Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Letras. Estilística

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 44

Estilística

Prof. Luciano Taveira de Azevedo

2a edição | Nead - UPE 2013


Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Azevedo, Luciano Taveira de

XXXX Letras: Estilística/ Luciano Taveira de Azevedo - Recife: UPE/NEAD, 2012.



44 p.

Xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx. xxxxxxxxxxxx


Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

XXX – xxx. – xxx.xxx


Xxxxxxxxxxxxx Xxxx – XXX/xxxxx
xxxxxxxxxxxx


Universidade de Pernambuco - UPE
Reitor
Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado
Vice-Reitor
Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque
Pró-Reitor Administrativo
Prof. Rosângela
Pró-Reitor de Planejamento
Prof. Béda Barkokébas Jr.
Pró-Reitor de Graduação
Profa. Izabel Christina de Avelar Silva
Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque
Pró-Reitor de Integração e Fortalecimento da Interiorização
Prof. Pedro Henrique de Barros Falcão

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenador Geral
Prof. Renato Medeiros de Moraes
Coordenador Adjunto
Prof. Walmir Soares da Silva Júnior
Assessora da Coordenação Geral
Profa. Waldete Arantes
Coordenação de Curso
Profa. Francisca Núbia Bezerra e Silva
Coordenação Pedagógica
Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima
Coordenação de Revisão Gramatical
Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti
Profa. Eveline Mendes Costa Lopes
.
Profa. Geruza Viana da Silva
Gerente de Projetos
Prof. Valdemar Vieira de Melo
Administração do Ambiente
José Alexandro Viana Fonseca
Prof. José Lopes Ferreira Júnior
Valquíria de Oliveira Leal
Coordenação de Design e Produção
Prof. Marcos Leite
Equipe de design
Anita Sousa
Gabriela Castro
Renata Moraes
Rodrigo Sotero
Coordenação de Suporte
Afonso Bione
Wilma Sali

Edição 2013
Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares
Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro
Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010
Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664
5

Estilística

Prof. Luciano Taveira de Azevedo


Carga Horária | 60 horas

Ementa
Componentes estilísticos da Língua Portuguesa: fonético, lexical, morfológico
e sintático; linguagem figurada; o vocabulário Português; figuras de linguagem;
fraseologia; clichê; artigos, nomes e outras classes gramaticais na perspectiva
estilística.

Objetivo Geral
Contribuir com a formação do aluno de Letras no que diz respeito à reflexão
acerca dos processos que envolvem a expressão estética da palavra

Apresentação da Disciplina
Estimado estudante,

É com muita alegria que elaboramos mais um livro que procura atender às ne-
cessidades do curso de Letras na modalidade a distância. Desta vez, a disciplina
sobre a qual este livro discorrerá é a Estilística. Como veremos ao longo destas
páginas, a Estilística volta-se para aquilo que, no nível da forma e do conteúdo,
constitui um uso individual da língua. É o estilo individual de cada produtor
de textos que permite reconhecermos a produção literária, por exemplo, de um
determinado escritor. Em Aristóteles (384-322 a.C.), já encontramos as primeiras
reflexões acerca do estilo quando discorre sobre retórica, de maneira que o in-
teresse pelo estudo, acerca da expressividade, não é recente. Em nosso material,
decidimos apresentar, por um lado, os conceitos gerais e tradicionais dos casos
compreendidos no âmbito da Estilística e, por outro, desenvolver uma discussão
acerca da relação entre texto, expressividade e discurso. Valendo-se de teorias
que advêm do estudo sobre texto e discurso, proporemos uma reflexão que não
se restrinja apenas à palavra e/ou à frase, mas assuma também o texto em seus
aspectos enunciativos e discursivos. É com esse objetivo em mente que damos
início à escritura deste livro. Bons estudos.
Capítulo 1
Capítulo 1 7

Estilística:
Breve Excurso Teórico
e Histórico

Prof. Luciano Taveira de Azevedo


Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os fundamentos históricos da Estilística;

• Refletir acerca dos recursos estilísticos disponíveis na Língua Portuguesa;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos expressivos agenciados


na produção de sentido.

Introdução
Caríssimo estudante,

Neste capítulo, traçaremos o percurso histórico e teórico da Estilística. Nessa


direção, apresentaremos os diferentes conceitos que foram sendo agregados ao
campo da Estilística de acordo com a orientação teórica na qual figurava. Para en-
tendermos o conceito de Estilística, palavra que aparece pela primeira vez em lín-
gua portuguesa no ano de 1899, faz-se necessário remontarmos ao antigo estudo
de Retórica e Poética, uma vez que o seu conceito moderno deve a esses conceitos
seu caráter vinculado à expressão do pensamento e do sentimento. Em seguida,
passearemos pelos diferentes entendimentos do termo estilística na história das
Ciências da Linguagem e, por fim, apresentaremos suas duas grandes correntes:
a estilística descritiva e idealista. Vamos começar nossa viagem? Bons estudos!
Prof. Luciano Azevedo

1. Para Início de Conversa...


Afinal de contas, o que é estilo? É com essa pergunta que damos início à nos-
sa jornada rumo ao conhecimento dos processos que singularizam as práticas
8 Capítulo 1

de escrita. Assim, começaremos trazendo algumas texto é um sistema atualizado de escolhas extraído
definições tradicionais, ou melhor, de estilo, para de sistemas virtuais entre os quais a língua é o sis-
depois apresentarmos a que mais se aproxima da tema mais importante” (Beaugrande apud Marcus-
abordagem que daremos às questões relacionadas chi, 2008:79). Dessa maneira, o texto é resultado
à estilística. Assim, das escolhas linguísticas que fazemos ao longo da
produção textual, mas elas não resultam de um ato
Estilo vem do latim stilus e, em seu sentido originário, signi- abstraído da situação de produção. Toda produção
fica qualquer objeto em forma de haste pontiaguda, ponta se dá na perspectiva da situação social em que é
de ferro que serve para escrever sobre tabuinhas enceradas. realizada, de modo que o estilo é também determi-
nado pelos parâmetros e atividades dessa situação.
Com o decorrer do tempo, de objeto utilizado para 1.1 A Retórica
escrever, o termo estilo passou a significar a pró-
pria escrita e depois aquilo que essa escrita tem de
característico. Atualmente, entende-se por estilo
VOCÊ SABIA?
Tudo aquilo que individualiza obra criada pelo homem, Estilo
mo
como resultado de um esforço mental, de uma elaboração lo período clássico co
do espírito, traduzido em ideias, imagens ou formas con- O estilo, definido pe rca da in-
nstitui a ma
“um não sei quê”, co a: no çã o fun -
cretas (Garcia, 2010:123). to na fal
dividualidade do sujei gic a, qu e ca be à
ide oló
damental, fortemente ia e
ra torná-la operatór
É importante salientar que o que individualiza a estilística depurar pa be r. [... ]
uição ao sa
escrita do produtor de textos não é o desvio, mas fazê-la passar da int
ira
a escolha que esse produtor faz das palavras que riana, em sua prime
A linguística saussu fun da me nte
comporão o arranjo textual. Nessa direção, Gui- rturba pro
manifestação, não pe
raud (1978:140) afirma ser o estilo “o aspecto do ep çã o. O est ilo pertence à fala, ele
essa conc os
los usuários em todos
enunciado que resulta da escolha dos meios de é a “escolha feita pe ot) . Se ja
língua” (Cress
expressão determinada pela natureza e intenções comportamentos da de lib era da ”, ou
nte e
esta escolha “conscie -
do indivíduo que fala ou escreve.” Essa escolha lin- ple s de svi o, o estilo reside na distin
um sim
guística, da qual fala o autor, até pode vir por meio a individual.
ção entre língua e fal
de um desvio, mas não é este que define o estilo de an-
ão, a análise mais av
um texto. Numa definição um pouco mais recente A teoria da informaç de sen -
linguagem, os
que a do professor Othon M. Garcia, çada das funções da rof un da m a
uralismo ap
volvimentos do estrut -
iste um a fun ção estilística que su
noção. Ex ag em
icativos da mens
Estilo é o modo pelo qual um indivíduo usa os recursos blinha os traços signif
ev o as estruturas represen-
fonológicos, morfológicos, sintáticos, lexicais, semânticos, e que põe em rel e,
ções. “A língua exprim
discursivos da língua para expressar, oralmente ou por es- tantes das outras fun . Os efe ito s em
ffa ter re)
crito, pensamentos, sentimentos, opiniões etc. (Henriques, o estilo sublinha” (Ri a
a função formam um
2011:27). que se manifestam ess
o estilo.
estrutura particular:
et ali i, 20 06 :23 7-238; 243)
(Dubois
A definição de Henriques (2011), por ser mais
abrangente – uma vez que não se restringe aos as-
pectos meramente linguísticos, mas alcança os as-
pectos semânticos e discursivos – ganha prioridade
neste trabalho, de maneira que abordaremos os fe- SAIBA MAIS!
ti-
nômenos estilísticos em seus aspectos linguísticos, a definição de estilís
Para saber mais sobre pít ulo 3
do a leitura do ca
mas desdobraremos nossa abordagem, de modo a ca e estilo, recomen ud io Ce za r
curso de Cla
considerarmos os aspectos do discurso que deter- do livro Estilística e Dis
minam o estilo de uma produção linguística, seja Henriques.
u-
oral, seja escrita. ilística e Discurso: est
HENRIQUES, C. C. Est e exp res siv ida de .
texto
dos produtivos sobre .
ier , 20 11
Acreditamos com Beaugrande apud Marcuschi Rio de Janeiro: Elsev
(2008:80) que “é essencial tomar o texto como um der-
nicação em prosa mo
GARCIA, O. M. Comu V Ed ito ra, 20 10.
evento comunicativo no qual convergem ações lin- eir o: FG
na. 27ª ed. Rio de Jan
guísticas, cognitivas e sociais” e, além do que “o
Capítulo 1 9

tratégia para apresentar um argumento a determi-


É pelo discurso que persuadimos, sempre que nado público. Nessa época, havia três gêneros do
demonstramos a verdade ou o que parece discurso:
ser verdade, de acordo com o que sobre cada
assunto é suscetível de persuadir. 1. deliberativo (cuja finalidade é aconselhar o
Aristóteles
público acerca de algo que se pretende fazer);
Para traçarmos a história da Estilística, faz-se ne-
2. judicial (que apresenta uma acusação ou defe-
cessário entendermos como o homem, num dado
sa em relação às ações consideradas justas ou
momento histórico, começou a preocupar-se com
injustas);
a maneira de dizer o que diz; ou seja, como esse
homem voltou-se para o seu discurso a fim de
3. epidíctico ou demonstrativo (que procura
entendê-lo e organizá-lo para atingir fins específi-
louvar ou reprovar atos ou temas de conheci-
cos. É dessa necessidade, parece-nos, que nasce o
mento geral).
que se convencionou chamar de Retórica, palavra
originada do latim rethorica, cujas raízes vêm do
De acordo com o exposto, vê-se que a retórica ti-
grego, rhetor, significando orador. Assim, Rhetor
nha uma estrutura a ser seguida, de maneira que o
deriva de rhema, cujo significado é “palavra”, ou
discurso deveria ser estrategicamente organizado.
seja, “aquilo que se diz”. Seu primeiro registro no
Português data do século XIV.
Desse modo, ao organizar o discurso, recomenda-
-se seguir a seguinte subdivisão:
Em Atenas, a democracia serviu-se da retórica
como instrumento de reivindicação, uma vez que
a. exórdio - introdução do discurso, cujo objeti-
sua organização política e social possibilitava a
vo é preparar o auditório de maneira a deixá-lo
contenda judicial. Assim, a Retórica assumiu um
atento ao que será proferido pelo orador;
papel importante, já que implicava a arte de fa-
lar bem para envolver e convencer o outro. Em
b. a narração - exposição dos fatos relacionados
seus primeiros momentos, a Retórica tinha um
ao tema do discurso;
objetivo preciso: convencer o outro da justeza de
uma causa. Para isso, seria necessário ter um co-
c. a confirmação - apresentação dos argumentos;
nhecimento amplo das propriedades do discurso
que se decompunha em quatro partes: inventio,
d. a digressão - inserção de uma ilustração no
dispositio, elocutio, pronuntiatio. Cada uma dessas
processo discursivo com a intenção de distrair
partes representa uma etapa que não deve ser re-
o auditório;
ligiosamente cumprida. Essas etapas podem sem
assim explicitadas:
e. a peroração - conclusão do discurso. Esta últi-
ma pode subdividir-se em: amplificação, cuja
a. Invenção: a busca de todos os argumentos e
finalidade é rever os argumentos; paixão, pro-
de outros meios de persuasão relativos ao tema
vocar comoção no auditório e a recapitulação,
do seu discurso;
sintetizar a argumentação.
b. Disposição: a ordenação, organização desses
Diante do exposto, chegamos à conclusão de que
argumentos, seu planejamento;
o exercício da retórica era voltado à preocupação
em produzir determinados efeitos estilísticos a fim
c. Elocução: a escolha e disposição das palavras
de convencer o público (hoje temos a figura do lei-
na frase;
tor que substitui a de público ou plateia) de uma
verdade ou daquilo em que se acreditava ser uma
d. Enunciação: a proferição efetiva do discurso.
verdade. Assim, a Retórica visa à construção de um
estilo que percorre o texto e produz um efeito de
Segundo Aristóteles, o orador deve adequar o es-
verdade com fins de convencimento.
tilo às diferentes situações, evitando, sempre que
possível, o estilo afetado. Ainda para Aristóteles,
o que produz o discurso deve buscar a melhor es-
1.2 A Poética
10 Capítulo 1

a considerar quando nos referimos à Poética:

SAIBA MAIS! 1. Disciplina antiga dedicada aos estudos de lite-


:
ica Geral. São Paulo ratura e por esse motivo chamada de poética
DUBOIS et alii. Retór
. clássica;
Cultrix e EdUSP, 1974
ca
ão à Retórica: a retóri
TRIGALI, D. Introduç as Cid a- 2. Disciplina contemporânea dedicada ao estudo
São Paulo: Du
como crítica literária. sistemático da literatura;
des, 1988.
u-
e é Retórica? São Pa
HALLIDAY, T. L. O Qu ão Pri me iro s 3. Abreviação do sintagma “arte poética”, equiva-
2 da Coleç
lo: Brasiliense, nº 23 lente ao termo metapoema, usado para rotular
Passos, 1990. composições em que se expõe explicitamente
:
à Retórica. São Paulo uma concepção de poesia.
Reboul, O. Introdução
.
Martins Fontes, 1998
a Para Henriques (2011:37), se optarmos pela segun-
ica. Lisboa: Imprens
ARISTÓTELES. Retór Bib lio tec as de da definição,
Moeda.
Nacional/Casa da
es Clá ssi co s, 20 05.
Autor eremos que, na tradição de estudos literários, a Poética en-
blicacoes.

globa a designação de toda a teoria interna da literatura;


a escolha feita por um autor entre todas as possibilidades
literárias; e o conjunto de regras práticas construídas por
rofilosofia.org/pu

uma escola literária.

