Dhurkeim e o Conservadorismo
Dhurkeim e o Conservadorismo
Dhurkeim e o Conservadorismo
As faces do conservadorismo
Segundo Leila Escorsim Netto (2011), duas dificuldades preli-
minares apresentam-se àqueles que desejam compreender mais
profundamente o pensamento conservador: respectivamente, o
estabelecimento exato de sua gênese histórico-temporal e a deter-
minação de seus traços constitutivos.
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3 Para a maior parte dos estudiosos, o termo “conservadorismo” aparece pela primeira vez nos Estados
Unidos, no início da década de 1800, a partir de alguns membros do Partido Nacional Republicano
Americano que autoproclamavam “conservadores”. Na França, o termo é inicialmente empregado
no jornal de François-René Chateaubriand, Le Conservateur, na década de 1820, representando um
discurso politicamente restauracionista e clerical. Já na Grã-Bretanha, desponta no jornal Quarterly
Review, em 1830. De modo geral, o termo propaga-se pela Europa a partir da década de 1840,
especialmente após as sublevações de 1829-1830 e 1848.
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6 Karl Marx, indubitavelmente, exemplifica bem de que modo o pensamento hegeliano serviu de
base para o materialismo dialético. A esse respeito, ver Anthony Giddens (2001; 2005).
7 Michael Löwy (2006) argumenta que a corrente historicista alemã flertou, em sua origem, com
o conservadorismo, exaltando as instituições e os valores tradicionais diante das transformações
políticas conduzidas por Otto von Bismark a partir de 1870. Mas, apesar do caráter conservador, a
corrente historicista, segundo o autor, teve um papel fundamental tanto para a historiografia quanto
para as ciências sociais, pois, em um segundo momento, mais precisamente no último decênio
do século XIX, temas como o da objetividade científica e da verdade universal são colocados em
xeque, dando forma ao que denomina de “historicismo relativista”, do qual o historiador alemão
Gustav Droysen e o sociólogo Wilhelm Dilthey foram os principais representantes.
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9 Émile Durkheim era oriundo de uma família judia, há décadas radicada em terras francesas.
Seu pai, Moisés Durkheim, dando continuidade a uma longa tradição familiar, era o líder
rabínico de sua comunidade, legado esse que, como primogênito, David Émile Durkheim
estava destinado a preservar.
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10 Aliás, esse foi um ponto problemático durante a defesa pública de seu doutorado, já que a banca
examinadora, formada essencialmente por professores identificados ao espiritualismo francês,
exigiu a exclusão dessa deferência para a aprovação da tese (Lukes, 1984).
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11 Conforme explicita Fernandes, a circularidade comtiana consistia em exigir uma teoria para observar
os fatos, quando a própria teoria deveria resultar da observação dos fatos. Mesmo admitindo
que uma observação benfeita deva muito a uma teoria já constituída, para Durkheim esta não é
o produto necessário dos conhecimentos previamente obtidos, mas, ao contrário, representa a
via inevitável para alcançá-los. Destarte, os sociólogos se beneficiarão da teoria à medida que a
investigação sociológica progredir (Fernandes, 1980, p. 72).
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12 O primeiro desses artigos foi publicado em 1885 e o segundo em 1887, ambos na Revue Philoso-
phique. Este último, inclusive, ganhou uma tradução em português, recebendo um novo título, a
saber: Ética e Sociologia da Moral.
13 Como demonstra Giddens (2005), Durkheim estava familiarizado com esse axioma desde os tempos
de estudante. Basta lembrar que o primado da consciência coletiva sobre as consciências individuais
já aparecia nos trabalhos de pensadores franceses como Saint-Simon, Comte e Renouvier.
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15 Na França, até o último quartel do século XVIII, o sistema de ensino esteve sob os auspícios da Igreja
Católica. No decorrer do século XIX, entretanto, os republicanos liberais passam a reivindicar o seu
domínio e a defender a sua laicização, o que desencadeou um longo e feroz embate entre os dois
grupos. Com o advento da III República Francesa, em 1870, o projeto de educação republicano
efetiva-se, a partir dos esforços de nomes como León Gambetta e Jules Ferry, ambos signatários
do republicanismo liberal (Fernandes, 1994; Borrell, 2000).
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16 Essa crítica, aliás, é recorrente não só entre os marxistas, mas, também, entre autores funcionalistas,
como Talcott Parsons (2010), e até mesmo entre os representantes do pensamento conservador
contemporâneo, a exemplo de Robert Nisbet (2003).
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Referências
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DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 7. ed. Tradução de
Lourenço Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1978.
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Resumo
Este artigo propõe-se a discutir a relação entre a teoria sociológica
desenvolvida por Émile Durkheim e as ideias conservadoras clássicas.
Por um lado, visa-se compreender em que medida o sociólogo francês
absorveu elementos conservadores em sua sociologia e, por outro, se
essa suposta influência bastaria para atribuir à obra durkheimiana uma
rubrica conservadora. Com isso, pretende-se evitar possíveis rótulos ou
tipificações, quase sempre reducionistas e incapazes de dar conta de
toda a complexidade que envolve uma produção teórica de grande
fôlego, como a de Durkheim. A análise empregada é eminentemente
bibliográfica e revisionista, assentando-se tanto em fontes primárias
quanto em fontes secundárias.
Palavras-chave: conservadorismo; liberalismo; sociologia; moral;
metodologia.
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Abstract
This article proposes to discuss the relationship between the sociological
theory, developed by Emile Durkheim and the classic conservative
ideas. On the one hand, it seeks to understand to what extent the
French sociologist absorbed conservative elements in his sociology
and, on the other hand, if this supposed influence would suffice to
attribute to the Durkheimian work a conservative rubric. With this, it
is intended to prevent possible labels or typifications, almost always
reductionist and unable to realize all the complexity that involves a
theoretical production of great value like the work of Durkheim. The
analysis is mostly bibliographic and revisionist and builds both on
primary and secondary sources.
Keywords: conservatism; liberalism; sociology; moral; methodology.