabi, uma das economistas do Plano Real, que implantou de forma efetiva uma agenda neoliberal organizada no país, defendeu, no auge da crise, uma agenda de fiscalização por parte do Estado.⁴⁰

    A confiança de Lula diante do gerenciamento do Estado na crise econômica resultou em frases do ex-presidente que se tornaram pérolas, quando a crise inventou de chegar por aqui: Lá, a crise é um tsunami. Aqui, se chegar, vai ser uma marolinha, que não dá nem para esquiar. Obviamente, outras variáveis incidiram no caos econômico que já completou 10 anos – que resultou na pior década de crescimento econômico da história do Brasil República; no entanto, a crise se tornou um tsunami contínuo, cuja devastação ainda está distante de terminar.

    Dilma Rousseff herdou esse legado que se somou à crise da Zona do Euro, a desaceleração da economia chinesa (o grande parceiro comercial do Brasil) e a recuperação lenta da economia norte-americana.⁴¹ Sua equipe econômica oscilou do estímulo à econômica à desaceleração ao próprio estímulo, que criou um ambiente terrível para os negócios e uma crise fiscal sem precedentes.⁴²

    Acossada por uma oposição liderada pelo senador mineiro Aécio Neves, que nunca aceitou a sua derrota nas urnas em 2014, pela Operação Lava Jato, que chegou de forma firme nas lideranças petistas, com destaque ao ex-presidente Lula e o seu distanciamento com o Congresso Nacional, Dilma oscilou diante desse momento político atípico. Colocou como ministro da economia, Joaquim Levy, de perfil ultraliberal, um Chicago Boy, para dar rumos à nação. O resultado foi catastrófico: o Poder Executivo tinha um perfil intervencionista e o Ministro da Economia era um ultraliberal. Nesse movimento, Dilma não deu confiança para o seu próprio eleitorado e municiou a oposição que nunca aceitou a própria derrota.

    As ruas foram tomadas por movimentos à direta organizados por redes sociais: elas abriram as portas para pessoas reacionárias, cuja democracia é algo que desejaram exterminar. A mídia hegemônica dizia que os movimentos eram legítimos e que o processo de impeachment seguia o fluxo natural de um país que tinha uma democracia sólida. As pedaladas fiscais, segundo a grande mídia, foram um motivo mais do que justo para tirar Dilma do Executivo, e, desde então, os discursos reacionários ganharam terrenos e foram idolatrados.

    Golpe versus legalidade ainda é um embate que sangra a nação, pois criou um ambiente hostil à política. A ideia aristotélica de que somos um animal cívico perdeu espaço, e por conta disso a sociedade brasileira, às vésperas de sua independência, se tornou uma ave de rapina que só aspirava atender aos interesses da própria natureza.⁴³

    Menos Marx, mais Mises foi ganhando espaço nesse cenário. Agora ela já era colocada em camisetas, bandeiras e carros. Frisa-se que adesivos, repletos de misoginia, usando a imagem da presidente impichada eram colocados de forma estratégica nos buracos do tanque de combustível dos carros, criando um pandemônio que misturava sexismo com desejo de maior liberdade econômica. Tais gestos procuravam salientar que simbolicamente uma mulher não seria capaz de governar a nação: o patriarcalismo havia triunfado mais uma vez, consoante uma vontade caprichosa e despótica, como bem afirmou Sérgio Buarque de Holanda.⁴⁴

    Mises ganhou ares de novidade em tempos recentes, em um país que foi conduzido por décadas por líderes políticos que acreditavam e executaram as suas ideias e as de seus seguidores, a exemplo de Milton Fridman e Friedrich Hayec. Ludwing Von Mises (1881-1973) nasceu no Império Austro- Húngaro. Graduou-se em direito e economia em um momento de expansão da Escola Austríaca, que passou a criticar as análises econômicas clássicas, a exemplo de David Ricardo e Stuart Mill, pois elas não dariam espaço às ações dos indivíduos, mas sim às classes sociais, o que resultou em análises que não conseguiram investigar o papel do consumidor nos valores dos preços.⁴⁵

    A análise da economia com base nas classes sociais foi amplamente utilizada por Marx, seja no O capital⁴⁶ ou no Manifesto Comunista⁴⁷, obras nas quais Marx alega que a história humana é marcada pela luta de classes, denunciando a exploração do trabalho existente no sistema capitalista e sua falta de liberdade.

