A AIA - Texto+compreensão
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Português
Nome: _________________Nº____Ano/Turma:_________Data:________________
A AIA
Desses inimigos o mais temeroso era seu tio, irmão bastardo do rei, homem depravado e bravio,
consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por causa dos seus tesouros, e que havia anos vivia
num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia no seu fojo,
espera a presa. Ai! a presa agora era aquela criancinha, rei de mama, senhor de tantas províncias, e que dormia
no seu berço com seu guizo de ouro fechado na mão!
Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço. Mas este era um escravozinho, filho da bela e robusta
escrava que amamentava o príncipe. Ambos tinham nascido na mesma noite de Verão. O mesmo seio os
criava. Quando a rainha, antes de adormecer, vinha beijar o principezinho, que tinha o cabelo louro e fino,
beijava também por amor dele o escravozinho, que tinha o cabelo negro e crespo. Os olhos de ambos reluziam
como pedras preciosas. Somente, o berço de um era magnífico e de marfim, entre brocados – e o berço do
outro pobre e de verga. A leal escrava, porém, a ambos cercava de carinho igual, porque se um era o seu filho
– o outro seria o seu rei.
Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus
senhores. Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei
morto à beira do grande rio. Pertencia, porém, a uma raça que acredita que a
vida da terra se continua no Céu. O rei seu amo, decerto, já estaria agora
reinando num outro reino, para além das nuvens, abundante também em searas
e cidades. O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido
com ele às alturas. Os seus vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam,
nesse reino celeste, retomar em torno dele a sua vassalagem. E ela um dia, por
seu turno, remontaria num raio de luz a habitar o palácio do seu senhor, e a fiar de novo o linho das suas
túnicas, e a acender de novo a caçoleta dos seus perfumes; seria no Céu como fora na terra, e feliz na sua
servidão.
Todavia, também ela tremia pelo seu principezinho! Quantas vezes, com ele pendurado do peito,
pensava na sua fragilidade, na sua longa infância, nos anos lentos que correriam antes que ele fosse ao menos
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do tamanho de uma espada, e naquele tio cruel, de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a
face, faminto do trono, e espreitando de cima do seu rochedo entre os alfanges da sua horda! Pobre
principezinho da sua alma! Com uma ternura maior o apertava então nos braços. Mas se o seu filho chalrava
ao lado – era para ele que os seus braços corriam com um ardor mais feliz. Esse, na sua indigência, nada tinha
a recear da vida. Desgraças, assaltos da sorte má nunca o poderiam deixar mais despido das glórias e bens do
mundo do que já estava ali no seu berço, sob o pedaço de linho branco que resguardava a sua nudez. A
existência, na verdade, era para ele mais preciosa e digna de ser conservada do que a do seu príncipe, porque
nenhum dos duros cuidados com que ela enegrece a alma dos senhores roçaria sequer a sua alma livre e
simples de escravo. E, como se o amasse mais por aquela humildade ditosa, cobria o seu corpinho gordo de
beijos pesados e devoradores – dos beijos que ela fazia ligeiros sobre as mãos do seu príncipe.
No entanto, um grande temor enchia o palácio, onde agora reinava uma mulher entre mulheres. O
bastardo, o homem de rapina, que errava no cimo das serras, descera à planície com a sua horda, e já através
de casais e aldeias felizes ia deixando um sulco de matança e ruínas. As portas da cidade tinham sido seguras
com cadeias mais fortes. Nas atalaias ardiam lumes mais altos. Mas à defesa faltava disciplina viril. Uma roca
não governa como uma espada. Toda a nobreza fiel perecera na grande batalha. E a rainha desventurosa
apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu filhinho e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva. Só a
ama leal parecia segura – como se os braços em que estreitava o seu príncipe fossem muralhas de uma
cidadela que nenhuma audácia pode transpor.
O príncipe dormia no seu novo berço. A ama ficara imóvel no silêncio e na treva.
Mas brados de alarme atroaram de repente o palácio. Pelas janelas perpassou o longo flamejar das
tochas. Os pátios ressoavam com o bater das armas. E desgrenhada, quase nua, a rainha invadiu a câmara,
entre as aias, gritando pelo seu filho. Ao avistar o berço de marfim, com as roupas desmanchadas, vazio, caiu
sobre as lajes, num choro, despedaçada. Então calada, muito lenta, muito pálida, a ama descobriu o pobre
berço de verga… O príncipe lá estava, quieto, adormecido, num sonho que o fazia sorrir, lhe iluminava toda a
face entre os seus cabelos de ouro. A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto.
E nesse instante um novo clamor abalou a galeria de mármore. Era o capitão dos guardas, a sua gente
fiel. Nos seus clamores havia, porém, mais tristeza que triunfo. O bastardo morrera! Colhido, ao fugir, entre o
palácio e a cidadela, esmagado pela forte legião de archeiros, sucumbira, ele e vinte da sua horda. O seu corpo
lá ficara, com flechas no flanco, numa poça de sangue. Mas ai! dor sem nome! O corpozinho tenro do príncipe
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lá ficara também, envolto num manto, já frio, roxo ainda das mãos ferozes que o tinham esganado!… Assim
tumultuosamente lançavam a nova cruel os homens de armas – quando a rainha, deslumbrada, com lágrimas
entre risos, ergueu nos braços, para lho mostrar, o príncipe que despertara.
