A Importancia Dos Mapas
A Importancia Dos Mapas
A Importancia Dos Mapas
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RESUMO - Neste artigo, objetiva-se conhecer os antecedentes históricos que propiciaram as condições
necessárias ao surgimento de alianças de interesses com vistas à realização de grandes serviços de
Engenharia Cartográfica com uso intensivo de Tecnologias da Geoinformação no contexto da emergência
de novos mercados globais (o assim chamado de “geonegócio”). Enfoca o ponto de vista da compreensão
da cartografia como expressão cultural e inerente à própria evolução da humanidade, em seus conflitos
pela demarcação e domínio de territórios. O artigo tem como ponto de partida as interpretações dos
distintos usos do território enquanto sobrevivência, ritualística e aprendizado coletivo presentes no
Homem pré-histórico, passando pelas inovações tecnológicas e situações políticas específicas ao longo do
tempo, chegando até ao projeto da Nova Cartografia Social no Brasil que reúne universidades públicas,
organizações não governamentais e comunidades tradicionais em busca de uma legitimação político-
espacial para suas reivindicações coletivas, como contraponto às estruturas formais de poder da sociedade
capitalista atual. Assim, reforça-se o espaço como protagonista das grandes transformações das
sociedades, especialmente na era tecno-informacional.
ABSTRACT – The goal in this paper is to know historic background that provided necessary conditions
to come up advantage alliances that carrying out big cartography engineering services with
GeoInformation Technologies (G.T.) (that relies on international scientific-technical means) at the
emergency context of new global markets (that we named “geobusiness”). It regard cartography as
cultural expression and human evolution inherent, in their demarcation and territory domain conflicts.
The paper has started with several interpretations from distinct uses for territories while survival,
ritualistic and common learning present in pre-historic man, continue with technological innovations and
specific politic situations at a time, reaching to Brazilian New Social Cartography project that join public
universities, non-governmental organizations and traditional communities looking for a collective claim
spatial-politic legitimacy, in the face of today formal social power capitalist structures. Therefore space is
reinforced like a great protagonist to big society transformations especially in techno-information era.
N.C.F.Freire, A.C.A.Fernandes
III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação Recife - PE, 27-30 de Julho de 2010
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A grande virada na utilização da cartografia se dá mapas ou interpretações alternativos de espaço,
exatamente com a revolução da microinformática, a partir assim como com o desmantelamento ou
dos anos 1980, acompanhada de sua prima-irmã, a desativamento de todas as instituições e esforços
Internet, e a disponibilidade gratuita de imagens de cartográficos além daqueles estabelecidos pelo
Estado, licenciados ou financiados pelo Estado.
satélite, dados e mapas georreferenciados. O avanço de A estrutura espacial que surgiria no final desta
tais tecnologias tornou possível a ampliação do acesso à guerra pelo espaço deveria ser perfeitamente
cartografia, permitindo finalmente a incursão de novos legítima para o poder estatal e seus agentes, ao
grupos sociais à ferramenta de estratégica importância mesmo tempo que absolutamente imune ao
para a disputa por territórios. A utilização da produção processamento semântico por seus usuários ou
cartográfica por grupos socialmente vulneráveis desperta vítimas.” BAUMAN (1999: 14).
grande interesse às ciências sociais ao revelar
possibilidades de controle espacial outrora restrito apenas A noção de que a técnica – e dentro dela a
aos grupos do topo da pirâmide sócio-econômica, tanto cartografia – é produzida e vivenciada em função de
pelos altos custos envolvidos, como pelo caráter sigiloso interesses distintos e que tendem ao conflito é tema de
que reveste a atividade. Afinal, não só o ofício do considerável e já longo debate. Ao discutir a “sociedade
cartógrafo sempre foi controlado pelo Estado, desde os tecnológica” ainda em meados do século XX, Ellul (1964)
tempos mais remotos até os dias atuais, como tem se já argumentava que a política havia se tornado uma arena
desenvolvido com o objetivo mais de defender grandes para os contenciosos entre as rivalidades técnicas, num
interesses econômicos e políticos do que de revelar e longo processo ideológico. Segundo o filósofo francês, o
difundir conhecimento sobre as características da técnico vê a nação de forma um pouco diferente do
superfície terrestre. político: para o técnico, a nação nada mais é senão uma
Nos dias atuais, com a popularização da outra esfera à qual se aplicam instrumentos por ele
microinformática, a cartografia digital vem sendo desenvolvidos.