    Mises, seguindo os ensinamentos de Carl Menger, fundador da Escola Austríaca, entrou nesse debate alegando que o valor das coisas estava intimamente atrelado ao indivíduo, que faz suas escolhas no mundo real com base em suas preferências e valores⁴⁸; endossando o discurso que não haveria uma luta de classes, mas cada tipo de fator contribui harmoniosamente para o produto final, destinado a satisfazer os mais intensos desejos dos consumidores com a máxima eficiência⁴⁹.

    Ao longo da década de 1920, Mises se colocou contrário a qualquer tipo de intervenção estatal na economia, pois ela minaria a liberdade individual. A economia planificada da União Soviética e o modelo de estado intervencionista proposto por Maynard Keynes tornaram-se os alvos preferidos de Mises. Qualquer tipo de intervenção estatal na economia era vista como nociva para o economista austríaco. O ranço ao capitalismo, segundo o autor, teria surgido com a aristocracia agrária do século XVIII⁵⁰ e que tinha chegado ao ápice com Marx; e daí resulta o problema, pois o capitalismo teria sido batizado por alguém que não entenderia a economia e a própria história.⁵¹

    Visando quebrar esse paradigma, Mises estruturou o conceito de praxeologia, que procura investigar a ação do sujeito em si, que jamais poderia estar satisfeito com a sua situação, não poderia ser feliz com aquilo que tem e que sempre deveria almejar a satisfação dos seus próprios desejos.⁵² Mises coloca que a ação humana seria sempre racional e que o homem em competição lutaria para possuir um melhor espaço no tecido social, o que melhoria a vida e a sociedade como um todo. Tal movimento da ação humana criaria várias ramificações, raízes e funções na economia que seguiriam as leis do livre mercado, a qual Mises denomina no seu tratado de economia de catalácticas.⁵³

    Mises faz um esforço homérico em sua obra para desqualificar a história. Na visão dele, a história não soube trabalhar com a economia, que só poderia ser investigada de forma livre, ou seja, por economistas⁵⁴ e que a própria história da economia havia sido deturpada por escritores que tinham ojeriza ao capitalismo.⁵⁵

    Usando uma estratégia já conhecida pelos historiadores, rotulou historiadores de marxistas e condenou a história escrita por eles. No modelo de Mises não teria a possibilidade de existir historiadores não marxistas. Uma forte balela! Bastaria pensar na figura der François Furet, historiador anticomunista e crítico do regime soviético. Ele é aclamado por historiadores liberais.⁵⁶

    No entanto, Mises, em suas análises não deixa de usar da história, embora ele a use a seu modo. Qualquer historiador percebe que Mises dialoga pouco com historiadores e é avesso às fontes documentais, embora tal característica demarque a Escola Austríaca; no entanto, a afirmativa enquadra Mises à medida que ele entendia que os conceitos teóricos são pré-requisitos para a interpretação do material histórico⁵⁷.

    Dito de outro modo, só lhe importava o fato histórico travestido de verdade que servisse para alimentar o seu discurso científico em torno da economia cataláctica. O economista austríaco entendia que Keynes e Marx eram as ameaças reais ao liberalismo, quando em tese, à luz da própria história, a ameaça real ao liberalismo em seus territórios centrais, afora seu próprio colapso após 1914, vinha da direita.

