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Retratos Da Literatura Baiana Contemporânea - Livro

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Retratos da literatura

baiana contemporânea
(2000-2014)

Lílian Almeida de Oliveira Lima


Ilmara Valois B. F. Coutinho
Luciana Moreno Sacramento Gonçalves
Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva
Eugênia Mateus de Souza
Milena Guimarães Andrade Tanure
Neste livro, nos dedicamos a investigar parte da Literatura publicada na Bahia entre
2000-2014, buscando destacar marcas do tempo contemporâneo registradas nos
romances lidos. Ao longo do trabalho, percorremos uma teia formada por fios estéticos,
sociais, históricos, acessando registros poético-ficcionais de representações individuais e
coletivas que nos serviram de caminho para o estudo das nuances que formam o tecido
híbrido do texto literário.
Um dos retratos que o presente livro capta, ao focalizar também o mercado editorial
baiano durante 15 anos, é um perfil pouco conhecido da Literatura Brasileira produzida
fora do eixo Sul/Sudeste. Nesse sentido, o livro traz uma abordagem essencial aos lei-
tores interessados na produção baiana/nordestina, fornecendo dados inéditos acerca dos
romances publicados no período em destaque.
Menos que apresentar pessoas e seus modos de viver e estar no mundo, impulsio-
nadas ou impactadas por forças particulares/subjetivas, sociais, históricas e ideológicas, a
pesquisa aqui apresentada tira uma fotografia de obras concebidas por escritoras e escri-
tores que se dedicaram a escrever literariamente sobre o tempo presente. Encontrar o seu
ângulo interpretativo neste instantâneo/livro pode resultar em um exercício possível de
leitura crítica.

Fica o convite!
Retratos da literatura
baiana contemporânea
(2000-2014)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva

Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Retratos da literatura
baiana contemporânea
(2000-2014)

Lílian Almeida de Oliveira Lima


Ilmara Valois B. F. Coutinho
Luciana Moreno Sacramento Gonçalves
Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva
Eugênia Mateus de Souza
Milena Guimarães Andrade Tanure

Salvador
EDUFBA
2022
2022, autoras.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o  Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Coordenação editorial Capa e projeto gráfico


Susane Santos Barros Ricardo Sérgio Leão Martinez Filho

Coordenação gráfica Revisão e normalização


Edson Sales Tikinet

Coordenação de produção Imagem de capa


Gabriela Nascimento Autoras

Sistema Universitário de Bibliotecas – UFBA

L732 Retratos da literatura baiana contemporânea (2000 - 2014) /


Lílian de Oliveira Almeida Lima … [et al]. - Salvador: EDUFBA, 2022.
121 p. (E-book) ; :il.
Modo de acesso: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/35315
ISBN: 978-65-5630-324-6
1. Literatura - Bahia. 2. Editores e edição – Bahia. 3. Publicações
literárias – Bahia.

CDU: 869(813.8)

Elaborada por Geovana Soares Lira CRB-5: BA-001975/O


Editora afiliada à

Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
Dedicamos este livro aos estudantes pesquisadores que colaboraram
com o  desenvolvimento do Projeto de Pesquisa Deslocamentos, às
escritoras, escritores, editoras e  editores baianos que tiveram seus
livros lidos por nós do grupo Contemporâneos, e aos nossos familia-
res, dos quais nos distanciamos em muitos momentos para realizar
este projeto.
Agradecemos à FAPESB pelo apoio financeiro através do Edital
08/2015, à UNEB pela estrutura e algum suporte técnico e à professo-
ra Regina Dalcastagnè pela parceria no desenvolvimento da pesquisa.
SUMÁRIO

Primeiras palavras11

Provocações sobre a literatura baiana19


Literatura baiana: problemáticas existentes21
Literatura baiana contemporânea: quando um conceito
não dá conta, mas se faz necessário mapear a marca local25

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos31


Interfaces de um “território contestado”: referência às fontes34
Das editoras aos romances: trilhas percorridas e algumas reflexões35

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações47


Autoria47
Editoras55
Personagens61
Sexo67
Cor77
Estrato social91
Posição na narrativa104

Vias de conclusão (possíveis)112

Referências115
Primeiras palavras

O que se coloca não é mais simplesmente o  fato de que a  literatura


fornece determinadas representações da realidade, mas sim que essas
representações não são representativas do conjunto das perspectivas so-
ciais. (DALCASTAGNÉ, 2008, p. 79)

Pensar o  contemporâneo requer estar atento às minúcias de um tempo


que atravessa outros tempos e que se faz na emergência de uma atualidade
em construção, em movimento. Nesse contexto, a  literatura faz-se multi-
plicidade solicitada a reverberar modos de ser, viver e conviver, agregando
diferentes campos do conhecimento. Ela marca presença na complexa
trama social das mais diversas formas de existência individual e  coletiva,
deixando trilhas abertas a compreensões que podem ser forjadas por meio
de leituras, análises, estudos voltados a engendrar outras escritas.
O livro Retratos da literatura baiana contemporânea (2000-2014) resulta
da investigação de romances publicados por editoras baianas no período
estudado de 2000-2014 e  torna públicos dados que refletem as repre-
sentações presentes nas obras, mas também traz informações sobre seus
autores e editoras, além de compor um esboço sobre o mercado editorial
do período investigado. No recorte da pesquisa, o lócus baiano é o ponto
centralizador do olhar, sem, no entanto, perder de vista a literatura brasileira
e a problematização acerca dos centros e margens que a constituem pelo
viés do poder econômico.
Nessa perspectiva, coloca-se contemporaneamente na esteira de tra-
balhos anteriormente realizados por críticos e estudiosos que mapearam,
ao longo do século XX – detalhada e/ou panoramicamente –, a produção
literária publicada na Bahia, no que diz respeito ao gênero romance, mas
também aos grupos, academias, gerações, agremiações, periodismos, entre
outros. Eles realizaram estudos como são exemplos as obras de Valdomiro
Santana e  Jorge de Souza Araujo – Literatura baiana 1920-1980 (1986)
e Floração de imaginários (2008), respectivamente. São dignos de menção
dois trabalhos publicizados recentemente, que também se ocuparam em
conhecer a  Literatura baiana via dados estatísticos. São eles: um ligado à
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, o Econocriativa – mapea-
mento e  diagnóstico das editoras baianas (OLIVEIRA; GALVÃO; SEIDEL,
2016) e  outro ligado à Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB),
o Mapa da Palavra.BA: Diagnóstico da Produção Literária da Bahia (2018).
Resultante da pesquisa (Des)locamentos: retratos da literatura baiana con-
temporânea, o  livro encontra veios por onde espraiar o  pensamento crí-
tico/analítico, se não ao mergulhar no tecido textual mais denso de cada
obra que faz parte do corpus, antes, ao ler ou estabelecer conexões entre os
dados que foram levantados quando das etapas iniciais da pesquisa. Há que
se ter uma noção de que, na leitura dos números, encontramos respostas
que, embora não sejam precisas, são importantes para pensar o  campo
literário baiano aqui destacado. Também é preciso considerar que a pena
ficcional jamais poderá sentir ou nos fazer sentir a (in)exata brisa do tempo
vivo, real, palpável e irrepetível que nos toma pela mão à revelia dos livros
e suas ficções. Mas os livros às vezes nos pregam peças e nos enovelam em
seus labirintos de palavras, para sentirmos os solavancos da vida que pulsa,
ao menos um pouco, nas cordas das representações de papel.
No cruzamento dos dados, uma malha de possibilidades se monta prati-
camente sozinha. Exigente, a mesma trama nos conduz ao exercício incon-
tornável de conhecer os contextos, as estruturas sociais, culturais, políticas
e econômicas montadas e em pleno funcionamento quando da publicação
de cada um dos livros do corpus. Sem essa espécie de planta baixa, nossa lei-
tura fica solta, como que a brigar com ecos dispersos em um descampado.
Se, por um lado, são contabilizadas pesquisas, a exemplo da realizada pela
professora Regina Dalcastagnè (2012), cujo resultado aponta para um cenário
ainda pouco equânime no que tange à existência de um retrato capaz de repre-
sentar a diversidade brasileira, por outro há todo um universo de produções
que, não raro, são pouco acessadas, solicitando estudos que possam proble-
matizar suas existências no bojo do campo literário brasileiro, conhecidamente

12 Retratos da literatura baiana contemporânea


conflituoso. Juntando essas duas premissas, o  Contemporâneos: Grupo de
Pesquisa em Literatura Brasileira Contemporânea buscou realizar um diálogo
com a pesquisa mencionada na expectativa de, talvez, encontrar um cenário,
em algum nível, diferenciado, considerando editoras baianas e  romances
publicados na Bahia, a partir da formulação da seguinte pergunta: que retratos
estão presentes nos romances publicados por editoras baianas entre os anos
de 2000 e 2014?
Interessadas em traçar uma compreensão dialogada acerca da literatura
feita no presente, considerando os diversos campos de atuação de suas
pesquisas, a exemplo dos estudos que se voltam às territorialidades e trân-
sitos, ao gênero, à etnicidade, à periferia, à tradição oral, Ilmara Valois B.
F. Coutinho, Lílian Almeida de Oliveira Lima, Luciana Moreno Sacramento
Gonçalves e Sally Cheryl Inkpin fundaram o Contemporâneos, em 2015, após
terem concluído sua formação doutoral (2014). No ano de 2016, uma das
pesquisadoras da fase inicial do grupo, Sally Cheryl Inkpin, necessitou sair,
e mais três pesquisadoras passaram a compor a equipe executora: a profes-
sora doutora Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva, a professora mestre
Eugênia Mateus de Souza – ambas do Campus XIV, de Conceição do Coité
– e a professora mestre, egressa do Programa de Pós-graduação em Estudos
de Linguagem (PPGEL/ UNEB) do Campus I (Salvador), Milena Guimarães
Andrade Tanure. Integram também a  equipe alunos da graduação dos
cursos de Letras dos campi V (Santo Antônio de Jesus), XIII (Itaberaba) e XIV
(Conceição do Coité).
Ainda no ano de sua fundação, o  grupo participou de um edital de
fomento lançado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia
(FAPESB), Edital 008/2015, modalidade Jovem Cientista, sendo selecionado
para executar o projeto de pesquisa intitulado (Des)locamentos: retratos da
literatura baiana contemporânea, destinado a debruçar-se sobre a literatura,
ou, mais especificamente, sobre o romance publicado por editoras baianas
entre os anos 2000-2014. Nele, a  pretensão foi abarcar obras e  autores,
analisando a  produção literária e  seu contexto sócio-histórico-cultural,
de modo a construir um panorama possível para a prosa contemporânea
e contribuir para uma mais extensa compreensão do campo literário atual,
considerando a Bahia, suas representações e construções ficcionais roma-
nescas, além de divulgar a  literatura brasileira contemporânea publicada

Primeiras palavras 13
na Bahia entre estudantes dos cursos de Letras, professores da rede básica
e demais interessados no assunto.
Além de propiciar diálogos frequentes com grupos de pesquisa cujo fun-
cionamento acontece no âmbito da UNEB, com destaque para o Grupo de
Estudos Literatura e Periferias (GELPS) e o Grupo de Pesquisa em Literatura
e Diversidade Cultural: imaginário, linguagens, imagens, o Contemporâneos
pôde traçar parceria com o  Grupo de Estudos em Literatura Brasileira
Contemporânea (GELBC), da UnB, na pessoa de sua Coordenadora, a Profª
Drª Regina Dalcastagnè, que se predispôs a auxiliar o Contemporâneos na
execução do Projeto (Des)locamentos: retratos da literatura baiana contem-
porânea. De fundamental importância para o  desenvolvimento das ações
do Contemporâneos, destaca-se o apoio de cada Departamento envolvido,
bem como a  parceria com o  Programa de Pós-Graduação em Estudo de
Linguagens (PPGEL – UNEB). A multicampia que caracteriza a Universidade
do Estado da Bahia foi pilar fundamental da prática do Contemporâneos,
o que possibilitou ampliar o debate entre diversos campi da mesma univer-
sidade, assegurando a efetivação de trocas fundamentais para a pesquisa,
o ensino e a extensão. Os desafios enfrentados em decorrência da distância
entre os departamentos funcionaram como molas propulsoras na busca
de soluções capazes de assegurar a  unidade das ações no planejamento,
desenvolvimento, avaliação e divulgação dos estudos e pesquisas.
A pesquisa trouxe-nos grandes desafios desde o pensar a questão nor-
teadora até viabilizar um trabalho onde a  multicampia se fez na prática,
pelo processo de interação interdepartamental entre docentes e discentes.
Quando da conclusão de todo o percurso feito, ver a pesquisa se materia-
lizar neste livro, escrito a  partir de tantas leituras e  buscas por respostas,
faz valer a pena olhar para trás e perceber como fomos resilientes com os
obstáculos que precisaram ser transpostos e  que nos fizeram quedar por
momentos. Os encontros, as reuniões, os fóruns, cada resultado conquis-
tado criou motivação para os passos que foram se seguindo, funcionando
como um tônico que restabelecia a dinâmica de uma pesquisa de interesse
para pesquisadores de literatura e, especificamente, da literatura baiana.
Assim, damos ao público páginas que analisam o  romance baiano, ao
passo que noticiam sobre um mercado editorial que se constitui a partir da
Bahia, com inúmeras dificuldades que se fazem menores quando conside-
rado o  ato revolucionário de fazer livros, de caminhar junto com autoras

14 Retratos da literatura baiana contemporânea


e  autores. Ficam aqui registradas as marcas indeléveis de um percurso
investigativo que se estendeu por anos, a partir da chancela da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), integrando os nós, os laços
e os labirintos da multicampia unebiana, dos afetos intra/extra institucio-
nais, das parcerias, das relações coletivas, da colaboratividade de discentes,
do apoio e alinhamento dos corpos docente, técnico e administrativo.
Dos alunos do Campus V (Francielle da Silva Silveira), do Campus XIII
(Adriana Freitas Santos Santana, Athos Barbosa Reis, Cleide Bruno dos
Santos, Lindalva de Oliveira Simas Almeida, Mikaella Jennifer Borges Neves,
Nailson Soares da Silva) e do Campus XIV (Bruno Alves Soares Lopes, Cátia
de Jesus Lima, Eduarda Mota Oliveira, Elisama Silva da Mota, Jaciara Ferreira
de Almeida, Kedna Geovanna Santos Oliveira, Laise Pereira Ramos, Leilanne
Costa Lima, Lívia Costa do Carmo, Maiele dos Santos Oliveira, Maíra Souza
Araújo, Marileuza da Silva Almeida, Rebeca de Oliveira Silva), tivemos uma
colaboração incalculável, desde a  vontade de fazer parte da pesquisa até
como aprender a fazer pesquisa. Envolveram-se no rastreamento das edi-
toras, na busca biográfica dos autores, na leitura dos romances, no preen-
chimento das fichas, até a obtenção dos resultados que compõem a escrita
deste livro.
No capítulo 1, Provocações sobre a Literatura Baiana, desenvolve-se um
pensamento sobre a  literatura contemporânea e  os seus percursos pelo
Brasil a  partir do espaço editorial baiano. Na primeira seção, intitulada
Literatura baiana: problemáticas existentes, a  mirada investigativa focaliza
uma margem que faz parte do contexto literário brasileiro: a  que se dá
a ler na Bahia e em meio às suas produções literárias. Registra uma posição
política que se constrói no uso do termo “literatura baiana” em relação à
“literatura brasileira” (margem/centro) e seu espaço literário no conjunto da
produção nacional, sem deixar de considerar as marcas locais que podem
ser notadas desde os diversos territórios, mercado editorial etc.
Na segunda seção do capítulo, Literatura baiana contemporânea: quando
um conceito não dá conta, mas se faz necessário mapear a  marca local,
procura-se um chão literário com suas raízes e tradições culturais, marca-
damente diversas e  no contexto contemporâneo, além de questionar os
entraves de publicação, circulação e divulgação para o processo leitor ser
ativado não só no viés local como por todo o território nacional e até inter-
nacional. Evidencia-se que as questões políticas colocadas em foco, longe

Primeiras palavras 15
de estabelecer um pensamento segregador, tendem a centralizar a literatura
brasileira num eixo centro-sul, como se a literatura lá produzida fosse o bas-
tante para fotografar as diversidades culturais e/ou nacionais dos tantos
brasis, inclusive da Bahia.
O segundo capítulo, Detalhando os métodos, historicizando os trajetos, traz
os caminhos metodológicos da pesquisa. Descreve os tipos de teoria, abor-
dagem, estudo, análise e leitura dos documentos que nortearam a investi-
gação, assim como os objetivos e os meios que nos levaram das obras aos
autores e  personagens. Detalha como mapeamos e  selecionamos as edi-
toras, localizamos seus catálogos, realizamos a compra dos romances publi-
cados no período delimitado e, também, como organizamos a pesquisa em
suas várias etapas.
A primeira seção do segundo capítulo, Interfaces de um território contes-
tado:1 referência às fontes, dá notícias sobre a ponte que deu caminho para
este trabalho, quer seja a pesquisa coordenada pela Professora Dra. Regina
Dalcastagnè (UnB), bem como o  interesse em desenvolvê-la no contexto
da Bahia, no intuito de verificar se os resultados seriam ou não diferentes.
A segunda seção, Das editoras aos romances: trilhas percorridas e  algumas
reflexões, aborda como realizamos o  mapeamento do romance contem-
porâneo na Bahia num universo praticamente desconhecido. Apresenta
o percurso para encontrar as editoras e suas publicações através de órgãos
e instituições que teriam o registro da produção livresca/editorial no Brasil
e na Bahia. Traz informações sobre o mercado editorial, com gráficos sobre
as editoras mapeadas, localização, ano de fundação e gêneros publicados,
evidenciando um panorama das editoras baianas em funcionamento entre
os anos 2000 e  2014 e, ao final, como se chegou às editoras que vieram
a integrar o corpus da pesquisa.
Em Percepção analítica sobre os dados, terceiro capítulo, encontra-se
o  detalhamento e  análise dos resultados da pesquisa, estando o  mesmo
composto por três seções: Autoria, Editoras e Personagens. Na seção Autoria,
encontram-se organizados dados e  tabelas que espelham as informações
que foram extraídas da leitura dos livros – organizadas em fichas, posterior-
mente lançadas no software de análise estatística, acerca de cada autora/

1. A expressão "um território contestado" faz referência ao título do livro publicado pela
Professora Regina Dalcastagnè sobre a pesquisa acerca das personagens do romance brasileiro
contemporâneo (2012).

16 Retratos da literatura baiana contemporânea


autor. Nesta parte do livro podemos ler sobre etnia, idade, local de nasci-
mento (estado, capital e/ ou interior), local onde residem, suas profissões,
os gêneros textuais a que se dedicam, o intervalo entre suas publicações.
Na seção Editoras, são nomeadas as editoras cujos romances compõem
o corpus de estudo da pesquisa e sabemos da importância desses estabele-
cimentos para a carreira dos autores dos livros lidos. Encontramos, também,
números que registraram o lugar onde estão estabelecidas (cidade, capital/
interior), ano de fundação, bem como uma breve discussão sobre o papel
que desempenham, e sobre as que mais publicaram romance, no cenário
local, a partir das suas políticas editoriais. Por fim, chegamos a reflexões que
giram em torno da cadeia do livro e da leitura, em âmbito local e nacional,
assim como aos planos de incentivo à publicação e  à leitura e  os novos
rumos da edição de livros por vias independentes, coletivas e artesanais.
Na seção Personagens ressaltam-se traços constitutivos do que seria uma
resposta mais precisa acerca da questão da pesquisa, trazendo uma apre-
sentação panorâmica sobre as personagens, seguida de análises mais apro-
fundadas a partir das seguintes categorias: sexo, cor, estrato social e posição
na narrativa. Trata-se de um texto que procura oferecer ao leitor um retrato
das representações presentes nas obras, analisando em que medida elas
coadunam ou rompem com imagens hegemônicas ainda perenizadas nas
páginas literárias da contemporaneidade. Desse modo, ficam traçados
perfis possíveis para as personagens que compõem a  literatura publicada
por editoras baianas entre 2000 e 2014.
O livro-documento, ora apresentado, pode interessar a  profissionais
e estudantes que, de algum modo, passeiam por searas do livro, da leitura,
da edição, do mercado editorial e das representações literárias e sociais que
determinados gêneros textuais podem movimentar e mesmo potencializar.

Primeiras palavras 17
Provocações sobre
a literatura baiana2

Pensar a literatura contemporânea e sua circulação pelo território brasi-


leiro implica em refletir sobre elementos vinculados à cadeia de produção:
o autor, o mercado editorial, o acesso ao livro, a recepção e o reconhe-
cimento da obra e do autor pelos espaços/agentes legitimadores do que
é  considerado literatura e, particularmente, literatura brasileira. É com
vistas a refletir sobre o campo literário no Brasil e na Bahia, problemati-
zando uma ideia de literatura baiana, que objetivamos discutir o motivo
de se realizar, na fala ou na escrita, essa marca do aspecto local. Desse
modo, nos dispomos a pensar em que sentido essa marca regional pode
se colocar como diferenciação exaltadora ou delimitação segregacionista
no interior do campo literário. Tal propósito justifica-se enquanto exer-
cício de reflexão acerca da produção literária em território nacional e nas
nossas ilhas de cultura, ou seja, nos diversos campos literários atraves-
sados por condições sócio-históricas e culturais que demarcam especifi-
cidades dentro de um país de dimensões continentais.
A partir da análise de publicações importantes para a história e a crí-
tica da produção literária baiana, bem como das teorias sociológicas
sobre a produção e circulação de produtos culturais desenvolvidas por
Pierre Bourdieu, foi possível discutir sobre a cadeia produtiva que tem
dado espaço, mas também negado a  devida projeção ao que se tem

2 Parte das discussões empreendidas neste capítulo estão em artigos publicados por
Lílian Almeida de Oliveira Lima (2020) e na tese de doutoramento de Milena Guimarães
Andrade Tanure.
produzido em solo baiano: uma literatura “com marcas de pluralidade que
fazem toda a  diferença em meio aos contextos atuais de criação e  publi-
cação de obras literárias”. (SILVA, 2016, p. 12) Essa análise, não se exaurindo
em si, busca, portanto, problematizar uma questão que perpassa o  pro-
cesso de produção e circulação das obras no intuito de dialogar sobre o que
a categoria “literatura baiana” tem representado no campo cultural.
Para começarmos a  percorrer os meandros por onde essa literatura se
constitui, é importante irmos pelos caminhos através dos quais a literatura
brasileira é consolidada como tal, de maneira a assumir representatividade
na identidade cultural (literária) do país para os seus leitores brasileiros
e também para os estrangeiros. Conforme a pesquisa de Regina Dalcastagnè
(2012), a literatura que representa o Brasil é proveniente do Sudeste brasi-
leiro e tem face masculina e branca. A partir da percepção de que a litera-
tura que representa o país, definida como literatura brasileira, é proveniente
majoritariamente do Sudeste, seria ingenuidade pensar que inexiste pro-
dução literária nas outras regiões do Brasil ou que a dita qualidade literária
compromete a presença de nomes oriundos delas. A pergunta que nasce
diante desse cenário é: Por que a literatura que se faz e que é publicada em
outras partes do país não figura no rótulo “literatura brasileira”? O que acon-
tece com essa literatura, uma vez que ela não aparece naquilo que é apre-
sentado como “literatura brasileira”?
Tais inquietações convocam a pensar na dinâmica de centro e margens
que visibiliza ou invisibiliza, dependendo de onde se esteja, e  como os
fatores geopolítico e econômico interferem na constituição desses espaços
de poder. Ao pensarmos nos processos de legitimação literária, sabemos
que as cidades de São Paulo e  Rio de Janeiro ocupam uma posição no
cenário literário nacional que implica em uma série de relações de poder
que abarcam não só a literatura, mas a cultura em geral. Como assinala Lima
(2017), se a cidade de Brasília é a capital político-administrativa do Brasil,
não assumindo maior importância na cena cultural, as cidades de São Paulo
e  Rio de Janeiro constituem o  polo difusor de padrões e  modelos cultu-
rais. A capital paulista é o centro financeiro do país, responsável pelo maior
produto interno bruto brasileiro (IBGE, 2019), seguida de perto pelo Rio de
Janeiro, que foi capital do Brasil por 197 anos e que manteve, após o des-
locamento da sede administrativa do país para Brasília, a concentração das
instituições culturais ali existentes. Ambas detêm forte poder econômico,

20 Retratos da literatura baiana contemporânea


político e cultural; nelas estão as grandes editoras, gravadoras e companhias
de produtos culturais em geral, aí se concentram os grandes eventos do país
e estão também importantes instituições universitárias, peças relevantes no
processo de evidenciação/ocultamento de bens culturais.3 Como assinala
Luís Costa Lima (1991), nos centros econômicos é que está toda a engre-
nagem que movimenta a máquina cultural, logo não é fortuita a associação
entre o poderio econômico e o cultural.
As condições acima proporcionam a  estas cidades posicionarem-se
como difusoras de modelos e  legitimadoras das produções culturais em
âmbito nacional. A concentração de grandes e importantes editoras favo-
rece a circulação das obras eleitas, os centros acadêmicos gozam de uma
autoridade que confere respeito e atenção àquilo que é por eles veiculado,
os jornais e outros veículos relacionados ao universo literário sinalizam ten-
dências e vaticinam promessas literárias. Gradativamente vão sendo cons-
truídas e difundidas imagens e produtos ditos “nacionais”. Por sua vez, as
cidades fora desse eixo precisam reunir esforços hercúleos no intuito de
promoverem seus produtos culturais para além das invisíveis fronteiras ter-
ritoriais e econômicas.

Literatura baiana: problemáticas existentes


Uma vez exposta em linhas gerais a engrenagem de construção dos “pro-
dutos nacionais” engendrada pelo centro, deslocamos o olhar para uma das
margens dentro do contexto da literatura brasileira: a Bahia e sua produção
literária. Ao longo da história da literatura desenvolvida no Brasil, a Bahia
tem sido representada por nomes que vão de Gregório de Matos e Castro
Alves a  Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e  Antônio Torres. É inegável
a representatividade que o estado nordestino tem na cena literária ao longo
dos anos; todavia, isso não garante a figuração ampla da sua produção na
difundida “literatura brasileira”, tampouco o  deslocamento do olhar cen-
trado para o  estado. Pelo contrário, boa parte dos nomes baianos que
figuram ou figuraram na cena literária nacional deslocaram-se do nordeste

3 As ideias apresentadas aqui fazem parte de discussão mais aprofundada presente no livro
Tear de fios, tecer de mulheres: o tecido narrativo de Helena Parente Cunha, de Lílian Almeida
de Oliveira Lima (Eduneb, 2017).

