LIVRO Aspectos Linguisticos Da Libras
LIVRO Aspectos Linguisticos Da Libras
LIVRO Aspectos Linguisticos Da Libras
Flávia Valente
Aspectos Linguísticos
da Libras
ISBN: 978-85-387-1870-3
CDD 415
Flávia Valente
O nível fonológico..................................................................... 51
O que é fonologia?..................................................................................................................... 52
A organização fonológica da Libras.................................................................................... 53
Análise de configurações de mão........................................................................................ 56
Para que uma fonologia da Libras?...................................................................................... 64
O nível morfológico.................................................................. 75
O que é morfologia?.................................................................................................................. 75
Processos de formação de palavras..................................................................................... 83
Flexão nas línguas de sinais.................................................................................................... 90
O léxico da Libras....................................................................................................................... 96
O nível sintático I.....................................................................107
O que é sintaxe?........................................................................................................................107
Apontamentos úteis
ao cotidiano do tradutor-intérprete.................................203
O uso do espaço.......................................................................................................................203
A gestualidade na Libras.......................................................................................................213
Norma culta e padrão: níveis de (in)formalidade.........................................................215
Classificadores..........................................................................227
Classificadores nas línguas faladas....................................................................................227
Classificadores nas línguas de sinais.................................................................................230
Tipos de classificadores..........................................................................................................230
Alguns empregos de classificadores na Libras..............................................................236
Apresentação
Neste curso, caro estudante, você terá a oportunidade de refletir sobre uma
das características que separa o ser humano de qualquer outra espécie animal:
a língua. Perceberá, ao longo das discussões, que existe um fenômeno, chamado
linguagem, no qual as línguas se inserem. Entre as várias línguas existentes, há
similaridades e singularidades, o que se depreende, por exemplo, das inúmeras
comparações entre a Libras e a língua portuguesa durante o desenvolvimento
das aulas-texto contidas no seu material impresso.
Estar a par das diferenças e semelhanças entre as línguas citadas acima é uma
condição necessária para que a Libras seja respeitada quanto ao seu estatuto de
língua independente, o que lhe atribui a possibilidade de ser estudada sob um
ponto de vista científico, de modo a desmistificar quaisquer mitos ainda existen-
tes em relação a ela. Além disso, aos que pretendem se tornar usuários fluentes
dessa língua visual, é imprescindível conhecer as particularidades da Libras, as-
sunto do qual esta disciplina também se ocupa.
As autoras
Conhecendo uma língua
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Conhecendo uma língua
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Conhecendo uma língua
Essa capacidade inata apontada pelo autor leva também à diferença entre
competência linguística e desempenho linguístico. A primeira diz respeito ao
conhecimento do sistema linguístico que o falante tem de sua língua e que lhe
permite produzir o conjunto de sentenças da mesma. É um conjunto de regras
que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata
para a aquisição da língua que ouviu desde a infância. O desempenho é o com-
portamento linguístico resultante daquelas regras aliadas a outras variantes:
convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante quanto ao que diz,
pressupostos sobre as atitudes do interlocutor, condições fisiológicas (de fona-
ção) etc. A competência é o que o falante, inconscientemente, sabe sobre sua
língua; o desempenho é o uso, ou melhor, é o resultado do uso que ele faz desse
saber, conhecimento. Para Chomsky, o desempenho pressupõe a competência,
mas a competência não pressupõe o desempenho.
Para encerrar essa seção, é possível dizer, com base no exposto, que as lín-
guas naturais, em número muito diversificado, são manifestações de algo mais
geral, a linguagem, e que as línguas são um meio de interpretar, organizar e
categorizar o mundo, atribuir sentido ao que está ao nosso redor, sendo que
cada língua pode focar ou realçar partes diferentes de uma mesma realidade.
Por exemplo, em países em que a ocorrência de neve é constante, os falantes
possuem, muitas vezes, palavras específicas para certos tipos de neve, o que não
é muito comum em países em que a neve não faz parte do cotidiano dos falan-
tes, os quais acabam empregando apenas uma palavra ou um menor número
de palavras relacionadas ao conceito de “neve”. Essa capacidade de interpretar
e fazer um recorte do mundo é, aliás, disponível apenas para os seres humanos,
como será visto a seguir.
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Conhecendo uma língua
Embora seja bem preciso, o sistema de comunicação das abelhas não consti-
tui uma linguagem no sentido em que o termo é empregado quando se trata de
linguagem humana. Isso por que existem diferenças entre o sistema de comuni-
cação das abelhas e a linguagem humana que coloca aquele em posição muito
distante do que pode ser considerado uma língua. Primeiramente, a mensagem
da abelha não provoca uma resposta, apenas uma conduta, portanto, não há
diálogo. Aliás, o tipo de conduta resultante – a busca pelo alimento – é sempre
a mesma. No caso da espécie humana, as respostas e condutas possíveis após
a recepção de uma mensagem são inúmeras e imprevisíveis. Essa não possibi-
lidade de mudança de conduta, em certa medida, tem relação com o fato de
que a comunicação da abelha se refere apenas a um dado objetivo, fruto da
experiência. A abelha não constrói uma mensagem a partir de outra mensagem.
A linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto à experiência,
apto a ser transmitido infinitamente no tempo e espaço.
Com isso, pode-se concluir, sem medo de errar, que a comunicação das abe-
lhas não é linguagem no sentido em que se fala de uma linguagem humana.
Alguns de vocês podem estar considerando a comparação com as abelhas um
tanto “injusta”, principalmente se se lembraram dos papagaios. A essa altura,
a pergunta que alguns gostariam de fazer é: Mas e o caso dos papagaios, que
falam?
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Conhecendo uma língua
O prédio queimou.
Pelo fato de que uma estrutura depende da outra é que conseguimos en-
tender os enunciados acima. Como bons usuários do português, enten-
demos que “da esquina” está vinculado ao prédio da mesma forma que
“eu vi construir” e “quando era jovem”, sendo que isso não impede que o
conteúdo fundamental – “o prédio queimou” – seja compreendido.
Outro ponto a ser visitado se trata das funções da linguagem, ou seja, para
que empregamos a língua, assunto tratado na próxima seção.
Funções da linguagem
Quanto à característica da versatilidade das línguas naturais vista na seção
anterior, cabe um aprofundamento no que diz respeito às funções da lingua-
gem, isto é, os usos que podem ser feitos da linguagem verbal – língua. Quem
muito contribuiu para o estabelecimento das funções da linguagem foi Roman
Jakobson (1896-1982), que acreditava que a linguagem deve ser examinada
em toda variedade de suas funções. Para apontar as diferentes funções, o autor
levou em conta em que elemento (remetente, destinatário, referente, mensa-
gem, contato e código) do processo comunicativo por ele proposto estaria cen-
trada a comunicação:
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Conhecendo uma língua
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Conhecendo uma língua
Fonética e fonologia
A fonética e fonologia são dois níveis cuja análise se entrecruza, trabalhando
a partir de um “mesmo” ponto de partida, o som. A fonética é a área da Linguísti-
ca que se ocupa da descrição e análise da massa amorfa (sem forma, que não se
distingue, indecifrável) fônica. Seu objeto de estudo é o som, como ele é produ-
zido, quais as características dos sons da fala (fones), língua, que os diferencia de
outros sons (música, barulhos, grunhidos etc.). Nesse nível não há preocupação
com significado, com o valor dos sons para uma língua em particular, apenas com
características físicas, acústicas e articulatórias da fonação (emissão dos sons da
fala). A fonologia, por outro lado, trabalha com sons, mas não apenas isso, não
apenas o som em si mesmo. Antes, está preocupada em descrever o valor de
determinados sons para línguas em particular. Na fonologia, então, estuda-se o
caráter propriamente linguístico desses sons. Isso significa que os sons são ana-
lisados em termos das relações que eles estabelecem entre si, e dos valores que
eles têm dentro de um determinado sistema linguístico.
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Conhecendo uma língua
Morfologia
Acima dos níveis fonético e fonológico, há o morfológico, tradicionalmente
identificado como a área responsável pelo estudo da palavra. Nesse nível, a aten-
ção recai para como os fonemas se combinam para formar morfemas e como
estes formam as palavras.
Para uma melhor compreensão, é preciso que se tenha em mente que o mor-
fema é a menor unidade significativa linguística, ou seja, uma função que une
um significante a um significado. Não esqueça de que o fonema distingue sig-
nificados, mas ele mesmo não carrega significado. Uma palavra do português
como “sim”, por exemplo, é um morfema. Ela não pode ser dividida em unidades
menores, que tenham significante e significado. Já uma palavra como “cozinhei-
ro” é composta por três morfemas: [cozinh–], [–eir–], e [–o]. Cada um desses mor-
femas apresenta um significante (a forma, o próprio morfema) e um significado
(o conceito, ideia veiculada pelo morfema): [cozinh–] significa um local em que
se cozinha; [–eir–] significa, entre outras coisas, alguém que trabalha com um
determinado objeto ou em uma dada área; e [–o] é o morfema que significa o
gênero masculino.
Sintaxe
No nível de análise sintático, o objetivo é descobrir as regras internas da
língua que regem a estruturação dos enunciados, isto é, como as palavras se
organizam para formar sentenças. Note que não se está falando das regras da
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Conhecendo uma língua
Semântica e Pragmática
A formação de palavras, bem como a formação de sentenças, implica na vei-
culação de significados. Estes são objeto de estudo da Semântica. O problema é
que não é fácil definir o conceito de “significado”. Além disso, como a questão do
significado está fortemente ligada à do conhecimento, outro problema que se
levanta é o da relação entre linguagem e mundo, e de que forma o conhecimen-
to se torna possível. Como não há consenso entre os linguistas sobre essas ques-
tões, há várias semânticas. Cada uma, consequentemente, elege a sua noção de
significado, responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e
mundo e constitui, até certo ponto, uma teoria fechada, incomunicável com as
outras. Muitos linguistas gostam de fazer uma separação entre Semântica e Prag-
mática. De maneira geral, para eles, a Semântica trata da significação linguística
independentemente do uso que se faz da língua. A Pragmática, por outro lado,
teria como objeto o estudo da significação construída a partir do momento em
que a língua é posta em uso, ou seja, em uma determinada situação de fala.
