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História

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D~ JAIME CORTESAO
J2ar@ OBRAS COMPLETAS 4

4'

Historia
da expansao portuguesa

SBD-FFLCH-USP

DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI


8
1111111 1111111111 IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII IIIII 111111111111111111
21200000478

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA


CAPiTULO II

0 designio do Infante e as explora~oes atHinti.cas .


ate a sua morte •
0 retrato do Infante. Sua cultura e auxiliares estraogeiros. 0 A,tlas cataljo de 1375-1377.
0 plano do Infante. Ocopa~ao dos arquipelagos ailaoiicos •.
Explora~Oes ao Iongo da costa de Africa.
lotrodu~Ao do metodo cieotifico e da astr6oo-o4utica DOS descobrimeotos.

Foi o Infante de estatura pouco mais que media, de membros longos e ro-
bustos, a tez morena e o cabelo alevantado. Dos seus retratos, urn dos quais,
o de Nuno Gon~falves, obra genial, se ve que o rosto era de tralfOS fortes, a
testa alta, os malares visfveis, o mento grande e proeminente e a austeridade
do semblante. sauvizada pela expressao do olhar, banhado nessa especie de ili-
mita1f1io e melancolia dos que perseguem urn sonho interior.

/ Foi dotado duma extraordiruiria energia fisica.


Durante a tomada de Ceuta, distingue-$e entre os demais guerreiros pele-
jando durante cinco horas continuadamente, sob o peso das armas e ein plena
zina abrasante dum Agosto africano. Quando, tres anos volvidos, chegaram a
Portugal as primeiras novas de que os mouros se preparavam para o cerco de
Ceuta, diz Azurara: • ... foi coisa maravilhosa que o lnfante D. Henrique veio
de Viseu aos pa~fos da Serra (junto da Atouguia) em urn-dia e wna noute, que ·
sao quarenta leguas (das antigas).>> Chegado a Lisboa, e recebidas as cartas com
a notfcia de que o cerco tinha come~fado, veio de novo aos PalfOS da Serra pedir
licenlfa ao pai para embarcar na frota de socorro, obtida a qual, regressou acto
continuo a Lisboa. Mas, acrescenta o cronista, .se nos maravilhamos do andar
que fez de Viseu, muito mais o devemos fazer deste caminho, que em pouco
mais de 15 horas andou 26 leguas, contando aqui a deten~fa que fez em falar
a seu padre e dar Iugar aos seus que comessem alguma cousa>>.
Capaz dum dispendio extrema de energia nos momentos de perigo, nao dei-
xava por isso de aplicar-se ao trabalho de todos os dias com· urn zelo igual e
pertinaz. :E o mesmo cronista que nos informa: «Todos seus dias passou em
grandissimo trabalho. . . Duvidoso seria de contar quantos pares de noites seus

" * HP, m, pp. 352-384.

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olhos nao conheceram sono ... ». Foi casto, s6brio, austero. Acusam-no de ho- os do espirito. Os pr6prios irmaos imolou na ara do seu culto. Raros homens
mem de cora~;ao duro. em todos os tempos se deram tanto de corpo e alma a urn ideal.
A sua conduta com os irmaos, o Infante D. Fernando, aquando cativo, ap6s Grande alcance para o estudo dos objectivos do Infante assume a averigua-
o desastre de T~nger, e o Infante D. Pedro durante as desaven~;as com o du- ~;ao dos elementos da sua cultura e da importiincia que ele pr6prio !he dava.
que de· Bragan~;a que terminaram com a batalha de Alfarrobeira; constitui a base Nao ha, ao terminar o seculo XIV, e ao come~;ar o xv, que separar por forma
principal da :lcusa~;ao. Sem pretender deslindar com mimicia as causas da sua terminante o homem de fe e o homem de ciencia. Os dois apareceram fmidi-
atitude num ~ noutro caso, afigura-se-nos mais prudente supor que em qual- dos; e dentro do quadro religioso se devem nesta epoca estudar todas as mani- ·
quer deles, n~ animo do Infante se deve ter dado o conflito entre os dois deve- festa~;oes da ciencia. Foi o Infante D. Henrique homem duma fe ardente. Nao
res e que a ~t6ria da razao do Estado sobre os impulsos afectivos !he fosse ha novidade em afrrma-lo; nem pode ser esse o caracter mais original numa
dolorosa. i grande flgura dessa epoca. Outro relevo apresentam os factos de cultura, como /
Varios depoimentos, na verdade, contradizem urn tanto esse juizo. indice percursor de humanidade nova. . / .
Mateus de Pisano celebra-lhe a afabilidade do caracter, Azurara vai ate acusa- Salientemos desde logo que o Infante D. Henrique exerceu, provavelmente
-Io de benevolencia excessiva com os seus; e, a darmos credito ao que no!J. conta a partir de 1418, mas com certeza desde 1431, as fun~;oes de governador e pro-
Ant6nio de Ia Salle, o escritor frances que participou na .empresa de Ceuta, a tector da Universidade de Lisboa, cargo em que mostrou o maior zdo. Da cons-
reac~;ao do Infante, aquando a morte do seu vedor~o Fern~des de Atafde, ciencia que tinha da importiincia do cargo, podemos concluir pe!os consideran-
denuncia extremos de sensibilidad.e afectuosa:·--o· pranto,_ dias segllidos, sobre dos da carta em que doa, em 1431, as novas casas para instala~;ao da
a morte do seu leal servidor, as Jamenta~;oes que dirige a quantos o pretendem Universidade: «... e. desejando o heme acrescentamento destes regnos e espe-
consolar, a cena do"encontro com a mae de Vasco, que acaha por dirigir pala- cialmente em sahedoria donde todo o hem nasce ... »
vras de conforto ao desolado Infante, opoem-se ao retrato do homem duro e Esta primazia dada ii. cultura, como factor do bern comum, esta sim, re-
frio, especie de sacerdote de Moloch. Tinha «O gesto sossegado e a palavra vela, a data em. que se escreveu, qualquer coisa de novo, na concep~;ao da vida
mansa», reza a cr6nica. Da mae inglesa herdara, ao que parece, a fleuma, que e dos deveres do homem de Estado.
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o tornava Iento, ao conceber do plano e ao realiza-Jo - fei~;ao esta do animo Que ele pr6prio fosse homem de estudo se depreende das palavras de Azu-
i que Azurara mais parece que louvar, repreender. rara. Noites a flo, sem dorrnir, passava a trabalhar e tudo nos leva a crer que
Essa aparente Ientidao envolvia, no entanto urn excepcionalfssimo talento maiormente se dedicou aos estudos de astronomia e geografia. Azurara e Cada-
11 de organizador, cheio de previdencia e metodo. mosto, que viveram na sua intimidade, concordam em afrrmar os seus giandes
I Nos ardores militares da fe, foi urn cruzado; no zelo com que tratou os hens
materiais, revelou primores de tino pratico, do mesmo passo cauto e inventivo.
estudos e competencia, e mais de5ignadamente <<acerca dos movimentos dos cor-
pos celestiaiS». Do seu interesse pelos estudos astron6micos se infere tambem,}
Dessa extranha mistura de fervor religioso e senso friamente pr6vido constitni pelo grande mimero de ffsicos, quase todos· judeus, que teve ao seu servi~;o.
testemunho exemplar o seu testamento. Por todos os seculos dos seculos, nas Com efeito, naquela epoca, a ciencia medica e astron6mica, melhor dirfamos,
igrejas das suas vilas e das imensas terras que mandou descobrir se haviam de astrol6gica, coincidiam, por via de regra, nos mesmos indivfduos. S6 assim se
rezar missas pela sua alma. E ele indica, urn a urn, os templos, os dias da cele- explica que entre 1440 e 1450 os documentos mencionem uns cinco ffsicos do
bra~;ao, o caracter do offcio, os Jegados para o servi~o e respectiva flscaliza~;ao, Infante. Temos por certo que esta junta astron6mica coincide com a elabora~o
e ao alcaide de Tomar, vila e sede da Ordem de Cristo, de que foi governador, 'das primeiras regras de astronomia nautica em Portugal.
deixa o cargo remu.nerado de provedor da sua alma, que para todo o sempre Dos seus estudos de geografia implicitamente se conclui pelas referencias
zele e vigie esses cuidados de sua salva~;ao. de Azurara, de Diogo Gomes e ainda dos cronistas posteriores. E indicio igual
Co!D a gama rica de virrudes que vai do fervor mistico ao senso utilitario podemos tirar da origem e qualidade de muitos colaboradores estrangeiros, que
se devotou a cumprir a missao que !he couhe na· terra. E mau grado as suas chamou para seu !ado. Azurara aflrma: «Sua casa foi um geral acolhimento de
avisadas tra~;as de lavrador, mercante e industrial, mau grado as imensas rique- todolos bons do reino e muito mais dos extrangeiros . . . que comunalmente se
zas herdadas ou adquiridas, e os monop6Iios, doa~;6es e opulentos subsidios brin- achavao em sua presen~;a desvairadas na~;6es de gentes, tao afastadas do nosso-
dados pela coroa, dehateu-se toda a vida, arrastado pela paixao descobridora, huso, que quasi todos o haviam por maravilha ... ».
com anglistias de dinheiro e morreu cheio de·dividas. Foram seus credores o Das cr6nicas e docurnentos sahemos que teve a seu servi~;o, alem de muitos
mosteiro de Alcoba~;a, argentarios judeus, o conde de Arraiolos e a coro:i. judeus, numerosos genoveses, venezianos, flamengos, alemaes, c_astelhanos, in-
A sede de conhecer devorou-o ·toda a vida."Sacriflcou-lhe os hens materiais e gleses, franceses, urn dinamarques, mouros, canaries, abissfnios e indios.

