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A Importancia Dos Mapas

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III Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação Recife - PE, 27-30 de Julho de 2010

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MAPAS COMO EXPRESSÃO DE PODER E LEGITIMAÇÃO SOBRE O


TERRITÓRIO: UMA BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA
CARTOGRAFIA COMO OBJETO DE INTERESSE DE DISTINTOS
GRUPOS SOCIAIS

NEISON CABRAL FERREIRA FREIRE ¹


ANA CRISTINA DE ALMEIDA FERNANDES ²

¹ Fundação Joaquim Nabuco - Fundaj


Diretoria de Pesquisas Sociais - Dipes
Coordenação Geral de Estudos Ambientais e da Amazônia - CGEA, Recife, PE
neison.freire@fundaj.gov.br

² Universidade Federal de Pernambuco – UFPE


Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH
Departamento de Ciências Geográficas, Recife, PE
anacf@ufpe.br

RESUMO - Neste artigo, objetiva-se conhecer os antecedentes históricos que propiciaram as condições
necessárias ao surgimento de alianças de interesses com vistas à realização de grandes serviços de
Engenharia Cartográfica com uso intensivo de Tecnologias da Geoinformação no contexto da emergência
de novos mercados globais (o assim chamado de “geonegócio”). Enfoca o ponto de vista da compreensão
da cartografia como expressão cultural e inerente à própria evolução da humanidade, em seus conflitos
pela demarcação e domínio de territórios. O artigo tem como ponto de partida as interpretações dos
distintos usos do território enquanto sobrevivência, ritualística e aprendizado coletivo presentes no
Homem pré-histórico, passando pelas inovações tecnológicas e situações políticas específicas ao longo do
tempo, chegando até ao projeto da Nova Cartografia Social no Brasil que reúne universidades públicas,
organizações não governamentais e comunidades tradicionais em busca de uma legitimação político-
espacial para suas reivindicações coletivas, como contraponto às estruturas formais de poder da sociedade
capitalista atual. Assim, reforça-se o espaço como protagonista das grandes transformações das
sociedades, especialmente na era tecno-informacional.

ABSTRACT – The goal in this paper is to know historic background that provided necessary conditions
to come up advantage alliances that carrying out big cartography engineering services with
GeoInformation Technologies (G.T.) (that relies on international scientific-technical means) at the
emergency context of new global markets (that we named “geobusiness”). It regard cartography as
cultural expression and human evolution inherent, in their demarcation and territory domain conflicts.
The paper has started with several interpretations from distinct uses for territories while survival,
ritualistic and common learning present in pre-historic man, continue with technological innovations and
specific politic situations at a time, reaching to Brazilian New Social Cartography project that join public
universities, non-governmental organizations and traditional communities looking for a collective claim
spatial-politic legitimacy, in the face of today formal social power capitalist structures. Therefore space is
reinforced like a great protagonist to big society transformations especially in techno-information era.

1 INTRODUÇÃO tempo e ao local onde tais atividades se desenvolviam.


Neste artigo, o mapeamento será observado como um
Desde o início da civilização, a humanidade produto cultural e instrumento político-ideológico
buscou formas de representar a superfície terrestre e seus utilizado como instrumento de poder, especialmente por
elementos segundo os interesses específicos dos diversos grupos sociais dominantes em várias sociedades no tempo
grupos sociais, estando sua produção condicionada ao e no espaço.