Provocações sobre a literatura baiana 21


para o  sudeste, fixando moradia, provisória ou definitivamente, em São
Paulo ou no Rio de Janeiro, o que evidencia não o descentramento do olhar
sudestino, mas um êxodo cultural daqueles que desejam ampliar o alcance
de suas publicações.
Com o desenvolvimento da pesquisa (Des)locamentos: retratos da litera-
tura baiana contemporânea, nos vimos na urgência de refletir sobre a lite-
ratura brasileira e  sobre a  produção do estado da Bahia, de maneira que
pudéssemos ter maior discernimento acerca do que estávamos falando e do
posicionamento político aí subjacente quando usamos a expressão “litera-
tura baiana”. Isso porque, ao se denominar uma dada produção literária
como baiana, é preciso ter em vista o intuito de tal caracterização, uma vez
que ao demarcar a origem dos textos se está a inserir-lhes um selo que pode
ser tanto no intuito de engrandecê-los como de afastá-los de uma produção
consagrada, de projeção nacional, tendo em vista as cadeias discursivas ati-
vadas no campo das significações possíveis. Assim, optamos por investigar,
em obras literárias (apresentações, introduções, prefácio) e teóricas, como
são apresentadas e discutidas as nominações para essa literatura.
No livro Literatura baiana: 1920-1980, organizado por Valdomiro Santana
(1986), o foco é a percepção da literatura que se fez na Bahia, no período
exposto, a partir do depoimento de vários representantes dela, como Jorge
Amado e outros. Na antologia intitulada A poesia baiana no século XX (1999)
de Assis Brasil, vê-se que os nomes antologiados são, com exceção do poeta
Sérgio Mattos, todos nascidos na Bahia. Já nos livros A paixão premeditada:
antologia da geração 60 na Bahia (2000), de Simone Lopes Pontes Tavares,
e Florações de imaginário: o romance baiano no século XX (2008), de Jorge
de Souza Araújo, nem todos(as) os(as) escritores(as) elencados(as) nasceram
na Bahia, porém desenvolveram parte significativa de sua produção ali, che-
gando Araújo a  referir-se ao escritor Mário Cabral como “baiano nascido
em Sergipe” (2008, p. 231).
Com exceção de Florações de imaginário: o romance baiano no século XX,
as demais publicações que usam o adjetivo “baiano” em seus títulos esco-
lhem trabalhar quase que exclusivamente com nascidos na Bahia. Porém,
é marca discursiva presente nas introduções, apresentações e notas prelimi-
nares deles a opção pelo uso da expressão “literatura na Bahia” e não o uso
da expressão “literatura baiana”.

22 Retratos da literatura baiana contemporânea


Recorremos ainda a iniciativas promovidas pela Diretoria de Literatura da
Fundação Cultural do Estado da Bahia, vinculada à Secretaria de Cultura do
Estado: a publicação do livro Autores baianos: um panorama (2014), editado
em dois volumes, e  o  projeto Mapa da palavra. (BAHIA, 2018) Tínhamos
interesse em saber como um órgão do governo local compreendia a lite-
ratura baiana, o  que a  apresentação do livro, escrita por Nehle Franke
e  Milena Britto, (2014, p. 11, grifo nosso) nos ajudou a  compreender, como
vemos a seguir:

incentivar que nossos produtos artísticos circulem não apenas dentro


do próprio estado, mas também ultrapassem fronteiras no país e no
exterior. É preciso incluir a arte contemporânea da Bahia nos circuitos
nacionais e internacionais de diálogos, de divulgação, de crítica, de
públicos. É preciso ampliar os destinos e as possibilidades de consu-
mo do que se produz nas cidades baianas.

O primeiro volume saiu no ano de 2013, e  um dos seus objetivos era


a “divulgação da nossa literatura no Brasil e no exterior […] em feiras de livros
como a  de Frankfurt, e  distribuído para editores, instituições e  jornalistas
especializados”, como afirma Antônio Albino Canelas Rubim. (2014, p. 9,
grifo nosso) Evidencia-se com tais afirmações a preocupação em fazer a lite-
ratura produzida na Bahia alcançar os circuitos nacionais e internacionais,
o que implica no autorreconhecimento enquanto margem, no reconheci-
mento de não figurar na “literatura brasileira” que é veiculada dentro e fora
do país. Os critérios definidos para compor a  seleção de autores(as) que
integram os volumes reforçam esta ideia: “autor ainda vivo; variedade esté-
tica; diferentes gerações, gêneros literários, estilos e  localidades; além de
serem escritores ainda pouco explorados fora da Bahia”. (FRANKE; BRITTO,
2014, p. 12, grifo nosso)
Diferente das publicações anteriores, cujo foco foi ofertar um panorama
sobre a mentalidade de uma época a partir de seus autores, ou congregar
autores e  obras baianas, a  antologia publicada pelo poder público tem
forte interesse em divulgar a produção literária local para fora das cercanias
baianas, também não se restringindo ao local de nascimento, de modo que
se tem na lista de contemplados, nos dois volumes, autores nascidos em
outras unidades da federação.

Provocações sobre a literatura baiana 23


No projeto Mapa da palavra4 (2015-2016), a proposta foi fazer um levan-
tamento “de produções artísticas literárias, realizadas no Estado da Bahia,
a partir de seus vinte e sete territórios culturais de identidade e de autores
baianos que vivem fora do Estado”. Interessou a  esse mapeamento o(a)
autor(a), baiano(a) ou não, que estivesse na Bahia produzindo sua obra
e  o(a) baiano(a) residente fora do estado. Assim, a  partir das iniciativas
promovidas pelo governo baiano nesse mapeamento, a  literatura baiana
é o resultado da produção de escritores(as) nascidos nesta unidade federa-
tiva e daqueles que adotam as terras baianas para moradia.
Unindo a  concepção existente no Mapa da palavra (BAHIA, 2018) às
presentes nas publicações anteriormente analisadas, notamos que a litera-
tura apresentada, embora seja majoritariamente feita por baianos de nasci-
mento, abrange os “baianos de coração”. Observamos também a presença
recorrente da expressão “literatura na Bahia”, enquanto a expressão “litera-
tura baiana” pouco aparece ou é evitada, embora o adjetivo gentílico tome
lugar nos títulos das obras. A primeira – “literatura na Bahia” – parece aludir
a uma amostra da literatura que ocorre num local, a Bahia, portanto, sendo
parte de algo maior, a literatura brasileira. A segunda – “literatura baiana” –
por sua vez, demarca um pertencimento, uma vinculação maior ao estado,
o que pode sugerir um desligamento do nacional e ser lido de forma não
qualificativa, como se ao marcar o local houvesse uma desvinculação em
relação ao nacional – locus de uma literatura não adjetivada, não grifada
pelas territorializações. Parece que aí, então, nasce algum desconforto, não
de deixar de pertencer ao todo, mas de estar num lugar que pode ser consi-
derado como menor e não obter o reconhecimento de um universo consa-
grado que carrega a denominação de literatura brasileira.
O que se está questionando neste momento é se dizer “literatura baiana”
não afasta essa produção literária de uma produção nacional que, por ser
conhecida como tal, não precisa de adjetivações que a especifique ou qua-
lifique. Compagnon, ao discutir um conceito de literatura, afirma que “todo
julgamento de valor repousa num atestado de exclusão. Dizer que um texto
é literário subentende sempre que um outro não é”. (2011, p. 33) No mesmo
sentido, pode parecer que caracterizar como baiano um grupo de produ-
ções literárias sugere que tais escritas não se inserem no âmbito nacional

4 Disponível em: http://mapadapalavra.ba.gov.br/sobre/

24 Retratos da literatura baiana contemporânea


de  produções com o  mesmo status de que gozam as obras reconhecidas
como literatura brasileira.
Assinalar a existência de uma literatura baiana nada tem de segregacio-
nista; implica, antes, num posicionamento político acerca das diversidades
que lhe constituem e que precisam integrar o bloco geopoliticamente homo-
gêneo que tem caracterizado a literatura nomeada como brasileira. Falar em
uma literatura baiana é dizer dos lugares de especificidades do campo lite-
rário, a partir de onde ela se dá, como apontou Silva (2016). A literatura que
se faz a partir da Bahia tem as marcas de uma cultura particular e diversa
espalhada pelos seus vários territórios, desde o litoral ao sertão, que contagia
seus filhos de adoção ou de nascimento; tem as marcas das ingerências de
um mercado editorial resistente, das dificuldades econômicas e sociais que
têm efeito sobre o  circuito do livro e  da leitura e, portanto, o  da relação
autor – obra – público. Não se pode negar que esses elementos, em alguma
medida, impactam a produção literária baiana, e que eles podem interferir
na maior ou menor visibilidade e aceitação dessa produção no centro.
Apesar da identificação dos riscos oriundos de se categorizar as produ-
ções literárias, é preciso perceber, contudo, a força enunciativa de se utilizar
uma especificação como essa no discurso. O que se está desejando delinear
é o modo pelo qual se faz necessário mapear e enaltecer a produção baiana
naquilo que a  faz representativa de um campo específico de produção,
e não afastar completamente tal categorização.

Literatura baiana contemporânea:


quando um conceito não dá conta,
mas se faz necessário mapear a marca local
Por muitos anos, e  ainda hoje, percebe-se uma identificação quase que
metonímica entre uma ideia de literatura baiana e as figuras de Jorge Amado
ou Gregório de Matos, grandes nomes da prosa e poesia literária brasileira.
No entanto, em que pese a relevância e projeção de suas escritas pelo Brasil
e pelo mundo, a literatura contemporânea que se produz em solo baiano
é, marcadamente, plural e  múltipla. Nesse sentido, pensar uma literatura
baiana contemporânea é demarcar, hoje, no campo literário nacional, a pro-
dução e alcance das narrativas e prosas mais atuais. Colocar isso em cena,
contudo, significa evidenciar o modo pelo qual a produção literária baiana

Provocações sobre a literatura baiana 25


tem encontrado certos entraves para se fazer publicar, circular e  ser lida,
tanto em cenário local como em todo o país.
Pesquisas e  mapeamentos realizados, como a  Econocriativa: mapea-
mento e diagnóstico das editoras baianas e o Mapa da palavra, têm reve-
lado o modo pelo qual a cena literária baiana tem evidenciado um contexto
marcado pela dificuldade de publicação e circulação do livro. Ao mesmo
tempo notamos que, no período da pesquisa (2000-2014), surgiram novas
vias de publicização dos textos, como as escritas em blogues e  os saraus,
que cresceram e  ganharam força, sobretudo em Salvador. Essa realidade
não é algo recente. Em texto de 1986, o escritor Guido Guerra demonstrou
como esse panorama se apresenta e se relaciona com a ausência de uma
política editorial no Estado.5 Segundo ele,

A história da literatura baiana é  também a  história do movimento


editorial em Salvador. A exemplo de outras capitais – com exceção
do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte – nosso
movimento editorial sempre fracassou porque, estruturado em bases
não empresariais, não resolveu o problema da distribuição a nível na-
cional. As obras em geral aqui editadas nunca tiveram tiragens supe-
riores a mil exemplares, dos quais uma parcela irrisória é comprada
pelos amigos no dia do lançamento (às vezes nem precisam comprar,
são presenteados) e a maior parte, timidamente colocado no merca-
do livreiro local, sem outra chance senão a do encalhe. (SANTANA,
1986, p. 67)

Revelando cenário não muito diferente no século XXI, em entrevista con-


cedida a Carlos Ribeiro e publicada no jornal A Tarde, em 2002 (RIBEIRO,
2002), escritores baianos discutiram os novos rumos da literatura e apresen-
taram alguns entraves experimentados pela produção local. Nesse  sentido,
Aramis Ribeiro fez a seguinte colocação:

Os grandes problemas da Bahia nós já conhecemos, que são a distri-


buição, a vendagem, o isolamento, que na verdade não é só da Bahia,
é do Brasil, que é um arquipélago de culturas, de literaturas. A lite-
ratura que se torna nacional, realmente, é aquela literatura que vem
do sul e que consegue a conexão nacional. As outras permanecem
isoladas. (RIBEIRO, 2002)

5 Desde a década de 1980 já se percebia a falta de uma política de Estado voltada para a eco-
nomia do livro (livro, editora, leitura). Essa realidade só começará a  ser pensada a  partir do
Plano Estadual do Livro, em 2007.

26 Retratos da literatura baiana contemporânea


Essa ausência de uma “conexão nacional” é  reconhecida também por
Cajazeira Ramos, na mesma entrevista a Carlos Ribeiro (2002), que, eviden-
ciando a importância da publicação no eixo Rio-São Paulo, afirmou: “O pro-
blema é que a indústria da divulgação, a indústria cultural está nos grandes
centros, que são o Rio e São Paulo. E se você não passa pelo batismo lá, fica
meio complicado”.
Uma cadeia especializada de produção, comercialização e  leitura dos
livros não é tão perceptível atualmente na Bahia. O fortalecimento do mer-
cado interno parece colocar em cena a  necessidade de constituição de
público leitor, profissionalização do ofício de escritor e valorização das pro-
duções locais, o que revela a importância da manutenção de uma categoria
“literatura baiana” como locus de demarcação e  identificação para o  for-
talecimento dessas produções. Não raro, é  enaltecida uma produção dita
brasileira sem que conheçamos ou reconheçamos as produções brasileiras
constituídas a partir do cenário baiano de escrita.
Nesse sentido, pode-se considerar a noção de campo de Bourdieu e as
suas teorias sociológicas sobre a  produção e  circulação de produtos cul-
turais. Ao explicar a teoria geral dos campos simbólicos, o autor alerta: há
que se prestar atenção ao “campo de produção como um espaço social de
relações objetivas”. (BOURDIEU, 1989, p. 64) Nesse entendimento:

a teoria geral da economia dos campos permite descrever e definir de


forma específica de que se revestem, em cada campo, os mecanismos
e  os conceitos mais gerais (capital, investimento, ganho), evitando
assim todas as espécies de reducionismo, a começar pelo economi-
cismo, que nada mais conhece além do interesse material e a busca
da maximização do lucro monetário. Compreender a gênese social
de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade específica
da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das
coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar,
tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-motiva-
do os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não, como
geralmente se julga, reduzir ou destruir. (BOURDIEU, 1989, p.  69,
grifo do autor)

Já em outra obra, Bourdieu (1996, p. 159) encaminha o  seguinte


pensamento:

o movimento do campo artístico e do campo literário na direção de


uma maior autonomia acompanha-se de um processo de diferencia-

Provocações sobre a literatura baiana 27


ção dos modos de expressão artística e de uma descoberta progressi-
va da forma que convém propriamente a cada arte ou a cada gênero,
para além mesmo dos sinais exteriores, socialmente conhecidos e re-
conhecidos, de sua identidade.

Partindo de conceitos bourdieusianos, a professora Fernanda Coutinho


(2003) apresenta o modo pelo qual produções, tais como Memórias de um
Sargento de Milícias, não recebem notoriedade e projeção em sua época de
publicação mas, posteriormente, são reconhecidas e exaltadas. Em sentido
contrário, a autora coloca em cena o modo pelo qual produções enaltecidas
em uma época e contexto deixam de ser estudadas ou valorizadas, apesar
do reconhecimento que tiveram na época de publicação, ressaltando: “sozi-
nhas, as obras não dão conta de seu significado, já que seu valor, dentro do
sistema artístico, é passível de flutuação”. (COUTINHO, 2003, p. 54)
Tal discussão coloca em evidência o conceito de campo literário que tem
por base a noção de que “o entendimento da criação artística só é possível
através do mapeamento das mediações interpostas entre obra e público”.
(COUTINHO, 2003, p. 54) Para além de uma aludida qualidade artística,
o campo literário tem em si uma série de atores e fatores que, conjugados,
ofertam maior ou menor notoriedade a certas publicações. Assim, falar em
“literatura baiana” pode reduzir e  homogeneizar aquilo que é  tão plural,
mas, por outro lado, o uso da expressão também pode demarcar, no interior
do campo literário, produções que, inserindo-se na cena literária brasileira,
têm marcas próximas às publicações de outros espaços, mas também traços
que as individualizam e formam uma literatura a ser mais valorizada.
Nesse sentido, é interessante colocar em cena a seguinte fala do professor
e escritor Aleilton Fonseca, na referida entrevista a Carlos Ribeiro, sobre con-
versa com alunos de um dos cursos de Letras da UNEB: “Eles disseram: nós
não conhecemos, não sabíamos que existia essa riqueza de literatura baiana
contemporânea […] O que nós precisamos é conhecer, divulgar, fazer com
que os nossos professores sejam divulgadores, a partir de um conhecimento
que venham a ter sobre a nossa literatura”. (RIBEIRO, 2002) Revela-se, assim,
o  modo pelo qual uma ideia de literatura baiana, plural, multi e  agrega-
dora pode se colocar como forma de fortalecimento e apoio às produções
baianas, sendo benéfica tanto para o escritor como para as pequenas edi-
toras, como nos disse o editor da Caramurê, Fernando Oberlaender, no II

28 Retratos da literatura baiana contemporânea


Fórum de Pesquisa do Contemporâneos.6 Naquela oportunidade, o editor
indicou que tal categoria se faz necessária para a luta pelo apoio público às
editoras locais.
Pode ser útil para a discussão considerar o modo pelo qual o Rio Grande
do Sul, marcando ou não seu aspecto local ou regional, vem se constituindo
em solo fértil da produção literária brasileira. O estado gaúcho, deslocado
do centro sudestino, tem obtido projeção nacional, como é possível notar
ao se pensar em nomes de destaque na literatura brasileira contemporânea
e  perceber que isso significa elencar uma lista com vários autores do Rio
Grande do Sul ou vinculados ao estado, como é o caso de Daniel Galera.
Em 2013, por exemplo, autores do Rio Grande do Sul como Luís Fernando
Veríssimo, Cíntia Moscovich, Daniel Galera e Altair Martins venceram, res-
pectivamente, os prêmios Jabuti, Portugal Telecom, Prêmio São Paulo de
Literatura e o Prêmio Moacyr Scliar. Pensando esse protagonismo da pro-
dução gaúcha, é  preciso reconhecer que, para além da especificidade da
literatura local, há um frutífero projeto de formação de leitores, profissiona-
lização de escritores, fortalecimento das editoras e circulação e venda das
produções literárias locais em âmbito nacional. As oficinas de escrita cria-
tiva, feiras literárias, prêmios literários locais, programas de promoção de
leitura, pode-se considerar, também fazem a diferença em relação a outras
capitais brasileiras.
A produção acadêmica que demarca como ponto de partida a literatura
baiana, apesar dos entraves, tem sido responsável por estabelecer diálogos
e  a circulação dos objetos de estudo pelas universidades do país, tensio-
nando, portanto, o espaço das escritas sulistas em contato com outras lite-
raturas também brasileiras. Assinalar a existência de uma literatura baiana
nada tem de segregacionista. Tem a ver com um posicionamento político,
com marcar as diversidades que a  constituem e  que podem ser, e  são,
apagadas facilmente no bloco geopoliticamente homogêneo que carac-
teriza o  que é  exposto e  difundido sob o  rótulo de “literatura brasileira”.
Falar em uma literatura baiana, como falar de uma literatura amazonense,

6 O II Fórum de Pesquisa do Contemporâneos foi realizado nos dias 15 e 16 de maio de


2017, em Salvador, com foco voltado para as discussões sobre a literatura baiana contempo-
rânea. Fernando Oberlaender foi um dos palestrantes da mesa redonda “A literatura produ-
zida na Bahia: múltiplos olhares”, composta também por Karina Rabinovitz (Coordenadora de
Literatura da Fundação Cultural do Estado da Bahia) e Luciana Moreno (UNEB – PPGEL/ DEDC
XIII/ Contemporâneos).

Provocações sobre a literatura baiana 29


ou mato-grossense, ou gaúcha, é  dizer dos lugares de especificidades do
campo literário a partir de onde ela se dá, como apontou Silva (2016).
Para a presente pesquisa, pensamos a literatura baiana enquanto litera-
tura publicada por editoras localizadas na Bahia, por autores baianos ou
não. Assim, o viés central é uma produção que se constitui a partir do locus
baiano. Mais do que isso, contudo, partimos de uma concepção de que
a produção artística sobre a qual nos debruçamos é a literatura brasileira
que vem a público a partir da Bahia e, para nós, reconhecer uma demar-
cação como a categorização “literatura baiana” é marcar um lugar de forta-
lecimento e reconhecimento de nossas escritas.
Assim, colocar em evidência uma produção literária deslocada do centro
econômico e cultural é o mesmo que buscar a quebra de homogeneidade
e a valorização das diferentes ilhas que constituem a cultura brasileira, em
particular a literatura brasileira. É chamar a atenção para o ocultamento que
o  rótulo literatura brasileira guarda quando se restringe à  produção que
se dá a partir do centro, obscurecendo a existência das margens. Enfatizar
a  existência de uma literatura baiana é  uma forma de resistir às práticas
homogeneizadoras, reivindicando visibilidade para as diversas literaturas
que se dão a partir do espraiado território brasileiro.

30 Retratos da literatura baiana contemporânea


Detalhando os métodos,
historicizando os trajetos

O percurso metodológico de uma pesquisa tem importância basilar


para qualquer investigação, sendo indicativo do rigor e da credibilidade
empreendidos durante o estudo. Em sua concretização, os desafios são
frequentes, tendo em vista que o campo de análise, longe de ser algo
estático, faz-se nos entremeios das condições contextuais que solicitam
reflexões e tomadas de decisão em constante devir. A própria questão da
pesquisa, seja ela qual for, agrega desdobramentos incontornáveis que
solicitam considerações múltiplas na tarefa de apreender, com maior
propriedade, o  que se deseja conhecer sobre um fato, um fenômeno,
um acontecimento.
Para o projeto (Des)locamentos: retratos da literatura baiana contem-
porânea, a trajetória metodológica trilhada foi sendo construída com
(re)elaborações atentas às complexidades inerentes a um estudo cujas
proporções impunham ações assertivas e  esforço coletivo constante
para negociar caminhos e soluções, além de depender de ações deter-
minantes da agência de fomento, a FAPESB.
A questão a ser elucidada foi construída no sentido de buscar conhecer
quais retratos estão envolvidos e/ou presentificados nos romances
publicados por editoras baianas entre os anos 2000 e  2014 – questão
que justificou e guiou o esforço investigativo empreendido ao longo do
processo de elaboração das etapas do estudo acerca do campo literário
contemporâneo.
A pesquisa desenvolveu-se como estudo de cunho prioritariamente quan-
titativo, a partir da coleta e  análise de dados estatísticos, sem, entretanto,
abdicar de noções qualitativas tanto no tocante à leitura dos romances e con-
textos vinculados à sua produção quanto na interpretação mais apurada dos
resultados7 registrados no Software Sphinx iQ2. A abordagem escolhida foi de
cunho exploratório, por, num primeiro momento, intencionar “desenvolver
hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato
ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa, ou
modificar e clarificar conceitos”. (LAKATOS; MARCONI, 2016, p. 171)
Quanto aos procedimentos, efetivaram-se como estudo bibliográfico,
baseando-se na análise dos romances, bem como na leitura de estudos
e  pesquisas disponíveis em livros, artigos científicos, periódicos especiali-
zados e ensaios sobre o tema proposto, tendo sido realizado um levanta-
mento amplo da bibliografia em torno da literatura baiana contemporânea,
no sentido de privilegiar debates sobre os retratos que a análise dessa lite-
ratura pudesse revelar.
A delimitação do objeto privilegiou a prosa de ficção, e o gênero romance
foi escolhido por sua importância para a literatura desde a sua assunção,
no século XIX, mas também por enfrentar um certo apagamento, tomando
por referência a Bahia. Ressalte-se a opção por analisar somente obras
literárias publicadas por editoras baianas, excluindo-se outras publicações
e se atendo somente ao gênero designado no próprio livro, no acervo da
Biblioteca Nacional ou no catálogo da editora como romance.
A ausência de estudos mais abrangentes acerca de como se encontrava
a publicação do gênero no campo baiano contemporâneo foi a motivação
da investigação do grupo, que se lançou na aventura de descrever e analisar
como se tem apresentado a cena literária em destaque, suas nuances, for-
matos e configurações, concretizando o objetivo de mapear as publicações,
considerando três categorias principais: autores, obras e personagens.
Definido o  campo empírico para a análise, estava no horizonte do
dia efetivar o  acesso às obras, autores, personagens e  aos textos teóricos
mais adequados à concretização dos objetivos e  perspectivas do projeto.
Inicialmente, duas frentes foram necessárias: a) estudar o  campo literário

7 Em alguns cálculos estatísticos realizados pelo software o arredondamento faz parecer


que os percentuais não fecham 100%.

32 Retratos da literatura baiana contemporânea


baiano, compreendendo as publicações já realizadas sobre o mesmo, com
destaque para a situação das editoras e  para as publicações acerca dos
conceitos, teorizações e análises do que poderia ser entendido por litera-
tura baiana, literatura publicada por editoras baianas e  sobre o  romance
publicado na Bahia do presente; b) mapear, na prática, as editoras, chegar
até elas e aos seus catálogos, selecionar as que trabalharam com literatura
e que publicaram romances no recorte temporal do estudo, para, somente
depois, iniciar a compra dos livros e a investigação propriamente dita.
Para a fase que podemos denominar inserção empírica no corpus,
o método de análise indicado foi a leitura atenta às questões a serem res-
pondidas no tocante ao preenchimento das fichas de todos os romances,
seguida de discussão em grupo e  posterior preenchimento de uma ficha
para cada uma das personagens mais importantes,8 além de uma ficha espe-
cífica para cada autor. Cada obra foi lida por uma professora e dois estu-
dantes pesquisadores responsáveis por conciliar os dados obtidos acerca
dos autores e  das personagens e  suas complexidades, de modo a obter
uma ficha única para cada autor e personagem, após as leituras e discus-
sões.9 Antes desse preenchimento, as fichas, cedidas pela Profª Drª Regina
Dalcastagnè, foram estudadas cuidadosamente para adequação aos obje-
tivos do projeto, sofrendo alguns ajustes (referentes às especificidades do
contexto da Bahia) que foram sendo necessários, até chegar ao seu for-
mato definitivo com 43 questões. Após o preenchimento, os dados foram
inseridos no software Sphinx iQ2, para o tratamento estatístico, não sendo,
portanto, o  resultado da pesquisa. Considerando tal perspectiva, faz-se

8 Foram duas as fichas preenchidas: uma para Autor e  Obra, outra para Personagem.
Entretanto, nem todas as personagens estavam descritas nos romances com informações sufi-
cientes para o preenchimento, o que levou o grupo a realizar uma separação entre: persona-
gens importantes para a trama e personagens apenas mencionadas. Consideramos personagens
importantes aquelas que têm identificação por nome ou característica, que têm descrição psico-
lógica e/ou física, com atuação e circulação efetiva dentro da trama.
9 A leitura dos romances foi seguida do preenchimento das fichas de autores e personagens
por três pesquisadores, professores da equipe executora e alunos das graduações em Letras dos
campi envolvidos na pesquisa, a saber: Conceição de Coité, Itaberaba e Santo Antônio de Jesus.
A orientação foi que cada dupla lesse o romance pelo qual era responsável e respondesse sepa-
radamente o questionário sobre perfil do autor e dos personagens. Posteriormente, a dupla
se reunia e avaliava as respostas apontando convergências e divergências e discutindo incon-
gruências na intenção de preencher uma ficha com o consenso de ambos os pesquisadores.
Por fim, após a dupla de leitores terem preenchido uma ficha única, havia um encontro com a
professora do campus responsável pelos encaminhamentos da pesquisa para análise das fichas
e resolução das incongruências.

