Vítima em Processo Penal
Vítima em Processo Penal
Vítima em Processo Penal
INDÍCE
INTRODUÇÃO .……………………………………………………………. 3
A - OBSERVAÇÃO DOS CONCEITOS …………………………………. 5
D.3 – Será a tese restritiva aceitável à luz dos actuais estudos vitimológicos?
……………………………………………………………………………………….. 28
1
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
G – CONCLUSÃO ………………………………………………………… 41
H – BIBLIOGRAFIA ……………………………………………………… 47
2
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
INTRODUÇÃO
“Em suma … tem de constatar-se que ao cabo de quarenta anos de análise vitimológica
… a vítima e o interesse quanto à sua protecção surgem fortalecidos e necessitando de
continuar a ser acentuados”.
A temática que nos propomos abordar no presente trabalho, disponibilizado para exame
e crítica, versa sobre a vítima no direito processual penal.
O processo penal foi, no século XX, o processo do arguido, nos seus direitos e deveres,
enquanto as vítimas eram completamente secundarizadas. Salvo, honrosas excepções no
ordenamento jurídico português - através da concessão do estatuto de assistente - a
vítima não dispõe ou dispõe minimamente de espaço de actuação no decurso do
processo penal, centrado no conflito entre o Estado e o arguido.
3
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
No entanto, ao longo das duas últimas duas décadas tem-se caminhado no sentido de
uma maior abertura no acesso ao estatuto de assistente. Para tal trilham dois caminhos:
uns através da reelaboração do conceito de bem jurídico, outros, porém, propondo um
conceito amplo de ofendido.
Feita a presente introdução, é nossa pretensão apresentar uma exposição, tanto quanto
possível rigorosa e exaustiva, da vítima no ordenamento jurídico português,
designadamente no ramo processual penal, partindo de uma análise conceitual
(Vítima/Ofendido/Assistente), até à explanação da tutela do ofendido no código
processual penal.
4
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Na definição do vocabulário jurídico a palavra vítima vem do latim victima, por regra
entende-se toda a pessoa que é sacrificada nos seus interesses, que sofre um dano ou é
atingida por um qualquer mal. Na linguagem penal, sem fugir ao sentido comum,
designa o sujeito passivo de um crime1.
1
A palavra vítima é uma palavra usada em sentido criminológico, é mais usada em
criminologia (ciência que estuda a causa dos crimes) do que em processo penal, é por
isso que no Código Penal não encontramos a palavra vítima.
5
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Costa Andrade define a vítima como toda a pessoa física ou entidade colectiva
directamente atingida, contra a sua vontade, na sua pessoa ou no seu património, pelo
facto ilícito3. Na sua monografia, o autor, Costa Andrade defende um conceito restrito
de vítima, coincidente com o conceito restrito de ofendido, no qual cabe apenas a pessoa
directamente atingida pelo crime. Entendeu que não era congruente identificar a vítima
com abstracções como a “ordem jurídica”, “moral” ou “económica” pois nem todo o
crime tem uma vítima.
Por sua vez o autor Garcia Pablos fala num processo de despersonalização, anonimato e
colectivização da vítima4. Em termos comparativos, se a primeira orientação é
excessivamente restritiva, pois esquece a vítima num conceito abstracto, denominando-
os de vítima abstracta quando inexiste uma vítima primária ou específica mas se verifica
a dispersão dos seus efeitos negativos por uma vítima volatizante, já a segunda
transforma a vítima num conceito abstracto, que engloba pessoas colectivas num
conceito abstracto, a sociedade, e a comunidade internacional, ou seja: vítima acaba por
ser todo o titular de um interesse juridicamente protegido afectado pela prática do crime.
Cancio Meliá5, defende, nesta linha que o conceito de vítima comporte um elemento
pessoal, a referência a pessoas «de carne e osso», englobando, no limite a vítima difusa,
isto é, o sujeito imerso nas relações sociais ou o sujeito social.
2
O conceito de vítima é um conceito multívoco, na teoria criminológica.
3
COSTA ANDRADE, A Vítima e o Problema Criminal, 1980, pág. 36 segs..
4
GARCIA-PABLOS, Criminologia, p. 122 e segs..
5
Cf. CANCIO MELIÁ, Conduta de la víctima, pág. 225 e segs.
6
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
A preocupação por um direito Penal o mais humanizado possível não pode deixar de
fora a vítima do crime uma vez que, apenas será compreendido e aceite pelos cidadãos,
na sua qualidade de potenciais vítimas de crimes, quando o Estado e a sociedade se
preocuparem pelo destino das vítimas e cuidarem delas de forma conveniente.
O conceito de ofendido, tal como foi defendido por Beleza dos Santos8 e que a
propósito escrevia “o que deve entender-se pela expressão partes particularmente
ofendidas? Penso que devem assim considerar-se os titulares dos interesses que a lei
quis especialmente proteger quando formulou a norma penal. Quando prevê e pune os
crimes, o legislador quis defender certos interesses: o interesse da vida no homicídio, o
6
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português,
Volume II, 1997, pág. 167.
7
Cf. Artigo 32.º n.º 7 da CRP.
8
BELEZA DOS SANTOS, “Partes Particularmente Ofendidas em Processo Criminal”,
RLJ, ano 57, pág. 2.
7
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
9
Negrito nosso.