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A grande virada na utilização da cartografia se dá mapas ou interpretações alternativos de espaço,
exatamente com a revolução da microinformática, a partir assim como com o desmantelamento ou
dos anos 1980, acompanhada de sua prima-irmã, a desativamento de todas as instituições e esforços
Internet, e a disponibilidade gratuita de imagens de cartográficos além daqueles estabelecidos pelo
Estado, licenciados ou financiados pelo Estado.
satélite, dados e mapas georreferenciados. O avanço de A estrutura espacial que surgiria no final desta
tais tecnologias tornou possível a ampliação do acesso à guerra pelo espaço deveria ser perfeitamente
cartografia, permitindo finalmente a incursão de novos legítima para o poder estatal e seus agentes, ao
grupos sociais à ferramenta de estratégica importância mesmo tempo que absolutamente imune ao
para a disputa por territórios. A utilização da produção processamento semântico por seus usuários ou
cartográfica por grupos socialmente vulneráveis desperta vítimas.” BAUMAN (1999: 14).
grande interesse às ciências sociais ao revelar
possibilidades de controle espacial outrora restrito apenas A noção de que a técnica – e dentro dela a
aos grupos do topo da pirâmide sócio-econômica, tanto cartografia – é produzida e vivenciada em função de
pelos altos custos envolvidos, como pelo caráter sigiloso interesses distintos e que tendem ao conflito é tema de
que reveste a atividade. Afinal, não só o ofício do considerável e já longo debate. Ao discutir a “sociedade
cartógrafo sempre foi controlado pelo Estado, desde os tecnológica” ainda em meados do século XX, Ellul (1964)
tempos mais remotos até os dias atuais, como tem se já argumentava que a política havia se tornado uma arena
desenvolvido com o objetivo mais de defender grandes para os contenciosos entre as rivalidades técnicas, num
interesses econômicos e políticos do que de revelar e longo processo ideológico. Segundo o filósofo francês, o
difundir conhecimento sobre as características da técnico vê a nação de forma um pouco diferente do
superfície terrestre. político: para o técnico, a nação nada mais é senão uma
Nos dias atuais, com a popularização da outra esfera à qual se aplicam instrumentos por ele
microinformática, a cartografia digital vem sendo desenvolvidos.
utilizada por novos atores, tais como comunidades “To him [o técnico], the state is not the
tradicionais e/ou socialmente marginalizadas, com o expression of the will of the people nor a divine
intuito de produzir informações para legitimação e creation nor a creature of class conflict. It is an
enterprise providing services that must be made
controle social sobre um determinado território. Observa- to function efficiently. He judges states in terms
se, assim, uma mudança significativa na utilização de tais of their capacity to utilize techniques effectively,
tecnologias, com implicações não menos relevantes na not in terms of their relative justice”. ELLUL
condução de conflitos sociais que envolvem o domínio de (1964).
territórios. O grau de importância desta mudança pode ser
compreendido levando-se em conta que, como defende Pinto (2005: 156) corrobora com a linha de
Harvey (2005: 35), “medidores do tempo e mapas raciocínio de Ellul ao afirmar que “toda tecnologia,
precisos há muito valem seu peso em ouro, e o domínio contendo necessariamente o sentido, já indicado, de logos
dos espaços e tempos é um elemento crucial na busca do da técnica, transporta inevitavelmente um conteúdo
lucro”. O processo de mapear nunca foi ideologicamente ideológico. A técnica representa o aspecto qualitativo de
neutro, sendo necessário – desde cedo na história da um ato humano necessariamente inserido no contexto
humanidade – representar racionalmente o espaço e o social que a solicita, a possibilita e lhe dá aplicação”,
tempo de tal forma que pudessem sustentar o poder das sendo ideológica por definição. Assim, por exemplo, cabe
classes dominantes. ao país rico exportador de tecnologias, artificial e
Por outro lado, a questão não é apenas de medir o falsamente, fornecer ao país pobre uma consciência
espaço “objetivamente”, como alerta Bauman (1999: 54), pronta, “que procura passar por ‘universal’ e, portanto,
ao fazer uma reflexão histórico-ideológica sobre a irrecusável, quando na verdade nada mais significa do que
“batalha dos mapas”, mas antes ter uma noção clara do o invólucro dentro do qual contrabandeia os interesses das
que deve ser medido. “O que é facilmente legível ou classes industriais, e suas facções políticas, da nação
transparente para alguns pode ser obscuro e opaco para soberana”.
outros”. Assim, a legibilidade do espaço se transformou A reconstituição histórica da relação entre a
num dos maiores desafios da batalha do Estado moderno técnica cartográfica e a política é o pano de fundo sobre o
– e dos grandes capitais – pela soberania de seus poderes, qual o presente artigo se estrutura. Além dessa Introdução
controlando o cenário no qual seus vários agentes devem inclui outras três sessões. Na primeira, tomando a linha do
atuar. Este processo modernizador travou uma constante tempo como eixo, serão tratadas as origens da cartografia
guerra em nome da reorganização do espaço, que teve no ainda no Homem pré-histórico com suas representações
direito de controlar o ofício de cartógrafo uma de suas rupestres do território onde ele sobrevivia, passando pela
principais batalhas: Antiguidade, o período medieval, as grandes descobertas,
“O objetivo esquivo da moderna guerra pelo a Revolução Industrial até chegar à consolidação da noção
espaço era a subordinação do espaço social a um de cartografia como instrumento de domínio sobre o
e apenas um mapa oficialmente aprovado e território. Na segunda sessão, são abordadas as grandes
apoiado pelo Estado – esforço conjugado com e
apoiado pela desqualificação de todos os outros
mudanças tecnológicas vivenciadas a partir do século
XIX e, finalmente, na continuidade destas, os efeitos na
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cartografia e no uso desta promovidos pelas contínuas de Çatal Hüyük, na Turquia, e datam de cerca de 6200
inovações tecnológicas que são a característica do século a.C., estando pintados numa parede. Entretanto, ainda não
XX, particularmente a partir do segundo pós-guerra existe um concenso entre os especialistas sobre o possível
mundial, quando são produzidas as bases sobre as quais documento cartográfico, pois alguns arqueólogos
será construído o mercado do chamado geonegócio. questionam se de fato estes desenhos representam mapas
Finalmente, o artigo conclui tecendo breves ou apenas motivos decorativos mais elaborados.
considerações sobre as possibilidades que a recente
revolução tecnológica trás para grupos sociais
historicamente interditados ao uso da cartografia, como
parte das contradições inerentes ao processo de produção
de riqueza no capitalismo contemporâneo.