A essas definições, acrescenta-se a consideração de


Tadié (1992) afirmando a distinção de três poéti-
cas assim denominadas: poética da prosa, poética
cent

da poesia e poética da leitura. De acordo com o


)
php?pagina=8&criterio=

autor, a poética da prosa daria conta dos proces-


F o n t e : h t t p : / / w w w.

sos de construção do romance, enquanto a poética


da poesia se encarregaria dos elementos e dos ins-
trumentos necessários à compreensão da poesia.
Entre a poética da prosa e a poética da poesia, te-
mos a poética da leitura, incumbida dos processos
relacionados à estética da recepção e de como o
leitor interpreta um texto literário, levando-se em
consideração os fatores externos que determinam
essa leitura, como o momento histórico no qual se
A poesia é a arte que se manifesta pela palavra. encontra inserido.
(Janilto Andrade)
Mais próximo dessa poética da leitura, a definição
Póetica vem do latim poeticus que, por sua vez, tem de Andrade (2002:33-34) diz que
origem no grego poiétikos, cujo significado é que tem
uma poética é um conjunto de razões que delimitam uma
a virtude de fazer. O primeiro uso escrito dessa pala-
concepção do artístico. Por conseguinte, dizendo respeito
vra no Português data de 1697. à investigação da obra literária, uma poética será entendida
como um corpo de razões que dão conta de uma forma
Desde Aristóteles (384-322 a.C.), o termo Poética de pensar sobre a literatura. Trata-se de uma espécie de
vem recebendo diferentes definições, formuladas fio condutor da interpretação dos textos poéticos. No en-
conforme o lugar teórico de sua configuração. As- tanto, tendo em vista que a obra literária recusa qualquer
sim, recebe uma definição quando pensado por leitura doutrinária que se queira fazer a partir de critérios a
formalistas russos, outra quando aparece em tex- priori, deve-se ter na poética uma construção de intenções
tos sobre a Antiguidade clássica ou em manuais de teóricas a que o leitor-intérprete recorre para lastrear os
caminhos da sua leitura.
literatura. Segundo Roberto Acízelo de Souza apud
Henriques (2011:37), há pelo menos três acepções
Seja um corpo teórico que permite a análise sis-
Capítulo 1 11

temática das formas poéticas, seja uma chave que (1865-1947), fala da Estilística como disciplina que
abre para a reflexão acerca dos processos relaciona- permite identificar, na fala, traços afetivos que se
dos à interpretação do texto literário, a Poética se deixam refletir na língua considerada como ex-
configura como um campo de estudos preocupado pressão do pensamento. Vale lembrar que Char-
com os elementos implicados com a construção les Bally foi discípulo do linguista genebrino Fer-
do texto literário. Assim procedendo, a Poética dinand de Saussure (1857-1913), e suas reflexões
desbrava caminhos e sugere temas que, mais tar- partem desse lugar inaugurado por Saussure, qual
de, interessarão à Estilística, uma vez que antecipa seja, a linguística estrutural.
reflexões e problemáticas referentes ao estilo e ao
modo de escrever. Enquanto Bally voltava-se para a expressão de ele-
1.3 A Estilística mentos afetivos que se deixam marcar na fala, Vos-
sler (1872-1947) e Spitzer (1887-1960) decidiram
estudar as relações entre expressão e indivíduo. So-
SAIBA MAIS! bre o pensamento de Bally, Henriques (2011:53)
, re-
a história da Poética afirma que “inspirado pelos ensinamentos de Saus-
Para conhecer mais
comendo: sure, Bally cunhou o termo Estilística, cuja teoria
à Poética Clássica. Sã
o se baseia num conceito-chave que serve de suporte
SPINA, S. Introdução para todas as estilísticas posteriores: a linguagem
s, 1967.
Paulo: Martins Fonte
não se presta apenas para expressar ideias, mas
ge
. Rio de Janeiro: Jor
SUHAMY, H. A Poética Co nte mp o- também sentimentos.” Numa outra direção, cami-
ão Cultura
Zahar, nº 10 da coleç nham Vossler e Spitizer, pois esses privilegiam o
rânea, 1988. componente literário. Na perspectiva desses teóri-
ed.
rando o Poético. 3ª cos, tudo o que é determinado pela fantasia só se
ANDRADE, J. Procu
Ed. Ideia: 2002. manifesta genuinamente na literatura.
os
da eloquência: estud
SOUZA, R. A. Império oc en tist a. Rio Desses dois lugares teóricos que dizem sobre a es-
no Brasil oit
de retórica e poética .
o e Ni ter ói: EdUERJ e EdUFF, 1999 tilística, surgem dois segmentos dos estudos esti-
de Janeir
lísticos: um mais próximo da gramática descritiva
(influenciado pelo pensamento de Bally), e o ou-
tro caminhando em direção aos estudos literários
(Vossler e Sitzer). Desses encaminhamentos, temos
A Estilística teve seu primeiro registro escrito em as duas grandes vertentes da Estilística denomina-
português no ano de 1899 e, aqueles que traba- das descritiva e idealista.
lham, nesse campo de estudo, ocupam-se do texto,
ou seja, dos fenômenos relacionados às caracterís- 1.3.1 Estilística Descritiva (Linguística)
ticas – em qualquer nível da língua – individuais
que singularizam os textos. O termo Estilística sur- A Estilística Descritiva ocupa-se dos aspectos afe-
giu no âmbito do Romantismo, via tradição da re- tivos da língua que se encontram à disposição do
tórica, e se consagrou na França, dando ao campo homem de maneira espontânea. A tarefa dessa ver-
outro direcionamento que não mais aquele recla- tente dos estudos estilísticos é a sistematização e/
mado pela Retórica. ou descrição das possibilidades que a língua ofe-
rece para expressarmos os elementos afetivos que
Afirmamos, de saída, que o objeto principal do se encontram na cadeia do enunciado. Dito isso,
qual se ocupa a Estilística é a linguagem poética os elementos afetivos disponíveis na língua encon-
que implica a “manifestação estética, expressiva e/ tram-se sujeitos à descrição, uma vez que partici-
ou apelativa praticada em texto com literariedade” pam de um sistema expressivo.
(Henriques, 2011:52). Mas é importante salientar Conforme Henriques (2011:56) afirma,
que, embora a estilística priorize os textos literá-
rios, não se ocupará apenas deles. a Estilística Linguística, obviamente, procura parceria com
todos os componentes linguísticos do texto, desde os fo-
Segundo Karl Bühler (1950), a Estilística é a dis- nemas, que constroem os morfemas e as palavras, até os
ciplina que estuda a língua nas suas funções ex- períodos e parágrafos, que constroem a totalidade do texto,
sempre levando em conta os valores semânticos, pragmáti-
pressiva e apelativa. O seu criador, Charles Bally
12 Capítulo 1

cos e discursivos. amada. Desse modo, a Estilística Descritiva dará


atenção a esses recursos linguísticos que expressam
Nesse sentido, Mattoso Câmara Jr (1978) acrescenta as emoções do usuário da língua.
ser ela, a Estilística Linguística, um ramo de estudos
que pretende organizar e interpretar dados expres- 1.3.2 Estilística Idealista
sivos que se integram nos traços da língua e fazem
da linguagem esse conjunto complexo e amplo. A Estilística Idealista, de cunho psicológico, pro-
Vejamos um exemplo: cura refletir acerca dos desvios da linguagem em
relação ao uso comum. Essa vertente afirma que
1. Hoje eu tenho apenas uma/pedra no meu peito/ qualquer desvio identificado no uso comum da
Exijo respeito, não sou mais um sonhador/Chego linguagem corresponde a uma alteração no estado
a mudar de calçada/Quando aparece uma flor/E psíquico do escritor. Baseada nesses pressupos-
dou risada do grande amor/Mentira (Samba do tos, a Estilística Idealista entende o estilo como
grande amor - Chico Buarque) a expressão pessoal do escritor conforme reflexo
do seu universo interior e experiência de vida. A
2. A pedra lhe caiu sobre o peito e esmagou a caixa produção literária ganhará centralidade no progra-
torácica. ma de estudos desse campo de investigação, a qual
“considera que toda obra encerra um mistério cuja
Não obstante a proximidade de sentido entre o compreensão depende basicamente da intuição de
enunciado 2 e o início do 1, apenas o 1 carrega quem se investe do desejo de desvendar ‘os mis-
uma bagagem expressiva e emocionada quando térios de criação de uma obra e dos efeitos dessa
Chico Buarque se utiliza de uma metáfora para obra sobre os leitores’ (N.S. Martins, 2008:26)
falar da dor causada pela a ausência da mulher (Henriques, 2011:65).” Vejamos este exemplo:

Fonte: http://www.jobim.org/chico/bitstream/handle/2010.2/656/CB3%20PrJ124-60.jpg?sequence=1
Capítulo 1 13

Esse texto de Chico Buarque de Holanda foi pu- Idealista. Outro trecho que exemplifica essa abor-
blicado num caderno, suplemento do jornal O dagem se encontra no fim do texto quando Chico
Globo em 08 de outubro de 1966. Nesse artigo de se volta para sua própria produção musical e diz
opinião, Chico fala acerca da Bossa Nova, do sam- que seu Refrão é o refrão urbano, do moleque e do
ba, enfim, daquilo que se convencionou chamar pedreiro, da janela e do baião, em outras palavras,
Música Popular Brasileira. No decorrer do texto, é a música que canta os detalhes da vida do povo
Chico expressa seu reconhecimento à contribuição brasileiro sem adornos e requintes.
dada pela Bossa Nova à música popular e faz consi-
derações sobre o samba dizendo que já não é mais
aquele samba de letras fáceis e representante da va- SAIBA MAIS!
riedade popular da língua. Antes, diz que o nosso
na história da Esti-
bom samba aparece, agora, vestido de novo rico e Para aprofundamento
o, recomendo a leitu-
metido a falar difícil. Logo em seguida, diz que a lística e sua aplicaçã
situação atual do samba é promover um resgate das ra do artigo:
-
características originárias, ou seja, a simplicidade O domínio da Estilís
PARENTE, M. C. M. e cri aç õe s
pesquisas
das letras e elaboração calcada no cotidiano e na tica: num convite a te do Ins titu to
Dis cen
fala coloquial dos brasileiros. Essa abordagem con- autônomas. Caderno
pe rio r de Ed uc aç ão . Ano 2. nº 2. Apare-
siderando os aspectos linguísticos, componente Su
.
cida de Goiânia, 2008
temático e elaboração formal é ilustrativa de uma
abordagem dentro dos parâmetros da Estilística

VOCÊ SABIA?
Estilística o da linguagem
: “E stu do s dos fatos de expressã
a estilística deste mo do o dos fatos da sensi-
Charles Bally definiu nte úd o afe tivo, isto é, expressã iste,
de vista de seu co o da linguística, cons
organizada do ponto bre a sen sib ilid ad e.” “A estilística, ram est ilo ’ no sen tido
bilidade pela linguag
em so
ad es est ilís tica s da língua, ‘efeitos de co ns is-
tário das potencialid , que é um “empreg
o voluntário e
portanto, num inven est ilo de tal au tor as sim : “O
no estudo do é definida
saussuriano, e não à sensibilidade, que
s va lor es” . Ess a de finição vincula o estilo lo no sso eu ”; de sse modo, a metá-
tente desse
ma çã o cu ja na tur eza é causada pe du as representações.
for da associação de
sentimento é uma de o esp írit o “ví tim a”
demos tornar
fora existe porque po como jus-
ras literárias, tendo
e, o est ad o cie ntí fico do estilo das ob m ain da crí ticas que
A estilística é, mais
amiúd
de Ro ma n Jak obson: “Se existe s
a tomada de po siç ão nso por mim que ela
tificativa primeira est da lin gu ísti ca em matéria de poesia, pe ac ida de fun -
põem em dúvida a co
mpetência s por uma incap
pe tên cia de alg un s linguistas limitado à fun çã o po éti ca ,
devem prender- se à
incom
lin gu ísti ca ... Um linguista surdo da
à própria ciência da dos métod os
damental em relação blemas e ignorante
ali sta em lite rat ura , indiferente aos pro o fla gra nte .”
como um especi bos, um anacronism
, daqui por diante, am
linguística constituem

2. Língua, Texto e Discurso cos e do texto, pode nos fazer entender os fatos
estilísticos como os que são determinados por fa-
Os fatos estilísticos podem ser observados, descri- tores mais amplos que não apenas linguísticos e/
tos e analisados no texto, já que é no texto que eles ou gramaticais. Assim, nossa intenção é abordar
ganham vida e se realizam. Para entendermos os esses fatos nos próximos capítulos à luz das teorias
fenômenos estilísticos devemos nos apropriar de do discurso, de maneira que julgamos necessário
uma concepção de língua e texto mais ampla que discorrer brevemente acerca da noção de língua,
a apreendida durante os anos escolares e que nos texto e discurso norteando a apresentação e abor-
foi legada pelos gramáticos e professores de língua dagem das manifestações estilísticas apresentadas
materna e estrangeira. A noção de discurso, que neste livro.
muito tem contribuído com os estudos linguísti-
14 Capítulo 1

2.1 A Língua 2.2 O Texto

Na história dos estudos linguísticos, a língua, Hoje, há praticamente um consenso entre os estu-
objeto de sistematização e de especulações diosos da linguagem de que o enunciado é produ-
científicas de cunho positivista, sofre um des- zido em uma condição sócio-histórica dada. Desse
locamento naquilo que diz respeito à sua con- modo, os processos enunciativos se inscrevem em
cepção como “produto social da faculdade de um contexto imediato, que é aquele da situação efe-
linguagem e um conjunto de convenções neces- tiva em que ocorre a enunciação e em um contexto
sárias, adotadas pelo corpo social para permi- mediato, ou seja, o arranjo sócio-histórico mais am-
tir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” plo com suas regras, crenças, costumes etc. Temos,
(SAUSSURE, 2004:17), e passa a figurar em então, isso: a linguagem é produzida e os sentidos
contextos epistemológicos que a veem “como são construídos dentro de um processo que impli-
uma forma de atividade entre dois protagonis- ca um jogo de relações dos sujeitos enunciadores
tas” (POSSENTI, 1988:48). com as condições de produção do enunciado.