10
Cf. Para uma resenha histórica do conceito de ofendido, o Acórdão n.º 254/98,
publicado em Diário da República II serie, de 6 de Novembro de 1998, assim como,
Acórdão n.º 690/98, publicado em Diário da República II série, de 8 de Março de 1999.
8
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
reforma de 1837 seguia uma orientação diferente consagrando que nos crimes públicos
só era permitido acusar ao Ministério Público e aos ofendidos.
Beleza dos Santos conclui, portanto, que a evolução era restritiva, conferindo poderes
processuais não a qualquer ofendido ou queixoso, como se fazia anteriormente, mas só e
apenas às partes particularmente ofendidas, ou seja, àquelas que o crime atingiu
directamente.
O último argumento, a nível de interpretação literal, tem por base a doutrina que
considera mais correcta a interpretação do texto da lei, nomeadamente do excerto
“partes particularmente ofendidas” e assimila que são só estes os titulares do interesse
que a lei teve especialmente por fim proteger quando previu e puniu a infracção. Por
outras palavras e de acordo com o conceito restrito de ofendido, se este não ocupar a
posição central da tutela, uma vez que o tipo incriminador pode tutelar um bem ou um
interesse jurídico pessoal, o seu titular não deve ser considerado ofendido.
Apesar de possuir uma longa tradição no nosso direito processual penal - o conceito
restrito de ofendido – surgiram autores que defendiam um alargamento deste conceito
de forma a incluir no conjunto de pessoas com legitimidade para se tornar parte
11
Cf. Na doutrina BELEZA DOS SANTOS “Partes Particularmente Ofendidas em
Processo Criminal”, RLJ, ano 57, pág. 2 e segs.; CAVALEIRO FERREIRA, Curso de
Processo Penal, Vol. I, p. 129 com significado, na jurisprudência o Acórdão do STJ de
66.1.5, BMJ 153-133.
9
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Foi o Decreto-Lei n.º 35007 que procurou obviar aos aspectos mais sensíveis desta
desvantagem e que acentuou o carácter público da acção penal, terminando com a
existência de partes acusadoras e transformando os particulares em meros sujeitos
acessórios que apenas auxiliam, de forma subsidiária, a actuação do Ministério Público,
sendo simples assistentes deste.
12
FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Volume I, 1981, pág. 509 a 510.
10
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
O Professor Faria Costa13, por sua vez, assinala, que a lei penal não exige que o
ofendido seja titular do direito protegido pela incriminação. O n.º 1 do artigo 113.º do
Código Penal menciona expressamente o «titular dos interesses» o que significa que
pode ser reconhecida legitimidade para o exercício de direitos processuais do ofendido
a quem represente simplesmente um interesse, sem ser titular do direito.”
Como é sabido entre nós, o Assistente é uma figura característica do Direito Processual
Penal Português, ou seja, trata-se de um instituto que não encontra grande
correspondência no Direito Comparado15, no sentido de uma intervenção mais coesa da
vítima no processo.
13
Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 30 e segs.
14
Nos crimes públicos, o MP não se encontra condicionado por qualquer actividade do
ofendido, o que significa que a intervenção do assistente passa a ser desnecessária para
desencadear ou prosseguir o processo.
15
Como escreve DAMIÃO DA CUNHA, “algumas reflexões sobre o estatuto do
Assistente e seu Representante no Direito Processual Penal Português”, RPCC, Ano 5,
1995, pág. 153. «A figura do assistente corresponde a uma especificidade do processo
11
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Os assistentes actuam como colaboradores do Ministério Público mas tal como alerta o
Professor Figueiredo Dias um colaborador/auxiliar do Ministério Público com poderes
de conformação autónomos, que lhe permitem divergir do MP16. A actividade do MP é,
em todo o caso, dominante no que respeita à do assistente e em muitos casos pode até
condicionar o destino do processo, sem que o assistente nada possa fazer, não olvidando
as excepções em que o assistente pode actuar com autonomia, verba gratia nas
situações de arquivamento em caso de dispensa de pena (artigo 280.º), na limitação de
competência do tribunal ao abrigo do artigo 16.º nº 3 e nos casos de requerimento para
aplicação de pena em processo sumaríssimo (artigo nº 392.º).
penal. Pois, não se encontra uma figura análoga no direito comparado e pode dizer-se
ainda que significa uma peculiaridade face os cânones tradicionais do processo penal,
centrado na tríade “Tribunal/M.P./arguido”».
No código de processo penal de 1929, a intervenção dos particulares (não arguidos) no
processo criminal era latamente permitida, sendo-lhes conferidos amplos poderes
processuais de participação, como autênticas partes principais, com posição quase
paralela à do Ministério Público». Esta situação alterou-se com a entrada em vigor do
DL 35.007 de 13-10-1945, onde o exercício da acção penal pertence ao Ministério
Público como órgão do Estado. O direito de punir é um direito exclusivo do Estado e
por isso os particulares, nos termos que a lei determina colabora no exercício da acção
penal com o Ministério Público.
16
Cf. Artigos 284.º n.º 1, 287.º n.º 1 al. b), 13.º n.º 2, 69.º n.º 2 al. c), todos do CPP.
17
Os crimes públicos, são aqueles em que o MP promove o processo por sua iniciativa,
em que ele tem sempre legitimidade para promover o processo penal.
18
Os crimes semipúblicos são aqueles em que a promoção do processo pelo MP
depende de um acto de outrem, nomeadamente, do titular do direito de queixa (Cf.
