Arcadismo e Neoclassicismo - Benjamin Abdala PDF
Arcadismo e Neoclassicismo - Benjamin Abdala PDF
Arcadismo e Neoclassicismo - Benjamin Abdala PDF
As Organizadoras
C) 2007 by Autor(a)
Dlreçllo ,....,
Henr:lque,Vllnbor Flory
Superylsao Geral ele l!dltoniçllo
~ •e.,,.
Benedita Aparecida camargo
L755
Uteraturas de Ungua Portuguesa: marcos e marcas
Portugal / Benjamin Abdala Junior - São Paulo: Arte &. Oênda, 2007.
p. 364, 21on
(Coleção Literaturas de Ungua Portuguesa/ organizadoras Maria
Aparecida Santllll e Suely Fadul Vllnbor Flory, v.1)
Blbllograffa .
por que não faz fruto ~ palavra de Deus? Por culpa dos pre- ~ s de seus passos. Na Inglaterra do ~culo XVII, a bµ.rguesi~
gadores. Sabeis pregadores por que não faz fruto a palavra assumiu o poder. Na França, isso ocorrerá s6 em 1789. No
de Deus? Por cplpa nossa:. , 1 século XVIII, os ingleses viverão a Revolução Industrial e a
ascensão ao capitalismo. Essas transformações das técnicas de
· _erodução acarretaram o grande desenvolvimento das ciênci~
130
131
: · natura.is~ pois, para expandir a .prod~o_, era preciso ç~~~~~r } ~ desigualdade, achava que !.1--própriedade privada era um mal
· ~ pr.op~i_e~d~ ~ i:natéri~_.Q__Ç9@~Q,W~nto _da..realidade,_!Jle- ~ · .- jnevitávd.
,
Acreditava
•
na possibilidJde
; t
de limitar gràncfes ·p· rÓ-
.diante? métod~_~p~.i:itn.~rit:µ t ª11~Qç_9,_?,cahou por_apr~~!}plr ~ ~
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priedades e com isso defendia os pequenos proprietários. Sua
modelos para as ciê~çias hu.qi~3.$- Filósofos passaram a acredi- ! · obra Q contr"to~cial defende oJ4e~ democrático de que o ~ ·
tár ·na ~º com~ única fonte d~ conhecimento da ·natureza
:.· e da vida em sociedade. A_~Jjgião e a _Igr~ a _são vistas, então,
-· como instrumentos da ignorância e ~ a . ü )conhecimento e ··
o domínio da natu,reza constituíam ás condições básicas para se
, atingir uma formação sócio-econômica de liberdade.
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saber~~ -~ ~~ ·s_er?- vo~~de ger~---~~-hleal foi s~9:~_p_or
Robespierre, um dos líderes da Revolução Francesa.
. A forní~ _ cozeito de liberalismo econômico vem
dessa épocal -~- . S.mL.. em A ri ueza das
ra a ue Estado não everia inte erir na vida ec " · a. A
-ões, consi e-
: ::'· -';: ',O pensamento crítico da época, aproximando.cientistas, 4· burguesia, já fortalecida pda explõraçâo colonial e pelos m-;;=-
0-vfilós~fos e escritores, não ace~t~ya, n(?._plano político, º Estado ~ ;~p6lios comerciais, não mais precisava do apoio do Estaç\o
. .-;;·5 ~bsolutista e suas instituições e coloco1:1-se c~n~a a ~o~stante
-.. ~\ .J mtervenção do poder real na economia, pois isso hm1tav3: o
1· ~
Absolutista, _que p~avã""ã ser um entrave ao _crescimento na-
-tural dos capim.is e ao moc;lo de produção capitalista. Ççitq~_de
: .~;~,·.. direito da propriedade. Ih!Jajn1$1!10 é o nome que se deu a esse ~ .que <i n:~b~~-~_que con~cituiria á _verdack!@_fun..t~.d~~e-
.·"'i< movimento de renovação intelec~ iniciado na Inglaterra e 1· ~ t ~•.os burgueses reivindicaram a liberdade de uma economia
-~. ~, ,.:· que chegou ao apogeu na França da Revolução. -~~ ~iada na oferta.e procura (prod~çãÕ'""econsil.mot- Nã'1ng1ã-=
. ;..r. . O Iluminismo esteve-associado à ideologia d.a burguesia ~ g terra, o· desenvolvimento do môdo cfepiodução capitalista,
em ascensão, que surgiu das tran~formações econômicas, po- 1 -=,=i fundamentado na gpnde ·mdústria e na exploração do traba-
líticas e sociais européias. Na medida em que criticava o Es- · J ~ lho assalariado, necessitava de ~plos mercados produtores e
tado Absolutista e a política econômica do mercantilismo, o ...i, consumidor &se fato colocou a burguesia em conflito com
Iluminismo preconizava a igualdade de poderes e a liberdade ~ ~ o monopólio comercial das metrópoles sobre as colônias. Tais
t •• - -· - • ••. - - -
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·com çolaboradores como Voltaire ç ,R9~~~au.,.A organização & das formações políticas características desse século, que ocor-
d.a enciclopédia representou uma tentativa de sftste~atizar ~ }. reu em Portugal' (como na Europa), foi a ascensão do Despo;:.