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 33


relevante destacar que os dados obtidos, inicialmente quantitativos, abrem
um largo espectro de possibilidades interpretativas e  investigativas, com-
pondo um banco de dados que pode ser utilizado para pesquisas futuras.

Interfaces de um “território contestado”:


referência às fontes
Conhecer a pesquisa sobre a literatura brasileira contemporânea, coorde-
nada pela Profª Drª Regina Dalcastgnè (2012), da Universidade de Brasília
(UNB), exerceu papel fundamental para o  projeto do Contemporâneos,
não somente como fonte de inspiração, mas por oferecer conhecimentos
e  materiais que se tornaram imprescindíveis à concretização do mesmo.
O estudo da professora empreendeu vasto mapeamento do romance bra-
sileiro contemporâneo, abarcando o período entre 1990 e 2004, tanto em
relação às personagens quanto aos seus autores, deflagrando resultados
impressionantes e denunciando, com fundamentação irrefutável, a ausência
de negros e pobres nos romances pertencentes à literatura brasileira con-
temporânea publicada por grandes editoras do país.
Compuseram a referida pesquisa, obras literárias que passaram pelo
filtro das três mais importantes editoras do Brasil, sendo textos escritos por
romancistas consagrados ou que compõem o  rol de investimentos para
novos autores; atingem um público amplo, funcionando como modelo de
sucesso que acaba influenciando novas gerações de produtores literários;
são comentados na grande imprensa; expostos nas livrarias; e adotados nas
escolas e universidades; sendo obras validadas pelo campo literário brasi-
leiro e além dele, o que deixa de fora toda uma diversidade literária como
se ela não existisse. (DALCASTAGNÉ, 2012) O resultado, reflexivo e denun-
ciatório, caracterizou como “contestado” o território da literatura brasileira
contemporânea, erguendo-se como um espelho de uma sociedade extre-
mamente excludente que perpetua lugares de poder instados a reproduzir,
também no campo artístico-literário, valores simbólicos mantenedores de
privilégios que legitimam distinções hierarquizadas, no sentido de compelir
“todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua
distância em relação à cultura dominante”. (BOURDIEU, 1989, p. 11)
As questões levantadas pelos resultados expostos na obra Literatura
Brasileira Contemporânea: um território contestado (2012) não passaram

34 Retratos da literatura baiana contemporânea


despercebidas ao Contemporâneos, alavancando o desejo de conhecer, no
contexto baiano, quais seriam os pontos possíveis de debate. Teria o campo
literário composto por editoras baianas uma resposta diferente? Duas foram
as inquietações iniciais: a primeira compreende que diante do cenário
nacional e do cânone estabelecido pelas grandes editoras é possível que as
publicações feitas a partir da Bahia figurassem quantitativamente em caráter
minoritário e talvez até marginal; a segunda referiu-se à inferência de que
à margem do mercado editorial consolidado no Brasil, qualificado como
importante, existissem outras vozes/produções, influenciando o  campo
literário, e  neste os grupos politicamente minoritários como as mulheres,
negros, pobres, homossexuais e nordestinos poderiam aparecer com mais
expressividade.
Desconfiávamos, desde o início, que as publicações feitas em qualquer
outro estado brasileiro poderiam apenas confirmar o  que já havia sido
exposto a nível nacional, mas, sem pesquisa nada se pode afirmar; por isso,
procuramos a professora Regina Dalcastagnè para saber do seu interesse em
ver o estudo replicado na Bahia. A recepção foi a melhor possível e, depois
da parceria inicial e de termos o projeto aprovado pela FAPESB, em reunião
na UNB, a professora nos informou sobre detalhes da pesquisa, explicitando
entraves e desafios que poderiam ser evitados ou melhor enfrentados; falou
sobre o programa recomendado para o trato dos dados estatísticos; além de
disponibilizar as fichas usadas pelo GELBC, para o registro das informações
acerca dos autores, obras e personagens.
De posse dos conhecimentos sobre a pesquisa original, restava partir para
a concretização do trabalho. Entretanto, os recursos, que estavam garan-
tidos no Edital 008/2015 da FAPESB, sofreram um atraso considerável de
forma que a pesquisa foi sendo feita em suas (im)possibilidades, com ações
que nos aproximaram mais ou menos do caminho já trilhado pela Profª Drª
Regina Dalcastagnè.

Das editoras aos romances: trilhas percorridas


e algumas reflexões
Mapear o romance contemporâneo publicado por editoras baianas, con-
siderando o período entre 2000 e 2014, trouxe desafios já esperados, tendo
em vista o objetivo estabelecido, as exigências do percurso metodológico

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 35


e a abrangência do universo ainda desconhecido, mas também trouxe difi-
cultadores não imaginados. Já no primeiro momento das atividades, ficou
claro para a equipe executora da pesquisa que chegar às informações sobre
as editoras participantes não seria uma tarefa tão fácil. Acessar as editoras
baianas que estavam em atuação no período da investigação exigiu trabalho
minucioso de garimpagem, já que instituições como Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e  Pequenas Empresas (SEBRAE), Secretaria de Cultura do
Estado e Fundação Pedro Calmon não possuíam uma catalogação conso-
lidada que pudesse fornecer informações precisas sobre as empresas que
atuavam como editoras e publicavam literatura no período do recorte esta-
belecido para a pesquisa.
Para a realização desse feito, foi necessário acessar informações na
internet, buscar os órgãos públicos que atuam no campo da literatura
e consultar pessoas para construir um catálogo com todas as editoras que
poderiam compor o corpus da pesquisa. Isso nos obrigou, muitas vezes, a
entrar em contato via telefone, e-mail, rede social ou até mesmo nos deslo-
carmos fisicamente a esses espaços, quando situados em Salvador e região
metropolitana,10 para verificar se funcionavam como editoras as empresas
encontradas na internet (ou se eram gráficas), se publicavam literatura e se
estavam atuando no período de interesse da investigação. Ter um número
o mais próximo possível do universo total das editoras baianas que publi-
caram romances no período investigado, constituía-se informação funda-
mental para a identificação dos romances que viriam a compor o corpus a
ser analisado.
Referenciadas pela pesquisa do GELBC, inicialmente, pensamos ser
necessário efetivar uma seleção das editoras através do método reputa-
cional, compreendido como consulta a informantes-chave, integrantes do
próprio campo literário, e que, no caso baiano, receberiam a seguinte per-
gunta: “em sua opinião, quais são as editoras baianas que contribuem ativa-
mente na publicação e circulação da literatura produzida na Bahia, conside-
rando o período entre 2000 e 2014?”. A análise das respostas sinalizaria as
editoras a serem pesquisadas, encaminhando os trabalhos de identificação

10 O mapeamento das editoras foi realizado com a intenção de incluir todas que estivessem
em funcionamento no recorte temporal da pesquisa; entretanto, por falta de uma fonte que
fornecesse resultados mais precisos não pode ser descartada a possibilidade de alguma editora
ter ficado de fora do levantamento.

36 Retratos da literatura baiana contemporânea


dos romances. Entretanto, após inclusive já terem sido elencados os infor-
mantes-chaves, a saber, escritores e professores de cursos de graduação em
Letras que atuassem no campo da literatura e fossem vinculados a institui-
ções de ensino superior públicas, verificamos ser desnecessário um recorte
no universo das editoras, tendo em vista que o mapeamento inicial apon-
tava um número que não recomendava qualquer corte seletivo, o que foi
se confirmando durante o desenrolar dessa etapa de (re)conhecimento das
editoras componentes do campo editorial baiano.
Por conta desse cenário, optou-se por considerar na pesquisa todas as
empresas que atuassem como editoras (cumprindo as ações de editoração,
publicação, impressão, divulgação, distribuição e  venda) e  publicassem
romances no período estabelecido. Ficou patente já nesse momento que
as publicações literárias associadas ao mercado editorial da Bahia não pos-
suíam a mesma validação daquelas situadas no campo literário em nível
nacional, tendo em vista o baixo número de editoras e de exemplares publi-
cados e vendidos, constatação que confirma a hipótese levantada acerca do
caráter minoritário das publicações de romances na Bahia.
No Plano Estadual do Livro e da Leitura da Bahia, de 2014, há uma seção
sobre as editoras que discorre o seguinte:

Segundo pesquisa elaborada pela professora Flávia Rosa para a apre-


sentação 'Editor Baiano: produção e comercialização' durante o Se-
minário Rede Produtiva do Livro realizada pela parceria Secult/FPC/
Unijorge, em 13 e 14 de junho de 2012 existem na Bahia 26 editoras
em funcionamento. (BAHIA, 2014)

Como resultado do primeiro contato (realizado via telefone e  e-mail)


com a Fundação Pedro Calmon (FPC), órgão pertencente ao Estado e res-
ponsável por bibliotecas, livro e  leitura, foi obtida uma lista organizada a
partir da política de editais promovida pela Secretaria de Cultura do Estado
da Bahia (SECULT). Após análise, foi possível observar que a lista enviada
pela FPC incluía gráficas e  editoras que não estavam sediadas na Bahia.
Além disso, continha apenas parte das editoras, aquelas que participaram
dos editais da referida instituição.

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 37


Como outra possibilidade de acesso às editoras, buscamos as Academias
de Letras nos diferentes territórios de identidade,11 solicitando-lhes infor-
mação sobre editoras situadas em suas cercanias. O baixo retorno dessas
instituições também indicou a ausência de informações sobre as editoras.
Para minimizar a possibilidade de deixar de fora da pesquisa editoras que
estivessem contempladas nos critérios elencados, o grupo passou a buscar
na internet, em sites de busca, o termo “editoras baianas”, obtendo contatos
de e-mail e também telefônicos que foram acessados. Destes movimentos,
foram incluídos nomes que não estavam na lista da FPC; entretanto, devido
à ausência de respostas aos contatos em alguns casos, foi possível identi-
ficar que muitos dos e-mails e números telefônicos já não se relacionavam
àqueles espaços, encontravam-se desatualizados, mesmo estando disponi-
bilizados nas redes, como forma de acesso.
O contato com as editoras e o baixo retorno proveniente delas pode ter
demonstrado o fechamento destes espaços ou o baixo interesse em enviar
os dados solicitados, o  que se configura como dois movimentos preocu-
pantes. O primeiro talvez denuncie que tais estabelecimentos não conse-
guem alavancar seu potencial econômico, estabelecer-se num mercado
local e  ingressar no nacional de modo a manter sua atuação. O segundo
pode evidenciar que tais espaços não confiam na possibilidade de uma
pesquisa acadêmica contribuir para a ressignificação e/ou consolidação do
mercado editorial baiano.
Unindo, como num quebra-cabeças, as informações obtidas via insti-
tuições governamentais – a exemplo da FPC, as pesquisas na internet e os
contatos via telefone e e-mail, a lista de referência para a pesquisa, Lista de
Editoras Referenciadas – LER (ANEXO A), foi finalizada, gerando os dados que
dariam acesso a uma outra lista a ser elaborada, a dos romances publicados.
Inicialmente, foram contabilizados quarenta e nove estabelecimentos, entre
editoras, selos editoriais, gráficas e  fundações vinculadas à publicação de
livros em território baiano. Desse número foram excluídas empresas que
possuíam apenas como função laboral a impressão de material gráfico,

11 Com o objetivo de identificar prioridades temáticas definidas a partir da realidade local,


possibilitando o  desenvolvimento equilibrado e  sustentável entre as regiões, o  Governo da
Bahia passou a reconhecer a existência de 27 Territórios de Identidade, constituídos a partir
da especificidade de cada região. Informação disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br/
modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=17#:~:text=Com%20o%20objetivo%20de%20
identificar,da%20especificidade%20de%20cada%20regi%C3%A3o. Acesso em: 3 dez. 2020.

38 Retratos da literatura baiana contemporânea


ainda que estivessem trabalhando com livros, revistas e jornais, empresas
fomentadoras de publicações como as fundações culturais, as empresas que
não obtivemos informações que possibilitassem efetivamente comprovar
a atuação editorial, restando trinta e  três estabelecimentos entre editoras
(87,9%) e selos editoriais (12,1%), que agrupamos sob o nome de editoras,
conforme a Tabela 1.

Tabela 1 - Qual é o tipo de empresa?12

Nº % cit.
Editora 29 87,9%
Selo editorial 4 12,1%
Total 33 100,0%

Dessas trinta e três editoras, 57,6% se concentram na capital baiana; 9%


estão na Região Metropolitana de Salvador (Lauro de Freitas, Simões Filho
e  Camaçari); 9,1% na região Sul baiana (Ilhéus e  Itabuna), 9,1% na região
Sudoeste do estado (Anajé e Vitória da Conquista), 3% no Recôncavo Baiano
(Cachoeira) e  3% na segunda maior cidade da Bahia (Feira de Santana),
como pode-se ver na Tabela 2.

Tabela 2 - Cidade

Nº % cit.
Não resposta 3 9,1%
Salvador 19 57,6%
Vitória da Conquista 2 6,1%
Itabuna 2 6,1%
Arembepe/Camaçari 1 3,0%
Feira de Santana 1 3,0%
Ilhéus 1 3,0%
Cachoeira 1 3,0%
Lauro de Freitas 1 3,0%
Anajé 1 3,0%

12 As tabelas e figuras apresentados neste livro foram elaboradas pelas autoras com dados
obtidos da pesquisa.

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 39


Nº % cit.
Simões Filho 1 3,0%
Total 33 100,0%

Pelo exposto, fica demonstrado que não há presença de editoras em


todos os 27 territórios baianos de identidade, tendo em vista que as mesmas
estão situadas nas regiões mais centrais e com maior poder econômico e de
desenvolvimento do estado. Chama a atenção o fato de a segunda maior
cidade do estado, Feira de Santana, ter apenas uma editora universitária,
sendo importante ressaltar que, no geral, o número de editoras mapeadas
na pesquisa é pequeno quando se compreende a extensão geográfica da
Bahia e o fato de o estado possuir 417 municípios.
Daquelas trinta e três editoras, duas não publicam literatura, uma destas
limita-se a publicar títulos na área do Direito e de concurso público. Quanto
aos gêneros literários aos quais se dedicam as editoras pesquisadas, verifi-
camos que do total não foi possível identificar os gêneros publicados em
quatro delas. Ademais, conforme a Tabela 3, os gêneros literários mais publi-
cados são poesia (22,3%), romance (19,1%), conto (18,1%), crônica (12,8%)
e literatura infantojuvenil (10,6%). A literatura de cordel é publicada em 2,1%
das empresas e o gênero teatro em apenas 1,1% delas, possivelmente por
não representar uma fatia do mercado atraente para as editoras, incluindo
as questões de localização, lucratividade e escolhas editoriais, além de que
os autores podem direcionar as demandas para formas mais acessíveis e/
ou adequadas aos próprios interesses. Além daqueles, 9,6% das editoras
publicam outros gêneros literários.

Tabela 3 - Gêneros publicados

Nº % cit.
Não resposta 4 4,3%
Poesia 21 22,3%
Romance 18 19,1%
Conto 17 18,1%
Crônica 12 12,8%

40 Retratos da literatura baiana contemporânea


Nº % cit.
Literatura infantil/
10 10,6%
infantojuvenil
Outros 9 9,6%
Cordel 2 2,1%
Teatro 1 1,1%
Total 94 100,0%

Sobre o  ano de fundação, indicamos que 9,1% das editoras não regis-
tram em seus sites e/ou materiais impressos o ano em que foram fundadas.
A mais antiga a figurar nesse levantamento foi fundada no final dos anos
1970. Entre 1979 e  1991 há um hiato, não há registro de novas editoras.
A partir dos anos 1990 nota-se o surgimento de novos empreendimentos
(27,3%), que é acentuado a partir dos anos 2000 (42,4% de novas editoras
entre 2000 e 2010). Observa-se, na tabela 4, que do final dos anos 1990 até
os anos 2010, foram fundadas mais da metade das editoras identificadas na
pesquisa, o que corrobora com a ideia de que, apesar de certa prevalência
do capital estrangeiro no mercado editorial como um todo, vem havendo
um crescente aparecimento de espaços editoriais locais, desde o  final do
século XX.

Tabela 4 - Ano de fundação

Nº % cit.
Não resposta 3 9,1%

2010 4 12,1%

1991 3 9,1%

1998 3 9,1%

2014 2 6,1%

2012 2 6,1%

2002 2 6,1%

2004 2 6,1%

2005 2 6,1%

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 41


Nº % cit.
1996 2 6,1%

1979 1 3,0%

2007 1 3,0%

2008 1 3,0%

2009 1 3,0%

1999 1 3,0%

2011 1 3,0%

2006 1 3,0%

2013 1 3,0%

Total 33 100,0%

Para Iara Augusta da Silva (2014), vê-se que em nível mundial as mudanças
desse mercado são intensas e acirradas, pois no setor da indústria gráfica
ocorrem as fusões de redes de editoras e livrarias internacionais que mono-
polizam o  mercado cuja forte presença é do capital estrangeiro. Assim,
empresas locais e de menor porte apresentam sérias dificuldades de sobre-
viver neste cenário, por um lado; mas, por outro, compreendem que devem
investir nas brechas e ranhuras deixadas por um mercado internacional que
hegemoniza a produção livresca e pouco apresenta as diversidades e espe-
cificidades locais.
Neste cenário contemporâneo em que as tecnologias da informação
e comunicação e as redes sociais mediam as relações humanas e são basi-
lares para a divulgação, visibilização, promoção e  venda dos produtos
oriundos do mercado livresco, ressalta-se a importância de as editoras iden-
tificadas na pesquisa possuírem endereços on-line, como também de haver,
nesses sites, uma gama de informações para ampliar o acesso aos materiais
comercializados por tais espaços. Nesse quesito, de acordo com a Tabela 5,
verificamos que 84,8% das editoras possuem site com informação de con-
tato por endereço eletrônico; 9,1% delas não possuem site, mas informam
endereços eletrônicos como forma de acesso à editora e 6,1% não respon-
deram à questão.

42 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 5 - Tem site?

Nº % cit.

Não resposta 2 6,1%

Sim 28 84,8%

Não 3 9,1%

Total 33 100,0%

Por fim, interessou ao grupo identificar a política editorial que lastreia


as editoras investigadas no presente estudo, bem como o  tipo de serviço
que prestam. Nesse segmento, três categorias podem ser elencadas. Um
grupo de editoras realiza publicações gerais que compreendem livros téc-
nicos, científicos e literários. Um outro grupo possui foco nas publicações
acadêmicas, e  geralmente fazem parte deste bloco as editoras universitá-
rias, embora tenha sido averiguada a presença de algumas poucas publi-
cações literárias no acervo divulgado. E um último grupo dedica-se com
mais ênfase às publicações literárias ou, como está escrito na maior parte
dos documentos de referência dessas empresas, de “ficção”, centrando suas
ações no fortalecimento do mercado editorial baiano e na publicação de
autores nascidos na Bahia. Ainda que não apareça de forma explícita uma
concepção de literatura baiana nas apresentações das editoras, uma delas
sinaliza que privilegia a publicação de literatura baiana, afirmando que esta
adjetivação se refere aos autores e autoras que nasceram na Bahia.
Tendo sido finalizada a LER, outro fator que exigiu bastante empenho
e desgaste do grupo foi o acesso aos catálogos de livros literários publicados
pelas editoras presentes no corpus da pesquisa e a posterior identificação do
que estava designado como romance. Para a análise, foram considerados
somente romances publicados em português, por editoras baianas, cuja pri-
meira edição tenha ocorrido entre 2000 e 2014 e não estivessem inseridos
na denominação de ficção científica, autoajuda e/ou infantojuvenil. Desse
modo, os livros pesquisados foram aqueles lançados por escritores nascidos
ou não na Bahia, não necessariamente consagrados pela academia ou crí-
tica literária, e publicados pelas editoras baianas mapeadas para o período

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 43


evidenciado na pesquisa e que estavam classificados como romances nos
catálogos das editoras ou nas próprias obras.
Sobre o catálogo, material de extrema importância para a pesquisa e que,
embora fosse entendido como documento onde seriam encontradas infor-
mações sobre as publicações das editoras, suas edições e  anos, além de
informações relativas a autoria, gênero e conteúdo da obra, não estavam
tão disponíveis ou apresentavam, prioritariamente, lançamentos e  títulos
mais recentes, dificultando o acesso às obras mais distantes temporalmente.
Assim, quando não foi possível acessar o catálogo nos sites, o contato com as
editoras foi o caminho natural para conseguir a informação. Nesse cenário,
observou-se que 81,8% das editoras dispõem de catálogo acessível e  dis-
ponibilizado nas redes; 12,1% não possuem esse material divulgado neste
meio e 6,1% não responderam à questão, como nota-se na Tabela 6 a seguir.

Tabela 6 - Catálogo disponível na internet

Nº % cit.

Não resposta 2 6,1%

Sim 27 81,8%

Não 2 12,1%
Total 33 100,0%

Ao fato de algumas editoras não terem catálogos disponíveis ou não os


terem atualizados, acrescenta-se uma falta de clareza na classificação das
publicações literárias quanto ao gênero. A denominação geral “ficção” tor-
nou-se um dificultador e, incontáveis vezes, foi necessário recorrer à cate-
gorização que aparecia no site da Biblioteca Nacional, no setor específico de
descrição dos livros, a fim de encontrar a classificação necessária à seleção
das obras, embora, até no citado site, a denominação nem sempre estivesse
adequada. No geral, foi necessário cruzar os dados obtidos nos catálogos,
no site da Biblioteca Nacional, além de buscar notícias de lançamentos
e resenhas disponíveis na internet, a fim de dirimir dúvidas.
Após esse investimento e  consequente elaboração da lista de todos os
romances a serem analisados, inicialmente trinta e oito romances, deu-se
início à compra dos livros. Nessa etapa, apesar de a pesquisa ser subsidiada

44 Retratos da literatura baiana contemporânea


por verba da FAPESB e haver recurso para a compra dos romances, muitos
não estavam mais sendo vendidos pelas editoras, por terem tido poucas
edições e estas se encontrarem esgotadas. A saída foi usar um site de com-
pras a partir de sebos para ter acesso a edições que estivessem compreen-
didas no período da pesquisa. Por fim, os romances que não puderam ser
comprados nas editoras pesquisadas, com livreiros e/ou nos sites de com-
pras foram obviamente excluídos da análise. Todo esse percurso nos levou
a ter no corpus da pesquisa vinte e nove títulos (ANEXO B), publicados por
nove editoras baianas, de autoria de 26 autores e autoras em um recorte
temporal de quinze anos compreendidos entre os anos 2000 e 2014.
Um incômodo, especialmente para a equipe executante da pesquisa
desde dentro de um espaço acadêmico, é que aparentemente as editoras
não estão envolvidas com ações que visem promoção de leitura e formação
de público leitor. Após tal percurso em diálogo com as editoras, inferimos
que há pouco investimento direto em um público consumidor no que tange
à sua formação e consolidação. Ao nosso ver, essas empresas, se não con-
siderarem tudo que está inserido no “ecossistema” do livro, desde questões
referentes à autoria, à promoção do livro até ao leitor/consumidor final,
podem estar fadadas a lidar com sérias dificuldades de consolidação indivi-
dual e de inserção num mercado editorial mais amplo.
No geral, a partir do percurso de investigação de sites e afins relacionados
às editoras, percebemos que poucas incluem em suas missões a preocu-
pação em torno da disseminação das obras e  do conhecimento que está
posto a partir delas, garantindo o acesso à memória, sobretudo no que se
refere à disseminação da arte e  da cultura baianas. Mesmo percebendo
o cenário editorial baiano numa posição de margem em relação ao cenário
nacional, notamos que poucas dessas editoras dedicam-se a uma escrita
periférica e/ou interessam-se por reparar questões históricas, buscando,
por exemplo, apoiar a publicação de autores e  autoras negros e  negras
e indígenas.
Quanto aos romances do corpus, embora não tenham passado pelo filtro
das editoras de porte nacional, pode-se considerar que atingem um público
significativo no nível local e  influenciam o  campo literário, ao integrar as
estratégias de publicação, distribuição, consumo e, principalmente, ao
chegar ao leitor e integrar o imaginário literário que se faz no labor autoral
e editorial da Bahia e suas circunstâncias.

Detalhando os métodos, historicizando os trajetos 45


Vale ressaltar que, em paralelo às leituras das obras, preenchimento das
fichas, alimentação e cruzamento de dados no software, o grupo foi reali-
zando outras atividades que funcionaram como agregadoras de conheci-
mentos para uma percepção amadurecida acerca dos retratos que a pesquisa
passou a desenhar. A participação em eventos, a execução de seis projetos
de Iniciação Científica, a realização dos fóruns de pesquisa do grupo e  a
elaboração e  distribuição do Boletim do Contemporâneos apresentando
alguns romances do corpus da pesquisa (500 exemplares distribuídos para
escolas públicas da educação básica) somam partes importantes a serem
destacadas, por se constituírem como etapas de visibilização dos esforços
e resultados parciais obtidos pela pesquisa. Os passos trilhados nas etapas
iniciais foram importantes para alicerçar a análise final dos dados, funda-
mentada por pressupostos quantitativos e qualitativos, visando à problema-
tização dos resultados obtidos por meio do software, com gráficos, tabelas
e cruzamento de variáveis.
A leitura detalhada das obras, autores e contextos sócio-históricos-cul-
turais presentes em suas constituições alimentou um banco de dados rico
em informações a serem interpretadas tanto pelo que cada item das fichas
evidencia, enquanto categoria posta em destaque para a geração de grá-
ficos e tabelas, quanto em consideração às inúmeras possibilidades de cru-
zamentos capazes de iluminar uma compreensão mais abrangente acerca
do campo literário baiano. Assim, as etapas de análise compreenderam
o estudo detalhado dos dados brutos, por meio da leitura dos resultados
quantificados e disponibilizados no software, com a correção de inconsis-
tências. Tal leitura foi gerando a percepção de respostas que se mostravam
evidentes e “saltavam aos olhos”, mas também o estabelecimento de cate-
gorias temáticas que necessitavam de olhar mais apurado para o entendi-
mento. Na sequência, foram realizados os cruzamentos das variáveis e  a
escrita das interpretações, considerações, problematizações e  questiona-
mentos que serão explicitados no decorrer das próximas seções.

46 Retratos da literatura baiana contemporânea


Percepções analíticas sobre os dados:
retratos e refrações

A leitura e análise, via preenchimento de fichas, dos livros que compõem


o corpus em estudo nos forneceu dados que foram posteriormente lan-
çados no Software de análise estatística Sphinx iQ2. O tratamento desses
dados, bem como a leitura deles e do contexto em que as obras foram
publicadas, nos proporciona uma visão diferenciada do campo literário
baiano, ampliando o olhar sobre editoras, autores e representações pre-
sentes em suas obras. Nessa trilha, iniciamos o  descortinar dos dados
levando a atenção para o questionário sobre os autores, composto por
vinte e três perguntas abrangendo dados pessoais e relacionados à sua
atuação como autor.