2 DAS PINTURAS RUPESTRES NA EUROPA À


REVOLUÇÃO FRANCESA: A FORMAÇÃO DA
CARTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE
DOMÍNIO SOBRE O TERRITÓRIO

Desde o Paleolítico Superior (40.000 a 10.000


a.C.), o ser humano já buscava representar graficamente o
espaço onde habitava, selecionando seus elementos da
paisagem como símbolos de poder e sobrevivência sobre
o território: áreas e elementos de caça, coleta, moradia e
rituais religiosos e funerários. Na vida do Homem pré- Figura 1 – Desenho de antigos índios norte-americanos (data
histórico tinham lugar a arte e o espírito de conservação desconhecida).
Fonte: Van Roojen (2005).
daquilo de que necessitava.
Pinturas rupestres tanto em Lascaux, na França,
Tradicionalmente, o mapa mais antigo que se tem
como em Altamira, na Espanha, ambas datadas de
notícia é o de Ga-Sur, feito na Babilônia1. Trata-se de um
aproximadamente 15.000 a.C, mostram pinturas em tetos
tablete de argila cozida de 7x8 cm, datado de
e paredes de cavernas representando territórios de caça
aproximadamente 2400 a 2200 a.C., e representa um vale,
destes antigos povos. Chamam ainda a atenção as
presumidamente o rio Eufrates¹ (figura 2).
representações pictóricas dos índios norte-americanos
Foi, portanto, através de esboços e mapas
pré-colombianos pela força simbólica dos elementos
rudimentares que o homem da Antiguidade registrou sua
gráficos, localizando espacialmente os distintos usos do
ocupação sobre a superfície terrestre, atendendo suas
território (figura 1).
necessidades ou impulsos de qualquer natureza e
Entretanto, esta interpretação mais abrangente da
caracterizando o início do processo de formação do
cartografia, ao incluir tradições de representações que não
conhecimento geográfico de cunho popular, resultante da
correspondem necessariamente às definicões ocidentais
vivência individual e coletiva (Nascimento, 2003). Esta
clássicas, é recente, pois em muitos contextos
associação entre a necessidade de deslocamento do
independentes houve interesse em relações espaciais
homem e suas potencialidades cartográficas está
ligadas aos mitos fundadores religiosos (Black, 2005). Na
assinalada por Ferreira e Simões (1986 apud Nascimento,
Nova Caledônia, por exemplo, “a sociedade era
2003):
organizada em clãs diferenciados espacialmente com
Ainda hoje, qualquer pessoa que não saiba ler,
referência a ancestrais místicos” e sua percepção de mas a quem se pergunta qual o melhor caminho
relação e controle espacial era baseada na habitação de para ir a um lugar, é capaz de fazer um esboço,
colinas e rotas entre elas. “A geografia da região incluía o mostrando o caminho a seguir, os fatos
local mitológico da origem do homem e a entrada para o importantes que existam ao longo do percurso e
país subterrâneo dos mortos” (Black, 2005: 16). Havia, os principais obstáculos. Por isso, há autores
assim, uma percepção bem desenvolvida de um que consideram que fazer mapas é uma
mapeamento mental. Na Austrália, os mapas aborígenes aptidão inata da humanidade [grifo nosso].
descreviam não só histórias ancentrais, como também as O significado do mapa começa a mudar quando,
relações tradicionais com o meio, por meio tanto de em Alexandria, no Antigo Egito, o matemático
mapas “mentais”, como de mapas desenhados em pinturas Eratóstenes (276 a.C.) mediu pela primeira vez, com
com areia e entalhes – ditos “manifestos”. impressionante grau de precisão, a curvatura da Terra,
Como se pode perceber, várias culturas observando e calculando os ângulos da sombra de uma
produziram representações cartográficas no passado, vareta em Siena e em Alexandria: 40.000km2.
desde o Antigo Egito até o México Asteca. De fato, os
primeiros mapas foram criados milênios antes da escrita. 1
Atualmente, Iraque.
Os mapas mais antigos que se conhecem foram 2
Valor calculado atualmente: cerca de 40.072 km ao longo da linha do
encontrados recentemente (1974) na antiquíssima cidade equador.
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forças conjugadas e prevalecentes, de onde provinha o
arcabouço ideológico da época. Aparece o conceito da
Terra plana e circular, circundada de água. Assim,
elaboram-se mapas circulares em motivos religiosos,
tendo Jerusalém no centro do mundo, o Paraíso ao norte e
a salvação a leste (originando-se daí o termo “orientação”
(Siene e Moreira, 1999:434 apud Nascimento, 2005).
Além das produções cristãs européias, são também
confeccionados mapas judeus da Terra Santa que datam
do século XIII ao XV.
Assim, é importante observar que os mapas com o
norte acima do sul, hoje nos parecendo bastante familiar,
somente se torna comum a partir do século XVI com a
projeção cilíndrica de Mercator. Bem antes dela, nos
anos 400, começou a produção cartográfica medieval,
com os mapas macrobius4, que chegou a produzir, mil
anos depois, os mapas portulanos5 (figura 3), a partir das
grandes descobertas ibéricas.

Figura 2 – Mapa de Ga-Sur em tablete de argila original (2.500 a.C.,


sem título nem escala).
Fonte: <http://www.henry-davis.com/MAPS/AncientWebPages/100D.ht ml>.
Acesso em 15/11/2008.