·todo o , éóhhecimento humano, disponível até então. Voltai- ~:.:.::,:..-==.:.:e::.::c:,;:id::;o~ ·cujo mentor, na filosofia, foi Voltaire.
~ 694-1778), um dos grandes pensadores do Iluminismo, i-~ { ,
preo~poü-se fundamentalmentt: com questões políticas e ~
sociaís. CritlcQU,...a.lgttiJª... ~ª.tó~~ca e ~ .! ~!ações ..de .servi~o.
ut:idário das liberdades individuais reconizava a ascensã
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~
O Iluminismo em Portugal
Enquanto. isso, ~-Paris revolucionária dava o golpe de- fil6sofos e cientistas entendiam que com a ~ o - e por meio
!initivo na ·monarquia absoluta e iµici~va o der bur dela - seria entendido o mundo, ou seria atingido o conhe-
~ Portugal, porém Pina Maniqu_ e (1733-1805} tomou-se cimento, ~ JtQC ;brade m troden. ue a arte era ~~
o gran es or do reinaaó de D . Maria 1.- Como-mtenden- tspíriro Üi\ verossimi.lhan a "veras.d~ ., constinúda
•te-geral da polícia, desenvolveu uma forte e i~tensa repressão P.ºr verdades constatáveis por meio da Observação, e verdades
às pessoas e idéias que sugerissem identidade com a França. imaginadas. Decorre dessas circunstâncias o fato de que a li-
Proibiu a cir~ação de livros considerados perigosos., . perse- teratura árcade devesse ser verossimilhante. Se imaginação era
guiu é éastigo'u os que pensavam diferente da ordem oficial. fundamental para a literatura, da não deveria entrar em cho-
138 139
'
j
que com a "natureza das coisas". Procurava-se, assim, atrelar simplicidade não sé coadunavam com a ordem aristocrática e
a imaginação à razão A moderação do processo imaginativo despó_!~- A felicidaa~ estava no .i~en~qntr~~d.~.H~m~~ -~ m
1
estaria afeita ao desem eoho da razão. ·. a Natureza (preceito horaciano do "fu~re u,rbem").
~ escritores antigos são retoma os: a imitação dos clás- -_Opasto~;rr;-mo árcade se desenvolve~, portanto, estrei-
filÇQS_ {Petrarca, Camões e de suas fontes, Homero, P.índaro, . tamente 'figado ao desenvolvimento da cultura urbana. Esta é
V rrgílio, Horáci?.!.. Ovídi~, g<!!ante um bom niõêíelo, qüe- foi i·, uma dás facetas da produção literária: buscar o que falta. Vale
esquecido na época barroca. Imitá;los implicava a aceitação notar que a oposição campo~cidade sempre existiu na história
dos valores literários já reconhecidos como clássicos. É a imi- de Portugal, como decorrência de uma organizâção econômi-
,J 1.
.tação dçs gregos,.e latinos como fonte de ins_P-iraçãO~: ca dividida entre o desenvolvimento do comércio citadino e o
fa~pr<importante: _retomar modelos, temas e personagem ao'.'". _obstáculo'feudal centralizado na zona rural. No século XVIII,
~gos significou moderar a emoção do árq.de;..._"é uro e,rcelente · L o burguês anseia pelo ambiente natural, que estava nas mãos
recurso de d~personal~p~do lirismo", como, diz Antonio dos nobrés. Só que o imagina como o reino da simplicid~de.