12
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
se em formas de auxílio a este órgão. No que respeita aos crimes particulares 19, a
posição de colaborador do assistente relativamente ao Ministério Público não é
transparente. O assistente pode condicionar o procedimento criminal, no sentido que,
pode limitar o objecto do processo, perdoar ao arguido os crimes pelos quais não deduz
acusação e podendo submeter sempre a sua acusação particular independentemente da
apreciação pelo Tribunal. Contudo, a acção penal nunca poderá ser exercida
autonomamente pelo assistente, pois cabe em exclusivo ao MP.
A.4 - Resumindo:
A intervenção dos particulares no processo penal é, por muitos, contestada por poder
constituir um factor de perturbação. Não é de esperar do particular a objectividade e
Artigo 49.º n.º 1 do CPP e artigo 113.º do CP). A apresentação de queixa funciona como
condição de procedibilidade, inserindo-se no campo processual. Sem que o titular deste
direito o exerça o Ministério Público carece de legitimidade para a acção. O legislador
colocou na disponibilidade do titular do direito a possibilidade de ser ou não instaurado
processo contra o infractor.
19
Os crimes particulares, são aqueles em que, para o exercício da acção penal é
necessário que se verifique a condição de procedibilidade exercício do direito de queixa
pelo seu titular e a constituição de assistente e, depois de recolhidos indícios, a dedução
de acusação (Cf. n.º 1 do artigo 50.º e n.º 1 do artigo 285.º ambos do CPP).
20
GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal 1, 2010, pág. 355.
13
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
imparcialidade que devem informar o processo penal, contudo, tal intervenção é olhada
por muitos como uma «relevante democrática instituição». Não esqueçamos que em
grande número de casos quem primeiramente sofre o mal do crime são os particulares,
dai que uma participação activa lhes permita uma satisfação pela ofensa sofrida.
14
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
B.1 – Generalidades
Decorre do artigo 68.º do CPP quem são as pessoas ou entidades com legitimidade para
se constituírem assistentes. A alínea a) do nº 1 do artigo supra refere-se aos ofendidos: “
Podem constitui-se assistentes (…) Os ofendidos, considerando-se como tais os
titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação
desde que maiores de 16 anos”.23
15
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
24
V. Artigos 68.º nº 2 e nº 4 do CPP.
25
Cf. Artigo 164.º do EOA.
26
V. artigo 70.º nº 2 do CPP.
16
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
- interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público não o
tenha feito;
27
A queixa é a expressão de vontade do titular do respectivo direito, manifestada por
requerimento, na forma e prazo previstos na lei para que se proceda criminalmente
contra alguém pela prática de um crime.
17
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
No que respeita aos crimes públicos e semi-públicos, o assistente dispõe de 10 dias após
a notificação da acusação do MP para, também ele, deduzir acusação pela totalidade dos
factos acusados pelo MP, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração
substancial daqueles2829.
A fase de instrução é uma fase de controlo, daí que, em bom rigor, terminada a fase de
inquérito com a acusação ou o despacho de arquivamento e aberta a fase de instrução
apenas se pode submeter a decisão do MP a um controlo por parte do Juiz de
28
Segundo o artigo 1.º nº 1 al. f), alteração substancial dos factos corresponde aquela
que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos
limites máximos das sanções aplicáveis.
29
Cf. o artigo 284.º nº 1 e 49.º, ambos do CPP.
30
V. o artigo 284.º n-º 2 al. a).
31
Cf. GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal 1, 2010, p. 364,
“No domínio da lei anterior, o DL 35 007 de Outubro de 1945, dispunha também que
competia ao assistente formular a acusação independentemente da do Ministério
público. Esta norma foi objecto de larga querela na doutrina, confrontando-se duas
posições: uma que defendia que o assistente só poderia acusar se o Ministério Público
também acusasse e outra que entendia que o assistente poderia acusar mesmo se o
Ministério Público se abstivesse de acusar. Esta última orientação era a dominante e nos
últimos tempos praticamente unânime, mas não foi a que veio a ser consagrada no
Código vigente”.
18
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Instrução.32 A fase de instrução é uma fase de controlo judicial da decisão tomada pelo
Ministério Público ou pelo assistente no final do inquérito.
32
Para a DOUTORA MARIA JOÃO ANTUNES a finalidade da Instrução é controlar
a decisão do Ministério Público. Isto decorre claramente do artigo 286.º nº 1 do CPP.
Portanto a Doutora Maria João Antunes não concorda, com os autores que vêm a
instrução como um suplemento autónomo de investigação.
33
V. o artigo 307.º do CPP.
19
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Por fim, o assistente tem legitimidade para recorrer das decisões que o afectem,
conforme disposto nos artigos 69.º nº 2, al. c) e 401.º nº , al. b) ambos do CPP. Tem
legitimidade para recorrer das decisões contrárias às pretensões sustentadas no processo
mesmo que o Ministério o não tenha feito. Para este efeito é irrelevante a natureza do
crime em causa.
O recurso é um “remédio” que tem por fim corrigir eventuais deficiências de uma
decisão e tem por finalidade uma mais perfeita actividade jurisdicional34.
A legitimidade do assistente para recorrer é mais restrita que a do Ministério Público até
porque este último pode recorrer de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo
interesse da defesa, e aquele apenas pode recorrer das decisões contra ele proferidas, tal
como o arguido. Sendo o interesse em agir um pressuposto do recurso é de crer que tal
limitação é mera consequência ou aplicação do interesse em agir.