A este feito, segue-se o de Hiparco (190 a.C.),


astrônomo grego que também viveu em Alexandria, que
empregou rigorosos princípios matemáticos para a
localização de pontos na superfície da Terra, utilizando o
cálculo de longitude e latitude. Para a cartografia, esta
iniciativa significou o estabelecimento do método de
projeção estereográfica3; criou o primeiro astrolábio Figura 3 – Mapa portulano Pascaert vande Noort-Zee om achter Yrlands
destinado a medir a distância de qualquer astro em relação en Schotland om te seylen, De Wit - R. & I. Ottens, Amsterdam, 1745.
Fonte: <http://www.serqueira.com.br/mapas/portol.htm>. Acesso em 17/11/2008.
ao horizonte (150 a. C.), facilitando a navegação marítma.
Devido às diferentes rentabilidades proporcionadas
pelas nações militarmente ocupadas, seja pela área As mudanças econômicas, culturais e tecnológicas
produtiva, seja pelas atividades econômicas, os antigos ocorridas na Europa, a partir do século XV, tais como o
romanos já usavam uma cartografia associada a um desenvolvimento da metalurgia, o fabrico do papel e,
cadastro rudimentar para fins tributários no controle das principalmente, a explosão intelectual ocorrida com a
vastas regiões imperiais desde o início da Era Cristã. O Renascença, possibilitaram o surgimento das primeiras
conhecimento cartográfico da época foi utilizado pelos imprensas e com elas, novos incentivos à evolução da
césares para novas operações de conquista em que, muitas cartografia. De fato, a invenção da imprensa foi
vezes, faziam-se descrições das áreas dominadas e fundamental para a popularização da cartografia, pois
devassadas (Nascimento, 2003). Pode-se dizer que
começa então com o avanço técnico a utilização da 4
Ambrosius Aurelius Theodosius Macrobius foi um pensador
cartografia para fins de dominação de grupos sociais neoplatônico do século V d.C. Seus mappaemundi, representações do
sobre territórios específicos. mundo então conhecido, elaborados na Espanha e reproduzidos em
tratados fundamentais para o pensamento medieval, foram
Na Idade Média, a Bíblia foi uma fonte de extremamente populares durante toda Idade Média e influenciaram os
inspiração para o mapeamento face ao interesse da Igreja cartógrafos até o século XV (Disponível em
em localizar os lugares mencionados, além do desejo de <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/mydown
construir uma geografia que pudesse incluir o Éden loads_01/visit.php?cid=46&lid=2621>. Acesso em 15/11/2008.)
5
(Black, 2005). Os poderes econômico e religioso eram O termo vem do latim, através do italiano. Parece ter sido usado pela
primeira vez em 1285 no sentido de uma descrição dos portos
marítimos. A palavra italiana portolano refere-se originalmente a uma
3
Representação plana de um sólido; projeção bidimensional de uma apresentação descritiva das costas, com suas características e
esfera. Qualquer ponto sob a esfera pode ser representado sobre a localidades, e especialmente dos portos. Seu objetivo principal é atender
circunferência de projeção. Maiores detalhes ver em a uma necessidade da navegação e não tanto a interesses geográficos.
<http://www.fem.unicamp.br/~caram/projecoes.pdf>. Acesso em (Disponível em < http://www.almanaque.cnt.br/MAPAMUNDI.htm>.
15/11/2008. Acesso em 15/11/2008.)
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assim os mapas podiam ser produzidos mais rapidamente terras ocupadas militarmente, apoiada pelas novas
e distribuídos amplamente. Os produtores de mapas descobertas científicas.
tinham mais mapas, e mapas mais recentes, aos quais Com o advento da fotografia em 1839, tornou-se
podiam se referir quando estavam produzindo seus possível registrar instantaneamente em perspectiva, um
próprios mapas. A imprensa também propiciou um caráter conjunto de feições do terreno. Provavelmente a primeira
comercial à produção cartográfica, levando à propagação referência de aplicação da fotografia elaborando um mapa
do mapeamento6. Surgiram, assim, as primeiras oficinas é de cerca de 1840, através do geodesista francês
de cartografia na Europa, dedicadas exclusivamente à Dominique François Jean Arago. Posteriormente, a
produção de mapas e fora do aparato imperial. Eram fotografia se tornaria fundamental para as estratégias
oficinas particulares, cujos serviços podiam ser militares durante a II Guerra Mundial (1941 – 1945) ao
contratados tanto por governantes, como por comerciantes permitir, junto com os avanços da aeronáutica, realizar
interessados em rotas comerciais ultramarinas. extensos levantamentos aerofotogramétricos das áreas de
Black (2005) distingue três objetivos do conflito.
mapeamento entre os séculos XVII e XVIII: 1) cadastral, Simultaneamente ao uso militar, ainda em meados