Autoria
Voltando o olhar para os vinte e seis autores(as) que figuram na pes-
quisa, nota-se a  presença majoritária de homens, brancos, acima de
cinquenta anos de idade. Os homens constituem 76,9% enquanto as
mulheres somam 23,1% de acordo com a Tabela 7, a seguir.
Tabela 7 - Sexo
Nº % cit.
Masculino 20 76,9%
Feminino 6 23,1%
Total 26 100,0%

Observando a  relação entre sexo e  cor,13 na Tabela 8, visualiza-se que,


dentro do quantitativo de autoras, 66,7% corresponde a  brancas, 16,7%
a pretas e 16,7% a pardas, enquanto nos números relativos aos autores são
75% de brancos, 15% de pretos e 10% de pardos.

Tabela 8 - Autores: Cor x Sexo

Masculino Feminino

Nº % cit. Nº % cit.
Brancos 15 75,0% 4 66,7%
Pretos 3 15,0% 1 16,7%
Pardos 2 10,0$ 1 16,7%
Total 20 100,0% 6 100,0

Chama a atenção o quanto esses dados se assemelham aos levantados


pela pesquisa da professora Regina Dalcastagnè (2012) e  ao diagnóstico
empreendido pelo “Mapa da Palavra”, evidenciando a  presença feminina
de forma adjacente ao protagonismo masculino. Isso se deve muito pro-
vavelmente, não só à jornada tripla (trabalho, família, vida artística) que
elas precisam enfrentar ao optarem por empreender uma atuação na cena
literária, mas também à desigualdade entre homens e mulheres no tocante
ao acesso aos meios de publicação, à visibilização e reconhecimento do seu
trabalho literário, numa sociedade marcada por ranços do patriarcalismo,
do racismo e da misoginia.
A questão étnica também é reproduzida, mesmo em um estado que
abriga um dos maiores contingentes de população autodeclarada negra
em território brasileiro, como mostram dados da Secretaria de Combate ao

13 Adotamos a  designação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e  Estatísticas


(IBGE) para abordar a  cor/raça dos(as) autores(as) e  os identificamos mediante pesquisas
e inferências dos pesquisadores em consultas a imagens dos autores disponíveis na internet.

48 Retratos da literatura baiana contemporânea


Racismo, a partir do censo do IBGE de 2010, que informam que a Bahia é
um dos três estados brasileiros (ao lado do Pará e do Maranhão) com maior
quantidade (mais de 70%) de pessoas que se autodeclaram pardas ou pre-
tas.14 Isso parece indicar o quanto o acesso e a autorização para participar
do campo literário na posição de autor são dificultadas para pessoas negras
e indígenas, implicando em uma pequena representatividade dessas mino-
rias sociais. Destacamos a  inexistência de autoria indígena neste mapea-
mento, num estado que, apesar das imensas dificuldades enfrentadas por
indígenas e aldeias, tem nessa etnia uma importante parcela da população.15
Além do aspecto referente ao autorizar-se a Figurar nesse cenário, que
é de ordem subjetiva embora advinda dos construtos socioculturais, vale
dar atenção à relação comercial predominante entre autor e  editora, em
solo baiano, de aquisição de um serviço oferecido pela editora, quando
o assunto é publicar um livro. Isso certamente filtra o interesse e o alcance à
posição de autor dentro de um campo literário cheio de fragilidades como é
o baiano, favorecendo um segmento da população que historicamente tem
condições de acessar os bens culturais e tornar-se seu agente.
No tocante à idade, nota-se que tanto homens quanto mulheres Figuram
predominantemente acima dos cinquenta anos, como evidencia a Tabela 9,
enquadrando-se, em sua maioria, na faixa dos idosos – após os sessenta
anos de idade –, já que somados os percentuais de idade, considerando
60, 70 e 80 anos ou mais, obtém-se um total de 30,7%. Somando-se este
percentual àquele relativo aos autores que têm entre 50 e 60 anos (23,1%),
tem-se 53,8% de autores com mais de 50 anos. Enquanto na faixa entre 40
e  50 anos, tem-se 7,7% e  na faixa entre 30 e  40 anos, 3,8%. Destacam-se
visualmente, na Figura 1, os percentuais referentes à idade não identificada,
evidenciando que não conseguimos identificar a  data de nascimento de

14 Dados disponíveis em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&cd=&ved=


2ahUKEwj0yry70YrtAhVeK7kGHSnICycQFjAAegQIAhAB&url=https%3A%2F%2Fwww.
cut .org.br%2Facao%2Fdownload%2F1fcd516c53da22deaee03e41c795da50&us-
g=AOvVaw1pNh70b97AcnnXnbCQun28. Acesso em: 26 out. 2020.
15 Conforme dados disponibilizados pelo Governo do Estado baseados no Censo
Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, a Bahia tinha,
à época, a  terceira maior população indígena declarada do país, com 56.381 pessoas.
Informação disponível em: http://www.justicasocial.ba.gov.br/2016/04/1063/Etnias-indigenas-
baianas-reforcam-dialogo-com-Governo-do-Estado.html Acesso em: 13 dez. 2020.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 49


cinco autores e  também a  categoria não pertinente, que diz respeito aos
autores já falecidos.

Tabela 9 - Idade aproximada Figura 1 - Idade aproximada

Nº % cit.

50-60 6 23,1%

Não identificada 5 19,2%

+80 4 15,4%

Não pertinente 4 15,4%

60-70 3 11,5%

40-50 2 7,7%

30-40 1 3,8%

70-80 1 3,8%

15-20 0 0,0%

20-30 0 0,0%
Total 26

A Figura revela um perfil de pessoas entre a maturidade (entre 50 e 60


anos) e  a fase idosa escrevendo e  publicando por editoras baianas no
período em estudo. Isso parece ser indício de uma dedicação à escrita
quando as cobranças mais acentuadas da vida social e produtiva estão mais
brandas e há tempo para dedicar-se à narrativa longa, como é o romance,
quando já existe uma soma das experiências leitora e de vida, além da dis-
posição particular para tal. Esses podem ser fatores que contribuem para
a  presença dessa faixa etária, mas não sinalizam necessariamente que os
jovens não publiquem ou não se dediquem ao gênero romance (por outros
meios ou editoras sediadas em outros estados), bem como não estejam
publicando literatura. Nos dados coletados, os homens aparecem a partir
dos trinta anos enquanto as mulheres vão surgir a partir dos quarenta.

50 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 10 - Autores: Sexo x Idade aproximada

Masculino Feminino Total

Nº % cit. Nº % cit. Nº % cit.


50-60 5 25,0% 1 16,7% 6 23,1%
Não identificada 3 15,0% 2 33,3% 5 19,2%
+80 3 15,0% 1 16,7% 4 15,4%
Não pertinente 4 20,0% 0 0,0% 4 15,4%
60-70 2 10,0% 1 16,7% 3 11,5%
40-50 1 5,0% 1 16,7% 2 7,7%
30-40 1 5,0% 0 0,0% 1 3,8%

70-80 1 5,0% 0 0,0% 1 3,8%

Total 20 100,0% 6 100.0% 26

A Tabela 10 reforça que em ambos os sexos a concentração é na tran-


sição entre a maturidade e a velhice e que fora dela aparecem uma mulher
e um homem que estão entre os 40 e 50 anos, e um autor com idade entre
30 e  40. Não foi possível identificar o  ano de nascimento de 3 autores e
2 autoras. O número referente a  “não pertinente” diz respeito aos quatro
autores falecidos após a publicação do livro no corpus.
Um dado que também merece atenção diz respeito aos locais (estado/
cidade) de nascimento e  de moradia dos autores, revelando que eles
nascem e continuam residindo majoritariamente na Bahia, principalmente
nas cidades do interior. De acordo com a Tabela 11, são baianos de nas-
cimento 76,9%, enquanto 7,7% são paulistas. Estados como Ceará, Minas
Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul ficam, cada um, com 3,8%. Dentro dos
estados, identificamos que 61,5% nasceram em cidades do interior e 38,5%
nas capitais (Tabela 11).

Tabela 11 - Estado em que nasceu


Nº % cit
Bahia 20 76,9%
São Paulo 2 7,7%
Rio Grande do Sul 1 3,8%

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 51


Nº % cit
Ceará 1 3,8%
Minas Gerais 1 3,8%
Paraíba 1 3,8%
Total 26 100,0%

Tabela 12 - Identificação da cidade em que nasceu

Nº % cit

Interior 16 61,5%

Capital 10 38,5%

Não identificada 0 0,0%

Total 26 100,0%

Deslocando o olhar para os estados e cidades em que eles moram, a pre-


dominância do estado baiano (69,2%) mantém-se, seguido apenas por São
Paulo (3,8%) e Rio de Janeiro (3,8%), de acordo com a Tabela 13. Neste que-
sito, dois autores não tiveram seus locais de moradia identificados e quatro
(15,4%), já falecidos, indicam que a pergunta é “não pertinente”. A predo-
minância do interior se mantém com 42,3% residindo aí e 34,6% na capital,
como podemos observar na Tabela 14.

Tabela 13 - Estado em que mora


Nº % cit
Bahia 18 69,2%
Não pertinente 4 15,4%
Não identificado 2 7,7%
São Paulo 1 3,8%
Rio de Janeiro 1 3,8%
Total 26 100,0%

52 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 14 - Identificação da cidade em que mora

Nº % cit

Interior 11 42,3%

Capital 9 34,6%

Não pertinente 4 15,4%

Não identificada 2 7,7%

Total 26 100,0%

Os dados mostram não só a procedência, mas também o local de fixação


dessa autoria como sendo o estado baiano e o seu interior, o que parece
iluminar um fator a contribuir para a predominância de editoras localizadas
no interior do estado, quando o assunto é a quantidade de títulos no corpus,
como será mostrado adiante. Evidenciam também um perfil interiorano no
tocante à economia do livro e  à economia narrativa de grande parte dos
romances do corpus, desenvolvida em cidades do interior. A Tabela 14 pode
evidenciar o  investimento na publicação dessas obras em editoras mais
próximas, diferente de alguns dos escritores baianos mais conhecidos, que
publicam por editoras de maior porte, localizadas fora da Bahia. Os dados
podem indicar a dificuldade de acesso desses autores, situados no interior,
a editoras com esse perfil, ratificando a existência de uma produção literária
fora dos grandes centros e que, muitas vezes, não alcança reconhecimento
e disseminação nas esferas mais celebradas do campo literário.
No tocante às profissões dos autores conforme a Tabela 15, notamos que,
para além de serem identificados como escritores, 19,4% deles são profes-
sores, 9,7% são servidores públicos e o mesmo percentual é de jornalistas.
Várias outras profissões Figuram com 1,6% e poderiam ser agrupadas no rol
dos profissionais liberais, com exceção do que está aposentado. A grande
lista decorre de tal pergunta admitir mais de uma resposta, o que mostra
a  pluralidade de atuação deles, ao mesmo tempo em que evidencia que
a escrita não Figura como atividade profissional exclusiva.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 53


Tabela 15 - Profissão entre 2000 e 2014 (é possível anotar mais de uma)

Nº % cit

Escritor 19 30,6%

Professor 12 19,4%

Servidor público 6 9,7%

Jornalista 6 9,7%

Não identificada 1 1,6%

Ator 1 1,6%

Contabilista 1 1,6%

Crítico literário 1 1,6%


Desenhista 1 1,6%
Dublador 1 1,6%
Economista 1 1,6%
Editor 1 1,6%
Advogado 1 1,6%
Historiador 1 1,6%
Aposentado 1 1,6%
Palestrante 1 1,6%
Pesquisador 1 1,6%
Pintor 1 1,6%
Produtor 1 1,6%
Revisor 1 1,6%
Artista 1 1,6%
Sociólogo 1 1,6%
Vigilante 1 1,6%
Total 62 100,0%

A maioria dos autores aparece com apenas uma obra publicada durante
os quinze anos investigados pela pesquisa, levando em consideração apenas
o gênero textual romance. Dos vinte e seis, vinte e três participaram com uma
obra cada, e três participaram com dois títulos integrando o corpus de vinte
e nove obras no total. Importa lembrar que o mercado editorial baiano tem
se voltado primeiramente para o gênero poesia, e que o romance Figura em
segundo lugar no ranking de gêneros publicados.

54 Retratos da literatura baiana contemporânea


Durante o  II Fórum de Pesquisa do Contemporâneos (2017), realizado
em Salvador e voltado para a discussão sobre a literatura publicada no mer-
cado editorial baiano, o editor Fernando Oberlaender (Caramurê) chamou
a atenção para os custos editoriais de publicação de uma obra de grande
fôlego como é o romance, considerando-o um gênero pouco interessante
em termos de custos de produção, num estado que não dispõe de um
parque gráfico – o que faz com que boa parte desse trabalho seja feito por
empresas de fora da Bahia, onerando o custo final. Vale salientar, também,
que o romance é um gênero que pode exigir dedicação de maior tempo à
tessitura textual e à trama narrativa, o que requer bastante tempo daquele
que deseje construí-lo. O que é bem diferente quando se pensa nos gêneros
conto e poesia.
Conforme constatamos, os(as) autores(as) da pesquisa dedicam-se, pre-
dominantemente, também à escrita de outros gêneros. Deles, apenas 15,4%
escrevem apenas romance, o  que evidencia a  vinculação pessoal/artística
ao gênero. Notamos que os autores que têm dois títulos no corpus fizeram
a  publicação de ambos os livros no intervalo de um ano, o  que enfatiza
o compromisso dos mesmos com a narrativa longa. Ademais, os(as) auto-
res(as) também podem, por seu turno, ter enfrentado suas próprias dificul-
dades, seja no quesito financeiro, quando precisam custear as obras que
escrevem (vale registrar e  lembrar que nem sempre as editoras assumem
integralmente os custos de uma obra), seja no que se refere ao tempo que
demandam para produzir e publicar uma obra e também quanto a oportu-
nidades de publicação.

Editoras
Seguindo as investigações sobre os(as) autores(as) e suas publicações, des-
taca-se que as editoras baianas constituem o espaço editorial que os acolhe
na estreia literária. Assim, 61,5% deles publicaram o primeiro livro por edi-
toras baianas, contrastando com 30,8% que iniciaram a carreira por editoras
fora do estado. Para 7,7% dos autores não foi possível identificar a editora
do primeiro livro, de acordo com o que vemos na Tabela 16.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 55


Tabela 16 - A editora do primeiro livro é baiana
Nº % cit
Sim 16 61,5%
Não 8 30,8%
Não identificada 2 7,7%

Total 26 100,0%

Destaca-se a  importância das editoras baianas para esses autores, seja


mediante o apoio de editais de incentivo à publicação, seja confiando na
potencialidade dos mesmos para o  mercado, ainda que isso implique,
muitas vezes, na não assunção (parcial ou integral) dos custos de publi-
cação. Na investigação sobre quais editoras publicaram o  livro de estreia
desses(as) autores(as), as mais recorrentes, conforme o gráfico da Figura
2, foram a  Via Litterarum e  a Casarão do Verbo (com 11,1% das publica-
ções cada uma), seguida pela Edições UESB (7,4%). Essas mesmas editoras
destacam-se em meio às nove editoras que Figuram na pesquisa, também
assumindo a  publicação de um número maior de obras no corpus: a  Via
Litterarum com 31,0%, a Casarão do Verbo com 27,6% e a Edições UESB com
17,2%. Entre as demais, cinco editoras respondem pelo percentual de 3,4%,
cada uma, e uma delas por 6,9%.

Figura 2 - Editora

56 Retratos da literatura baiana contemporânea


As duas primeiras editoras estabelecem como propósito edito-
rial expressar o  talento literário e  a formação de leitores “da terra”. A Via
Litterarum surge em 2004, em Itabuna (região Sul da Bahia), e  a Casarão
do Verbo, em Anajé (região Sudoeste), três anos depois. A Edições UESB
destaca-se por ser a única editora universitária a Figurar na pesquisa. Desde
1999 (ano de sua fundação), vem fomentando a publicação de autores da
região Sudoeste do estado (onde está localizada), através do concurso lite-
rário Prêmio Zélia Saldanha, laureando, dentre outros gêneros, o romance.
Nota-se que as editoras que mais publicam romances estão localizadas no
interior do Estado e  que a  capital baiana responde por 17,1% das publi-
cações (Pimenta Malagueta, Corrupio, Casa de Palavras e  Assembleia
Legislativa do Estado da Bahia), acompanhada da região metropolitana com
6,8% (Kalango e Solisluna).
Em relação à totalidade de editoras que publicam romances, a  capital
baiana apenas destaca-se pela aglutinação de 17,1% das publicações do
período, evidenciando um mercado diverso, mas não necessariamente forte
e coeso. Averiguando o Produto Interno Bruto (PIB) per capita das cidades,
enquanto índice que poderia sugerir o jogo da economia do livro, através
do poder de investimento e de consumo do objeto cultural livro, notamos
que essa lógica não procede, uma vez que cidades da região metropolitana
e Salvador, com elevado PIB, não estão na linha de frente da publicação, ao
menos de romances. Isso conduz o pensamento para uma economia que se
estabelece para além do mercado local, com demanda e procura abertas,
inclusive, à geografia do ciberespaço.
Com a rede mundial de computadores e a disponibilização de serviços
e catálogos através dela, escritores e leitores podem contatar editoras para
usufruir de seus serviços. Tanto a aquisição de livros quanto a negociação
sobre a publicação podem e são realizadas com suporte da internet, des-
conFigurando possíveis barreiras territoriais, fato que a  presente pesquisa
não abrange com maior propriedade, mas que pode ser notado, pela pre-
sença, no corpus, de autores nascidos e/ou residentes em outros estados,
como Minas Gerais, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro. Os apontamentos até
aqui destacados podem nos dizer, entre outras coisas, que o local se torna
global, de forma que as editoras baianas agregam em seus catálogos autores
não só baianos, mas provenientes também de outros estados.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 57


O contexto do período estudado leva-nos a  considerar que o  descen-
tramento na forma de pensar e intervir na sociedade brasileira durante as
primeiras décadas do século XXI, no Brasil, trouxe uma percepção de cul-
tura e bens culturais que procurou contemplar a diversidade brasileira para
além de uma concepção de base elitista em vigor até aquele momento.
Isso encontra-se refletido nas políticas que levam em conta a importância
do desenvolvimento intelectual de toda a  população para o  crescimento
econômico e social do país. Pensamos que tais medidas refletem, de algum
modo, na cadeia do livro e da leitura na Bahia, quando vislumbramos ações
que contemplam os vários territórios de identidade, as diversas bahias
e suas manifestações culturais, tais como os programas de mobilidade artís-
tica, a promoção da literatura local em feiras e eventos internacionais com
a  antologia Autores baianos: um panorama, aquisição de livros – segundo
o livreto Políticas culturais na Bahia, entre 2007 e 2012 foram comprados
332.889 livros –, apoio a  eventos voltados para o  livro como a  Bienal do
Livro da Bahia e a Festa Literária Internacional de Cachoeira, bem como as
chamadas públicas e os editais, que a partir de 2012 passaram a ser setoriais
e anuais.
Sobre a publicação de livros por editoras do interior, da capital e região
metropolitana, nos parece oportuno lembrar que, como assinala Moraes
Júnior (2010), em 2003, com a  Lei nº 10.753 (Lei do livro), inicia-se um
processo que toma a cadeia do livro e da leitura como objeto de políticas
públicas brasileiras. Essa mobilização avança ainda mais quando o  Plano
Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) (BRASIL, 2006) é instituído, em 2006,
fruto do diálogo entre os Ministérios da Cultura e da Educação, com o obje-
tivo de “assegurar a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valo-
rização da leitura e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro como fator
relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento
da economia nacional” (BRASIL, 2006). Várias iniciativas são propostas com
o  intento de cumprir esse objetivo, como a  criação de pontos de leitura,
programas para criação de bibliotecas públicas e  escolares, entre outros,
mobilizando a cadeia do livro, especialmente o mercado editorial, uma vez
que um grande quantitativo de livros era adquirido pelo Estado brasileiro
para mover as engrenagens daquelas iniciativas. Vale destacar a  desone-
ração fiscal do livro, mais uma ação com fins de mobilizar a economia do
livro, um

58 Retratos da literatura baiana contemporânea


acordo entre a indústria editorial e o Estado, resultaria a diminuição
do valor do preço dos livros e a contribuição desta cadeia com 1% da
receita anual para criação do Fundo Setorial Pró-Leitura (FSPL), cujo
principal objetivo seria financiar programas e projetos de estímulo à
leitura e valorização do livro de acordo com as diretrizes do PNLL.
(MORAES JÚNIOR, 2010)

Parece-nos que toda essa movimentação desemboca na criação do Plano


Estadual da Cultura e do Plano Estadual do Livro e da Leitura (2013), que
podem ser indicadores do aumento significativo do número de publicações
das editoras localizadas em solo baiano, conforme o  gráfico da Figura  3
aponta, ao evidenciar um crescimento entre os anos de 2010 e 2013, com
maior número em 2010.

Figura 3 - Ano de publicação da obra

Interessa-nos pensar que as políticas públicas podem ter incentivado não


só o aumento de publicações, mas também o surgimento de novas editoras,
lembrando que, conforme o levantamento aqui explicitado sobre o mercado
editorial, entre os anos de 2010 e 2014,16 surgiram 10 novas editoras. Faz-se
pertinente ressaltar que as editoras tanto publicam autores/obras à moda

16 Durante a realização da pesquisa, com a atenção no campo literário baiano, também


foi possível constatar o  surgimento, após 2014, de editoras voltadas à publicação de litera-
tura, como a Paralelo 13S, Mormaço Editorial (Salvador), Andarilha Edições (Cachoeira), entre
outras.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 59


convencionalmente conhecida (a que paga direitos autorais e os custos ini-
ciais e totais da edição fica a cargo das casas publicadoras, que convidam
ou são procuradas por autoras e autores), como também publicam autores/
obras por demanda, repassando total e/ou parcialmente os custos de cada
edição aos respectivos escritores, modelo de editoração/publicação que
tem sido amplamente adotado no setor livreiro, não somente o brasileiro,
conFigurando-se duplamente como possibilidade e entrave para os autores.
Os motivos giram em torno dos costumeiros números da economia mun-
dial e  não é de espantar que autores iniciantes e  veteranos lancem mão
desse sistema para conseguir publicar suas obras e adentrar o não tão aces-
sível campo literário.
A relação entre autor e editora, estabelecida como prestação de serviço
subsidiada por recursos do(a) autor(a), não raro, faz vigorar a  prática da
economia afetiva do livro: o(a) autor(a) contrata os serviços de uma editora
para materializar o livro impresso (atualmente em formato e-book também),
assume o  trabalho de circulação e  venda da própria obra, muitas vezes
estabelecida entre amigos. A pertinência em chamar a  atenção para esse
dado está em mostrar que quando compramos e, depois, folheamos uma
obra, dificilmente temos acesso a informações ligadas à indústria do livro
e da leitura, estruturada por modelos de editoração/publicação, por vezes,
complexos.
Se na Bahia, muitas vezes, os caminhos para publicar um livro totalmente
sem custos para o autor perpassa por editais e concursos literários, há que
considerar também a existência de um outro modelo de edição de obras que
se dedica à composição de livros em pequena escala, feitos semi ou com-
pletamente de modo artesanal, como são exemplos as edições e Editoras
Cartoneras, que se associam a cooperativas de catadores de papelão, con-
tratam sua mão de obra e material de trabalho para ressignificá-los como
artistas em potencial, criando capas de livros exclusivas/únicas, além de,
muitas vezes, montar e costurar cada obra à mão.
Notadamente, trata-se, quando o  assunto é publicar, de um universo
diversificado que vem sendo estabelecido no decorrer dos anos. Ao longo
da história do livro, no Brasil, casos de escritores que produziram e  cus-
tearam seus livros – criando, assim, as edições de autores – vieram a público
algumas vezes, como se faz exemplo o  romance O Quinze, de Raquel de
Queiroz: “O livro, editado às expensas da autora, apareceu em modesta

60 Retratos da literatura baiana contemporânea


edição de mil exemplares, impresso no Estabelecimento Gráfico Urânia, de
Fortaleza”. (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2017)
Diversos autores são conhecidos por terem publicado suas primeiras
obras através da autopublicação, como Carlos Drummond de Andrade, Lima
Barreto e Manuel Bandeira, entre outros. (MACHADO, 2020) Entretanto, é
preciso considerar que as condições necessárias a  uma publicação inde-
pendente envolvem questões que ultrapassam o campo literário, composto
por determinantes tão múltiplos quanto as obras que nele se inserem,
e não há como desconsiderar a cadeia excludente que perpassa suas teias,
reproduzindo uma situação de desigualdade que está na base da sociedade
brasileira. As editoras, os escritores, as obras, os leitores estão inseridos no
ambíguo jogo do mercado, que oferece condições muito desiguais, não
raro voltadas a perpetuar privilégios.

Personagens
Quando um leitor resolve se embrenhar pelas páginas de um livro, princi-
palmente do gênero romance, encontra toda uma construção ficcional pró-
pria que acaba por juntar, no triângulo resultante da obra literária – autor,
obra, leitor – formas de (con)viver que evocam o elemento humanizante,
muitas vezes soterrado pela pragmática vida em sociedade com suas ações
e funções diversas. Há, no plano ficcional, um contexto sociocultural e his-
tórico delineando sujeitos fragmentados e demarcados nas narrativas por
seus próprios criadores, indivíduos que integram a  sociedade, recebem
cobranças, infiltram-se em contextos nos quais fazem recortes, atravessam
o jogo do imaginário versus real versus fictício, retratando um panorama rico
em diversidades, em que os leitores se permitem enredar em condições que
vivem ou que sonham/temem viver.
No rastreamento da produção literária do gênero romance editado na
Bahia no período de 2000 a 2014, personagens se revelam singulares, múl-
tiplas e coletivas no processo de afirmação de si próprias e de seus espaços.
Na esteira da criação, observa-se uma escrita de autores, na sua maioria,
homens que, talvez por conta da idade, estabeleçam relação de maior pro-
ximidade com uma tradição literária fundamentada ainda nas oligarquias,
senão nas elites, o que desvincula as populações periféricas, na amostra em

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 61


estudo, do que poderíamos considerar um sonho de terceira margem:17
o sonho das minorias, não apenas de encontrar um lugar dentro dos espaços
discursivos ocupados e demarcados pelas elites, mas de ter priorizados seus
próprios lugares de identificação e reconhecimento nas linhas literárias.
Ao se abrir as páginas dos livros do corpus, apresentam-se personas,
em determinados cenários, em tempos presentes ou presentificados, ou
mesmo no passado – porque nesse recorte de pesquisa não se registram
as ficções científicas (o futuro), traçando narrativas que prendem o  leitor,
atraído por experiências de vidas outras. Tais personas podem possibilitar ao
leitor a busca pelo espelho – de si mesmo – das suas próprias expectativas
ou de seus temores, podendo ainda levá-lo a “entender o que é ser o outro,
morar em terras longínquas, falar uma língua estranha, ter outro sexo, um
modo diferente de enxergar o mundo”. (DALCASTAGNÈ, 2005, p. 14)
Em um estudo que se realiza quantitativamente a  partir de bases esta-
tísticas, a  direção do olhar analítico faz o  caminho de fora para dentro,
se comparado ao olhar crítico literário pautado em métodos qualitativos,
que se direciona, no mais das vezes, de dentro para fora da obra e de seus
elementos constitutivos. Nesse sentido, estabelecemos consonância com
o pensamento de Mikhail Bakhtin (2003, p. 87) quando afirma que “a obra
de criação verbal é criada de fora para cada personagem, e, quando a lemos,
é de fora e não de dentro que devemos seguir as personagens”. Esse “de fora”
também pode se associar ao corpo social que o  texto literário acaba por
tocar, mesmo que indiretamente, sem que dele se distancie completamente.
O preenchimento das fichas para as personagens não abarcou uma des-
crição subjetiva, posto estar guiado por tópicos voltados a criar um retrato
mais panorâmico e capaz de traçar um perfil para o quantitativo daquelas
que compõem os romances pesquisados. Também não se ocupou do deta-
lhamento das personagens apenas mencionadas,18 que não interferem na
condução da narrativa, embora atuem de forma a compor os cenários por
onde as personagens importantes transitam/atuam. Na análise do número

17 A terceira margem do rio (1968), conto canônico de Guimarães Rosa, busca criar
a imagem de uma terceira margem, aqui entendida como espaço do diferente, que muito se
aproxima do entrelugar, um conceito trazido por Silviano Santiago em O entre-lugar do discurso
latino-americano (1978), quando determina um espaço imaginário que os sujeitos buscam na
zona física, mas não a encontram construindo um outro processo, a desterritorialização.
18 Personagens apenas mencionadas na trama dos romances não tiveram fichas de análise
preenchidas.

