O Lugar Da Geografia BNCC Ensino Médio
O Lugar Da Geografia BNCC Ensino Médio
O Lugar Da Geografia BNCC Ensino Médio
Resumo
O trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica que investiga a relação Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), Reforma do Ensino Médio e Geografia, refletindo-se sobre suas principais
características e o lugar da Geografia frente esses sistemas de ações curriculares e normativas da
Educação Nacional, no atual período. Reflete as bases econômico-pedagógicas, didático-
pedagógicas, psicopedagógicas e pedagógico-administrativas que estruturam esse uso político do
território nacional voltado à Educação, no qual a Pedagogia das Competências e a Pedagogia da
Exclusão Includente (KUENZER, 2005) são eixos organizacionais do currículo e da dimensão
pedagógica dessa proposta curricular e dessa reforma. A investigação gira em torno do seguinte
problema: qual o lugar da Geografia na reforma curricular proposta pela BNCC e pela Reforma do
Ensino Médio? O objetivo geral é identificar os fundamentos epistemológicos da BNCC e da
Reforma do Ensino Médio no tocante sua relação e/ou impactos na Geografia. Como
fundamentação teórica destacam-se Santos (1998a, 1998b, 2002, 2008a, 2008b, 2009), Harvey
(2008, 2014), Saviani (2013), Ramos (2006), Lacoste (1988), Castellar (2018) e Aguiar e Dourado (2018).
Organizamos a discussão em três partes: a) discussão das principais características da BNCC e da
Reforma do Ensino Médio; b) reflexão sobre os impactos dessas reformas para a Geografia e c)
problematização acerca das ideias pedagógicas presentes nesses sistemas de ações normativas
educacionais. A pesquisa chama a atenção dos profissionais da Geografia para os eventos pelos
quais essa ciência e disciplina vêm passando com essas normas, destacando a necessidade de uma
visão radical, crítica e contextualizante acerca das mudanças educacionais em voga.
No atual período do espaço geográfico, cuja denominação dada por Milton Santos
muito bem o representa – Período Técnico-científico-informacional – a norma é um fator
preponderante. Não é a toa que o logo e slogan do Governo Temer usa o lema positivista:
“ordem e progresso”, não apenas uma referência à bandeira do Brasil, mas como marca
dos sistemas de ações que marcam o uso político do território nesse contexto cujo
resultado é desordem e regresso, pois as “reformas” em curso dentre elas àquelas ligadas
à Educação desordenam e regridem a Educação Nacional, deformando a formação social
dos jovens e contribuindo para formação de uma sociedade de deficientes cívicos, dada a
desvalorização da construção da cidadania mediante a supressão de disciplinas no novo
arranjo curricular da Educação Básica, a exemplo da Geografia.
A normatização enquanto parte do sistema de ações do Estado em nome do
Mercado, se faz com o uso das normas. Enquanto leis e/ou regras criadas pelo Estado e
suas instituições regulam e/ou desregulam as ações dos elementos do espaço, facultando
ou não a geografização dos eventos no território. A norma é uma categoria fundamental
no conhecimento e compreensão do espaço geográfico, já que ajuda no desvelamento
dos processos, pois através dela entendemos como as materialidades se desdobram em
ações e as ações em materialidades e sabemos quem usa e quem regula o território.
Nesse sentido, norma é aqui entendida como as ações políticas e/ou institucionais,
criadas e implementadas para regular as ações e os eventos territoriais. Em outras
palavras, “[...] a norma é geneticamente uma ação e morfologicamente uma densidade,
uma forma” (SILVEIRA, 1999, p. 257).
Por essa razão, a categoria de análise à qual a desordem e o regresso decorrentes
da “Nova” Reforma do Ensino Médio e da proposta da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) está relacionada, quando a perspectiva é uma abordagem geográfica, é a noção
de território usado, uma ideia que Milton Santos propôs em 1994 no texto O Retorno do
Território, em que afirma que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz
dele objeto da análise social” (SANTOS, 1998a, p. 15). O uso do território pelo Estado é o
cerne do processo pelo qual se liga o pacote de reformas do Brasil atual, pois implica no
uso político do território destinado a um fim específico: a racionalidade do Mercado
Econômico.
Posto isto, mediante essas referências categóricas passemos à reflexão das
principais características da Reforma do “Novo” Ensino Médio e da BNCC buscando
compreender o lugar da Geografia nesse processo.
Essa situação não passou a fazer-se presente não apenas nas empresas, mas
também no ensino profissionalizante e também na escola, nas universidades, pois aí a
noção de competência encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento (RAMOS,
2006; SAVIANI, 2013), pois estes espaços como são aparelhos ideológicos do Estado
(ALTHUSSER, 1974), são a eles impostos racionalidades que buscam formatar um
“exército industrial de reserva” (MARX, 1996, p. 41) para se controlar e/ou baratear os
salários, através de uma pedagogia includente-excludente.
As palavras do geógrafo Milton Santos, em artigo intitulado Os Deficientes Cívicos,
publicado originalmente em 24 de janeiro de 1999, na Folha de São Paulo, ilustra esse
episódio:
Uma sociedade em que não se promovem os direitos sociais e que ao invés disso
se elabora a construção de consumidores, a deficiência cívica como consequência final é
inevitável.
