A Terapia Ocupacional Na Prática de Grupos
A Terapia Ocupacional Na Prática de Grupos
A Terapia Ocupacional Na Prática de Grupos
Original
oficinas terapêuticas com pacientes de saúde mental1
Artigo
Janaina Bussola Montrezor
Terapeuta ocupacional do Pólo de Atenção Intensiva em Saúde Mental – Cruzada Bandeirante São Camilo
de Assistência Médico Social, Santos, SP, Brasil, especialista em Administração Hospitalar pelo Centro
Universitário São Camilo – USC, Terapeuta ocupacional de projeto acadêmico da Universidade Federal de
São Paulo – UNIFESP, Santos, SP, Brasil
Resumo: Objetivou-se demonstrar a efetividade da Terapia Ocupacional junto à pacientes portadores de transtornos
mentais através de grupos terapêuticos em uma unidade de internação intensiva. Os grupos terapêuticos realizados foram:
grupos de reflexão, operativos, oficinas de desenho e de artes. Participaram do estudo 280 pacientes (46,07% com CID
F20-29, 23,57% com CID F30-39 e 14,28% com CID F19). Do total de pacientes (n = 280), 54,00% participaram dos
grupos operativos, 52,85%, dos grupos de reflexão, 46,80%, das oficinas de desenho e 45,70%, das oficinas de artes.
Em todos os grupos a participação do grupo CID F20-29 foi maior (49,25% nos grupos de reflexão, 54,00% nos grupos
operativos, 51,00% nas oficinas de desenho e 66,00% nas oficinas de artes); seguido do grupo CID F30-39, com 24,25%
nos grupos de reflexão, 27,00% nos operativos e 22,00% nas oficinas de desenho; nas oficinas de artes, o grupo CID F19
se destacou. Os pacientes com esquizofrenia, psicoses, transtornos bipolares etc. (CID F20-29 e F30-39) apresentaram
maior participação em grupos nos quais foram discutidos conteúdos como alegria, raiva, medo etc. Já o grupo CID F19
apresentou maior participação nas oficinas de artes, fato que pode ser explicado pelo perfil desses pacientes, pois muitos já
estiveram em presídios e/ou internados em hospitais de longa permanência, onde aprenderam a exercer atividades manuais
para posterior sobrevivência na sociedade. Desse modo, conclui-se que os grupos terapêuticos são eficazes no tratamento
de pacientes de saúde mental, uma vez que contribuem para a alta hospitalar e melhoram o quadro clínico do paciente.
Palavras-chave: Terapia Ocupacional, Saúde Mental, Grupos Terapêuticos.
Abstract: In this study, we aimed to demonstrate the effectiveness of occupational therapy to patients with mental
disorders through therapy groups in an intensive inpatient unit. The following treatment groups were performed: focus
groups, operative groups, drawing workshops, and arts workshops. The study included 280 patients (46.07% with ICD
F20-29, 23.57% with ICD F30-39, and 14.28% with ICD F19). Of all the patients studied (n = 280), 54.00% participated
in the operative groups, 52.85% in the focus groups, 46.80% in the drawing workshops, and 45.70% in the art workshops.
In all groups, the participation of the ICD F20-29 group was higher (focus group with 49.25%, 54.00% in the operative
group, 51.00% in the workshops of drawing, and 66.00% in art workshops), followed by the ICD F30-39 group with
24.25% in the focus group, 27.00% in the operative group, and 22.00% in the drawing workshops; the ICD F19 group
stood out in the arts workshops. Patients with schizophrenia, psychoses, bipolar disorders, among others (ICD F20-20
and ICD F30-39) were the most active in the therapeutic groups, which discussed contents such as joy, anger, fear,
thoughts of death, etc. The ICD F19 group presented the greatest participation in the art workshops, a fact that can be
explained by the profile of these patients, because many have been in prison and/or admitted to long-stays in hospitals
where they learned to perform manual tasks for subsequent survival in society. We concluded that therapeutic groups are
effective in treating mental health patients because they contribute to hospital discharge and improve patients’ conditions.
Keywords: Occupational Therapy, Mental Health, Therapeutic Groups.
Autor para correspondência: Janaina Bussola Montrezor, Pólo de Atenção Intensiva em Saúde Mental da Baixada Santista (PAI), Av. Ibitinga,
965, Jardim Aeroporto, CEP 15991-205, Matão, SP, Brasil, e-mail: janamontrezor@gmail.com
Recebido em 18/11/2011; 1ª Revisão em 11/10/2012; Aceito em 17/12/2012.