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Dentre esses estrangeiros alguns convem assinalar: Jaime de Maiorca, mes- Nao sao ~enos importantes as informa~oes sobre a Asia e o comercio do
tre cart6grafo da escola entao mais nomeada; Antonio da Nole, duma famflia Oriente. Uma serie de legendas muito exactas, na localiza~ao e pelo ensino,
de cart6grafos genoveses emulos dos malhorquinos; Cadamosto e Patricio de aponta as duas grandes estradas do comercio oriental pelo Mar Vermelho e o
Conti, um navegador, outro consul de Veneza, o grande emp6rio do comercio Golfo Persico, a importancia e a qualidade do trafico em Bagdade e Ormuz,
das especiarias; Valarte, vassalo qo rei da Noruega, pais que monopolizava o a sima~ao dos pafses produtores das especiarias nas costas da India e no arqui-
comercio com a Islandia e a Groenlandia; um mercador de Orao, cidade que pelago ~o e finalmente o grande movimento do tr.!fico nos portos e nos n1ares
mantinha um tnifico directo com OS grandes portos comerciais do Indico, como da China. Se a isto acrescentarmos indica~oes praticas sobre as mares no Atlan-
Calecute e Malaca; abissfnios do reino do Preste Joao e fndios. tico, o regimento para conhecer a hora pela estrela polar, as principais n~oes
Deste enumerado, ainda que sumario, e facil supor a vastid~o dos conheci- sobre o sistema de Ptolomeu, sem omitir a avalia~ao da circunferi'!ncia terrestre
mentos e do horizonte geogr:ifico pelo Infante abrangidos. Sobre um desses no- segundo o ge6grafo alexandrino e ainda a representa~ao dum astr6logo medindo
mes vale a pena determo-nos tao eloquentes sao os ensinamentos que a sua obra a almra do sol com 0 astrolabio, teremos dado uma ideia, ainda que incom- r::
(:
nos fomece. Nao restam hoje duvidas sobre a identidade de Jaime de Maiorca. pleta, da soma dos conhci:imentos e sugestoes fecundfssimas que a cultura geo-
(":
Uma notavel monografia de Gon~alo de Reparaz Filho, publicada na Biblos, re- grafica dos Cresques representava para o Infante D. Henrique. (:
vista da Faculdade de Letras de Coimbra, terminou com a debatida questao Vimos, nao obstante, que o Infante teve a seu servi~o um navegador per- i:
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identificando sem sombra de duvida Jaime de Maiorca com Jaffuda, filho de tencente a uma famflia de cart6grafos genoveses; e presumimos que o «Mestre
Abraao Cresques, o cart6grafo de Maiorca, autor do celebre Atlas de 1375-1377, Pedro, pintor do· Infante», designa~ao com a qual figura, em 1440, num :;.
que se guarda na Biblioteca de Paris. Esse atlas, obra tanto de arte como de documento, seja igualmente um cart6grafo estrangeiro, dado que por essa forma
cii'!ncia, constitui s6 por si a mais eloquente das ilustra~oes ao desfgnio do In- se apelidavam no seculo XV os desenhadores de cartas.
fante D. Henrique. Pintado em pergaminho fino colado sobre sete t:ibuas, Ion- J:i fris:imos que o Infante D. Henrique foi s6brio e austero de virtudes. Nao
gas e deslumbrantes de cor, representa as terras a esse tempe) conhecidas e cons- adorava o fausto e o bulfcio da corte; e Cadamosto vai encontr:i-lo, em 1454,
titui uma especie de polfptico do Mundo. Essa representa~ao vai desde as ilhas na Raposeira, onde, «por ser remota do mmulto das gentes e propfcia a con- ·
Orcades, a Noruega, a·Russia e a Siberia, ao norte, ate alem do cabo Bojador templa~ao do esmdo, ele habitava de preferi'!ncia>>. Esta solicimde em buscar
e o Oceano lndico, ao sui; e desde os A~ores, a Madeira e as Canarias, a oci- ·auxiliares e h6spedes de toda a na~ao revela, pois, antes preocupa~oes de inves-
dente, ate a cidade de Carnbalech (Pequim), no Extremo-Oriente. ·Eor toda ·a tigador cientffico; e, ·a luz das mais vastas possibilidades de conhecimento e in-
parte, nos tres continentes, se li'!em legendas, cujo conjunto constinrl um pe- forma~llo, devemos estudar os seus desfgnios.
queno mas precioso compendio de notfcias de geogriifia ffsi~a, comercial e polf- Ainda hoje se debatem; e debaterao, opinii'ies contr:irias sobre a especie de
tica. Referire.ID.os apenas algumas dentre as mais importantes. Na extremidade
sui da costa, junto da costa de Africa, e imediatamente abaixo das Canarias,
uma legenda refere a viagem de Ferrer, em 1346, a busca do Rio do Ouro.
Proximo, e ja no continente, junto da designa~ao geognffica Ginefl4,:..em.gran-
I 1
causas que provocaram: o movimento dos Descobrimentos portugueses e sobre
a amplimde do plano respectivo em tempo do Infante D. Henrique.
A nosso va-, e antes de mais nada, essas divergi'!ncias provi'!m quer da ere-
/ dulidade de certos histori6grafos que tomam a letra o relato das cr6nicas ofi-
des caracteres, outra legenda elucida sobre-6-reino dos mandingas, o seu-impe- 1 ciais, esquecendo que as convenii'!ncias do Estado obrigavam com frequi'!ncia
rador Mussa Mali e o comercio e grande abundancia de ouro que h:i nas suas / a uma polftica de sigilo, quer duma incapacidade, por cari'!ncia de erudi~iio ou·
terras. Com efeito, o Sudao e o Sara eram nessa epoca o centro dum intenso i de imagina~ao criadora, para abranger no seu complexo de ambi~s comerciais, -
tnifico do ouro, que as caravanas de mu~os transportavam aos portos mais . sentimentos religiosos, ideias cientfficas e prepara~o tecnica, todos os factores,
importantes do norte de Africa, desde Ceuta a Alexandria. Precisamente sobre \ de cujo feixe espectral clarearam as luzes do Renascimento. Segunda causa, nao
~ano que passaria-;;r-aq..:.u_el._.-a-c"'"id-:a-d7e-,-v-:i'!:--se-uma--p-a-s-s-agem na cordilheira \ menos grave, de incompreensiio provem do erro de considerar o Infante cq_mo
do Atlas com esta preciosa indica~o da estrada comercial de Ceuta ate as re- 1\ o criador, o·fautor e responsavel Unico da obra das 'navega~oes portuguesas, es-
gioes produtoras do ouro: <<Por aqui passam os mercadores que entram em terra quecendo os antecedentes decisivos do passado, e que ele fo~, como se vera,
dos negros de Gineua, o qual passo se chama vale de Dahra». Segundo Charles 1 o que dirfamos em linguagem dos nossos dias, um comiss:irio da Na~iio, e ate
de la Ronciere, que esmdou com particular aten~ao a parte do atlas relativa \ certo ponto da cristandade, para os Descobrimentos. Finalmente um erro psi-
a Africa, nele figuram as mais importantes estradas comerciais do Sara e que , col6gico niio menos explica certas falhas de visiio: o peso de considerar o ho-
daqui levavam ao Sudao e ao vale do Nfger. Na parte oriental do continente, mem em geral e os grandes homens em particular, como feitos dum bloco, pe-
\ trificados nas suas qualidades ou defeitos, e nao seres pl:isticos e em evolu~llo,
outra legenda refere e sima na Abissfnia ..o famoso reino do Preste Joao.