62 Retratos da literatura baiana contemporânea


de fichas por romance, registra-se que variam de 3 a 53 fichas. Isso indica
a quantidade de personagens que integram as células narrativas com efetiva
intervenção na trama e que se destacam com suas ações dentro do enredo.
Ao observar panoramicamente os dados sobre as 47119 personagens
e  o  modo como os gráficos foram se formando a  partir das informações
lidas nos romances, averiguamos que, em sua maioria e em linhas gerais,
as personagens são humanas (99,2%), pertencentes principalmente ao sexo
masculino (62%), nascidas no Brasil (82%, sendo a maioria na Bahia), adultas
em plena maturidade (44,4%), sadias (83%), não pertencentes a  uma elite
intelectual (51%) e provenientes do estrato social das classes médias (33,7%).
São Figuras que se comunicam através da variante popular da língua portu-
guesa (43,6%), grande parte sem ter informada a religião (69,5%) – embora
sejam mais católicos (23,3%) do que de matriz africana (1,9%) ou de outras
religiões. Há também personagens não brasileiras presentes nas obras pes-
quisadas, atingindo o percentual de 7,9% de estrangeiros. Do total, 16,8%
são migrantes e  51,6%, não. As narrativas se desenrolam 83,4% no Brasil
e 11,7% no exterior.
De mais perto, olhando o ponto de vista e o protagonismo dentro dos
enredos, averiguamos que as personagens protagonistas e/ou protagonis-
tas-narradoras somam 10%, e  outros narradores não protagonistas 4,7%.
Notamos que somente 34,8% das mulheres são narradoras e  36,2% são
protagonistas em meio aos quadros de personagens. A representatividade,
no tocante ao equilíbrio entre mulheres (37,4%) e homens (62%), fornece
números que se distanciam e  fazem pesar a  balança para um dos lados,
apresentando um pequeno coro de vozes femininas que, se não podem ser
abafadas, não chegam a contrariar a tendência histórica de silenciamento
e apagamento.
No cômputo parcial da categoria personagem adulta e  de boa saúde,
podemos esboçar alguma definição em termos interpretativos. Uma face
predominantemente branca, masculina, nos olha em meio aos números e,
ao nos fitar, conta de seu lugar, de si e dos movimentos e fricções que sofre
e/ou exerce no mundo. A idade adulta, agrupando maturidade e  velhice
(56,7%), é a  fase de vida de muitas personagens. Contudo, em algumas

19 Em vários cruzamentos vai-se notar a quantidade de personagens superior aos 471 que
compõem o corpus da pesquisa. Isto deve-se à possibilidade de marcar mais de uma opção
para as respostas a algumas questões da ficha.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 63


histórias, vislumbrando o tempo narrativo, muitas delas passam por diversas
fases – da infância à maturidade ou à velhice.
Observamos a predominância da heterossexualidade, sendo a orientação
sexual não mencionada o segundo maior registro deste tópico, e uma única
ocorrência no que se refere à transgeneridade (0,2%), o que possibilita divisar
marcas conservadoras quanto ao campo da orientação sexual e ao gênero.
A  imagem geral das personagens revela que elas frequentam o  centro
e moram nos espaços periféricos. O somatório entre classes média e pobre
supera o número de personagens da elite. A variante popular/ regional, que
também pode sinalizar a  classe social da personagem, aparece em maior
quantidade, elemento que se cruza com a pouca escolaridade de muitos.
Do gráfico que organiza as muitas profissões e ocupações das persona-
gens, e  considerando o  registro "sem indício" (15,1%) como a  maior por-
centagem do tópico, tomamos conhecimento da cafetina ao vereador em
pequenas proporções numéricas. O fazendeiro (5,1%) e  a dona de casa
(4,6%) computam os números mais significativos. Os papéis sociais e/ou afe-
tivos que desempenham as personagens nos livros investigados esboçam
um horizonte que se estica desde pais/mães, sobrinhos, irmãos, divorciados,
até Figuras traídas, o que nos mostra retratos sociais inseridos no cotidiano.
Num cenário maiormente nacional do que internacional, os enredos,
no tocante ao tempo em que se passam, passeiam do Império à época da
redemocratização brasileira. Embora episódios da história sejam foco em
algumas narrações, eles não são recortes para criar paradoxos20 dos fatos
históricos destacados nas tramas, mas simplesmente para narrar um con-
texto de época na economia narrativa. No geral, o interior mapeia o espaço
físico-geográfico na maioria dos enredos. As discussões mais interioranas
aproximam o mundo do narrador e das personagens ao mundo dos autores
– muitos deles interioranos ou preferentes pela moradia longe dos grandes
centros.
A investigação das personagens desenha um retrato e  um cenário que
leva ao entendimento de que o  seu modus vivendi se faz pelo viés da

20 Entende-se o  paradoxo como a  proposição que busca contrariar princípios básicos


e  gerais que orientam o  pensamento ou desafiam o  já posto. A pós-modernidade possibi-
litou analisar todos os textos como constructo e  as narrativas históricas passaram por revi-
sões e reinterpretações sem necessariamente entrar na busca da verdade, porque não se tenta
o  descarte da primeira versão, mas facilitou o  entendimento de que há versões da história
oficial como mosaicos que preenchem lacunas. São estes os paradoxos.

64 Retratos da literatura baiana contemporânea


interiorização. Este aspecto pode ser melhor compreendido se atentarmos
aos dados referentes aos locais onde se passam as narrativas e por onde se
deslocam as personagens, com destaque, inclusive, para a porcentagem das
obras do corpus que foram publicadas no interior do estado baiano, na ver-
dade, em maior quantitativo que na capital e região metropolitana.
De acordo com Michel Collot (2012, p. 12), “a paisagem é definida do
ponto de vista a partir do qual ela é examinada: quer dizer, supõe-se como
condição mesma de sua existência a atividade constituinte de um sujeito”.
Sem esgarçar demais o equilíbrio entre o olhar do leitor/analista e o olhar das
personagens catalogadas ao longo da pesquisa, focalizamos suas paisagens,
tanto aquelas dadas à vista quanto aquelas percebidas e/ou intuídas. E per-
correndo as paisagens onde ocorrem as narrativas passamos por cidades
pequenas (33,6%), pelo meio rural (33,3%), e  também grandes cidades
(27,4%), porcentagens que se aproximam e  desenham certo equilíbrio em
termos de diversidade espacial. A predominância de locais que não são
cidades grandes (66,9%) pode ser reflexo do local de origem e de moradia
dos(as) autores(as) no corpus, conforme mencionado no capítulo anterior.
Sobre o  mesmo chão, nos aproximamos dos passos das personagens
pelos lugares. Divisamos a  presença delas no centro das cidades (34,3%)
e  também em pequenos caminhos que nos levam para bairros de elite
(14,7%) e a periferia pobre (13,8%). O dado referente a ‘sem indício’ (37,2%)
parece indicar que, considerando a predominância de personagens pobres,
o local por onde elas circulam não desperta interesse dos/as autores/as em
fazer esse registro.
Inúmeros são os locais por onde circulam as personagens: ruas, qui-
lombos, teatro, igrejas, entre outros espaços externos ( juntos somam
75,3%). Tal diversidade contrasta com 24,8%, número referente a  espaços
domésticos, onde também acontece alguma mobilidade. Os dados nos
mostram tanto paisagens de dentro (não naturais, pouco sociais), quanto
outras, capazes de pintar os cenários cotidianos de protagonistas e coadju-
vantes, vivenciados intimamente ou apenas visitados.
Se há deslocamento, interessa saber por que meios de transporte se dão.
As personagens vão e vêm de animais a aviões: 34,9% movimentam-se a pé
e  13,9% por meio de carro particular. Em sua maioria, as narrativas tran-
sitam pelo interior baiano, apesar de encontrarmos algumas por capitais,
não necessariamente da Bahia, e  fora do país. Algo em comum perpassa

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 65


a maioria: a região central é por onde há mais trânsito das personagens, tanto
porque muitas, embora periféricas, trabalham para as elites e, portanto, no
centro, mas se demarca claramente que seus lugares são as margens.
Quanto ao desfecho, cabe vislumbrar que final tiveram para além de con-
tinuarem a viver suas vidas (75%). Quando olhamos para finais como lou-
cura (1,1%), suicídio (0,8%), morte (14,9%) e assassinato (8,2%), notamos que
os enredos capturam algumas tônicas do tempo cronológico no tempo fic-
cional, como a esboçar pequenos contornos de uma era que não vê o que
está, muitas vezes, diante dos olhos: as paisagens subjetivas ensimesmadas
ou os vastos campos de dentro do ser, espaços quase sempre adoecidos
e que abrigam tristezas incontornáveis. Há um misto de espanto e coerência
nesses dados em relação ao mundo exterior representado nos romances,
pois que não vemos muitas diferenças do lado de fora dos livros.
O que não fica tão visível é a diversidade de modos de vida e pontos de
vista que poderiam estar significados em uma literatura que conta histórias
de um locus tão vastamente múltiplo como a Bahia. As dobras que estabe-
lecem diálogos possíveis entre o  dentro e  o  fora das narrativas esbarram
na representatividade, ainda pequena, de sujeitos e problemáticas nevrál-
gicas para a  sociedade brasileira, como a  presenças das minorias sociais:
mulheres, negros, indígenas, homossexuais, ciganos, etc., marcando uma
ocorrência já percebida no que tange à literatura brasileira publicada por
grandes editoras, como pode ser constatado nas palavras de Dalcastagnè
(2005, p. 18-19):

Não há, no campo literário brasileiro, uma pluralidade de perspecti-


vas sociais. De acordo com a definição de Iris Marion Young, o con-
ceito de 'perspectiva social' reflete o  fato de que 'pessoas posicio-
nadas diferentemente [na sociedade] possuem experiência, história
e  conhecimento social diferentes, derivados desta posição'. Vividas
de forma menos ou mais consciente, as perspectivas sociais são o re-
flexo, nas maneiras de ver e  entender o  mundo, da pluralidade de
condições em que as pessoas se encontram neste mesmo mundo […].

O retrato da literatura baiana produzido entre 2000-2014 contempla as


representações identitárias ainda de modo tímido, posto que reproduz,
tenuamente, heranças de um passado histórico e de um presente sociocul-
tural que continua marcado pelo apagamento das diversidades que consti-
tuem a sociedade brasileira. As realidades aí representadas deixam de fora

66 Retratos da literatura baiana contemporânea


muitas formas de experienciação ou testemunho por parte de quem escreve
e  publica, o  que autoriza a  destacar a  necessidade de outras vozes faze-
rem-se presentes no universo literário romanesco, a  fim de trazer outras
perspectivas capazes de espelhar por inteiro a  multiplicidade em que se
constitui a Bahia.

Sexo
Os números da pesquisa apontam uma grande representatividade mascu-
lina em relação à feminina, sendo que as questões mais delicadas conven-
cionadas pela sociedade pudica aparecem pouco, como o caso da transge-
neridade (0,2%), presente em apenas uma personagem. Assim, do número
total de personagens dos romances (471), observa-se nos resultados um
quadro do feminino ainda marcado pela subalternidade: a quantidade de
autores do sexo masculino bem superior à autoria feminina, mesma obser-
vação que se faz em relação às personagens. Conforme a Tabela 17, vemos
que o número de personagens masculinas (62%) se sobrepõe às femininas
(37,4%), de um total de 468 humanas, uma vez que a opção "outro" diz res-
peito à personificação de espaços ou outros seres, como pode ser consta-
tado na Tabela abaixo:

Tabela 17 - Sexo personagem

Nº % cit

Masculino 292 62,0%

Feminino 176 37,4%

Outro 3 0,6%

Total 471 100,0%

A maior presença masculina na autoria talvez justifique a relevante pro-


porção de protagonistas também masculinos. As mulheres, ainda se per-
cebe, estão à sombra dos perfis falocêntricos, sendo representadas muito
timidamente na maioria dos romances, embora não deixe de ocorrer narra-
tivas em que as mesmas demarquem forte presença no espaço público. Na
maioria das vezes, o espaço das mulheres nos romances é de subalternidade,

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 67


ratificando o postulado de Spivak (2010, p. 57), de que “o sujeito subalterno
colonizado é irremediavelmente colonizado”. A sociedade construiu e con-
tinua a construir esse pensamento.
Quando relacionamos o sexo das personagens à cor, o retrato que se apre-
senta, de acordo com a Tabela 18, reflete a predominância da cor branca
de modo equilibrado, quer seja para o sexo masculino (38,7%), quer para
o  feminino (38,6). O percentual de pretos é bem menor em comparação
com os brancos entre homens (10,6%) e  mulheres (14,8%). O número de
personagens pretas (14,8%), assim como de pardas (7,4%), indígenas (1,7%)
e orientais (1,1%) é maior entre as mulheres, uma vez que os dois últimos
tipos de vinculação à cor da personagem não têm registro no sexo mascu-
lino. Chama a atenção os números da opção "sem indício", quando não é
possível inferir, apontando, talvez, um certo desinteresse em demarcar as
características étnicas das personagens.

Tabela 18 - Sexo personagem x Cor personagem


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Sem indícios 131 44,9% 62 35,2% 1 33,3% 194 41,2%
Branca 113 38,7% 68 38,6% 0 0,0% 181 38,4%
Preta 31 10,6% 26 14,8% 0 0,0% 57 12,1%
Parda 15 5,1% 13 7,4% 0 0,0% 28 5,9%
Não pertinente 2 0,7% 2 1,1% 2 66,7% 6 1,3%
Indígena 0 0,0% 3 1,7% 0 0,0% 3 0,6%
Amarela 0 0,0% 2 1,1% 0 0,0% 2 0,4%
Total 292 100,0% 176 100,0% 3 100,0% 471

O registro de como as personagens se relacionam sexualmente, presente


na Tabela 19, mostra a prevalência da heterossexualidade tanto para homens
(76,0%) quanto para mulheres (81,8%). Quanto à homossexualidade, por sua
vez, é percebida em 2,4% das personagens do sexo masculino e em 1,1% das
do sexo feminino. Opções como bissexual ou assexual21 têm números bem

21 No momento da elaboração e  preenchimento do questionário foi utilizado o  termo


assexuado, todavia nos interessa pontuar que ele tem sido relido e a palavra assexual designa
melhor as pessoas que não nutrem interesse por sexo. Para saber mais, conferir: https://tede2.

68 Retratos da literatura baiana contemporânea


pequenos em ambos os sexos, assim como a ambígua/ indefinida, eviden-
ciando a primazia da heteronormatividade.

Tabela 19 - Sexo personagem x Orientação sexual personagem

masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Heterossexual 222 76,0% 144 81,8% 0 0,0% 366 77,7%

Não mencionada 53 18,2% 26 14,8% 0 0,0% 79 16,8%

Homossexual 7 2,4% 2 1,1% 0 00% 9 1,9%

Ambígua/
5 1,7% 1 0,6% 1 33,3% 7 1,5%
indefinida

Não pertinente 4 1,4% 0 0,0% 2 66,7% 6 1,3%

Bissexual 1 0,3% 2 1,1% 0 0,0% 3 0,6%

Assexuado 0 0,0% 1 0,6% 0 0,0% 1 0,2%

Total 292 100,0% 176 100,0% 3 100,0% 471

Ao voltarmos a  atenção para os pertencimentos relacionados à classe


social, na Tabela 20, notamos que na classe média homens (34,5%)
e  mulheres (32,8%) têm percentuais próximos, equilibrados, o  que não
acontece nos outros estratos. Na elite econômica a  diferença entre eles
é um pouco maior: 3,4 pontos. Aí estão 21,7% dos homens e  17,7% das
mulheres Na classe pobre estão 36,4% das mulheres e 28,6% dos homens,
enquanto na miserável as mulheres são 3,0% e os homens 1,9%. A imagem
que esses números expressam é a da já sabida prevalência de maior poder
econômico entre os homens, em detrimento das mulheres, especialmente
entre os menos favorecidos.

pucsp.br/bitstream/handle/19428/2/Val%C3%A9ria%20Konc%20dos%20Santos.pdf e https://
www.assexualidade.com.br/p/pesquisas.html

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 69


Tabela 20 - Sexo personagem x Estrato social
masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Classes médias 111 34,5% 65 32,8% 0 0,0% 176 33,7%
Pobres 92 28,6% 72 36,4% 0 0,0% 164 31,4%
Elite econômica 70 21,7% 35 17,7% 0 0,0% 105 20,1%
Sem indícios 39 12,1% 20 10,1% 1 33,3% 60 11,5%
Miseráveis 6 1,9% 6 3,0% 0 0,0% 12 2,3%
Não pertinente 4 1,2% 0 0,0% 2 66,7% 6 1,1%
Outro 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%

Total 322 100,0% 198 100,0% 3 100,0% 523

Se economicamente os homens detém maior poder econômico, na


economia dos bens simbólicos, ou seja, na obtenção de capital cultural de
prestígio na sociedade, a realidade não muda muito, visto que 26,4% deles
pertencem a uma elite intelectual enquanto as mulheres registram 21,0%,
de acordo com a Tabela 21. Vale destacar que a  grande maioria das per-
sonagens, de ambos os sexos, não acessam tais bens e que a demarcação
deles nas narrativas não assume grande relevância para a autoria, uma vez
que a opção ‘sem indícios’ apresenta percentuais significativos para ambos
os sexos, também maior para o feminino.

Tabela 21 - Sexo personagem x Elite intelectual

masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Não 146 50,0% 94 53,4% 0 0,0% 240 51,0%

Sim 77 26,4% 37 21,0% 0 0,0% 114 24,2%

Sem indícios 66 22,6% 45 25,6% 1 33,3% 112 23,8%

Não pertinente 3 1,0% 0 0,0% 2 66,7% 5 1,1%

Total 292 100,0% 176 100,0% 3 100,0% 471

Em relação às profissões, das várias apresentadas no corpus, as perso-


nagens femininas são reservadas às ocupações com menor prestígio social
e  culturalmente associadas à mulher, como dona de casa (12,6%), sem

70 Retratos da literatura baiana contemporânea


ocupação (5,0%), professora (4,0%), doméstica (4,0%), estudante (3,5%), entre
outras com percentuais menores que estes. As masculinas, por sua vez, estão
vinculadas àquelas de maior status social, como fazendeiro (7,8%), comer-
ciante (3,9%), engenheiro (2,2%), político (2,2%), empresário (1,9%), etc.
Quando se cruzam sexo e  profissão/ocupação das personagens com
o  filtro no sexo do(a) autor(a), observa-se que mesmo nos textos escritos
por mulheres, o feminino ainda é vinculado a papéis subalternizados. No
conjunto das 135 personagens de autoria feminina, 61 são do sexo femi-
nino. Entre estas destacam-se a  ocupação de dona de casa (19,7%), sem
ocupação (13,1%), doméstica (4,9%), estudante (4,9%), administradora ou
professora, ambas com 3,3%. Para as personagens masculinas (74), em
número superior às femininas, reincidem as ocupações, comumente vistas
como masculinas: fazendeiro (8,1%), contrabandista (5,4%), médico (4,1%),
advogado (2,7%) engenheiro (2,7%), dentre outras ocupações que deli-
mitam o espaço público para os personagens masculinos construídos sob
a pena das autoras.
Na autoria masculina, as ocupações em que as mulheres mais aparecem
são dona de casa (10,0%), professora (4,3%), doméstica (3,6%), garota de
programa (3,6%) e  estudante (2,9%), enquanto as masculinas assumem as
seguintes: fazendeiro (7,9%), comerciante (5,0%), estudante (2,5%), político
(2,5%) e sacerdote (2,5%). Vemos que não há uma significativa diferença em
relação às profissões das personagens, quer sejam escritas por punhos femi-
ninos ou masculinos. Prevalece a lógica que vincula as mulheres ao espaço
privado e  a atividades associadas ao ambiente doméstico, à maternidade
e ao ato de cuidar, enquanto os homens são associados aos locais públicos
e funções que requeiram força física e pensamento lógico. As ocupações e os
papéis sociais e afetivos vão sinalizar, parcialmente, o ambiente por onde as
personagens circulam, se mais ou menos restritos socialmente, ampliando
o retrato de personagens masculinas e femininas presentes nos romances.
Os papéis sociais e afetivos vivenciados pelas personagens não apresentam
grande diferença em relação ao sexo das mesmas, uma vez que são propor-
cionalmente equivalentes. Chama a atenção que os homens (3,0%) são mais
inimigos do que as mulheres (0,8%) e que elas aparecem mais como amigas
(16,8%), filhas (13,0%) e  irmãs (10,1%) do que eles (Tabela 22). Os homens
registram números maiores nos papéis de cônjuges (13,1%) empregados

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 71


(6,0%), patrões (5,6%), sobressaindo-se em funções de liderança e  organi-
zação da vida social, dentre outros cujos percentuais são baixos.

Tabela 22 - Sexo personagem x Papéis sociais e afetivos

masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Amigo(a) 129 15,7% 85 16,8% 0 0,0% 214 16,1%

Cônjuge 108 13,1% 62 12,2% 0 0,0% 170 12,8%

Filho(a) 89 10,8% 66 13,0% 0 0,0% 155 11,6%

Pai/mãe 96 11,7% 58 11,4% 0 0,0% 154 11,6%

Irmão/ irmã 56 6,8% 51 10,1% 0 0,0% 107 8,0%

Empregado/a 49 6,0% 25 4,9% 0 0,0% 74 5,6%

Patrão/patroa 46 5,6% 23 4,5% 0 0,0% 69 5,2%

Namorado/a 32 3,9% 23 4,5% 0 0,0% 55 4,1%

Parente 28 3,4% 21 4,1% 0 0,0% 49 3,7%

Amante 25 3,0% 22 4,3% 0 0,0% 47 3,5%

Parceiro sexual 18 2,2% 18 3,6% 0 0,0% 36 2,7%

Inimigo/a 25 3,0% 4 0,8% 0 0,0% 29 2,2%

Outro 21 2,6% 7 1,4% 1 33,3% 29 2,2%


Relações
acadêmicas 17 2,1% 7 1,4% 0 0,0% 24 1,8%
e profissionais
Sócio/a
18 2,2% 4 0,8% 0 0,0% 22 1,7%
(cúmplice)
“Ex” 10 1,2% 11 2,2% 0 0,0% 21 1,6%
Prestador/
16 1,9% 4 0,8% 0 0,0% 20 1,5%
fornecedor
Sem relações 13 1,6% 3 0,6% 2 66,7% 18 1,4%
Vizinho/a 10 1,2% 7 1,4% 0 0,0% 17 1,3%
Colega 9 1,1% 3 0,6% 0 0,0% 12 0,9%
Cliente 5 0,6% 0 0,0% 0 0,0% 5 0,4%
Madrasta/
1 0,1% 2 0,4% 0 0,0% 3 0,2%
padrasto
Enteado/a 2 0,2% 1 0,2% 0 0,0% 3 0,2%
Total 823 100,0% 507 100,0% 3 100,0% 1333

72 Retratos da literatura baiana contemporânea


O ambiente por onde circulam as personagens é outro aspecto observado
(Tabela 23). O espaço doméstico é ocupado por 31,5% das mulheres e 21,2%
dos homens. Locais públicos como ruas e  praças, espaços naturais, locais
de lazer, comércios e  associações são muito mais ocupados por homens
do que por mulheres. Quando olhamos para escolas e universidades temos
a presença maior de mulheres (2,9%) do que de homens (2%), bem como
em ambientes religiosos, cuja circulação registra 4,9% de homens e  9,1%
de mulheres. Isso parece sinalizar quer uma maior disposição feminina
para as práticas religiosas, quer a reprodução de construções socioculturais
que associam a mulher à religiosidade, e também uma atenção, ainda que
tímida, para a aquisição de conhecimentos formais, e, por conseguinte, para
a conquista de espaço profissional e autonomia feminina.

Tabela 23 - Sexo personagem x Locais de circulação


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Espaço doméstico 173 21,2% 139 31,5% 0 0,0% 312 24,8%

Ruas e praças 149 18,3% 66 15,0% 0 0,0% 215 17,1%

Espaços naturais,
111 13,6% 58 13,2% 1 33,3% 170 13,5%
campo

Local de trabalho 119 14,6% 48 10,9% 1 33,3% 168 13,3%

Locais de lazer 87 10,7% 31 7,0% 0 00% 118 9,4%

Espaços religiosos 40 4,9% 40 9,1% 0 0,0% 80 6,4%


Comércio (exceto
46 5,6% 15 3,4% 0 0,0% 61 4,8%
como empregado)

Restaurantes
25 3,1% 15 3,4% 0 0,0% 40 3,2%
e lanchonetes

Escolas
16 2,0% 13 2,9% 0 0,0% 29 2,3%
e universidades
Sindicatos
17 2,1% 6 1,4% 1 33,3% 24 1,9%
e associações
Outros 15 1,8% 6 1,4% 0 0,0% 21 1,7%

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 73


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Repartições
públicas (exceto 11 1,3% 1 0,2% 0 0,0% 12 1,0%
como funcionário)
Sem indícios 6 0,7% 3 0,7% 0 0,0% 9 0,7%

Total 815 100,0% 441 100,0% 3 100,0% 1259

No geral, a religiosidade não aparece como de grande interesse para os


autores(as), uma vez que o percentual de religião não mencionada é bas-
tante significativo (69,5%). De acordo com a Tabela 24, a católica se destaca
e  é muito mais associada ao sexo feminino (33,0%) do que ao masculino
(17,8%). Na observação dos dados, vemos que a religiosidade é mais pre-
sente entre as mulheres, com registros nas religiões espírita (0,6%) e  pro-
testante (0,6), além da católica. As personagens masculinas registram uma
presença maior nos cultos de matriz africana (2,4%), assim como em outras
religiões: muçulmana (1%), pentecostal (0,7%), judaica (0,7%), protestante
(0,3%), espírita (0,3%).