    Entre 1920 e a queda de Hitler, nenhum regime foi derrubado em parte alguma por revolução comunista"⁵⁸ A Ação Humana, seu tratado econômico, que foi escrito nos tempos duros de Segunda Guerra Mundial, traz o receio de um intelectual que via o comunismo como uma ameaça à propriedade e ao privilégio social. ⁵⁹

    Mesmo teorizando a teoria cataláctica, Mises não deixa de lançar mão de argumentos históricos. Em sua maioria foram lastimáveis. Ele coloca que movimentos à esquerda, a exemplo de stalinistas, trotskistas, mencheviques, seguidores da II Internacional, entre outros, lutam uns contra os outros de forma desumana e brutal.⁶⁰ Dito de outro modo, qualquer princípio coletivista poderia minar com a democracia, a liberdade e com a economia cataláctica.

    O que Mises não dialoga (omite) e que as grandes guerras mundiais foram movidas por conta das disputas das grandes potências imperialistas em busca de mercados consumidores na África e Ásia. Durante a Era dos Impérios, a política e a economia haviam se fundido⁶¹ e a rivalidade política internacional se modelava no crescimento e competição econômicos, tipicamente travados em torno de objetos específicos e limitados, tratava-se por metas ilimitadas⁶².

    A desonestidade em Mises reside na sua interpretação dúbia: as guerras ocorrem de políticas anticapitalistas elaboradas com o propósito de impedir o funcionamento do capitalismo⁶³ (leia-se intervenção estatal), mas a inibição da produção de armas pelo empresário seria uma conduta louvável e um mero gesto sem efeito prático⁶⁴, pois os empresários servem os consumidores tal como eles são hoje, por mais perversos e ignorantes que sejam⁶⁵. A justificativa de Mises, ao final, reside no fato de que se um empresário não produzisse suas próprias armas, o Estado iria fazer questão de fazê-lo.

    Como bem salienta Jean Paul Sartre: quando os ricos fazem a guerra, são os pobres que morrem. Renato Russo, líder da Legião Urbana, famosa banda brasileira da década de 1980, em uma música chamada a Canção do Senhor da Guerra, poetisa: Mais uma guerra sem razão/ Já são tantas as crianças com armas na mão/ Mas explicam novamente que a guerra gera empregos/ Aumenta a produção⁶⁶. Na óptica de Mises, aquele que produz está sempre provido de uma ética que só poderia ser interpretada à luz da ação humana.

    Outro exemplo de argumentos históricos lastimáveis é a de que o nazismo seria um regime socialista. Esse tipo de discussão tornou-se comum por aqui. Uma rápida pesquisa no Google mostra a quantidade de vídeos e artigos que disseminam esse impropério, que carece de qualquer tipo de base histórica sólida. Mises associa toda a prática de intervenção estatal na economia como sendo prática de líderes à esquerda, embora ele reconheça que empresas estatais poderiam ser criadas em países capitalistas. No caso da Alemanha Nazista, Mises entende que não haviam empresas privadas, embora elas fossem denominadas como tal. O proprietário era chamado de gerente ou "chefe de negócios (Betriebsführer)" ⁶⁷.

    Como o Estado alemão controlava as ações econômicas, Mises diz que o nazismo era uma espécie de socialismo⁶⁸; ou seja, em suas reflexões, qualquer tipo de intervenção estatal seria socialista e que tinha sido adotada em todos os países nas últimas décadas⁶⁹. Aí reside o problema de um autor que faz a leitura histórica a seu modo. Mises aproxima o nazismo à esquerda por pura conveniência, visto que isso endossaria a demonização de práticas intervencionistas que ocorreram ao longo da história para dar conta dos desarranjos do próprio desenvolvimento da economia cataláctica.

    Qualquer autor mais sério sabe que o nazismo era uma terceira via ao liberalismo (defendido por Mises) e ao socialismo soviético. Em uma ótica econômica, o único ponto que permite a aproximação entre nazismo e comunismo, na qual Hannah Arendt intitula de totalitarismos, é que Stalin e Hitler usaram da economia para atender às suas próprias finalidades, ou seja, agem nos seus próprios países que juram defender como

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