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e em cujo espfrito trabalham em equilibrio por via de regra instavel, tendencias Destes dois dirigentes, com tao alto e prudente sentido da sua fun11iio de
antin6micas. governantes, niio pode imaginar-se que deixassem de pesar ou de antepor aos
Nalguns trabalhos nossos, procurlimos demonstrar niio s6 que uma sistema- interesses da fe, todas as promessas de caracter utilitario, no sentido mais largo
tica polftica d,e sigilo presidia ao movimento da expansiio maritima dos portu- da palavra. Do pr6prio Infante D. Henrique podermos afirmai, como adiante
gueses, mas que as pr6prias cr6nicas coevas, quando niio foram sequestradas, veremos; que desde certo momento em diante, as razoes de cl!racter pratico_ pre-
sofreram mutila110e8 por vezes essenciais. Assim e por forma geral pode afirmar-se ponderruh em seu iinimo. Conce~ido nos ardores da fe e do sentimento e na
que, mau grado o zelo encomiastico dos cronistas, eles apoucam os objectivos 'ignonincia das dificuldades mais ~vosas, o plano dos Descobiimentos por certo
da empresa dos Descobrimentos. Ha, para ter uma visiio completa, tanto quanto evoluiu no espfrito de D. Henriq~e, com a maturidade da inteligencia e do sa-
possfvel, que fazer a crftica das fontes oficiais e completa-las com toda a espe- ber e a constante e fecunda li11iil'l das realidades.
cie de documentos acess6rios e quantas vezes de origem clandestina. - Quando se teria formado- no 4nimo dos dirigentes nacionais o plano de ex-
Repita-se que e impossfvel d,issociar na genese dos descobrimentos, os mo- 'pansiio maritima? A nosso ver nos anos que antecedem imediatamente a torilada
( tivos espirituais dos meramente utilitarios; e de entre os primeiros considerar de Ceuta, realizada em 1415. A conquista e ocupa11iio desta cidade, testa duma
•' apenas o aspecto religioso. Sera desde logo e tambem apoucar o horizonte his- estrada comercial para a regiiio do ouro, chave do Estreito, comporta do co-
t6rico. Se e certo que num escol restrito de pensadores, ao conceber a· ideia mercio do Levante com o Ocidente, sentinela e guarda avan11ada contra as in-
de expansiio, se pode presumir dominassem as razi>es de caracter espiritual, sem cursoes dos corsarios mu~anos as costas portuguesas foi, segundo cremos~
nunca, alias, se perderem de vista as necessidades econ6micas, e certo haverem uma especie de pr6logo ao vasto plano de expansiio, medida previa de segu-
estas, de preferencia, convencido e impulsionado as grandes classes, em con- e
ran11a primeira i!tapa necessaria no Iongo caminho a empreender.
junto, e mais aquelas que consentiram, solicitaram ou realizaram a grande em- A nomea11iio, no ano seguinte, de 1416, do Infante D. Henrique como go-
presa. E. no seu complexo de causas que tem de se estudar os objectivos da vemador de Ceuta, representa para n6s o tra!10 essencial de Jiga~o entre ·esse
empresa nacio~. primeiro acto .aos que viio seguir-se. E sabido que na iniciativa e organiza11iio
Erro fora tambem aquilata~los como se, pelo Infante, apenas tivessem sido da tomada de Ceuta, Joiio Afonso, o vedor da fazenda de D. Joiio I, tomou
concebidos. Num pequeno estudo, ha anos publicado tentamos demonstrar que parte essencial. Pois no segundo acto da grande empresa, o reconhecimento da
o plano dos Descobrimentos e obra dum escol nacional, dentro do qual ha que Madeira em 1418, vai por capitiio e a mandado do Infante, segwido as cr6ni-
assinalar os principais responsaveis na direc11iio polftica da na11iio, durante os cas, Joiio Gon~ves Zarco, neto de Joao Afonso, conforme rezam os nobilia-
tres primeiros quarteis do seculo XV, ou sejam, D. Joiio I, D. Duarte, o re- rios. Isto nos permite supor que ao primeiro passo nas navega11oes n~o fosse
gente D. Pedro, D. Afonso V e D. Joiio II. «Os primeiros e definitivos passos estranho o mesmo poderoso ministro que sugerira o acto de conquista, inicial, -
no caminho da .expansiio maritima dissemos- n6s, deram-se durante o- reinado segundo nexo, pois, entre um e outro.
de D. Joiio I. Logo tres anos depois de Ceuta, com~avamos a ocupar e povoar E em 1421, segundo Azurara, que com~ as tentativas anuais de desco-
o arquipelago da Madeira; a· breve trecho seguiam-se ali primeiras tentativas de brimento ao Iongo da costa de Africa, seguidas em 1424 do primeiro ensaio de
descobrimento ao Iongo da<costa de Africa; em 1424 o Infante D. Henrique conquista das Canarias. A quem possam afigurar-se demasiadamente longos os
dirigia uma expedi11iio de conquista, alias pouco frutuosa, contra as Canarias; intervalos de tempo entre estes varios actos, para que se admita entre eles con,
e fmalmente, cerca de 1431, iniciava-se o reconhecimento do arquipe!ago dos tinuidade, temos de lembrar que a falta de prepara~ao tecnica e as dificuldades
A~6res. Tudo isto se deu em vida do D. Joiio I; e rim destes actos do Iongo financeiras do Estado, agravados com a ocupa~iio de Ceuta, tornavam inevita-
plano, que entiio .iniciavamos, a tentativa da conquista das Canarias com uma veis as delongas. Assim, s6 em 1431 deve ter com~ado o reconhecimento do
forte armada, foi de grande dispendio para -o erario real.>> arquipe!ago do A11ores.
E evidente que todos estes actos niio s6 niio foram estranhos a vontade do Cabe aqui preguntar: quando na mente dos·governantes surgiu o pensamento
monarca, mas antes ele reflectidamente os consentiu ou ordenou. de alcan11ar a India? ' '
D. Pedro e certo que procurou contrariar com prudentes razoes a empresa Supomos que muito cedo, aquando o projecto de Ceuta ou pouco depois.
infeliz de Tanger. «<sto niio impediu, dissemos tambem, que e.Je enquanto ocu- Vemos que as tentativas ao Iongo da costa de Africa niio tardaram em seguii--
pou a regencia do reino, durante os dez anos da menoridade de D. Afonso V, -se. Com que fnn?
facilitasse por varios modos a empresa do irmiio navegador, premiasse os nave- E a luz da vastfssima cultura geografica do Infante que temos de encarar
I
;J
gantes que ~ Ionge levavam as suas explora11i>es, que ele pr6prio enviasse
se
navios seus ao descobrimento e ocupasse da coloniza~o da ilha de s. Miguel».
a questiio. De que ele procurasse alcan11ar os centros produtores do ouro, niio.
pode duvidar-se. Nas cartas da escola de Maiorca - e mestre 'J,_aime deve ter
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entrada ao servi~o do Infante pouco depois de 1420, (segundo G. de Repa- minantemente se opoem o anterior depoimento de Azurara; a prudencia poli-
raz J."')- figurava o baixel de Ferrer em demanda do rio do Ouro, e sabe- tica do monarca, em cujo tempo se iniciou o plano; o espfrito da epoca, de
:;:
nios, pelo Libro del Conoscimiento, quanto esse pensamento era com_um ao escol ha muito eivado de preocup~oes utilitarias; o proprio temperamento do :{nfante,
peninsular. Uma e outra fonte de cultura sugeriam igualmente, principalmente tao dado a tais cuidados; e finalmente a fei11ao marcadamente comercial que a
a Ultima; a viagem atraves da Africa ate ao reino do Pi:este -Joao...,Mas como empresa das navega11oes vern a tomai ainda em tempos de D. Henrique, como
nao surgir do mesmo passo o pensamJnto de a!can11ar a india, se a cartografia adiante se vera.
de entao com a forma triangular da Amca o sugeria igua!mente e havia mais ·Nao se esq~a que o Infante mostrou sempre a maior solicitude pelo de-
dum seculo que as genoveses o haviaf tentado realizar? Se a bula de 1454 ja senvolviniento da agricultura nas terras da Ordem de Cristo, de que foi gover-
nao perrnite duvidas quanto a esse prop6sito, outros factos, a nosso ver, ates- nador; pelo desenvolvimento e cria~o de industrias, como a da pesca, ada moa-
tam anteriormente a sua existencia. &;,tes de mais nada tratava-se do magno g_s:m, a do coral, a .do fabrico do a~~ e finalmente da tinturaria; e que mostrou
problema do comercio europeu, como ja vimos. Lisbcia, emp6rio cosmopolita o maior zelo na explora11lio comercial das terras descobertas. Entre os seus maio-
res titulos de gl6ria deve contar-se a rara intui11ao que teve da importancia do
onde forrnigavam mercadores das na11oes mais interessadas no trafico levantino,
trafico de a¢car, entao considerado especiaria, e cuja cultura e fabrico intro-
escala desse comercio, e porto por -excelencia da Europa para as viagens
duziu na ilha da Madeira, iniciando assim o alargamento do cultivo dos produ-
tratisoceanicas, possuia eminentes condi110es para a compreensao e solu11ao desse
tos ex6ticos para transforma11ao dos mercados. Essa fei11ao eminentemente pra-
problema.
tica do sen espfrito, o seu talento de administrador e a sua rara visao, como

