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Nannini PBR DR Ia

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Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho”


Instituto de Artes

PALAVRA E IMAGEM: POSSÍVEIS DIÁLOGOS


NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA

PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI

São Paulo
2016
PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI

PALAVRA E IMAGEM: POSSÍVEIS DIÁLOGOS


NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA

Tese apresentada para o Programa de Pós Graduação em Artes como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Artes junto ao Instituto de Artes da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo.

Área de concentração: Artes Visuais


Linha de Pesquisa: Abordagens Teóricas, Históricas e Culturais da Arte
Orientador: Prof. Dr. Omar Khouri

São Paulo
2016
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do
Instituto de Artes da UNESP

N184p Nannini, Priscilla Barranqueiros Ramos, 1972-


Palavra e imagem: possíveis diálogos no universo do livro de
artista / Priscilla Barranqueiros Ramos Nannini. - São Paulo, 2016.
250 f. : il. color.

Orientador: Prof. Dr. Omar Khouri.


Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista
“Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes.

1. Poesia visual. 2. Livros de artistas. 3. Imagem. 4. Artes


gráficas. I. Khouri, Omar. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto
de Artes. III. Título.

CDD 869.9105
PRISCILLA BARRANQUEIROS RAMOS NANNINI

PALAVRA E IMAGEM:
POSSÍVEIS DIÁLOGOS NO UNIVERSO DO LIVRO DE ARTISTA

Tese de doutorado aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Artes
no Curso de Pós-Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
– Unesp, com a área de conhecimento Artes Visuais, pela seguinte banca examinadora:

________________________________________________________
Prof. Dr. Omar Khouri
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP – Orientador

________________________________________________________
Prof. Dr. José Spaniol
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP

________________________________________________________
Profa. Dra. Rita Luciana Berti Bredariolli
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista/SP

________________________________________________________
Profa. Dra. Maria dos Prazeres Santos Mendes
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas / Universidade de São Paulo

________________________________________________________
Prof. Dr. Júlio César Mendonça
Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de São Bernardo do Campo
Aos amores da minha vida,
Marcelo e Marina.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que me incentivaram e colaboraram para a realização desta pesquisa, pela
paciência, escuta e trocas em um momento tão importante da minha vida.

Professor Dr. José Spaniol


Professora Dra Maria dos Prazeres Mendes
Professor Dr. Júlio Mendonça
Professor Dr. Mário Fernando Bolognesi
Aos alunos que compartilharam suas criações
À minha família, amigos, colegas e professores
Fabíola, Marcinha, Daniele e Juliana pela escuta
À minha mãe

Agradecimentos especiais ao Professor Dr. Omar Khouri, meu orientador, pela firmeza,
paciência e dedicação, possibilitando o meu crescimento como pesquisadora.
Que é um livro, se não o abrirmos? É, simplesmente, um cubo de papel e couro, com folhas.
Mas, se o lemos, acontece uma coisa rara: creio que ele muda a cada instante.
Jorge Luis Borges

E de que serve um livro sem figuras nem diálogos?


Lewis Carroll
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é encontrar os possíveis diálogos entre palavra e imagem, dentro da
Poesia Visual, Artes e Design. A proposta é realizar entrelaçamentos entre a palavra e
imagem nessas linguagens, buscando encontros e desencontros, usando como fio condutor
dessas reflexões a produção de Livros de Artista feitos por Mira Schendel, Lygia Pape, Edith
Derdyk e do poeta visual Ronaldo Azeredo, que trabalharam a relação verbal e visual
explorando diferentes possibilidades de representação, gerando obras representativas com
grande valor artístico, estético e cultural.

A ideia é traçar o caminhar dessas linguagens desde seus primórdios até os dias de hoje,
relatando seus diálogos e retomando as origens dessas relações, pesquisando onde palavra e
imagem iniciam seus encontros, quais suportes usados e sua exploração, quais as influências
dos movimentos artísticos e como isso refletiu nas representações artísticas.

A contemporaneidade é marcada por uma grande proliferação de imagens nas mídias e no


cotidiano, mas como é feita esta leitura? Acredita-se na importância do olhar crítico em
relação à visualidade, por isso a relevância deste estudo, que pensa sobre a imagem e sua
relação com o verbal, levantando questões tão contemporâneas como a grande quantidade de
imagens que recebemos no dia-a-dia, constatando que é preciso um olhar apurado sobre elas.

O que se consegue elaborar em termos de conhecimentos nessas relações? Após a leitura dos
autores, análise dos Livros de Artista, conversas e entrevistas com a artista Edith Derdyk,
buscou-se um entendimento sobre os diálogos entre a palavra e a imagem, suas relações,
encontros e desencontros. Esta pesquisa finaliza com um relato de experiência realizado com
alunos do ensino médio na construção do livro de artista.

PALAVRAS CHAVE: arte, palavra, imagem, poesia visual, livro de artista

ÁREA DA CAPES: 80301029 / 80302009

8
ABSTRACT
The goal of this research is to find possible dialogues between word and image within visual
poetry, art and design. The proposal is to interweave word and image within these languages,
seeking agreements and disagreements, using as a thread for these reflections the production
of artistsʼ books made by Mira Schendel, Lygia Pape, Edith Derdyk and by visual poet
Ronaldo Azeredo, who investigated verbal and visual relationship through different
possibilities of representation, creating representative works with great artistic, aesthetic and
cultural value.

The idea is to outline the evolutions of these languages from their beginnings to the present
day, narrating their dialogue and looking back on the origins of these relationships,
researching where word and image started to merge, what media were used and how they
were used. This paper also reflects on the influence of the avant-garde and how these
movements are expressed in the artistsʼ books.

The contemporary world is marked by a proliferation of images in the media and in everyday
life, but how is this reading done? The critical eye toward the visual is seen today as highly
important. This accounts for the relevance of this study, which proposes to think about the
image and its relationship with the word, raise contemporary issues such as the large amount
of images we receive from day to day and corroborate the idea that you must have a sharp eye
on them.

What knowledge can we draw from these relationships? After reading authors, analyzing
artistsʼ books, interviewing the artist Edith Derdyk, we looked for an understanding of the
dialogue between word and image, their relations, agreements and disagreements. This
research concludes with an annexe that describes the experience undertaken with high school
students during the creation of artistsʼ books.

KEY WORDS: art, word, image, visual poetry, artist book

9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Lewis Carroll, The mouse’s tale, 1865. 40
Fonte: http://www.giadacoppi.com/teaching-calligrams.html

Figura 2: Blake, Songs of Innocence and of Experience, 1789. 41


Fonte: http://www.oxonianreview.org/wp/more-than-a-world-of-imagination-and-vision/

Figura 3: Morris, Obras de Geoffrey Chaucer, 1896-98. 42


Fonte: Livro, uma história viva, 2011, p. 190.

Figura 4: Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, 1897. 43


Fonte: http://37signals.com/svn/posts/576-stphane-mallarm-a-painters-poet

Figura 5: Leonardo Da Vinci, caderno, 1510. 44


Fonte: http://qga.com.br/arte-cultura/2014/04/o-caderno-de-anotacoes-de-leonardo-da-vinci

Figura 6: Max Jacob e Pablo Picasso, Saint Matorel, 1911. 45


Fonte: http://books.simsreed.com/artists_illustrated_books/dada_surrealism.php?category
=dada&stk=40544

Figura 7: Goya, Os Caprichos, 1799. 45


Fonte: http://books.simsreed.com/catalogues.php?catalog=list06a&stk=43496&catNo=14

Figura 8: Gauguin, Noa Noa, 1894. 46


Fonte: http://arthistorynewsreport.blogspot.com.br/2013/08/gauguin-in-new-york-collections
-lure-of.html

Figura 9: Matisse, Jazz, 1947. 46


Fonte: http://yourartshop-noldenh.com/henri-matisse-malerei-als-sinnliches-vergnugen/

Figura 10: Marinetti, Zang Tumb Tumb, 1914. 48


Fonte: http://zangtumbtumb.com/

Figura 11: Soffici, BIF & ZF + 18, 1915. 48


Fonte: http://www.barbadillo.it/37189-cultura-ardengo-soffici-poesia-mediterranea-fra
-futurismo-e-classicismo/

Figura 12: Picasso, Copo e garrafa de Suze, 1912. 49


Fonte: http://www.germinaliteratura.com.br/2010/artes_jose_aloise_bahia_distorcao_jun10.htm

Figura 13: Fortunato Depero, Depero futurista, 1927. 50


Fonte: http://www.colophon.com/gallery/futurism/1.html

Figura 14: D’Albisola, Palavras em liberdade futurista, 1932. 50


Fonte: http://www.stedelijkmuseum.nl/en/artwork/8312-parole-in-liberta-futuriste-olfattive
-tattile-termiche/

Figura 15: D’Albisola, L´Anguria Lirica, 1932. 51


Fonte: www.tulliodalbisola.it/tullio_futurista/

Figura 16: Munari, Libro illeggibile MN1, design concebido em 1949 e impresso em 1984. 51
Fonte: http://www.design-is-fine.org/post/76418633863/bruno-munari-illegible-book-four
-inches-square

Figura 17: El Lissitzky, História suprematista de dois quadrados, 1922. 53


Fonte: http://gramatologia.blogspot.com/2008/03/el-lissitsky.html

Figura 18: El Lissitzky, Para a voz, 1923. 53


Fonte: Livro, uma história viva, 2011, p. 192.

10
Figura 19: Die Scheuche, 1925. 55
Fonte: http://beinecke.library.yale.edu/exhibitions/power-pictures/pictures-and-words
-illustrated-stories

Figura 20: Hausmann, poema optofonético, 1918. 56


Fonte: http://www.merzmail.net/fonetica.

Figura 21: Apollinaire, Poemas da Paz e da Guerra, 1913-1916. 57


Fonte: http://chikasdepixel.wordpress.com/2008/10/04/caligramas/

Figura 22: Schwitters, A catedral, 1920. 58


Fonte: http://www.moma.org/

Figura 23: Bayer, fonte Universal. 60


Fonte: http://www.tipografos.net/bauhaus/alfabetos-elementares.html

Figura 24: Moholy-Nagy, capa do livro Staatliches Bauhaus in Weimar. 60


Fonte: http://monoskop.org/Bauhaus

Figura 25: Max Ernst, Uma semana de bondade, 1934. 62


Fonte: http://www.nga.gov/content/ngaweb/ Collection/photographs/frederick-sommer/
found-objects-and-late-collages.html

Figura 26: Breton, poema-objeto, 1937. 63


Fonte: http://www.archivosurrealista.com.ar/Objetos7b.html

Figura 27: Duchamp, boîte-en-valise The green box, 1934. 64


Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/2002.42a-vvvv/

Figura 28: Bibliothèque de Cobra. 65


Fonte: http://antiques.gift/artistes-libres-premiere-serie-du-bibliotheque-de-cobra_1409978.html

Figura 29: Isidore Isou, Réseau centré M67, 1961. 65


Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora).

Figura 30: Caixa Fluxus (Flux Year Box), 1970. 66


Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora).

Figura 31: Ruscha, Twentysix gasoline stations, 1962. 67


Fonte: http://eddierussia.tumblr.com/post/129520751923/ed-ruscha-twentysix-gasoline-stations-1963

Figura 32: Feuilles de Route, 1924. 70


Fonte: exposição do Museé National d'art Moderne, Centro Georges Pompidou, 2015 (foto da autora).

Figura 33: Livro Pau-Brasil, 1925. 71


Fonte: http://www.acervosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/

Figura 34: Prosa do transiberiano, 1913. 72


Fonte: http://mademoisellebagatelles.com/la-prose-du-transsiberien/

Figura 35: João Cabral, Pregão Turístico no Recife, 1955. 73


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada /2014/09/1515163-livro-mapeia-trajetoria
-da-editora-artesanal-o-grafico-amador.shtml

Figura 36: Aniki Bobó, 1958. 74


Fonte: A Herança do Olhar, 2003, p. 104.

Figura 37: Magalhães, Improvisação gráfica, 1958. 74


Fonte: https://aloisiomagalhaesbr.wordpress.com/historia-editorial/improvisacao-grafica/

11
Figura 38: Max Bill, Unidade Tripartida, 1951. 75
Fonte: http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/internacional/bienal02.html

Figura 39: Geraldo de Barros, Movimento contra movimento, 1952. 77


Fonte: livro Grupo Ruptura, 2002, p. 24.

Figura 40: Sacilotto, Vibrações verticais, 1952. 77


Fonte: livro Grupo Ruptura, 2002, p. 47.

Figura 41: Dias Pino, A Ave, 1956. 80


Fonte: http://www.enciclopediavisual.com/

Figura 42: Dias Pino, Solida, 1956. 81


Fonte: http://www.enciclopediavisual.com/

Figura 43: Objetos, 1969. 82


Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora).

Figura 44: Poemóbiles, 1974. 82


Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora).

Figura 45: Caixa preta, 1975. 84


Fonte: exposição Julio Plaza, MAC-USP, 2013 (foto da autora).

Figura 46: Reduchamp, 1976. 84


Fonte: exposição Tendências do Livro de Artista no Brasil: 30 anos depois, 2016 (foto da autora).

Figura 47: Gullar, O formigueiro, 1956. 86


Fonte: www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/ferreira_gullar2_formigueiiro.html

Figura 48: Pignatari, LIFE, 1957. 87


Fonte: www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/decio_pignatari_2.html

Figura 49: Clark, Livro-obra, 1964. 93


Fonte: exposição Aberto Fechado/Pinacoteca, 2012 (foto da autora).

Figura 50: Collares, Gibis, 1970-72. 94


Fonte: http://cadernosafetivos.blogspot.com/

Figura 51: Bruscky, Livroobjetojogo, 1993. 94


Fonte: Galeria Nara Roesler (foto da autora)

Figura 52: Waltercio Caldas, Momento de fronteira, 1999. 95


Fonte: http://www.walterciocaldas.com.br/

Figura 53: Barrio, Livro de carne, 1977. 96


Fonte: http://cadernosafetivos.blogspot.com.br/ 2008/12/artur-barrio-e-suas-pginas-de-carne.html

Figura 54: Amelia Toledo, Rosa Contemporânea, 1965. 97


Fonte: http://www.pinacoteca.org.br/

Figura 55: Schendel, Cadernos, s/d. 97


Fonte: http://gramatologia.blogspot.com.br/2008/09/mira-schendel.html

Figura 56: Geiger, Novo atlas I, 1977. 98


Fonte: http://intervencao-urbana.blogspot.com.br/2010_08_01_archive.html

Figura 57: Silveira, Wild book, 1997. 98


Fonte: http://adriartessempre.blogspot.com.br/2014/02/a-arte-de-regina-silveira.html

12
Figura 58: Alexandre Vilas Boas, Livro de tempo, verdades provisórias, 2014. 99
Fonte: exposição Livraria de artistas, 2014 (foto da autora).

Figura 59: Beatriz Milhazes, Meu Bem, 2008. 100


Fonte: exposição A tara por livros ou a tara de papel, 2014 (foto da autora).

Figura 60: Nuno Ramos, Caldas Aulete – para Nelson 3 (2006). 100
Fonte: exposição A tara por livros ou a tara de papel, 2014 (foto da autora).

Figura 61: Luise Weiss, Cadernos, s/d. 101


Fonte: http://casacontemporanea370.blogspot.com.br/2014/04/livro-de-artista-pesquisa-producao-e.html.

Figura 62: Rosa Esteves, A casa da minha tia, 2013-14. 101


Fonte: exposição Livro de artista: produção, pesquisa e reflexão, 2014 (foto da autora).

Figura 63: Marilá Dardot, Cumulus, 2008. 102


Fonte: exposição Aberto e Fechado: caixa e livro na arte brasileira, 2012 (foto da autora).

Figura 64: Fábio Morais. Romance para ser lido sob a chuva, 2008/2011. Livro cortado. 102
Fonte: http://www.museusegall.org.br/mlsItem.asp?sSume=20&sItem=380

Figura 65: Lucia Mindlin Loeb, sem título, 2000. Folhas de madeira e encadernação manual. 102
Fonte: exposição Aberto e Fechado: caixa e livro na arte brasileira, 2012 (foto da autora).

Figura 66: Marilá Dardot, O livro de areia, 1998. 103


Fonte: exposição realizada na SP Arte, 2013 (foto da autora).