530 A Terapia Ocupacional na prática de grupos e oficinas terapêuticas com pacientes de saúde mental
práticas de inserção social nos hospitais psiquiátricos. O critério de seleção do local de realização foi o de
De acordo com o autor, além do tratamento clínico, a instituição não ser considerada um hospital-dia,
que é fundamental, o paciente necessita de seu direito ou seja, os pacientes permaneciam internados na
de criar, opinar, escolher, relacionar-se, entre outros, instituição por um determinado período de tempo
conquistados através dos grupos de atividades. e participavam de grupos e atividades terapêuticas
Bezerra e Oliveira (2002) relatam que, partindo-se como parte do processo de tratamento. Além disso,
do princípio de que o ato criativo (presente nos a instituição era um local relativamente novo e
grupos terapêuticos) é desencadeado por um estado apresentava uma proposta nova de tratamento ao
motivacional de insatisfação ou desacordo interno, doente mental (na época do estudo, o local funcionava
há apenas seis meses).
é possível perceber que a expressão proporciona um
alívio que, além de prazeroso, restabelece o equilíbrio Inicialmente foram escolhidos alguns grupos
emocional do paciente. Scherer e Scherer (2001) terapêuticos realizados pelo setor de Terapia
afirmam que através dos grupos de atividades é Ocupacional da instituição, sendo o critério de
possível observar-se melhoras na socialização dos seleção a diversidade das propostas de cada grupo
pacientes, nos relacionamentos grupais, na aceitação terapêutico (todos os grupos foram classificados
da doença. Os pacientes, quando aceitam a doença como heterogêneos e abertos). Selecionou-se, então,
e passam a buscar o tratamento, querem voltar quatro categorias de grupos terapêuticos, que foram:
ao trabalho, procuram atividades que os façam Grupo de reflexão, Grupo operativo, Oficina de
sentirem-se úteis, demonstram a vontade de produzir desenho e Oficina de artes.
e vencer a doença através da ocupação e mostram a A participação dos pacientes nos grupos
necessidade de aprender alguma atividade artesanal. terapêuticos foi quantificada e analisada,
comparando-se o total de altas desses mesmos
De acordo com Samea (2008), há pouca literatura
pacientes e o tempo de sua internação com o total
brasileira referente à utilização de grupos e oficinas
de reinternações ocorridas no período do estudo.
terapêuticas na área de saúde mental; entretanto, os
Os dados foram tabulados e analisados por uma das
grupos têm se revelado, cada vez mais, importante
terapeutas ocupacionais da instituição (pesquisadora
dispositivos de investigação e intervenção na prática
deste estudo de caso).
terapêutica. A autora relata ainda que, durante os
grupos terapêuticos, vários sujeitos estão juntos, Para a coleta de dados referentes ao processo de
compartilhando tempo, espaço e um fazer através participação dos pacientes nos grupos terapêuticos
das interações; múltiplos podem ser os conteúdos foi utilizada a planilha de dados do programa Excel
for Windows (versão 2003), tabulando-se dados
gerados pelos encontros, o que é manifesto vem
como: total de pacientes internados no período,
carregado de significações que, no contato com o
quantidade de pacientes participantes em cada
outro, podem adquirir ainda novos significados,
grupo terapêutico, período de internação de cada
explicitando diferenças e semelhanças, traços culturais
paciente e o diagnóstico de cada um, de acordo com
distintos, marcas das histórias e desejos. De modo
a Classificação Internacional de Doenças e Problemas
geral, os grupos de atividades e oficinas terapêuticas
relacionados à Saúde – CID10 (ORGANIZAÇÃO...,
são vistos como instrumento de enriquecimento, de 2013). Essa planilha foi preenchida pelas terapeutas
valorização da expressão, de descoberta e ampliação ocupacionais da instituição após a realização de
de possibilidades individuais e de acesso a bens cada sessão de grupo terapêutico, sendo também
culturais (MENDONÇA, 2005). um documento de prestação de contas do setor
Sendo assim, o objetivo deste artigo foi demonstrar de Terapia Ocupacional para a instituição e de
a efetividade da clínica da Terapia Ocupacional autoavaliação do próprio setor quanto às suas
(no âmbito da Gestão Hospitalar) na alta hospitalar atividades profissionais. Os dados tabulados só
de pacientes portadores de transtornos mentais foram utilizados para este estudo de caso após a
através de grupos terapêuticos em uma instituição autorização da direção administrativa da instituição.