Tabela 24 - Sexo personagem x Religião personagem


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Não mencionada 221 74,4% 109 61,9% 1 33,3% 331 69,5%
Católica 53 17,8% 58 33,0% 0 0,0% 111 23,3%
Culto de matriz
7 2,4% 2 1,1% 0 0,0% 9 1,9%
africana
Não pertinente 4 1,3% 0 0,0% 2 66,7% 6 1,3%
Sem religião 2 0,7% 3 1,7% 0 0,0% 5 1,1%
Muçulmana 3 1,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,6%
Outra 1 0,3% 2 1,1% 0 0,0% 3 0,6%
Protestante
1 0,3% 1 0,6% 0 0,0% 2 0,4%
histórica
Pentecostal 2 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%
Judaica 2 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%
Espírita 1 0,3% 1 0,6% 0 0,0% 2 0,4%
Total 297 100,0% 176 100,0% 3 100,0% 476

74 Retratos da literatura baiana contemporânea


Sabendo por onde transitam personagens femininas e masculinas e quais
suas condições sociais, podemos imaginar os meios de transporte que
elas utilizam. Notamos, conforme a Tabela 25, que os homens continuam
tendo maior presença nos meios de locomoção, uma vez que estão muito
mais nos espaços públicos e detém maior poder econômico em relação às
mulheres. Vale, porém, destacar quando o percentual feminino é maior: nos
deslocamentos a pé (38,4%), de metrô ou ônibus (5,8%), de táxi (2,2%) e de
moto (0,4%) ou quando não há deslocamento (4,9%). Isso reforça o perfil
até então esboçado, de que as mulheres não são apresentadas em condi-
ções iguais aos homens e de que elas acessam mais do que eles os meios de
transporte mais simples e acessíveis.

Tabela 25 - Sexo personagem x Meios de transporte

masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

A pé 142 33,3% 86 38,4% 0 0,0% 228 34,9%

Não há indícios 77 18,1% 53 23,7% 2 66,7% 132 20,2%

Carro particular 64 15,0% 27 12,1% 0 0,0% 91 13,9%

Outro 55 12,9% 13 5,8% 0 0,0% 68 10,4%

Ônibus/ metrô 14 3,3% 13 5,8% 0 0,0% 27 4,1%

Avião 19 4,5% 7 3,1% 0 0,0% 26 4.0%

Embarcação 20 4,7% 2 0,9% 0 0,0% 22 3,4%

Não se desloca 3 0,7% 11 4,9% 1 33,3% 15 2,3%

Veículo por tração


10 2,3% 5 2,2% 0 0,0% 15 2,3%
animal

Táxi 8 1,9% 5 2,2% 0 0,0% 12 2,0%

Caminhão 8 1,9% 1 0,4% 0 0,0% 9 1,4%

Bicicleta 5 1,2% 0 0,0% 0 0,0% 5 0,8%

Moto 1 0,2% 1 0,4% 0 0,0% 2 0,3%

Total 426 100,0% 224 100,0% 3 100,0% 653

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 75


Quando olhamos para a condição física e psicológica (Tabela 26), cons-
tata-se que predominam homens e  mulheres sadios, embora chame
a atenção o fato de as mulheres serem representadas com a qualidade de
saúde física e mental mais comprometida em relação aos homens. O perfil
feminino apresentado é: deficiente física (2,1%), doente (8,0%) e perturbada
mental (2,7%). Com um número mais representativo de personagens no
geral, o masculino no corpus está representado deste modo: deficiente físico
(1,3%), doente (6,5%) e perturbado mental (1,0%).

Tabela 26 -Sexo personagem x Condição física e psicológica


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Sadio 270 87,1% 145 77,5% 0 0,0% 415 83,0%
Doente 20 6,5% 15 8,0% 0 0,0% 35 7,0%
Sem indícios 9 2,9% 18 9,6% 3 100,0% 30 6,0%
Deficiente físico 4 1,3% 4 2,1% 0 0,0% 8 1,6%
Perturbado mental 3 1,0% 5 2,7% 0 0,0% 8 1,6%
Dependente
4 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 4 0,8%
químico
Total 310 100,0% 187 100,0% 3 100,0% 500

Em relação aos desfechos (Tabela 27), notamos que as personagens


predominantemente seguem o  curso de suas vidas, quer sejam homens
(68,8%) ou mulheres (84,8%). As mulheres enlouquecem mais (1,7%) do que
os homens (0,7%) e  também se suicidam mais. Os homens, por sua vez,
morrem mais por assassinato (11,9%) do que as mulheres (2,2%) e também
encerram suas ações nas narrativas com outros tipos de mortes muito mais
que as mulheres. Os números nos levam para a  já sabida relação entre
mulheres e loucura e homens e violência, tão presentes no texto literário ao
longo da história da literatura brasileira e universal.

76 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 27 - Sexo personagem x Desfecho

masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Outro 203 68,8% 151 84,8% 3 100,0% 357 75,0%


Outro tipo
53 18,0% 18 10,1% 0 0,0% 71 14,9%
de morte
Assassinato 35 11,9% 4 2,2% 0 0,0% 39 8,2%

Loucura 2 0,7% 3 1,7% 0 0,0% 5 1,1%

Suicídio 2 0,7% 2 1,1% 0 0,0% 4 0,8%

Total 295 100,0% 178 100,0% 3 100,0% 476

Os lugares já demarcados socialmente seguem representados de forma


naturalizada. Não há grandes sustos na literatura aqui estudada. A cons-
trução dos sujeitos, independentemente de serem de autoria masculina ou
feminina, efetiva-se de forma bastante próxima de uma realidade marcada
por desigualdades, fruto de construções culturais ainda muito arraigadas
nas heranças patriarcalistas e coloniais, em que as minorias, especialmente
no tocante ao gênero, continuam relegadas às margens.

Cor
Mais uma vez, a fotografia histórica da exclusão dos negros e indígenas se
insere no contexto da escrita e, por conseguinte, na construção das perso-
nagens. A invisibilização da cultura e  da história de grupos étnicos ainda
é ratificada pelos registros discursivos comumente cristalizados e  pelas
potenciais inflexibilizações ante o  diverso mosaico cultural brasileiro.
Consequentemente, pretos, pardos e  indígenas22 aparecem com baixo
registro no quadro das personagens aqui estudadas.
Faz-se relevante lembrar que, do conjunto de autores (26), 19 são do sexo
masculino (2 pardos; 3 pretos; 14 brancos) e 7 do sexo feminino (1 parda;
1 preta; 5 brancas); números que ainda revelam a  supremacia branca no
tocante à autoria, que é refletida nas personagens. Em contraponto à

22 Para as personagens, mantivemos o  critério do IBGE para identificação do pertenci-


mento étnico delas.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 77


expressiva presença de personagens brancas, totalizando 38,4%, encon-
tra-se, na sequência dos registros, números bem menores para personagens
pretas (12,1%), pardas (5,9%) e indígenas (0,6%), conforme se vê na Tabela
28. Somados estes últimos percentuais, chega-se ao total de 18,6 %, o que
demonstra a baixa presença representativa de pretos, pardos e indígenas na
literatura publicada na Bahia, quando o gênero em destaque é o romance:

Tabela 28 - Cor da personagem

Nº % cit

Sem indícios 194 41,2%

Branca 181 38,4%

Preta 57 12,1%
Parda 28 5,9%
Não pertinente 6 1,3%

Indígena 3 0,6%

Amarela 2 0,4%

Total 471 100,0%

Uma visada atenta à Tabela 28 apresentada, certamente, levará o leitor


a  observar que a  categoria "sem indício" apresenta um quantitativo alto
(41,2%), o que parece denunciar a desimportância ou apagamento relacio-
nado à cor de muitas personagens. Isso evidencia um elevado percentual
de identidades suprimidas e  rejeitadas, ocorrência comum na produção
discursiva componente da história de muitas nações, inclusive a brasileira.
Os polos culturais dominantes fizeram do processo de colonização um ele-
mento fértil para disseminar a hegemonia branca e, embora haja a busca
por libertação econômica e intelectual do mundo antigo, ainda se instaura
a negação dos excluídos da história:

[…] a  História feita nos papéis deixa passar tudo aquilo que não se
botou no papel e só se bota no papel o que interessa. Alguém que
tenha o conhecimento da escrita pega de pena e tinteiro para botar
no papel o que não lhe interessa? Alguém que roubou escreve que
roubou, quem matou escreve que matou, quem deu falso testemu-
nho escreve que foi mentiroso? Não confessa. Alguém escreve bem

78 Retratos da literatura baiana contemporânea


do inimigo? Não escreve. Então toda a história dos papéis é pelo in-
teresse de alguém. (RIBEIRO, 1984, p. 515)

Se a História tradicionalizou considerar a população branca como com-


posta por sujeitos mais ativos e com direitos garantidos, negros e as etnias
originais da formação brasileira foram invisibilizados no decorrer dos tra-
çados discursivos que estabeleceram os contornos culturais brasileiros.
Nessa trilha, a escrita não deixou de se constituir como diferencial hege-
mônico, fazendo reverberar, ainda na contemporaneidade, lugares de repre-
sentação que não chegam a subverter os ditames dos privilégios. Não seria
estranho pensar, considerando o número de autores brancos, que a cor de
quem escreve exerce influência na escrita. Assim, autores que têm uma expe-
riência distante de situações vivenciadas por grupos vulneráveis enfrentem,
talvez, maior desafio para transFigurar em suas obras aspectos essenciais
àquelas e a outras realidades, como sinalizou Dalcastagnè (2011, p. 18-19):

[…] mulheres e  homens, trabalhadores e  patrões, velhos e  moços,


negros e  brancos, portadores ou não de deficiências, moradores
do campo e  da cidade, homossexuais e  heterossexuais, umbandis-
tas e católicos vão ver e expressar o mundo de diferentes maneiras.
Mesmo que outros possam ser sensíveis a seus problemas e solidá-
rios, nunca viverão as mesmas experiências de vida e, portanto, verão
o mundo social a partir de uma perspectiva diferente.

Considerando a Tabela 29 a seguir, podemos observar como aparecem as


personagens no tocante à cor a partir da relação com o sexo da autoria. As
personagens brancas são maioria em ambos os sexos, com uma presença
mais acentuada na autoria feminina. As personagens pretas, por sua vez,
aparecem mais em romances escritos por homens (15,7%) e não atingem
1% do total de personagens criadas por mulheres. Indígenas aparecem com
0,6% na autoria masculina e 0,9% na feminina. Situação similar ocorre com
as amarelas, que são 0,3% escritas por punhos masculinos e 0,9% por punhos
femininos. Os autores trazem 6,2% de personagens pardas, enquanto as
autoras apresentam 5,4%. A ausência de marcação de cor nas personagens,

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 79


indicada pela opção ‘sem indício’ é elevada para ambos e a opção ‘não per-
tinente’ refere-se à personificação de personagens.

Tabela 29 - Sexo autor x Cor personagem


não resposta masculino feminino Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Sem indícios 2 50,0% 154 43,3% 38 34,2% 194 41,2%
Branca 2 50,0% 116 32,6% 63 56,8% 181 38,4%
Preta 0 00% 56 15,7% 1 0,9% 57 12,1%
Parda 0 0,0% 22 6,2% 6 5,4% 28 5,9%
Não pertinente 0 0,0% 5 1,4% 1 0,9% 6 1,3%
Indígena 0 0,0% 2 0,6% 1 0,9% 3 0,6%
Amarela 9 0,0% 1 0,3% 1 0,9% 2 0,4%
Total 4 100,0% 356 100,0% 111 100,0% 471

O Tabela 30, a seguir, expõe como as personagens, em suas várias cores,


relacionam-se com a  religiosidade. As brancas estão vinculadas predomi-
nantemente à religião católica (27,6%), mas também à pentecostal (1,1%),
judaica (1,1%) e  espírita (0,5%). As pretas estão muito mais nos cultos de
matriz africana (10,3%) do que no catolicismo (6,9%), e também aparecem
nas religiões muçulmana (5,2%), protestante (1,7%) e espírita (1,7%). A única
religião em que as pardas são identificadas é na católica, com 17,9 pontos
percentuais. As amarelas não têm suas religiões identificadas e  uma per-
sonagem indígena frequenta culto de matriz indígena, contemplado pela
opção "outra".

80 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 30 - Cor personagem x Religião personagem

sem indícios branca preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Não mencionada 139 71,6% 126 68,1% 41 70,7% 20 71,4% 1 16,7% 2 66,7% 2 100,0% 331 69,5%

Católica 50 25,8% 51 27,6% 4 6,9% 5 17,9% 1 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 111 23,3%

Culto de matriz
3 1,5% 0 0,0% 6 10,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 9 1,9%
africana

Não pertinente 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 7,1% 4 66,7% 0 0,0% 0 0,0% 6 1,3%

Sem religião 1 0,5% 1 0,5% 2 3,4% 1 3,6% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 1,1%

Muçulmana 0 0,0% 0 0,0% 3 5,2% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,6%

Outra 0 0,0% 2 1,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 33,3% 0 0,0% 3 0,6%

Protestante
1 0,5% 0 0,0% 1 1,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%
histórica

Pentecostal 0 0,0% 2 1,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%

Judaica 0 0,0% 2 1,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%

Espírita 0 0,0% 1 0,5% 1 1,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


Total 154 100,0% 185 100,0% 58 100,0% 6 100,0% 3 100,0% 2 100,0% 2 100,0% 476

81
No tocante à relação entre a  cor das personagens e  os estratos sociais
a que pertencem, nota-se, na Tabela 31, que as brancas estão nos estratos
sociais mais elevados: classe média (42,2%) e  elite econômica (36,2%).
Apenas 13,8% delas são pobres e 1,4% miseráveis. As pretas são predomi-
nantemente pobres (55,2%), mas também estão na classe média (23,9%), na
elite econômica (9%) e entre os miseráveis (1,5%). As pardas têm o maior
contingente de pobres (58,1%) e de miseráveis (3,2%). As três indígenas são
pobres e as duas amarelas são de classe média.
Os números relativos ao capital simbólico proveniente de educação
formal e  acesso a  bens culturais prestigiados socialmente mostram (ver
Tabela 32) o  não pertencimento a  uma elite intelectual com percentuais
decrescentes na seguinte ordem: indígenas (100%), pardos (67,9%), pretos
(57,9%), amarelos (50,0%) e brancos (43,1%). No registro oposto, daqueles
que pertencem a  uma elite intelectual, temos brancos (33,1%), pretos
(22,8%) e pardos (17,9%).
Interessa também perceber que profissões desempenham, os papéis
sociais a  que estão relacionadas, por onde e  como transitam. Foram inú-
meras as ocupações identificadas nos romances. Quando cruzadas com
as cores das personagens, os números muitas vezes pulverizam-se, assim,
vamos apresentar aquelas com maior número de ocorrências. As perso-
nagens brancas são fazendeiras (7,4%), donas de casa (4,3%), empresário
(3,9%), comerciante (3,5%) e sem ocupação (3,5%). As pretas são estudantes
(7,9%), domésticas (4,8%), professoras (3,2%), empresário (3,2%), cangaceiro
(3,2%) e engenheiro (3,2%). As pardas são vaqueiro (7,3%), garota de pro-
grama (7,3%) doméstica (4,9%), capanga (4,9%), escritor (4,9%). Duas das três
personagens indígenas não têm registradas a ocupação e a terceira é benze-
deira. As duas amarelas são dona de casa e socióloga.

82 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 31 - Cor da personagem x Estrato social
branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Classes
89 42,4% 62 30,4% 16 23,9% 6 19,4% 1 16,7% 0 0,0% 2 100,0% 176 33,7%
médias
Pobres 29 13,8% 76 37,3% 37 55,2% 18 58,1% 1 16,7% 3 100,0% 0 0,0% 164 31.4%
Elite
76 36,2% 21 10,3% 6 9,0% 2 6,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 105 20,1%
econômica

Sem indícios 13 6,2% 37 18,1% 7 10,4% 3 9,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 60 11,5%

Miseráveis 3 1,4% 7 3,4% 1 1,5% 1 3,2% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 12 2,3%


Não
0 0,0% 1 0,5% 0 0,0% 1 3,2% 4 66,7% 0 0,0% 0 0,0% 6 1,1%
pertinente
Outro 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
Total 210 100,0% 204 100,0% 67 100,0% 31 100,0% 6 100,0% 3 100,0% 2 100,0% 523

Tabela 32 - Cor da personagem x Elite intelectual

sem indícios branca preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit


Não 105 54,1% 78 43,1% 33 57,9% 19 67,9% 1 16,7% 3 100% 1 50,0% 240 51,0%
Sim 35 18,0% 60 33,1% 13 22,8% 5 17,9% 0 0,0% 0 0,0% 1 50,0% 114 24,2%

Sem indícios 54 27,8% 43 23,8% 11 19,3% 3 10,7% 1 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 112 23,8%

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


Não
0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 3,6% 4 66,7% 0 0,0% 0 0,0% 5 1,1%
pertinente
Total 194 100,0% 181 100,0% 57 100,0% 28 100,0% 6 100,0% 3 100,0% 2 100,0% 471

83
Tabela 33 - Cor personagem x Papéis sociais e afetivos

84
branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Amigo(a) 78 12,8% 83 18,1% 27 17,6% 15 18,8% 1 12,5% 1 16,7% 1 25,0% 214 16,1%

Cônjuge 85 14,3% 60 12,3% 16 10,5% 7 8,8% 0 0,0% 1 16,7% 1 25,0% 170 12,8%

Filho(a) 75 12,6% 49 10,0% 17 11,1% 12 15,0% 1 12,5% 1 16,7% 0 0,0% 155 11,6%

Pai/mãe 70 11,8% 54 11,1% 19 12,4% 8 10,0% 1 12,5% 1 16,7% 1 25,0% 154 11,6%

Irmão/irmã 52 8,8% 42 8,6% 8 5,2% 5 6,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 107 8,0%

Empregado(a) 22 3,7% 31 6,4% 12 7,8% 8 10,0% 1 12,5% 0 0,0% 0 0,0% 74 5,6%

Patrão/patroa 39 6,6% 25 5,1% 2 1,3% 2 2,5% 0 0,0% 0 0,0% 1 25,0% 69 5,2%

Retratos da literatura baiana contemporânea


Namorado(a) 26 4,4% 20 4,1% 4 2,6% 4 5,0% 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 55 4,1%

Parente 26 4,4% 17 3,5% 4 2,6% 2 2,5% 0 0,0% 0 00% 0 0,0% 49 3,7%

Amante 18 3,0% 15 3,1% 9 5,9% 4 5,0% 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 47 3,5%

Parceiro sexual 14 2,4% 14 2,9% 3 2,0% 5 6,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 36 2,7%

Inimigo(a) 15 2,5% 9 1,8% 3 2,0% 2 2,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 29 2,2%

Outro 13 2,2% 10 2,0% 4 2,6% 0 0,0% 2 25,0% 0 0,0% 0 0,0% 29 2,2%


branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Relações
acadêmicas 16 2,7% 4 0,8% 4 2,6% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 24 1,8%
e profissionais

Sócio(a) (cúmplice) 12 2,0% 4 0,8% 5 3,3% 1 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 22 1,7%

“Ex” 15 2,5% 4 0,8% 2 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 21 1,6%

Prestador/
9 1,5% 7 1,4% 2 1,3% 1 1,3% 1 12,5% 0 0,0% 0 0,0% 20 1,5%
fornecedor

Sem relações 1 0,2% 12 2,5% 4 2,6% 0 0,0% 1 12,5% 0 0,0% 0 0,0% 18 1,4%

Vizinho(a) 3 0,5% 9 1,8% 5 3,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 17 1,3%

Colega 3 0,5% 5 1,0% 1 0,7% 3 3,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 12 0,9%

Cliente 2 0,3% 2 0,4% 0 0,0% 1 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 0,4%

Madrasta/padrasto 2 0,3% 0 0,0% 1 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,2%

Enteado(a) 0 0,0% 2 0,4% 1 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,2%

Total 594 100,0% 488 100,0% 153 100,0% 80 100,0% 8 100,0% 6 100,0% 4 100,0% 1333

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


85
Para os papéis sociais a  que estão vinculadas as personagens, a  apre-
sentação também será pela maior quantidade de ocorrências. Conforme
a Tabela 33, as personagens brancas são cônjuges (14,3%), amigos (12,8%),
filhos (12,6%), pai/mãe (11,8%), irmãos (8,8%). As pretas também registram
percentuais parecidos para amigos (17,6%), pai/mãe (12,4%), filho (11,1%)
e cônjuge (10,5%), a diferença é o papel de empregado (7,8%). Para as pardas
os papéis não se alteram, apenas números para: amigos (18,8%), filho (15%),
pai/mãe (10%), empregado (10%) e cônjuge (8,8%). As indígenas registram
16,7% para cada um dos seguintes papéis sociais: amigo, cônjuge, filho, pai/
mãe, namorado e amante. As amarelas, por sua vez, marcam 25% de ocor-
rências para amigo, cônjuge, pai/mãe, patrão/patroa, cada.
Com relação aos locais por onde circulam personagens com diferentes
cores, nota-se (Tabela 34) que o  espaço doméstico é predominante para
todas: brancas (26%), pretas (23,7%), pardas (22,4%), indígenas (42,9%), ama-
relas (100%). Chama a atenção que as personagens amarelas estão apenas no
ambiente doméstico enquanto as indígenas também aparecem em espaços
naturais (42,9%) e  ruas e  praças (14,3%). No comparativo entre brancas,
pretas e pardas vemos que o ‘local de trabalho’ é mais presente para pretos
(14,3%) e  pardos (17,1%) do que para brancos (12%) e  que pretos (3,9%)
têm maior circulação por escolas e  universidade do que brancos (2,3%)
e pardos (1,3%), o que pode sugerir a presença de pretos, ainda que timi-
damente, em busca de formação e mobilidade socioeconômica. Sindicatos
e associações também são mais frequentados por pretos (4,5%) do que por
brancos (1,4%), uma vez que os primeiros estão mais em locais de trabalho
e, subentende-se, articulados enquanto classe trabalhadora. Outros locais
como ruas e praças, espaços naturais, locais de lazer e religiosos são propor-
cionalmente frequentados pelas diferentes personagens.

86 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 34 - Cor da personagem x Locais de circulação

branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Espaço domésticos 134 26,0% 117 23,7% 36 23,4% 17 22,4% 3 27,3% 3 42,90% 2 100,0% 312 24,8%

Ruas e praças 86 16,7% 83 16,8% 31 20,1% 13 17,1% 1 9,1% 1 14,3% 0 0,0% 215 17,1%

Espaços naturais, campo 67 13,0% 69 14,0% 16 10,4% 12 15,8% 3 27,3% 3 42,9% 0 0,0% 170 13,5%

Local de trabalho 62 12,0% 69 14,0% 22 14,3% 13 17,1% 2 18,2% 0 0,0% 0 0,0% 168 13,3%

Locais de lazer 54 10,5% 44 8,9% 13 8,4% 6 7,9% 1 9,1% 0 0,0% 0 0,0% 118 9,4%

Espaços religiosos 36 7,0% 30 6,1% 10 6,5% 4 5,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 80 6,4%

Comércio (exceto como


22 4,3% 32 6,5% 3 1,9% 4 5,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 61 4,8%
empregado

Restaurantes e lanchonetes 23 4,5% 7 1,4% 8 5,2% 2 2,6% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 40 3,2%

Escolas e universidades 12 2,3% 10 2,0% 6 3,9% 1 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 29 2,3%

Sindicatos e associações 7 1,4% 9 1,8% 7 4,5% 0 0,0% 1 9,1% 0 0,0% 0 0,0% 24 1,9%

Outros 4 0,8% 13 2,6% 0 0,0% 4 5,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 21 1,7%

Repartições públicas
8 1,6% 4 0,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 12 1,0%
(exceto como funcionário)

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


Sem indícios 1 0,2% 6 1,2% 2 1,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 9 0,7%

Total 516 100,0% 493 100,0% 154 100,0% 76 100,0% 11 100,0% 7 100,0% 2 100,0% 1259

87
Se as personagens estão mais no ambiente privado do que no público
e quando neste mais em espaços abertos do que fechados, o modo de loco-
moção predominante para as distintas cores de personagens será os pés, com
maiores percentuais entre pardas (47,5%) e pretas (35,3%), como pode ser visto
na Tabela 35. O carro particular é equivalentemente acessado por brancas
(18,6%) e pretas (17,6%), mas bem menos por pardas (5,0%). Ônibus e metrô
também fazem parte dos veículos utilizados por brancos (5,2%), pretos (4,4%)
e pardos (2,5%), enquanto avião é acessado muito mais por brancos (6,9%)
do que por pretos (2,9%). As personagens indígenas se deslocam apenas a pé
e não há indícios sobre o meio de transporte usado pelas amarelas.
Em relação ao desfecho dessas personagens, vemos na Tabela 36 que
apenas as brancas se suicidam ou enlouquecem e que o assassinato é mais
presente entre pretas (12,3%) do que brancas (5,9%) e pardas (3,6%). A morte
que não seja por suicídio ou assassinato é mais presente entre pardos (21,4%),
seguida por brancos (17,3%) e  pretos (8,8%). Os indígenas e  amarelos não
morrem ou enlouquecem, têm outro tipo de desfecho. Na opção "outro"
predominou o registro de personagens que continuam suas vidas.
Os vários dados evidenciam que as diferenças sociais entre personagens
brancas, pretas, pardas, indígenas e amarelas são sintomáticas da sociedade
brasileira, mostrando espaços e  posições marcados pela subalternização
muito mais de pardos que de pretos, mas de ambos em relação aos brancos,
ao mesmo tempo em que também escancaram um forte apagamento de
indígenas e amarelos.