Figura 67: Hilal Sami Hilal, Cobre e corrosão, 2004. 104


Fonte: http://www.azf.com.br/mdoc/fake/f_7.html

Figura 68: Hilal Sami Hilal. Livro Prego (corrosões sobre o cobre), 2012. 104
Fonte: http://www.galeriaclima.com.br/portu/comercio.asp?flg_Lingua=1&cod_Artist a=93&cod_Serie=49

Figura 69: Marilá Dardot. Instalação Avant et après la lettre, França, 2011. 107-8
Fonte: http://www.mariladardot.com

Figura 70: Hilal Sami Hilal. Sherazade, 2014. 108


Fonte: http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Fotos/Galeria.aspx?photID=989

Figura 71: Schendel, s/ título (série Bombas), 1965. Nanquim sobre papel. 121
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2450/mira-schendel

Figura 72: Schendel, O retorno de Achilles I, 1964. Óleo sobre tela. 122
Fonte: catálogo da exposição Mira Schendel, pintora, 2009, p. 51.

Figura 73: Schendel, s/ título (Monotipias), 1965. Óleo sobre papel arroz. 124
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2450/mira-schendel

Figura 74: Schendel, Datiloscritos, 1973/1974. Técnica mista sobre cartão. 125
Fonte: http://studionobrega.com/Collection

Figura 75: Schendel, s/ título, série Toquinhos, 1972. 126


Fonte: catálogo da exposição Mira Schendel, avesso do avesso, 2011, p. 20.

Figura 76: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1969. 128


Fonte: Livro Leon Ferrari e Mira Schendel: o alfabeto enfurecido, 2010, p. 120.

Figura 77: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1972. 128


Fonte: Livro Leon Ferrari e Mira Schendel: o alfabeto enfurecido, 2010, p. 133.

13
Figura 78: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal. 130
Fonte: exposição Aberto fechado, caixa e livro na arte brasileira. Pinacoteca SP, 2012.

Figura 79: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1970. 131


Fonte: http://www.theupcoming.co.uk/2013/09/25/mira-schendel-at-tate-modern
-exhibition-review/mira-schendel_20/

Figura 80: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Papel recortado. 131
Fonte: exposição Aberto fechado, caixa e livro na arte brasileira. Pinacoteca SP, 2012.

Figura 81: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal. 132
Fonte: exposição Mira Schendel. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2014.

Figura 82: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. 132


Fonte: http://www.artnet.de/k%C3%BCnstler/mira-schendel/auktionsresultate

Figura 83: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset e técnica mista sobre papel. 133
Fonte: http://www.frieze.com/issue/review/mira-schendel/

Figura 84: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. 133


Fonte: http://www.bolsadearte.com/public/2011/realizados/maio_2010_design/138.htm

Figura 85: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset sobre papel. 134
Fonte: http://www.artnet.de/kunstler/mira-schendel/auktionsresultate

Figura 86: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset sobre papel. 135
Fonte: http://www.minusspace.com/2009/06/mira-schendel-stephen-friedman-gallery
-london-united-kingdom/

Figura 87: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset e grafite sobre papel. 135
Fonte: exposição Mira Schendel. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2014.

Figura 88: Amor, poema de Oswald de Andrade, 1927. 139


Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 17.

Figura 89: Azeredo, mínimo múltiplo comum: a (cartaz), 1956. 142


Fonte: http://www.aguavaga.com/ronaldoazeredo/obras

Figura 90: capas das revistas Noigandres 3; Noigandres 4 e Antologia Noigandres 5. 143
Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 24, 30 e 36.

Figura 91: Fiaminghi, Círculos concêntricos e alternado, 1956. Esmalte sobre eucatex. 143
Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8784/hermelindo-fiaminghi

Figura 92: Azeredo, poema ruasol, 1957. 145


Fonte: livro Grupo Noigandres, 2002, p. 63.

Figura 93: Azeredo, poema velocidade, 1957. 145


Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 241.

Figura 94: Volpi, Composição Concreta, Ampulheta, 1960. 146


Fonte: http://entretenimento.uol.com.br/album/volpi_musicacor_album.jhtm

Figura 95: Azeredo, o sonho e o escravo, 1966. 147


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 96: Azeredo, poema labor torpor, 1964. 148


Fonte: livro Teoria da Poesia Concreta, 2006, p. 231.

14
Figura 97: Augusto de Campos, olho por olho, 1964. 149
Fonte: livro Poesia Concreta: o projeto verbivocovisual, 2008, p. 54.

Figura 98: Azeredo, Mulher de pérolas, 1971. 150


Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html

Figura 99: Azeredo, livro s/ título, referido como poema da célula, 1972. 151
Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 100: Azeredo, Automação x paisagem, 1973. 151


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 101: Azeredo, prancha de pensamento impresso, 1974. 152


Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html

Figura 102: Azeredo, Panagens, 1975. 152


Fonte: foto da exposição Ronaldo Azeredo, na Casa das Rosas, 2013.

Figura 103: Azeredo, Labirintexto, 1976. Poema-cartaz. 153


Fonte: www.poesiaconcreta.com/poema/labirintexto.html

Figura 104: Azeredo, Armar, 1977. 154


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 105: Azeredo, Céu mar, 1978. 155


Fonte: www.poesiaconcreta.com/poema/ceumar.html

Figura 106: Duchamp, Étant donnés, 1946-66. 156


Fonte: http://www.toutfait.com/issues/issue_3/Articles/Hoy/etantdon_en.html

Figura 107: Azeredo, casa de boneca, 1980. 156


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 108: Azeredo, Enquanto durou, 1984. 157


Fonte: http://www.erratica.com.br/opus/71/roland.html

Figura 109: Azeredo, 1991. Texto explicativo que acompanha a obra noitenoitenoite. 158
Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 110: Azeredo, noitenoitenoite, 1991. Obra em alumínio anodizado. 159


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 111: Azeredo, lá bis os dois, 2002. 161


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 112: Azeredo, lá bis os dois, 2002. 162


Fonte: exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013 (foto da autora).

Figura 113: Jogos Vectorais: Pintura em vermelho e preto, 1954-1956. 168


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 114: Jogos Matemáticos: Relevo em vermelho e azul, 1955-1956. 169


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 115: Série Tecelares, 1956. 169


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço imantado, 2012, p. 127.

Figura 116: Série Tecelares, 1957. 170


Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa950/lygia-pape

15
Figura 117: Lygia Clark, Plano em superfícies moduladas nº 2, 1956. 172
Fonte: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo3/frente/clark/obra.html

Figura 118: Lygia Clark, série Bichos, 1959. 172


Fonte: http://portfolioinfoco.blogspot.com.br/

Figura 119: Hélio Oiticica: relevos Espaciais, 1959. 173


Fonte: https://www.mercadoarte.com.br

Figura 120: Ballet Neoconcreto I, 1958. 173


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 121: Poema luz Em vão, 1956-1957. 176


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 122: Poema luz Sono, 1956-1957. 176


Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 195.

Figura 123: Poema objeto Em vão, 1957. 177


Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 197.

Figura 124: Poema objeto, 1957. Papel cartão e texto. 178


Fonte: Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 201.

Figura 125: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto. 179


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 203.

Figura 126: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto. 179


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 202.

Figura 127: Caixa das Baratas, 1967. 180


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 128: Caixa das Formigas, 1967. 181


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 129: Poema visual: Caixa Brasil, 1968. 182


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 130: Poema visual, 1997. 182


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 131: Páginas do Livro da criação. 1959-1960. 184


Fonte: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

Figura 132: Livro da criação: Fogo. 1959-1960. Guache sobre cartão. 186
Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 133: Livro da criação: As águas foram baixando e O homem começou a marcar o tempo. 187
Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 225.

Figura 134: Grego, 1959-1960. 188


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 232.

Figura 135: Gótico, 1959-1960. 188


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 234.

Figura 136: Oásis, 1959-1960. 188


Fonte: livro Lygia Pape: Espaço Imantado, 2012, p. 230.

16
Figura 137: Lance livre de concreto, 1959-1960. 189
Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 138: Livro do tempo, 1961. Têmpera sobre madeira. 189


Fonte: http://www.criticismism.com/

Figura 139: Livro da luz, 1963-1976. Têmpera sobre madeira. 190


Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 140: Livro dos caminhos, 1963-1976. Madeira, têmpera e óleo. 190
Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 141: Livro das Nuvens, 1983. 191


Fonte: http://www.lygiapape.org.br

Figura 142: Instalação Livros: Esferas, Sempre, Luz e Silencioso, 2001. 191
Fonte: http://www.lygiapape.org.br/

Figura 143: Caderno de desenho, 1981. 198


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 144: Ibiscos e rabiscos, Edições Terra à vista, 1982. 198


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 145: Linha de costura, Editora Iluminuras, 1997. 199


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 146: Vão, Edições A, 1999. Impressão digital. Tiragem: 100 exemplares. 200
Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 147: O que fica do que escapa, Edições A, 2001. 201


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 148: Rasuras, Edições A, 2002. Impressão digital - Takano. Bolsa Vitae. Tiragem única. 202
Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 149: Fiação, Edições A, 2004. 203


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 150: Fresta, Edições A, 2004. 204


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 151: Livro Cego, 2007. 205


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 152: Trilhos, Edições A, 2007. Tiragem única. 205-6


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 153: Desenhos, Edições A, 2007. Impressão Gráfica Águia - offset. 206
Fonte: fotos tiradas pela pesquisadora.

Figura 154: Se o mar inteiro sob o leito de um rio, 2008. 207


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 155: Em deslize, Edições A, 2010. 208


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 156: Quadrante, Edições A., 2011. 209


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

17
Figura 157: Avesso, Edições Tijuana, 2012. 210
Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 158: Atilho. Edições A, 2013. 211


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista. Foto: Katia Kuwabara.

Figura 159: Metragem, Edições A, 2013. 211


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista. Foto: Ruth Alvarez.

Figura 160: Cifrado, Edições A, 2014. Impressão offset - gráfica Águia. 212
Fonte: fotos tiradas pela pesquisadora.

Figura 161: Binário, Edições Tijuana, 2014. 213


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 162: exposição Ângulos, 2004. Galeria Marília Razuk, São Paulo. 215
Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 163: exposição Onda Seca, 2007. Pinacoteca do Estado de São Paulo. 216
Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 164: exposição Dia Um, 2010. Galeria Virgílio. 216


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 165: Metragem, 2011. Sesc Bom Retiro, exposição Lições da linha. 217
Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 166: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014. 218


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 167: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014. 218


Fonte: http://www.oficinasculturais.org.br

Figura 168: Cópia: Dia um, Edições A., 2010. Tiragem: 50 exemplares. 220
Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 169: Notações Coreográficas, 2012. 221


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 170: Tábula, 2012. 222


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 171: Arcada, 2013. 223


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 172: Tábula, 2013. 224


Fonte: http://www.edithderdyk.com.br/

Figura 173: Tábula, 2015. Livro contemplado pelo Edital Proac em parceria com Edições Ikrek. 225
Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

Figura 174: Tábula, 2015. 226


Fonte: http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista

18
SUMÁRIO

RESUMO 8
ABSTRACT 9
INTRODUÇÃO 20

CAPÍTULO 1: Caminhar do Livro de artista 30


1.1 Desvelando esta arte 31
1.2 Vanguardas artísticas 39
1.3 Manifestações no Brasil 69
1.4 Experimentações 90

CAPÍTULO 2: Conversas iniciais, quando a palavra vira imagem 109


2.1 Sobre palavras e imagens 110
2.2 Mira Schendel e o universo das palavras 117
2.3 Cadernos: narrativas visuais 130

CAPÍTULO 3: A imagem da palavra 137


3.1 Poeta inventor: Ronaldo Azeredo 138
3.2 Experimentações visuais 150
3.3 Lá bis os dois 161

CAPÍTULO 4: Caixas de poesias de Lygia Pape 165


4.1 Abrindo as caixas 166
4.2 Palavra e imagem 175
4.3 Poemas visuais 180
4.4 Livros 183

CAPÍTULO 5: Amarrando linhas com Edith Derdyk 193


5.1 Desfolhando a artista 195
5.2 Livros experimentais 198
5.3 Costurando o espaço 214
5.4 Tábula: alinhavando escrituras 219

CONSIDERAÇÕES FINAIS 227

BIBLIOGRAFIA 233

ANEXO
Brincando com o livro de artista 239

19
INTRODUÇÃO

20
Cada palavra potencialmente é uma imagem e cada imagem
potencialmente é uma palavra [...] Toda imagem sobrevive na
palavra de outro que fala dessa imagem e toda a palavra
sobrevive na imagem que essa palavra potencialmente
constrói.

Luiz Pérez-Oramas1

O processo é lento, gradual


A narrativa começa a nascer
As palavras nem sempre fluem
Dúvidas e caminhos a seguir
Corte, recorte
Palavras, letras, livros
Imagens se misturam às palavras
Livro... de artista?
Cores e formas entrelaçadas
A linha quer nascer, a forma quer crescer
Busco nas nuvens de Pape um significado às minhas dúvidas
As caixas de Duchamp me fascinam
Abre, fecha, abre
Beleza, forma, arte
Escritas e pensamentos
Letras, imagens
Palavras que não saem
Cadê minhas imagens?
Mira Schendel me inspira em suas constelações
E pensar que tudo começou com Azeredo...

A relação palavra e imagem sempre foi presença marcante em minha vida, seja
profissionalmente ou artisticamente. No mestrado pesquisei esse tema dentro do recorte da
literatura infantil, explorando os diálogos entre a ilustração e o texto. Trabalhei a leitura de
ilustração e sua relação com o verbal, que se encontra nos títulos, nas expressões, na narrativa

1
PÉREZ-ORAMAS, Luis. Falar imagens. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8alRYmRm0M8.
Acesso em: 15 out. 2011.

21
da história. A vontade de continuar estudando esse assunto me levou a uma nova pesquisa,
com mais abrangência, abrindo novas janelas de conhecimento.

Desvelar pontos de encontro entre palavra e imagem dentro das Artes, Poesia e Design é o
objetivo desta pesquisa. Onde palavra e imagem iniciam seus encontros? Pretendo retomar as
origens dessas relações, sendo o Livro de Artista uma das vertentes desse estudo, um fio
condutor dessas reflexões. Quais suportes usados e sua exploração, quais as influências dos
movimentos artísticos e como isso refletiu nas representações artísticas são alguns dos meus
questionamentos iniciais. Artes, Poesia e Design se intercambiam principalmente dentro das
explosões de experimentações dos movimentos que surgiram no início do século XX.

Na verdade, as fronteiras entre essas linguagens foram sendo diluídas com o tempo. Marshall
Berman (1986: 26) afirma que artistas, escritores, compositores, dançarinos, cineastas
deveriam “romper os limites de suas especializações e trabalhar juntos em produções e
performances interdisciplinares, que poderiam criar formas de arte mais ricas e polivalentes”.
Para Bauman (2001: 7), a fluidez sofre uma constante mudança da forma quando submetida a
uma determinada tensão. Fronteiras líquidas, que não mantêm sua forma com facilidade, não
fixam o espaço e nem prendem o tempo.

“Fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam, borrifam, pingam”


(Bauman, 2001: 8); não são facilmente contidas, contornam certos obstáculos, dissolvem
outros e invadem ou inundam seu caminho.

Essa é a metáfora que escolhi para representar essa mistura de fronteiras, onde uma linguagem
interfere na outra, usando os códigos uma da outra o tempo todo, ocorrendo assim a
flexibilização, fluidez crescente, derretimento, rompimento de limites. A poesia, além das
palavras, usa códigos visuais em suas representações, assim como a arte. O design usa e
formata a escrita e a imagem, dispondo do verbal e visual no espaço gráfico, retirando
recursos das mídias e das artes. Por fim, as artes retiram recursos da escrita, como palavras e
letras, em que temos a artista Mira Schendel como exemplo dessa forma de expressão. A
revolução industrial permitiu que essas linguagens se aproximassem, havendo uma
transgressão dos meios.

22
Hoje somos submetidos diariamente a grande quantidade de imagens vindas das mídias, como
televisão, videogame, meios eletrônicos, revistas, livros, cartazes; logo, a capacidade de ler
imagens é indispensável para a formação de pessoas atuantes. Discutir o verbal e o visual nos
permite a construção de um olhar mais sensível para a nossa realidade, gerando pessoas
críticas e participativas de todo o universo icônico que nos cerca. Ou seja, melhores leitores e
apreciadores das artes visuais e da visualidade em nosso entorno.

Ler imagem é diferente de enxergar, é um processo de análise e reflexão, uma das faculdades
do pensar. Dondis (1997: 227) discute essa questão em Sintaxe da linguagem visual e elabora
a ideia de alfabetismo visual:

Alfabetismo visual implica compreensão e meios de ver e compartilhar o


significado a um certo nível de universalidade. Uma pessoa letrada pode ser
definida como aquela capaz de ler e escrever, mas essa definição pode
ampliar-se, passando a indicar uma pessoa instruída. No caso do alfabetismo
visual também se pode fazer a mesma ampliação de significado. Além de
oferecer um corpo de informações e experiências compartilhadas, o
alfabetismo visual traz em si a promessa de uma compreensão culta dessas
informações e experiências. Quando nos damos conta dos inúmeros conceitos
necessários para a conquista do alfabetismo visual, a complexidade da tarefa
se torna muito evidente.