de internação intensiva em saúde mental. Para comparação com os dados numéricos
coletados no processo de participação dos pacientes
2 Procedimentos metodológicos nos grupos terapêuticos, os dados referentes a total
de altas hospitalares e total de reinternações na
Este estudo caracterizou-se como estudo instituição no período do estudo foram solicitados à
comparativo de caso, tendo seguido uma abordagem diretoria administrativa da instituição, que também
quantitativa, realizada em uma instituição de autorizou a realização deste estudo.
internação intensiva em saúde mental da cidade de Como complemento do estudo, foi realizada uma
Santos, SP, no período de julho a dezembro de 2010. revisão bibliográfica sobre grupos terapêuticos, alta
hospitalar, saúde mental, instituições psiquiátricas, era direcionado para a Central de Vagas da DRS
terapia ocupacional, entre outros assuntos. IV do estado de São Paulo, que respondia pela
Constatou-se carência de publicações sobre Terapia liberação ou negação do pedido de internação. A
Ocupacional no âmbito da Gestão Hospitalar, por instituição somente recebia e acolhia os usuários
exemplo: a contribuição do trabalho da Terapia após autorização dessa central de vagas.
Ocupacional para a alta hospitalar em unidades Seu projeto terapêutico objetivava, primariamente,
em que o paciente se mantém internado por um diagnosticar adequadamente os diversos transtornos
determinado período de tempo; o benefício da mentais, introduzir os tratamentos mais adequados
atividade na “reconstrução” do paciente dentro do e, de modo individualizado e humanizado para cada
hospital, entre outras. paciente, buscar a remissão do quadro psiquiátrico
agudo do paciente, a reabilitação psicossocial, com
3 Resultados e discussão abordagem e reestruturação do ambiente familiar.
Para tanto, contava com uma equipe interdisciplinar
formada por médicos psiquiatras, médico clínico,
3.1 A instituição terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes
A unidade de internação intensiva em saúde sociais, educador físico, nutricionista, farmacêutico e
mental referida neste estudo localizava-se na cidade toda a equipe de enfermagem (técnicos e enfermeiros).
de Santos, SP, dentro de um hospital geral. A unidade Essa unidade de internação intensiva em saúde
contava com gerência privada (Organização Social mental acabou se tornando referência, na Baixada
Cruzada Bandeirante São Camilo de Assistência Santista, no atendimento aos portadores de
Médico Hospitalar), porém atendia somente usuários transtornos mentais.
do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua inauguração
oficial ocorreu no dia 25 de outubro de 2010, porém 3.2 Os grupos e oficinas terapêuticas
a Organização Social (OSS) Cruzada Bandeirante
São Camilo assumiu a unidade no dia 6 de julho de Por se tratar de uma unidade de internação
2009. O início das atividades assistenciais ocorreu relativamente nova, o setor de Terapia Ocupacional
no mês de janeiro do ano de 2010, depois de uma foi “construído” e “planejado” pelas terapeutas
grande reforma em toda a unidade. A unidade ocupacionais contratadas da unidade (as duas
de internação intensiva em saúde mental tinha primeiras terapeutas ocupacionais contratadas no
por objetivo suprir a necessidade de um serviço começo de 2010, recém-formadas da primeira turma
de internação breve a indivíduos portadores de de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de
transtornos mentais severos e persistentes em quadro São Paulo – UNIFESP, continuavam atuando na
agudo, com prioridade para adolescentes e portadores instituição). Os grupos e oficinas terapêuticas foram
de doenças clínicas como esquizofrenia e outros estabelecidos pelas terapeutas ocupacionais da equipe
transtornos psicóticos, transtorno bipolar do humor interdisciplinar, valendo-se de suas experiências
e depressão unipolar grave, e transtornos mentais em estágios profissionalizantes na área de saúde
orgânicos com manifestações comportamentais mental, e tornaram-se parte integrante de outras
graves. abordagens terapêutico-ocupacionais da instituição.