l
Tambem, na corte de D. Joao I e D. Filipa de Lencastre, nao faltavam
inventor, em materia mercantil, nao perrni~, se outros motivos nao existis-
entusiamo e fe cat6lica capazes de entender, no plano meramente religioso, as
sem, supor que, em sen animo, as razoes comerciais nao inspirassem tambem
vantagens, tantas vezes apx:egoadas, de combater a h~gemonia mu~ulmana no
a empresa dos Descobnmentos.
Oceano indico. ·
Entendemos, pois, que o objectivo longiquo das navega110es dos portugue-
Estes problemas eram de ha muito debatidos pelo escol europeu; nestas cir- ses, foi desde logo o comercio oriental, tendo como objectivo pr6ximo, o co-
cunstlincias, arrojo e fantasia fora supor que nao se estudassem na corte tao
culta de D. Joao I, quando as Espanhas haviam tao largamente ~ntribufd~ para
mercia do ouro e dos produtos tropicais, ao Iongo da costa de Africa. Que as '>y:
razoes utilitarias se acrescentassem no espfrito dos dirigentes politicos os pro- ·
criar aquilo a que chamamos a teoria da expansiio geografica da Cristandade.
Na Cr6nica da Guine; de Azurara, nao obstante ter chegado ate n6s muti-
p6sitos de ordem religiosa, nao duvidamos igualmente. Maior relevo merece a J({
afirrna~o de Azurara a que, nao s6. menciona mas da a primazia, entre «as cinco ·
lada, como provamos no nosso estudo «Do Sigilo nacional ·sobre os descobrimen- razOes» ao desejo de <<aver de tudo manifesta certidam», isto e a curiosidade cien-
tos», ainda assim quedou o rasto de que esse pensamento preocupara o Infante, tifica. Outro dos cronistas do Infante, Diogo Gomes, confirma esta asser~ao,
desde os primeiros passos na empresa. No capitulo vn da sua cr6nica enumera quando diz a pro¢sito do descobrimento dos A~ores: «Em tempo o Infante
i;! Azurara as cinco razoes que levaram o Infante a enviar navios a conquista da D. Henrique, desejando conhecer as regiees afastadas do Oceano Ocidental, se
Guine e sao: I. a aquela que diriamos de interesse cientifico (e<pOr aver de tudo acaso haveria i!has ou terra firme a!em. da descri~o de Ptolomeu, enviou cara-
manifeSta certidam»); 2. a a do interesse comercial; 3. a a do interesse militar, velas·~
isto e, conhecer o poderio dos mouros daquelas partes; 4. a e 5. a de interesse pr6pria duvida sabre Ptolomeu, aquela data autoridade incontestada, re-
religioso. E se entao nada refere sabre a india, no penilltimo capitulo do livro vela uma atitude cient{fica.
escreve: «Cynco razees pus no com~o deste livro por que o nosso magnanimo .-nos averiguai como, na mente-do Infante, se planeou a empresa de -
principe foi movido a mandar seus navyos tantas veses sabre o trabalho desta . alcan~ a india. Seria apenas pela tentativa de circum-navegar a Africa? Em-
conquis.ta; e porque das .quatro me parece que vos tenho dado abastoso conhecimento bora as provas escasseiem, temos por mais provavel que haja planeado igual-
nos capitollos onde !alley da de'Disom daquellas partes do Oriente, ficame pari\.. diser mente alcaiJ.!1a-la pelo Ocidente, segundo o projecto posterior de Toscanelli e
da quinta rasao ... ». Ainda que estes capitulos a que o cronista se refew fal- de Colombo. 0 livro do cardeal d'Ailly, tiio cheio de sugestoes dessa viagem
tem na cr6nica, deste simples passo resulta claramente que no animo do In- ~e principal inspirador de Colombo, foi conhecido por certo ~e D~ Henrique.
fante, aquelas quatro razees se relacionavam com o Oriente, e a pr6pria mutila- Azurara cita-o e aproveita-o mais do que uma vez na sua cr6nica. AliaS, o In-
~iio dessa parte da cr6nica revela a impottincia transcendente que se ligava ao fante nao podia ignorar o livro das viagens· de Mandeville, tao conhecido na
projecto de alcan~ a india. Urn i!ustre historiador tentou demonstrar ultima- e:P.OCa, onde pela primeira vez a sugestiio apareceu. E que, em meados do se-
mente que o projecto de a!can11ar o Oriente se deve ao animo do Infante exc!u- culo XV era comum a ideia de atingir o Oriente, atravessando o Atliintico, sabe-
siva ou quase exclusivamente a m6veis religiosos. A seme!hante co)Kep~o ter- -se tambem pelo livro de Gilles de ·Bouvier, escrito nessa epoca.

38
8 ~
Cgos pacros do Infante, onde se hospedavam sabios e viajantes de toda a na- Azurara em 1420, ou, conforme o proprio Infante diz no seu testamento, em ts·
crao versando assuntos de geografia, incrfvel fora que esse pensamento niio ti- 1425.
vesse ecoado; e so por essa inspiracrao explicamos as expedicriies, em seu tempo, Preferindo sempre o depoimento de Azurara, con:temporaneo que utilizou
<;.,
a ocidente do~ Acrores e uma delas, a de Diogo de Teive, tao demorada e perti- fontes anteriores e testemunhos pessoais, deveremos reportar a- primeira tenta- A

iI n;~Z, e por consequencia tiio custosa.

Sob varios aspectos se pode encarar a obra do Infante D. Henrique: do pro-


selitismo religioso, do desenvolvimento do comercio, e da expansa'~ colonial,
tiva de exploracrao a costa de Africa, ao ano de 1421, data esta que esta alias /1
de acm::do com a vinda provavelmente por esse tempo, de Jaime de Mruorca
para o servicro do Infante. Todavia, as tentativas repetidas dos criados do In-
fante ficaram sem exit0 ate 1434.

'l II , 1 e fmalmente sob· o ponto de vista cienti:fico pelo que toea ao des/nvolvimento
dos conhecimentos geognificos, e da ciencia nautica. A este ponto daremos aten-
Antes disso dois factos de grande alcance assinalam a actividade de D. Hen-
rique a expedicrao as Canarias e o reconhecimento do arquipelago dos Acrores.
::. ~ crao particular, porque se nos afigilra nao merios digno de ser versado e mais 0 primeiro destes factos nao assume ~enor importiin~ia para nos. Foi em 1424 J
que o Infante enviou a conquistar a Gran Canaria uma armada em que foram ~

l.
descurado pelos eruditos e histoiiadores. Alguns destes esquecem com efeito
que o Infante D. Henrique foi, acima de tudo, um organizador e um homem 2500 homens de pe e 120 de cavalo, comandada por D. Fernando de Castro.
de ciencia e que nesse aspecto reside o maior interesse da sua actividade. <<E porque a gente era muita e a terra desfalecida de mantimentOS, ·escreve Bar-
Escasseiam os documentos para podermos acertar inteiramente a cronologia ros, deteve-se D. Fernando mui pouco tempo nesta conquista, porque tambein
dos descobrimentos henriquinos e, por vezes, ate a sua atribuicrao. era custosa ao reino e somente a passagem da gente que foi a ela, segundo vimos
A testa desses problemas vem o da persQnalidade do primeiro descobridor nos livros das comas do Reino, custou 39 000 dobras.»
e data do primeiro descobrimento. Na fe da relacrao de Diogo Gomes afll1llam Ja anteriorme~te frisamos, apoiados neste facto, que na iniciativa da ~xpan­
alguns historiadores que Goncralo Velho descob_riu a ~ell'll: Alt~_em 1416,~reali- j sao ultramarina dos portugueses, cabia parte primacial a D. Joao I. Na ver-
zando assim o primeiro, em data, dos descobrimentos em tempo-de D. Henri- dade, niio so. este acto foi muito dispendioso para o erapo real, _Illlls implicava
que. Esquecem-se estes escritores de que Diogo Gomes, veridico nos fac;J:os es- de futuro um conflito com a coroa de Castela, a qu3l pertenciam anteriormente_
/ se~<;iais, confunde com fr~u~cia os names e erra as datas. Basta-n;;g considerar quafro ·ilhas, - complicacrao facil de prever e que veio a dar-se desde logo. ~

~
\~ :
i!i em que<~sua Relafiio liiio foi ditada antes de 1482, para se compreender quanta ~rudente monarca a abrir o_LgJf!:~-r.t.giQ~;-~_!l!Qo_.o-_a
\

r~.- ~ ~~.-~. ~E -.~.