Alfabetismo significa participação e, transforma todos que o alcançam, em observadores


menos passivos. Alfabetismo visual quer dizer inteligência visual e, maior inteligência visual
nos leva a uma melhor compreensão de todos os significados assumidos pelas formas visuais;
aumentando a inteligência humana e ampliando o espírito criativo.

Acredito na importância do olhar crítico em relação à visualidade, por isso a relevância desse
estudo. Devemos pensar sobre a imagem e sua relação com o verbal, levantando questões tão
contemporâneas como a grande quantidade de imagens que recebemos no dia-a-dia e a
constatação que precisamos ter um olhar apurado sobre elas, por isso a necessidade de ver o
mundo com um novo olhar. Ao fazer o entrelaçamento entre Artes, Poesia e Design, discuto a
questão da visualidade hoje.

A paixão pelo livro me guiou na escolha desse tema. O primeiro contato começa com o olhar,
que pouco a pouco desvenda cada detalhe desse objeto: capa, cores, disposição do título,
imagens escolhidas. Também me atrai os recursos de impressão, texturas e suas infinitas
possibilidades de combinações. Depois vem o formato, fontes eleitas, papel, projeto gráfico.
23
Uma nova descoberta e surpresa ao folhear o material, o toque para, finalmente absorver as
informações e propostas.

O livro, para mim, é um objeto de desejo. A presença da palavra e da imagem, seja no livro,
na arte ou na poesia, reflete muito das minhas escolhas de vida: amor pela arte e pelo design.
O diálogo entre essas linguagens leva-me a repensar seus desdobramentos no decorrer da
história da arte até os dias de hoje. Admirar o design trabalhado em cada obra me fascina.
Devido a essa paixão e curiosidade, surgiu a vontade desta pesquisa.

Pretendo explorar os seguintes entrelaçamentos: a palavra nas artes plásticas, como os artistas
usaram esses recursos, a imagem na literatura, o design gráfico como arte, a literatura e o
design gráfico, a poesia visual e o concretismo, e finalmente, o Livro de Artista. Qual é o
diálogo entre palavra e imagem que poderei encontrar no Livro de Artista? Como ocorre? As
barreiras entre as linguagens (arte, poesia e design) são de fato líquidas? Dentro desse
diálogo, como cada artista ou poeta trabalhou essa relação? Quais semelhanças ou diferenças
foram encontradas em suas produções de Livros de Artista?

A relação verbal e visual existe há muito tempo. A imagem é uma das expressões mais
antigas do homem, e seria interessante pensar nas pinturas rupestres como narrativas visuais
onde os homens transmitiam mensagens. Desenhando, eles se comunicavam, construíam uma
narrativa do seu cotidiano, expressando seus medos e desejos. Com o uso de tábuas de argila,
papiros, pergaminhos, o homem traça sinais variados. Desde os primórdios da escrita (que
hoje conhecemos) palavra e imagem interagem. No Egito, temos os Livros dos Mortos, que
eram ilustrados com cenas muito vivas, acompanhando o texto com singular eficácia. Na
Idade Média, no início do século XIV, a iconografia bíblica foi reunida em forma de livro, os
manuscritos; e o diálogo entre o verbal e o visual começa a se fazer presente com as
iluminuras. Artistas e gravadores passam a representar imagens em pergaminho e papel. A
linguagem escrita era privilégio de uma casta monárquica e religiosa, para a grande massa só
existia a linguagem oral. Livros de imagens tornaram-se populares e ficaram conhecidos
como “Bibliae pauperum, ou Bíblia dos pobres” (Manguel, 1997: 123), eram grandes livros
de figuras e ficavam abertas sobre um suporte para expor imagens aos fiéis.

A Bíblia foi o primeiro livro impresso, em 1450, graças à invenção da tipografia (método de
impressão por tipos móveis) por Johannes Gutenberg em Mainz, na Alemanha (Fischer, 2006:

24
188). Importante ressaltar que os chineses já haviam usado, vários séculos antes, o tipo móvel
na impressão. Os livros tinham letra irregular, ausência de paginação ou assinatura, imitando
o manuscrito; a partir de 1500, com o aperfeiçoamento da impressão, o livro vai se
modificando, possibilitando tiragens e divulgação maiores e mais rápidas. O desenvolvimento
da indústria do livro permitiu a expansão da escrita.

Durante o século XX, pode-se constatar um forte diálogo entre as artes visuais e a literatura,
ocorrendo a diluição dos limites, provocando a aproximação entre essas linguagens. Nas
colagens cubistas, artistas se apropriam de fragmentos de textos e palavras em suas obras, os
poetas começaram a se conscientizar da visualidade da escrita e do espaço da página.

Como exemplo dessa integração entre palavra e imagem, tem-se os Livros de Artista, em que
antigas formas de expressão foram retomadas com novos contornos. Obras que rompem as
fronteiras atribuídas aos livros de leitura e se assumem como objetos de arte, representando
uma nova linguagem, entre o linear e o visual, entre a literatura e as artes. No Livro de
Artista, os conhecimentos extrapolaram a leitura textual e foram potencializados com imagens
e vice-versa. O design gráfico mostrou-se como campo de ação importante no sentido de abrir
caminho para outras interações, não apenas da leitura verbal.

Ao estudar os precursores do Livro de Artista, a relação entre Arte, Design e Poesia é bem
nítida. Segundo Drucker (2012: 21), o Livro de Artista não surgiu de maneira linear, havendo
pontos simultâneos de origem, pode-se localizar seus primórdios nas vanguardas artísticas do
início do século XX: quando artistas desses movimentos fizeram diversas experimentações
entrelaçando palavra e imagem. No Brasil, as experiências dos poetas e artistas visuais no
período Concreto (1950 a 1960), são apontadas como o início de uma preocupação com o
verbal e sua relação com a estrutura visual, havendo o uso de signos gráficos na poesia. Em
1952 ocorre a formação do Grupo Noigandres, com Décio Pignatari e Augusto e Haroldo de
Campos (São Paulo). Poetas se ligam a outras linguagens como as artes plásticas e a música.
Das atividades desse grupo emergiu o movimento Poesia Concreta.

Na Poesia Concreta são trabalhados os aspectos formais e sonoros das palavras. Há uma nova
sintaxe-visual do texto. Os poetas concretos desenvolveram experiências que se desdobraram
em muitas pesquisas relacionadas ao campo das artes gráficas. Desenvolveram seus próprios
livros-objeto, como Poemóbiles e Caixa Preta de Augusto de Campos e Julio Plaza. Os

25
poetas concretos estavam mais para “designers de linguagem” do que para escritores
(Campos, 1974: 137). Baseando-se nos princípios de relação, justaposição, correlação, escrita
ideogrâmica, na Poesia Concreta trabalha-se os elementos gráficos; explorando os fatores
gestálticos de proximidade e semelhança visual. Essas experiências foram precedidas por
Wlademir Dias Pino e a criação do livro-poema A Ave (1956), cuja poética propunha a
simultaneidade do visual e verbal e, obteve importância pela participação dada ao fruidor para
a obra se completar. Conforme manipulava suas páginas e camadas de códigos, determinava o
ritmo da leitura, possibilitando uma experiência poética cinético-temporal.

Durante os anos 1970, dentro do universo do Concretismo, Neoconcretismo e


desdobramentos, ocorre uma explosão de Livros de Artista, havendo uma radicalização de
experimentações. Artistas se lançaram em múltiplas direções, explorando as mais diferentes
possibilidades de expressão. A produção rica, em que texto e imagem interagem de maneiras
diversas, provocando a dissolução das fronteiras entre poesia e artes, como no livro-poema
Oxigênesis (1977), de Villari Hermann, palavra e imagem estão em contexto único e
simultâneo.

Poesia visual, arte, tipografia, texto, imagem, design se intercambiam de uma maneira que
seus limites vão se esvaindo. As fronteiras de nomeações somem: arte ou poesia, livro-objeto
ou arte, design ou poesia? Palavra e imagem se entrelaçam, dialogando.

São vários os meus questionamentos, e minha intenção nessa pesquisa é descobrir algumas
respostas, fazer novos recortes e, quem sabe, propor novas questões para novas pesquisas. A
ideia é situar as descobertas feitas na pesquisa bibliográfica e na análise das obras em um
contexto mais profundo. Analisar mais a fundo, buscando resultados implícitos deixando,
assim, a pesquisa instigante para novos olhares, e questionamentos, não se encerrando nela,
abrindo janelas que ampliem mentes e pensamentos.

No capítulo 1, conceituo Livro de Artista partindo da leitura de diversos autores, entre eles
Ulises Carrión, Julio Plaza, Paulo Silveira, Johanna Drucker, Riva Castleman, Anne Moeglin-
Delcroix, Clive Phillpot, Annateresa Fabris, Márcio Doctors, Maria do Carmo de Freitas
Veneroso. Traço a contextualização histórica, explicitando quais os precursores dessa
modalidade e as influências que as vanguardas artísticas europeias exerceram nessa arte,
usando como suporte as obras de Rafael Cardoso (Uma introdução à história do Design) e

26
Richard Hollis (Design Gráfico: uma história concisa). Finalizo fazendo relações com a
Poesia e Arte Concreta no Brasil, assinalando seus desdobramentos e influências nos artistas
brasileiros, traçando diálogo entre palavra e imagem, usando o Livro de Artista como fio
condutor desse processo.

Dentro da Poesia Concreta, autores como Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos,
forneceram base para meus estudos. O livro Teoria da Poesia Concreta (2006) traz textos e
manifestos publicados entre 1950 e 1960, que prepararam e fomentaram o movimento da
Poesia Concreta. Entre os artigos, estão as influências que sofreram da Arte Concreta, seus
precursores (Mallarmé, Ezra Pound, James Joyce, e. e. Cummings, Apollinaire), referências
nacionais (João Cabral de Melo Neto e Oswald de Andrade) e internacionais, além dos
procedimentos empregados na construção poética pelos concretistas, sua nova linguagem e
visualidade; e os documentos em Arte concreta paulista (2002), de João Bandeira e Lenora de
Barros, fonte de referência desse movimento no Brasil e suas influências na Poesia Concreta.

Delimitei o tempo histórico da pesquisa trabalhando no início do século XX, época da eclosão
dos movimentos artísticos modernistas, em plena revolução industrial, quando houve grande
desenvolvimento dos recursos materiais, pesquisas, e que possibilitou o uso desses recursos
no design gráfico, artes e poesia visual. Meu recorte no Brasil se dá por volta dos anos 1950,
auge da Poesia Concreta, e quando poetas e artistas se unem para grandes experimentações
visuais, sonoras e da forma, explorando possibilidades de suporte e materiais. Essas
experimentações refletiram na arte e no design.

No capítulo 2, Conversas iniciais, quando a palavra vira imagem, começo traçando


considerações sobre palavra e imagem baseada na leitura de Lucia Santaella, Winfried Nöth,
Lucrécia D’Aléssio Ferrara, Anne-Marie Christin, Donis A. Dondis, Alberto Manguel, entre
outros, para definições e conceituações teóricas. Santaella e Nöth (2008: 53) situam a imagem
em relação ao texto e seu contexto. Material rico para meu objeto de pesquisa, os autores
afirmam que a relação entre a imagem e seu contexto verbal pode ser íntima e variada,
destacando que a imagem pode ilustrar um texto verbal ou o texto pode esclarecer a imagem
na forma de um comentário. O contexto mais importante da imagem é a linguagem verbal, no
entanto outras mídias podem modificar sua mensagem. Santaella e Nöth discorrem sobre a
relação verbal e visual, tópico importante dessa pesquisa, citando autores que abordaram o
tema de alguma forma, como C. S. Pierce e a semiótica, que apresentou variadas

27
classificações, fornecendo uma gama de ferramentas úteis para poder analisar e penetrar a
fundo nos signos. Exploram a relação palavra e imagem, indagando sobre os atributos
imagéticos na própria palavra, assim como o que a imagem tem em comum com a palavra.

Como corpus inicial da pesquisa, decidi trabalhar com os chamados Cadernos, livros de
artista da suíça radicada no Brasil, Mira Schendel, que pesquisou de diversas maneiras a
disposição das letras no espaço, explorando a visualidade de seu suporte. Trabalhou sua obra
centrada na linguagem como materialidade, e pensou a palavra como algo verbalmente
inteligível, transformando-a em imagem visível. Sendo sua produção muito vasta, realizo um
recorte em obras diretamente relacionada com o uso das palavras.

No capítulo 3, A imagem da palavra, abordo a produção de Ronaldo Azeredo, poeta visual


brasileiro aberto a experimentações. Integrante do grupo Noigandres, trabalhou com grande
variedade de suportes e técnicas em sua produção poética. Não se prendeu ao signo verbal,
estendendo os limites da poesia ao dialogar com a visualidade. A escolha por sua obra se deu
principalmente por esse diálogo entre palavra e imagem, forte característica que herdou da
Poesia Concreta, e por sua produção relacionada aos livros de artista, como os livros-poema.
Seguindo minha linha de pensamento e meus questionamentos, meu caminhar se dá sempre
na busca de entrelaçamentos entre palavra e imagem, construindo diálogo entre suas criações,
sem deixar de traçar relações entre Artes, Poesia e Design. Para essa conversa selecionei uma
de suas obras finais, o Livro de Artista Lá Bis os Dois.

Não posso deixar de fora dessa trajetória a obra de Lygia Pape, artista, designer, professora
universitária, poeta visual, e participante do movimento de Arte Concreta e Neoconcreta do
Brasil. Artista que se destacou no cenário da arte brasileira, seja devido ao grau de
experimentação atingido em sua produção ou pela constante mutação de suas obras; suas
experiências com os livros de artista, pensando espaço, espectador, poesia, palavra, acabam
fortalecendo minhas investigações e as relações entre palavra e imagem que surgem a partir
da narrativa visual dessas obras. No capítulo 4, Caixas de Poesia de Lygia Pape, busco a
relação entre palavra e imagem em suas produções de livros de artista, importantes obras
devido ao tratamento dado a essas criações; as páginas de seus livros se desdobram na
tridimensionalidade, ocorrendo leituras sem palavras e narrativas que se constroem a partir de
formas, páginas, objetos.

28
Continuo minhas costuras no capítulo 5: Amarrando linhas com Edith Derdyk, onde pesquiso
uma artista brasileira que trabalha com o Livro de Artista há muito tempo, pensando e
questionando essa mídia de diversas formas, sempre transitando entre os territórios da arte, da
palavra, da música e do design; sendo uma artista contemporânea com obras reconhecidas,
como os livros de artista que foram selecionados para fazer parte do acervo do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Derdyk produz, cria, risca, rabisca,
rascunha, escreve, tece, textualiza e assim nasce uma nova arte, um novo objeto, um novo
livro. Realizei um levantamento de sua produção de livros de artista, fazendo relação com sua
poética artística; fiz entrelaçamento entre palavra e imagem, pensando nas fronteiras e os
transbordamentos entre as linguagens e, observando o diálogo existente nos livros de artista.

Com a obra de Derdyk, busco um fechamento das linguagens, das conversas, dos livros, das
produções, finalizando com minhas considerações sobre essa caminhada. Como ocorreu o
diálogo entre palavra e imagem frente a diferentes produções feitas por um poeta ou por
artistas visuais? As fronteiras que questiono ainda existem? Diálogos que nem sempre
significaram concordância, resultando muitas vezes em diferenças entre as linguagens.

Fecho esta pesquisa com Brincando com o livro de artista, onde compartilho o relato de
experiência sobre a produção de livros de artista feita pelos alunos de 1º ano do ensino médio
da Escola Técnica Estadual São Paulo. Descrevo como foi feita a proposição, as temáticas
trabalhadas, as materialidades do suporte e relação entre esta produção e os livros de artista
estudados. Buscando demonstrar, com a aplicação prática da construção do livro de artista, o
entrelaçamento que ocorre entre Poesia, Arte e Design, mais uma vez, explicitando as
fronteiras líquidas entre essas linguagens.