Esse deslocamento aparece nos trabalhos de Benve- Numa perspectiva enunciativo-discursiva, o texto
niste (1989; 1991), Ducrot (1988) e Austin (1990) desloca-se de uma concepção centrada na estrutura
que, embasados no viés específico postulado por e passa a ser visto como o lugar por excelência, em
cada teórico, trazem para os estudos linguísticos que se dá a interação entre sujeitos. Mediada pela
elementos que haviam sido deixados de fora de linguagem, essa interação se configura em textos,
uma análise linguística de cunho estruturalista. formulados numa dada instância sócio-histórica, e
Assim, esses trabalhos ampliam as perspectivas passam a circular socialmente. Esse aspecto inte-
de abordagem que, agora, não mais se atêm tão racional do texto que constitui sua textualidade é
somente à forma linguística, mas se ocupam dos possível porque “todo texto tem um sujeito, um
usos feitos pelos falantes, ou seja, da enunciação autor” (BAKHTIN, 2006:308) que se inscreve nas
em situações efetivas de comunicação. malhas textuais e com o qual o sujeito leitor ne-
cessariamente interage quando da produção da lei-
Não obstante os estudos pragmáticos tenham tura. É nessa relação intersubjetiva que o diálogo
oferecido uma contribuição bastante significati- se estabelece e abre para a possibilidade de uma
va à inclusão do sujeito e da situação de fala às resposta que, por sua vez, cria as condições para
reflexões desenvolvidas sobre os processos enun- que novos textos se constituam. Acerca do autor
ciativos, o alcance das suas pesquisas iniciais não e do leitor, Bakhtin (2006:311) diz que “o acon-
ia além da situação empírica de interação ver- tecimento da vida do texto, isto é, sua verdadeira
bal entre interlocutores e o contexto imediato. essência, sempre se desenvolve na fronteira de duas
Nessa direção, a Análise do Discurso de linha consciências, de dois sujeitos.”
francesa (doravante, AD) “produziu estudos
concretos que fizeram avançar a questão do su- Em seus aspectos estruturais, organizadores do cor-
jeito, arrancando-o a uma visão psicologizante, po textual, apresenta coerência, coesão, não con-
por um lado, e à empiricidade imediata das situ- tradição, progressão etc. Na perspectiva dos primei-
ações de comunicação, por outro” (GUILHAU- ros trabalhos elaborados no campo da Linguística
MOU; MALDIDIER, 1989:62). Assim sendo, a Textual, esses aspectos, dentre outros, asseguram
abordagem da enunciação na perspectiva da te- a textualidade de um texto. Embora concordemos
oria do discurso, tem seus horizontes alargados, que um texto se caracteriza também por seus aspec-
posto que a análise dos processos de produção tos estruturais e linguísticos, acreditamos em que
de sentido, nessa perspectiva, não recai apenas não se define apenas por eles mesmos nem como
sobre o contexto imediato em que o enunciado é objeto fechado. Conceber o texto como um artefa-
produzido, mas implica as condições amplas de to construído com base na realização de regras de
sua produção. A AD desloca a análise das con- boa formação textual é reduzi-lo ao nível linguísti-
dições de enunciação de um contexto restrito à co sem remetê-lo às condições de produção. Desse
situação de fala e a situa em outro lugar ou em modo, não conceituamos o texto nos seus aspectos
outro plano, por assim dizer, o dos processos estritamente linguísticos, mas procuramos “redefi-
sócio-históricos de produção de sentidos. nir a noção de texto como materialidade do dis-
curso, isto é, da materialidade linguístico-históri-
Capítulo 1 15

ca” (ORLANDI, 2001:74). Assim, os processos de que toda atividade comunicativa que se organiza
textualização, vistos por um viés discursivo, não em torno do texto verbal ou não verbal se insere
se reduzem aos aspectos meramente formais, mas em uma categoria genérica determinada por fato-
são definidos em relação ao discurso, ou seja, aos res linguísticos e extralinguísticos.
interlocutores em interação discursiva, à situação
pragmática, ao contexto sócio-histórico etc.. Além disso, os gêneros discursivos medeiam o
processo de interação verbal entre interlocutores
2.3 O Discurso de tal modo que podemos afirmar com Marcus-
chi (2005:22) “que é impossível se comunicar
Em Orlandi (1999), lemos que o discurso é palavra verbalmente a não ser por algum gênero (...)”. O
em movimento, prática de linguagem. De acordo processo comunicativo só é bem sucedido porque
com a autora, o discurso se caracteriza como pro- há regularidades na forma dos gêneros que são de-
cesso histórico de produção de sentidos em que a terminadas por fatores sociocomunicativos e fun-
língua intervém como pressuposto. Pensado como cionais, de modo que, se a língua não elaborasse
um complexo processo de constituição dos sujeitos “seus tipos relativamente estáveis de enunciados”
em interação pela linguagem e dos sentidos histo- (BAKHTIN, 2006) a comunicação, certamente,
ricamente situados, o discurso é entendido como ficaria comprometida, uma vez que o falante se uti-
um objeto sócio-histórico que tem sua regularida- lizaria de formas diferentes a cada acontecimento
de, seu funcionamento. comunicativo. A estrutura relativamente estável do
gênero discursivo permite que o falante recorra à
Essa relação constitutiva dos processos de signifi- forma mais apropriada para realizar com compe-
cação permeia todo e qualquer enunciado – desde tência seu projeto de dizer.
o mais simples, como um aviso para não fumar
colocado na parede de um hospital, aos mais com- ATIVIDADE |
plexos, como um romance. De um a outro enun- Leia o texto abaixo:
ciado, temos determinantes sócio-históricos que
atravessam a cadeia do dizer e fazem se dizer de
uma determinada forma e não de outra.

VOCÊ SABIA?
-
ularidade de uma lín
“[...] a estrutura ou reg nfi gu rad a pe lo
e é co
gua surge do discurso -
cu rso , ma s o dis cu rso também é configu
dis ad e da lín - Fonte:
ou regularid
rado pela estrutura en tão a gra má -
tende r
gua. Não há de se en , um
quisito do discurso 1. Agora identifique o gênero discursivo no
tica como um pré-re nti-
e se atribui de forma idê qual o texto se realiza.
bem anterior qu seu int erl oc u-
anto ao
ca tanto ao falante qu e est rut ura m os
ca s qu
tor. As formas linguísti o- 2. Para processar e entender o anúncio, o lei-
drões fixos, são comp
discursos não são pa çã o em iss or/ re- tor levanta hipóteses acerca de alguns conheci-
intera
nentes negociáveis na
co m ba se em esc olhas que refletem as mentos que se encontram no nível do discurso,
ceptor as
pelos falantes com ess
experiências vividas s, 20 11 :4)
como possíveis enunciadores, lugar e tempo de
(Henrique
formas linguísticas.” enunciação. Mobilize hipóteses e diga quem são
os enunciadores, o lugar de enunciação e o mo-
mento histórico de produção do texto acima.

3. Gêneros Discursivos 3. Como o anunciante explora a polissemia


implicada na palavra “burro”?
As práticas comunicativas dos sujeitos interactan-
tes nunca se dão desvinculadas de um gênero dis- 4. Uma vez que o estilo não se manifesta ape-
cursivo que configura, igualmente, um modo de nas na obra literária, reflita sobre a relação en-
enunciar. Maingueneau (2005) afirma que todo tre elementos extralinguísticos e construção do
texto pertence a um gênero do discurso, de modo estilo nesse anúncio publicitário.
16 Capítulo 1

REFERÊNCIAS gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola


Editorial, 2008.
ANDRADE, J. Procurando o poético. 3. ed. João
Pessoa: Ideia, 2002. ______. Gêneros textuais: definição e funcio-
nalidade. In: DIONÍSIO A. P.; MACHADO, A.
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer – palavras e R. BEZERRA M. A (Orgs). Gêneros textuais e
ações. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. ensino. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. ORLANDI, E. Discurso e texto: formulação e cir-
4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. culação dos sentidos. São Paulo: Pontes, 2001.

BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral ______. Análise de Discurso: princípios e proce-


I. 3ª ed. São Paulo: Pontes, 1991. dimentos. São Paulo: Pontes, 1999.

________. Problemas de Linguística Geral II. 3ª POSSENTI, Sírio. Discurso, estilo e subjetivida-
ed. São Paulo: Pontes, 1989. de. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

BÜHLER, K. Teoría Del Lenguaje. Madrid: Revis- SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística
ta de Ocidente, 1950. Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

CÂMARA JR. J. M. Contribuição à Estilística


Portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1978.

DUBOIS, J. et alii. Dicionário de linguística. São


Paulo: Cultrix, 2006.

DUCROT, O. O Dizer e o Dito. Campinas, Pon-


tes, 1988.

GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moder-


na. 27ª ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2010.

GUIRAUD, P. A Estilística. São Paulo: Mestre


Jou, 1978.

GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D. Da enuncia-


ção ao acontecimento discursivo em Análise do
Discurso. In: GUIMARÃES, E. História e sentido
na linguagem. Campinas: Pontes, 1989.

HENRIQUES, C. C. Estilística e discurso: estu-


dos produtivos sobre texto e expressividade. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2011.

JORNAL O GLOBO. Meu refrão. Caderno Su-


plemento, 1966. Disponível em: http://www.
jobim.org/chico/handle/2010.2/656

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comu-


nicação. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de


2
Capítulo 2 17

Níveis de Análise
Estilística
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os fundamentos históricos da Estilística;

• Refletir acerca dos recursos estilísticos disponíveis na língua portuguesa;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos expressivos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caríssimo estudante,

Após traçar o percurso histórico e apresentar a base teórica dos fatos estilísticos
que irão figurar neste curso, delinearemos os níveis de análise estilística, de ma-
neira que vamos abordar, neste capítulo, a Estilística Fônica, Lexical, Sintática e
da Enunciação. Sobre Estilística Fônica, entendemos aquela que se volta para os
fenômenos estilísticos que se dão no nível do fonema; a Estilística Lexical, por
sua vez, se debruça sobre os fenômenos no nível do léxico; a Estilística Sintática
repousa seus interesses nos efeitos estilísticos que se dão nas relações entre as
palavras; a Estilística da Enunciação privilegiará o enunciado, ou seja, os textos
efetivamente realizados em situação de enunciação. Na Estilística da Enuncia-
ção, o estilo é referido aos processos de constituição do texto de maneira que
elementos extralinguísticos, como os interlocutores e o lugar da enunciação, são
considerados na abordagem dos fatos estilísticos.
Bom estudo!
Prof. Luciano Azevedo

1. Estilística Fônica
O estilo não é um fenômeno reservado apenas aos enunciados ou às palavras. Ele
se manifesta também nas unidades mínimas da língua que são chamadas de fone-
ma. Pensando nisso, Henriques afirma que “os valores estilísticos podem ter uma
natureza sonora e se expressam tanto no âmbito da palavra como no dos enuncia-
dos” (Henriques, 2011:95). Além do elemento fonético, ele acrescenta o ritmo,
18 Capítulo 2

a intensidade e a entonação como elementos que


devem ser considerados quando se analisa o estilo Por fim, englobando todos os fenômenos acima
produzido no nível do som, qual seja, o fonema. descritos, temos a Prosódia. Por Prosódia entende-se
Assim, ele define ritmo, intensidade, entonação e
prosódia, esta última tratada pelo autor como fe-
São São São
nômeno pertencente a outro nível, mas ambien- oxítonas paroxítonas proparoxítonas
tada no campo da sonoridade. Por ritmo, o autor cateter aziago década
entende ser a distribuição de sons num enunciado,
condor gratuito lêvedo
considerando de que modo eles se organizam ou
hangar fortuito égide
se repetem a intervalos regulares, ou espaços sen-
síveis quanto à duração e à acentuação. Já no que cister rubrica aerólito
diz respeito à intensidade, o autor declara que se
trata do maior grau de força expiratória com que a área da fonética preocupada com a exata acentu-
o som da fala é proferido, força que se manifesta ação tônica das palavras.
acusticamente na maior ou menor amplitude de Para entender a estilística fônica, temos que nos ocu-
vibrações. É nesse momento que o linguista traz par dos fenômenos que se dão no nível do fonema
aquela clássica definição de sílaba átona e tônica. e relacionar essa produção fônica à construção de
Por sílaba átona, entende-se aquela proferida com
menor intensidade, característica que a difere da
tônica, uma vez que esta se refere à sílaba sobre a
qual recai a intensidade. Trocando em miúdos, a
sílaba ou vogal tônica é aquela acentuada e a vogal

Fonte: http://nathaliaqueirozdesigns.wordpress.com/tag/publicidade/
SAIBA MAIS!
la-
envolvidos na articu
Há outros processos tim bre , a alt ura
como o
ção dos sons da fala,
ea qu an tid ad e.

resultante da maior
Timbre: efeito acústico
da bo ca. Essa produção
ou menor abertura as
ção das vogais abert
é máxima na produ da s vo ga is fe-
emissão
(a, é, ó), mínima na s
(ê, ô, i, u) e mé dia na formação da
chadas
reduzidas.
in-
ditiva relacionada à
Altura: impressão au
tensidade do som.
ito à duração da emis-
Quantidade: diz respe um determinado efeito estilístico. É isso que tenta-
são de um som.
-
remos mostrar nos textos abaixo:
foram retiradas de CE
As definições acima áti ca da Lín gu a O anúncio publicitário acima foi elaborado por
a Gr am
GALLA, D. P. Novíssim l ocasião do Dia dos Namorados, que é comemo-
gu esa . Sã o Pa ulo : Companhia Editoria
Po rtu rado no Brasil no dia 12 de junho. A intenção
Nacional, 2005.
do enunciador é, por meio do anúncio, divulgar
uma promoção realizada pelo Shopping Tacaruna,
que consiste em premiar, com um carro Gol, zero
quilômetro, aqueles consumidores que realizarem
ou sílaba átona é aquela não acentuada.
compras acima de 200 reais. Vale salientar que, até
Na zona de articulação da palavra, ainda temos
correr o sorteio, todos os consumidores que apre-
outro fenômeno que implica a variação de tom,
sentam compras acima de 200 reais são possíveis
qual seja, variações de altura na cadeia vocabular
ganhadores da promoção.
as quais resultam da velocidade e vibração das cor-
das vocais.
Capítulo 2 19

No anúncio, o enunciador joga com o nome do Só para citar alguns, temos a presença dos versos
carro – Gol – e o grito extenso e demorado da pa- regulares, das rimas ricas, perfeitas e raras, o uso
lavra Gol quando pronunciada por ocasião de um das fricativas [ s ], [ f ], [ v ] e [ R ] e de figuras de
jogo de futebol, por exemplo, quando a bola atra- linguagem, como a aliteração e a paranomásia.
vessa a linha que fica embaixo da baliza. O contex-
to de produção do anúncio foi o ano da Copa do No início do poema, encontramos o uso da pa-
Mundo e o enunciador, ao construir o anúncio, ranomásia, que consiste no emprego de palavras
deixa implícito o sentido de que, ao fazer compras parônimas (que têm sons parecidos). O uso dessas
no valor determinado pelo regimento da promo- palavras pode produzir ambiguidades dentro do
ção, conta-se com a possibilidade de ganhar o carro texto, dar um tom engraçado ou criar uma sonori-
Gol, de maneira que sair vencedor da promoção é dade diferente. No poema de Eugénio de Castro, a
equivalente à alegria produzida quando pronuncia- presença da paranomásia tem a finalidade de criar
mos euforicamente Gooooooooooooooooooolllllllllllll!! certa musicalidade, como podemos constatar no
Assim, ganhar o Gol (carro) é como ganhar a Copa primeiro verso:
do Mundo ou gritar Gooooollll!! quando a Seleção
Brasileira de Futebol faz “aquele” gol contra o time a. Na messe, que enlourece, estremece a quer-
adversário. messe

O efeito estilístico produzido pela intensidade e A aliteração aparece como recurso estilístico utili-
quantidade da palavra Goooooollllll!!! produz no zado para reforçar a sonoridade impressa ao poe-
leitor a impressão de vitória que se encontra am- ma e pode ser identificado nos versos:
plamente associada às ideias de consumo, concor-
rência e premiação implicados na promoção. b. Sons suaves, sonolentos
Sonolentos e suaves
Vejamos agora um excerto deste poema de Eugé- Em suaves
nio de Castro: Suaves lentos, lamentos (...)