A instituição tinha capacidade máxima de As terapeutas ocupacionais se propuseram a criar um
30 leitos (sem restrição quanto a gênero) e mesmo serviço de excelência e humanizado para tratamento
após a privatização (tornou-se uma organização de portadores de transtornos mentais.
social), continuou como patrimônio público sob Como norma da instituição e por se tratar
a responsabilidade do estado, atendendo os nove de um programa novo de Terapia Ocupacional
municípios da Baixada Santista (Santos, São Vicente, em implantação, o setor de Terapia Ocupacional
Cubatão, Guarujá, Praia Grande, Peruíbe, Mongaguá, responsabilizou-se pela realização das análises
Itanhaém e Bertioga), sendo 100% do atendimento dos grupos terapêuticos após cada sessão, para
SUS. O tempo de permanência dos usuários no acompanhar a progressão e analisar os possíveis
serviço era de 15 a 20 dias (dependendo do quadro déficits da dinâmica em curso e realizar um resumo
clínico e da demanda de internação de cada um) e das avaliações de cada grupo, passado para a equipe
eram oferecidas, diariamente, diferentes estratégias interdisciplinar através do sistema operacional de
terapêuticas, efetivadas pela equipe interdisciplinar. computadores (PR). Nesse sistema operacional,
Para a internação na unidade, era necessário os que regia todos os computadores da instituição,
usuários terem encaminhamento de alguma unidade os profissionais digitavam a evolução de cada
de saúde (NAPS, CAPS, UBSs, prontos-socorros etc.) paciente internado (evolução médicas, evolução da
de seu município de origem e esse encaminhamento enfermagem e evolução da equipe interdisciplinar,
composta por terapeutas ocupacionais, psicólogos, estava sendo o período de internação, suas angústias,
assistentes sociais, educador físico e nutricionista); medos e os planos futuros, para serem discutidos com
depois de feitas, todas essas evoluções eram impressas os demais pacientes e com as terapeutas ocupacionais.
e anexadas as prontuário de cada paciente. Em No Grupo operativo a atividade centrava-se em
um local específico desse sistema operacional, as tarefas: cada paciente tinha uma função específica e
terapeutas ocupacionais descreveram o andamento dependia, também, da função do outro; as atividades
e as percepções pessoais dos grupos terapêuticos, eram em processos. Nesse grupo eram trabalhados,
que eram levadas para as reuniões de equipe e por exemplo, a plantação e, depois, manutenção
para as discussões de caso, além de servirem como da horta e do jardim da unidade; sendo cada
“parâmetro” para as avaliações de cada grupo paciente responsável por uma função dentro de
terapêutico. uma determinada atividade.
Os grupos terapêuticos fizeram parte do processo No Grupo oficina de desenho utilizavam-se
de tratamento do paciente, já que o mesmo contava técnicas variadas de desenho como, por exemplo:
com o tratamento medicamentoso e com demais desenho com carvão vegetal, com aquarela, desenho
grupos de outros profissionais, como o grupo continuado, desenho com materiais recicláveis, entre
psicoterapêutico do setor de psicologia, a oficina de outros; algumas vezes direcionava-se esse grupo
culinária do setor de nutrição, grupo de jogos do setor para um tema específico a desenhar, outras vezes
de educação física, entre outros. Durante o período não se limitava de nenhum modo a criatividade
de internação, os pacientes tinham total liberdade dos pacientes.
para participar ou não dos grupos e atividades No Grupo oficina de artes foram utilizadas
propostas, entretanto, as terapeutas ocupacionais, técnicas de arteterapia e artesanato. Dentro desse
após realizarem o primeiro contato com os pacientes, grupo realizava-se também uma oficina de reciclagem.
os avisavam da rotina das atividades terapêuticas e O objetivo principal era que os pacientes saíssem
explicavam a sua importância; em um mural no da instituição sabendo confeccionar objetos de uso
refeitório/pátio de uso comunitário dos pacientes era pessoal (como bijuterias, bolsas etc.) e/ou decorativo
fixado o cronograma semanal com a programação (quadros, porta-retratos, tapetes etc.), bem como
das atividades de toda a equipe interdisciplinar. encadernações e confecção de sabonetes, entre outros.