29
CAPÍTULO 1: CAMINHAR DO LIVRO DE ARTISTA

30
1.1 Desvelando esta arte

O livro de artista contemporâneo […] é entendido


como um campo de atuação artística (uma categoria)
e, simultaneamente, como o produto desse campo, um
resultado específico das artes visuais.
Paulo Silveira2

Apenas recentemente, a partir do ano de 1980, é que o Livro de Artista começou a ser alvo de
uma investigação crítica por parte dos pesquisadores no Brasil. Começo citando o artigo
escrito por Julio Plaza O livro como forma de arte, publicado em duas partes na revista Arte
em São Paulo, em 1982, que trouxe as primeiras contribuições acerca dessa arte. Outros
registros encontrados foram os textos teóricos dos catálogos das mostras Tendências do Livro
de Artistas no Brasil, São Paulo, 1985, com curadoria de Annateresa Fabris e Cacilda
Teixeira da Costa; Livro-Objeto: a Fronteira dos Vazios, São Paulo, 1994, com curadoria de
Marcio Doctors; Ex Libris/Home Page, São Paulo, 1996, com curadoria de Giselle
Beiguelman e Sérgio Pizoli; Arte Livro Gaúcho: 1950-1983, Porto Alegre, 1983, com
curadoria de Vera Chaves. Assim como os textos do catálogo da mostra itinerante na Itália, de
1993, Brasil: sinais de arte, livros e vídeos 1950-1993, embora as experimentações feitas
pelos poetas concretos paulistas Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos juntamente
com Julio Plaza tenham ocorrido cedo, a partir do movimento construtivo no Brasil dos anos
1950, 1960, estendendo-se por 1970, promovendo um estreito vínculo entre poesia e artes
plásticas.

Importante destacar a publicação do livro A página violada: da ternura à injúria na


construção do livro de artista, de 2001, de Paulo Silveira, onde realizou um levantamento das
produções de livros de artista a partir de 1990, relacionando com seus predecessores, e fez
uma revisão da literatura disponível sobre o assunto, estabelecendo algumas categorias de
livro de artista. Os autores trabalhados por Silveira foram Riva Castleman, Johanna Drucker,
Anne Moeglin-Delcroix e Clive Phillpot, que possuem trabalhos considerados essenciais para
discutir conceitos de livros de artista, além da coletânea de ensaios e artigos Artists’ books: a
critical anthology and sourcebook, organizada por Joan Lyons em 1985.

2
Silveira, 2008: 21.

31
Castleman publicou A century of artists books (Um século de livros de artista), 1994, para a
exposição do mesmo nome que ocorreu no MOMA (Museu de Arte Moderna de Nova York),
da qual foi curadora-geral, com intenção de mostrar como a presença ou interferência do
artista visual conformou os modernos livros de artistas feitos na Europa e nos Estados Unidos,
durante um período de cem anos. De acordo com Castleman (apud Silveira, 2008: 36), livros
de artista são a “obra do artista cujo imaginário, mais do que estar submetido ao texto, supera-
o por traduzi-lo dentro de uma linguagem que tem mais significados do que as palavras
sozinhas podem transmitir”. Para a pesquisadora, a totalidade do objeto livro deveria ficar no
controle criativo do artista.

A obra The century of artistsʼ book (O século dos livros de artistas), 1995, de Johanna
Drucker foi resultado de uma profunda pesquisa, onde a autora percebeu a necessidade de um
estudo crítico nesse campo, buscando manter vivo o embate conceitual para melhor
entendimento dessa mídia. Segundo a autora, o Livro de Artista é uma forma de arte exclusiva
do século XX, e embora tenha recebido influências de experiências anteriores, como os livres
d’artistes (livro ilustrado ou edições de luxo, finamente produzidos e voltados para um
mercado de elite), houve muito poucas ocorrências no século passado. Para Drucker, os livros
de artistas operam no espaço conceitual, ou seja, questionam sua forma conceitual ou material
do livro como parte do processo criativo, diferentemente do que ocorria com os livres
d’artistes. “Livros de artistas são quase sempre autoconscientes sobre a estrutura e significado
do livro como forma” (2012: 4). Considerando também os livros de artistas como um espaço
construído pelas intersecções de linguagens, ideias, campos de atividade, materiais, técnicas.

Anne Moeglin-Delcroix aparece como um dos principais nomes nesse campo de estudos na
Europa, sendo Esthétique du livre dʼartiste: 1960-1980, de 1997, uma obra de fôlego que
sucedeu as produções anteriores de Castleman e Drucker. Anteriormente, em 1985, havia
escrito o catálogo da exposição Livres d’artistes, onde levantou problemas e particularidades
das expressões livre d’artiste (livro de artista) e livre illustré (livro ilustrado), tendo respaldo
em importantes nomes como Clive Phillpot, Paul-Armand Gette e Hubert Kretschmer, sem
deixar de lado a tradição francesa do livro ilustrado. Neste catálogo, a autora buscou uma
organização que equilibra o conceito entre a arte e a bibliofilia, mas apenas com obras a partir
de 1960, provocando o “rompimento da qualificação entre livre d’artiste da qualificação livre
illustré, afirmando a autonomia da obra plástica de vanguarda da obra de colaboração
conservadora” (Silveira, 2008: 41). Caracteriza, assim, um campo a ser subdividido pelo

32
papel desempenhado pelo livro na produção do artista, o livro atuará como suporte ou como
objeto: livro-objeto, trabalhos escultóricos e não-livro. Em entrevista concedida a Silveira, em
1999, Moeglin-Delcroix afirma:

o que me parece essencial ao livro de artista (e por isso tem esse nome) é que o artista
exerce total responsabilidade sobre o livro, da concepção à realização e, às vezes, à
divulgação. Ele tem o domínio total sobre tudo (mesmo que não o fabrique com suas
próprias mãos) justamente porque o livro é uma obra no sentido pleno do termo, ou
seja, é concebido de tal maneira que todos os aspectos do livro participam da
significação. O livro não é aí um simples continente ou suporte para uma mensagem
que seria independente dele, como é o caso dos livros de literatura ou dos livros em
geral (2008: 286-287).

Clive Phillpot se destaca devido sua experiência na direção da biblioteca do MOMA em Nova
York, local onde constituiu a maior coleção mundial de livros de artista. Books, book objects,
bookworks, artists’ books foi um importante artigo publicado na revista Artforum, em maio de
1982, onde amplia o conceito que ainda estava se estabelecendo de “livros feitos por artistas”
para “feitos ou concebidos por artistas” (apud Silveira, 2008: 46). Phillpot leva em conta a
presença eventual de outros profissionais no processo de construção do Livro de Artista e
também reconhece a tendência das artes visuais contemporâneas serem categorizadas segundo
sua mídia, como vídeo-arte ou body art. Para o autor havia a necessidade de estabelecer o
termo Livro de Artista para poder demarcar território que excluísse a antiga tradição da arte
do livro e a indústria do livro de arte. Havia o conceito implícito que os livros de artistas eram
somente uma linha secundária para artistas, cuja principal atividade era outra, como a pintura
ou escultura. Definindo, cita Carrión (apud Silveira, 2008: 46) e seu entendimento de
bookworks, livros em que a forma do livro, uma sequência coerente de páginas, determina
condições de leitura que são intrínsecas ao trabalho: livro-obra.

Silveira afirma que para Phillpot (2008: 47), “o Livro de Artista pode ser apenas um livro
convencional, pode ser um livro-objeto, ou pode ser um livro-obra, pertencendo tanto à arte
como à bibliofilia”, que podem ser únicos ou múltiplos. Os livros-objetos frequentemente
apenas se parecem com livros, podendo ser objetos sólidos que não podem ser abertos, se
tornando assim uma escultura.

33
O artigo O livro como forma de arte, escrito por Julio Plaza, foi pioneiro em sua contribuição,
colocando à nossa disposição uma série de ferramentas para classificar e começar a entender o
livro de artista. Plaza demonstra que o Livro de Artista poderia se apresentar em três tipos de
montagem: a sintática, onde a mensagem estética é voltada para si mesma, aparecendo nos
livros que tem seu suporte como forma significante, ou seja, onde existe interpenetração entre
a informação e o suporte, como no livro-objeto, e a estrutura espaço-temporal do livro é
levada em conta, sendo intraduzível para outro sistema ou meio; montagem semântica
(colagem) ou montagem por contiguidade, caso dos livros ilustrados; e montagem
pragmática ou bricolagem, onde ocorre a mistura de elementos provenientes de outras
estruturas estéticas, como nos livros formados por documentos e publicações coletivas.

Plaza também construiu um diagrama onde pretendia reunir todas as categorias de livros
encontradas em dois grandes grupos: o sintético-ideogrâmico, formado pelo livro ilustrado, o
poema-livro e o livro-poema (livro-objeto, livro-obra) e o analítico-discursivo ou livro
anartístico, formado pelo livro conceitual, o livro-documento e o livro intermedia. Além do
antilivro, classificação fora dos livros de artistas, onde a ideia do livro se esvai e extrapola
para outra linguagem.

Mesmo reconhecendo a importância deste artigo como um dos primeiros instrumentos de


referência publicados no Brasil, Silveira (2008: 59) acredita que o texto gere algumas dúvidas
apesar de seu rigor na classificação tipológica, pois Plaza fica indefinido pela escolha da
grafia de livro de artista, que poderia ter sido redigido com hífens assim como o fez no
catálogo da XVI Bienal de Arte de São Paulo (1981). Silveira também sente falta de
apropriações de definições sobre o termo Livro de Artista e afirma que as referências usadas
feitas a partir do texto de Carrión, A nova arte de fazer livros, apesar de serem valiosas
contribuições ao pensamento de Plaza sobre a natureza sequencial do livro, estão misturadas,
dificultando a separação.

A leitura de diversos autores contribuiu para que houvesse uma maior compreensão sobre o
campo do Livro de Artista e suas conceituações. A ideia foi buscar o entendimento das
especificidades dessa linguagem, evidenciando qual o espaço ocupado pelo livro de artista,
por ser este um campo de natureza híbrida, com fronteiras fluidas.

34
Para Fabris e Costa, o Livro de Artista constitui uma forma de arte em si, configurando-se
como uma “unidade expressiva que veicula uma determinada ideia de arte e que incorpora em
seu processo estrutural o elemento fundamental na construção do livro: sua natureza
sequencial” (1985: 5). No Livro de Artista é trabalhada a sequência de espaços (as páginas) e
o tempo que o leitor usa para manuseá-las, estabelecendo uma relação entre objeto e fruidor.

Segundo Carrión (2011: 5), um livro é uma sequência de espaços, de momentos. Um livro é
uma sequência de espaço-tempo. O Livro de Artista explora sempre as características
estruturais do livro, sendo a soma de todas as páginas percebidas em momentos diferentes. As
páginas funcionam como espaços ativos para a construção da obra, fazendo parte do processo
poético, uma vez que podem gerar significações próprias.

O campo do Livro de Artista tem fronteiras indefinidas. Vivemos um “esgotamento dos


termos tradicionais como pintura, escultura ou desenho” (Doctors, 1994: 4), termos que não
dão mais conta da complexidade atual do mundo e das expressões plásticas. Durante o século
XX, constatou-se diálogo entre as artes visuais e a literatura, colaborando para a diluição dos
limites e provocando uma aproximação entre essas linguagens.

Poetas se conscientizaram da visualidade da escrita e da página, enquanto os


artistas plásticos resgatavam a origem visual das palavras, utilizando
elementos textuais nas obras: grafismos, letras de diversos alfabetos,
fragmentos de textos, impressos, utilizando a escrita como um elemento
gráfico/conceitual (Miranda, 2006: 10).

O Livro de Artista pode ser compreendido como obra intermidiática, uma vez que possui
natureza híbrida. Está situado na interseção entre diferentes mídias: impressão, palavra,
escrita, fotografia, imagem, design. Essa expressão artística convive num espaço no qual não
cabem definições fechadas. “O Livro de Artista é múltiplo, possibilitando assim diversas
formas de aproximação” (Veneroso, 2012: 83).

Quando palavras e imagens dialogam, ocorre a fusão entre códigos, sendo que o elemento
visual funde-se conceitual e visualmente com as palavras. Essas relações no Livro de Artista
são recorrentes, podendo ocorrer de várias maneiras.

35
Grande número de artistas do livro exploram a iconicidade da letra, a
visualidade do texto, além de outras relações nas quais palavras e imagens
convivem sem que haja necessariamente uma relação hierárquica entre elas.
Não ocorre uma relação de dependência entre texto e imagem (Veneroso,
2012: 83).

Os trabalhos passam a ser consequência de uma reconfiguração empreendida pela cena


contemporânea: a inserção da palavra também como elemento plástico, levando em conta sua
visualidade, impondo-lhe uma ambiguidade entre seu caráter formal e o significado que
carrega. Antigas formas de expressão foram retomadas com novos contornos, como novas
formas de expressão: é o caso do livro de artista. Obras que consideram a forma como
geradora de conteúdo, sendo a forma livro intrínseca à obra. Sua estrutura física é parte
integrante do processo poético.

Todo livro é um objeto, mas quando rompem as fronteiras atribuídas aos livros de leitura e se
assumem como objetos de arte, passam a representar uma nova linguagem, entre o linear e o
visual, entre a literatura e as artes, extrapolam o conceito livro, pois a “narrativa literária é
substituída por uma narrativa plástica” (Doctors, 1994: 4).

O livro existia originalmente como recipiente de um texto, mas pode conter qualquer
linguagem, não somente a linguagem literária. Para Carrión, “fazer um livro é perceber sua
sequência ideal de espaço-tempo por meio da criação de uma sequência de signos, sejam
linguísticos ou não” (2011: 15).

A estrutura livro passa a ser capturada pela estrutura plástica e vemos nascer uma nova forma
expressiva. Os livros de artista não se prendem a padrões de forma ou funcionalidade, são
obras raras, únicas ou com pequenas tiragens. São objetos de percepção visual, verbal, tátil.
Os artistas trabalham em função da espacialidade, questionando o material proposto.

“O espaço é a música da poesia não cantada” (Carrión, 2011: 25). A introdução do espaço na
poesia, ou da poesia no espaço com a poesia concreta e visual, permite um desenvolvimento
natural da realidade espacial que a linguagem ganhou desde o momento em que a escrita foi
inventada.

36
Silveira (2008: 16) afirma que

[…] pelos seus insumos materiais e pela sua variedade temática, a categoria
livro de artista é uma categoria mestiça, instaurada a posteriori a partir da
apropriação de objetos gráficos de leitura. É uma categoria definida por sua
mídia e não por sua técnica. Ela abarca desde o livro até o não-livro.

A forma e a configuração do livro são usadas para exprimir as ideias do artista, que exploram
o potencial do veículo, testando seus limites, podendo manter página, sequência, texto,
ilustração, impressão dos livros tradicionais ou se tornar quase escultóricos.

Provoca reflexões sobre a história e o papel do livro como fenômeno cultural, aparece com
uma nova função: objeto de contemplação. As palavras no Livro de Artista não são portadoras
de uma mensagem, nem estão ali para transmitir determinadas imagens mentais com certa
intenção, “estão ali para formar, junto com outros signos, uma sequência de espaço-tempo que
identificamos com o nome do livro” (Carrión, 2011: 43).

Silveira trabalha a questão conceitual do Livro de Artista, pensando em suas contradições e


conflitos verificados em suas nomenclaturas. Para ele, um livro com o menor grau de violação
de sua ordem, causa estranhamento, sendo a premissa do Livro de Artista contemporâneo. Os
artistas ao trabalharem com este suporte realizam um equilíbrio entre o “respeito às
conformações tradicionais”, como o códice, e a “ruptura ou transgressão às normas
consagradas de apresentação do objeto livro” (2008: 21).

A página do livro é matéria expressiva, um local plasmável por sua interação positiva com a
palavra e a imagem, e também porque “é rasgada, furada, colada, feita, desfeita ou refeita, por
mutilação ou reciclagem” (Silveira, 2008: 23). Para o autor, o Livro de Artista pode mesmo
designar tanto a obra, como a categoria artística; a concepção e execução podem ser apenas
parcialmente executadas pelo artista, com colaboração interdisciplinar. Não necessariamente
precisa ser um livro; basta ele ser o referente, mesmo que remotamente. Os limites envolvem
questões do afeto, expressadas através das propostas gráficas, plásticas ou de leitura.

37
Por ser uma conceituação abrangente e abarcando meu objeto de pesquisa, acredito que este
termo corresponde às minhas expectativas, e por isso adoto a nomenclatura Livro de Artista
durante o decorrer dessa pesquisa, que se refere ao produto gerado através das
experimentações conceituais realizadas por artistas, poetas e designers, desde 1960, no Brasil.

Objeto poético, suporte para experimentações, onde ocorre o diálogo entre palavra e imagem
a partir de registros visuais e literários, sendo formado por elementos de natureza e arranjos
variados, entrelaçando linguagens e mídias.

38
1.2 Vanguardas artísticas
O começo do século XX foi marcado por transformações sociais, políticas e econômicas, que
ocorreram paralelamente ao desenvolvimento filosófico e científico, refletindo a mudança na
visão que o homem tinha do mundo como um todo. Nas artes, a tradição do passado foi
contestada, por ter sido um período caracterizado por uma grande complexidade e
simultaneidade de ideias.