' I. essas inexactidiies eram niio so logiciis mas quase fat!rls. N'ao_faltani nes_te caso
i' varias"Tl!Zoes pll111 afumar·que-se trata duma confusao de Goncralo -Ve.ih~ com ·o·b·.re··.z·a
conflito com da.s_.ilhll.
<_:astela- ..!J·u···ta..ct~aconselhar.a
-.parecia ______ l:>!!. •. __o_m
·t:~crii.o?
g__in.d!g.ell.a a importiincia
S6_ _ Jli.s.qJi_e. P:().yl!v.do
el .
IV
~~~iir.:.:_:~;~~~;-~~~;~;~~;tr~~~~!:~~ I
Gil Eanes. Coloca Diogo Gomes a suposta viagem de Velho en~a expedicrao
:jll,l
1,, de D. Joao de Castro a Gran Caruiria, na qual tomou parte, e a viagem4e Manso
:'·:."!'1 Goncralves Baldaia, a Angra dos Cavalos. Ora a expedicrao a Gran Canaria e de qu_e_!W.Q_Qill;!@te_ps ~cessivos ~!~rcre>s.. ~_tempo de_D.
Duarte,.D Afun&!> V

1 ;1!, 1424 e foi .comandada niio por D. Joao, mas por D. Fernando de Castro. Azu-
rara--e Barros, utilizando fontes diversas, sao concordes na data e nome do ca-
l e D. I_o_iio II jamais fqi .cQr()!Jda de. exito definitiyo. Esse prim.eiro duma longa '
ilh:is;
serie de esforcros pa:ra tamar posse dessas quanta a nos, revela so por si
~ ,,i; I

pitjio.. Baldaia, esse e de facto o criado do Infante que acompaDha Gil Eanes a vastidiio inicial do plano e o desejo de tamar mare clausum, o oceano inexplo-
na segunda expedicrao ao Bojador e a seguir vai sozinho a Angra dos Cavalos. rado, vedando-0, mais do. que a ninguem, aos castelhanos. Como iremos ver,
Por outro lado, como a Terra Alta e imediatamente ap6s o CaJ?o Bojador e este o Inflmte repetiu com ardor as tentativas, ora pacf:ficas, ora belicas, para se apo- -
:j foi ultrapassado de cinquenta leguas por Gil Eanes, segundo Azurara e Duarte
Pacheco, hem podemos afirmar que foi este navegador quem descobriu a Terra
derar do arquipelago.
0 terceiro dos passos decisivos no caminho da eJ!Panslio maritima refere-se
Alta, feito 11tribufdo por Diogo Gomes a Goncralo Velho, por confusiio muito
\ igualmente a um ~uipelago, o~ Documentos suficientes niio existem
explicavel em que~de memoria ditava, tantos anos volvidos. para apontar com se~ta do reconhecimento dos Acrores pelos portu- {
Supoinos, pois, que a primeira expe.dicrao por D. Henrique organizada foi
a de Joao Goncralves Zarco e Tristiio Vaz Teixeira em 1418 de reconhecimento
a ilha de Porto Santo, da qual, passaram no ano seguinte a ilha da Madeira.
I gueses, da qual a nosso ver se pode apenas afirmar que tera sido muito prova-
velmente entre 1427-1431. Dos dois documentos mais antigos que se lhe refe-
rem, um, a carta cre-vafsequa de 1439, da segundo o maior mimero de leiruras
Reconhecimento dizemos nos, poi& nao e licito duvidar de que o arqtielago fosse · e as mais recentes (Rubio i Balaguer e Reparaz J. 0 ' ) , a esse facto a data de
conhecido desde o seculo anterior. Seguiu-se, a breve trecho, iniciada por Bar- 1427, e o outro, o globQ de Martinho de Boemia, que habitou a· arquipelago
tomeu Perestr~o e por aqueles capitiies, a colonizacrao das duas ilhas, segundo na segunda metade do seculo XV, a de 1431.

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Sobre o pr6prio nome do comandante da expedi~ao. se repetem as duvidas, se nao podia passar alem? Do cabo Nao ao Bojador, situado 53 leguas mais
pois Valsequa atribui o descobrimento ao piloto Diogo de Sevilla ou Senil; mas ao sui, nao se encontram mais que penhascos escarpados ou dunas de areia ...
tudo parece indicar que tenha sido dirigida por Gon~alo Velho, o mesmo que o rugir das vagas nos escolhos ouve-se muitas milhas ao largo. Quando uivam
em 1445 iniciou a coloniza~ao do arquipelago>, Recorde-se que os mesmos que os ventos de Oeste, e por dezasseis metros de fundo que se ve ·o mar quebrar.
reconheceram o arquipelago da Madeira, o colonizaram; que outro tanto suce- De Ourilbro a Abril, ainda hoje se evita cuidadosamente a proximidade dessas
deu como arquipelago de Cabo Verde, e coisa semelhante com as ilhas de Flo- paragens, onde a terra esta quase constantemente envolta num* bruma espegsa
t
res e Corvo, s6 .em 1452 redescobertas por Diogo de Teive. As mesmas razoes e os ventos do largo levantam em algumas horas vagas mons~osas.» E 1a Gra- [:
que alegamos a prop6sito do arquipelago da Madeira, nos levam a afirmar que viere observa quanto ainda sao terrivelmente frequentes os nauftagios nessas pa-
ja no seculo antenor se conheciam os A~ores. S6 o imperfeito conhecimento ragens. Acrescente-se que os parceis e baiXios na parte da cdsta a seguir sao
da hist6ria da cartografia e dos documi:ntos cartognfficos respectivos podem l,e- muitos e que, se os ventos do quadrante Norte, dominantes n~ costa, e a car-
var a convic~o contraria. Alias, nem Azurara, contemponine9 de Gon~o Ve- rente das Canarias favoreciam a viagem a ida, se lhe opunham no regresso.
lho nem Duarte Pacheco, os dois tao seguramente informados atribuem ao In- ComQ<.,se ve nao faltam razoes que expliquem as primeiras delongas na ex-
. ~e a gl6ria desse descobrimento ou mencionam o nome do descobridor. plora~o das costas de Africa; e o valor do testemunho de Diogo Gomes sobre I·~'

a importlincia das primeiras viagens, cujo ambito excedeu o cabo Bojador, esta i-'
/ \ Assim e ate a morte de D. Joao I (Agosto de 1433) os maiores ou mais
· r eficazes esfor~os do Infante parecem visar um objectivo essencialmente estrate- em que nos poe a claro <i metodo com que o Infante estudou o problema ·e
r:
-... ~~ gico: em Ceuta, a posse do ponto for~ado de passagem do comercio levantino a solu'<ao que lhe encontrou. Foi em 1434, ap6s uma tenta · · tffera no 1 I'I
··\ -I\! com o Ocidente e do caminho para as regiiies do ouro; nos arquipelagos, desde 'a ue Gil br r fa'< ano\
i:
!" as Canarias aos A~ores, a ocupa'<ao das grandes estractas maritimas atraves do seguinte m GO es Bal · ~-avan-
I
i; Oceano. Quanto aos dois primeiros grupos de ilhas, naO se torna mister justifi- '<ado cinquenta leguas para alein do Cabo. Diogo Gomes, referindo-se a expedi- I,
I car a nossa interpreta'<ao do plano: todos os .factos posteriores a.documentam; '<iio de D. Fernando de Castro as Canarias, conta que este, ao regressar, teve
'I
'·i
.I
quanto ao Ultimo, o dos A'<ores, tambem o objectivo apontitdci por Diogo Go- grande trabalho, pois encontrou entre uma ilha e outra, uma forte corrente.
E ao relatar a expedi~o que pela primeira vez dobrou o Bojador diz que o In-
mes: «... desejando conhecer as regiiies afastadas do oceano ocidental, se acaso
~ haveria ilhas ou terra firme, alem da descriP'<ao de Ptolomeu ... » e as viagens fante mandou o respectivo capitiio «Para alem das ilhas Canarias; ao Iongo da
f~I .posteriores, como as Diogo de Teive, para ocidente desse arquipelago, fazem beira-mar, desejando saber a causa de tam grande corrente». 0 mesmo capitiio,
~.1
~ji presumir o mesmo vasto desfgnio no §.nin:io do Infante. · segunda vez enviado, declarou ao Infante, no regresso, que achara <<Sempl"e vento
~ E como reinado de D. Duarte, que com~am, se nao ~s tentativas de des- fresco do norte e grande c6pia de pescaria em toda aquela costa>>. Mais que
cobrimento ao Iongo da costa de Africa, os resultados praticos da serie de tais o simples facto de dobrar o Bojador, as duas viagens de Gil Eanes em1434
esfo~os. Cabe aqui fazer uma pergunta. Seriam infundados os receios dos ma- e 1435 assumem desta sorte o caracter bem mais interessante de expe~e
'l.iflli e"Siugo d3S condiciies fiSicas _da.. navega~ao no Atlantica, das correnres e veiiios,
) rinheiros do Infante em abalan'<ar-se nessa via, terrores denunciados por Azu-
~ rara e mais tarde ampliados por J. de Barros? Um grande nlimero de historia- cu"o ob" . a cre.clru!L~ Diogo GOmes, plenamente r~.- A introdll
t
~ dores, timto do seculo XIX como do actual, retomaram essa afirma~o dizendo ~o, desd · 1440, da caravela, como instrumento dos descobrimentos, e o infcio \ \ \

i igualmente que os portugueses com suas nav~iies nada mais fizeram que se-
guir cautelosamente em viagem de cabotagem ao Iongo da costa de Africa.
0 primeiro facto .a opor a esta afrrmativa conclui-se das viagens ao largo dos
simultdneo, - quase simulta.neo, das viagens ao largo, tanto a ida t:omo no
regresso das J!.~C?-~~ .. <!!1 ~~C?sta de Africa, confirma, quanto a n6s, mterra- ·