De modo geral, os grupos terapêuticos tinham por Durante o período de realização deste estudo (de
objetivo identificar, por meio do fazer (atividades), as julho a dezembro de 2010), um total de 280 pacientes
dificuldades e os desafios de cada paciente, buscando foram internados na instituição, sendo 28 no mês
a resolução dessas dificuldades e fazendo com que de julho, 47 no mês de agosto, 49 em setembro,
o paciente conseguisse lidar mais efetivamente com 53 em outubro, 45 em novembro e 58 em dezembro.
conflitos pessoais vividos em outros grupos sociais Eram pacientes adultos e jovens adultos, faixa etária
(como a família, entre os amigos, no ambiente de de 19 a 62 anos, sendo 182 (65,00%) do gênero
trabalho, entre outros). Também tinham por objetivo masculino e 98 (35,00%), do feminino. Não foi
“preparar” os pacientes para a realidade e o convívio possível caracterizar a escolaridade dos pacientes,
em sociedade (como a volta ao trabalho ou à escola). pois muitos não apresentavam documentos e muitos,
Os grupos terapêuticos do setor de Terapia ainda, não tinham família que pudesse “comprovar”
Ocupacional foram realizados por duas terapeutas a sua condição. Para a internação na instituição era
ocupacionais e os grupos selecionados para as necessário somente a apresentação de documento
análises, de acordo com os critérios descritos em com foto (RG), do cartão SUS e de um comprovante
Procedimentos metodológicos, foram: Grupo de de residência, além da autorização de internação
reflexão, Grupo operativo, Oficina de desenho e hospitalar (AIH).
Oficina de artes. Como são variados os diagnósticos apresentados
No Grupo de reflexão realizavam-se atividades pelos pacientes, com o fim de facilitar o entendimento
que remetiam à reflexão sobre sentimentos como esses diagnósticos foram separados por categorias
angústias, medos, inseguranças, desafios, sonhos, (de acordo com a Classificação Internacional de
entre outros, e sobre o próprio estado de saúde do Doenças e Problemas relacionados à Saúde – CID10)
paciente, o conhecimento e a interação com a própria (ORGANIZAÇÃO..., 2013), como: CID F19
doença e o autoconhecimento. Nesse grupo foram (Transtornos mentais e comportamentais devido
utilizadas atividades de escrita, com desenhos, fotos, ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras
recortes de jornais e revistas, sempre seguindo um substâncias); CID F20-29 (Esquizofrenia, transtorno
tema a ser discutido; cada paciente possuía, também, esquizotípico e esquizoafetivo, transtornos delirantes
um caderno (espécie de diário) onde escrevia como persistentes e induzidos, transtornos psicóticos agudos
e transitórios, outros transtornos psicóticos não A Figura 2 nos revela que os pacientes participaram
orgânicos e psicose não orgânica não especificada); mais dos grupos operativos (54,00%), seguidos
CID F30-39 (Episódio maníaco e depressivo, dos grupos de reflexão (52,85%), oficinas de artes
transtornos afetivos bipolares, transtornos depressivos (47,70%) e oficinas de desenho (46,80%).
recorrentes e transtornos do humor); e CID OUTROS Na literatura, alguns autores apontam a
(F10 – Transtornos mentais e comportamentais importância dos grupos reflexivos no tratamento de
devido ao uso de álcool, F60 – Transtornos específicos pacientes de saúde mental. Bezerra e Oliveira (2002)
da personalidade, F79 – Retardo mental não relatam que grupos terapêuticos (principalmente
especificado e F80 – Transtornos específicos do nos grupos de reflexão, em que o resultado final do
desenvolvimento da fala e da linguagem). A Figura 1 trabalho do paciente relaciona-se a fatos já vividos)
apresenta a quantidade de pacientes internados no permitem retomar vivências durante um processo
período do estudo (n = 280), separados de acordo criativo, permitindo a reorganização emocional do
com o diagnóstico médico estabelecido. paciente. De acordo com Munari (2004), através
das atividades expressivas e de reflexão os pacientes
De acordo com a Figura 1, observa-se uma
encontram seu elo e caminho para a vida, mesmo
prevalência de pacientes com diagnóstico das
que fora do padrão normal aceito pela sociedade.