Tem sido entendido pela jurisprudência dominante que o assistente, salvo quando
demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, não tem legitimidade para recorrer
relativamente à espécie e medida da pena.
De acordo com o artigo 399.º e 401.º nº 1 al. b) do CPP veda-se o direito do assistente,
que deduziu acusação ou acompanhou a acusação pública, de interpor autonomamente
recurso de absolvição, do despacho de não pronuncia ou de condenação em pena cuja
espécie ou medida se considera insuficientes (assento do STJ 8/99 de 10-08-199935).
34
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “Algumas Reflexões sobre o Estatuto do Assistente e
do seu Representante no Direito Processual Penal Português”, RPCC nº 5, 1995.
35
O Assento nº 8/99, de 2-7-98, DR nº 185, Série 1-A de 10-08-1999 fixou a seguinte
jurisprudência: «o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do
Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando
demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
20
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
interesses”. Esta doutrina justa além de imposta pela Constituição é também imposta
pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por força do artigo 8.º da CRP.
Apesar das dúvidas que pairam em torno desta matéria, Paulo Pinto de Albuquerque38
entende que o assistente tem o direito fundamental de interpor autonomamente recurso
da absolvição, do despacho de não pronúncia ou da condenação em pena cuja espécie
ou medida ele considera insuficientes, sempre que ele (assistente) deduza acusação ou
acompanhe a acusação pública, fundamentado tal entendimento com base no acórdão
464/2003 do Tribunal constitucional.
36
Dispõe o artigo 6.º nº 1 da CEDH: “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá quer sobre a
determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento
de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…)”
37
No âmbito do mesmo diploma dispõe o artigo 13.º: “qualquer pessoa cujos direitos e
liberdades reconhecidos na presente convenção tiverem sido violados tem direito a
recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida
por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.
38
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Os Princípios Estruturantes do Processo
Penal Português”, 2009, pág. 432..
39
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Os Princípios Estruturantes do Processo
Penal Português”, 2009, pág. 432/3..
21
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Nos crimes particulares é o assistente que decide se a causa vai ou não a julgamento, é
por isso que nós dizemos que os crimes particulares constituem uma excepção ao
princípio da oficialidade, isto é, o princípio da oficialidade é afastado nos seus dois
momentos, ou seja não é o Ministério Público que decide acerca da promoção
processual e num 2º momento também não é o Ministério Público que decide acerca da
submissão ou não da infracção a julgamento40, mas sim o assistente.
Note-se que o facto de neste tipo de crime, o assistente ter uma participação mais
autónoma em nada modifica a natureza pública do próprio processo, uma vez que, o
40
Nos crimes públicos vale inteiramente o princípio da oficialidade. Nos crimes semi-
públicos o MP só pode abrir inquérito depois de haver queixa, por isso não vale o 1º
momento do princípio da oficialidade.
22
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Por vezes os crimes têm natureza pouco grave, por isso, a comunidade não sente a
necessidade de reagir imediatamente contra o infractor. Assim, faz-se depender o
procedimento da iniciativa particular, se o ofendido considerar que não há necessidade
de reagir, a comunidade entende que o assunto não deve ser apreciado num processo
penal. No entanto pode acontecer que a existência de um processo penal seja mais
prejudicial para a vítima do que a inexistência desse processo, nestes casos, que podem
até constituir crimes graves, protege-se a intimidade da vítima e dá-se-lhes a
possibilidade de escolher se ao mal do crime, quer juntar o mal do processo (a título de
exemplo, os crimes sexuais), por vezes protege-se a intimidade das relações familiares
(como no caso de furto entre parentes).
Em suma, com este tipo de crime pretende-se ressalvar os interesses das vítimas em
razão da protecção da sua intimidade, em função de especiais razões pessoais entre a
vítima e o agente.
41
Está também presente uma ideia de descriminalização real, através da qual os
tribunais acabam por ficar mais aliviados.
23
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
24
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
D.1 - Generalidades
O primeiro argumento prende-se com a tradição legislativa, o CPP de 1929 (artigo 11.º)
e o Decreto-Lei nº 35007 de 13 de Outubro perfilha o conceito restrito de ofendido. A
definição do artigo 68.º do CPP que vem a coincidir com o artigo 113.º do CP, que
prevê quem é titular do direito de queixa, constitui um legado da tradição jurídica
Portuguesa.
42
V. o artigo 113.º do Código Penal.
43
Sublinhado nosso.
25
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Por último, entendem ainda os seguidores desta tese que esta é compatível com a
constituição, dado a lei fundamental44 não conter nem impor um conceito de ofendido,
concedendo ao legislador uma certa margem de conformação. Destarte, a Constituição
ao remeter para a lei ordinária a densificação do direito de intervir no processo, quis
deixar, na discricionariedade normativo-constitutiva do legislador a possibilidade de
determinação da universalidade de processos em que o ofendido pode intervir.
44
O direito de participação do ofendido no processo penal, apesar de já estabelecido em
lei ordinária foi introduzido pela Quarta Revisão constitucional, nomeadamente, porque
podem estar em causa direitos fundamentais, em especial direitos liberdades e garantias,
do ofendido no processo criminal. O artigo 32.º da Constituição Portuguesa no actual nº
7 visou, desta forma, dar dignidade constitucional ao direito do ofendido a intervir no
processo.
45
AUGUSTO SILVA DIAS, “A Tutela do Ofendido e a Posição do Assistente no
Processo Penal Português”, Jornadas de direito Processual Penal, 2004, pág. 57.