88 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 35 - Cor personagem x Meios de transporte

branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit


A pé 75 25,9% 106 43,4% 24 35,3% 19 47,5% 2 33,3% 2 66,7% 0 0,0% 228 34,9%

Não há indícios 48 16,6% 49 20,1% 22 32,4% 7 17,5% 3 50,0% 1 33,3% 2 100,0% 132 20,2%

Carro particular 54 18,6% 23 9,4% 12 17,6% 2 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 91 13,9%

Outro 39 13,4% 18 7,4% 3 4,4% 8 20,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 68 10,4%

Ônibus/ metrô 15 5,2% 8 3,3% 3 4,4% 1 2,5% 0 0,0% 0 0,,0% 0 0,0% 27 4,1%

Avião 20 6,0% 4 1,6% 2 2,9% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 26 4,0%


Embarcação 12 4,1% 9 3,7% 0 0,0% 1 2,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 22 3,4%

Não se desloca 3 1,0% 9 3,7% 1 1,5% 1 2,5% 1 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 15 2,3%

Veículo por
6 2,1% 9 3,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 15 2,3%
tração animal

Táxi 10 3,4% 2 0,8% 1 1,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 13 2,0%


Caminhão 3 1,0% 5 2,0% 0 0,0% 1 2,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 9 1,4%
Bicicleta 3 1,0% 2 0,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 0,8%
Moto 2 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,3%
Total 290 100,0% 244 100,0% 68 100,0% 40 100,0% 6 100,0% 3 100,0% 2 100,0% 653

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


89
Tabela 36 - Cor personagem x Desfecho

90
sem indícios branca preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Outro 143 73,3% 138 74,6% 45 78,9% 21 75,0% 5 83,3% 3 100,0% 2 100,0% 357 75,0%

Outro tipo de morte 28 14,4% 32 17,3% 5 8,8% 6 21,4% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 71 14,9%

Assassinato 19 9,7% 11 5,9% 7 12,3% 1 3,6% 1 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 39 8,2%

Loucura 2 1,0% 3 1,6% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 1,1%

Suicídio 3 1,5% 1 0,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 4 0,8%

Total 195 100,0% 185 100,0% 57 100,0% 28 100,0% 6 100,0% 3 100,0% 2 100,0% 476

Retratos da literatura baiana contemporânea


Estrato social
Ajustando a lupa para a categoria estrato social, interessa saber quais são
as circunstâncias colocadas em destaque para traçar o perfil daqueles que
marcam presença nas tramas, pelo viés de suas filiações sociais. Dessa forma,
destaca-se que boa parte das 471 personagens que compõem o  corpus
estão situadas na opção classe média (33,7%), seguida numericamente de
pobres (31,4%), elite econômica (20,1%) e  miseráveis – estes últimos cor-
respondentes apenas a 2,3% do total das personagens. As categorias "sem
indícios" ou "não pertinente", somadas, perfazem um total de 12,6%, como
pode ser constatado na Tabela 37 a seguir:

Tabela 37 - Estrato social (marcar até 3)

Nº % cit
Classes médias 176 33,7%
Pobres 164 31,4%
Elite econômica 105 20,1%
Sem indícios 60 11,5%
Miseráveis 12 2,3%
Não pertinente 6 1,1%
Outro 0 0,0%
Total 523 100,0%

Os cenários até então visualizados nos dados sobre as personagens,


de forma geral e  aliados aos números acima, refletem os modos de ser
e viver dos mais favorecidos, ficando pobres, miseráveis e aqueles a quem
não interessa atribuir uma classe social na sustentação das representações
colocadas em destaque. Ao longo das 29 narrativas analisadas, observa-se
muitas personagens protagonistas de classe média, enquanto a maioria, as
secundárias, são pobres, os historicamente marginalizados e a quem não é
dada a possibilidade de Figurar amplamente na literatura sob um ponto de
vista próprio.
Considerando percentuais somados das classes médias e  elites econô-
micas (53,8%), pode-se asseverar que os romances são povoados por repre-
sentações relacionadas, principalmente, a  uma parcela da população que
desfruta de melhores condições econômicas, refletindo mimeticamente um

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 91


contexto social já conhecido e marcado por privilégios que se fazem à custa
de desigualdades gritantes. Mesmo juntas, as categorias pobres, miseráveis
e sem indícios (45,2%) não chegam a formar maioria na representatividade
posta em destaque.
Ao traçar um perfil panorâmico do que seriam as representações das
classes nos romances e  considerando como ponto de partida a  categoria
pobres, essa que aparece em grande número, mas sem maior protagonismo,
faz-se pertinente destacar a presença de uma pobreza que se distribui por
todas as faixas etárias, acentuando-se na maturidade (38,8%) mais que na
juventude (26,4%), velhice (12,8%), adolescência (11,5) ou infância (5,7%).
Quando vistos isoladamente, os pobres aparecem principalmente como
coadjuvantes (82,3%), usam mais a  variante popular (59,8%) e  regional
(18,4%), enquanto a norma culta detém 6,3% e a opção ‘sem indícios’ 14,4%.
São católicos (24,2%), em maioria, mas também marcam presença em culto
de matriz africana (4,2%), religiões muçulmana (1,8%), protestante histó-
rica (1,2%) e ainda Figuram sem religião (1,8%) ou não a tem mencionada
(66,1%). Compõem a elite intelectual com apenas 7,9% e são, em maioria,
sadios (85,7%) como pode ser constatado a seguir, na Tabela 38:

Tabela 38 - Condição física e psicológica (marcar até 3)


x Estrato social pobres
Nº % cit
Sadio 150 85,7%
Doente 11 6,3%

Sem indícios 7 4,0%

Perturbado mental 4 2,3%

Deficiente físico 2 1,1%

Dependente químico 1 0,6%

Total 175 100,0%

92 Retratos da literatura baiana contemporânea


Quanto à cor, de acordo com a Tabela 39, a grande maioria dos pobres
encontra-se na categoria sem indícios (46,3%), seguida de preta (22,6%),
branca (17,7%), parda (11,0%) e  indígena (1,8%). Considerando os demais
estratos sociais, faz-se pertinente destacar que 35,2% da classe média,
20,0% da elite econômica e 58,3% dos miseráveis também não apresentam
marcação de cor das personagens. Entretanto, os maiores percentuais de
"sem indícios" da categoria cor encontram-se nos estratos sociais pobres,
com 46,3%, e miseráveis, com 58,3%, o que pode ser lido como um certo
desinteresse, de maneira geral, por indicadores étnicos, ao mesmo tempo
em que sugere, talvez, um apagamento das diferenças fenotípicas relativas
ao contingente populacional das classes sociais historicamente despresti-
giadas, como uma forma de homogeneização da “massa populacional” que
faz a base das sociedades classistas.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 93


Tabela 39 - PERSONAGEM: Cor personagem x Estrato social

94
branca sem indícios preta parda não pertinente indígena amarela Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Classes
89 50,6% 62 35,2% 16 9,1% 6 3,4% 1 0,6% 0 0,0% 2 1,1% 176 100,0%
médias
Pobres 29 17,7% 76 46,3% 37 22,6% 18 11,0% 1 0,6% 3 1,8% 0 0,0% 164 100,0%
Elite
76 72,4% 21 20,0% 6 5,7% 2 1,9% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 105 100,0%
econômica
Sem indícios 13 21,7% 37 61,7% 7 11,7% 3 5,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 60 100,0%
Miseráveis 3 25,0% 7 58,3% 1 8,3% 1 8,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 12 100,0%
Não
0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 1 16,7% 4 66,7% 0 0,0% 0 0,0% 6 100,0%
pertinente

Retratos da literatura baiana contemporânea


Outro 0 0 0 0 0 0 0 0 100,0%
Total 210 40,2% 204 39,0% 67 12,8% 31 5,9% 6 1,1% 3 0,6% 2 0,4% 523
Quanto ao sexo, as personagens pobres são, em maioria, homens (56,1%),
sendo que as mulheres aparecem com percentual de 43,9%, conforme a
Tabela 40. Ressalte-se que os homens aparecem mais que as mulheres, em
quase todas as classes, à exceção dos miseráveis que estão divididos em
exatos 50% para cada sexo:

Tabela 40 - PERSONAGEM: Sexo x Estrato social


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Classes médias 111 63,1% 65 36,9% 0 0,0% 176 100,0%
Pobres 92 56,1% 72 43,9% 0 0,0% 164 100,0%
Elite econômica 70 66,7% 35 33,3% 0 0,0% 105 100,0%
Sem indícios 39 65,0% 20 33,3% 1 1,7% 60 100,0%
Miseráveis 6 50,0% 6 50,0% 0 0,0% 12 100,0%
Não pertinente 4 66,7% 0 0,0% 2 33,3% 6 100,0%
Outro 0 0 0 0 100,0%
Total 322 61,6% 198 37,9% 3 0,6% 523

No tocante à orientação sexual dos pobres, de acordo com a Tabela 41,


78,7% são heterossexuais e  18,3% encontram-se na categoria não men-
cionada, situação que também não difere muito das outras classes, man-
tendo a predominância da heterossexualidade: classes médias (81,8%), elite
econômica (88,6%), miseráveis (83,3%). A homossexualidade e a bissexua-
lidade têm registro na classe média (3 e  2 personagens respectivamente)
e  na elite (2 personagens), com uma pequena ocorrência de sexualidade
ambígua/indefinida entre pobres (3,0%). As orientações sexuais com menor
representatividade não Figuram como relevantes nas narrativas anali-
sadas, de forma que o  lugar de maior destaque encontra-se reservado à
heteronormatividade.
Quando a questão refere-se aos locais onde se dá a narrativa, fica patente
que as personagens pobres estão prioritariamente situadas no meio rural
(38,6%) e nas cidades pequenas (35,4%), mas também ocupam os cenários
das grandes cidades (22,9%), conforme a Tabela 42. Observando as outras
classes é possível constatar que não há grandes discrepâncias nos dados que
as caracterizam:

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 95


Tabela 41 - PERSONAGEM: Orientação sexual x Estrato social

96
heterossexual não mencionada homossexual ambígua/indefinida não pertinente bissexual assexuado Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Classes médias 144 81,8% 24 13,6% 3 1,7% 2 1,1% 1 0,6% 2 1,1% 0 0,0% 176 100,0%

Pobres 129 78,7% 30 18,3% 0 0,0% 5 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 164 100,0%

Elite econômica 93 88,6% 9 8,6% 2 1,9% 1 1,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 105 100,0%

Sem indícios 34 56,7% 17 28,3% 5 8,3% 2 3,3% 0 0,0% 1 1,7% 1 1,7% 60 100,0%

Miseráveis 10 83,3% 2 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 12 100,0%

Não pertinente 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 0 0,0% 5 83,3% 0 0,0% 0 0,0% 6 100,0%

Outro 0 0 0 0 0 0 0 0 100,0%

Total 410 78,4% 83 15,9% 10 1,9% 10 1,9% 6 1,1% 3 0,6% 1 0,2% 523

Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 42 - PERSONAGEM: Local da narrativa x Estrato social

cidade pequena meio rural grande cidade outro múltiplos incerto Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Classes médias 84 35,1% 62 25,9% 86 36,0% 4 1,7% 2 0,8% 1 0,4% 239 100,0%

Pobres 79 35,4% 86 38,6% 51 22,9% 3 1,3% 3 1,3% 1 0,4% 223 100,0%

Elite econômica 48 31,2% 50 32,5% 38 24,7% 10 6,5% 5 3,2% 3 1,9% 154 100,0%

Sem indícios 28 41,8% 18 26,9% 18 26,9% 0 0,0% 1 1,5% 2 3,0% 67 100,0%

Miseráveis 2 14,3% 7 50,0% 4 28,6% 0 0,0% 1 7,1% 0 0,0% 14 100,0%

Não pertinente 2 28,6% 3 42,9% 1 14,3% 0 0,0% 0 0,0% 1 14,3% 7 100,0%

Outro 0 0 0 0 0 0 0 100,0%

Total 243 34,5% 226 32,1% 198 28,1% 17 2,4% 12 1,7% 8 1,1% 704
Ao se deslocarem pelo espaço urbano, os pobres ficam limitados ao
centro (36,1%), à periferia pobre (24,4%) ou não têm suas localizações des-
tacadas ("sem indícios": 33,2%). Bem menor é o  número que dá conta da
presença dos pobres, como fica explicitado na Tabela 43, em bairros de elite:
6,3%. Notadamente, as classes médias e as elites econômicas Figuram com
maior destaque nos locais aos quais é atribuído maior prestígio, como um
retrato do país ou do estado, no caso do estudo, que privilegia as classes
mais favorecidas, enquanto as áreas periféricas ainda estão povoadas por
aqueles que não são assistidos, os invisibilizados.

Tabela 43 - Deslocamento pelo espaço urbano x Estrato social pobres


Nº % cit
Centro 74 36,1%
Não há indícios 68 33,2%
Periferia pobre 50 24,4%
Bairro de elite 13 6,3%
Total 205 100,0%

Considerando as opções constantes da ficha para os locais de circu-


lação, destacam-se, com índices consideráveis (Figura 4): espaço doméstico,
ruas e praças, local de trabalho e espaços naturais, aspectos que também
Figuram importantes para as outras categorias, o que demonstra, no quadro
geral (Tabela 44), uma escrita que elege tais espaços como relevantes e que
não chega a colocar os pobres numa posição muito diferenciada.

Figura 4 - Locais por onde circula x estrato social pobres

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 97


Tabela 44 - PERSONAGEM: Locais de circulação x Estrato social

98
classes médias pobres elite econômica sem indícios miseráveis não pertinente outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Espaço domésticos 126 26,4% 113 23,8% 87 24,9% 20 19,0% 10 26,3% 3 30,0% 0 359 24,7%

Ruas e praças 75 15,7% 84 17,7% 54 15,4% 25 23,8% 7 18,4% 1 10,0% 0 246 16,9%

Espaços naturais, campo 51 10,7% 70 14,7% 47 13,4% 11 10,5% 7 18,4% 3 30,0% 0 189 13,0%

Local de trabalho 53 11,1% 76 16,0% 43 12,3% 11 10,5% 3 7,9% 1 10,0% 0 187 12,8%

Locais de lazer 57 11,9% 34 7,2% 35 10,0% 13 12,4% 1 2,6% 1 10,0% 0 141 9,7%

Espaços religiosos 28 5,9% 33 6,0% 33 9,4% 4 3,8% 5 13,2% 0 0,0% 0 103 7,1%

Comércio (exceto

Retratos da literatura baiana contemporânea


29 6,1% 21 4,4% 15 4,3% 5 4,8% 2 5,3% 0 0,0% 0 72 4,9%
como empregado

Restaurantes e lanchonetes 23 4,8% 10 2,1% 16 4,6% 2 1,9% 1 2,6% 0 0,0% 0 52 3,6

Escolas e universidades 13 2,7% 15 3,2% 5 1,4% 0 0,0% 1 2,6% 0 0,0% 0 34 2,3%

Sindicatos e associações 9 1,9% 8 1,7% 7 2,0% 4 3,8% 1 2,6% 1 10,0% 0 30 2,1%

Outros 6 1,3% 7 1,5% 2 0,6% 6 5,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 21 1,4%

Repartições públicas
4 0,8% 2 0,4% 6 1,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 12 0,8%
(exceto como funcionário)

Sem indícios 4 0,8% 2 0,4% 0 0,0% 4 3,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 10 0,7%

Total 478 100,0% 475 100,0% 350 100,0% 105 100,0% 38 100,0% 10 100,0% 0 100,0% 1259
Quando buscamos conhecer os meios de transporte (Tabela 45), entre-
tanto, alguma diferenciação aparece marcada, e os pobres, aproximando-se
mais dos miseráveis (85,7%), aparecem como pessoas que prioritariamente
se locomovem a  pé (47,9%), sendo que as duas outras categorias que se
seguem em ordem decrescente explicitam que, em 15,1%, não há preo-
cupação acerca de como se locomovem os pobres, e  em 10,9 % há indi-
cação de que utilizam meios que compõem a categoria “outro”, opção que
engloba, por exemplo, o uso de animais para o deslocamento com grande
ocorrência de locomoção a cavalo.
Quanto aos papéis sociais e afetivos, destacam-se amigo(a), filho(a), pai,
mãe, cônjuge, empregado(a), como pode ser visto na Tabela 46. Aqui o que
difere das outras classes é a condição de empregado que nas classes médias
e  elites econômicas aparece com índice menor, sobressaindo-se, nesses
casos, a categoria patrão/patroa:

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 99


Tabela 45 - PERSONAGEM: Meios de transporte x Estrato social

100
classes médias pobres elite econômica sem indícios miseráveis não pertinente outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
a pé 56 22,4% 114 47,9% 47 26,7% 23 34,8% 12 85,7% 2 33,3% 0 254 33,9%
não há indícios 53 21,2% 36 15,1% 21 11,9% 24 36,4% 0 0,0% 2 33,3% 0 136 18,1%
carro particular 63 25,2% 12 5,0% 42 23,9% 3 4,5% 1 7,1% 0 0,0% 0 121 16,1%
outro 23 9,2% 26 10,9% 23 13,1% 3 4,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 75 10,0%
ônibus/ metrô 18 7,2% 10 4,2% 6 3,4% 2 3,0% 1 7,1% 0 0,0% 0 37 4,9%
avião 17 6,8% 4 1,7% 13 7,4% 2 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 36 4,8%
embarcação 6 2,4% 10 4,2% 7 4,0% 1 1,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 24 3,2%
táxi 6 2,4% 6 2,5% 3 1,7% 2 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 17 2,3%
veículo por tração animal 2 0,8% 7 2,9% 5 2,8% 1 1,5% 0 0,0% 1 16,7% 0 16 2,1%
não se desloca 3 1,2% 5 2,1% 1 0,6% 5 7,6% 0 0,0% 1 16,7% 0 15 2,0%

Retratos da literatura baiana contemporânea


caminhão 1 0,4% 6 2,5% 4 2,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 11 1,5%
bicicleta 0 0,0% 2 0,8% 3 1,7% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 5 0,7%
moto 2 0,8% 0 0,0% 1 0,6% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 3 0,4%
Total 250 100,0% 238 100,0% 176 100,0% 66 100,0% 14 100,0% 6 100,0% 0 100,0% 750

Tabela 46 - PERSONAGEM: Papéis sociais e afetivos x Estrato social


classes médias pobres elite econômica sem indícios miseráveis não pertinente outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Amigo(a) 78 14,2% 90 18,9% 50 13,3% 16 16,3% 7 22,6% 1 11,1% 0 242 15,7%
Cônjuge 82 14,9% 50 10,5% 53 14,1% 10 10,2% 3 9,7% 1 11,1% 0 199 12,9%
Filho(a) 65 11,8% 58 12,2% 50 13,3% 4 4,1% 6 19,4% 2 22,2% 0 185 12,0%
Pai/mãe 65 11,8% 57 12,0% 47 12,5% 5 5,1% 4 12,9% 1 11,1% 0 179 11,6%
Irmão/irmã 49 8,9% 33 6,9% 36 9,6% 4 4,1% 4 12,9% 0 0,0% 0 126 8,2%
Empregado(a) 16 2,9% 48 10,1% 5 1,3% 8 8,2% 3 9,7% 0 0,0% 0 80 5,2%
classes médias pobres elite econômica sem indícios miseráveis não pertinente outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Patrão/patroa 29 5,3% 10 2,1% 36 9,6% 2 2,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 77 5,0%
Namorado(a) 32 5,8% 19 4,0% 17 4,5% 4 4,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 72 4,7%
Parente 21 3,8% 12 2,5$ 18 4,8% 5 5,1% 2 6,5% 0 0,0% 0 58 3,8%
Amante 16 2,9% 22 4,6% 9 2,4% 5 5,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 52 3,4%
Parceiro sexual 11 2,0% 15 3,2% 5 1,3% 8 8,2% 1 3,2% 0 0,0% 0 40 2,6%
Inimigo(a) 16 2,9% 10 2,1% 6 1,6% 1 1,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 33 2,1%
Outro 9 1,6% 7 1,5% 4 1,1% 9 9,2% 0 0,0% 2 22,2% 0 31 2,0%
Relações acadêmicas
13 2,4% 1 0,2% 12 3,2% 3 3,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 29 1,9%
e profissionais
“Ex” 12 2,4% 6 1,3% 8 2,1% 1 1,o% 0 0,0% 0 0,0% 0 28 1,8%
Sócio(a) (cúmplice) 9 1,6% 4 0,8% 10 2,7% 2 2,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 25 1,6%
Prestador/ fornecedor 10 1,8% 7 1,5% 3 0,8% 1 1,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 21 1,4%
Vizinho(a) 5 0,9% 10 2,1% 2 0,5% 1 1,0% 1 3,2% 0 0,0% 0 19 1,2%
Sem relações 2 0,4% 6 1,3% 0 0,0% 8 8,2% 0 0,0% 2 22,2% 0 18 2,2%
Colega 5 0,9% 5 1,1% 2 0,5% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 12 0,8%
Madrasta/padrasto 3 0,5% 1 0,2% 1 0,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 5 0,3%

Cliente 0 0,0% 2 0,4% 2 0,5% 1 1,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 5 0,3%

Enteado(a) 1 0,2% 2 0,4% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 2 0,2%


Total 550 100,0% 475 100,0% 376 100,0% 98 100,0% 31 100,0% 9 100,0% 0 100,0% 1539

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações


101
Com menor representatividade nos romances, na classe denominada
miseráveis, estão 12 personagens: 6 homens e 6 mulheres. Desses, 11 são
coadjuvantes, há apenas 01 protagonista e a nenhum deles é dada a possi-
bilidade de narrar os romances do corpus. São quase todos heterossexuais,
com apenas duas personagens para as quais não houve menção quanto
à orientação sexual; desempenham os papéis sociais de amigo(a), filho
(a), pai/mãe, irmão/irmã, cônjuge, empregado(a), parente; transitam pelo
centro (42,9%) e pela periferia pobre (14,3%), mas para 42,9% deles não há
indícios. Locomovem-se a pé (85,7%), com apenas um registro de uma per-
sonagem em carro particular e uma outra que utilizou ônibus/metrô como
meio de transporte; circulam por espaços domésticos, espaços naturais,
ruas e praças, espaços religiosos; habitam o meio rural (50%) e, com menor
ocorrência, as cidades grandes (28,6%) e  pequenas (14,3%). No tocante à
cor, os miseráveis estão situados, em maioria, na categoria ‘sem indícios’
(58,3%), com 25,0% de personagens brancas e 8,3% de pretas e pardas. São
também mais maduras (38,8%) e velhas (27,8%), mas aparecem três adoles-
centes e dois jovens entre eles. Não fazem parte da elite intelectual (83,3%)
e usam a variante linguística popular (41,7%) e a regional (33,3), com ocor-
rência de uma personagem que usa a  norma culta (8,3%); 50% delas são
católicas e as outras 50% não têm a religião mencionada.
Entre as personagens pertencentes à elite econômica, são 105 persona-
gens: 70 homens e 35 mulheres; há mais coadjuvantes (20,1%) que prota-
gonistas (18,6%) ou narradores (18,5%). São principalmente heterossexuais
(88,6%); mais brancas (72,4%) que pretas (5,7%) ou pardas (1,9%), mas
também Figuram com 20% no registro ‘sem indício’ para a  categoria cor.
Desempenham os papéis sociais de cônjuge, amigo(a), filho(a), pai/mãe,
irmão/irmã, patrão/patroa; locomovem-se a pé (26,7%), de carro particular
(23,9%) e  avião (7,4%), mas também utilizam outros meios de transporte
(13,1%), além de apresentar 11,9% para a categoria ‘sem indícios’. Circulam
por espaços domésticos, ruas e  praças, local de trabalho, espaços natu-
rais e espaços de lazer. As elites aqui representadas são mais interioranas,
habitam meio rural (32,5%), cidade pequena (31,2%), cidade grande (24,7%);
são mais maduros (40,0%) que jovens (31,2%), velhos (10,6%) ou adoles-
centes (10,0%) e  compõem a  elite intelectual com 38,1%. Usam a  norma
culta (40,7%) mais que a popular (31,4%) ou regional (8,5%). São católicas
(34,3%), mas também estão presentes em religiões pentecostais (1,9%),

102 Retratos da literatura baiana contemporânea


muçulmana, judaica e cultos de matriz africana, com 0,9% para cada uma
delas, além de Figurarem com 59,3% para a categoria ‘não mencionada’.
Entre as personagens das classes médias estão 32,8% de personagens
coadjuvantes, 42,4% protagonistas e  40,7% narradores. São 176 persona-
gens: 111 homens e 65 mulheres. São principalmente heterossexuais (81,8%);
mais brancas (50,6%) que pretas (9,1%) ou pardas (3,4%) e aparecem na cate-
goria ‘sem indícios’ para a cor em 35,2%. Desempenham os papéis sociais
de cônjuges, amigo(a), filho(a), pai/mãe, irmão/irmã, namorado(a), patrão/
patroa; transitam pelo centro (39,7%), bairro de elite (19,2%), periferia pobre
(11,4%). Locomovem-se de carro particular (25,2%), a  pé (22,4%), ônibus/
metrô (7,2%), avião (6,8), embarcação (2,4%), táxi (2,4%), mas também uti-
lizam outros meios de transportes (9,2%), com relativo número de ocorrên-
cias na categoria ‘sem indícios’ (21,2%); circulam por espaços domésticos,
ruas e praças, locais de lazer, local de trabalho, espaços naturais e restau-
rantes e  lanchonetes; habitam cidades grandes (36,0%), cidade pequena
(35,1%) e meio rural (25,9%). São também mais maduras (48,8%) que jovens
(21,5%), velhas (12,8%), adolescentes (6,2%) e compõem a elite intelectual,
com 36,9%. Usam a variante linguística popular (37,6%) mais que a norma
culta (36,0%) ou a regional (5,4%). São católicas (26,1%), embora também
apareçam vinculadas a  religiões pentecostais, espírita, judaica e  culto de
matriz africana com 1,1% para cada uma destas, além dos apresentados na
opção "não mencionada" (67,2%).
Ao final desse traçado que procura estabelecer um perfil possível para as
classes sociais encontradas nos romances, é possível constatar que as dife-
renças entre elas encontram-se em detalhes que podem passar desperce-
bidos, posto serem sutis as alterações que marcam os locais de exclusão
ou de privilégio para cada uma, no cômputo geral dos dados. Ao se olhar
o todo, uma espécie de romantização dos pobres, miseráveis, classes médias
e elites econômicas pode ser percebida, tornando o dentro e o fora, mais
uma vez, semelhantes, tão entrelaçados estão nos emaranhados discursivos
que arquitetam a presumida convivência pacífica entre as classes compo-
nentes do povo brasileiro e, no caso, o baiano.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 103


Posição na narrativa
Dentro da trama ficcional é o  narrador – categoria importante para
pensarmos as perspectivas sob as quais as personagens e o enredo se arti-
culam – quem conduz o  leitor, oferecendo a  ele seu ponto de vista, uma
vez que “a cosmovisão de um escritor se manifesta por meio do ponto de
vista, sobretudo na medida em que o ângulo visual determina, deforma ou
informa, tudo o mais que se contém num texto narrativo”. (MOISES, 1985, p.
408) Nessa perspectiva, lançamos agora o olhar para a posição das persona-
gens nas narrativas estudadas: se coadjuvantes, protagonistas ou narradoras,
com mais atenção às duas últimas.
Os dados coletados (Tabela 47) apontam que 85,7% das personagens
são coadjuvantes, 4,8% narradoras e 9,4% são protagonistas. Essa questão
aceitou até duas respostas – sendo assim, podia-se registrar também narra-
dores protagonistas ou coadjuvantes. Considerando que as fichas de análise
focam nas personagens, a posição na narrativa é registrada a partir delas,
oferecendo uma visão parcial do ponto de vista, uma vez que só se atém à
narração daquelas que efetivamente participam da trama. Quem são esses
narradores e protagonistas é o que os cruzamentos com diferentes catego-
rias da ficha podem sinalizar:

Tabela 47 - Posição na narrativa (marcar até 2)


Nº % cit
Coadjuvante 427 85,7%
Protagonista 47 9,4%
Narradora 24 4,8%
Total 498 100,0%

Investigando o sexo das personagens, vemos na Tabela 48 que das 4,8%


que ocupam, nas tramas, a posição de narrador, 66,7% são do sexo mascu-
lino e 33,3%, do feminino. Percentual similar fica evidente quando se olha
para as protagonistas: 61,7% são do sexo masculino, 36,2%, do feminino
e 2,1% outro. Este último dado refere-se à personificação de um clube em
um dos romances. Os números reforçam aquilo que já apontamos aqui:
a forte presença do sexo masculino nas diferentes esferas narrativas e nas
posições de destaque.