As transformações da arte tornam-se um triunfo sobre os preconceitos da tradição. A arte


moderna desliga-se da procura do belo e do real, buscando a experiência da vida. Os artistas
das vanguardas desejam realizar uma arte que espelhe seu tempo. O questionamento e a
rejeição ao passado equivaleram a uma verdadeira revolução, motivando os artistas a novas
formas de representação e pesquisas. Chamada Arte Moderna, “tornou-se uma força
libertadora explosiva no início do século, contra a opressão de pressupostos cegamente
aceitos até então” (Stangos, 2000: 8).

O modernismo surge como um movimento que era contra o convencionalismo e o passado,


contra regras antigas. Ocorre liberdade de experimentação, destruição da estética tradicional,
da representação da realidade, dos resquícios do Renascimento; pois até fins do século XIX, a
arte era cópia do real.

A sociedade era industrial, dependente da máquina. Revolução industrial, burguesia,


capitalismo, desenvolvimento material e moral do homem, fábricas, ferrovias, automóvel,
cultura de massa, cinema, TV, publicidade. A sociedade consumidora, indivíduo solitário e
mecanizado, grandes cidades, estes são os temas explorados na arte moderna.

Na Europa, começa a explosão dos “ismos”: expressionismo, cubismo, futurismo, dadaísmo,


construtivismo, surrealismo, surgindo novas linguagens na arte para interpretar a realidade. A
nova estética moderna liberta-se da representação figurativa do mundo, passando a fazer uso
da fragmentação, deformação, abstração, assimetria; sendo o modernismo marcado pela “crise
da representação realista do mundo e do sujeito na arte” (Santos, 2006: 33).

39
1.2.1. Precursores
Com os movimentos de vanguarda, início do século XX, podemos localizar as origens do
Livro de Artista e também relacionar com formas de representação no design gráfico. Drucker
(2012: 21) afirma que o Livro de Artista não surge de maneira linear, havendo pontos
simultâneos de origem e que é difícil encontrar um movimento artístico que não tenha vínculo
com o livro, além de haver muitos artistas com dedicação primordial ao livro.

Porém, antes do advento das vanguardas, já existiam referências de artistas e escritores que
realizaram trabalhos em que o verbal e o visual dialogavam, como Lewis Carroll, com o
poema The mouse’s tale (1865), que tem o formato de uma cauda (tail) expressando o modo
como a narrativa exposta pelo rato teria figurado na mente de Alice, o texto se torna imagem.

Figura 1: Lewis Carroll, The mouse’s tale, 1865.

Precedentes genuínos para a prática conceitual do Livro de Artista podem ser encontrados na
produção de diversos indivíduos, como Gustave Flaubert (novela Bouvard e Pécuchet, 1896),
os artistas ingleses William Blake e William Morris, e os poetas Stéphane Mallarmé e

40
Edmund Jabès (O livro das questões, 1963), possuidores de obras que possibilitaram levantar
questões filosóficas, poéticas, culturais para entender o livro como um conceito: considerados
precursores da representação da palavra e da imagem de forma cuidadosa.

As obras produzidas por William Blake no século XVIII, e William Morris, no século XIX,
exemplificavam certas características que mais tarde encontrariam expressão variada nos
livros de artista; estabeleceram precedentes únicos para fazer uso do livro como uma
produção artística. Segundo Drucker, ambos foram artistas com uma “visão desenvolvida do
livro como uma forma que poderia funcionar como uma força para a transformação espiritual
e social” (2012: 22).

Blake defendia a “ideia da não existência de artes (pintura, escultura, poesia), mas da Arte,
como pura atividade de espírito que escapa à matéria” (Garcia, 2008: 26), colocando texto e
imagem em um mesmo patamar, buscando uma grande interação entre eles. Ele ilustrava,
escrevia à mão, diagramava as páginas dos seus livros, como em Songs of Experience (1789),
cujas páginas foram reproduzidas pela técnica de gravura em metal e coloridas com aquarela.
Os espaços independentes do texto poético e das pinturas existiam em uma relação dialógica.

Figura 2: Blake, Songs of Innocence and of Experience, 1789.

Sua capacidade de mobilizar o espaço da página, os tons do papel, as cores da tinta e da


pintura, demonstra um grande entendimento do poder de comunicação do livro. O artista

41
considera a página como um todo, onde suas divisões devem estar inter-relacionadas, gerando
unidade no livro. Para Drucker (2012: 26) a obra de Blake tem muita importância para a
construção do livro de artista, uma vez que “serve como a personificação do pensamento
independente realizando-se através das formas e estruturas do livro”.

William Morris e o movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios) tinham interesse na
produção de livros bem compostos, com ênfase no trabalho artesanal e melhoria da qualidade
dos objetos industrializados. O Arts and Crafts surgiu na Inglaterra em meados do século
XIX, reunindo teóricos e artistas, sendo um movimento que reclamava do excesso de
especialização provocada pela Revolução Industrial, buscando revalorizar o trabalho manual,
para poder recuperar a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente.

Figura 3: Morris, Obras de Geoffrey Chaucer, 1896-98.

De acordo com Hollis (2001: 20), as obras produzidas por Morris geralmente continham
bordas e ilustrações em xilogravuras e usavam tipos criados a partir de fotografias de letras
impressas no século XV. Para Morris, a obra de arte era objeto de contemplação, e os livros
deveriam resultar em prazer visual ao serem contemplados como peças de impressão e
composição tipográficas. Em função disso participava da escolha do papel, da tinta, do
design, do livro como um todo. Havendo preocupação estética em suas produções.

42
O poeta Stéphane Mallarmé trabalhou a visualidade própria do texto, sem depender para isso
de imagens externas. Acreditava no valor do som das palavras e como estas evocavam
imagens. Em 1897, publicou o poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (Um lance
de dados jamais abolirá o acaso) que quebrou as convenções tipográficas da época. Via as
duas páginas abertas do livro como um espaço único, deu a seu verso livre de rima e métrica,
o aspecto de uma partitura musical, para quem quisesse ler em voz alta. Usou diferentes tipos
para determinar a importância de cada palavra ao ser declamada. O espaço em branco era
como se fosse o silêncio. Usou as palavras espalhadas pela página, como degraus. Essa
distância permitia acelerar ou desacelerar o movimento.

Com o poema Un coup de dés ocorre a explosão gráfico-espacial, que inaugura a semântica
do espaço em branco. Pausas e silêncios dão novos significados às palavras. O objetivo do
poeta está ligado à sonoridade, não à visualidade das palavras. Para isso cria uma hierarquia,
usando diferentes corpos de impressão: “a diferença dos caracteres de impressão entre o
motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita sua importância à emissão
oral...” (Mallarmé apud Campos 2006: 32).

Ocorre dessa maneira o uso dinâmico dos recursos tipográficos, possibilitando toda uma gama
de inflexões ao pensamento poético, livre de regras e amarras formais. O espaço gráfico
permite que haja maior plasticidade nas pausas e intervalos da leitura.

Figura 4: Mallarmé, Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, 1897.

43
A partir desse poema, surgem novas maneiras de usar as palavras e o alfabeto na literatura e
no design gráfico, tornando-se ícone de um processo de emancipação da linguagem poética,
onde se iniciava um afastamento do discurso de ideias. A poesia modernista se nutriu
intensamente dos experimentalismos realizados a partir dessa marcante obra.

Após as experiências de Blake, iniciou-se um processo de criação de livros associados a


várias combinações de técnicas artísticas, onde o artista possuía grande domínio e
conhecimento, permitindo que pudesse explorar todo o potencial do livro como elemento
criativo. O livro torna-se um meio onde diversos artistas passam a transitar, pensando nele
como um veículo para apresentar suas ideias.

No entanto, durante o século XVI, foram encontrados cadernos que associavam ilustrações
feitas por artistas, com temáticas que iam desde anatomia humana, natureza, arquitetura, que
funcionavam como diários de anotações ou documentação, a exemplo, os cadernos de
Leonardo da Vinci, que deixou páginas e páginas de pensamentos, rascunhos, desenhos,
invenções nas mais diversas áreas. Em seus manuscritos registrou com detalhes suas
pesquisas e seu processo criativo (na pintura e anatomia).

Figura 5: Leonardo Da Vinci, caderno, 1510.

Fabris localiza os primórdios do Livro de Artista na união entre arte e literatura, destacando
Blake e sua produção de poemas ilustrados por ele, além das parcerias colaborativas entre
artistas e escritores que ocorreram durante o século XIX e XX, como Fausto (1828), de
Goethe e Delacroix; Saint Matorel (1911), de Max Jacob e Pablo Picasso, ou La Fin du
Monde (1919), de Blaise Cendrars e Léger, entre outros. Essas produções foram feitas em sua

44
maioria “com base em afinidades no processo estrutural da criação, em intercâmbios
fecundadores, que fazem da expressão gráfica o equivalente plástico da palavra” (1988: 6).

Figura 6: Max Jacob e Pablo Picasso, Saint Matorel, 1911.

A autora também cita obras em que o artista realiza texto e imagem, tendência que nos levará
à atual concepção de livro de artista. Podemos destacar a série de gravuras Os Caprichos
(1799), de Francisco de Goya e os manuscritos Noa Noa (1894), de Paul Gauguin, assim
como Jazz (1947), de Henri Matisse, e Cirque (1950), de Fernand Léger, trabalhos com
projetos gráficos integrais, onde as imagens dos artistas eram combinadas com seus textos
manuscritos. Nessas obras, ilustração e texto foram tratados com cuidado artístico, havendo
uma preocupação estética com acabamento e visualidade.

Figura 7: Goya, Os Caprichos, 1799.

Os Caprichos é um livro formado por oitenta gravuras com uma evidente intenção satírica,
com uma narrativa predominantemente visual. O artista utilizou técnicas mistas de água-forte,
água-tinta e retoques com ponta seca. A obra pode ser dividida em duas partes: a primeira
uma sátira sobre a loucura e a maldade humanas, com referências aos hábitos e costumes da

45
época de Goya, e a segunda parte, a série Sonhos, representando fantasias e bruxarias. As
primeiras imagens eram mais realistas, depois foram tornando-se cada vez mais fantásticas.
As legendas e títulos são comentários críticos, possuindo sempre um duplo significado.

Noa noa são narrativas da experiência de Gauguin no Taiti, onde o artista descrevia a beleza e
o colorido dessa região. Escreveu em um caderno, decorou a capa com aquarelas, as páginas
internas foram preenchidas com textos de sua autoria. As composições eram simplificadas,
sem o uso da perspectiva e feitas com cores intensas. O artista documentou dois anos de sua
vivência em uma exótica ilha, retratando a cor e o calor da natureza e das mulheres, costumes,
religião, história, através de manuscritos, desenhos e gravuras.

Figura 8: Gauguin, Noa Noa, 1894.

Figura 9: Matisse, Jazz (obra composta por 38 folhas separadas: entre as folhas escritas estão intercalados
imagens inspiradas no circo, dança, teatro e viagens, todos armazenados em uma caixa), 1947.

46
1.2.2. Futurismo (1909)

As bases da arte moderna foram lançadas pela


vanguarda, que ao mesmo tempo introduziu novas
maneira de olhar as palavras e usar o alfabeto para
formar imagens.
Richard Hollis3

No Futurismo houve experiências explorando a sonoridade das palavras e o uso da tipografia


como elemento visual. Tem como característica ser o único entre os movimentos artísticos
modernos que encontrou fundamento primeiramente nas palavras, e após encontrar sua
expressão artística. Foi liderado pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, expoente do
verso-livre. Publicou o primeiro manifesto futurista em Paris, em 1909, nas páginas do Le
Figaro, onde glorificava as inovações tecnológicas do mundo moderno, como a velocidade,
automóveis, avião, energia, indústria. Havia a paixão pela máquina, pelo futuro, pelas
cidades. Este movimento busca novas normas para o poema, a pintura, a escultura, a música,
o teatro, o cinema, o comportamento, a política, em um mundo marcado pela ascensão das
máquinas, apontando para o surgimento de um novo homem.

Ao desmontar os diques que separam as formas tradicionais de arte, o


futurismo italiano acaba por propor também um novo panorama das formas
artísticas em que elas se entrecruzam continuamente. Daí a ideia de se
fundirem a poesia, a pintura e a música num mesmo objeto artístico (Menezes,
1998: 18).

Marinetti publicou, em 1914, o livro (parole in libertà) intitulado de Zang Tumb Tumb, a obra
era um tipo de pintura verbal para celebrar a batalha de Trípoli. Poema visual, caótico e ligado
à sonoridade. A tipografia foi o artifício explorado para concretizar palavras em liberdade,
palavras livres da sintaxe tradicional e revigoradas visualmente. Buscou equivalentes visuais
para sons através do uso de diferentes formatos e tamanhos de palavra. Este é um exemplo da
literatura futurista, “que prognosticava as muitas maneiras de as palavras virem a ser
utilizadas no design gráfico” (Hollis, 2000: 36).

3
Hollis, 2000: 35.

47
Figura 10: Marinetti, Zang Tumb Tumb, 1914.

Segundo Marinetti, a sintaxe deveria ser destruída, e os substantivos espalhados ao acaso.


Deveriam usar infinitivos, abolir o adjetivo, o advérbio e a pontuação, sendo necessário que o
objeto se confundisse com a imagem que ele evocava.

Figura 11: Soffici, página e capa do poema BIF & ZF + 18, 1915.

As letras que compunham as palavras não eram meros signos alfabéticos, uma vez que pesos
e formatos diferentes davam às palavras um caráter expressivo distinto. No poema de
Ardengo Soffici, podemos ver pequenos versos se confundindo com a explosão de tipos e
elementos gráficos, dando ideia de simultaneidade na comunicação. Para produzir a capa
desse poema, reuniu composições comuns, tipos de madeira recortados, letras de pôsteres e
fotogravuras prontas, usando-os com uma técnica que viria a ser adotada pelos dadaístas
alemães, anos mais tarde.

48
Palavras e letras eram usadas quase como se fossem imagens visuais. Este procedimento
usado pelos poetas futuristas foi similar às colagens cubistas feitas por Pablo Picasso e
Georges Braque, que recortavam e colavam fragmentos de textos de jornais e revistas, os
papiers collés (papéis colados). Dessa forma, quando os signos verbais eram tirados de seu
contexto comunicacional, acabavam adquirindo novos significados, iniciando assim as
pesquisas com a linguagem verbal nas artes visuais do século XX.

Figura 12: Picasso, Copo e garrafa de Suze (papéis colados, guache e carvão), 1912.

De acordo com Garcia (2008: 36)

assim como a realidade (recortes de papel) se incorporou ao plano da tela na


pintura cubista, o processo da colagem na poesia trouxe para o plano da
página uma realidade – a palavra em sua forma gráfica – e,
consequentemente, um esvaziamento do aspecto representacional.

Por volta de 1930 e 1940, fase final do futurismo, houve um afastamento da colagem, sendo
priorizado um novo procedimento, a montagem, solução mais intelectual e racional do que a
colagem, buscando o equilíbrio da forma visual, com “uso de poucas palavras, combinadas
numa forma quase matemática” (Menezes, 1998: 26).

O livro-aparafusado ou libro-bullonato Depero futurista (1927), de Fortunato Depero –


importante figura do design gráfico –, pertence a essa fase. Seu formato era um pouco maior
que o A4, com capa dura e foi composto por oitenta páginas presas por dois grandes
parafusos. Esta obra poderia ser modificada devido a sua estrutura e as folhas poderiam ser

49
mudadas de posição conforme a vontade do leitor. O livro era um catálogo de design de
publicidade e foram feitos apenas três exemplares desse trabalho.

Figura 13: Fortunato Depero, Depero futurista, 1927.

Os futuristas incorporaram elementos da publicidade em sua literatura, e depois levaram o


futurismo para a publicidade, onde começam a utilizar cores dinâmicas e o estilo mecânico e
cristalino. Fascinados pela tecnologia ou pela imagem do modernismo que ela transmitia,
esses artistas apropriavam-se de elementos da produção industrial, como os parafusos de
Depero Futurista. O livro foi encadernado em folhas de flandres, o mesmo material usado
pelo poeta Tullio D’Albisola, numa versão de Parole in Libertà Futuriste, em 1932, obra que
explorava o sentido do tato. Foi feito com páginas duplas com cores uniformes em um lado e
impressão preto e branco no outro. Formato quadrado, geometria austera e uso de um tipo
(fonte) geométrico sem serifa.

Figura 14: D’Albisola, Palavras em liberdade futurista, 1932.