26
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Em finais do século passado, a par dos bens jurídicos individuais, surgiu uma nova
forma de titularidade dos bens jurídicos que exprime, também, uma nova forma de
cidadania. São os bens jurídicos supra individuais, que pertencem à sociedade civil, de
estrutura circular e titularidade intersubjectiva mas com objecto indivisível. Estes bens
jurídicos supra individuais, no plano processual, conduziram ao aparecimento da noção
de interesse difuso. Como exemplo paradigmático de bens jurídicos supra individuais
encontramos o ambiente e a qualidade e genuinidade de bens de consumo assimiláveis
pelo organismo humano. A acção popular penal foi prevista para estes domínios e
consagra um novo conceito de ofendido relacionado com a emergência de vítimas
difusas e de bens jurídicos pessoais difusos, fenómeno sociológico e normativo
produzido pela dinâmica das sociedades modernas vistas como sociedades de massas e
como sociedades do risco. Como forma de tutelar tais interesses, atribuem a qualquer
pessoa e a certas Associações o direito de queixa e a faculdade de se constituírem
assistentes, direitos, que, em regra, somente são conferidos ao ofendido.
Não deixa de ser curioso que, a própria vítima se possa vir a constituir assistente pelo
artigo 68.º nº 1 al. a) do CPP, por se considerar discutível que seja “titular do interesse
que a lei especialmente quis proteger com a incriminação” e, desta forma, ofendida.
Note-se que o conceito restrito de ofendido obriga à distinção entre objecto de tutela
mediato e objecto de tutela imediato pelo que não consegue atender à nova realidade do
bem jurídico supra individual.
Por outro lado, o conceito restrito de ofendido não se harmoniza com a opção político-
criminal do legislador processual de ampliar a área de abrangência do assistente patente
no artigo 68.º nº 1 al. e) do CPP. Tal artigo na sua alínea e) faculta a constituição de
assistente a qualquer pessoa nos crimes aí previstos, que tutelam em primeira linha
interesses públicos estando o assistente desligado do seu tradicional conceito restrito.
27
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Ora, o artigo 68.º nº 1 al. e) do CPP consagra a acção popular penal, pela qual o
legislador procurou contribuir para uma maior transparência na administração da
justiça. Podemos encontrar, em alguns crimes dos crimes previstos no artigo 68.º nº1 al
e) do CPP uma vítima determinada, contudo, não conseguimos sustentar a sua
constituição como assistente à luz do artigo 68.º nº1 al a) do CPP por o conceito restrito
de ofendido não o permitir. Revela-se um contra senso que no crime de peculato, que
supõe a verificação de um prejuízo numa empresa privada, se obste a que a própria
emprese se constitua assistente, por carecer de legitimidade material e se permita que
qualquer pessoa o faça nos termos da alínea e).
D.3 - Será a tese restritiva aceitável à luz dos actuais estudos vitimológicos?
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Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
A vítima intervém no processo com empenho, dedica-se à prova dos factos que
constituem o tipo de ilícito, trazendo os meios de prova que irão auxiliar a actuação do
Ministério Público. Deseja chegar à fase em que lhe é possível constituir-se como
assistente e acusar, ainda que, quando se trate de crime público, o tenha que fazer de
forma dependente da acusação elaborada pelo Ministério Público. Mais, ainda que
processo penal possa constituir uma cerimónia degradante, por todo o negativismo
implícito, a vítima, para sentir que o seu esforço não é em vão, não se importa de
percorrer todo o processo, de cabeça erguida, desde que se sinta vingada pela justiça e
restauradora do bem. Através do processo penal a vítima consegue a condenação do
delinquente e a respectiva censura da ordem jurídica por este ter violado a norma, em
suma, consegue sentir a aplicação da justiça esperada para o caso concreto.
Logo, a consideração de que o crime ofende interesses da comunidade não pode olvidar
o facto de que, num grande número de crimes, quem primeiro sofre as consequências
negativas são os particulares, e, por isso, a sua participação activa no processo permite a
satisfação pela ofensa sofrida, convencendo-os da efectivação da justiça e da
importância da sua colaboração no caso.
Como é sabido entre nós, a fase de instrução, situada entre a fase de inquérito e a fase de
julgamento, não é uma fase obrigatória. Ao seguir-se o conceito restrito de ofendido,
caso o MP ponha termo ao processo na fase de inquérito, a ausência de um ofendido
imediato impede que possa ter lugar a abertura da instrução, o que significa uma
diminuição sensível das possibilidades do controlo desta fase e de intervenção da vítima
no processo. Mesmo na fase de inquérito, fase por excelência no apuramento dos factos,
há ausência do reconhecimento de um papel mais activo da vítima e onde a colaboração
desta pode ser especialmente relevante. Como salienta Figueiredo Dias «para uma
autêntica protecção da vítima, mais decisivo ainda que o auxílio “social” em sentido
29
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
amplo que lhe possa ser prestado, é conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do
processo penal, permitindo-lhe uma acção conformadora da decisão final e tornando
possível que, sem incómodos e despesas que não possam ser suportadas, a vítima possa
obter no próprio processo penal a indemnização das penas e danos sofridos com o
crime».46
46
JORGE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre Sujeitos Processuais no Novo Código de
Processo Penal”, 1988, pág. 11.
30
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
E.1 - Generalidades
Artigo 256.º
(Falsificação de Documento)
2. A tentativa é punível.
3. Se os factos referidos no número anterior disserem respeito a documento
autentico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale de correio, a letra de
câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso ou
a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é
punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a
600 dias.