Candido, em Form.ação da literatura brasi/eir4, volume I. Os · Para o árcade, esse Homem· espontâneo e natural seria
modelos literários da Antigüidade éõnititlÜ..ciw ~pertório de capaz·de éhegar à Verdade e à Beleza. E a ·Razão é colocada
m~de?Ção no tema e na fôrm~ _Ta.1 obediência a .gênerOs e . .... como o fundamento do Verdadeiro t do Belo.'Observe-se que
~ espécies literários tra~clonais l~ia à limitaçãQ çl.Q_qge c_o n- .• l'J esses' COÍlceitos foram gra&dos com· niaiúschlas, de maneira a
si~eravam excessos.da subjetividade ou do desejo_do autor. - evidenciar cdlocações não ··de valores relativos, mas absolutos.
No século das luzes, quando se presencia o iri.ício da urba- . 11, Esse homem ,invocado, essa concepção de_, que a verdade da
niza,ção, as obras irocuram atingir o ideal do homem na~~- existência está associada à espontaneidade, acaba por ser uma
Nessa procura, révela-se a subjacente ídeõlo~a de uma época· _ ponte entre o Arcadismo e Romantismo: o ideal de naturali-
que se opõe ao<pedantismo., ao req..uinte da etiqueta, ª?s ahu- dade desembocará na explosão de sentimentos espontâneos. 'A
sos de_uma sociedade em que o homem está sob ~ comando lógica da razão do área.de, _que preconiza a naturalidade, dará
do dçs_p9tisroo, ·sob l:lffia.--mdem--antinatural e anti-racion.al._A
volta aos antigos não significa apenas a volta a uma concep-
cin°ª°
o!'igem à lógica da ao .romântico. Por
uitos árGades foram pré-romftntlcos.
esse motivo,
ção artística e, sim, a uma.concepção moral diferente daquel~ - - -As características do Arcadlsmo são decorrentes de um
do século XVII: não basta desenvolver agudezas de racioc!niQ. çontexto socJal,_w~t6riço.e.filós6fi~ que rparca a transição do _
(conceptismo); ·rnm o importan e of_geçer_ao homem u.m_a século XVIII: a visão iluminista (racional e bµrguesa) que leva
rdlexio sobre a vi~ baseada na simnlicidade" o despotismo a se manter no p~der (renovando-se, ~as fican-
· Acim~ _
das.~Q..nt:radiç~_que ;e.,. verificavam na vida so- do no poder) tem uma ségunda face que culmina com a Revó-
cial, situa-se um mito construído na época: o mito...do-hgmem lução Francesa, e a tomada do poder pela burguesia. Portanto,
. natuql, O mito do "bom selvagem", de ROusseau,. vem co_~- o Arcadismo traz consigo a própria origem do Romantismo .
roborar o ideal do homem naturãl, ·síntese da _espontaneidadç As características mencionadas do Arcadismo podem ser asso-
e ~mplicidade. Essas noções de liberdad,e, espontaneidade, ciadas, pois, ao ideal de Rousseau do homem natural.
140 141
A supremacia da razão inspira a pr~ll:1'9- de v~r.Q~imi- de Almanaque das musas. Seus integraq.tes .Qlais importantes
,· lhança; a necessidade de impedir rasgos emotivos, o _q ue leva à foram Domingo~ Caldas Barb9.~ (1740-1800), b~asileiro que
:~-
imitação dos ' clássicos; a' exaltação
~ ·1 .
da verdade
' ..! .
~
natural e, do. ho-
..
ficou famoso nos ambientes aristocráticos ·pei?:}:';lterpretáção
.. ,
,. __ .... ,.
mem natural; a exaltação da vida ca,mpestre. A manifestação
da individualidade por meio das másci.ras do pastor -constituiu
e composição de modinhas e lund1::1:f18; Padre José
Macedo {1761-1831), poeta satírico. Com e,se esentendeu
ostinho
... um anificialismo, decorrentç da contradição entre o _h9rµ~m o pe>eta Bocage. As canções de Caldas Barbosa foram reunidas
,! • • ~
o
ui~anizado ê ideal de homem natural. -ô paisagem era ~.. na coletânea V-10/a~de Lermo (publicação póstuma, de 1826;
rativa; por decorrên~ as descrições tornaram-se sµperficiais. Lereno era seu pseudônimo arcáclico) que impressiona pela
·I
sie,ific:aç[o, o duçursO árê;ade
. 1- ~?i)iti::<liisa proêwa-o presença e atualidade de uma língua literária identificada tom
· · )~ simpli ºdade; não mais o r ~ cul · Prevalece a cultura popular brasileira:
o gàsto pelos vérsos bnu;1cos,. pela estrofação livre e pe4l_libe~- ·
dade na composição aPdecas~ílabo, que c<>nstituem caracte- DOÇURA DE AMOR
<
rísticas formais identificadas com os românticos. --
tJ - Cuidei que o gosto de Amor
1) Sempre o mesmo gosto fosse,
O Arcadismo em Portugal Mas um Amor Brasileiro
Eu não sei porque é mais doce.