Um Sonho Outro recurso ligado à sonoridade é o uso das fri-


cativas já mencionadas acima e que aparecem nos
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse… versos:
O Sol, o celestial girassol, esmorece…
E as cantilenas de serenos sons amenos c. O sol, celestial girassol, esmorece
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos…
E as cantilenas de serenos sons amenos
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros… Fogem fluidas, fluindo a fina flor dos fenos
Cornamusas e crotalos,
Cítolas , cítaras, sistros, O poeta Eugénio de Castro foi quem melhor traba-
Sons suaves, sonolentos lhou em seus versos a rima, o ritmo e o vocabulário
Sonolentos e suaves e, com base nos recursos estilísticos que se dão ao
Em suaves nível do som, construiu efeitos estéticos surreais.
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves... 2. Estilística Lexical

Esse poema de Eugénio de Castro, poeta portu- Na estilística lexical, explora-se a carga expressiva
guês e introdutor do Simbolismo em Portugal, das palavras que compõem os textos. Vamos anali-
apresenta vários elementos que produzem no texto sar este poema de Carlos Drummond de Andrade
um efeito estilístico no nível do som. Os recursos sob essa perspectiva:
sonoros disponíveis na língua e utilizados pelo
poeta na construção do poema dão ao texto uma O Homem; As Viagens
musicalidade que nos faz recitá-lo como se estivés-
O homem, bicho da terra tão pequeno
semos cantando uma delicada música de Djavan,
Chateia-se na terra
cantor brasileiro. Que recursos sonoros são esses? Lugar de muita miséria e pouca diversão,
20 Capítulo 2

Faz um foguete, uma cápsula, um módulo A perene, insuspeitada alegria


Toca para a lua De con-viver.
Desce cauteloso na lua O poema de Drummond tem como referência dois
Pisa na lua momentos históricos que devem ser mobilizados
Planta bandeirola na lua quando da interpretação do texto, quais sejam, a
Experimenta a lua viagem do homem à Lua em 1969, e o movimento
Coloniza a lua
ecológico que teve início em 1968, com base nos
Civiliza a lua
Humaniza a lua. protestos que explodiram em vários países. Vale
Lua humanizada: tão igual à terra. lembrar que, anos depois, em 1972, é realizada a
O homem chateia-se na lua. Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano.
Vamos para marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte A princípio, o poema não apresenta grandes difi-
Pisa em marte culdades de interpretação. Ao longo dos versos,
Experimenta Drummond fala das viagens, descobertas e con-
Coloniza quistas humanas que saturam, mas produz, tam-
Civiliza bém, no homem uma sensação de vazio. À decep-
Humaniza marte com engenho e arte.
ção que acompanha cada descoberta, segue-se a
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte? necessidade de redescobrir-se para, ressignificando-
Claro - diz o engenho -se, ressignificar o mundo.
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus. Nos últimos versos do poema, Drummond cria
O homem põe o pé em vênus, neologismos para falar dessa nova condição do
Vê o visto - é isto? homem e da tentativa de promover arranjos exis-
Idem tenciais que permitam a sobrevivência baseada no
Idem conhecimento de si mesmo. Após sucessivas decep-
Idem. ções durante sua viagem espacial, resta ao homem
O homem funde a cuca se não for a júpiter
somente o conhecimento de si mesmo. Findo o
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa espanto provocado pelo conhecimento inusitado,
Repetir o inquieto sobra-lhe o espetáculo banalizado da televisão que
Repetitório. é expresso no verso O homem chega ao sol ou dá uma
Outros planetas restam para outras colônias. volta/Só para tever?
O espaço todo vira terra a terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta A mudança de verbos no tempo presente (experi-
Só para tever? menta, coloniza, civiliza, humaniza) – que confi-
Não-vê que ele inventa guram rimas de som mais leve – para verbos no
Roupa insiderável de viver no sol. futuro do indicativo e infinitivo (pôr, experimen-
Põe o pé e:
tar, civilizar, colonizar, humanizar) produz uma
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado. alteração no ritmo do poema que também apon-
Restam outros sistemas fora ta para a necessidade desse homem em explorar
Do solar a col- o universo interior. A esse projeto estético, que
Onizar. leva a refletir acerca das perplexidades produzidas
Ao acabarem todos pelo mundo moderno e propõe a instauração de
Só resta ao homem uma nova perspectiva que valorize a busca interior,
(estará equipado?) somam-se os efeitos expressivos e impressivos, pro-
A dificílima dangerosíssima viagem duzidos por palavras como co-lonizar e con-viver, a
De si a si mesmo: adjetivação presente em a dificílima dangerosíssima
Pôr o pé no chão
viagem, em suas próprias inexploradas entranhas e a
Do seu coração
Experimentar perene, insuspeitada alegria. Assim, além de figuras,
Colonizar imagens e rimas, Drummond explora o léxico da
Civilizar língua portuguesa para construir com expressivida-
Humanizar de uma obra prima da sua antologia e conduzir o
O homem leitor à reflexão acerca da voracidade dos tempos
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas modernos que ameaça o desenvolvimento de so-
Capítulo 2 21

ciedades mais fraternas, solidárias e socioambien- são postos em relação para formar frases.
talmente mais justas. Neste nosso estudo, vale fazer uma distinção entre
3. Estilística Sintática frase, oração e período. Por frase, entendemos a pro-
dução de um enunciado com sentido completo, de
A sintaxe é o campo que estuda as combinações ocor- maneira que se constitui como a menor unidade
ridas entre elementos da língua que vão, em senti- autônoma de comunicação. Luft (2002) vai dizer
do lato, da derivação das palavras pela combinação que a frase possui uma dupla autonomia: uma que
de afixos e, em sentido estrito, à palavra, de manei- se dá no plano do significado, pois possui uma
ra que por sintaxe entende-se, tradicionalmente, “o intenção comunicativa definida e outra no pla-
estudo das regras que presidem à combinação de no significante, uma vez que apresenta uma linha
palavras para constituir frases” (LUFT, 2002:27). completa de entoação. Quando a frase apresenta
apenas um verbo, temos uma oração e, logo, um
A análise de uma comunicação completa abrange único período. Vale salientar que todo período é
cinco elementos que podem ser assim dispostos: uma frase, mas nem toda frase é um período, pois
há frases sem verbos e, por conseguinte, não cons-
1. texto (oral ou escrito); tituem período.
2. frase;
3. sintagma;
4. palavra;
5. morfema.
SAIBA MAIS!
o da
r constituinte imediat
Sintagma é qualque su jei to, co mp lem en-
ção de
COMUNICAÇÃO oração, exercendo fun po de ser
to adverbial. Tanto
to, predicativo, adjun pa lav ra:
CLASSES ELEMENTOS mais de uma
uma palavra só como
texto frase(s) nção.
história com muita ate
frase sintagma(s) O aluno está lendo a ate nta me nte
lê aquilo
Ele SP/Adv
sintagma palavra(s) SV SS
SS
palavra morfema(s)
morfema *Nomenclatura:
tivo
SS: sintagma substan
SV: sintag ma ve rba l
Cada um desses elementos constitui unidades que tivo
SS: sintagma substan ad-
vão do elemento superior ao inferior, sendo o mor- pre posicional e sintagma
SP/Adv: sintagma
fema uma unidade que não é desmembrável. verbial
Dentre essas unidades, são objeto da Sintaxe, em

Acerca da oração, afirmamos que se trata de uma


SAIBA MAIS! unidade marcada por verbo. Geralmente, a oração
. apresenta um substantivo a que se refere e com o
e clássica portuguesa
BRANDÃO, C. Sintax , 19 63 . qual concorda o verbo, formando a estrutura biná-
Au tor
Belo Horizonte: Ed. do ria (Sujeito + Predicado).
matical, sintaxe fun- Qual o lugar, porém, da estilística nisso tudo?
MEIER, H. Sintaxe gra .
Boletim de Filologia
cional, estilística. In:
, 1946.
Lisboa, 8 (2):120-144 A única coisa que está relacionada com a estilís-
syntax of spoken Bra
- tica é a extensão da frase e sua organização. De-
THOMAS, E. W. The Va nd erb ilt, pendendo do tema, do tópico frasal e dos focos
Na sh vil le,
zilian Portuguese.
1969. dados, teremos uma determinada “arrumação”
da frase. Sobre isso, Henriques (2011:105) diz
que “os tópicos e os focos dados no interior das
sentido estrito, a frase e o sintagma. Assim, interes- frases resultam em efeitos na ordem das palavras,
sa ao campo entender como as palavras se combi- na combinação dos sintagmas, na disposição dos
nam para formar sintagmas e como os sintagmas termos e nas escolhas morfossintáticas.” Assim, o
22 Capítulo 2

produtor de textos tem diante de si uma infinida-


de de possibilidades combinatórias que permitem Ao empregar o pronome reto eu, na função sintá-
a escolha entre um período simples ou composto, tica de complemento do verbo beijar, no lugar do
uma forma sintética ou analítica, uma voz ativa ou pronome oblíquo me, a autora intenciona desta-
passiva, concordância verbal ou nominal, regência car os desejos do eu lírico e dar maior destaque à
verbal ou nominal etc. Essas escolhas, dentro de subjetividade que se revela por meio de um desejo
uma proposta de construção do texto e do sentido, de atenção que esse eu lírico evoca. Esse uso insis-
favorecem a expressividade dos textos de maneira a tente do imperativo seguido de pronome pessoal
caracterizar o estilo subjacente à produção textual. remete à criança que ainda não consegue formular
Vejamos um exemplo: sentenças linguísticas normativas e diz: - Levanta
eu, mamãe. Ainda sobre esse aspecto do uso do pro-
Beija Eu nome oblíquo, vale destacar o verso Me beija que
(Marisa Monte) inicia oração com uma próclise quando, de acordo
com a norma padrão da língua, a autora deveria
Seja eu, seja eu, utilizar uma ênclise. Se assim o fizesse, certamen-
Deixa que eu seja eu te não atingiria os efeitos estilísticos que é indicar
E aceita o que seja seu
uma “conversa” informal entre dois amantes a
Então deita e aceita eu
qual se caracteriza pelo desenvolvimento de uma
Molha eu, seca eu série de ordens que são colocadas numa sequência.
Deixa que eu seja o céu
E receba o que seja seu Queremos chamar a atenção para a construção
Anoiteça, amanheça eu Seja eu no início do poema. Essa construção, num
primeiro momento, deixa-nos a impressão de que
Beija eu, beija eu, beija eu o verbo ser se encontra no imperativo. Com base
Me beija em uma análise mais aprofundada e atenta, con-
Deixa o que seja seu cluímos que o verbo, ora mencionado, encontra-se
Então beba e receba
no modo subjuntivo e é como se o eu lírico estives-
Meu corpo, no seu corpo
Eu no meu corpo se, ao utilizar o sujeito posposto ao verbo, dizendo:
Deixa, eu me deixo
Anoiteça, amanheça É necessário que [“seja eu”] aceita por você.

Seja eu, seja eu, Passando essa sentença para a ordem direta, terí-
Deixa que eu seja eu amos: É necessário que eu seja aceita por você. Esse
E aceita o que seja seu emprego do verbo no modo subjuntivo no verso
Então deita e aceita eu Seja eu é reforçado numa outra estrofe quando o
eu lírico expressa: Deixa que eu seja eu. Nesse verso,
Molha eu, seca eu
o verbo está posto no subjuntivo de maneira clara.
Deixa que eu seja o céu
E receba o que seja seu Todas essas estratégias linguísticas utilizadas pela
Anoiteça , amanheça eu. compositora apontam para o forte poder apelati-
vo do poema e a carga expressiva construída desde
A autora da letra, Marisa Monte, resolveu trans- o jogo estabelecido entre as palavras. Por meio de
gredir algumas normas do padrão culto da língua um jogo expressivo, o eu lírico externa seu desejo
portuguesa a fim de produzir determinados efeitos de atenção e centralidade.
expressivos. Assim, ela começa promovendo essa
transgressão já no título da letra que apresenta um
pronome do caso reto eu (1ª pessoa do singular) 4. Estilística da Enunciação
como complemento do verbo beijar quando, de
acordo com a norma culta, deveria utilizar o pro- O estilo de um enunciado é também resultante
nome oblíquo átono me. Além disso, nas orações das determinações extralinguísticas, ou seja, dis-
imperativas afirmativas, os pronomes oblíquos áto- cursivas, que incidem sobre esse enunciado. Henri-
nos devem estar em ênclise (isto é, após o verbo) ques (2011:116) afirma que “não se pode dissociar
e o pronome pessoal do caso reto eu só pode ser a relação que existe entre o estilo e o enunciado,
empregado na função sintática de sujeito. entre o estilo e os domínios (ou gêneros) do dis-
Capítulo 2 23

curso.” O enunciado é o produto de um processo Inácio Lula da Silva nas eleições 2002. No topo da
de enunciação, de maneira que os elementos que capa, temos o enunciado O PRIMEIRO PRESI-
participam desse processo (enunciadores, gênero DENTE DE ORIGEM POPULAR em amarelo
discursivo, momento e lugar de enunciação, con- e, logo abaixo, a logomarca Veja em azul (que sofre
dições sócio-históricas etc) afetam o enunciado e uma gradação do mais escuro para o mais claro),
sua construção. É nesse sentido que Henriques torneada por um filete branco e, sobre a letra “v” e
(2011:118) postula um objetivo para a Estilística “e”, passa uma tarja em amarelo que anuncia RE-
da Enunciação ao dizer que “para a estilística da PORTAGEM ESPECIAL em preto. Acima da le-
enunciação, interessa, sobretudo, estudar o siste- tra “a”, consta a editora, a edição, preço e data de
ma expressivo inteiro em seu funcionamento.” Ao publicação e, abaixo, o site da revista (www.veja.
falar desse sistema expressivo inteiro, Henriques com.br). No centro, a foto de Lula que, sorrindo,
(2011) refere-se aos aspectos de ordem fonológica segura a bandeira do Brasil. Do lado esquerdo, o
e morfossintática, mas também discursiva, que de- enunciado: Seu desafio: retomar o crescimento e
vem ser considerados na análise de um enunciado. corrigir as injustiças sociais sem colocar em risco
A expressividade de um texto é, por um lado, de- as conquistas da era FHC. Sobre a bandeira, na par-
te inferior, e centralizado, aparece o
enunciado em maiúscula e destaca-
do: TRIUNFO HISTÓRICO. No
canto direito, inferior, encontramos
a logomarca da Editora Abril e, do
mesmo lado, sobre a bandeira, iden-
tificamos Luís Inácio Lula da Silva,
57 anos. O código de barras apare-
ce no lado esquerdo da capa. Todos
esses elementos são colocados sobre
um fundo azul que aparece em um
movimento gradativo de tonalidade
que vai do mais claro, partindo do
centro da capa para o mais escuro.