D’Albisola também lançou, em 1934, o livro L’Anguria Lirica, com design feito pelo milanês
Bruno Munari, que ocuparia lugar de destaque no design italiano. Este livro foi totalmente
impresso em folhas de metal, ou seja, uma obra com uso da tecnologia moderna.

50
Figura 15: D’Albisola, L´Anguria Lirica, 1932.

Munari produziu um dos mais impressionantes trabalhos da fase inicial do design gráfico
italiano, a partir de um poema de Marinetti, Il poema del vestito di latte (O poema do terno de
leite), onde usou técnicas totalmente modernas: fotografias recortadas impressas em preto,
sobrepostas por texto impresso em cores, e tipo Bodoni justificado, para formar uma área
quadrada. O artista seguiu realizando estudos sobre a espacialidade do livro em seu formato
de códex. Sempre refletindo sobre a estrutura do livro tal como a conhecemos, muitas vezes
sem usar palavras ou imagens; questionando códigos de leitura e linguagens e trabalhando
com diferentes papéis, com tamanhos e texturas diversas, sempre pensando na
experimentação do contato com essa obra, trabalhando os sentidos e percepções.

Figura 16: Munari, Libro illeggibile MN1, design concebido em 1949 e impresso em 1984.

O Futurismo tem sua importância em romper com o layout simétrico e tradicional da página
impressa. “Abriu caminho para inovações tipográficas dos dadaístas na Alemanha,
emprestando seu nome para o experimentalismo russo, que surgiu um pouco antes da
revolução de 1917” (Hollis, 2000: 41).

51
1.2.3. Construtivismo Russo (1910)
Este movimento foi a expressão de uma convicção de que o artista podia contribuir para
suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um todo. Seu objetivo era a
socialização da arte. No movimento ocorre a união de formas puramente plásticas para um
propósito utilitário (cartazes, folders, publicações).

A produção artística deveria ser funcional e informativa (Scharf, 2000: 140), pois a arte nova
estava a serviço da revolução de 1917 (Revolução Russa) e de produções concretas para o
povo. Integração entre as técnicas artesanais e a produção industrial. Fizeram parte desse
movimento jovens artistas como Alexander Rodchenko, Natalia Goncharova, Vladmir Tatlin
e El Lissitzky.

Rejeitavam a ideia de que uma obra de arte era única, queriam demolir a divisão entre arte e
trabalho. A produção mecânica de imagens através da fotografia se adequava à sua ideologia e
a reprodução industrial por meio de máquinas impressoras, também era coerente com o
pensamento comunista de trabalharem todos juntos.

A pintura e a escultura são pensadas como construções, e não como representações,


guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos, objetivos.
Uso de formas geométricas e pureza das formas elementares.

Até que Stalin reprimisse o vigor vanguardista, a União Soviética, aos olhos
de muita gente do Ocidente, parecia conciliar as necessidades sociais com a
estética revolucionária. O design gráfico soviético, além disso, era visto como
a expressão de uma sociedade de massa na era da máquina (Hollis, 2000:
50).

El Lissitzky (1890-1941) foi um artista típico do Construtivismo por suas diversificadas


atividades na área do design. Produziu importantes trabalhos na área de design de livros, onde
unia abstração geométrica com funcionalismo. Foi um dos pioneiros da fotomontagem, onde
realizava a reunião de diferentes elementos dando vida à fotografia: justaposição ou
superposição de elementos, combinação de pontos de vista, cortes e recortes de imagens e
exploração de contrastes.

Em 1922, foi à Europa como um embaixador cultural da União Soviética, quando publica o
livro História suprematista de dois quadrados. A narrativa se desenvolve nas margens das

52
páginas, com legendas explicativas das composições geométricas quadradas, em tipografias
dinâmicas. Devido ao tratamento dispensado a esse livro, pode ser considerado exemplo de
livro de artista. El Lissitzky aliou abstração geométrica e sequencialidade de imagens, o que
lembra um filme cinematográfico, pois o grupo de imagens forma a narrativa, uma vez que
não há texto verbal a ser ilustrado.

Figura 17: El Lissitzky, História suprematista de dois quadrados, 1922.

Em 1923, com o objetivo de divulgar a mensagem revolucionária, desenvolve um livro de


coletânea de poemas de Maiakovski, Dlia Golossa (Para a voz). Imaginou um livro que
pudesse servir de guia de leitura dos poemas, escolhidos segundo as diversas ocasiões.

Figura 18: El Lissitzky, Dlia Golossa (Para a voz), 1923.

Este livro foi elaborado de maneira que os poemas pudessem ser localizados facilmente,
usando como modelo o índice da caderneta telefônica, onde cada poema é acessado a partir de
um ícone com parte do título em legenda. O ícone representa parte da ilustração que introduz
cada poema, como uma partitura do modo como aquele poema deveria ser lido. Trechos em

53
vermelho destacavam passagens que precisavam de maior ênfase. As ilustrações foram
construídas a partir de materiais usados pela gráfica, como fios – peças de metal ou madeira
usadas para imprimir linhas de espessuras variadas.

O Construtivismo liga-se diretamente ao movimento de vanguarda russa, e possuía elos com


outros movimentos de caráter construtivo na arte, como o Expressionismo, com artistas
reunidos com Kandinsky (Der Blaue Reiter); o Suprematismo, fundado por Malevich; e o
grupo De Stijl, formado por Mondrian, Theo van Doesburg e os artistas holandeses. Também
há pressupostos construtivos que estão presentes no Cubismo, no Dadaísmo e no Futurismo
italiano.

Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul)


Grupo expressionista que surgiu na Alemanha (1911), fundado por Wassily Kandinsky e
Franz Marc, buscavam maneiras de se desprender da realidade. Além da libertação das cores,
como os expressionistas do grupo A ponte (as cores não precisavam corresponder com a
realidade, adquirindo novos significados) e fauvistas (uso de massas de cor em suas
diversidades de tons e intensidades), queriam também se libertar das formas.

Kandinsky é um dos principais nomes da experiência abstrata. Realizou uma série de estudos
envolvendo conceitos unindo arte e espiritualidade, dando origem ao livro Do Espiritual na
Arte, de 1910, ano em que pintou sua primeira aquarela abstrata, uma composição não
figurativa, livre da representação de imagens reconhecíveis. Continua suas pesquisas
buscando correspondência entre cores, sons, estados emocionais.

Suprematismo (1913)
Kazimir Malevich desejava renovar a arte e a vida. Para pesquisar as estruturas mais
profundas da imagem, estudou a obra de Cézanne, Picasso e artistas russos para chegar ao
significado primário da forma. Foi simplificando cada vez mais cores e formas de sua obra,
usando apenas algumas tonalidades e contornos geométricos, pesquisando a essência da
poética da representação que chamou de Suprematismo. O artista busca a não-objetividade em
suas pinturas, um mundo livre da representação de objetos reais. A obra seria uma ideia
mental e abstrata, e não mais um objeto.

54
Grupo De Stijl (Neoplasticismo)
Movimento holandês de vanguarda na arte, arquitetura e design. Piet Mondrian lançou a
revista The Stijl (O estilo), em 1917, junto com Theo van Doesburg, pintor, arquiteto e poeta.
Seu layout tinha compromisso com o funcionalismo, com designs estritamente geométricos e
serviu de base para grande parte do trabalho pioneiro de Schwitters e da Bauhaus.

Figura 19: Die Scheuche, 1925.

Kurt Schwitters compartilhava o mesmo interesse de van Doesburg em usar a tipografia para
criar figuras sonoras. Junto com Käthe Steinitz, em Hanôver, produziram um pequeno livro de
conto de fadas criado por Schwitters. Os três criaram ilustrações a partir de elementos
encontrados na caixa de tipos da gráfica, Die Scheuche (O espantalho), de 1925, com páginas
impressas em vermelho ou azul, “como um irônico e encantador pós-escrito do dadaísmo”
(Hollis, 2000: 69).

Mondrian foi fortemente influenciado pelo Cubismo de Picasso e Braque, e teve contato com
o Construtivismo russo, onde buscava simplificar imagens, cores e geometrizar formas. Suas
pesquisas abstratas o levaram a caminhos cada vez mais radicais, onde as figuras foram
substituídas por simples composições de formas geométricas e poucas cores. Publicou A nova
plástica na pintura, onde procurava uma nova forma de expressão plástica, livre de sugestões
representativas e composta a partir de elementos mínimos: a linha reta (horizontal e vertical),
o retângulo e as cores primárias (azul, vermelho e amarelo), além do preto, branco e cinza.
Criação da arte pura e uso da abstração geométrica.

As ideias geométricas do The Stijl se espalharam pela Europa, influenciando inclusive a


Bauhaus, onde o impacto de suas ideias sobre os trabalhos gráficos dos alunos foi grande e
instantâneo.

55
1.2.4. Dadaísmo (1916)
Movimento radical de contestação de valores, com crítica cultural mais ampla. Questiona não
somente as artes, mas os modelos culturais passados e presentes. Surgiu durante a I Guerra
Mundial (1914-1918), refletindo o estado de descontentamento que sentiam os artistas e
poetas da época. As manifestações são intencionalmente desordenadas, com a intenção de
chocar. No Cabaré Voltaire, em Zurique (1916), esse movimento recebeu o nome Dada pelo
poeta romeno Tristan Tzara, inaugurando oficialmente o Dadaísmo, onde nega e ironiza a
própria arte. Com a frustração e a decepção causadas pela Guerra, proclamavam uma antiarte;
uma criação baseada no acaso e no absurdo.

Os artistas dadaístas, com a apropriação de materiais cotidianos, a experimentação tipográfica


e a fotomontagem, foram os grandes responsáveis pela revolução no uso da palavra e imagem
em suas publicações e revistas, contribuindo para as futuras transgressões na produção de
livros.

Assim como Mallarmé, diversos poetas que se voltavam para a exploração da sonoridade
acabavam desembocando na visualidade. Como por exemplo, a poética nonsense do
Dadaísmo, que se baseava na pureza da língua destituída da função representativa. Os poetas
destruíam o léxico para dar lugar ao som, havendo a desestruturação do verso.

Os poemas eram feitos para serem declamados, e neles só havia vocalizações, como no poema
optofonético, onde existia uma combinação de respiração e ação da fala. Para isso foram
criados registros visuais ou tipográficos. Para expressar a ideia do poema tipograficamente,
eram usadas letras pequenas ou grandes, dando assim um caráter de escrita musical, como em
Un coup de dês (poema visual).

Figura 20: Hausmann, poema optofonético, 1918.

56
A revista Dada (1917), organizada, editada e distribuída por Tzara, servia para divulgar os
eventos e poemas dadaístas, sendo apresentada com estilo tipográfico fragmentado.
Exemplares dessa revista chegaram às mãos do poeta Apollinaire, em Paris. Guillaume
Apollinaire publicou versos figurados, uma poética visual de grande força, que passou a ser
chamado Caligrama. Derivam da escrita caligráfica (caligrafia, que vem do grego Kalos =
beleza e graphos = escrita), encontrando-se na fronteira entre o desenho e a escrita dos signos,
poemas escritos representando imagens. “O caligrama pretende apagar ludicamente as mais
velhas oposições de nossa civilização alfabética: mostrar e nomear; figurar e dizer; reproduzir
e articular; imitar e significar; olhar e ler” (Foucault, 1989: 7).

No Caligrama as palavras desenham o tema ao qual se referem e a tipografia também é usada


em sua construção. A origem dos poemas figurados se deu na Antiguidade, com Símias de
Rodes (em torno de 325 a. C.), que buscava a harmonia entre a escrita de seu poema e sua
forma gráfica.

Em 1918, Apollinaire publicou um livro chamado Caligrammes, com poemas que não eram
versos livres ou poemas futuristas, eram obras em que o texto tinha a forma visual do objeto
correspondente, como os Poemas da Paz e da Guerra, 1913-1916 ou A Chuva, 1918.
Apollinaire explorou a forma gráfica das palavras, dando movimento ao poema. Com o uso
das palavras para configurar imagens, os poetas ampliaram as possibilidades de representação
da palavra como imagem.

Figura 21: Apollinaire, Poemas da Paz e da Guerra, 1913-1916.

57
Apollinaire reconhecia a influência dos futuristas em seus experimentos. Foi o primeiro a
tentar explicar o poema visual por via do Ideograma, embora Campos (2006: 37) acredite que
houve uma confusão desmedida de Apollinaire ao forçar uma simplificação do tema poético,
condenando o Ideograma poético à mera representação figurativa do tema, caindo no
decorativismo sem sentido.

O artista e poeta alemão Kurt Schwitters participou dos movimentos do Expressionismo, do


Dadaísmo e do Construtivismo. A palavra impressa –, sua aparência, significado e som – era
uma fonte constante de inspiração. Usou letras estampadas e impressas criando composições
em colagens visuais e poemas. Em 1918, publicou poemas na revista expressionista Der
Sturm. Em torno de 1920 tornou-se um designer gráfico de sucesso e criou o livro Die
Kathedrale (A catedral), uma das poucas expressões da sensibilidade da colagem Dadá em
forma de livro (formado por oito litografias e capa feita de colagem). O título do livro reflete
que os expressionistas adotaram a catedral gótica como um emblema de unificação das artes.

Merz (parte da palavra alemã Kommerzbank ou Banco do Comércio) foi um termo que
Schwitters retirou de um fragmento de impresso de banco, decidindo usar para designar o
conjunto das suas colagens, pinturas, poemas, performances criados a partir de uma
combinação de elementos, como, pedaços de papel encontrados nas ruas, trechos de conversa
ou fragmentos de texto. De maneira típica Dadá, incluía elementos aleatórios, como
fragmentos tipográficos e imagens fotográficas em suas poesias visuais.

Figura 22: Schwitters, A catedral, 1920.

58
1.2.5. Bauhaus (1919)
Após a I Guerra Mundial na Alemanha, houve desemprego, caos político e inflação. No
entanto, é quando o design gráfico surge como parte de uma sociedade moderna nas cidades
do meio da Europa, através de cartazes, letreiros, folhetos, catálogos de peças e feiras
comerciais. Em 1920, a comunicação visual foi moldada pelos artistas de vanguarda, sendo
que os movimentos mais proeminentes ao final da guerra eram o Expressionismo e o
Dadaísmo:

Pôsteres, livros e jornais produzidos por artistas expressionistas


caracterizavam-se por uma ilustração agressiva, de violentos contrastes, que
era combinada com letras desenhadas livremente ou com tipos pesados,
desenhados originalmente para anúncios publicitários (Hollis, 2000: 51).

Foram os poetas e artistas do Dadaísmo, em oposição ao militarismo e à arte, que


continuaram a revolução no uso da palavra e imagens. Trabalharam muito com a montagem, a
reunião de imagens prontas, misturando diversos tipos de letras e ornamentos em suas
composições tipográficas.

A fundação da Bauhaus, Escola de Artes e Ofícios, em Weimar (1919), por Walter Gropius,
provocou mudanças no design gráfico, gerando progresso como a mudança do
expressionismo para o funcionalismo, e do artesanato para designs feitos em máquinas.
Passaram a estudar os elementos do design e a função de cada um deles na transmissão de
informação. Os fios e tipos sem serifas tornaram-se o estereótipo da tipografia Bauhaus.
Começaram a realizar uma completa análise do alfabeto, uma vez que na Alemanha
prevaleceu o estilo de escrita gótico, formato inadequado à era das máquinas.

Gropius imaginou um novo tipo de ser humano integrado com todas as áreas de conhecimento
criativo. Esse pensamento se refletiu na prática de ensino da Bauhaus, onde foram chamados
professores de diversas áreas, como o artista Wassily Kandinsky, que levou para a escola suas
descobertas sobre abstração, formas, cores e espiritualidade; Joseph Albers, com estudos
sobre a teoria e experiência sobre cores, realizando pinturas apenas com representações
geométricas (obra Homenagem ao quadrado); o arquiteto Marcel Brauer, que teve
importantes obras de arquitetura e design; além de Johannes Itten, El Lissitzky, Paul Klee,
Theo van Doesburg, entre outros.

59
Herbert Bayer, em 1925, estabeleceu regras pensando em maneiras mais simples de escrever,
surgindo a Nova Tipografia. As formas de letra que a Bauhaus criou tinha uma base
geométrica, uma maneira encontrada pelos designers de fugir ao estilo renascentista e à
tradição de tipos manuscritos pesados e artesanais.

Figura 23: Bayer, fonte Universal.

Um dos principais ativistas da Nova Tipografia foi o dadaísta Schwitters, juntamente com Jan
Tschichold (designer de livros e calígrafo), com o jornal Merz (1923). Na quarta edição
imprimiu Topografia da Tipografia, de El Lissitzky, com um conjunto de princípios do
design sobre a importância dos elementos visuais e das palavras na folha impressa, que
estavam lá para serem vistos e não ouvidas.