Foi um espanto, uma aclamação. Quem o salvara? Quem?… Lá estava junto do berço de marfim
vazio, muda e hirta, aquela que o salvara! Serva sublimemente leal! Fora ela que, para conservar a vida ao seu
príncipe, mandara à morte o seu filho… Então, só então, a mãe ditosa, emergindo da sua alegria extática,
abraçou apaixonadamente a mãe dolorosa, e a beijou, e lhe chamou irmã do seu coração… E de entre aquela
multidão que se apertava na galeria veio uma nova, ardente aclamação, com súplicas de que fosse
recompensada, magnificamente, a serva admirável que salvara o rei e o reino.
Mas como? Que bolsas de ouro podem pagar um filho? Então um velho de casta nobre lembrou que
ela fosse levada ao tesouro real, e escolhesse de entre essas riquezas, que eram como as maiores dos maiores
tesouros da Índia, todas as que o seu desejo apetecesse…
A rainha tomou a mão da serva. E sem que a sua face de mármore perdesse a rigidez, com um andar de
morta, como num sonho, ela foi assim conduzida para a Câmara dos Tesouros. Senhores, aias, homens de
armas, seguiam num respeito tão comovido que apenas se ouvia o roçar das sandálias nas lajes. As espessas
portas do Tesouro rodaram lentamente. E, quando um servo destrancou as janelas, a luz da madrugada, já
clara e rósea, entrando pelos gradeamentos de ferro, acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de ouro e
pedrarias! Do chão de rocha até às sombrias abóbadas, por toda a câmara, reluziam, cintilavam, refulgiam os
escudos de ouro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de
pérolas, todas as riquezas daquele reino, acumuladas por cem reis durante vinte séculos. Um longo ah, lento e
maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um silêncio, ansioso. E no meio da
câmara, envolta na refulgência preciosa, a ama não se movia… Apenas os seus olhos, brilhantes e secos, se
tinham erguido para aquele céu que, além das grades, se tingia de rosa e de ouro. Era lá, nesse céu fresco de
madrugada, que estava agora o seu menino. Estava lá, e já o Sol se erguia, e era tarde, e o seu menino chorava
decerto, e procurava o seu peito!… Então a ama sorriu e estendeu a mão. Todos seguiam, sem respirar, aquele
lento mover da sua mão aberta. Que joia maravilhosa, que fio de diamantes, que
punhado de rubis, ia ela escolher?
COMPREENSÃO
1.1. Quanto ao relevo desta personagem na ação, que informação podemos deduzir do título do
conto?
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2. Neste conto, a estrutura da narrativa divide-se, como é habitual, em introdução (ou situação inicial),
desenvolvimento e conclusão (desenlace). Identifica cada uma destas partes do texto,
preenchendo o seguinte esquema numa folha à parte, para ser posteriormente colocada no teu
portefólio.
7. Explicita a expressividade da comparação «arrancou a criança, como se arranca uma bolsa de ouro»
(linhas 23 e 24).
8. Na tua opinião, por que motivo é que as personagens deste conto nunca são identificadas pelo
nome?
9. Faz a caracterização física e psicológica da aia.
9.1. Indica os processos de caracterização e, para isso, consulta o quadro dado no fim deste
questionário.
9.2. A veneração da aia “aos seus senhores” é equiparada à devoção de um crente a um deus.
Transcreve a frase que o indica.
10.1 Quais eram os motivos para considerar que o tio era o pior dos adversários do principezinho?
11. “Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço”. Que aspetos aproximavam e distinguiam as duas
crianças?
12. Comprova, com expressões do texto, que as referências temporais são imprecisas.
14. Neste conto, além dos espaços físicos, podemos identificar um espaço social. Identifica-o.
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16. Podemos considerar que o narrador é subjetivo, dado que deixa transparecer alguma parcialidade
em relação às personagens. Comprova esta afirmação, retirando exemplos do quarto parágrafo.
17. São vários os recursos expressivos existentes no conto. Associa, na folha de respostas, a
correspondência entre os recursos indicados na primeira coluna e os exemplos na segunda.
d. Dupla adjetivação 3. “vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de
rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia no seu
e. Interjeições e frases fojo, espera a presa.”
exclamativas e
interrogativas 4. “Somente, o berço de um era magnífico e de marfim,
entre brocados – e o berço do outro pobre e de verga.”
f. Uso expressivo do
advérbio com valor 5. “Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas.”
de modo
6. “…de face mais escura que a noite…”
CATEGORIAS DA NARRATIVA
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Relevância dos Principal- constituída pelos acontecimentos
acontecimentos principais.
Secundária - constituída pelos acontecimentos
menos relevantes.