A história e a epistemologia da Geografia já evidenciaram a importância de se
saber pensar o espaço geográfico para nele se saber agir (LACOSTE, 1988). O alemão
Friederich Ratzel e o francês Paul Vidal de La Blache enriqueceram essa premissa
geográfica. Dessa forma, a secundarização do Ensino da Geografia no contexto dessas
reformas presta-se a essas concepções de controle do saber pensar o espaço e do saber
nele agir por parte do Estado, ocultando a complexidade socioespacial, política e
econômica do atual período e contribuindo para a formação de deficientes cívicos, pois
“[...] a geografia não é uma ciência de fatos isolados simples, passíveis de serem
conhecidos por si e em si” (MONBEIG, 1957, p. 7), e nem tampouco passíveis de serem
conhecidos e apreendidos diluídos nos demais conhecimentos, já que é uma maneira
particular de compreender a sociedade e sua existência.
Essas normas marcam as incertezas da própria Geografia e dos profissionais
dessa área do saber. Isso é de uma estupidez tão grande que chega até ser um ato
criminoso, pois se tira dos jovens direitos constitucionais já há muito garantidos. O sentido
agora é desenvolver uma racionalidade educacional em que as disciplinas não são mais
interessantes, mas a promoção de competências a serem desenvolvidas a partir de uma
Base Nacional Comum Curricular.
As reformas que visam formatar a classe trabalhadora brasileira do campo e da
cidadesó se realizam em formações socioespaciais como o Brasil, porque ainda é carente
o saber pensar o espaço geográfico e o saber nele agir no sentido da promoção da
cidadania e dos direitos sociais.
O professor de Geografia é um sujeito extremamente importante. Não se quer dizer
que os outros profissionais da Educação não os sejam também, mas que do ponto de
vista social o professor de Geografia é mais essencial do que o profissional com notório
saber, sobretudo “[...] para o avanço social, para as discussões sociais” (MORAES, 2002,
p. 13), que tanto ainda faz falta na sociedade brasileira, que tanto carece da promoção da
cidadania e a Geografia tem sua parcela de contribuição na luta por essa empreitada,
através da construção de uma visão socio-histórica, dialética, crítica, radical e totalizante
dos fenômenos e processos sociais. Dessa forma, “o geógrafo incide diretamente na
formação social do cidadão. O professor de Geografia está participando com um conteúdo
e com uma temática essencial na formação da cidadania. A visão de mundo do estudante-
cidadão, a visão do país, a visão da realidade local em que ele vive, tudo isso será
profundamente permeado pelo conteúdo da Geografia escolar” (MORAES, 2002, p. 13-
14). Sem isso, tem-se “deficientes cívicos” (SANTOS, 2002).
Retirar dos jovens a condição de saberem pensar o espaço geográfico é retirar
deles a condição de saberem atuar no mundo de modo eficiente. É retirar deles a
premissa de princípios geográficos fundamentais, como a autolocalização que possibilita
situar-se no mundo, ou seja, ter a consciência de está no mundo e em relação aos demais
sistemas de objetos e aos demais sistemas de ações.
Caio Prado Júnior é um desses autores que afirmou a importância que tem a
Geografia para o conhecimento do Brasil. Em entrevista à Folha de São Paulo em 21 de
maio de 1978 ele destacou a importância do conhecimento geográfico para a
compreensão e ajuda na solução de problemas do país, a importância do professor de
Geografia e a necessidade de valorização, neste país, do conhecimento geográfico:
Dessa forma, como desta o historiador Caio Prado Jr., é preciso valorizar-se mais o
Ensino de Geografia no país e não o retirar e/ou o diluir nos demais itinerários formativos.
Se vivemos em uma realidade socioespacial dialética esse conhecimento não pode ser
deixado de lado, sobretudo no Brasil, em que cuja condição de periférico e moderno,
pobre e rico tem como síntese as desigualdades.
CONCLUIR?...
Precisamos cada vez mais discutir a premissa de que, mudando o mundo do
trabalho muda também as formas de organização da vida e, pois da (re)produção do
conhecimento. Atentando-se à história como processo, perceberemos que em decorrência
da luta pela existência os grupos sociais são obrigados a criarem novas formas de
organização do trabalho, modificando costumes, hábitos, formas de pensar para adequar-
se às novas condições de vida criadas.
Tal situação está ocorrendo com o ensino de todas as disciplinas e, em particular,
com o Ensino da Geografia e precisamos atentar-se para o fato de que não cabe à
Geografia a adaptar-se à atual circunstância “[...] justificar a perversidade da globalização
e convencer a todos de sua inevitabilidade histórica, social e econômica” (SOUZA NETO,
1999, p. 14), pois os custos sociais são enormes sem o saber pensar o espaço e sem o
saber nele agir, já que é isso que, dentre outros aspectos, visa a Lei Nº 13.415/2017. É
preciso que a forma de ler e explicar o mundo tomando como referência o conceito de
totalidade, não no sentido de gerar sínteses superficiais como visa o “Novo” Ensino Médio
e a BNCC, mas sistemas lógicos, coerentes e dialéticos, não se perca. E para que isso
não ocorra, é preciso que ao Ensino da Geografia seja dado o seu reconhecimento no
projeto de um país mais justo e menos desigual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Nº. 12.796, de 4 de abril de 2013. Presidência da República. Casa Civil.
Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, 2017. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm#art1. Acesso em
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de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências.
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de Maria Cecília França. Campinas: Papirus, 1988.
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