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Conhecendo uma língua
Outros linguistas preferem não estabelecer uma distinção tão clara entre as duas
áreas de pesquisa, na medida em que acreditam que a significação das expres-
sões linguísticas só se constrói por inteiro quando a língua é posta em uso.
Texto complementar
E se... o mundo falasse a mesma língua
(ALMEIDA, 2002)
Mas uma língua unificada teria vida breve. Em pouco tempo, cada grupo
selecionaria os termos adequados ao seu ambiente e à sua cultura, diferen-
ciando novamente as linguagens. Enquanto os idiomas têm entre 2 000 e
20 000 palavras, uma língua mundial precisaria de mais de 25 000 termos,
para absorver, por exemplo, as 40 palavras que os esquimós dão para a cor
branca. No Saara, essas palavras seriam abandonadas em breve. “O latim era
uma língua unificada, mas dele saíram 10 ou 12 línguas latinas”, diz o profes-
sor de Filologia Românica da USP, Bruno Fregni Bassetto. É o que explica as
diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal.
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Conhecendo uma língua
A difusão dessa língua mundial seria delicada. E, com certeza, não have-
ria mistura com os idiomas locais. Onde houvesse resistência, a linguagem
original simplesmente predominaria. Trata-se de uma verdade histórica: as
línguas nunca se fundem – uma sempre predomina e a outra desaparece. Foi
o que houve na Gália, terra de Asterix e Obelix, onde viviam os celtas, com
sua própria língua. Quando os romanos conquistaram a região, impuseram o
latim, que foi adotado. Com mudanças de pronúncia e enxertos de palavras,
mas ainda latim.
Frase
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Conhecendo uma língua
Dicas de estudo
Crônica: “Estudo científico das línguas?”, de Sírio Possenti, em A Cor da Lín-
gua, 2002, p. 33-35.
Por ser uma crônica, o texto promove, numa linguagem acessível a leigos
no assunto, discussões em torno do fazer do linguista, tentando esclarecer
qual a sua tarefa e no que ela se diferencia em relação ao trabalho do gra-
mático.
Filme: Nell (1995), dirigido por Michael Apted.
O filme narra a história de uma jovem encontrada morando sozinha, dis-
tante do contato de qualquer outra pessoa que não fosse sua mãe, que
falecera. Entre outras coisas, aponta o choque entre o encontro de uma
pessoa “não civilizada” com o mundo “civilizado”.
O interesse particular quanto à questão da linguagem e língua recaí no
fato de que Nell, ao ser encontrada, apresenta uma linguagem verbal
muito diferente da falada pelas pessoas que a encontraram (o inglês). No
decorrer da história, o médico e a psicóloga que lidam com Nell acabam
por concluir que a linguagem que ela apresenta é, na verdade, uma “va-
riedade” do inglês, e que todas as características que atribuíam uma na-
tureza distinta do inglês falado pelos dois se devia a fatores como Nell ter
convivido apenas com sua mãe e irmã – ambas já mortas no momento em
que ela é descoberta –, à mãe de Nell ter um problema de fala ocasionado
por paralisia facial, o que acabou se refletindo na fala das filhas, e por Nell,
como é comum a muitas crianças, ter criado uma forma distinta de co-
municação que apenas ela e sua irmã conheciam, o que também acabou
sendo transportado para a sua fala, já que sua convivência se limitava a
sua mãe e irmã. O filme nos leva à reflexão, por um meio palpável, sobre
o que é uma língua, como identificá-la e como ela interfere na construção
do entendimento do mundo e cultura ao nosso redor.
Artigo: “Fonética”, de Raquel Santana Santos e Paulo Chagas de Souza, do
livro Introdução à Linguística II, de José Luiz Fiorin, editora Contexto, 2003.
Este artigo é muito interessante para se ter uma noção introdutória a res-
peito dos aspectos próprios à Fonética tanto de línguas orais como da lín-
gua de sinais. Além desse artigo inicial há os demais que constituem uma
fonte segura da qual o aluno pode incrementar seu conhecimento sobre
as demais áreas da Linguística.
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Atividades
1. Discuta, definindo e dando exemplos, a propriedade de dupla articulação da
linguagem e por que ela gera economia para as línguas.
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Referências
ALMEIDA, Lizandra Magon de Almeida. E se... o mundo falasse a mesma língua.
Superinteressante, ed. 177, jun./2002. Disponível em: <http://super.abril.com.
br/cultura/se-mundo-falasse-mesma-lingua-443082.shtml>. Acesso em: 23 ago.
2010.
BARROS, Diana Pessoa de. A comunicação humana. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.).
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar que a dupla articulação da língua é um
fator de economia, pois permite que com um número limitado de fonemas
sejam construídos um número ilimitado de morfemas, material com o qual
as palavras são formadas. Deve atentar também para o fato de que a primei-
ra articulação, a morfológica, está no plano do conteúdo, posto que veicula
significado, já a segunda articulação, a fonológica, está no plano da forma, já
que não veicula significado.
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