As cores usadas pelo enunciador,


na construção da capa, conferem
uma impressão de misticismo que
dá à cena um aspecto bastante pe-
culiar de aparição miraculosa. Essa
capa traz cores amenas e alegres as
Fonte: http://veja.abril.com.br/

quais convergem para a construção


de uma cena que vai ao encontro do
leitor/eleitor no sentido de come-
morar com ele a vitória nas urnas do
seu candidato. É uma capa festiva
que traduz vitória mediante uma ati-
tude contumaz e uma força de von-
tade inabalável.
terminada por seus aspectos linguísticos de nature-
za fonológica e morfossintática e, por outro lado, No enunciado O PRIMEIRO PRESIDENTE DE
por aspectos discursivos que constituem a teia do ORIGEM POPULAR, o enunciador remete à
dizer. Vamos ver como isso acontece, analisando a origem de Lula e ativa na memória do leitor essa
capa da revista Veja: história do presidente que é pontilhada de neces-
A capa acima é uma edição especial de Veja e traz di- sidades não atendidas e condições limitadas. Nes-
versas reportagens sobre a vida e a história política se primeiro enunciado, temos os primeiros tijolos
de Lula e do PT. A razão para esse dossiê publicado discursivos que participarão da construção de uma
em uma edição especial de Veja é a vitória de Luís representação de Lula, que é identificado com o
24 Capítulo 2

menino pobre e cercado de déficits que acompa- triunfos do governo anterior que Lula não poderá
nharão sua trajetória. Na reportagem que a revista colocar em risco sob pena de ser punido pelos elei-
traz, lemos que meninos pobres como Lula não tores que lhe deram um voto de confiança. Desse
nascem no Brasil para serem presidentes e vemos modo, o discurso de Veja constrói uma identidade
uma foto que traz como legenda Lula aos 3 anos. de Lula para desqualificá-la e favorecer o suposto
Sandálias emprestadas pelo fotógrafo. Nessa capa, está desenvolvimento trazido pela direita.
delineada a construção de um sujeito íntegro e Nessa capa da revista Veja, podemos ler – no senti-
vencedor por ter superado todo tipo de precon- do pleno da palavra – a construção da identidade
ceito e limitação para chegar ao posto máximo da do presidente Lula. Desse modo, através de estra-
atividade política. Nessa mesma reportagem, Lula
é comparado a Machado de Assis que, não obs-
tante às limitações físicas e sociais pesando sobre
SAIBA MAIS!
ele, tornou-se o maior escritor brasileiro. Dos fios
Rosário. Formação
discursivos que se lançam na cena de enunciação, GREGOLIN, Maria do
me mó ria e trajetos so-
faz-se um herói. discursiva, redes de
e produção de iden-
ciais de sentido: mídia
: http://www.uems.
tidades. Disponível em
A cena se amplia e o olhar do leitor se depara tm l . Acesso em 07 de
br/padadi/rosario.h
com a imagem sorridente de Lula, que, de pale- nov. de 2007.
tó, gravata e cabelos e barbas feitos, segura, num
tória e a produção
gesto triunfal, a bandeira do Brasil. Na bandeira _______. Discurso, his
dia. Disponível em:
da identidade na mí -
que se abre, as palavras ORDEM E PROGRESSO s.com/gt_ad/maria
http://www.geocitie o em 14 de
são encobertas pelo enunciado TRIUNFO HIS- dorosariogregolin.doc
Ac ess
TÓRICO que se sobrepõe. As mãos que seguram maio de 2008.
a bandeira não são aquelas que, durante os anos
A revista Veja e o
da Ditadura Militar, traduziam uma intransigên- HERNANDES, Nilton.
go na globalização:
discurso do empre
cia que precisava ser contida e combatida, porque . Dissertação. (Mes-
uma análise semiótica
vinda de um agitador que, durante as paralisações ) – Universidade de
trado em Lingüística
, 2001.
do ABC, distribuía caninha 51 aos grevistas. Nes- São Paulo, São Paulo
sa nova cena política, Lula representa o triunfo de IstoÉ, Leia: produ-
MAGALHÃES, L. Veja,
uma ideia e, por conseguinte, a imagem do herói tid o na mídia. Teresi-
ção e disputas de sen
que luta contra todas as mazelas e injustiças é refor- na: Ed. da UFPI, 2003
.
çada pelos efeitos estilísticos produzidos na cons-
to: formulação e cir-
trução do enunciado. _______. Discurso e tex
. São Paulo: Pontes,
culação dos sentidos
2001.
Nessa atmosfera discursiva, em que cores, imagens,
perspectivas e palavras participam da construção
de um discurso sobre a vitória de Lula nas eleições
2001, temos um enunciado um pouco mais lon-
go que diz: Seu desafio: retomar o crescimento e tégias discursivas que produzem determinados
corrigir as injustiças sociais sem colocar em risco efeitos expressivos, Veja constrói uma determi-
as conquistas da era FHC. Como todo bom he- nada imagem do ex-presidente Lula e, assim,
rói, Lula terá desafios a enfrentar e o maior deles é manipula a opinião pública produzindo senti-
retomar o crescimento, ou seja, dar continuidade dos e sujeitos que circulam socialmente e mo-
ao que vinha sendo desenvolvido no governo de delam o imaginário dos leitores.
Fernando Henrique Cardoso (FHC). Isso significa ATIVIDADE |
que Lula não terá de fazer muita coisa nem preci- Faça uma análise do poema de Manuel Ban-
sa inovar, pois muito já foi feito e ele só tem que deira (1886-1968), Neologismo, com base nos
retomar de onde FHC parou e dar continuidade. pressupostos da Estilística Lexical.
Assim, na materialidade linguística, é possível ler
sentidos que deslizam e desembocam em outros e, Neologismo
ao lermos retomar o crescimento e sem colocar
em risco as conquistas da era FHC, interpretamos
que esse discurso favorece e coloca como central os
Capítulo 2 25

Beijo pouco, falo menos ainda.


Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
REFERÊNCIAS
CEGALLA, D. P. Novíssima Gramática da Língua
Portuguesa. São Paulo: Companhia Editorial
Nacional, 2005.

HENRIQUES, C. C. Estilística e discurso: estu-


dos produtivos sobre texto e expressividade. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2011.

CASTRO, E. Um sonho. Disponível em: http://


www.jornaldepoesia.jor.br/eug01.html

ANDRADE, C. D. O homem; as viagens. Dis-


ponível em: http://letras.terra.com.br/carlos-
-drummond-de-andrade/807510/

LUFT, C. P. Moderna Gramática Brasileira. São


Paulo: Ed. Globo, 2002.

MONTE, M. Beija eu. Disponível em: http://le-


tras.terra.com.br/marisa-monte/6644/
3
Capítulo 3 27

Estrutura e
Formação das Palavras
Prof. Luciano Taveira de Azevedo
Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os fundamentos históricos da Estilística;

• Refletir acerca dos recursos estilísticos disponíveis na língua portuguesa;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos expressivos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caríssimo estudante,

Neste capítulo, abordaremos alguns fatos da língua numa perspectiva estilística


e discursiva. Assim, tentaremos refletir acerca de conteúdos expostos na gramá-
tica normativa com base na análise estilística e, sempre que possível, traremos
esses conteúdos para a discussão dos aspectos do discurso que determinam a
construção do estilo. Na esteira do que pretendemos desenvolver neste capítulo,
encontram-se o Processo de Formação das Palavras e o Processo de Criação da
Palavra, os quais têm uma estreita relação com as possibilidades de expressão do
falante em textos escritos.
Bom estudo!
Prof. Luciano Azevedo

1. Estrutura das Palavras


Começamos este capítulo com uma sucinta apresentação da estrutura mórfica da
palavra. Mas antes de dissecarmos as palavras, daremos uma pequena definição.
Afinal de contas, o que é palavra?

Por palavra, entendemos tratar-se de uma unidade linguística de som e significado que
compõe os enunciados da língua.
28 Capítulo 3

Assim sendo, a palavra serve a dois tipos de análise costumamos chamar de léxico, ou seja, o repertório
que não se excluem, mas que são complementares: total de palavras que esse falante se apropriou em
aquela estritamente linguística e a discursiva e/ contato com a sua língua materna em diferentes
ou enunciativa. Quando nos debruçamos sobre as situações de letramento. Há palavras que vão es-
menores partes que compõem o esqueleto de uma tar presentes no repertório linguístico de todos
palavra a fim de analisar seus elementos mórficos, os falantes como pai, mãe, comida etc. Já outras se
por meio de um processo de segmentação, esta- encontram presentes no repertório de algumas pes-
mos fazendo uma análise tão somente linguística, soas apenas, pois se referem a objetos e conceitos
uma vez que nossa preocupação não se volta para que não estão presentes na vida de todos, a saber:
os usos que são feitos dessa palavra em diferentes sintagma, epistemologia, agravante etc.
situações de enunciação. Por outro lado, quando
nossa análise se volta para o uso e as determina- As palavras podem ser divididas em partes meno-
ções sociais que afetam a estrutura e/ou sentido da res dotadas de significação chamadas morfemas.
palavra, então, fincamos o pé no campo da enun- Embora os clipes de Madonna não causem o mes-
ciação. Inicialmente, faremos uma análise propria- mo impacto e polêmicas que causaram em décadas
mente linguística e, quando julgarmos necessário e passadas, ainda há uma expectativa em torno do
possível, acrescentaremos uma análise discursiva, tema e a maneira de apresentá-lo ao público em cli-
uma vez que a formação e a estrutura das palavras pes inéditos. Like a prayer e Erótica parecem ape-
não se restringem ao âmbito da língua apenas, mas nas sombras diante das surpresas que ela ainda é
envolve processos enunciativos que estão relacio- capaz de produzir. Transgressão continua sendo o
nados com interlocutores, situação de enunciação carro-chefe do seu trabalho e os clipes provocam a
e gêneros textuais. discussão sempre necessária acerca das identidades
de gênero, instituições e tolerância.
1.1 Os Elementos Mórficos
Morfemas são unidades mínimas de significação.
Os falantes, ao longo de sua vida, usam um núme-
ro enorme de palavras que compõem aquilo que Observe estes exemplos:

Radical O que contém o sentido básico do vocábulo. Aquilo que per- Ex.:
manece intacto, quando a palavra é modificada. falar, comer, dormir,
Obs: Em se tratando de verbos, descobre-se o radical, reti- casa, carro.
rando a terminação AR, ER ou IR.
Vogal Nos verbos, são as vogais A, E e I, presentes à terminação Ex.:
Temática verbal. Elas indicam a que conjugação o verbo pertence: Vogal temática –a
• 1ª conjugação = Verbos terminados em AR. am-a-r
• 2ª conjugação = Verbos terminados em ER. am-a-va
• 3ª conjugação = Verbos terminados em IR. am-a-rão
am-á-ssemos
Obs.: O verbo pôr pertence à 2ª conjugação, já que proveio
do antigo verbo poer.
Nos substantivos e adjetivos, são as vogais A, E, I, O e U no
final da palavra, evitando que ela termine em consoante,
como acontece em meia, pente, táxi, couro, urubu.
Cuidado para não confundir vogal temática de substantivo e
adjetivo com desinência nominal de gênero.
Tema É a junção do radical com a vogal temática. Se não existir a Ex.:
vogal temática, o tema e o radical serão o mesmo elemento; fala-r/fala-va
a mesma coisa acontecerá quando o radical for terminado come-r/come-rá
em vogal. Por exemplo, em se tratando de verbo, o tema ri-r/ri-a
sempre será a soma do radical com a vogal temática - estu-
da, come, parte; em se tratando de substantivos e adjetivos,
nem sempre isso acontecerá. Vejamos alguns exemplos: no
substantivo pasta, past é o radical, a, a vogal temática, e
pasta o tema; já na palavra leal, o radical e o tema são
o mesmo elemento: leal, pois não há vogal temática; e na
palavra tatu também, mas, agora, porque o radical é termi-
nado pela vogal temática.
Capítulo 3 29

Desinências Nominais
É a terminação das de gênero: indica o gênero da palavra. Esta terá desinência
palavras, flexiona- nominal de gênero, quando houver a oposição masculino x
das ou variáveis, feminino. Por exemplo: cabeleireiro - cabeleireira. A vogal
posposta ao radi- a será desinência nominal de gênero sempre que indicar o
cal, com o intuito de feminino de uma palavra, mesmo que o masculino não ter-
modificá-las. Modi- mine em o. Por exemplo: crua, ela, traidora.
ficamos os verbos, de número: indica o plural da palavra. É a letra s, somente
conjugando-os; quando indicar o plural da palavra. Por exemplo, cadeiras,
modificamos os pedras, águas.
substantivos e os Verbais
adjetivos em gêne- Modo-temporais = indicam o tempo e o modo. São quatro
ro e número. Exis- as desinências modo-temporais:
tem dois tipos de -va- e -ia-, para o Pretérito Imperfeito do Indicativo = estu-
desinências: dava, vendia, partia.
-ra-, para o Pretérito Mais-que-perfeito do Indicativo = es-
tudara, vendera, partira.
-ria-, para o Futuro do Pretérito do Indicativo = estudaria,
venderia, partiria.
-sse-, para o Pretérito Imperfeito do Subjuntivo = estudasse,
vendesse, partisse.
Número-pessoais = indicam a pessoa e o número. São três
os grupos das desinências número/pessoais.
Grupo I: i, ste, u, mos, stes, ram, para o Pretérito Perfeito do
Indicativo = eu cantei, tu cantaste, ele cantou, nós canta-
mos, vós cantastes, eles cantaram.
Grupo II: -, es, -, mos, des, em, para o Infinitivo Pessoal e
para o Futuro do Subjuntivo = Era para eu cantar, tu canta-
res, ele cantar, nós cantarmos, vós cantardes, eles cantarem.
Quando eu puser, tu puseres, ele puser, nós pusermos, vós
puserdes, eles puserem.
Grupo III: -, s, -, mos, is, m, para todos os outros tempos =
eu canto, tu cantas, ele canta, nós cantamos, cantamos, vós
cantais, eles cantam.
Afixos Prefixo Ex.: destampar, in-
São elementos que É o afixo que aparece antes do radical. capaz, amoral.
se juntam a radicais Sufixo Ex.: pensamento,
para formar novas É o afixo que aparece depois do radical, do tema ou do infi- acusação, felizmente.
palavras. São eles: nitivo. Por exemplo: pensamento, acusação, felizmente.
prefixo e sufixo.
Vogais e São vogais e consoantes que surgem entre dois morfemas, Ex.: flores, bam-
consoantes para tornar mais fácil e agradável a pronúncia de certas buzal, gasômetro,
de ligação palavras. canais.

VOCÊ SABIA?
e gramaticais.
ssificados em lexicais ou subjetiva (Paulo,
Os morfemas são cla nc eit os da realidade objetiva
ser es ou co
fazem referência a
Os morfemas lexicais inguísticos.
po ssu em referentes extral ico, porque atuam pa
ra es -
dia, ar), ou seja, a ao sistema linguíst
a sig nif ica çã o int ern mo do , pe sso a etc.
Os morfemas grama
ticais têm um
r ca teg ori as co mo gênero, número,
marca
tre palavras ou para acrescentados
tabelecer relações en for ma m no vas palavras. Quando
rad ica is,
s que, somados aos o radical, de sufixos.
Afixos são os morfema os de pre fixos e, adicionados após
ch am ad
antes ao radical são ras variáveis.
qu e ind ica m as flexões das palav
As desinências são os
su fixos icais antes das desi-
qu e se ac res cen ta a determinados rad as podem
morfema vocá lico me de tema. Os tem
A vogal temática é um r rad ica l + vo ga l temática recebe o no
formado po
nências. O conjunto
is e ve rba is.
ser nomina
30 Capítulo 3

da ciência quanto no da arte, enfim em todos os


SAIBA MAIS! campos do conhecimento e mesmo com base na
á- linguagem comum e na influência de uma língua
C. (1984). Nova Gram
Cintra, L. & Cunha, ne o. Lis bo a: Sá estrangeira” (Weg; Antunes de Jesus, 2011:23). As
nte mp orâ
tica do Português Co
da Costa.
Por- Amanhã é meu níver. Amanhã é meu aniversário.
Moderna Gramática
Bechara, E. (1999). Rio de
ista e ampliada). Adoro refri. Adoro refrigerante.
tuguesa (37ª ed. rev
Janeiro: Lucerna. Ele é animal. Ele é muito bom!
da Ela gosta de causar! Ela gosta de impressionar/
i. (2003). Gramática
Mateus, M. H. et all nh o. criar confusão.
boa: Cami
Língua Portuguesa. Lis
Estamos só ficando. Estamos só nos relacionando
a da
Gramática Secundári sem compromisso.
Ali, M. Said (1969). e co me n-
edição revista
Língua Portuguesa (8ª S. Pa ulo : Ed . Me - Ele me azarou na Ele me paquerou na festa.
chara).
tada por Evanildo Be festa.
lhoramentos.
autoras ainda dão os seguintes exemplos acerca de
alguns neologismos atuais:
ATIVIDADE | 2.1.1 Processos de Formação dos Neologismos
1. Indique o radical das séries de palavras abaixo:
a. gordinho, gordos, engordar, gordura; A formação de neologismos envolve processos
b. pobreza, pobretão, empobrecer, pobrezinho; variados que vão da comparação com termos já
c. florescer, florido, florada, reflorir; usados até outros processos que implicam o uso
d. realizar, irreal, realmente, realidade. de prefixos, sufixos e empréstimos de termos de

2. Destaque o prefixo de cada palavra: super-herói herói muito capacitado


a. desfazer; não policial civil
b. incompetente; enxugamento conjunto de medidas
c. ilegal; jeans estrangeirismo
d. reflorir; besteirol conjunto cômico de bobagens
e. deselegante;
f. reler; outras línguas. Sobre esses processos, Weg e Jesus
g. incapaz; (2011:24) citam os seguintes exemplos:
h. reproduzir. Agora observe o efeito estilístico que o poeta Ma-
nuel Bandeira constrói, valendo-se do uso do neolo-
gismo no poema que recebeu o título de Neologismo.
2. Processo de Criação das
Palavras Neologismo

Beijo pouco, falo menos ainda.