Figura 24: Moholy-Nagy, capa do livro Staatliches Bauhaus in Weimar.

Lazlo Moholy-Nagy publicou os objetivos e realizações do seu curso, na Bauhaus, no livro


Staatliches Bauhaus in Weimar 1919-1923. O design deste livro demonstrava a postura da
escola; Bayer desenvolveu a capa, feita com letras maiúsculas, enquanto Moholy-Nagy
trabalhou os espaços em branco nas páginas internas; para o artista e professor, a Nova
Tipografia deveria ser a “comunicação em sua forma mais intensa” (Hollis, 2000: 58),

60
insistindo no uso de clareza absoluta e na organização das palavras por tamanho, conforme
sua importância dentro do texto e da mensagem.

Os designs evoluíram de combinações aleatórias e experimentais do período dadaísta, ao final


da I Guerra Mundial, para as colagens fotográficas feitas com a junção de imagens ou parte
delas, que podiam conter uma riqueza de sentidos. Começa a aparecer um trabalho cuidadoso
com o texto, onde às vezes imagens o interrompiam, para formar um argumento contínuo.
Palavras e imagens passam a serem pensadas como uma única unidade de significado.

Quando a Bauhaus se mudou para Dessau, em 1925, Moholy-Nagy ficou responsável pela
publicidade, pelo layout do jornal e livros da escola. Começa uma tentativa de quebrar a
continuidade do texto e organizá-lo de maneira a refletir seu conteúdo.

As ideias de artistas e designers da Nova Tipografia foram divulgadas pela imprensa da


indústria gráfica, onde relacionavam texto ao tempo e imagem ao espaço. Em 1930, o novo e
funcional design (Nova Tipografia) estava tornando-se aceito e sendo introduzido nas escolas
pela Europa, influenciando uma nova geração de pensadores a refletir sobre letra, palavra,
imagem e suas funções na arte, no design e na publicidade. Com o nazismo no poder, em
1933, a Bauhaus é fechada, o design colocado a serviço do poder, havendo um monopólio do
Estado.

1.2.6. Surrealismo (1924)


O Surrealismo nasceu do desejo da reconstrução partindo das ruínas do Dadaísmo. Herdou
desse movimento a crítica cultural, o ataque às formas tradicionais de arte e a rejeição aos
valores burgueses.

André Breton publica em 1924, o Manifesto Surrealista, onde explica a estética surrealista.
Apoiado na livre interpretação da psicanálise de Freud destaca a importância do mundo
onírico e do irracional para a obra surrealista. Inicialmente, era um movimento de cunho
literário que pretendia expressar verbalmente ou por escrito o funcionamento do pensamento,
mas com a total ausência da razão. A criação ocorre sem o controle consciente.

Artistas como Max Ernst, Joan Miró, Salvador Dalí, René Magritte, Giorgio De Chirico
exploram as artes do imaginário e os impulsos ocultos da mente. As pinturas passaram a

61
representar cenas alucinatórias e objetos distorcidos em uma atmosfera onírica. Os surrealistas
viam nos sonhos a “imaginação em seu estado primitivo e uma expressão pura do
maravilhoso” (Ades, 2000: 111). Para eles, a arte deveria se libertar das exigências da lógica e
da razão, indo além da consciência cotidiana, expressando o inconsciente e os sonhos.

Max Ernst ampliou as possibilidades da colagem, realizando uma articulação imprevista dos
elementos e uma abertura ao irracional. Sendo seguido pelos surrealistas, levam ao limite a
ideia de associação de elementos díspares e de construção de uma realidade imaginária. Unia
imagens absurdas ao acaso, realizando elaboradas colagens narrativas.

Realizou alguns trabalhos em colaboração com o poeta surrealista Paul Eluard. Desenvolveu
diversos projetos de livros, onde o método da colagem alcança o auge da narrativa e da forma
visual. The hundred headed woman e A week of kindnes (Uma semana de bondade), de 1934,
são exemplos da integração entre conceito experimental e conteúdo, total expressão
surrealista em forma de livros. Nesses trabalhos foi levado em conta o vocabulário formal
posteriormente utilizado nos livros de artista (Drucker, 2012: 61).

Figura 25: Ernst, Uma semana de bondade, 1934.

Eluard em parceria com o artista Joan Miró, criaram um livro único, obra de grande harmonia
estética, A Toute Épreuve (1947-1958). As imagens criadas por Miró, em xilogravura e
litogravura, foram impressas em cores puras, convidando o leitor a pensar texto e imagens
quase como sinônimos, dando nova vida e significado à poesia de Eluard. Deixam explícito
como esses artistas e poetas contribuíram para influenciar a produção de livros de artista.

62
Embora tivesse se iniciado com o caráter verbal, o movimento difunde-se através da imagem.
O campo mais rico de criação foi a dos objetos, que consistia na combinação de objetos do
cotidiano, aflorando assim o surrealismo da imagem, surgindo o conceito de poema-objeto.

Figura 26: Breton, poema-objeto, 1937.

O ready-made foi muito importante para a instauração da ideia de poema-objeto. O termo foi
criado por Marcel Duchamp, em 1914, para designar objetos encontrados ao acaso, no dia-a-
dia e que, os artistas deveriam se apropriar para criar arte elegendo-os como uma obra de arte
elaborada. Duchamp, que transitou entre o Dadaísmo e o Surrealismo, foi um grande expoente
dessa manifestação artística, em que para se observar um objeto como forma, é necessário
retirá-lo de seu contexto convencional, despi-lo da função que desempenha.

Duchamp confeccionou a Caixa de 1914, espécie de museu portátil dentro de uma caixa de
fotografia da Kodak, na qual o artista se propôs a expor o seu trabalho sob a forma de
reproduções fotográficas de dezesseis notas e manuscritos que discorriam sobre sua obra, e o
desenho Avoir l’apprendi dans le soleil. Havia três exemplares dessa caixa, um múltiplo.

Em 1934, criou a Caixa verde (The green box), feita de cartão e revestida de veludo verde, um
importante precedente dos livros de artista, considerado por Drucker (2012: 13) um livro
conceitual. Duchamp reproduz em fac-símile toda a documentação (notas, esboços, desenhos
e rascunhos) da construção da obra La mariée mise à nu par ses célibataires même (A noiva
despida por seus celibatários) ou Grande Vidro, concedendo ao leitor prováveis caminhos
para entender a obra.

63
Figura 27: Duchamp, boîte-en-valise The green box, 1934.

Entre 1935 e 1941, produziu cerca de trezentos exemplares da Boîte en Valise, verdadeiros
livros-objeto, que incluíam textos em suportes em formas de caixas não tradicionais. Boîte-en-
valise era uma espécie de mala-museu que continha réplicas em miniatura de seus trabalhos
(69 itens de sua obra artística realizada entre 1910 e 1937), armazenados em uma caixa
desmontável, revestida de couro, com reproduções fiéis em cores, recortes, estampas ou
objetos reduzidos de vidro, pintura, aquarelas, desenhos e ready-made (Naumann, 1999: 16).

1.2.7. 1950/1960
Era do consumo, da informação, da desmaterialização. Surgem novas tecnologias, novas
mídias, signos e simulacros. Ocorre a digitalização do social, da informatização, da arte. Fase
do pós-modernismo. A Pop Art explode na Europa e Estados Unidos, tendo Andy Warhol
como grande ícone. Há a recusa da separação entre arte e vida. Surgem ícones dos meios de
comunicação em massa (mass media). No pós-guerra, há a banalização do objeto de arte; as
fronteiras entre as artes se diluem, aparecem novos conceitos de arte. Novas tecnologias
permitem suportes variados, surgem novas mídias. Signos são retirados da cultura de massa e
do cotidiano (HQ, cartazes, anúncios, letreiros, reprodução). Marcel Duchamp e os ready-
made foram grande influência para o movimento pop. Dentro desse contexto, a partir da 2ª
metade do século XX, a atividade com livros de artistas se desenvolve com mais intensidade e
de forma sistemática.

64
Grupo COBRA (Copenhague, Bruxelas e Amsterdã), 1948 a 1951, a produção do grupo
combina artes visuais com música, cinema, literatura. Nos encontros internacionais que
promoveram, cabe destacar a publicação de livros, como a La Bibliothèque de Cobra, com
volumes das quais fazem parte os artistas do grupo.

Figura 28: Bibliothèque de Cobra.

Letrismo francês, movimento baseado na sonoridade, criado na França, em 1947, pelo poeta
romeno Isidore Isou. Usa poesia fonética ou auditiva, de natureza não-vocabular, um novo
método para suscitar imagens acústicas através da justaposição de sonoridades (letras). De
acordo com Garcia (2008: 30), no Manifesto Letrista, o poeta combate as palavras, havendo a
construção de uma arquitetura de ritmos létricos com a destruição das palavras, fazendo com
que o poema ganhe corpo e visualidade.

Figura 29: Isidore Isou, Réseau centré M67, 1961.

65
Grupo Fluxus (1962), menos que um estilo, um conjunto de procedimentos. O movimento
Fluxus traduz uma atitude diante do mundo, o fazer artístico, a cultura que se manifesta nas
mais diversas formas de arte: música, fotografia, teatro, artes visuais, poesia, vídeo, dança,
literatura. Inicialmente, o nome de origem latina fluxu (fluxo, movimento, escoamento) foi
criado por George Maciunas para nomear uma revista de arte de vanguarda que publicaria
textos de artistas, que se fortaleceu ampliando seu campo de atuação: política, social,
filosófica. Utilizou diferentes meios para a difusão de suas ideias e ações a partir de 1960.

Incorporou música experimental, performance e outras formas não tradicionais de arte ao


livro. A revista, interdisciplinar e plural do ponto de vista das artes, mobiliza artistas de
diversos locais, como França (Robert Filiou), Estados Unidos (Robert Watts, George Brecht,
Yoko Ono), Alemanha (Joseph Beuys e Nam June Paik), e outros, em que valorizavam a
criação colaborativa, trazendo um rico referencial próprio e linguagens diversas.

Desenvolveram as Caixas Fluxus, espaço de exposição experimental das obras de seus artistas
(textos e partituras impressos em cartões individuais) junto com a apropriação de pequenos
objetos, onde usavam originais para isso (materiais industriais retirados do cotidiano).
Posteriormente passaram a ser denominadas Múltiplos Fluxus, feitas com objetos achados em
lojas, colocados em caixas de tamanhos diferentes.

Figura 30: Caixa Fluxus (Flux Year Box), 1970.

66
A primeira publicação, conhecida como Fluxus 1 (1964), consistia de vários envelopes de
papel presos com parafusos, intercalados de folhas impressas, colocados dentro de uma caixa
de madeira. Segundo Panek (2005: 7), cada envelope continha a obra de um artista individual,
apresentando processos de encadernação não tradicionais, que incluíam cartões gravados,
luvas, discos, folhas de papel, fitas magnéticas. Dentre o material mais convencional havia
fotografias, textos, cartões nominais dos artistas, desenhados por Maciunas e documentações
sobre performances Fluxus.

Segundo Silveira (2008: 32), Castleman observa a importância da arte conceitual para o
desenvolvimento dos livros de artista, citando alguns artistas que se destacaram a partir de
1960, como Edward Ruscha, Diether Roth (Dieter Roth), Marcel Broodthaers.

Drucker (2012: 11) também aponta Twentysix gasoline stations (1962), de Ruscha, importante
por sua ruptura na forma de construção dessa obra. Embora a autora não goste de se limitar a
apenas um marco de origem do livro de artista, destaca Ruscha como importante para as
produções iniciais nos Estados Unidos, e Roth (Daily Mirror, 1970), na Europa; artistas que
apontariam as direções que esta forma de publicação seguiria nos anos seguintes.

Figura 31: Ruscha, Twentysix gasoline stations, 1962. Livro composto por fotografias de postos de gasolinas ao
longo de uma rodovia que atravessa os Estados Unidos. Impresso em offset, gerando um livro de baixo custo.

Ruscha juntamente com Andy Warhol, são alguns dos artistas associados à Pop Art, que
usaram muito do método publicitário para destacar um objeto isolado, definindo uma
experiência visual; faziam pinturas com cores saturadas e formas simples, feitas com
materiais industriais, como tinta acrílica, látex, poliéster, usando ícones do consumo de massa

67
ou objetos do cotidiano. Outros artistas que produziram obras nessa linguagem foram Robert
Barry, Sol Lewitt, Lawrence Weiner.

Warhol produziu livros de artista como o Red Books (1960), usando a câmera Polaroid para
unir a natureza descartável do consumismo moderno e a fotografia como ready-made. Fez
milhares de fotografias instantâneas, estabelecendo um rigoroso sistema de catalogação e as
colocou em álbuns vermelhos individuais, e depois em uma caixa vermelha. Podemos
considerar Red Books como um diário visual do artista, que nos oferece uma visão do seu
processo criativo.

De 1980 em diante, esse campo se consolida cada vez mais, aumentando o número de
profissionais especializados e pessoas interessadas em pesquisa; além de oficinas, exposições,
feiras, sempre refletindo sobre a produção de livros de artista. Não cabe aqui levantar toda a
produção contemporânea, onde a intenção foi a de destacar precursores, marcos, origens do
livro de artista, em diversas épocas e movimentos.

68
1.3 Manifestações no Brasil
No Brasil, o movimento Modernista começa com Lasar Segall e Anita Malfatti;
consolidando-se com a Semana de Arte Moderna de 1922, onde ocorre grande liberdade de
pesquisa estética e a redescoberta das raízes culturais brasileiras.

O artista lituano Lasar Segall chega ao Brasil em 1913. Realiza uma exposição em São Paulo,
onde apresenta trabalhos com influências do Expressionismo e dos movimentos de vanguarda
que se encontravam em ebulição na Europa. Sua arte foi cada vez mais conectando-se com
essas vanguardas, com formas simplificadas, geometrizadas e coloridas com maior liberdade
em relação ao Realismo. Retornando para morar no Brasil em 1924, com uma pintura que
combina as influências cubistas e expressionistas, utilizando paisagens e temas sociais
brasileiros, entrando em contato com poetas e artistas simpatizantes do Modernismo.

Anita Malfatti destacou-se nesse cenário de mudanças polêmicas, recebendo influências do


Expressionismo na Europa e Estados Unidos. Ao retornar ao Brasil, incentivada por Di
Cavalcanti, realizou em 1917, uma exposição com pinturas marcadamente expressionistas,
como A mulher de cabelos verdes e O homem amarelo. Usava pinceladas grossas, cores
exuberantes, formas distorcidas. Causou muitas discussões entre os acadêmicos brasileiros,
principalmente após a publicação do artigo de Monteiro Lobato, A propósito da exposição
Malfatti, que mostrava repúdio a este tipo de arte.

A exposição de Malfatti, marcada pelo papel histórico de questionar os novos caminhos da


Arte, serviu de esteio para artistas, poetas, escritores unirem-se e pensarem um Movimento
Moderno Brasileiro, germinando a Semana de Arte de 1922. Alguns artistas que participaram:
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Emiliano Di
Cavalcanti, Victor Brecheret, e outros. Realizaram eventos no Teatro Municipal de São Paulo:
exposições, concertos, leitura de poemas, debates.

Esses artistas desejavam uma renovação na linguagem artística brasileira, realizando uma
ruptura com o passado acadêmico, usando elementos brasileiros, buscando a “inovação
temática, o maior interesse pelo motivo e cores brasileiras” (Rosseti, 2007: 62).

69
A partir de 1920, acontecia a produção de obras que podem ser consideradas como
precursoras do livro de artista, no Brasil; artistas e escritores trabalhavam na criação de livros
com visual e estética elaborados. Tais como: Feuilles de Route (1924), com texto de Blaise
Cendrars e ilustrações de Tarsila do Amaral, e Pau Brasil (1925), de Oswald de Andrade e
Tarsila do Amaral.

Tarsila voltou de Paris, onde entrou em contato com obras de artistas cubistas, futuristas,
dadaístas. Influenciada pelo clima de mudanças nas Artes, após a Semana de 22, formou O
Grupo dos Cinco, dos quais faziam parte Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de
Andrade e Menotti del Picchia.

Figura 32: Feuilles de Route, 1924.