-mente aquele estudo, que se iilii)Wiiia-como condi'<iio previa. Com-efeito;··s6
A~ores e para alem deste arquipelago, iniciadas antes que encetassemos o peri- 0 conli.ecimento-da--corrente das Canarias e equatorial do norte e dos ventos

plo da Africa. A esse prop6sito, e. referindo-se exactamente a essas navega~iies, dominantes do quadrante norte P!Jdiam permitir as viagens ao largo na _i(ia, ·ex-
escreveu o ~te Jurien de Ia Graviere: «Nao se pode sem a mais profunda trelllliiDente facilitadas no regresso pelas caravelas que tiravam o maior partido
injusti~a recusar admira~o aos primeiros passos da navega'<ao ao largo, porque desses mesmos ventos, navegandtLa boliiJ. A nosso parecer,. este aperfei'<oa-~
esses foram os mais diffcieis: tiveram Iogar na zona dos ventos variaveis, que mento tecnico, pelo estudo dos agentes ffsicos, representa o melhor fruto..<:l!is
e tambem a das tempestades frequentes.» E ainda o mesmo ilustre historiador navega'<iies deste perfodo, ao Iongo da costa de Africa. Antes .disso, os navios \
e marinheiro justifica o terror dos marinheiros do Infante, quando e5creve: «Se- ~es...nas expedi';fks eram, segundo Azurara, o Viirinel, navio a ~emos
riam, como se repete ainda todos os dias, loucos terrores que retiveram o nave" e vela, po_r consequencia ~e bordo baix~ e tripula.;:iio numerosa, e a barca,~it
gador diante desse promont6rio (o Cabo Nao), cujo·pr6prio nome invocava que forma e velame redondo a tornavam ~enta de .~.Jlbra e no andamento. A cara- "-

42
e
;~ i ela, longa, como o primeiro, e de bordo· alto, como a segunda, reunia as van- -nos ociosa. No sentido comum e estrito da lll!lavra, dum Iugar de ensi!!Q,_.f.Q.~
,I,'
agens destes sem OS seus inconvenfe~~is 0 velame Iatino, que !he permi- o~iio pr6pria e distin~;iio marcada mtre cnrpo docente e discente--ll!Les-
-~~-se mais_~~~-~-ii:QDna.lige~~-3 tomaj~ ~~~-~~-de miil:~ha cola nunca existiu_Mas, no sentido Jato da expressiio pode afirmar-se que a
~'junto ~~-neces3dad~_<i_c;_yiJ>Il,la~~()_, a f~~~~_uito CaSa do Infante, sempre aberta a sabios e viajantes estrangeiros; foco de estudo
menos dispendiosa. Niio seni, pois, demais frisar a sua importancia como ins- e investiga~6es cientfficas, animado duma sede ardente de saber e daquilo a que
,.·:.····1.. ~- dos Descobrimentos. 0 estudo dos agentes ffsicos e dos ins- ja poderelnos chamar o metodo experimental aplicado ao conhecimento da na"
trumentos tecnicos para a navega~iio revela o espfrito cientffico e a seguran~a vega¢io ~ da geografl3, foi a melhor e a mais fecunda das escolas e dos labora-
.:~
do metodo com que o Infante procedia. t6rios. /
'I Em 1436 Moil.so Gon~alves atingia o ocidente da costa a que indevidamente De 1443 a 1448 a serie das expedi~oes 11 costa de Africa toma o caracter ~
':1
J chamou rio do Ouro. misto dub empresa de cruzados e mercadores, principalmente ocupados em \
Com efeito a cartografia desse tempo, informada pelos arabes, dava aquele aprisionar escravos pela for~a.
nome ao. Senegal, que em verdade, banhava a regiiio aurffera do Sudiio. Baldaia Alcan~ado o arquipelago de Arguim em 1443, o conhecimento da costa afri-

~~
julgou-se na foz dum gr.inde rio; e o erro de nomenclatura prova apenas que cana avan~a muito rapidamente.
os navegantes iam guiados por indica~iies cartognificas, ainda que imperfeitas. Assim, no ano seguinte, 1444, Nuno Tristiio atingia a Senegiimbia e Denis
:,1
Nos anos seguintes, e ate 1440, a expedi~iio de Tanger, com suas desastro- Dias, passada a foz do Senegal, conseguia dobrar o Cabo Verde.

~
'ii sas consequencias, interrompe as explora~oes. S6 Dl!quele ano partem duas ca- Ainda naquele mesmo ano, um escudeiro e interprete do Infante, Joiio Fer-
u
-~ .i rav:elas, cuja viagem foi sem exit<Y.""' nandes, e deixado. em terra de azenegues, com o frm de explorar a regiiio e
.' Em 1441, porem, niio s6 Nuno Tristiio chega ao Cabo Branco, mas Antii~ estudar os recui-sos e o comercio dos naturais, o que realiza com exito durante
'd '

'i
I 'i! Gon~alves COD:5eque trazer ao Infante os primeiros cativos.
Frisemos que ja Nuno Tristiio levava consigo um azenegue, criado do In-
sete meses.
Depois, no aho seguinte, em 1445, Alvaro Fernandes, numa caravela de Joiio
~
I
' ' fante, como interprete; e que, entre os mouros aprisionados, se contava um, Gon~alves Zai-co, seu tio; conseguia atingir o Cabo dos Mastos, e, em 1446, es-
~. , I
0 I ~ de nome Adal!ur, nobre entre os seus, «pelo qual, diz Azurara, o Infante foi tendia as suas explora~aes ate cento e dez leguas alem de Cabo Verde. <<E esta
~
] em conhecimento de uma grande parte das cousas daquela terra onde demo- caravela, observa Azurara, foi mais Ionge este ano que todos os ·outros, pelo
'I .. i, ''I
cava». Diogo Gomes, mais explfcito, afnma que Adal!ur fomecera minuciosos qual !he foi d3do de grado 200 dobras, cem que !he mandou dar o Infante D. Pe-
'1
;i
N
1~
i~: informes sobre o comercio do ouro, as respectivas regiaes produtoras e estradas
comerciais, e com eles, por certo, a ~~a de o alcan~ pela costa.
dro, que era entiio regente, e outras cern o Infante D. Henrique.» · ·
Distingue-se este perfodo por um grande progresso na organiza~iio aas ex-

~
':·1 <;:om efeito, no ano seguinte, Antiio ?oii"¢ves vo~~va ao rio do Ouro e con- pedi~oes e no tra~ado das rotas por mar. Os navios levam seu regimento
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seguJa trocar. a1gqns dos mouros antenormente apns10nados por um nlimero marcando-lhes minuciosainente o objectivo, interpretes para· collier informes dos
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~I
\ maior de e.scravos negros e uma pequena por~o de ouro em p6. . naturais e um escriviio que tomava nota de todas as opera~aes de comercio, rea-
!~.
1: ~·
Animado por estes primeiros resultados, o Infante D. Henrique obteve em lizadas em viagem.
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::.·
Outubro de 1443, de seu irmiio, o regente D. Pedro, o monop6lio do comercio
das regiaes descobertas e licen~a pata construir uma vila «DO outro cabo que
Alem disso, a- Madeira e por vezes algiimas-das Canarias, tomavam-se pon-
tos habituais de escala, do- mesmo passo que se tra~avam, com progressiva au~·
antes do Cabo de Sagres estli aos que veem do ponente para levante», isto e, dacia, as derrotas pelo. _largo.
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~
.
no cabo deS. Vic~nte. Tem-se dito erradamente que o Infante D. Henrique,
logo ap6s a tomada de Ceuta, mandara construir a Vila do Infante, no Cabo
Desde 1445, com a coloniza~iio dos A~g~~':niio s6se multil'~am astra-
vessias do_Atl:intico, JPl!S tambem as viagens 11 Guine, tanto de ida ~omo de
L
'j - de Sagres, onde se refugiara, criando a escola miutica de Sagres. Niio s6 a Vila vqlta, pas~_qa_simples cabotagem, ate hoje tiio ~p~oada, a fa?er:se ~o.Jl!igo.
~
'I
do Infante ergueu se~ muras no Cabo de S. Vicente e niio no de Sagres (BRITO Ja ent't1444 Denis Dias parte de Portugal, e~ ~ ~: «. :-:nuiica quis amai-
REBELO), como s6 em 1443 D. Henrique projectou a sua constru~iio, que s6 IJ¥.ate que·passou a terra dos.mouros_e.chegou 11 terra dos _n~gros, que sao
'I
l foi iniciad~ yolvidos alguns anos, A grande base naval do Infante foi Lagos; chamados guineus.» «E dali, a~resc~nta o croniSta, fisel1!111 vol~_ll:ga..esie--reino.»
Em 1445' ~.no ano seguinte Alvaro Feinande(; JiiiL,;Cf~tam~~~Q_C!ibo_J[erde».
'··I
. ' posto que tivesse igualmente navios em Lisboa e Porto e por esta epoca come-
'I
..I ~sse tambem a utilizar a Madeira com o mesmo fim. Antes da constru~o da P_Qr sua vez, :NWlo Tristiio, em- 1#6, parte de Portugal, e «come~ou sua via-
.' gem, niio fazendo alguma geten~a em alguma parte, seniio seguir todavia_ con-
~ .I
sua vila, refugiava-se de preferencia, ao que parece, na Raposeira, muito perto
de Sagres. A questiio tiio debatida em volta da !!~Ia Nautif.a de Sagres parece- tra a terra dos negroS>>, dizeres plenam~e confirmados por Diogo Gomes. Nesse
·I
I
'l
~

44
0]
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esmo ano tambem algumas caravelas do Infante vlio da ilha da Palma, uma Outro tanto, porem, se nlio p~de afmnar quanto ao desenvolvimento das