objetivando a tributação ou com propósitos do século XIX, na Londres vitoriana, o médico John
administrativos e notariais (registro de propriedades), 2) Snow usou a cartografia associada a atributos espaciais de
militar, agora em grande escala, e 3) científico, com a forma científica e pioneira, objetivando compreender o
melhoria na medição de longitude, podendo resolver com processo de disseminação e contaminação pelo cólera
razoável grau de precisão a posição meridional de um através de bombas d’água de abastecimento humano. Sem
navio7. Desta forma, os mapas vão mudando ao longo da os instrumentos microscópicos hoje disponíveis e capazes
história, com o avanço técnico combinado às de identificar a origem da doença, Snow percebeu que o
transformações da sociedade européia, assim como cólera se disseminava através da água e não do ar, mas
mudam os objetivos de sua elaboração. precisava provar sua teoria junto à comunidade científica
A Revolução Francesa (1789) e, na seqüência, o da época e, assim, poder refutar os miasmáticos8.
período napoleônico (1799-1815), renovaram a Entretanto, foi o engenheiro Edmund Cooper, da
cartografia ao suplantar os critérios territoriais e Comissão Metropolitana de Esgotos, quem de fato
jurisdicionais, redesenhando as fronteiras dentro e fora da elaborou o primeiro mapa da peste nas cercanias da Broad
França. Street (centro da epidemia na cidade), o qual não
consegue, contudo, propiciar a informação deseja em
3 DE LONDRES A MACEIÓ: OS REFLEXOS DAS função do excesso de informações representadas.
GRANDES MUDANÇAS A PARTIR DO SÉCULO Snow, então, reformulou este pioneiro mapa de
XIX PARA A CARTOGRAFIA CONCLUSÕES pontos, representando apenas, além das quadras urbanas,
as bombas d’agua em que a população se abastecia e as
A Revolução Industrial, que se iniciou na mortes provocadas pela epidemia (figura 4),
Inglaterra na segunda metade do século XVIII e estabelecendo espacialmente de forma categórica a
expandiu-se de alguma forma pelo mundo no século XIX, relação entre as bombas e as mortes: “para que um mapa
encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase explicasse a verdadeira causa por trás da epidemia, era
de acumulação primitiva de capitais e de preponderância necessário mostrar menos, não mais” (Johnson, 2008).
do capital mercantil sobre a produção, trazendo Hoje, graças à perseverança científica de Snow,
importantes inovações tecnológicas e novas orientações dejetos humanos e água potável seguem caminhos
políticas para a produção cartográfica moderna. distintos nas cidades e a revolucionária vida nas
Sob o Neocolonialismo, principal expressão do metrópoles dos tempos modernos pôde florescer.
imperialismo capitalista a partir da Segunda Revolução Enquanto o dr. Snow aprimorava seus
Industrial (1860 – 1900), o domínio das potências conhecimentos sobre o cólera em Londres, ainda no início
européias não foi apenas econômico, mas completo, ou do século XIX, o povoado de Maceió-AL tornara-se um
seja, militar, político e social, impondo à força um novo empório comercial de certa notoriedade, onde o
modelo de organização do trabalho, que pudesse garantir, ancoradouro de Jaraguá criara o comércio, dilatando o
principalmente, a extração de minérios, para as indústrias povoamento e operando o desenvolvimento econômico e
da Europa. Para estas conquistas foi fundamental a demográfico. Maceió neste período já despontava como
existência de uma cartografia precisa e detalhada das vila bastante próspera. Segundo Cavalcanti (1998), o
governador Mello e Póvoas teve a preocupação de criar
uma melhor infra-estrutura, autorizando, no ano de 1820,
6 José da Silva Pinto a fazer um levantamento da cidade,
Em 1598 Abraham Ortelius (1527-98) mandou gravar e publicar o
mapa “Peutinger” romano, provavelmente o primeiro fac-símile
surgindo o primeiro mapa conhecido da cidade, depois
impresso de um mapa clássico (Black, 2005:29).
7
John Harrison, em resposta a um Ato do Parlamento britânico de 1714
8
que oferecia uma recompensa para a descoberta de um método para Teoria equivocada adotada pela maioria dos médicos em meados do
determinar a longitude no mar, projetou um cronômetro com razoável século XIX, em Londres, segundo a qual o cólera se contaminava
precisão. O progresso em terra foi mais rápido com o advento da através do “ar sujo e contaminado” da cidade-matriz da Revolução
triangulação (Black, 2005). Industrial.
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melhorado pelo eng. Carlos de Mornay no 2º estar acontecendo” (Black, 2005: p. 78). A escala da
Levantamento da Vila de Maceió, publicado em1841. guerra incentivou um interesse pelo que em 1916 foi
denominado “geopolítica” pelo cientista político sueco
Rudolf Kjellen (1864-1922).