4. Se os factos referidos nos números 1 e 3 forem praticados por funcionário no
exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
47
HELENA MONIZ, Comentário Conimbricense ao Código Penal”, anotação ao artigo
256.º do Código Penal, Tomo II, 1999, p. 674 e ss..
31
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
toda a segurança no tráfico jurídico que se protege mas apenas a relacionada com os
documentos, intensificando-se duas funções principais no documento, como a função de
perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e a função
de garantia. Na realidade, cada autor do documento tem a garantia de que as suas
palavras não serão desvirtuadas e que se apresentarão tal como ele, num certo momento
e local, as expôs. Considera-se, portanto, que o crime de falsificação de documento,
para além de ser um crime contra a segurança da prova documental, também é um crime
de fraude contra a identidade do autor do documento.
Por sua vez o código de Processo Penal, no seu artigo 48.º dispõe que a legitimidade
para promover o processo penal, cabe ao Ministério Público, com as restrições
constantes dos artigos 49.º, 50.º e 52.º, ou seja, o procedimento dependente de queixa, o
procedimento dependente de acusação particular e os casos de concurso de crimes.
48
Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 2000 in CJ, pág. 154/5.
32
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
No Decreto-Lei nº 35007 foi criada a figura do assistente, visto agora não como parte
acusadora mas como parte acessória. Tal ideia é reforçada, pelo legislador, no
preambulo do diploma que “ o exercício da acção penal pertence ao Ministério Público
como órgão do Estado. O direito de punir é um direito exclusivo do Estado e por isso
os particulares podem, nos termos que a lei determina, colaborar no exercício da acção
penal pelo Ministério Público mas não exercê-la como direito próprio.49” A nossa
doutrina não deixa de reconhecer os benefícios decorrentes da intervenção do particular,
ainda que relembre o factor perturbador que pode representar a sua intervenção uma vez
que não se pode esperar a mesma objectividade e imparcialidade de um ente público
desinteressado.
O assistente foi definido como “o sujeito processual que intervém no processo como
colaborador do Ministério Público, na promoção da justa aplicação da lei ao caso e
legitimado em virtude da sua qualidade de ofendido ou de especiais relações com o
ofendido pelo crime ou da natureza deste (artigo 69.º, nº 1)50.
No que tange ao artigo 68.º nº 1 al. a) do CPP, cumpre determinar quem são as partes
particularmente ofendidas. São ofendidos os titulares do interesses que a lei quis
especialmente proteger quando formulou a norma penal. Quando prevê e pune os
crimes, o legislador quer defender certos interesses que são violados quando é praticada
a infracção.
49
JOSÉ ANTÓNIO BARREIRO, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português,
Vol. II, 1997, pág. 158, crítica nos seguintes termos tal qualificação no direito actual:
“Não faz sentido hoje designar os assistentes como partes acessórias, fundamentalmente
por duas ordens de razões: I) primeiro, pela circunstância de o próprio conceito de parte
não se coadunar com a estrutura do sistema processual penal, II) segundo, porque eles
são tomados na sistemática do Código Processo Penal como verdadeiros sujeitos
principais e não como participantes. (…).
50
GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal 1, Ano 2010, pág.
355.
33
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Ora, os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger, serão
apenas as partes particularmente ofendidas ou directamente ofendidas?
O acórdão 1/2003, estabelece que o vocábulo “especialmente” usado pela lei significa
“de modo especial, num sentido de particular e de não exclusivo” de sorte que “quando
os interesses imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do
Estado e de particulares … a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua
prática tem legitimidade para se constituir assistente”51.
Da própria expressão da lei deriva que, não basta uma ofensa indirecta a um
determinado interesse para que o seu titular se possa constituir assistente, dado que não
se integram no conceito de ofendido da al. a) do nº 1 do artigo 68.º do CPP, os titulares
dos interesse cuja a protecção é puramente mediata ou indirecta.
A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver
em causa. Deve aferir-se no Código Penal, à sistemática da sua parte especial, e em
particular, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar, caso a caso,
se há uma pessoa cujos interesses são protegidos com esta incriminação, não se
confundindo essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do
crime. Só caso a caso, perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise,
se é admissível a constituição de assistente.
Da análise do tipo legal, deve ter-se presente que a circunstância de aí ser protegido um
interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo,
ser imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto
portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir
assistente52.
O direito penal tem por encargo proteger bens jurídicos e todos os preceitos penais
podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos que podem ser lesados
cumulativamente ou alternativamente.
51
No mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina e jurisprudência dos nossos
tribunais superiores, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça.
52
Tal entendimento foi corroborado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
proferido em 12 de Julho de 2005, em relação ao crime de falsificação de depoimento.
34
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
53
Como reconhece o Tribunal Constitucional no acórdão nº 76/02, Processo nº 647/98,
crimes há, como o de falsificação, o de denegação de justiça e o de descaminho do
objecto colocado sob o poder público, que “visam indirectamente proteger também
interesses de particulares”, ou seja, cuja a área de tutela abrange concomitantemente ( e
não reflexamente) um bem jurídico materializado num portador individual, que por via
da adopção de um conceito restrito de ofendido veria injustamente negada a faculdade
de se constituir assistente.