A fundação da Arcá~a Lusitana, em•1,756_,)sinalizou para
o início de wn'.a_n~va etafYcl da vida li~~rár;m ·pq.rtugu<=Sa. em Gentes, como isto
Cá é temperado~
termos de criação. E támbêm wµa nova fase 11,0.setor doutri- Que sempre o favor
nário, com as teorias sobre' Arte Poética, de Cândido Lusitano, Me sabe a salgado:
(1719-1773), inspiradas em Boileau; ea rebeldia contra o Bar- N ós l:i no B.rasil
roco ("imitilia truncat"). O desejo dà's árcades de restabelecer A nossa ternura
' a simplicidade da arte renascentista~ antiga pe11enceu a um·_ A açúcar nos sabe,
Tem muita~
contexto em que às discussões literárias estavam em comum
, Oh! se tem! tem.
acordo corri as_discussões das reformas de ordem geral. Tem um mel mui saboroso _
.f!.. Arcádia Lusitana estiveram ligados, entre outros, os .I! bem bom. é bem gostoso.
poe~ Antônio Dinis da Cruz e Silva (1731-1799), cujo
pseudônimo era Elpino Nohacriense~ um dos fundadores da As ternuras desta t~rra
Sabem sempre a pão e queijo,
Arcádia, .~)P~o Antônio Cop;eia .G~çãp (1724-1772), de
Não são como no Brasil
pscudôiilino Córidon Erimanteu, também doutrinador do Qµc até é doce o desejo.
movimento. Em \ 790) foi ~~<;la a Academia~-~eJ~-Ar-
tes, logo depois denomina& Nova Arcácli~ 'Frês:anos depois Gentes, etc.
já publicava algumas obras poéticas de seus sócios, so.~ o_dtulo
142 143
' • IJ?
Ah nhanhá venha escutar Nicolau
.. Tolentino de Almeida
Amot3puro e verdadeiro,
•. t ~ ( : - -.. '.
Com preguíçosa doçura
Que é:Amor de Brasileiro. 1
• Nicolau To1entino (Lisboã, 1740-181l), autor de Obras
... p
poéticái (2 volumes, 1801) e Obras póstumas (1836), estudou
Gentes, etc. em Coimbra, foi professor régid de Ret6ri~ em Lisboa e como
;; poeta representou o qlte· hô~~e de melhor na poesia satírica
, O~ respeitds é:á do Reino • voltada para a crítica dos ~ostunies p.a"'época. Não participou
' \
Dão a Amor muita nobreza,
· de nenhuma ácademia. '$llil a'br~-esp .éonstituída pela sátira e
Porém tiram-lhe a doçura
. ·Que lhe deu a Natureza. • , por' poein~ d; homenagem: aos poderosÕs d~s q~~ depe_n -
. ·dia.' Sua'sátirà;ent.retanto, não -deixa de c,riticar exatamente os
Gentes, etc. poe~as que vívi~-da ~~0:dic;ância de favo~. • J • ;
144 145
Qual modesto capucho reverendo, que, cm fim de guardia• guesa, e de ir a Macau, já desertado, o poeta a reencontrou
nia trienal, passa a porteiro, as chaves recebendo, casada com seu irmão:
Em mim conheço vocação igual: Por bárbaros sertões gemi, vagante: Falta-me
e roa mesma humildade hoje pertendo passar de mestre a 1
ainda o pior, falta-me agora ')
ser oficial". ·~ , ·· Ver Gertrúria nos braços de outro amante.