utilizada por novos atores, tais como comunidades “To him [o técnico], the state is not the
tradicionais e/ou socialmente marginalizadas, com o expression of the will of the people nor a divine
intuito de produzir informações para legitimação e creation nor a creature of class conflict. It is an
enterprise providing services that must be made
controle social sobre um determinado território. Observa- to function efficiently. He judges states in terms
se, assim, uma mudança significativa na utilização de tais of their capacity to utilize techniques effectively,
tecnologias, com implicações não menos relevantes na not in terms of their relative justice”. ELLUL
condução de conflitos sociais que envolvem o domínio de (1964).
territórios. O grau de importância desta mudança pode ser
compreendido levando-se em conta que, como defende Pinto (2005: 156) corrobora com a linha de
Harvey (2005: 35), “medidores do tempo e mapas raciocínio de Ellul ao afirmar que “toda tecnologia,
precisos há muito valem seu peso em ouro, e o domínio contendo necessariamente o sentido, já indicado, de logos
dos espaços e tempos é um elemento crucial na busca do da técnica, transporta inevitavelmente um conteúdo
lucro”. O processo de mapear nunca foi ideologicamente ideológico. A técnica representa o aspecto qualitativo de
neutro, sendo necessário – desde cedo na história da um ato humano necessariamente inserido no contexto
humanidade – representar racionalmente o espaço e o social que a solicita, a possibilita e lhe dá aplicação”,
tempo de tal forma que pudessem sustentar o poder das sendo ideológica por definição. Assim, por exemplo, cabe
classes dominantes. ao país rico exportador de tecnologias, artificial e
Por outro lado, a questão não é apenas de medir o falsamente, fornecer ao país pobre uma consciência
espaço “objetivamente”, como alerta Bauman (1999: 54), pronta, “que procura passar por ‘universal’ e, portanto,
ao fazer uma reflexão histórico-ideológica sobre a irrecusável, quando na verdade nada mais significa do que
“batalha dos mapas”, mas antes ter uma noção clara do o invólucro dentro do qual contrabandeia os interesses das
que deve ser medido. “O que é facilmente legível ou classes industriais, e suas facções políticas, da nação
transparente para alguns pode ser obscuro e opaco para soberana”.
outros”. Assim, a legibilidade do espaço se transformou A reconstituição histórica da relação entre a
num dos maiores desafios da batalha do Estado moderno técnica cartográfica e a política é o pano de fundo sobre o
– e dos grandes capitais – pela soberania de seus poderes, qual o presente artigo se estrutura. Além dessa Introdução
controlando o cenário no qual seus vários agentes devem inclui outras três sessões. Na primeira, tomando a linha do
atuar. Este processo modernizador travou uma constante tempo como eixo, serão tratadas as origens da cartografia
guerra em nome da reorganização do espaço, que teve no ainda no Homem pré-histórico com suas representações
direito de controlar o ofício de cartógrafo uma de suas rupestres do território onde ele sobrevivia, passando pela
principais batalhas: Antiguidade, o período medieval, as grandes descobertas,
“O objetivo esquivo da moderna guerra pelo a Revolução Industrial até chegar à consolidação da noção
espaço era a subordinação do espaço social a um de cartografia como instrumento de domínio sobre o
e apenas um mapa oficialmente aprovado e território. Na segunda sessão, são abordadas as grandes
apoiado pelo Estado – esforço conjugado com e
apoiado pela desqualificação de todos os outros
mudanças tecnológicas vivenciadas a partir do século
XIX e, finalmente, na continuidade destas, os efeitos na
N.C.F.Freire, A.C.A.Fernandes
III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação Recife - PE, 27-30 de Julho de 2010
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cartografia e no uso desta promovidos pelas contínuas de Çatal Hüyük, na Turquia, e datam de cerca de 6200
inovações tecnológicas que são a característica do século a.C., estando pintados numa parede. Entretanto, ainda não
XX, particularmente a partir do segundo pós-guerra existe um concenso entre os especialistas sobre o possível
mundial, quando são produzidas as bases sobre as quais documento cartográfico, pois alguns arqueólogos
será construído o mercado do chamado geonegócio. questionam se de fato estes desenhos representam mapas
Finalmente, o artigo conclui tecendo breves ou apenas motivos decorativos mais elaborados.
considerações sobre as possibilidades que a recente
revolução tecnológica trás para grupos sociais
historicamente interditados ao uso da cartografia, como
parte das contradições inerentes ao processo de produção
de riqueza no capitalismo contemporâneo.
REFERÊNCIAS