2.1 Neologismo Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
A palavra neologismo é formada pelos radicais E mais cotidiana.
gregos néos, que significa “novo” ou “moderno”, inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
e “lógos”, palavra, tratado. Assim, significa palavra Intransitivo
nova. Todas as línguas, sem exceção, usam esse re- Teadoro, Teodora.
curso para atender às necessidades de expressão e
criação dos falantes em determinados contextos 2.2 Estrangeirismo
de uso. O conhecimento intuitivo dos elementos
mórficos que compõem as palavras é acionado no Quando necessitamos nomear uma nova realida-
falante quando da criação do neologismo. Vale ain- de, criamos conceitos que são expressos em pala-
da dizer que “os neologismos surgem da necessida- vras. A esse processo de criação de palavras para
de de nomear uma nova realidade tanto no campo abranger uma realidade que se descortina a nossa
frente, damos o nome de neologismo. Diferente-
Capítulo 3 31

mente, mas não oposto a esse processo, temos o es-


trangeirismo que implica o processo pelo qual uma • skatista (que usa skate);
língua se apropria de termos e expressões oriundos • jeans (tecido/calças);
de outras línguas. Dessa maneira, • backup (cópia de segurança de um arquivo);
• closet (pequeno aposento sem janela onde se
Estrangeirismo é o uso de termos ou expressões guardam roupas e outros materiais;
tomadas por empréstimo de outras línguas. • doping (utilização ilegal de substâncias
químicas;
Esse processo resulta do contato entre culturas. Tal • feedback (realimentação, estímulo que provo-
contato produz efeitos no vocabulário das línguas, ca outro estímulo);
de modo que novas palavras são criadas valendo-se • upload (envio de arquivo de um microcompu-
de termos de outras línguas, ou simplesmente fa- tador a outro para computador remoto.
zendo-se uso do termo como se encontra na língua
de origem. O estrangeirismo advém de processos Mas ocorrem, em alguns casos, adaptações de algu-
vários e origens distintas: mas palavras que entraram na língua portuguesa
via empréstimo:
a. anglicanismo (ou anglicismo): proveniente do
inglês (shopping/show/stress); • xampu (produto de higiene que é grafado
shampoo na sua forma original);
b. arabismo: oriundo do árabe (beirute/bazar); • piquenique (escrita picnic em sua forma

c. galicismo (ou francesismo): proveniente do


francês (toalete/abajur);
VOCÊ SABIA?
nome próprio inglês
Linchar: derivado do
d. castelhanismo: oriundo do espanhol (casta- o Lynch´s law (lei de
Lynch, e da expressã -
nholas/ quixotesco); s XV e XIX, vários juí
Lynch). Entre os século nd a e no s Es-
me , na Irla
zes com o mesmo no sem
enaram criminosos
e. italianismo: proveniente do italiano (pizza/ tados Unidos, cond ica “exec utar
har” signif
muçarela); processo legal. “Linc lei ch am ad a de
do a
sumariamente, segun cu çã o
lei de Lynch; exe
Lynch; aplicação da
f. germanismo: oriundo do alemão (chope); pulação.”
sumária por uma po o
do liv ro “A língua como expressã
(extraído s We g e Vir gínia
Mo rai
g. grecismo: oriundo do grego (antífona); e criação”, de Rosana
Antunes de Jesus.)

VOCÊ SABIA? original);


ral- • abajur (abat-jour: quebra-luz).
gem estrangeira ge
As palavras de ori so de ap ort u-
mente passam por um
proces Atente para o efeito estético e expressivo que a
grá fic o, de ma ne i-
oe
guesamento fonológic rce be r palavra equalizar (oriunda do inglês, equalize) pro-
m chegamos a pe
ra que, às vezes, ne ge iris mo . duz no interior desta canção, da compositora e
do um estran
que estamos usan sse s ter mo s de cantora Pitty.
uns de
Quem nunca usou alg
ira tão na tur al co mo se fossem pala-
mane
guesa? Equalize
vras da língua portu
ue iro /cl ica r/site/twittar etc.
linkar/blog
Às vezes, se eu me distraio
Se eu não me vigio um instante
Me transporto pra perto de você
h. latinismo: proveniente do latim (minuto/ Já vi que não posso ficar tão solta
Me vem logo aquele cheiro
currículo).
Que passa de você pra mim
Às vezes, o termo ou expressão oriundo de outra Num fluxo perfeito
língua é usado da mesma maneira como na língua
original, por exemplo: Enquanto você conversa e me beija
32 Capítulo 3

Ao mesmo tempo eu vejo vras usadas atualmente são consideradas arcaicas


As suas cores no seu olho, tão de perto no Brasil.
Me balanço devagar Na música abaixo, atente para as palavras em negri-
Como quando você me embala
to que não são mais usadas nas interações atuais,
O ritmo rola fácil
Parece que foi ensaiado
mas foram muito exploradas pelos compositores
do movimento musical que ficou conhecido como
E eu acho que eu gosto mesmo de você Jovem Guarda.
Bem do jeito que você é
Eu vou equalizar você Festa de arromba
Numa frequência que só a gente sabe (Erasmo Carlos)
Eu te transformei nessa canção
Pra poder te gravar em mim. (...) Vejam só que Festa de Arromba!
(Bapára!)
(PITTY; Souza, Peu. “Equalize”. Admirável chip No outro dia, eu fui parar...
novo. CD. Deckdisc, 2003) (Bapára!)
Presentes no local,
2.3 Arcaísmo o rádio e a televisão;
(Bapára!)
Cinema, mil jornais,
O arcaísmo é uma palavra ou expressão que deixou muita gente, confusão...
de ser usada nas interações verbais dos falantes, fa-
ladas ou escritas. Isso acontece porque a língua é Quase não consigo
um código que se encontra sujeito às mudanças Na entrada chegar,
socioculturais e temporais. Desse modo, quando pois a multidão
certas expressões caem em desuso, temos o arca- estava de amargar!
ísmo. Se o neologismo representa o acréscimo de
novas palavras ao léxico de uma língua dada, o ar-
caísmo representa o processo contrário, ou seja, a
supressão e/ou desaparecimento de uma palavra,
expressão e/ou construção frasal.
SAIBA MAIS!
ati-
São exemplos de arcaísmo ocorridos na língua da. Gramática Norm
ROCHA LIMA, C. H. ed . Sã o Pa ulo :
esa . 43
portuguesa: va da Língua Portugu
2002.
José Olympio/Record,
• ceroula (cueca) Gramática Houaiss
da
AZEREDO, J. C. de. ulo , Sa rai-
• vosmicê (você) . ed . Sã o Pa
língua portuguesa. 45
• alcaide (prefeito) va, 2005.
• outrossim (também) da
Gramática Metódica
• magote (grande quantidade) ALMEIDA, N. M. de. : Pu bli -
. ed. São Paulo
Língua Portuguesa. 45
folha, 2009.
Essas palavras foram consideradas inadequadas e
antiquadas no decorrer do tempo. O arcaísmo é
resultado de um processo inerente às línguas que
não são estáticas nem imutáveis, mas produto das
interações sociais, do uso cotidiano e da passagem Hey! Hey! (Hey! Hey!)
do tempo. Há de se considerar que o arcaísmo é Que onda!
determinado também pelo contexto ou lugar onde Que festa de arromba!...
é usado. Por exemplo, em Portugal, algumas pala- 3. Níveis da Linguagem
Em Portugal (hoje) No Brasil (hoje) Há, grosso modo, dois níveis que marcam o uso
Quero uma chávena Quero uma xícara de da língua. São eles: o nível formal e o coloquial. A
de chá. chá. opção por um ou outro dependerá da situação de
O púcaro de açúcar O pote de açúcar está enunciação que envolve os interlocutores, o lugar
está cheio. cheio. da interação e o gênero textual no qual a produção
Capítulo 3 33

Linguagem coloquial Carta pessoal requer uma linguagem menos formal e mais ínti-
Nesse nível de linguagem, o fa- Bilhete ma. Desse modo, a linguagem ajusta-se à situação
lante faz uso de uma variedade E-mail de produção.
mais informal, familiar, íntima, Conversa
espontânea e popular da língua. 3.1 O Jargão
Linguagem formal Aula
É caracterizada por assumir for- Conferência Em Morais Weg e Antunes de Jesus (2011:35), le-
ma, na escrita e na fala, mais Documento mos que “o jargão é um código linguístico bastante
erudita, menos íntima e menos Comunicado particular. É um conjunto de termos ou expressões
espontânea.
comuns a um grupo restrito: termos especializados
de direito, marketing, jornalismo, artes plásticas,
verbal é realizada. De acordo com isso, temos o se- música etc.” Depreendemos, assim, que o jargão
guinte quadro: é uma variedade linguística que identifica determi-
nados grupos sociais cujas características são muito
Uma conferência numa universidade, por ter um específicas.
caráter informativo e didático, exige que o falante
lance mão de uma linguagem mais formal. Já uma Weg e Antunes de Jesus (2011:37) ainda disponibi-
conversa entre amigos, num barzinho da cidade,

Esportes Feminino: Brasil começa busca vaga para o mundial de 2010. – A seleção feminina de
vôlei estreia hoje no torneio classificatório para o Campeonato Mundial feminino de
2010. Favoritas, as campeãs olímpicas enfrentam a Venezuela, às 19h, em Contagem
(MG). (Folha de São Paulo. Esportes. 22 de jul. 2009, p.5).
Informática “Falta de padronização em hardware e software irrita consumidor; confira esforços de
unificação e galeria de adaptadores”. (Folha de São Paulo. Informática. 22 jul. 2009, p. 5)
Literatura “Histórica e essencialmente matriz da novela e do romance, o conto apresenta estrutura
própria, diversa da que preside aquelas e demais formas narrativas (apólogo, crônica,
poema em prosa, etc.).” (MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo.
Cultrix: 1995. P. 100
Saúde “Uma meta-análise da Cochrane (organização internacional que avalia pesquisas mé-
dicas) mostra que um terço dos cânceres de mama diagnosticados em países com ras-
treamento estabelecido não causaria sintomas ou não levaria as pacientes à morte,
mesmo que não fossem tratados. (Folha de São Paulo. Saúde. 22 de jul. 2009. p. C9.)

lizam um quadro com jargões específicos a deter- quando esses têm interesses comuns. Além disso,
minadas áreas que reproduziremos em parte: o jargão não afetaria a compreensão dos leitores
quando o texto produzido numa situação específi-
De acordo com o quadro acima, há termos e ex- ca se trata de um texto especializado, ou seja, quan-
pressões que são específicos de determinada área do o texto, escrito ou oral, for divulgado numa de-
do conhecimento e/ou social, de maneira que eles terminada área.
tendem a ser usados reiteradamente no discurso
desses grupos. 3.2 O Clichê

Uma vez que o jargão é recorrente dentro da esfera O clichê se caracteriza pelo uso de vocábulos, ex-
de um determinado grupo social, faz-se necessário pressões ou frases que, por força da repetição, pas-
contextualizar os textos produzidos por esses gru- sam a perder em força expressiva e inventividade.
pos a fim de que a compreensão seja eficaz. O co- Poderíamos citar como clichês frases do tipo:
nhecimento do código – e das especificidades ine-
rentes a esse código – utilizado pelos interlocutores a. Minha vida é um livro aberto.
dentro do processo da atividade comunicativa é b. Quem acredita sempre alcança.
imprescindível quando intentamos compreender
os textos em toda sua inteireza. Essas expressões tornam-se desgastadas ao longo
do tempo e passam a figurar naquele grupo de ex-
Assim, devemos usar o jargão quando os interlocu- pressões que se configuram como lugar-comum.
tores pertencem ao mesmo campo de atuação ou Como tipos de clichês, podemos citar:
34 Capítulo 3

1. Provérbios e ditos populares geralmente caem ATIVIDADE |


no rol de expressões que chamamos de clichê, Leia o texto abaixo e identifique as expressões
uma vez que seu uso repetitivo aponta para a falta que podem ser considerados clichês e depois
de criatividade do falante. Só para citar alguns: comente o uso desse recurso neste gênero tex-
tual específico e seu uso nessa situação especí-
a) Deus escreve certo por linhas tortas. fica de comunicação:
b) Filho de peixe, peixinho é.
c) Quem vê cara não vê coração. “Venho, por estas mal traçadas linhas, dizer-lhe, do fun-
do do meu coração, que estou cego de amor por você,
2. Outro tipo de clichê pode ser exemplificado minha musa e mulher exemplar.
Sei que as aparências enganam e que quem vê cara não vê
pelas frases alheias que são usadas pelo falante
coração, mas também sei que os olhos são o espelho da
sem identificação do autor, distorcidas ou, pior,
alma. Assim, dentro da minha infinita humildade, ouso
atribuem a frase a um autor que não a proferiu. revelar-lhe que percebo que meus anseios não são corres-
pondidos, o que parte meu coração. No entanto, como a
a) “Só sei que nada sei.” (Sócrates) esperança é a última que morre e devagar se vai ao longe,
b) “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” não vou fugir da raia.” (...)
(Fernando Pessoa, Mar Português) (Extraído de Weg; Antunes de Jesus, 2011:42)
c) “Ser ou não ser, eis a questão.” (Shakeaspe-
are, Hamlet)
d) “Penso, logo existo.” (Descartes, Discurso REFERÊNCIAS
do Método)
ALMEIDA, N. M. de. Gramática Metódica da
3. Existem também os clichês de época que apa- Língua Portuguesa. 45ª ed. São Paulo: Publifo-
recem em determinados momentos históricos lha, 2009.
e duram o tempo da situação a qual se referem.
Esses clichês circulam geralmente nas mídias ALI, M. SAID (1969). Gramática Secundária da
impressa e televisiva. Língua Portuguesa (8ª edição revista e comen-
tada por Evanildo Bechara). S. Paulo: Ed. Me-
a) Durante uma epidemia, aparecem os seguin- lhoramentos.
tes clichês: grupo de risco, a doença se alastra
rapidamente etc. AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da lín-
b) Quando um novo governo assume a gestão gua portuguesa. 45ª ed. São Paulo, Saraiva,
de um estado, país etc.: vamos colocar a casa 2005.
em ordem.
BECHARA, E. (1999). Moderna Gramática Por-
4. Há também clichês diversos que podem não tuguesa (37ª ed. revista e ampliada). Rio de Ja-
ser tão problemáticos se utilizados em situa- neiro: Lucerna.
ções adequadas de comunicação. São eles:
CINTRA, L. & CUNHA, C. (1984). Nova Gra-
a) fechar a sete chaves mática do Português Contemporâneo. Lisboa:
b) ter calorosa recepção Sá da Costa.
c) errar é humano
d) comer o pão que o diabo amassou MATEUS, M. H. et alli. (2003). Gramática da
e) jogar tudo para o alto Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho.
f) voltar à estaca zero.
ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática Normativa
Assim como o jargão, o clichê deve ser usado levan- da Língua Portuguesa. 43 ed. São Paulo: José
do em consideração o lugar e os interlocutores im- Olympio/Record, 2002.
plicados no processo de comunicação. Não serão
problemáticos nem representarão falta de inventi- WEG; ANTUNES DE JESUS. A língua como ex-
vidade no manuseio da língua, se utilizados para pressão e criação. v. 2. São Paulo: Contexto,
produzir efeitos estéticos específicos em gêneros 2011.
textuais que permitem seu uso.
4
Capítulo 4 35

Prof. Luciano Taveira de Azevedo


Carga Horária | 15 horas

Objetivos Específicos
• Apresentar ao aluno os fundamentos históricos da Estilística;

• Refletir acerca dos recursos estilísticos disponíveis na língua portuguesa;

• Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos expressivos agenciados na


produção de sentido.