.,
_ ,Apesar de ter sido filho de família remediada, Nicolau To-- Boêmio, conheceu a vida devassa em Lisboa, em Goa e
lentlno~não auuou de falar de sua ~ria (real ou não, pois mesmo depois do decepcionante reencontro com Gertrudes,
vivia envolvido em jogos), se aut~itonizando. Entretanto, além viveu intensamente outros amores, dois quais vieram, na in-
de,,dci~entar por meio de sátira a situação do poeta, de cri- clinação do poeta, novos · sofrim~ntos. Em 1797 foi preso e
os
ticou hábitos e costumes, misérias e situações grotescas das processado pelas idéias anticatólicas e antimonarquistaS. De-
classes sociáis. Não da alta sociedade, pois, como diz Rodrigues pois de meses d~ prisão, conseguiu sua transferência para o
Lapa, ele "não iria pintar os ridículos de quem lhe dava o peru". mosteiro de São Bento.
Sem ,criticar pessoas individualmente, numa linguagem prosai- Dizem os biógrafos que de lá ele saiu arrependido e trans-
ca, comum e rica, criou tipos que extrapolaram o ambiente por- formado. O certo é que Bocage, ao ser liberto, passa a viver
tuguês: o poeta pobre, o velho pai enganado, a velha disforme e de ~aduções; sustentando a si e a sua irmã. Em vida, o poeta
desdentada, o jogador, o soldado mercenário etc•. publicou /dl/io_ rr!"ri#mos. poemas recitados na Academia das
Belas-Artes (1791) e as Rimar (3 volumes: 1791, 1799, 1804).
Manuel Marià Barbosà.du Bocage · Em 1853, Inocêncio Pereira da Silva publicou Poesias (6 volu-
mes) reunindo toda produção do poeta.
Bocage (1765-1805) é o pastor Elmano. Sadino da Nova
• Arcádia. Elmano é anagrama de Manoel, e Sa.c:J4J.9_.é_b.o~~va- -·Úlra.cterísticas da obra de Bocage
gem ao rio Sado, que passa por Setúbal, sua terra natal. _Desde
r 1
cedo, o P,9eta ~ sente identifica.d~ com Camões: O Bocage q~e ficou famoso é a figura mítica do homem
1·
e poeta depravado. Esse Bocage, visto como autor de piadas
.Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fAdo ao meu, quando os cotejo.
e anedotàs anônimas, foi criado sobretudo pela imaginação
popular. Essa criação; entretanto, não saiu do nada. Bocage
-.
O "fado" semelhante entre os dois poetas implicava na ficou famoso pela divulgação do poema "Epístola a Marília'',
vivência sentimental e trágica, de acordo co~ o modelo camo- tendo em vista especialmente .o amor sensual e pouco árcade
niano. Dessa maneira, jovem ainda, Bocage apaixonou-se.Pº! que ele expressa:
Gerttudes (a Germíria, da poesia área.de), mas quando voltou
Se obter não podes a união solene,
para Lisboa, depois de ter ido servir em Goa, colônia portu- Que alucina os mortais, por que te esquivas
147
146
Da natural prisão, do temo laço · Forjou para,a ~çal credplidade;
Que com lágrimas e ~ te estou pedindo?. · Dogma funesto, que o remorso arraigas
Reclama o teu poder, os teus direitos Nos ternos-corações, e a paz lhe arrancas:
Da justiça despótica extorquidos: Dogma funesto, detestável crença,
Não chega'aós corações o jus paterno, Que envenena delicias in9centes!"
os
Se a ~,~ ternura afogueia:
A imaginação popular foi aguçada pela repressão que lhe
De amor há precisão, há liberdade;
Eia pois, do temor sacode o jugo,
foi feita, em vida, e que acabou por divulgar posteriormente
Acanhada donzela; e do teu pejo, sua obra e também 1
a figura do poeta maldito. O mistério
.
que
Destra iludindo as vigilantes ~ s , se criou, pela cens~a, se incumbiu de divulgar como seu até o
Pelas sombras da noite, a amor propicias, , que não era da autoria de Bo~e. Formou-se um anedotário
a ele atribuído, grosseiro ou não, que foi engordando através
(... ) dos 'rem'pos. ,'
Ah! Fa7.e-me ditoso, e sê ditosa.
Amar é um dever, além de um gosto, A pÓ~ia lírica de Bocage, popularmente menos conhe-
,Uma necessidade, não um. crime, · cida, porque não originou motivos para a dura atuação da
Qual a impostura horríssona apregoa. censur:a, é coruiderada sua melhor produção, pela crítica tra~
Céus~não existem, não existe inferno, dicional. Acreditar na Sllperioridadç do lirismo bocagiano sd-
O prêmio da virtude é a virtude~ bre a parte satírica pode ser gesto similar ao da ação cens6ria.