Figura 5 – Primeiro mapa dos canais e lagoas Mundaú e Manguaba no


litoral sul de Maceió, elaborado por Mornay (1840).
Fonte: Marques, 1987.

Figura 4 – Mapa do centro de Londres: residências com mortes pelo


cólera e localização das bombas d’água. John Snow, 1840.
Fonte: <http http://www.york.ac.uk/depts/maths/histstat/snow_map.htm>. Acesso
em 15/11/2008.

Mornay também produziu o primeiro mapa do hoje


conhecido Complexo Estuarino-Lagunar Mundaú-
Manguaba (CELMM) neste levantamento de 1840,
localizando a vila de Santa Maria Madalena da Lagoa do
Sul, hoje Marechal Deodoro (figura 5). Como
comparação, a figura 6 traz um mosaico de imagens de
satélite do Google Earth da mesma área, obtidas entre
2002 e 2007. Entre o mapa de Mornay e a imagem do
Google Earth, 167 anos de evolução cartográfica.
Figura 6 – Mosaico de imagens de satélites dos canais e lagoas Mundaú
e Manguaba no litoral sul de Maceió, indicando a cidade de Marechal
4 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO SÉCULO XX Deodoro, antiga Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul.
Fonte: Google Earth, 2008.
Com a invenção do avião em 1902, o brasileiro
Alberto Santos Dumont propiciou as condições do Mas foi através do avanço tecnológico verificado
desenvolvimento da plataforma mais utilizada no após a II Guerra Mundial que novas políticas e estratégias
transporte da câmera fotográfica para a tomada de de ação puderam ser tomadas com base em cada vez mais
fotografias verticais e oblíquas fundamentais para a poderosos sistemas informatizados, permitindo a
moderna cartografia. Poucos anos depois, em 1913, foram manipulação de expressivo volume de dados
construídas câmeras fotográficas especiais para tomadas geoespaciais.
de vistas aéreas, caracterizando o uso de avião na Especialmente para os países desenvolvidos, essa
Fotogrametria já na I Guerra Mundial. A guerra aumentou evolução trouxe uma valiosa contribuição para a análise e
o interesse por mapas políticos e pelo mapeamento uma o monitoramento de fenômenos ambientais, econômicos e
vez que leitores de jornais se tornaram mais sociais em múltiplas escalas, tanto espaciais como
familiarizados com campanhas e planos de batalha. temporais. Em particular, o planejamento urbano-regional
De fato, a destruição de impérios, o redesenho das passou desde então a usufruir sistematicamente das
fronteiras européias, a criação de novos estados e a facilidades proporcionadas pelas geotecnologias:
reconstrução de grande parte da Europa e do Oriente praticamente numa única geração ocorreu profunda
Médio “criaram um novo interesse por tipo diferente de transformação quanto ao meio de produção científica
mapa, que abordasse as questões não apenas do que nesta e em outras áreas do conhecimento.
estava acontecendo, mas também do porquê e o que devia
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A corrida espacial da década de 1960 trouxe uma faltando é gente com a qualificação necessária para
nova dimensão ao Sensoriamento Remoto. A partir de utilizá-las.
então, diversos satélites foram lançados ao redor da Terra Esta situação começa a mudar a partir da revolução
levando a bordo instrumentos óticos e eletrônicos com o da microinformática nos anos 1980 quando a Internet
objetivo de registrar a energia eletromagnética refletida alcançou uma evolução que cresceu em ritmo de
ou emitida pelos alvos presentes na superfície terrestre. progressão geométrica. Segundo Walnun (1996), nunca
Após um uso militar inicial em função da Guerra Fria, a na História um meio de comunicação foi tão abrangente,
tecnologia se popularizou com o lançamento civil de livre e rápido; nunca tantos se comunicaram com outros
sensores orbitais para o monitoramento ambiental, tantos, sem distinção de fronteiras geopolíticas,
destacando os satélites norte-americanos da família ideológicas ou culturais, consolidando a Era da
LandSAT (figuras 7 e 8). Informação.
De fato, desde a última década (1990), muitas
aplicações na Internet foram desenvolvidas utilizando-se
de ferramentas para a publicação de mapas e dados
georreferenciados para os mais diversos objetivos e sob as
mais diversas formas e tecnologias. Os mapas
digitalizados invadiram não só áreas ligadas a meio
ambiente e segurança, mas também setores
mercadológicos, além de outros nichos de atuação. Os
softwares de GIS (Geographic Information System) geram
um impacto visual capaz de chamar a atenção de
profissionais de várias áreas e as empresas, públicas e
privadas, interessadas em atrair clientes, estão
rapidamente aderindo ao sistema. Hoje se verifica que há
uma indiscutível tendência para a integração das
Figura 7 – Região Metropolitana de Phoenix (EUA) e, em vermelho, as geotecnologias para o ambiente da rede mundial
fazendas em 1973 (sensor LandSAT MSS, combinação espectral RGB
421, pseudocolor).
proporcionada pela Internet, unindo Cartografia, GPS,
Fonte: MOELLER & BLASCHKE (2005). imagens de satélite, fotografias aéreas, banco de dados,
dentre outras.
Por outro lado, enquanto avançam as integrações
entre mapas digitais, banco de dados relacionais e
Internet, novas modalidades de mapeamento surgiram
com as inovações proporcionadas pelas geotecnologias
desde o final do século passado. Com efeito, o
aprimoramento dos microchips de computador desde o
final dos anos 1980, associado à queda de preço dos
equipamentos motivada pela maior escala de produção e
difusão das inovações, aumentou rápida e
exponencialmente a disponibilidade e a capacidade de
processamento entre os cada vez mais numerosos usuários
Figura 8 – Classificação orientada a objeto, mostrando as mudanças das tecnologias da geoinformação.
ocorridas no período 1973-2003 em Phoenix (EUA). Esta é uma característica fundamental para o
Fonte: MOELLER & BLASCHKE (2005).
sucesso da cartografia digital em função do expressivo
volume de dados a serem manipulados, oriundos dos
Porém, não é a simples apresentação dessa
resultados obtidos com os levantamentos
fantástica evolução o que nos interessa, mas sim – entre
aerofotogramétricos, associados a extensos dados de
outros aspectos – o fato de que ela é muito cara e
campo. Assim, os microcomputadores tornaram-se
orientada para grupos sociais que têm recursos para
capazes de manipular adequadamente estes robustos
comprá-la, mesmo que seja por meio do Estado. As
dados geoespaciais, atendendo às demandas crescentes e
primeiras soluções da aerofotogrametria, assim como das
cada vez mais diversificadas de planejamento, seja
imagens de satélite e mais tarde do geoprocessamento são
público ou privado, atendendo a objetivos variados.
inacessíveis a coletividades populares. Além disso, sua
Pode-se dizer que um novo mercado emergiu da
utilização pode muito bem ser feita de tal modo que pode
convergência das diferentes tecnologias, à medida que o
desqualificar totalmente a idéia “a imagem nunca mente”,
fim da Guerra Fria vai disponibilizar competências no
como verdade absoluta.
setor de geoprocessamento do objetivo militar e
A grande novidade é a possibilidade que a Internet
geopolítico para novos campos, tais como a gestão e o
viabilizou no sentido de ampliar o acesso às
planejamento urbano e regional.
geotecnologias, inclusive para pequenas prefeituras, além
Outra forma recente de produzir cartas acuradas
de organizações não governamentais. O que continua
em escalas maiores foi introduzida pelos sistemas de