categorias F20-29 (46,07%) e F30-39 (23,57%),
referentes aos quadros de esquizofrenia, transtornos Pacientes diagnosticados com CID F20-29 e
psicóticos, psicoses, transtornos afetivos bipolares, F30-39 apresentaram participação maior nos grupos
episódios maníacos e depressivos, entre outros. de reflexão, nos grupos operativos e nas oficinas de
desenho. Nos grupos de reflexão, a participação
A frequência de realização dos grupos terapêuticos do grupo CID F20-29 foi de 49,25% e do grupo
variava conforme a rotina da própria instituição, CID F30-39 foi de 24,25%; nos grupos operativos,
mas de modo geral era seguido um cronograma a participação dos pacientes com CID F20-29 foi
de atividades com a realização de dois grupos de 54,00% e dos pacientes com CID F30-39, de
terapêuticos por dia, totalizando 10 grupos 27,00%; e, nas oficinas de desenho, as participações
terapêuticos por semana e 40 no mês; entretanto, de pacientes de F20-29 e de F30-39 foram de 51,00%
alguns meses apresentaram um número maior e 22,00%, respectivamente.
de grupos, como novembro (total de 56 grupos Nise da Silveira, no tratamento à pacientes
terapêuticos) e dezembro (total de 62 grupos esquizofrênicos, referiu aderência maior dos pacientes
terapêuticos). A participação total dos pacientes a atividades ditas “de livre expressão” (como
nos grupos e oficinas terapêuticas do setor de Terapia atividades reflexivas, desenho, pintura, modelagem,
Ocupacional variava também conforme a quantidade entre outras), pois nessas atividades a atenção, a
de pacientes internados no dia, mas considerando-se memória, as técnicas e até mesmo os pensamentos
que a média de internação nesse período de julho podem ficar temporariamente suspensos. Nise da
à dezembro de 2010 foi de 27 pacientes/dia, a Silveira apontou ainda que, no livre fazer, o curso
participação máxima foi de 22 pacientes e a mínima das emoções, dos afetos e das lembranças e a lógica
de 17. A Figura 2 nos revela o total de participação do pensamento não estão sendo exigidos podendo,
dos pacientes, dispostos entre os diferentes grupos ao contrário, estar sendo exercidos por cada paciente
e oficinas terapêuticas, sendo que o mesmo paciente (CAVALCANTI; GALVÃO, 2007). Ferrari (2006)
podia participar de mais de um grupo terapêutico. relatou que a diversidade de linguagens e formas
de intervenção oferecidas nos diferentes grupos e oficinas terapêuticas. Pacientes que tiveram uma
e oficinas terapêuticas proporciona lugares que participação significativa (mais de cinco vezes)
podem ser utilizados pelos pacientes para expressão, nos grupos terapêuticos não se reinternaram na
vivência e significação de conteúdos, entendido instituição durante o período do estudo. É claro que
como necessário no tratamento desses pacientes. quando se trata de pacientes de saúde mental, alguns
Em relação à participação dos pacientes nas ainda com quadro clínico crônico, as reinternações
oficinas de artes, os resultados foram diferentes. são inevitáveis, principalmente nessa instituição
Os dois grupos que se destacaram foram de específica, a única de internação intensiva que atende
pacientes pertencentes aos grupos CID F20-29 todos os municípios da Baixada Santista. Este estudo
(com 66,00% de participação) e CID F19 (com tentou mostrar a importância dos grupos terapêuticos
43,50% de participação). Os pacientes que da Terapia Ocupacional e sua contribuição para a
apresentavam quadros de transtornos mentais e alta hospitalar dos pacientes internados, mostrando
comportamentais associados ao uso de múltiplas que aqueles que aderiram aos grupos terapêuticos não
drogas e outras substâncias psicoativas (CID F19) apresentaram “recaída” (reinternação) em período
neste estudo totalizavam 41 indivíduos (14,29% curto de tempo,mantendo-se razoavelmente bem e
do total de pacientes internados). Desses, alguns convivendo em sociedade por intervalos mais longos.
(27 pacientes, 65,85%) já haviam sido internados
em outras instituições psiquiátricas e, também, 4 Conclusões
submetidos a internações compulsórias por ordem
judicial, o que contribuiu para participarem com Os pacientes com CID F20-29 e CID F30-39
maior interesse das oficinas de artes, pois já estavam apresentaram maior participação nos grupos
habituados, nos locais por onde passaram, a exercer em que foram discutidos conteúdos e emoções
atividades manuais como: jardinagem, horticultura variadas, como: ideias de morte, solidão, conquistas,
e atividades que remetiam à sua sobrevivência idealizações, dificuldades, entre outros conteúdos
na sociedade, como encadernação, confecção de tratados nos grupos de reflexão e operativos. Esses
bijuterias, mosaicos, pintura em telas, entre outras. pacientes conseguiram expressar-se através de sua
Conforme Brasil (2007), a política do Ministério da própria criação e uma vez que os resultados finais
Saúde para a atenção integral aos usuários de álcool dessas criações estavam relacionados a fatos já vividos
e drogas propõe que os novos equipamentos de saúde por eles, conseguiram retomar essas vivências no
considerem o caráter multifatorial do consumo de próprio processo criativo, o que não só permitiu a
drogas, realizando diálogos com serviços culturais, reorganização emocional do paciente como também
sociais e outras instituições de saúde e estruturando contribuiu para maior organização e coerência
uma rede de assistência na atenção comunitária, do pensamento, melhorando o quadro clínico e
com ênfase na reabilitação e reinserção social. Sendo “adaptando” o paciente à sociedade.