~,1 as mais ocidentais das Caruirias, directamente ate ao Rio Grande na G:uine. rela~oes comerciais com os indfgenas dasterrii.s desc'o.bertas. Pode afumar-se ate
,,
'\ No ano anterior duas c;iravelas do Algarve vern do Cabo Branco a ilha da Palma e
que, depois daquela data, segundo o testemunho uniinime de Azurara, Gada-
e daii para Portugal. Alvaro Fernandes, esse, regressa, na sua primeira viagem,. mosto e .Gomes, as expedi~oes de cniZada terminavam, para visai de entlio por
do Cabo dos Mastos ~direitamente a ilha da Madeira e da! a cidade de Lisooa». r
diant~, p 0 expressa vontade de D. Henrique, o trafl~o a boa paz com mou.ros
E evident!! que tod ·e1

ns direc faziam na maior parte do per- azenegues 'e com guineus. .


·e. das cost~ e em pleno mar; e·em tais condi!foes deveter nasc" A breve trecho, em ano pouco posterior a 1448, ainda que impossfveJ de
?yro a da posi~ai>Oo nav!O. nas su~s rela~oes com a derrota ~sidade fixar com seguran~a, o Infante mandou construir uma feitoria-castelo ep~. Ar-
de_r.eselve,{o. ' ' @im, ilha muito pr6xima da costa. Cadamosto, que a visitou em 1455, conta-
--- Noutro ponto flzJmos notar que entre 1#0 e 1450 os documentos mencio- ~nos·comiios portugueses iam a costa comerciar com os mouros aos quais leva-
nattl; -~omo ja .Sousa· Viterbo observara, urn grande mimero de fisicos ao ser- vam prin~;ipalmente irigo, cavalos e tecidos, recebendo em troca escrav:o.s....Q.egros
vi~o do Infante.' Sabido "que este foi dinna.saude assaz robusta e que os.ffsicos e ouro. Nessa altura havia o Infante arrendado o comercio da ilha por dez anos,
por ·via de regra exerciam nessa epoca, com a medicina, a astrologia, ·nao-e atre- ,e os _:rrrendatarios tinhani seus feitores que habitavam na ilh.a, a qual iam ..todos
vido concluir que era o seu auxilio, como astr6nomos e nlio como medicos, que s anos numerosas caravelas, se dermos credito ao mesmo navegador venezfano
. o Infante requeria, ; . ,ue avalia em 100· ou 8()0 o numero de escravos que anualmente vinham dali
,---.._~eraade~a. aplica~lio da astronomia a navega~lio, em Portugal, data dum •ara Portugal .
pouco mais Ionge do que ate hoje ·se tern suposto. E de uso reponar. ao ano . Diogo Gomes refere-se nlio s6 a esta feitoria, mas ainda a do rio deS. Jolio,
de 1462, d~innos ap6s a 1Iiorte-de D. Henrique, as primeiras observa~oes da ~almente fundada pelo Infante'. /
"'-· ...\

estrela polar, para determinar a latitude, que teriam sido fe~~as- ~om....um-qua­ Sao. rela!foes desses dois navegadores, o primeiro dos quais viajou ao servi~o
drante por Diogo Gomes, em viagem a Guine. do Infante nos ru10s de 1455 e 1456 e o segundo, entre 1444 e 1463 (?),.e a
carta de Antonioto Uso di Mare, de 1455, que igualmente viajou em navios
E desde ja possiveJ antecipar de onze anos o usq. de _tais observa~6es.
portugueses nesse e no ano seguinte, que nos permitem avaliar da extenslio e
Em Novembro de 1451 partia de Lisboa a armada que levava a Pisa,a Im-
da imponancia do comercio dos portugueses nas cost:is"da Guine.
peratriz D, Leonor, irma de D. Monso V, a encontrar-se como seu esposo,
Os estuarios dos r,ios, especialmente o Senegal, o Gambia e o Rio Grande,
o lmperador Frederico III pa Alemanha. Na sua rela~lio cle.viagem da)Alema-
slio· explorados e visitados com frequenCia pelos mf\ios portugueses, que pas-
nha :i Portugal e daqui a Pisa (Hist6ria Genea!Ogica, Provas, I) Nicolau Lauck-
sam a fazer af o seu comereio com regularidades.
man dtj.Valckenstein, urn dos embaixadores que vieram em nome do lmpera-
A urn 'facto revelado por essas narrativas niio tern os historiadores, segundo
dor receber a Infanta, descr~ve a armada de 10 navios, entre carracas, naus e
se nos aflgura, prestado a aten~ao devida. Delas se depreende que existia en'tllo .
caravelas, que conduziu a Imperatriz e a sua comitiva, providos de tudo o ne-
no fundo dos estuarios .ou proXimo deles urn born numero de agrupa~6es urba-
cessario .e dirigidos. por capitiies <<peritfssimos no mar . . . por mestres astr6lo- nas como-.. a cid:ide-d~ Cantor, c;ntros de comerci;; indfgena e marftimo. · Ao
gos bern conhecedores das derrotas pelas estrelas e o polo» (. . . et magistris as- chegar ai Guine, encontraram os cristlios uma ilavega!flio indfgena co8teira bas-
trologis, juxta stellas et polum viarum bene doctis). tante importante; e os ataques -habituai; que sofri3Jp, qu311do pretendilim en-
. Dir-se-ia, ate, pela expressiio magistris astrologis, que o uso dos processos trar na f~z desse~ .rios, parecem denunciar uma defesa organizada dos estua-
de astronomia nautica estaya aind11 numa fase magistral, isto -e, praticado ape- rios.:enr outro !ado convem assinalar que, alem de escravos, ouro, malagueta,
nas por a:str6nomos e nlio generalizado ja aos pilotos. Cremos poder assim rei- dentes de elefante, almfscar, papagaios, etc.!~~~eses fora.II! af encon-
vindicar para Q lnfame e a sua escola, ap6s o estudo dos ·agentes ffsicos, a elei- trar, como produtos de trqca do comercio l~al, .panos de seda e algodao; estes
~lio da caravela e a· ado~lio das viagens ao largo, a intrddu~lio da astronomia ·~~- ae mdustr!l!.Jn.Qfgena-- . -~ .
nautica nas viagens de Descobrimentos. ~ · Convem 1"eCordar que ao entrar no Gambia, os navios portugueses tomaram
Pelo que respeita · aos progressos nos ~~nhecimentos geograflcos realizados contacto com povos islamiza{ios.e pertencentes ao poderoso imperio mandinga·
pelo Infante ap6s o anode 1448, extremo limite cronol6gico da CT15nica da Guine, de Mali, em comunica~lio com todos os reinos do None de Africa e o Egipto
de Azurara, todos os dados dos cronistas oflciais ou oflciosos, slio-.em eXtrelll!?. e habituados a muitos dos beneffcios da civiliza~lio mu~ana. Diogo Gomes,
reduzidos e precarios; e s6 urn: grande esfor~o de investiga!flio pode em parte estando n\liJI dos rios da Guine, refere-se aos mercadores mouros, ·que 'llieram
completa-los. '\._ em almadias a sua caravela, oferecer varios artigos, entre os quais panos de seda

46 47
e algodao, e reproduz igualmente certos informes que ouviu em Cantor da boca Entre 1450 e 1454, ap6s varias tentativas dip!Oiruiticas frustadas junto do
dum sarraceno que fora ali por terra. rei de Castela para obter a concessiio das Can:irias, envia ele sucessivamente qua~
Ainda que em propor~oes muito mais reduzidas, aos portugueses depa- tro expedi~oes annadas contra o arquipelago, onde se acende a guerra entre as
rou-se aqui. uma sima~iio semelhante a que no Oriente foram encontrar, isto duas na~oes. Em 1452 j:i o cultivo da cana de a¢car na Madeira era bastante
J.j e, o predominio da civiliza~iio ·dos mu~ulmanos, aliados aos principes indf-
genas. '-·
para que ele organizasse o monop6lio do fabrico. E niio se limitaram a intuitos
comerciais as suas explora~6es nas costas africanas. A tomarmos a letra a 'histo-
I Por esse motivo, data desde entiio a polftica mais tarde adoptada no Oriente, riografia oficial, as navega¢es do Infante niio teriam ido alem da Serra Leoa.
i a funda~iio de fortalezas e feitorias em terra ou nas ilhas costeiras e a atrac~iio Mas em documento de Janeiro de 1458, por n6s j:i estudado 1, declarava D. Hen-
J
::1
dos indfgenas i\ influencia portuguesa, que vai ate a celebra~iio de alian~as com
os potentados locais.
rique: <<Prouve a Nosso Senhor me dar certa informa~iio e sabedoria daquelas
partes desde o dito Cabo de Niio ate passante toda a terra de Berberie e Nllbia.
;I Nao se podera ir mais Ionge no paralelo das suas sima~oes? E, assim como E assim mesmo terra de Guinea bern trezentas leguas.» Fns:imos nesse esmdo
.I os portugueses tiveram na ciencia maritima e geogr:illca dos orientais base fun- que este nlimero de leguas niio pOde referir-se seniio ii Guine, propriamente dita,
:I
I damental para a sua;-expansiio, niio lhes haveria tambem facilitado a sua obra ou seja do rio Senegal por diante, o que avan~ o limite das terras descobertas
I ·i
a civiliza~iio comercial e maritima, e por consequencia geogr:illca, que foram
encontrar na Guine? Posta a questiio, frisemos agora urn outro facto: a darmos
ate ao Cabo das.Palmas e a entrada do golfo da Guine. Varios documentos car-
togr:illcos da mesma ou de data pr6xima confrrmam, e excedem ate, esta con-

l I
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l. I;