Introdução
Caríssimo estudante,
Dando continuidade ao capítulo anterior, abordaremos, neste, outros fatos da
língua que se encontram na esteira do que se configuram como recursos expressi-
vos. Tal como no anterior, apresentaremos esses fatos da língua numa perspectiva
estilística e discursiva. Assim, tentaremos refletir acerca de conteúdos expostos
na gramática normativa com base na análise estilística e, sempre que possível,
traremos para a discussão aspectos do discurso que determinam a construção do
estilo. Na exposição do que pretendemos desenvolver aqui, encontram-se concei-
tos como conotação e denotação e as figuras de linguagem.
Bom estudo!
Profº Luciano Azevedo

1. A Linguagem Figurada
Figuras de linguagem ou figuras de estilo são recursos dos quais o falante lança
mão, a fim de falar ou escrever de maneira mais expressiva e bela. São divididas
em quatro grupos: figuras de som, figuras de pensamento, figuras de sintaxe e
figuras de palavras. Começaremos falando das figuras de linguagem baseados no
conceito de denotação e conotação.

1.1 Denotação e Conotação

As palavras podem ser usadas em sentido denotativo e/ou conotativo. Quando


são empregadas em sentido literal, temos a denotação. Sentido literal é aquele
atribuído pelo dicionário. Essas palavras são usadas geralmente para indicar no
mundo um referencial preciso e de forma objetiva. Temos como exemplo:
36 Capítulo 4

1. A televisão está ligada. 1.2 Figuras de Linguagem



“televisão s. f. 1. sistema de transmissão de Uma das maneiras de atribuir sentido conotati-
sons e imagens à distância [...]” vo às palavras e, consequentemente, aos textos,
chama-se figuras de linguagem ou figuras de estilo.
2. A laranja está na despensa. Por meio desse recurso, criamos imagens que ex-
pressam a maneira como percebemos a realidade.
“despensa s. f. compartimento para guardar Vamos ao exemplo:
alimentos.”
1. Foram nublados esses dias, de frio nos ossos do
A definição de televisão e despensa pode ser encon- pensamento e dores nas artérias das horas. Do
trada no Miniaurélio, Dicionário da Língua Portu- ventre beberam-se partos demorados, umedeci-
guesa. Veja que as informações apresentadas pelo dos de desamor, e tragos duma chuva de nava-
dicionarista acerca das palavras televisão e despensa lha. Mas hoje, nesse sol que não virá, há de se
buscar passos de magma onde o frio imprimira
não têm a finalidade de emocionar nem expressar
silêncio e mágoas; desses, brotar outra estrada
beleza e, por isso, foram usadas em seu sentido lite- e, quem sabe, prosseguir na leve trilha que ou-
ral nos enunciados 1 e 2. trora o sol deixara.
(Carlos Tenreiro, poeta e professor da rede pública
Esse sentido denotativo das palavras pode sofrer do Estado de São Paulo. O texto foi publicado na
deslocamentos e desembocar em novos sentidos página pessoal do autor na plataforma Facebook)
que são determinados por fatores como
O texto apresenta várias palavras e expressões em
a. experiência pessoal do locutor; sentido figurado, das quais apenas destacaremos o
primeiro período: Foram nublados esses dias, de frio
b. intenção do locutor que pode ser a de nos ossos do pensamento e dores nas artérias das horas.
emocionar; De acordo com nosso conhecimento de mundo,
temos por certo que pensamentos não têm ossos
c. intenção do locutor em produzir novos senti- nem horas, artérias. Contudo, por uma associação
dos para uma mesma palavra. de ideias, criamos uma figura (ou imagem) que
nos faz imaginar pensamentos com ossos e horas
A esses novos sentidos atribuídos à palavra num repletas de artérias. Isso é um efeito estético dado
processo criativo e inventivo, dá-se o nome de co- pela aproximação de palavras que têm alguma se-
notação. Vejamos um exemplo: melhança de sentido. Quando assim procedemos,
utilizamos a palavra em sentido conotativo e cons-
Das Utopias truímos figuras.
(Mário Quintana)
1.2.1 Figuras de Som
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora As figuras de som podem ser percebidas e identifi-
a mágica presença das estrelas! cadas quando as pronunciamos em voz alta, uma
vez que sua finalidade é a produção de determina-
(Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/ dos efeitos sonoros. São elas:
quinta1.html#dasutopias)
Aliteração
Observe que, nesse poema de Quintana, a pala-
vra estrelas tem o seu significado alargado, reve- Essa figura de linguagem consiste na repetição de
lando, assim, o aspecto opaco da palavra. Nesse consoantes. Encontramos esse recurso estilístico
contexto construído pelo poema, estrelas signi- em trava-línguas, músicas e poemas quando se in-
fica coisas difíceis de serem atingidas, sonhos tenciona produzir uma forte sonoridade dentro do
distantes, abismos intransponíveis. Nesse caso, texto poético.
a palavra foi usada em seu sentido conotativo
ou figurado. “Ah! Menina tonta,
toda suja de tinta
Capítulo 4 37

mal o céu desponta! Essa primorosa composição de Chico Buarque


(Sentou-se na ponte, de Holanda retrata o momento e as emoções que
muito desatenta…
acompanham a separação de um casal. O eu-lírico
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta é feminino e o título “Atrás da porta” já aponta
com tanta tinta?…) para o desenrolar dramático das ações que com-
A ponte aponta põem a narrativa. Como recurso estilístico, o com-
e se desaponta. positor abusa da aliteração e assonância. O uso da
A tontinha tenta assonância fica evidente em
limpar tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta… Juro que não acreditei, eu te estranhei/Me debrucei so-
Ah! a menina tonta! bre teu corpo e duvidei/E me arrastei e te arranhei
Não viu a tinta da ponte!
(Tanta Tinta – Cecília Meireles) A repetição das vogais e e i na terminação dos ver-
bos acreditei, estranhei, debrucei, duvidei, arrastei e
Nesse poema, Cecília Meireles constrói o efeito arranhei produz um efeito sonoro que enfatiza o
sonoro por meio da repetição da consoante linguo- tempo verbal, nesse caso, o pretérito perfeito. Essa
dental /t/ e da bilabial /p/. Temos, na repetição ênfase dada ao passado das formas verbais, dentro
dessas consoantes, a produção da aliteração. A po- desse cenário de separação, aprofunda ainda mais
etisa utilizou-se desse recurso para dar mais ritmo e a dramaticidade da cena.
musicalidade ao poema.
Paranomásia
Assonância
A paranomásia refere-se ao uso repetitivo de pala-
Diferentemente da aliteração, a assonância é uma
vras que têm sons parecidos, ou seja, parônimas.
figura de som que consiste na repetição de vogais.
Esse recurso pode produzir diferentes efeitos que
A assonância é também bastante utilizada na pro-
dução de composições musicais, trava-línguas e vão da ambiguidade à impressão de um tom engra-
poemas. Nesse último, é comum a utilização da çado que é dado ao texto.
assonância na construção das rimas.
“Berro pelo aterro pelo desterro / berro por seu
berro pelo seu erro / quero que você ganhe que você
Atrás da Porta me apanhe / sou o seu bezerro gritando mamãe.”
(Chico Buarque)
(Caetano Veloso)

Quando olhaste bem nos olhos meus


E o teu olhar era de adeus Esse trecho da música Qualquer Coisa, de Caetano
Juro que não acreditei, eu te estranhei Veloso, apresenta uma sequência de palavras que
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei têm sons parecidos, mas significados diferentes.
E me arrastei e te arranhei Esse efeito pode ser observado entre as palavras
E me agarrei nos teus cabelos berro/aterro/desterro/erro/bezerro e ganhe/apanhe.
No teu peito, teu pijama
A essa repetição de palavras que apresentam sons
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta semelhantes, mas significados diferentes, damos o
No tapete atrás da porta nome de paronomásia.
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar Onomatopeia
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
A onomatopeia é um recurso sonoro e estilístico
Pra mostrar que ainda sou tua que consiste na criação de palavras que represen-
tam os sons da realidade. O uso da onomatopeia
(Disponível em: http://letras.terra.com.br/chico- é frequente em histórias em quadrinhos e tem a
-buarque/45113/) finalidade de reproduzir sons de ruídos, quedas,
gritos, socos etc.
38 Capítulo 4

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/galerias/imagem/0000000095/md.0000001170.jpg

Nessa pequena história em quadrinhos, encontra- produzimos.


mos algumas onomatopeias, como CHUAC, VUP, ATIVIDADE |
POF. Essas palavras foram criadas para represen- Leia o texto abaixo:
tar os sons de um beijo, do lançamento de um
bumerangue e de um soco. Atente para o efeito Poderoso Português
estilístico que a onomatopeia produz dentro do
texto ao representar graficamente os mais variados Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor por-
sons, com os quais nos deparamos em contextos tuguês, pintava portas, paredes, portais. Porém,
diversos. pediu para parar porque preferiu pintar panfletos.
Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para
poder progredir.
Ao criarmos uma figura sonora, construímos de-
terminados efeitos estilísticos, mas não só, uma Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitan-
vez que novos sentidos são atribuídos ao texto que do, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia pra-
Capítulo 4 39

ticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco


praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar -Pediste permissão para praticar pintura, porém,
panelas, porém posteriormente pintou pratos praticando, pintas pior.
para poder pagar promessas.
Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petú-
Pálido, porém personalizado, preferiu partir para nia. Porque pintas porcarias?
Portugal para pedir permissão para papai para -Papai, proferiu Pedro Paulo, pinto porque permi-
permanecer praticando pinturas, preferindo, por- tiste, porém preferindo, poderei procurar profis-
tanto, Paris. são própria para poder provar perseverança, pois
pretendo permanecer por Portugal.
Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois
pretendia pintá-los. Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo
patamar, procurando pelos pertences, partiu
Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo
penhascos pedregosos, preferindo pintá-los par- para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passan-
cialmente, pois perigosas pedras pareciam precipi- do pela ponte precisaram pescar para poderem
tar-se principalmente pelo Pico, porque pastores prosseguir peregrinando. Primeiro, pegaram
passavam pelas picadas para pedirem pousada, peixes pequenos, porém, passando pouco prazo,
provocando provavelmente pequenas perfurações, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela
pois, pelo passo percorriam, permanentemente, picada próxima, pois pretendiam pernoitar perti-
possantes potrancas. nho, para procurar primo Péricles primeiro.

Pisando Paris, pediu permissão para pintar pa- Pisando por pedras pontudas, Papai Procópio
lácios pomposos, procurando pontos pitorescos, procurou Péricles, primo próximo, pedreiro pro-
pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer fissional perfeito. Poucas palavras proferiram, po-
pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, prefe- rém prometeu pagar pequena parcela para Péricles
rindo Pedro Paulo precaver-se. profissionalizar Pedro Paulo.

Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, po-
poder prosseguir pintando, porém, pretas previ- rém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois
sões passavam pelo pensamento, provocando pro- precisava pagar pintores práticos. Particularmente
fundo pesar, principalmente por pretender partir Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pin-
prontamente para Portugal. tando prédios para Péricles, pois precipitou-se pe-
las paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo, pereceu
Povo previdente! Pensava Pedro Paulo… Preciso pintando…”
partir para Portugal porque pedem para prestigiar
patrícios, pintando principais portos portugueses. Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência,
Passando pela principal praça parisiense, partin- pois pretendo parar para pensar…
do para Portugal, pediu para pintar pequenos pás-
saros pretos. (Texto disponível em: http://www.palpitedigital.
com.br/wp/2007/08/01/texto-inteiro-so-com-a-
Pintou, prostrou perante políticos, populares, po- -letra-p/)
bres, pedintes.
a) Com base no texto acima, produza outro
-Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo. texto de no mínimo cinco frases, cujas palavras
-Parto, porém penso pintá-la permanentemente, comecem por consoante escolhida por você.
pois pretendo progredir. Aventure-se e produza textos com estilo.
Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos
pais, porém, Papai Procópio partira para Província. b) Agora conclua: que figura de linguagem foi
utilizada em ambos os textos?
Pedindo provisões, partiu prontamente, pois pre-
cisava pedir permissão para Papai Procópio para
prosseguir praticando pinturas. Profundamente 1.2.2 Figuras de Pensamento
pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pe-
dindo permissão, penetrou pelo portão principal. As figuras de pensamento constituem processos
Porém, Papai Procópio puxando-o pelo pescoço que se dão no nível ou na esfera do pensamento e
proferiu: podem ser definidas pela associação de ideias que
40 Capítulo 4

o locutor deseja expressar. a. José foi desta para melhor. (=morreu)


Antítese b. Sua nota na prova não foi das melhores. (= foi
péssima)
Consiste na aproximação de palavras ou expressões
de sentido oposto. A antítese configura-se como um Hipérbole
recurso de estilo bastante eficaz. Veja o exemplo:
A hipérbole é usada quando queremos enfatizar
Certas Coisas uma ideia. Isso acontece por meio de termos que
dão ideia de exagero. No exemplo, temos:
Não existiria som se não
Houvesse o silêncio a. Arrancou todos os cabelos ao saber a notícia.
Não haveria luz se não (=desesperou-se)
Fosse a escuridão

A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim b. Chorou rios de lágrimas. (=chorou copiosamente)

Em Certas coisas, Lulu Santos e Nelson Motta Ironia


usam à exaustão esse recurso estilístico. Ocorre
antítese entre os termos som/silêncio, luz/escuridão, A ironia é a figura de pensamento pela qual di-
dia/noite e não/sim. Essas palavras, embora apre- zemos o contrário daquilo que pensamos. Geral-
sentem sentidos contrários, são aproximadas pelos mente empregamos esse recurso quando queremos
compositores e apontam para a ideia de que a vida expressar sarcasmo.
é composta de realidades opostas de maneira que,
necessariamente, uma coisa não existiria se não a. Ele é rápido como um bicho preguiça. (= lento)
houvesse o seu contrário. b. Você fez um excelente serviço. (= péssimo)

Paradoxo Gradação

No paradoxo, temos uma espécie de antítese em Na gradação, as ideias são apresentadas em pro-
que ideias opostas não se encontram apenas justa- gressão ascendente (clímax) ou descendente (anti-
postas, mas entram em contradição. O paradoxo, clímax). Ou seja, há uma apresentação gradativa
também chamado de oximoro, representa a produ- das ideias em que clímax e anticlímax representam
ção intencional de um contrassenso. o ponto de chegada da gradação.