35
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
F.1 - Generalidades
Artigo 391.º
Artigo 348.º
(Desobediência)
36
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Entendemos, que a lei confere aos requerentes de providências uma específica garantia,
uma garantia penal, especialmente dirigida à protecção dos interesses dos particulares.
No que respeita ao bem jurídico a obediência deve integrar a categoria dos crimes de
dano54.
54
Cristina Líbano Monteiro, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, anotação
ao artigo 348.º, Tomo III, 2001, p. 349 e ss..
55
Cf. Ac. do STJ nº 10/2010 de 17-11-2010 (uniformização de jurisprudência),
publicado no Diário da república, 1ª série, N.º 242, de 16 de Dezembro de 2010.
37
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Mais uma vez, o critério legal, que permite determinar a legitimidade para a
constituição de assistente, reside no artigo 68.º nº 1 al a) do CPP. É ponto assente, que a
doutrina e a jurisprudência entendiam que o legislador consagrou um conceito restrito
de ofendido, e que, de braço dado com este, a doutrina e a jurisprudência foram
adoptando uma concepção de bem jurídico igualmente restritiva e simplificadora.
De acordo, com os primeiros, o conceito estrito de ofendido não pode ser questionado.
Contudo, partindo, desta base, a questão da legitimidade para a constituição de
assistente não fica totalmente solucionada. A legitimidade deve ser determinada em
função da análise do bem jurídico protegido pela incriminação, agora entendido já não
como “ mero valor ideal ínsito da ratio da norma, para passar a ser considerado como
substracto do valor, como valor corporizado num suporte fáctico-real”56
Os segundos, porém, defendem um conceito amplo de ofendido, que, por sua vez,
determinará o alargamento da legitimidade para a constituição como assistente, em
56
FIGUEIREDO DIAS E ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A Legitimidade da
Sociedade Portuguesa de Autores em Processo Penal”, 1989, pág. 114.
38
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Pode objectar-se que uma tal interpretação ampla do conceito de ofendido, esquece a al.
e) do nº 1 do artigo 68.º do CPP, no qual se estende a figura do assistente a
incriminações como a prevaricação e a denegação de justiça, que reflectem um conceito
amplo de ofendido. No entanto, a al. e) foi criada para possibilitar a constituição de
assistente a qualquer pessoa nos crimes estatuídos na norma, logo, nada tem a ver com a
problemática da al. a) do artigo 68.º do CPP. O alargamento previsto na al. e) tem como
razão de fundo uma maior transparência da administração da justiça e o combate eficaz
a certas formas de criminalidade.
Ora, novamente, a jurisprudência indicia que “em especial” não significa exclusivo, mas
sim “particular” e que um só tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico,
questão a resolver face a face, ao caso concreto e ao recorte do tipo legal. Nos crimes
contra o Estado e contra a sociedade surgem, muitas vezes, ao lado do interesse publico
ou colectivo, interesses particulares especificamente protegidos pela norma
incriminadora, pelo que, o conceito restrito de ofendido não se coaduna com a
amplitude de protecção conferida por algumas incriminações.
57
AUGUSTO SILVA DIAS, “A Tutela do Ofendido e a Posição do Assistente no
Processo Penal Português”, 2004, pág. 57 segs.
39
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Assim, arremata o Supremo Tribunal de Justiça que “sempre que for identificado um
interesse determinado (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem
com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas “expectativas
comunitárias”) estamos perante um bem jurídico protegido”.
Analisando mais de perto a norma estatuída no artigo 391.º do CPC, percebemos que tal
estatuição pretende, atribuir ao requerente da providência decretada uma garantia
reforçada. A coercibilidade penal de uma providência decretada por um órgão soberano,
representa o interesse público que está subjacente a esta norma. No entanto, a par deste
interesse público existe um interesse próprio, específico, directo e identificável por parte
do particular que requereu a providência. Neste sentido se pronúncia o Supremo
Tribunal de Justiça dizendo que “ um interesse que não se confunde com o interesse
geral e mediato de todos os cidadãos têm na sua vigência efectiva das normas penais,
nem com o mero interesse civil do lesado na reparação do dano. A lei confere aos
requerentes das providências uma específica garantia, uma garantia penal,
especialmente dirigida à protecção dos seus interesses”.
Tal como no crime de falsificação de documento, atrás analisado, estamos, uma vez
mais, perante um alargamento da possibilidade de constituição como assistente.
40
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
G - CONCLUSÃO
58
ASSIS TEIXEIRA, Manual de Processo Penal, 1905, pág. 100.
59
BELEZA DOS SANTOS, “Partes Particularmente Ofendidas em Processo Criminal”,
RLJ ano 50, pág. 19 e segs. ; MANUEL CAVALEIRO FERREIRA, Curso de Processo
Penal, vol. I, 1981, pág. 136 ; GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo
Penal I, Ano 2000, p 224..
60
Na reforma do processo penal de 1987, é feita uma clara distinção entre o ofendido e
o assistente. O ofendido, não passa de um mero participante processual, nomeadamente
na veste de testemunha. Já quando se constitui assistente, transmuda-se em sujeito
processual, uma vez que passa a possuir direitos que lhe permitem conformar o
processo. V. ARMÉNIO SOTTOMAYOR, “A Voz da Vítima”, RLJ, ano 57, 1924-
1925, pág. 844; e JORGE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre Sujeitos Processuais no Novo
Código de Processo Penal”, 1988 pág. 9.