É castigo do víció_o próprio'~do.
AfinaL, o B_o ~ satíriq> foi um dos poucos de sua época que
conseguiu perceber que na frustração do amor está implícita
Essa visão sensual do amor, asso~iada à g,rajosa negação
a frustração de um ambiente aprisionante e opressor.
dos "dus", foi uma das pe~ 1::1-tilizadas_,pel;,. Intendência Geral
, O lirismo de Bo~e revela a orientação do academicismo
da polícia para prender Bocage. -~ as ~orno se percebe, o po-
·, do século XVIII: a -presença de pse~clônimÕ·s pastoris, da mi-
ema é tenso 'e defende um ponto de_vista crítico. Nada tem a
tologia clássica; a ânsia do "locus amenu{ ilu,sti::an_do o "fugere
ver com o·mito do poeta piadista.
urbem", que é a procura do ambiente natural em oposição
, 'A. faceta •satírica de Bocage aparece na critica ao poder. O
à ~ida urbana; a produção de sonetos; do mote glosado (tão
poeta ~onseguiu percel:ier a estreita união que existia entre os
típico de ambientes acadêmicos, quando se lança o mote para
dogmas da Igre]a e o poder absolutista dos reis, como se vê em
o poema ser improvisado).
"Epístola a Marilia":
Deve-se destacar o fato de qµe o que singularizou Bocage
dos demais acadêmicos foi sua originalidade: ,,
· Pavorosa ilusão da Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D'almas vãs sonho vão, chamado inferno; Importuna Razão; não me persigas;
Sistema da política opressora, Cesse a ríspida voz que em vão' murmura,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos Se a lei do Amor, se a força da ternura
148 149
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas. Filinto Elísio
Se acusas OI mortaii, e ~.,não obriga,,
Se, conhecendo o'mal, nlo db a cura, Filinto Ellsio, psct.Jdõnimo ,árcicucc,·do padre Francisco Ma-
Deixa-me apreciar minha loucura; n~ do Nascimento (l 73+.1819), organi7.ou o Grupo da Ribeira
Imponuna Razio, não me.persiga,, das Naus e, com a queda do marqub de Pombal, foi denunciado
à Inquisição por defender "fllosofiaá modernas" (ideais iluminis-
:4 teu fim, teu projeto encher àe pejo tas). Foi obrigado a ~-se em Paris, opde veio a falecer.
Esta alma, m1gil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laço, vejo. 1 "
Textos do período
Queres que fuja de Marília bela. ) 1 .
gular ("eu,, poético e seu,s, .scm,,timen.tos); o "locus horrendus" Razão feroz, o coração me indagas,
que é a inversão do "loCUS; amenus,.;,o tema constante da ne- De meus erros e sombra esclarecendo,
gação e niilismo (que será retomado por Antero de Quental); E v;1s nele (ai de mim!) palpando, e vendo
o erotismo ameno e o estilo .hiperbólico. De agudas ânsias venenosas chagas. .
A obra lírica de Bocage revela nitidamente a evolução por e.ego a ~eus males, ;urdo a te~ reclamo,
que passa o poeta: da expressão p~é~ca que traduz o senti- Mil objeétos de horror coaidéia eu corro,
mento de tranqüilidade, da simplicidade do "locus amenus", Solto gemidos, lágrimas derramo.
germina a poesia confessional em que o terna da morte angus- . u
tia, em que a Noite sucede_ao ·Dia, a, escuridão à claridade: Razão, de que me1, serve o.teu
..,
socorro?
_l Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu ~no, eu morro
Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga;
Por cuja escuridão suspiro a tanto! •
***:
150 151
Ai rum rum
Liberdad~, onde estás? Quem te demora? Vence fandangos e gigas
Quem faz que o teu influxo em nós n~o caia? A chulice dÕLundum.
· Porque (triste de mim!) pórque n~o raia Quem me havia de dizer
Já na esfera de Lísía·a tua aurora? · " ~ Mas a coisa é verdadeira;
Que Lisboa produziu
Da santa redenção é.vinda a hora •• ,.-.,e .,.,,,,, Uma linda Brasileira.
' . i '
152 153