104 Retratos da literatura baiana contemporânea


Tabela 48 - Posição na narrativa x Sexo das personagens
coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Masculino 265 62,1% 29 61,7% 16 66,7% 310 62,2%
Feminino 160 37,5% 17 36,2% 8 33,3% 185 37,1%
Outro 2 0,5% 1 2,1% 0 0,0% 3 0,6%
Total 427 100,0% 47 100,0% 24 100,0% 498

Se pensarmos esses dados pela perspectiva do sexo do(a) autor(a),


teríamos alguma mudança em relação à presença majoritária de persona-
gens do sexo masculino? Os dados (Tabela 49) não transpõem esse retrato,
já que os homens priorizam narradores (66,7%) e protagonistas (69,4%) do
sexo masculino.

Tabela 49 - Sexo personagem x Posição narrativa x Sexo autor masculino


masculino feminino outro Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Coadjuvante 205 64,1% 113 35,3% 2 0,6% 320 100,0%

Protagonista 25 69,4% 10 27,8% 1 2,8% 36 100,0%

Narradora 14 66,7% 7 33,3% 0 0,0% 21 100,0%

Total 244 64,7% 130 34,5% 3 0,8% 377

Em relação à autoria feminina, encontra-se apenas uma narradora perso-


nagem. As demais narrativas construídas por autoras são contadas a partir
de um ponto de vista que está distante da trama (onisciente), não consti-
tuindo, portanto, uma personagem que possa ter ficha de análise. Quando
observamos a  categoria protagonista percebemos (Tabela 50) a  prefe-
rência pelo sexo feminino (63,6%) em detrimento do masculino (36,4%). O
cotejo dos dados, a  partir da autoria, evidencia a  preferência por manter
narradores masculinos no papel de condutor das situações constantes nos
enredos, o que ratifica a velha lógica androcêntrica que se apraz em conter
o crescimento da voz feminina. O diálogo entre os números relacionados à
autoria masculina e  feminina evidencia um posicionamento ainda tímido
das autoras quanto à preferência por compor personagens do sexo femi-
nino, uma vez que o quantitativo geral estabelece uma curta diferença de

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 105


4,4%, entre 60 personagens do sexo masculino (52,2%) e 55 do sexo femi-
nino (47,8%).

Tabela 50 - Sexo personagem x Posição narrativa x Sexo autor feminino


masculino feminino outro Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Coadjuvante 56 54,4% 47 45,6% 0 0,0% 103 100,0%
Protagonista 4 36,4% 7 63,6% 0 0,0% 11 100,0%
Narradora 0 0,0% 1 100,0% 0 0,0% 1 100,0%
Total 60 52,2% 55 47,8% 0 0,0% 115

No tocante à orientação sexual, vemos, a partida Tabela 51, a  predo-


minância esmagadora de heterossexuais, tanto na categoria protagonistas
(85,1%) quanto na de narradores (87,5%) e a inexistência de homossexuais
nas posições de destaque nas tramas romanescas. Tem-se ainda 6,4% de
protagonistas e  4,2% de narradores com orientação sexual ambígua ou
indefinida, situação decorrente da impossibilidade de identificação precisa.

Tabela 51 - Posição narrativa x Orientação sexual


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº %cit Nº %cit Nº %cit Nº %cit
Heterossexual 329 77,0% 40 85,1% 21 87,5% 390 78,3%
Não mencionada 76 17,8% 3 6,4% 2 8,3% 81 16,3%

Homossexual 9 2,1% 0 0,0% 0 00% 9 1,8%

Ambígua/indefinida 4 0,9% 3 6,4% 1 4,2% 8 1,6%

Não pertinente 5 1,2% 1 2,1% 0 0,0% 6 1,2%

Bissexual 3 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,6%

Assexuado 1 0,2% 0 0,0% 0 0,0% 1 0,2%

Total 427 100,0% 47 100,0% 24 100,0% 498

Qual o  pertencimento étnico de protagonistas e  narradores? Os dados


afastam-nos do padrão até o momento percebido entre os(as) autores(as)?
Vemos na Tabela 52 que entre as 47 personagens protagonistas 42,6% delas
são de cor branca, 14,9% pretas e 8,5% pardas. Entre os 24 narradores temos

106 Retratos da literatura baiana contemporânea


37,5% brancos, 16,7% pretos e  4,2% pardos. Ou seja, as personagens em
destaque acabam por refletir o retrato do(a) autor(a) e demais personagens
no corpus, evidenciando um padrão masculino, heterossexual e branco.

Tabela 52 - Posição narrativa x Cor personagem

coadjuvante protagonista narradora Total

Nº %cit Nº %cit Nº %cit Nº %cit

Sem indícios 180 42,2% 15 31,9% 10 41,7% 205 41,2%

Branca 163 38,2% 20 42,6% 9 37,5% 192 38,6%

Preta 50 11,7% 7 14,9% 4 16,7% 61 12,2%

Parda 24 5,6% 4 8,5% 1 4,2% 29 5,8%

Não pertinente 5 1,2% 1 2,1% 0 0,0% 6 1,2%

Indígena 3 0,7% 0 0,0% 0 0,0% 3 0,6%

Amarela 2 0,5% 0 0,0% 0 0,0% 2 0,4%


Total 427 100,0% 47 100,0% 24 100,0% 498

Em relação à faixa etária, notamos que protagonistas (30,8%) e narradores


(45,5%) estão, primeiramente, na maturidade, mas acompanhados de perto
pela faixa da juventude que abriga 25,6% das protagonistas e 21,2% dos nar-
radores (Tabela 53). Na terceira posição está a faixa da velhice, com 11,5% de
protagonistas e 6,1% de narradores. Na adolescência temos 10,3% das pro-
tagonistas e 6,1% dos narradores, enquanto a faixa da infância tem 5,1% das
protagonistas e 3,0% dos narradores. O quantitativo de narradores maior que
24 deve-se à questão admitir mais de uma resposta, considerando que as per-
sonagens podem ter vivenciado diferentes faixas etárias ao longo da narrativa.
Notamos, assim, mais um reflexo entre a autoria e a representação.

Tabela 53 - Posição narrativa x Faixa etária

coadjuvante protagonista narradora Total


Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Maturidade 260 46,3% 24 30,8% 15 45,5% 299 44,4%
Juventude 137 24,4% 20 25,6% 7 21,2% 164 24,4%

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 107


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Velhice 71 12,6% 9 11,5% 2 6,1% 82 12,2%
Adolescência 39 6,9% 8 10,3% 2 6,1% 49 7,3%
Múltiplas idades 13 2,3% 11 14,1% 5 15,2% 29 4,3%
Infância 21 3,7% 4 5,1% 1 3,0% 26 3,9%
Sem indícios 21 3,7% 2 2,6% 1 3,0% 24 3,6%

Total 562 100,0% 78 100,0% 33 100,0% 673

Interessou-nos observar narradores e  protagonistas também quanto


ao estrato social e pertencimento a uma elite intelectual, ou seja, sujeitos
que consomem bens culturais de prestígio social e  portanto têm um alto
capital cultural. No tocante ao estrato social (Tabela 54), temos um per-
centual um pouco maior de narradores pobres (41,4%) em relação aos de
classe média (37,9%), e a presença também de 20,7% na elite econômica,
o  que parece sinalizar um mínimo descentramento da voz em relação às
classes historicamente privilegiadas social e  representativamente. As pro-
tagonistas, no entanto, estão mais na classe média com 42,4% pontos per-
centuais, enquanto 33,9% estão na classe pobre e 18,6% na elite econômica.
Destaca-se, entre as protagonistas, a  presença de um personagem mise-
rável, o que coaduna a percepção acima. Salientamos que, assim como na
questão referente à faixa etária, a  pergunta sobre o  estrato social aceitou
mais de uma resposta, considerando a possibilidade de mobilidade social
das personagens.

Tabela 54 - Posição narrativa x Estrato social

coadjuvante protagonista narradora Total


Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Classes médias 153 32,8% 25 42,4% 11 37,9% 189 34,1%
Pobres 144 30,8% 20 33,9% 12 41,4% 176 31,7%
Elite econômica 94 20,1% 11 18,6% 6 20,7% 111 20,0%
Sem indícios 60 12,8% 1 1,7% 0 0,0% 61 11,0%
Miseráveis 11 2,4% 1 1,7% 0 0,0% 12 2,2%
Não pertinente 5 1,1% 1 1,7% 0 0,0% 6 1,1%

108 Retratos da literatura baiana contemporânea


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Outro 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
Total 467 100,0% 59 100,0% 29 100,0% 555

Os números relativos ao estrato social podem também ser lidos como


indícios da vinculação de protagonistas e  narradores a  uma elite intelec-
tual, mesmo que a posição econômica não equivalha, necessariamente, ao
capital cultural dos sujeitos. Assim, das 24 personagens narradoras 58,3%
pertencem a uma elite intelectual e 37,5% não, conforme a Tabela 55. Entre
as 47 protagonistas, 53,2% pertencem e  40,4% não. Esses dados indicam
que, nas narrativas do corpus, o poder econômico está associado ao capital
cultural, sem a possibilidade de brechas por onde o acesso a bens culturais
de prestígio social se faça à revelia do poder econômico.

Tabela 55 - Posição narrativa x Elite intelectual


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Não 222 52,0% 19 40,4% 9 37,5% 250 50,2%
Sim 89 20,8% 25 53,2% 14 58,3% 128 25,7%
Sem indícios 112 26,2% 2 4,3% 1 4,2% 115 23,1%

Não pertinente 4 0,9% 1 2,1% 0 00% 5 1,0%

Total 427 100,0% 47 100,0% 24 100,0% 498

Uma vez que nas posições de destaque nas narrativas encontramos


sujeitos das classes privilegiadas e detentores de um capital cultural social-
mente valorizado, olhamos agora para os locais por onde eles transitam.
Os narradores concentram-se no meio rural (41,9%), seguido pela cidade
grande (32,3%) e pela pequena (22,6%), enquanto os protagonistas estão na
cidade pequena (33,8%), na cidade grande (32,4%) e no meio rural (29,4%),
confome a Tabela 56.

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 109


Tabela 56 - Posição narrativa x Local da narrativa

coadjuvante protagonista narradora Total

Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit

Meio rural 192 33,9% 20 29,4% 13 41,9% 225 33,8%

Cidade pequena 191 33,7% 23 33,8% 7 22,6% 221 33,2%

Grande cidade 150 26,5% 22 32,4% 10 32,3% 182 27,4%

Outro 17 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 17 2,6%

Múltiplos 8 1,4% 3 4,4% 1 3,2% 12 1,8%

Incerto 8 1,4% 0 0,0% 0 0,0% 8 1,2%

Total 566 100,0% 68 100,0% 31 100,0% 665

A partir dessa distribuição espacial, vemos na Tabela 57 os locais mais


frequentados por eles. Os narradores estão em maior número nos espaços
domésticos (19,1%) e  frequentando também locais de trabalho (16,0%),
ruas e praças (13,8%) e espaços naturais (13,8%), enquanto os protagonistas
estão nos espaços domésticos (21,7%), ruas e praças (15,3%), locais de lazer
(13,2%) e locais de trabalho (12,7%).

Tabela 57 - PERSONAGENS: Posição narrativa x Locais por onde circulam


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Espaço doméstico 274 25,4% 41 21,7% 18 19,1% 333 24,5%
Ruas e praças 187 17,4% 29 15,3% 13 13,8% 229 16,8%
Local de trabalho 144 13,4% 24 12,7% 15 16,0% 183 13,5%
Espaços naturais 153 14,2% 17 9,0% 13 13,8% 183 13,5%
Locais de lazer 94 8,7% 25 13,2% 8 8,5% 127 9,3%
Espaços religiosos 68 6,3% 12 6,3% 5 5,3% 85 6,3%
Comércio (exceto
51 4,7% 11 5,8% 5 5,3% 67 4,9%
como empregado)
Restaurantes
28 2,6% 12 6,3% 7 7,4% 47 3,5%
e lanchonetes
Escolas
23 2,1% 7 3,7% 4 4,3% 34 2,5%
e universidades

110 Retratos da literatura baiana contemporânea


coadjuvante protagonista narradora Total
Nº % cit Nº % cit Nº % cit Nº % cit
Sindicatos
19 1,8% 5 2,6% 1 1,1% 25 1,8%
e associações
Outros 16 1,5% 5 2,6% 2 2,1% 23 1,7%
Repartições
públicas (exceto 11 1,0% 1 0,5% 3 3,2% 15 1,1%
como funcionário)
Sem indício 9 0,8% 0 0,0% 0 0,0% 9 0,7%
Total 1077 100,0% 189 100,0% 94 100,0% 1360

Uma significativa concentração de protagonistas e  narradores no


ambiente doméstico parece ser previsível para personagens vinculados
a elites econômica e intelectual de cidades pequenas ou zonas rurais, uma
vez que as seduções e atrativos das metrópoles e grandes cidades convidam
muito mais para espaços públicos, como os locais de lazer, por onde tran-
sitam 13,2% das protagonistas.
Os dados sobre narradores e protagonistas reforçam o desenho já vislum-
brado quanto aos demais personagens e seus(suas) autores(as). Os sujeitos
que conduzem a  trama são principalmente homens, brancos e  heteros-
sexuais, na faixa da maturidade ou velhice, pertencentes às classes com
maior poder econômico e  detentores de um significativo capital cultural.
A ausência ou a  presença reduzida de personagens, em posição de des-
taque dentro das tramas, representativos de outros pertencimentos eco-
nômicos, etários, sexuais, étnicos e de gênero, parece denunciar o quanto
ainda estamos distantes de refletir na esfera ficcional as tensas realidades
que pululam do lado de dentro da vida.
As fichas, produzidas a  partir da investigação das personagens, possi-
bilitaram conhecer suas identidades sociais e  trânsitos no todo ficcional,
revelando que as narrativas estudadas elegem como espaço para desenvol-
verem suas tramas o interior e não a cidade grande, como em geral se vê no
romance brasileiro contemporâneo e  constatado pela pesquisa desenvol-
vida por Regina Dalcastagnè (2012).
A realidade que os dados apresentam acaba por refletir traços de subal-
ternização presentes na história do país (ou estado) em relação ao trata-
mento dispensado à mulher e a outros grupos ditos minoritários, os quais

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 111


não ascendem dentro das estruturas narrativas. Embora já se fale de século
XXI, não houve grandes alterações nesse pensamento, herança colonial que
ainda respinga intensamente no presente, mesmo de modo inconsciente,
e persiste na formação do povo e, por consequência, dos escritores.
Quantitativamente, o resultado aqui apresentado enfrenta limites, ficando
o vasto campo de leitura, qualitativamente disponível a quem deseje afinar
o olhar para as relações de classe, os episódios de exploração e violência, as
(grandes) conquistas e acontecimentos em devir que as narrativas apontam,
em suas (im)possibilidades a serem desbravadas na leitura dos livros.

Vias de conclusão (possíveis)


Ao geolocalizar a  literatura baiana neste estudo, por uma necessidade
mesma de delimitar a amostra dos livros que fizeram parte do corpus, che-
gamos a uma micro realidade, uma vez que o recorte da pesquisa (romances
publicados por editoras baianas entre 2000-2014) particulariza o  acesso
aos dados, não contemplando a totalidade de outros livros publicados por
autores(as) baianos(as) ao longo dos quinze anos que o  projeto de pes-
quisa abarcou, em visão macro. Nesse sentido, temos consciência de que os
dados computados traçam um desenho específico da literatura publicada
no estado, bem como reconhecemos a limitação de seu alcance simbólico
e cultural.
Em visão panorâmica, passando em revista os números que o software de
trabalho nos forneceu, bem como os cruzamentos realizados para melhor
compreender os dados levantados, percebemos que vários romances estu-
dados trazem um olhar voltado para o passado, para fatos históricos sau-
dosistas, para questões locais e interioranas. Por outro lado, há obras que
contemplam as relações na contemporaneidade, focalizando, mesmo com
menor recorrência, os espaços urbanos, suas problemáticas mais urgentes
e emergentes. Em ambos os casos, pode-se vislumbrar uma carência consi-
derável no tocante aos anseios coletivos, à diversidade cultural e à inclusão
mais acentuada das múltiplas diferenças que têm feito parte das reivindica-
ções sociais, principalmente na atualidade. Tais questões continuam a existir
e a ser buscadas, quão longe estão, ainda, do horizonte ideal de humani-
dade, considerando condições de igualdade e dignidade para todas as pes-
soas, dentro e fora dos livros.

112 Retratos da literatura baiana contemporânea


Nessa perspectiva, faz-se pertinente considerar que os resultados da pes-
quisa podem ser comparados a uma balança literária que pende menos para
uma literatura que se entende por marginal e mais para uma literatura que
se aproxima de um cânone estabelecido na Bahia. Como em um espelho
turvo, lemos olhares embaçados que continuam a exercitar representações
distanciadas do real, como pontua Regina Dalcastagnè em um dos capí-
tulos do livro Ver e  representar o  outro: alteridade, desigualdade, violência
na literatura brasileira contemporânea (2008). Na literatura aqui estudada,
escutamos muitos ecos tradutórios de vozes distantes e a transFiguração da
vida parece ficar, às vezes, para um tempo vindouro, uma tarefa para outros
intérpretes do real.
Os estudos de João César de Castro Rocha (2006), que tratam da guerra
de relatos no Brasil contemporâneo e das dialéticas da malandragem e da
marginalidade, nos auxiliam a pensar que as obras que nos serviram de base
para a  pesquisa não parecem enfrentar os diversos brasis, ou as diversas
bahias, que aqui coexistem. Nesse sentido, faz-se pertinente considerar que
estamos longe de chegar às linhas de frente da necessária batalha simbólica
capaz de tocar as feridas do tempo presente, ainda que ela já esteja em
curso no país, no que se refere a livros, filmes e outras artes realizadas por
artistas diversos.
Neste limiar da terceira década do XXI, talvez ainda não saibamos ler os
trânsitos culturais que se operam entre vida e letra, as gingas de resistência
transpostas para as linguagens oral/escrita – corpo/gráfica, ou, como teo-
rizou Jerusa Pires Ferreira (2010), uma cultura das bordas. Nesse contexto,
revela-se o retrato tremido, desfocado, que se dá a conhecer a partir da aná-
lise dos livros pesquisados, entra e sai do software, passa por nossos corpos
críticos e se encaminha a outras leituras possíveis. Entretanto, faz-se impor-
tante destacar, ao final do estudo, a presença resistente de autores e edi-
toras que, num contexto de muitas impossibilidades e fragilidades inerentes
ao campo literário baiano, vêm cumprindo a tarefa de escrever e publicar
literatura, de dar ao público enredos e  personagens que, talvez, de outro
modo não teriam encontrado espaço na cena literária.
Para além do mercado editorial limitado, que, muitas vezes, não se faz
atrativo para muitos escritores baianos, cabe também destacar a  necessi-
dade de que as muitas instâncias de fomento do livro e da leitura conheçam,
divulguem e façam circular a literatura que se publica na Bahia. Se fossem

Percepções analíticas sobre os dados: retratos e refrações 113


conhecidos em nível nacional pela crítica literária, tanto acadêmica quanto
jornalística e/ou das redes; se incluídos nos currículos de estabelecimentos
de ensino básico e superior; se pudessem chegar ao leitor com maior faci-
lidade, os livros ganhariam amplitude decorrente dos possíveis debates
e problematizações acerca do que eles trazem em suas narrativas, o que, em
certa medida é impossibilitado pelas limitações já conhecidas.
Para corroborar com as ideias de Boaventura de Souza Santos (2002),
considerando o porvir que pode resultar em frustração ou esperança, pre-
ferimos encaminhar o  pensamento para os movimentos de esperança,
enquanto possibilidade e  latência, com vistas a  construir ao menos uma
convicção: a de que a literatura que se expressa por múltiplos gêneros pode
ser mais do que eco distante do real.
Retornando ao local que cabe às pesquisadoras, ao enrolar o  fio dos
dados no novelo da pesquisa, podemos nos perguntar: o que fica desse per-
curso todo? Fica o alto fluxo e a intensidade vertiginosa das ações, as bata-
lhas internas e externas para dar conta das tarefas (ou coelhos) que se mul-
tiplicaram quase infinitamente, dos xales perdidos no vento das cobranças
e  imposições e  que se enroscaram em cada uma de nós, seres mulheres
que se equilibram como pessoas, mães, professoras, orientadoras, pesqui-
sadoras, funcionárias públicas de uma instituição multicampi, com suas
grandezas e  fragilidades. Que fique pulsante a  alegria dos nossos encon-
tros – entre nós e com nossos estudantes, o que aprendemos sozinhas e no
coletivo, a potência do saber construído com muito-muito-muito trabalho
e dedicação possíveis. Que possamos seguir, daqui, para outros caminhos
significativos, com algum encantamento – lendo e  criando imaginários,
lendo e produzindo esperança à moda paulofreiriana.

114 Retratos da literatura baiana contemporânea


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maior-pib-e-paulinia-sp-o-maior-pib-per-capita-do-pais#:~:text=Pr%C3%B3ximas%20
divulga%C3%A7%C3%B5es-,Em%202017%2C%20S%C3%A3o%20Paulo%20(SP)%20
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118 Retratos da literatura baiana contemporânea


Apêndice A – Lista de editoras
(inclui selos editoriais) referenciadas (LER)
Ágalma
Assembleia Legislativa do Estado da Bahia
Caramurê
Casa de Palavras
Casarão do verbo
Cogito Editora
Dália Negra
Edições UESB
Editora Cedraz
Editora Corrupio
Editora Galinha Pulando
Editora Kalango
Editora Kawo Kabiyesile
Editora Ogum’s Toques Negros
Editora Ómnira
Editus
Edufba
Eduneb
Fundação Casa de Jorge Amado
Grupo S. Martins
Juspodivm
Língua Solta
Livro.com
Mondrongo
P55
Pimenta Malagueta
Pinaúna Editora
Portuário Atelier Editorial
Quarteto Editora
Selo Editorial Castro Alves
Solisluna
Vento Leste

Via Litterarum

Apêndice A – Lista de editoras (inclui selos editoriais) referenciadas (LER) 119


Apêndice B – Lista de romances analisados
Ponte do cristal. Ivan Estevam Ferreira. Edições UESB, 2001.

Um olhar para trás. Geraldo Xavier de Oliveira. Edições UESB, 2002.

Sólon, herói de algures. Rita Sanches. Editora Casa de Palavras, 2004.

As curvas do rio. José Cândido de Carvalho Filho. Via Litterarum, 2005.

Amendoeiras de outono. Adylson Machado. Via Litterarum, 2005.

Reclusas noites de inverno. Renato E. L. Senna. Edições UESB, 2007.

O relógio da torre: fatos de amor e morte: fragmentos de acontecimentos espantosos.


Gey Espinheira. Via Litterarum, 2007.

Valeu, Bahia! Vilma Santos. Via Litterarum, 2007

João de Gilu: o romance de uma família. Paulo Maciel. Corrupio, 2007.

Maria, a Melete. Marcos Antônio Freire Martins. Edições UESB, 2008.

Assassinos da liberdade. João Carlos Teixeira Gomes. Assembleia Legislativa


do Estado da Bahia, 2008.

Cor e fé: uma história da África na Bahia. Aurélio Schommer. Via Litterarum, 2009.

Inúteis luas obscenas. Hélio Pólvora. Casarão do verbo, 2010.

De manhã, à luz do sol. Nadir Xavier de Andrade. Edições UESB, 2010.

A suave anomalia. Márcio Matos. Casarão do verbo, 2010.

Primavera nos ossos. Állex Leilla. Casarão do verbo, 2010.

Clube da honra: a vingança dos machos. Aurélio Schommer. Via Litterarum, 2010.

Anésia Cauaçu. Domingos Ailton. Via Litterarum, 2011.

Don Solidon: romance. Hélio Pólvora. Casarão do verbo, 2011.

O manuscrito secreto de Marx. Armando Avena. Casarão do verbo, 2011.

A suave brisa do amor. Dinarte Portela. Pimenta Malagueta, 2012.

Redes sensuais. L. Midas. Pimenta Malagueta, 2012.

Revelação. Clovis Pereira da Fonseca. Casarão do verbo, 2012.

Diasporá: um romance. Fernando Conceição. Casarão do verbo, 2012.

9 mulheres e 8 janelas: quando vidas reservam silêncios. Josane Morais. Via Litterarum,
2012.

120 Retratos da literatura baiana contemporânea


Hozannah: quantas linguagens cabem em uma mulher. Josane Morais.
Via Litterarum, 2013.

Labirinto-homem. Carlos Vilarinho. Kalango, 2013.

Marce: [espelho chinês]. Gláucia Lemos. Solisluna, 2013.

50 anos inventados em dias de sol. Antonio Caloni. Casarão do verbo, 2014.

Apêndice B – Lista de romances analisados 121


Formato: 16 x 23 cm
Fontes: Mundo Sans Std e STIX Two
Extensão digital: PDF
As professoras pesquisadoras Lílian Almeida de Oliveira Lima (UNEB/Campus XIV),
Ilmara Valois B. F. Coutinho (UNEB/PROFLETRAS/Campus V), Luciana Moreno Sacramento
Gonçalves (UNEB/PPGEL/Campus XIII), Andréa do Nascimento Mascarenhas Silva (UNEB/
Campus XIV), Eugênia Mateus de Souza (UNEB/Campus XIV) e Milena Guimarães Andrade
Tanure (SEC, Doutoranda UFBA/PPGLITCULT), ligadas a diferentes campi e instituições,
formam, juntamente com discentes, o Contemporâneos - Grupo de Pesquisa em Literatura
Brasileira Contemporânea, locus de produção intelectual e pesquisas em torno da litera-
tura contemporânea na UNEB.
O livro Deslocamentos: retratos da literatura baiana contemporânea
resulta  da investigação de romances publicados por editoras baianas
no período de 2000-2014 e torna público dados que refletem não apenas
sobre as representações presentes nas obras, mas também sobre seus
autores e editoras, além de compor um esboço sobre o mercado edito-
rial do período. O grande diferencial deste livro é investigar, por meio de
pesquisa estatística e qualitativa, as representações forjadas no corpo das
narrativas, compondo retratos da literatura publicada na Bahia no início
do  século XXI, bem como debruçar-se sobre o mercado editorial baiano
deste período, o que o torna material salutar para estudiosos(as) do campo
literário brasileiro que se desdobra a partir da Bahia.

ISBN 978-65-5630-324-6

9 786556 303246

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