41
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Silva Dias61, entende que “a tese restritiva do conceito de ofendido, não é hoje
aceitável à luz dos estudos vitimológicos, da dogmática do bem jurídico e do modelo
processual vigente, estando desfasada dos progressos científicos e da experiencia
normativa dos dias de hoje.”
61
AUGUSTO SILVA DIAS, “A Tutela do Ofendido e a Posição do Assistente no
Processo Penal Português”, 2004, pág. 57 e segs..
42
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
conformação processual que lhe permitem influenciar uma decisão favorável ao seu
interesse.
Neste sentido, Figueiredo Dias e Anabela Rodrigues62 “o conceito de ofendido não pode
ser deduzido pela distinção entre incriminação que protege um bem jurídico individual
ou que protege um bem jurídico supra-individual, mas deve derivar da susceptibilidade
de o bem jurídico poder ou não ser corporizado num concreto portador individual”.
O facto do bem jurídico protegido na incriminação revestir natureza pública tal não
exclui a legitimidade de constituição como assistente. Nesta linha de argumentação
defendem Teresa Pizarro Beleza e Frederico Lacerda da Costa Pinto63 que, “ o que
interessa é saber se o dano no bem jurídico público tem igualmente repercussões numa
esfera jurídica individual e se, desta forma, a norma incriminadora visa tutelar, ainda
que mediatamente, bens jurídicos pessoais”.64
A vítima pode ainda sentir necessidade de recorrer das decisões que o afectem. Sucede,
que, perante um conceito restrito de ofendido tal também não o permite. Note-se, se a
vítima não se pode constituir assistente, carece de legitimidade para recorrer, artigos
69.º nº a al. c) e 401.º al. b) ambos do CPP. A legitimidade para recorrer é um corolário
da legitimidade para a constituição de assistente uma vez que este, apenas pode exercer
o direito de recurso na estrita medida do seu interesse processual.
62
FIGUEIREDO DIAS E ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A Legitimidade da
Sociedade Portuguesa de Autores em Processo Penal”,1989, pág. 115/6.
63
FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “O Estatuto do Lesado no Processo
Penal”,2001, pág. 699/700.
64
Esta tendência recente tem sido igualmente seguida pela jurisprudência. V. acórdãos
do STJ nº 1/2003, nº 8/2006, nº 40/2010.
43
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
O actual entendimento, vai no sentido de que, o artigo 68.º nº 1 al. a) do CPP consagra
um conceito de ofendido que não é restrito, no entanto, não se compadece com um
conceito de tal forma amplo que englobe todas as pessoas prejudicadas pelo facto
criminoso. O artigo 68.º nº 1 al. a) consagra um conceito de ofendido que toma em
consideração a especificidade multifacetada ou poligonal do bem jurídico que serve de
base ao tipo violado e à situação em apreço. Tudo dependerá do entendimento em torno
do conceito de bem jurídico.
Em suma, o conceito legal de ofendido é pois restrito, conclusão inexorável imposta por
lei. A aceitação de um conceito amplo de ofendido poderia resultar em consequências
desastrosas para o processo, como industriar o processo. Concluímos que a
problemática, assenta não no conceito de ofendido, mas na identificação do bem
jurídico protegido pelo crime que estiver em causa. Assim, a abertura para a
constituição de assistente deve partir não do alargamento do conceito de ofendido mas
do alargamento do bem jurídico, no sentido que quando as incriminações protegem
65
FIGUEIREDO DIAS E ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A Legitimidade da
Sociedade Portuguesa de Autores em Processo Penal”,1989 - consideram que com este
entendimento não se abandona o conceito restrito de ofendido consagrado na al. a do nº
1 do artigo 68.º do CPP.
44
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
vários interesses, todos eles se revelam dignos da tutela da lei, ainda que algum deles se
mostre mais “fulgurante”.
Permite ainda, uma aproximação entre o sistema penal e o processo penal, pois, não é
abandonada a natureza pública do processo penal e não é descaracterizada a figura do
assistente amplificando ou remodelando a figura que existe actualmente às novas
exigências da moderna sociedade e da sociedade de risco.
Por último, esta nova ampliação do conceito de ofendido, ligada ao conceito de bem
jurídico, consagrado no artigo 68.º nº 1 al. a) do CPP proporciona o correcto balanço
entre a necessidade de punir e a necessidade de o fazer de forma justa e ponderada, o
que contribui para a realização de um processo penal mais equitativo e pacificador. Tal
como escreve Augusto Silva Dias “ a participação da vítima é um factor de extrema
importância para o saudável funcionamento da Administração da Justiça pelo que,
nunca deve ser menosprezada e abandonada.”
Do exposto, percebemos que é essencial pugnar pelos interesses das vítimas, e que a
concepção de ofendido classicamente defendida não permite a constituição de
assistente, por parte de todas a vítimas que sejam titulares de um interesse que a norma
penal protege, coarctando os seus direitos processuais essenciais.
Desta forma não se alcança um processo penal justo e equitativo, decaindo o tão
importante princípio da igualdade de armas pois à vítima apenas resta percorrer o
caminho de lesado.
45
Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Assim é essencial para o Direito Processual Penal Português uma visão ampla do
conceito de ofendido previsto na al. a) do nº 1 do artigo 68.º, pelo que é de saudar a
jurisprudência que paulatinamente tem feito vingar a moderna concepção do conceito de
ofendido.
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Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
H – BIBLIOGRAFIA
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Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
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Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Jurisprudência:
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Tese de Mestrado em Direito Processual Penal – A vítima em processo penal
Legislação:
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