credito aos relatos oficiais das cr6nicas, a actividade exploradora do Infante
D. Henrique teria diminufdo consideravelmente depois de 1448, ano ultimo al-
can~ado pela narrativa de Azurara. S6 por si, esta coincidencia nos faria suspei-
tar que se trata mais de carencia do narrador que de factos a narrar, se uma
clusao.
Desde 1448 que num dos mapas conhecidos de Giovanni Leardus, cart6-
grafo genoves, aparece desenhado urn golfo muito profundo, ao Sui da Serra
Leoa, mas numa latimde mais setentrional que o golfo da Guine. Uma serie
~
serie de c;ircunstiincias e factos se niio opusessem claramente aquela hip6tese. de mapas, data~os d~ anos seguintes ate ao de Fra Mauro, de 1459, repete o

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Lembremo-nos de que no perlodo final da vida do Infante a sua riqueza e ren-
dimentos deviam ter aumentii.do prodigiosamente, quer pelo grande desenvolvi-
mento que deu ii agriculmra nas terras da Ordem de Cristo, de que foi admi-
mesmo desenho em latimde seinelhante, excepmando o planisferio genoves de
1457 (planisferio mediceu da B. Nacional de Floren~), no qual o golfo se abre
a uma latimde muito pr6xima da ve'rdadeira e o desenho da carta ate a aber-
lu[ nistrador, e a v:irias industrias que montou ou iniciou, mas tambem porque desde mra do golfo se aproxima igualmente da realidade. Se atendermos a que Fra
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1448 a 1453 foi igualmente Mestre de Avis, e principalmente porque o comer- Mauro j:i em Janeiro de 1457 recebera o dinheiro e presumivelmente os infor-

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~ I,
do dos escravos, do ouro e dos produtos tropicais, !he havia de acarretar enor-
mes proveitos. E certo que entre 1453-1454 a coroa come<;a a participar regu-
mes portugueses para a constru~o do seu mapa, poderemos inferir que o mapa
genoves seja a Ultima, em data, das representa~oes cartogr:illcas traduzindo os
I"~
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·r· larmente do comercio da Guine, onde envia anualmente alguns navios,
aparecendo ate, desde essa data por diante, em documentos da chancelaria re-
conhecimentos geogr:illcos em vida do Infante. Como se ve, o mapa de 1457
estii. de acordo, no desenho das costas ate a presumfvel almra do Cabo das Pal-
~~
gia oficiais da fazenda «das cousas da Guine e de mar Ouceano». Mas devemos mas, com os dizeres do documento de Janeiro de 1458 a que atr:is nos referi-

~0 dizer que desde o infcio, as caravelas do monarca participam na empresa mer-


cantil ultramarina e ·que em data de 1454 se menciona, como assentamento do
Infante D. Henrique nas despesas do Estado, a q~antia enorme para essa data,
mos, - identidade tanto mais frisante, quando os dois documentos sao de ori-
gem e caracter muito diferente. Varios historiadores da cartografia ou dos
descobrimentos creem, pois, que os navegadores portugueses tivessem avistado·
de 16 contos. o volver da costa do Cabo das Palmas para oriente. Cremos, todavia, que a pro-
i Que especiais servi~os poderiam justificar essa concessiio da coroa ao riqufs- fundidade do golfo (dada a fantasia dos contornos) e as
minuciosas indica~Oes
ji simo Infante, quando a Rainha nem a decima parte daquela soma tinha de as- sobre o comercio e as regi6es produtoras do ouro re!acionadas com o golfo, estas
,, constando apenas do mapa de Fra Mauro, se devem a informes que os navega-
"' sentamento? 0 que se pode afirmar e que eriio tao dispendiosos que atraves
!; dores portugueses ouviram dos indfgenas. Diogo Gomes expressamente se refere
dos documentos desse perfodo se adivinha esse pobre Cresus, debatendo-se em
I anglistias de dinheiro e sobrecarregado de dfvidas, algumas das quais o Estado a um negro, que teve a seu servi~o «que conhecia toda a terra dos negroS» e
tinha de pagar. achou que <<em mdo dizia verdade>>~ Outro facto, a nosso ver, estii. de acordo com
Sem ter a pretensiio de querer explicar completamente o misterio que en-
volve as navega~6es do Infante no Ultimo perfodo da sua vida, o que podemos
1
afirmar e que nunca como entiio a sua obra foi mais activa e ampla. .0 limbito da obra do Infante>, no Boktim da Agincia Geral das Col6nias, n. 0 10, Abril de 1926.
"'

--".

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1 estas conclusoes. Da hula de Janeiro de 1454, em que Nicolau V concede aquela em que o homem tomou pela primeira vez conhecimento consciente do i'

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\ ao Infante o monop6lio das suas explora~Cies, sem duvida se concluiu que o planeta que habita. -
'\ i seu alvo era a india, «navegar por aquele mar Oceano para as praias meridio- Por ouiro lado, a inaugurar com tamanha seguran"a e espfrito inovador a
I'· 1nais e orientais» e tom;i-lo «naveg;ivel ate aos indios»; e que o Infante tinha coloniza'<iio portuguesa no Atl:intico, iniciava a formidavel expansiio dos povos

~
i notfcia do prolongamento ?o continente, para alem do Equador igualmente se

europeus' e a sua hegemonia sobre a humanidade dos demais~ontinentes.
epreende da hula de Calisto ITI, de Mar~o de 1456, em que se concede a y Profeta duma Idade, foi-o igualmente da na~iio, cuja fisionorm ideal deli-
dem de Cristo, a espiritualidade de todas as descobertas, «desde os cabos \ neou forjando com cicl6pico esfor<;o ·~ sua maravilhosa missiio a hist6ria.
ojador e de Nao ate por toda a Guin~ e para alem daquela praia meridional Compreende-se assim que Beazley o enalt~a erguendo-o a catego ·a de pri-
e aos indios». : meiro entre os homens que provocaram os maiores progressos da Humanidade,
Diga-se tambem que ainda em sua ! vida foi descoberto, como era l6gico, chamando-lhe «O verdadeiro leader dum Renascimento e duma Reforma».
o arquipelago de Cabo Verde, atribuindo Duarte Pacheco 'igualmente. ao-Infante
o infcio da coloniza~iio respectiva>
Conclui-se, pois, que nem pela inten~iio nem pelas obras, o esfor~o do In- i','
fante minguou desde 1448 at~ ao fun da sua vida.frt,;o) ;.:'
Mas justificariam estas explora~oes, s6 por si, os enormes dispendios feitos
pelo Infante neste perfodo? Cremos que niio. :E~tamos convencidos de que a (:
sua obra foi mais vasta. Terfamos que exceder oiilimi.tes e'o .caracter deste es-
tudo para demonstri-lo. lim obra que admitii 0 m~t;;do e 0 desenvolvimento
crftico necessmos, contamos brevemente faz€-lo. Por agora limitemo-nos a di-
zer que existem hoje os elementos necessmos para provar que, em 1452, Diogo
de Teive, escudeiro do Infante, cisteve nas ;1guas americanas junto da Terra Nova,
de cuja existencia trouxe a convic~iio. Este facto, fruto de dUllS expedi~Cies se-
guidas, na primeira das quais o navegador descobriu as ilhas das Flores e Corvo
denuncia, a nosso ver, uma extensilo, em rela~o ao ocidente, do mesmo plano
de alcan'<ar a india naquela direc~iio, pensamento que niio- tinha nada de extra-
:.:
nho aquela data, como se depreende do livro de Gilles de Bouvier.
Reduzido aos limites impastos pelo plano da obra, o presente quadro dos
esfo~os do Infante marca todavia urn avan'<o tanto pelo que respeita a concep-
~ilo como aos resultados.
Colocada no crepusculo de duas Idades, uma que agoniza, outra que des- i·
ponta -, a personalidade do Infante, funde em si as maiores asprra..Cies das duas, t•.
e pode afirmar-se que foi ao mesmo tempo urn retr6gado e urn vidente, urn t
homem do passado e urn precursor.
e t:

ij
Animado, em pleno seculo XV, pela fe ingenua anacr6nica dum cruzado,
possuia todavia a inquieta'<iio, o apetite de saber, a sede experimental e a segu- lr:i
ran~a met6dica, enfrm uma excedenci:i humana, que o tornam principalmente i
urn homem do Renascimento. A nosso \l)arecer siio as suas ousadas inova~'oes t:'
i':
de homem de ciencia e a profunda visiio e espfrito organizador de estadista que f:
lhe diio o grande Iugar que tern na Hist6ria. -
Iniciando o estudo met6dico dos agentes fisicos a superffcie do Oceano, ele-
gendo o tipo de navio mais adequado as novas explora~oes - a caravela -, in-
troduzindo definitivamente os processos astron6micos em a navega~iio, criando
enfim o metodo e o plano dos Descobrimentos, foi urn dos profetas da Ef<1 Nova,

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