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rastreamento e registro de imagens de alta resolução computacionais cada vez mais amigáveis, robustos e
espacial a bordo de satélites orbitais. Até o final do sofisticados para a área de mapeamento temático, cujos
século passado, os satélites eram tradicionalmente preços vêm caindo de forma impressionante, observou-se
categorizados em três tipos: de reconhecimento, a ampliação do número de usuários das chamadas
meteorológico e de recursos naturais. geotecnologias, onde sua produção pode chegar a grupos
Entretanto, a partir de 1999, um quarto tipo de sociais outrora inimagináveis. De fato, até bem
satélites comerciais começou a disponibilizar imagens de recentemente, apenas os atores sociais economicamente
alta resolução espacial, podendo observar objetos mais fortes e politicamente mais poderosos podiam
menores que 1m de diâmetro, além de permitir a usufruir o privilégio da produção cartográfica.
construção de imagens estereoscópicas com alta precisão Agora, diversas comunidades pobres ou
(modelos tridimensionais), gerando, assim, imagens socialmente marginalizadas estão se reunindo em oficinas
ortorretificadas. Isto abriu novas possibilidades para a de mapas, objetivando se afirmar espacialmente e assim
Cartografia quando comparadas às técnicas de aquisição poder legitimar suas próprias reivindicações (figuras 9 e
de dados por Fotogrametria Aérea convencional ao 10). São inúmeras as experiências envolvendo grupos
permitir uma diminuição de custos operacionais nos populares que já utilizam a cartografia, como registra o
levantamentos, rapidez no processo de geração de cartas e Projeto “Nova Cartografia Social dos Povos e
– essencial para a sua credibilidade – precisão e acurácia Comunidades Tradicionais do Brasil”, que objetiva “fazer
com controles matemáticos e cálculos de erros de um balanço das distintas iniciativas de inclusão de
posicionamento compatíveis com a fotogrametria populações locais nos processos cartográficos no Brasil,
tradicional. Isto garante uma fidelidade ao produto final bem como discutir as estratégias, os quadros conceituais e
comparável às técnicas tradicionais da restituição metodológicos que orientam tais experiências”
aerofotogramétrica. (IPPUR/UFRJ, 2007).
Desse modo, o mercado de geotecnologias vem Assim, o progresso técnico, mesmo motivado pela
buscando outras formas de conquistar novos clientes com produção de riqueza capitalista, gerou mercadorias –
produtos cartográficos mais rápidos e de qualidade ferramentas de cartografia que podem ser manipuladas em
técnica compatíveis com as onerosas e demoradas microcomputadores – cuja difusão ampla e muitas vezes
restituições aerofotogramétricas. Isto inclui o livre, por meio da Internet, têm contraditoriamente aberto
fornecimento de imagens de satélite de alta resolução oportunidades não irrelevantes para que grupos sociais
espacial e mapeamentos temáticos baseados em historicamente mais frágeis consigam produzir
processamento digital de imagens orbitais, tanto para o conhecimento sobre sua existência, cultura e território que
setor público municipal (cadastro de áreas urbanas), como vem lhes permitindo construir uma renovada perspectiva
para o setor privado (agricultura de precisão, de empoderamento.
reflorestamentos para fins comerciais, mineração, dentre Certamente que a cartografia social já estava
outras áreas). presente quando John Snow plotou os “fantasmas” do
Esta evolução, entretanto, ainda tem sido ainda cólera no mapa de Londres. Afinal, talvez pela primeira
assentada em altos custos financeiros para as regiões vez, surgiu ali um mapa onde a parcela mais pobre de
menos desenvolvidas, o que a torna restritiva para a maior uma sociedade aparecia. Mas o “fazer cartográfico” era
parte da sociedade. O Estado, particularmente na escala então uma atividade exclusivamente destinada às elites
local, assume assim um papel crucial para a dinâmica do intelectuais e econômicas, como também o seu produto de
mercado de geotecnologias, tornando-se um dos clientes consumo.
mais cobiçados pelas empresas do setor. Como forma de Em contrapartida, comunidades como estas
conquistar esse segmento, as empresas desenvolvem mencionadas acima são mais que simples objeto da
soluções que tornam a ferramenta ainda mais atraente cartografia produzida por outros, estão produzindo
para o gestor público local, entre as quais modelos cartografia a partir de seus próprios interesses, por vezes
focados na elevação da arrecadação de impostos até participando de coleta de dados cartográficos com os
mencionada acima. novos instrumentos disponíveis, como o GPS ou o Google
Dessa forma, gestores públicos encontram Earth. Hoje há milhares de fontes disponíveis a baixo
justificativa convincente para o elevado investimento que custo, em comparação com o enorme aparato técnico,
precisa ser realizado para a aquisição do serviço. Trata-se logístico e financeiro exigido até poucas décadas atrás.
assim de um mercado em que os altos custos envolvidos Claro que tudo está embalado em grandes
requerem a participação do Estado para poder se realizar, estratégias comerciais globais, mesmo para aqueles dados
especialmente em países e regiões menos desenvolvidos. gratuitamente disponibilizados. Se a cartografia sempre
foi um instrumento de poder, ela hoje cumpre
5 A NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL NO BRASIL perfeitamente seu papel no mundo globalizado. Mas
efeitos não esperados da evolução das tecnologias têm
Entretanto, as geotecnologias não estão resumidas viabilizado sua utilização de formas não antecipadas pelo
a tais ferramentas de custos vultosos. Com a mercado, proporcionando utilizações bem distintas da
popularização da microinformática, especialmente a partir simples geração e apropriação privada de riqueza por
da década de 1980, associada a programas poucos agentes econômicos.
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uso restrito a poucos e poderosos grupos sociais. Mas,
afinal, em que medida o “fazer cartográfico” é parte de
um determinado contexto histórico e necessário para o
sucesso de seus respectivos grupos de interesse? Talvez a
característica mais importante observada, entre as
apontadas acima, seja aquela que a define como um
processo cultural inerente à própria humanidade, um
instrumento de força e poder de uma determinada
sociedade, não importando a época ou o local onde a
evolução cartográfica se realize.
Segundo, como instrumento do processo
civilizatório, a cartografia evoluiu na medida em que cada
sociedade se desenvolveu, atendendo apenas a restritos e
poderosos atores sociais.
Figura 9 – Publicações do projeto “Nova cartografia social dos povos e
Porém, (eis a novidade!), a cartografia vem
comunidades tradicionais do Brasil”. ampliando sua acessibilidade, visando também atender
Fonte: Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do aos interesses específicos de grupos sociais
Brasil, fasc. 1, 3, 4 e 9 (IPPUR/UFRJ, 2007).
tradicionalmente marginalizados. Entretanto, assim como
tantas outras ciências, a cartografia não é totalmente
neutra: como num jogo de tensão, ela pode servir tanto
para mostrar como para esconder objetos, para afirmar
como para escamotear direitos, para empoderar ou
subjugar grupos sociais.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências


humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
BLACK, Jeremy. Mapas e História: construindo
imagens do passado. Bauru: Edusc, 2005.
CAVALCANTI, Verônica Robalinho. La production de
l’espace à Maceió (1800-1930). [Tese]. Paris: Université
de Paris, 1998.
Figura 10 – Oficina de mapas com representantes das comunidades ELLUL, Jacques. The Technological Society. New
locais. York: Vintage Books, 1964.
Fonte: Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do
Brasil, fasc. 4: 4 (IPPUR/UFRJ, 2007). HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo:
Edições Loyola, 1992.
6 CONCLUSÕES JOHNSON, Steven. O Mapa Fantasma: como a luta de
dois homens contra o cólera mudou o destino de
Concluindo esta breve introdução à evolução da nossas metrópoles. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2008.
cartografia, apreende-se que a produção cartográfica ao MOELLER, M. S.; BLASHCKE, T. Monitoring LULC
longo do tempo guarda certas características universais, dynamics in the urban – rural fringe. In: XII
tais como: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO
a) Sendo um produto cultural, sempre esteve REMOTO, 2005, Goiânia. Anais... São José dos Campos:
associada às características socioeconômicas de INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2005.
cada época; p. 3821-3828.
b) Representa os interesses de grupos e coalizões de NASCIMENTO, Alvacy Lopes do. A Evolução do
poder sobre um determinado território; Conhecimento Geográfico: da Antiguidade à Era da
c) É parte intrínseca do processo civilizatório, no Globalização. Maceió: EDUFAL, 2003.
tempo e no espaço; PINTO, Álvaro Vieira. O Conceito de Tecnologia. Vol.
d) É dependente das inovações tecnológicas e de I. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. 2v.
sua respectiva difusão na sociedade; MARQUES, Regina. In: Apoio à proteção ambiental
e) Embora exija uma complexidade técnica apurada em Alagoas : uma experiência de cooperação técnica.
para sua produção, seu produto final (o “mapa”) Maceió: SEPLAN: IMA/GTZ, 2000.
independe de grandes conhecimentos cognitivos VAN ROOJEN, Pepin. Maps. Amsterdam: The Pepin
para o entendimento visual humano. Press, 2005.
A evolução da tecnologia tem propiciado a WALNUM, Clayton. Java em exemplos. São Paulo:
ampliação da difusão da cartografia, depois de séculos de Makron Books, 1996.
N.C.F.Freire, A.C.A.Fernandes

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