Amor é fogo que arde sem se ver; “Um coração chegando de desejos
É ferida que dói e não se sente; Latejando, batendo, restrugindo...”
É um contentamento descontente; (Vicente de Carvalho)
É dor que desatina sem doer.
“Ó não guardes, que a madura idade
Nessa estrofe do mais famoso poema de Luís Vaz te converta essa flor, essa beleza,
de Camões, temos várias ocorrências de paradoxos em terra, em cinzas, em pó, em sombra, em nada.”
(Gregório de Matos)
que se distribuem pelos versos, mas destacamos
apenas o segundo, por ser mais representativo do
Prosopopeia ou Personificação
fenômeno estilístico que estamos estudando. Nes-
se verso, Camões fala de uma ferida que dói e não
Consiste em atribuir ações ou qualidades de seres
se sente e, ao assim fazê-lo, produz uma contradição
animados a seres inanimados, ou características
(dói x não se sente).
humanas a seres não humanos. Veja os exemplos:
Eufemismo
a. A floresta gesticulava nervosamente diante do
fogo que a devorava.
Essa figura de pensamento consiste em suavizar

uma ideia desagradável, triste, por meio da substi-
b. O ipê acenava-lhe brandamente, chamando-o
tuição do termo contundente por palavras amenas.
para casa.
Capítulo 4 41

ATIVIDADE | Silepse
1. Identifique que figuras de pensamento fo-
ram empregadas nos textos a seguir: A silepse é a concordância que se faz com o termo
que não está expresso no texto, e sim com a ideia
a)Tire o seu sorriso do caminho, que eu que- que ele representa. É uma concordância ideológi-
ro passar com a minha dor. (Nélson Cavaqui- ca, latente, porque se faz com um termo oculto,
nho e Guilherme de Brito) facilmente subentendido. Há três tipos de silepse:
de gênero, número e pessoa.
b) Você / Brincadeira
foi a mentira sincera
mais séria / Que já me aconteceu. (Isolda) a. Silepse de gênero

c) Ó morte, vem depressa


/ Acorda, vem de- Ocorre a silepse de gênero quando a concordância
pressa,/ Acorde-me depressa, / Vem-me enxu- acontece com a ideia que o termo comporta e não
gar o suor, / Que o estertor começa. (Cami- necessariamente com o gênero (masculino/femini-
lo Pessanha) no) da palavra a qual se refere. Veja este exemplo:

São Paulo é movimentada.


1.2.3 Figuras de Sintaxe
São Paulo é um nome próprio, cujo gênero é mas-
As figuras de sintaxe aparecem quando queremos culino. Nesse caso, a concordância do adjetivo mo-
dar maior expressividade ao sentido, de maneira vimentada é feita com a ideia de cidade que fica
que a lógica da frase é usada para construir um efei- subentendida e não com o gênero da palavra.
to estilístico que realce determinado significado.
b. Silepse de número
Elipse
A silepse de número acontece quando o verbo não
Consiste na omissão de um ou mais termos numa concorda com o número (singular/plural) expres-
oração que podem ser facilmente identificados, so pelo sujeito da oração, mas com a ideia contida
tanto por elementos gramaticais presentes na pró- nele.
pria oração quanto pelo contexto. Veja o exemplo:
Esta gente está furiosa e com medo; por conse-
a. Veio sem pinturas, em vestido leve, sandálias quência, capazes de tudo. (Almeida Garrett)
coloridas. (Rubem Braga)
Nesse exemplo, o adjetivo capazes concorda com
Nesse exemplo, ocorre elipse do pronome ela (Ela a ideia de plural contida no substantivo feminino
veio) e da preposição de (de sandálias). Atente gente e não com o número dessa palavra que, gra-
para a pontuação usada no período. Geralmente maticalmente, é singular.
a vírgula marca a supressão do termo dentro do
período. c. Silepse de pessoa

Zeugma A silepse de pessoa ocorre quando há um desvio de


concordância. O verbo, mais uma vez, não concor-
Consiste na supressão de um termo que foi usado da com o sujeito da oração, mas com a pessoa que
anteriormente, de maneira que ele fica subenten- está inscrita no sujeito. Analisemos esta oração:
dido na oração. A zeugma é uma forma de elipse.
Segue o exemplo: Os brasileiros choramos a derrota da seleção.

a. Foi saqueada a vida, e assassinados os partidá- Nessa oração, há uma discordância entre a pessoa
rios dos Felipes. (Camilo Castelo Branco) verbal e o sujeito expresso. Ao colocar o verbo na
1ª pessoa do plural, o falante inclui-se na ideia ex-
A zeugma ocorre na supressão do verbo: e foram pressa pelo sujeito e subverte, assim, a estrutura
assassinados... padrão que seria um verbo na 3ª pessoa do plural
42 Capítulo 4

concordando com o sujeito.


Assíndeto Anacoluto

Consiste na coordenação de termos ou orações É uma ruptura na estrutura lógica da frase ou


sem utilização de conectivos (conjunções). Esse re- oração. Esse recurso é bastante utilizado na cons-
curso imprime lentidão ao ritmo narrativo. Segue trução dos diálogos que procuram reproduzir na
um exemplo: escrita a língua falada. Veja o exemplo:

a. A tua raça quer partir, a. A velha hipocrisia, recordo-me dela com vergo-
guerrear, sofrer, vencer, voltar. nha. (Camilo Castelo Branco)
(Cecília Meireles)
Observe que, nesse discurso, há uma ruptura na
Observe que, nesse exemplo, a autora preferiu disposição dos termos, de maneira que a referida
omitir o conectivo e que poderia ter sido usado ruptura promove um efeito estilístico cuja finali-
entre os verbos vencer e voltar. Ao se utilizar desse dade é enfatizar um determinado elemento do
recurso, Cecília dá maior lentidão à leitura do tex- diálogo. Vale ressaltar que o anacoluto desse ser
to, de maneira que podemos ler as palavras com é usado apenas para efeitos estilísticos e em casos
certa pausa e saboreá-las lentamente. específicos. Em geral, deve-se evitá-lo.

Polissíndeto Pleonasmo

Ao contrário do assíndeto, o recurso expressivo Consiste na repetição de um termo ou ideia, utili-


denominado polissíndeto consiste na repetição do zando-se das mesmas palavras ou não. A finalidade
conectivo na coordenação de termos ou orações. do pleonasmo é realçar a ideia, torná-la mais ex-
Se o assíndeto desacelera o ritmo da narrativa, o pressiva. Veja este exemplo:
polissíndeto confere mais movimento ao texto no
qual é empregado. a. Chovia uma triste chuva de resignação. (Ma-
nuel Bandeira)
a. Se era noivo, se era virgem,
Se era alegre, se era bom, O pleonasmo identificado na repetição dos termos
Não sei. chovia/chuva é considerado um pleonasmo estilísti-
É tarde para saber. co e foi utilizado pelo autor para enfatizar a ideia
(Carlos Drummond de Andrade) de resignação que assume grande vulto. Assim
como o anacoluto, o pleonasmo deve ser usado em
O que foi dito acima pode ser comprovado nesses casos muito especiais e com finalidades estilísticas.
versos do poeta Drummond que repete a conjun-
ção se e imprime um ritmo mais acelerado à leitura ATIVIDADE |
do poema. 1. Nos textos abaixo, identifique o recurso da
estilística sintática que foi usado:
Hipérbato
a. Amou daquela vez como se fosse a última
O hipérbato é uma inversão que acontece quando (...) / Amou daquela vez como se fosse o últi-
mudamos a sequência padrão dos termos da ora- mo (...) / Amou daquela vez como fosse máqui-
ção ou da frase, de maneira que o termo deslocado na (...). (Chico Buarque)
de sua posição normal recebe forte ênfase.
b. E a menina, para não passar a noite só, era
a. Aberta em par estava a porta. melhor que fosse dormir na casa de uns vizi-
(Almeida Garret) nhos. (Rachel de Queiroz)

A ordem normal da oração acima seria A porta c) Fez o caminho inverso: / não foi da coisa ao
estava aberta em par. Esse recurso pode ser usado sonho, / ao nome, à sombra; / foi do vapor de
quando intencionamos pôr em destaque um ter- água / à gota em que se condensa; / foi da pa-
mo específico da oração. lavra à coisa: / árdua que seja, / ou demorada
Capítulo 4 43

a coisa; / seja áspera ou arisca, / em sua coisa, palavras passam a ser empregadas fora do seu senti-
a coisa, / seja doída, pesada, / seja enfim coisa do original. Como exemplo, temos:
a coisa. (João Cabral de Melo Neto, “Fábula de a. asa da xícara;
Rafael Alberti”) b. maçã do rosto;
c. braço da cadeira.
1.2.4 Figuras de Palavra
Atente para o fato de que asa, maçã e braço tive-
A figura de palavra consiste na substituição de ram seu sentido deslocado ou “emprestado” a fim
uma palavra por outra, a fim de explorar os signifi- de dar conta de um conceito para o qual não se
cados dessas palavras, seja por associação, similari- tem uma palavra adequada.
dade ou comparação. A exploração do significado
das palavras de maneira expressiva ocorre quando Sinestesia
criamos a metáfora, a metonímia, a antítese, o eu-
femismo, a hipérbole, a ironia, a gradação, entre A sinestesia consiste em mesclar, numa mesma
outros. expressão, sensações percebidas por diferentes ór-
gãos do sentido. Como na metáfora, trata-se de re-
Metáfora lacionar elementos de universos diferentes. Como
exemplo, temos:
A metáfora ocorre quando uma palavra passa a
designar alguma coisa com a qual não mantém ne- a. A sua voz áspera intimidava a plateia.
nhuma relação objetiva. Na base de toda metáfora,
encontra-se um processo comparativo. Nesse exemplo, voz remete a uma experiência au-
ditiva, ao passo que áspera reclama outro sentido,
a. Seus olhos são como luzes brilhantes. qual seja, o tato.

Nesse exemplo, ocorre uma aproximação de senti- Perífrase


do entre olhos e luzes brilhantes dentro de um pro-
cesso comparativo. Assim, os olhos descritos são A perífrase ocorre quando uma palavra ou expres-
tão vivos como as luzes ou tão bonitos que se asse- são designa um ser por um(a) dos seus atributos ou
melham às luzes que brilham. características.

Metonímia a. A Dama do Suspense escreveu livros ótimos.


(Dama do Suspense = Agatha Christie)
Ocorre metonímia quando uma palavra é usada
para designar alguma coisa com a qual mantém Símile
uma relação de proximidade ou posse. Veja o
exemplo: O símile ocorre quando a comparação é feita por
associação, ou seja, quando a relação entre duas
a. Moro no campo e como do meu trabalho. partes aproxima dois campos conceituais a prin-
cípio independentes e usa a conjunção como ou
Nesse exemplo, utilizou-se uma metonímia uma suas formas equivalentes: tal qual, assim como, do
vez que a causa (trabalho) é usada no lugar do efei- mesmo modo que. Veja o exemplo:
to (alimento produzido). Se quiséssemos desfazer a
metonímia, deveríamos escrever: Moro no campo e a. Caía a tarde feito um viaduto, e um bêbado tra-
como o alimento que produzo. jando luto me lembrou Carlitos / A lua, tal
qual a dona do bordel, / pedia a cada estrela fria
Catacrese um brilho de aluguel.
(João Bosco e Aldir Blanc)
A catacrese consiste numa metáfora que, por causa
de seu uso frequente, acabou por se cristalizar. É Eponímia
comum ocorrer a catacrese quando, por falta de
um termo adequado para designar um determina- Ocorre eponímia quando um substantivo próprio
do conceito, toma-se outro por empréstimo. Essas passa a substantivo comum por estabelecer com
44 Capítulo 4

este último uma relação de equivalência semânti- usar a silepse em vez de empregar a concordância
ca, a exemplo de: lógica?
a. Washington Olivetto, para muitos o Pelé da REFERÊNCIAS
Propaganda, afirmou em entrevista ao Spor-
TV que Pelé é o pelé dos Pelés. ALMEIDA, N. M. de. Gramática Metódica da
Língua Portuguesa. 45ª ed. São Paulo: Publifo-
lha, 2009.
ATIVIDADE |
1. Leia o texto abaixo: ALI, M. SAID (1969). Gramática Secundária da
Língua Portuguesa (8ª edição revista e comen-
Aqui no prédio há um casal que prestigia o nosso grupo de tada por Evanildo Bechara). S. Paulo: Ed. Me-
teatro e que só perde um ensaio quando não encontram lhoramentos.
uma pessoa que possa tomar conta de sua filha pequena.
AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da lín-
a) Nesse texto, indique onde ocorre silepse.
gua portuguesa. 45ª ed. São Paulo, Saraiva,
2005.
b) Agora responda: por que o locutor preferiu
BECHARA, E. (1999). Moderna Gramática Por-
tuguesa (37ª ed. revista e ampliada). Rio de Ja-
neiro: Lucerna.
SAIBA MAIS!
CINTRA, L. & CUNHA, C. (1984). Nova Gra-
estilística e recursos
Para saber mais sobre mática do Português Contemporâneo. Lisboa:
estilísticos, consulte: Sá da Costa.
al-
Meios de expressão e
ALI, M. Said (1951). ga niz aç õe s
Rio, Ed. Or MATEUS, M. H. et alli. (2003). Gramática da
terações semânticas.
Simões. Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho.
-
(1967) Língua e expres
GALVÃO, Jesus Belo afe tiv ida de na ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática Normativa
sciência e
são artística. Subcon
po rtu gu esa . Rio de Janeiro, Civiliza- da Língua Portuguesa. 43ª ed. São Paulo: José
língua
ção Brasileira. Olympio/Record, 2002.
o
90) Estrutura e funçã
HALLIDAY, M. A. K. (19 Lin - WEG; ANTUNES DE JESUS. A língua como ex-
vos Horizontes em
da linguagem. In: No Lyo ns . Tra d.
guística. Organização
de John pressão e criação. v. 2. São Paulo: Contexto,
do Cin tra e ou tros. São Paulo, cul- 2011.
de Geral
trix/Edusp.
es (1975) Estilística da
LAPA, Manuel Rodrigu
imbra Ed.
Língua Portuguesa. Co
u-
Anna (1989) Introd
MARTINS, Nilce Sant’ us p.
Paulo , Ed
ção à estilística. São
)
JR., Joaquim (1977
MATTOSO CÂMARA gu esa . Rio de
tica po rtu
Contribuição à estilís
eir o, Ao Liv ro Té cn ico.
Jan
(1968) O problema do
MURRY, Middleton G. .
io Gomes de Oliveira
estilo. Trad. de Aurél .
ia Acadêmica
Rio de Janeiro, Livrar

Você também pode gostar