assim, Oliveira et al. (2010) relatam que os Centros
Os pacientes com CID F19 apresentaram maior
de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas
participação nas oficinas de artes, fato que pode ser
e outras instituições especializadas no tratamento de
explicado pelo perfil deles, pois muitos já tinham
dependentes químicos são considerados equipamentos
estado em presídios e/ou internados em outros
estratégicos para essas novas práticas de saúde.
hospitais de longa permanência, instituições nas
Durante o período do estudo, do total de pacientes quais aprenderam a exercer atividades manuais
internados (n = 280), 249 (90,00%) obtiveram como forma de renda para a própria sobrevivência.
alta hospitalar no tempo predeterminado pela
instituição (15 a 20 dias). Desses, 200 pacientes Os pacientes que participaram dos grupos
(80,32%) participaram dos grupos terapêuticos terapêuticos apresentaram uma melhora significativa
propostos pelo setor de Terapia Ocupacional, sendo em seu quadro clínico, receberam alta hospitalar no
essa participação quantificada somente quando o período predeterminado pela instituição e retomaram
paciente participava mais de cinco vezes durante o suas atividades na sociedade. Embora os dados da
seu período de internação. Já os pacientes que não pesquisa refiram-se ao período de julho a dezembro de
aderiram aos grupos e oficinas terapêuticas (10,00%) 2010, até a data de aceite deste artigo os pacientes que
obtiveram alta da instituição em um período maior participaram efetivamente dos grupos terapêuticos
do que o estabelecido pela própria instituição; apresentaram uma taxa de reinternação menor do
alguns pacientes (16,06%) permaneceram até mais que os demais e alguns não voltaram à internação
de 30 dias além da internação predeterminada. nessa mesma instituição.
As taxas de reinternação (4,00%) também se Através dos dados apresentados pode-se concluir
referiam a pacientes que não aderiram aos grupos que os grupos terapêuticos são eficazes no tratamento
de pacientes de saúde mental, uma vez que contribuem HAGEDORN, R. Ferramentas para a prática em
para a sua alta hospitalar, melhorando seu quadro terapia ocupacional: uma abordagem estruturada aos
conhecimentos e processos centrais. Tradução de Melissa
clínico.
Tieko Muramoto. São Paulo: Rocca, 2007.
Este estudo ressalta a importância da clínica de KEBBE, L. M.; SANTOS, T. F.; COCENAS, S. A.
Terapia Ocupacional através de grupos terapêuticos Etapas constitutivas de um grupo de atividades em um
para pacientes de saúde mental. Pesquisas futuras hospital dia psiquiátrico: relato de experiência. Cadernos
devem aprofundar os assuntos nele abordados. de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 18,
n. 1, p. 77-84, 2010.
LIEBMANN, M. Exercícios de arte para grupos: um
Agradecimento manual de temas, jogos e exercícios. 4. ed. São Paulo:
A autora agradece a colaboração da terapeuta Summus, 2000.
ocupacional do Pólo de Atenção Intensiva em Saúde MAXIMINO, V. S. Grupos de atividades com pacientes
Mental da Baixada Santista (PAI), Camila Molina psicóticos. São José dos Campos: Univap, 2001.
Lucenti de Souza. MENDONÇA, T. C. P. As oficinas na saúde mental:
relato de uma experiência na internação. Psicologia, Ciência
e Profissão, Brasília, v. 25, n. 4, p. 626-653, 2005. http://
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Notas
1
Parte dos resultados aqui apresentados foram debatidos no XII Congresso Brasileiro de Terapia Ocupacional e IX
Congresso Latino Americano de Terapia Ocupacional, na cidade de São Paulo, SP, em 2011.