Em 1924, Tarsila, Oswald e o poeta franco-suíço Blaise Cendrars (hóspede de Paulo Prado),
realizaram uma viagem ao interior do Brasil, pelas cidades coloniais de Minas Gerais, e pelo
Rio de Janeiro, para conhecer o carnaval; que serviu como referência para uma nova fase na
pintura de Tarsila, onde trabalhou com cores caipiras (verde, rosa, azul) e temáticas de sua
infância (café, fazenda, natureza). Dessa viagem, resultou um grande projeto, uma coletânea
de poemas e escritos de Cendrars, Feuilles de Route: I. Le Formose4 (um diário de bordo em
forma de poema, de sua viagem por navio até o Brasil). O livro é ilustrado por Tarsila e, a
capa tem esboço de A Negra. Seus desenhos buscavam valorizar a banalidade do cotidiano,
conservando seu impacto e espontaneidade.

4
Disponível em: http://www.mac.usp.br/mac/EXPOSI%C7OES/2012/folhas/textos.htm. Acesso em 18 de
novembro de 2014.

70
Oswald influenciado pelo que observou, escreve o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, publicado
pelo Correio da Manhã, em 1924. O escritor sintetiza as pesquisas modernas internacionais,
que valorizavam a arte por seu valor próprio, com formas, cores, linhas, independente da sua
representação; com valorização de referências brasileiras, uma produção própria que poderia
ser exportada.

Figura 33: Livro Pau-Brasil, 1925.

Em 1925, Oswald publica em Paris, sua coletânea de poemas Pau-Brasil, cujas ilustrações
foram desenvolvidas por Tarsila, com temas brasileiros; obra onde poemas e imagens estavam
em consonância.

Cendrars já havia realizado, em 1913, o livro visual Prosa do transiberiano e da pequena


Jehanne da França (La prose du transsibérien et de La petite Jehanne de France) junto com
a artista cubista Sonia Delaunay, um verdadeiro poema de cores. A obra era um rolo de quase
dois metros, que podia ser dobrado como uma sanfona. Os poemas eram escritos sobre as
“memórias, reflexões e fantasias que passam pela mente de um jovem poeta durante uma
viagem de trem pela Rússia” (Cottington, 2001: 62).

O poema recebeu uma diagramação não-convencional, cores aparecem intercaladas ao texto.


Delaunay criou ilustrações abstratas geométricas com stencil e aquarela, que se inter-
relacionavam com as palavras de Cendrars, evocando a velocidade e o tempo fragmentado.
Arcos e cores vibrantes fazem contraponto ao texto, imagem e palavras se complementam. O
poema poderia ser visto como um todo ou como um conjunto sequencial de imagens,
ocorrendo um verdadeiro diálogo entre a palavra e a imagem.

71
Figura 34: Prosa do transiberiano, 1913.

Vicente do Rego Monteiro também teve um papel pioneiro na concepção de livro como Arte,
com uma escrita ideogramática, com a obra Quelquer visages de Paris, em 1925, onde o
artista realiza uma transcriação do poema em forma de imagens, fazendo outra leitura do
poema, em escrita visual.

1.3.1. O Gráfico Amador


Não podemos deixar de citar as experiências do grupo, O Gráfico Amador (1954-1961),
formado em Pernambuco, por jovens artistas e intelectuais interessados na Arte do Livro, com
a finalidade de editar textos literários, com forma gráfica cuidadosa. Fizeram parte desse
grupo: Aloísio Magalhães, Gastão de Holanda, José Laurenio de Melo, Orlando da Costa
Ferreira, e também com as participações de João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna.

72
Os projetos editoriais possuíam um caráter experimental, com propostas visuais inusitadas
para a época; tinham por objetivo dissociar a ideia de qualidade gráfica associada apenas ao
livro de luxo. Privilegiam o caráter plástico e visual do fazer livro. Segundo os participantes
do grupo, a ideia era misturar a inventividade criativa ao rigor gráfico; tinham a intenção de
demonstrar que “o livro, no seu aspecto material, deveria ser encarado como uma obra de
arte” (Leite, 2003: 91).

As principais características dos livros que editaram foram tiragem e formatos reduzidos (15
cm x 21 cm). O texto era impresso em tipografia e para ilustrar usavam diversas técnicas de
impressão, litografia, xilogravura, clichê de metal, e outras. Produziram livros, volantes ou
folders culturais (suporte para uma poesia ilustrada), folhetos.

Durante a existência do grupo, Magalhães ilustrou e projetou diversos materiais gráficos. Os


primeiros trabalhos que realizou, aproximavam-se mais do mundo das Artes, porém já havia
um ensaio em direção às experimentações, com técnicas de impressão e design. Pouco a
pouco, vai ocorrendo um amadurecimento do pensamento, do olhar, havendo uma nova
abordagem do seu objeto de criação artística, “aproximação através de uma atitude projetiva”
(Leite, 2003: 83).

A obra Pregão Turístico no Recife (1955), criada por João Cabral de Melo Neto, foi ilustrada
e projetada por Aloísio Magalhães. Os textos e desenhos foram feitos diretamente sobre as
chapas de impressão, folhas emendadas e dobradas em sanfona.

Figura 35: João Cabral, Pregão Turístico no Recife, 1955.

73
A cada trabalho desenvolvido por Aloísio, fortalece a relação entre arte e design. Na obra
Aniki Bobó, o texto de João Cabral de Melo Neto surge como uma espécie de ilustração da
forma plástica, uma vez que é posterior à ilustração de Magalhães. Esse livro foi impresso por
tipografia e clichê de barbante.

Figura 36: Aniki Bobó, 1958.

Em Improvisação gráfica, foram realizadas experimentações gráficas/tipográficas, com folhas


soltas encadernadas em pasta, impressas em diferentes técnicas: tipos móveis, formas e fios
tipográficos, gravações em linóleo, chapa, porchoir, frottage. Possui fragmentos de textos de
autores variados, cuja concepção e design foi de Magalhães.

Figura 37: Magalhães, Improvisação gráfica, 1958.

1.3.2. Arte Concreta


Durante a década de 1930, a Abstração consolida-se, tornando-se um dos principais eixos da
produção artística do séc. XIX; a Arte Concreta torna-se um importante marco no Brasil. As
transformações produzidas pelas tendências construtivas, nas artes plásticas, na literatura, no

74
design foram igualmente importantes. O Construtivismo exerceu grande influência nos
artistas gráficos brasileiros.

A mostra Fotogramas de Geraldo de Barros, precursora da Fotografia Abstrata e, a exposição


de Max Bill, que ocorreram no MASP (Museu de Artes de São Paulo), foram eventos
marcantes para as Artes, principalmente para a vertente abstrata-geométrica, impactando os
artistas que já iniciavam uma produção abstrata.

A penetração no Brasil do ideário plástico que se enraíza no construtivismo


russo, no neoplasticismo holandês e nos princípios propostos pela Bauhaus,
revistos pelo conceito da visão harmônica e universal de Max Bill, ligava-se
ao quadro geral de novos fatores socioeconômicos intervenientes na
realidade brasileira (Zanini, 1983: 653).

No cenário internacional, quem mais divulgou essa disposição pragmática foi o suíço Max
Bill. Frequentou a Bauhaus entre 1927 e 1928, onde entrou em contato com Kandinsky e Paul
Klee. Esteve envolvido com importantes obras em todos esses campos: artes plásticas,
escultura, design gráfico, tipografia, design de produtos, arquitetura, engenharia.

Exibia em seu trabalho o racionalismo de Tschichold, contudo apresentava um pouco do


formalismo, que se tornou característico do design gráfico suíço, como o uso de caixa baixa e
exploração das bordas ornamentais. Obteve grande variedade de produção, trabalhando
sempre o estilo suíço, e seus pôsteres deram grande contribuição ao design. No final de 1940,
foi convidado para planejar e liderar a Escola Superior da Forma de Ulm, pensando-a como
uma reedição da Bauhaus no contexto pós-guerra, momento de reconstrução da Europa.

Figura 38: Max Bill, Unidade Tripartida, 1948/49.

75
Sua escultura Unidade Tripartida, recebeu o primeiro prêmio da I Bienal Internacional de São
Paulo (1951). Essa obra abstrata, feita em aço, simboliza uma fita contínua onde todos os
pontos se unem, tornou-se uma referência da arte abstrata para os brasileiros e, símbolo de
experimentação nesse campo.

Nos anos 1950, o Brasil passava por um momento de promessas de grande desenvolvimento
econômico, na era do Presidente Juscelino Kubitschek, começando com a construção de
Brasília, planejada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, criando um contexto de entusiasmo em
torno da modernização do país.

São Paulo encontrava-se em um período de grande agitação cultural, devido ao acirramento


do debate entre figuração e abstração, as tendências concretas paulistas começavam a atrair
interesse e ganhar força, impulsionadas pela implantação do Museu de Arte de São Paulo
(1947), do Museu de Arte Moderna (1948) e da 1ª Bienal Internacional, em 1951, colocando a
cidade oficialmente no circuito internacional das Artes (Stolarski, 2006: 195).

Essa mobilização formava a base de posicionamento das artes, ante um modernismo que não
alcançou as grandes conquistas da Arte Moderna, e que, apesar do interesse nas experiências
de Tarsila e Oswald de Andrade, voltava a se aproximar das antigas formas de representação.

Com o crescimento da Arte Abstrata no Brasil, surgem grupos que pesquisam e estudam-na,
como o Grupo Ruptura, em São Paulo e o Grupo Frente, no Rio de Janeiro (fundado por
Lygia Clark, Lygia Pape, Ivan Serpa, e outros. Criticava o excesso do racionalismo teórico
dos paulistas e considerava que a abstração geométrica poderia ter corpo e alma). Mais tarde
dariam origem aos grupos abstratos: Concreto (São Paulo) e Neoconcreto (Rio de Janeiro).

O artista Waldemar Cordeiro conhece Geraldo de Barros, Lothar Charoux e Luiz Sacilotto,
originando o Grupo Ruptura, voltado para o estudo das Artes Plásticas Abstratas, e
trabalhando com formas geométricas. Seus integrantes estavam em sintonia com os
movimentos artísticos internacionais e reuniam-se para discutir conceitos teóricos da pura
visualidade e da Gestalt.

76
Figura 39: Geraldo de Barros, Movimento contra movimento, 1952.

A exposição do Grupo Ruptura, em 1952, no Museu de Arte Moderna, em São Paulo, marcou
o início oficial da Arte Concreta no Brasil. A mostra tinha como objetivo introduzir o
movimento da Arte Abstrata e Concreta na vida artística da cidade. Fizeram parte dela
Cordeiro, Geraldo de Barros, Charoux, Sacilotto, Anatol Wladyslaw, Kazmer Féjer, Leopoldo
Haar.

Figura 40: Sacilotto, Vibrações verticais, 1952.

Waldemar Cordeiro escreveu um Manifesto, assinado pelos artistas participantes e distribuído


ao público, que divulgava uma nova arte que privilegiasse a renovação dos valores essenciais
da arte visual, rompendo com os valores antigos. Para eles o novo seria:

77
- as expressões baseadas nos novos princípios artísticos;
- todas as experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte
visual (espaço-tempo, movimento e matéria);
- a intuição artística dotada de princípios claros e inteligentes e de grandes
possibilidades de desenvolvimento prático;
- conferir à arte um lugar definido no quadro do trabalho espiritual
contemporâneo, considerando-se um meio de conhecimento deduzível de
conceitos, situando-a acima da opinião, exigindo para seu juízo conhecimento
prévio, arte moderna não é ignorância, nós somos contra a ignorância
(Bandeira, 2002: 50).

A Arte Concreta materializa uma ideia, busca uma arte rigorosamente geométrica; quer
representar elementos intrínsecos à própria obra, como linhas, planos, progressões,
modularidade, bidimensionalidade.

1.3.3. Grupo Noigandres


Em 1952, em São Paulo, acontece a formação do Grupo Noigandres, da qual fazem parte
inicialmente Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos. Depois entram para o grupo os
poetas Ronaldo Azeredo; José Lino Grünewald, que publica o poema Escreviver na revista
Noigandres 5; Pedro Xisto de Carvalho, com haikais e trabalhos gráficos; e Edgar Braga.

Na revista Noigandres 4 publicaram o manifesto plano-piloto para a poesia concreta, onde


propuseram os elementos para sua constituição, como o espaço gráfico considerado como
agente de estrutura espaço-temporal para o poema; a ideia de ideograma, com sua sintaxe
espacial ou visual e a ideia de justaposição de elementos; a palavra como matéria do poema.

A rigor, o que vem a ser reconhecido como poema concreto típico (brevidade,
sintaxe por justaposição, ritmo fônico-plástico, construído pela paronomásia
e pela diagramação que procura isomorficamente estabelecer relações
conceituais com o que diz o texto) é dado a público por inteiro em março de
1958, cerca de um ano depois da Enac (Exposição Nacional de Arte
Concreta), pelos poetas de São Paulo, com a edição de Noigandres 4
(Bandeira, 2006: 131).

A capa foi criada pelo artista Hermelindo Fiaminghi, a revista tinha formato de caixa e folhas
soltas, trouxe o Manifesto e poemas de Décio, Haroldo, Augusto e Ronaldo Azeredo. Os
poemas apresentavam o mesmo padrão gráfico, com tipo futura extra bold (com exceção do
poema-livro Life, de Décio, que teve a fonte desenhada por Maurício Nogueira Lima) e o
princípio de poemas-cartazes.

78
A publicação da revista Noigandres 4 pode ser vista como o marco da Poesia Concreta,
representando a chamada fase ortodoxa dessa poesia. A teoria e prática do projeto foi o
resultado de anos de trabalho.

No plano-piloto apareceram diversas palavras de ordem e trechos antes publicados em textos


do grupo, como “poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo”, ou a citação de
Apollinaire “é preciso que nossa inteligência se habitue a compreender sintético-
ideograficamente em lugar de analítico-discursivamente” (apud Bandeira, 2006: 133).

O Poema Concreto é considerado objeto em si e por si mesmo: poemaproduto. A Poesia


Concreta deveria ser construída sem verso e com consciência do cuidado gráfico. A palavra
tem seu desenvolvimento no tempo e no espaço (visual) e o branco da página passa a fazer
parte da visualidade, começaram a pensar o branco como silêncio gráfico.

Como precursores ou pais intelectuais, os poetas concretos basearam-se nos procedimentos


formais tirados das obras mais radicais de: Stéphane Mallarmé, com o poema Un Coup de
Dés jamais n’abolira le hasard (Um lance de dados jamais abolirá o acaso), onde trabalha a
visualidade, abrindo a porta para uma nova realidade poética; Ezra Pound, com The Cantos,
considerado um dos criadores do imagismo, uso do método ideogrâmico (inspirado nos
estudos de Fenollosa sobre a escrita chinesa), permite agrupar fragmentos de realidade
díspares, e In a station of the metro, com o uso da fanopeia ou imagens visuais; James Joyce,
com as obras Ulisses e Finnegans wake, palavra-ideograma, tempo e espaço
(verbivocovisual); e.e.cummings, poeta que desestruturou o verso e explorou a expressividade
ou gesto tipográfico; Guillaume Apollinaire, com Calligrammes, poesia visual no início do
século XX, ideograma e montagem (Campos apud Campos; Pignatari; Campos, 2006: 56).

Receberam influências dos movimentos de vanguardas da Europa, como o Futurismo, com


estudos da tipografia; o Dadaísmo, com a poesia nonsense e as pinturas cubistas. Também
resgataram valores esquecidos da literatura brasileira, como Oswald de Andrade, e o livro
Pau-Brasil (feito com Tarsila do Amaral); João Cabral de Melo Neto, que tinha uma
linguagem direta, com economia e arquitetura funcional do verso, uso do verso forte, muito
bem produzido; Gregório de Matos (O caso Gregório de Matos, de Haroldo de Campos) e
Sousândrade; em 1960, Augusto e Haroldo de Campos publicam um estudo sobre ele, com
uma antologia.

79
Das atividades do grupo Noigandres e do grupo de outros poetas, da qual Wlademir Dias Pino
fazia parte, emergiu o movimento da Poesia Concreta. Esse grupo sofreu influências de
Mallarmé e o Livro passa a ser uma forma a ser trabalhada visualmente. Na Poesia Concreta
são trabalhados os aspectos formais e sonoros das palavras.

Wlademir Dias Pino lança, em 1956, o livro-poema A Ave, considerado o primeiro Livro de
Artista brasileiro pleno, uma vez que foi concebido e executado por um único artista. A
sequencialidade das páginas é inadaptável para outros meios. O livro é um objeto-poema e
não apenas suporte, que propunha a simultaneidade de visualidade, superposição de camadas
de códigos, se constituindo um “exemplo fundamental para a renovação da prática do Livro
de Artista levado à cabo pelos neoconcretos” (Fabris, 1988: 7). Sua estrutura física é parte
integrante do poema, e para sua existência se faz necessária a manipulação de suas páginas,
determinando o ritmo da leitura, sua decodificação e as relações espaciais entre as páginas.

Figura 41: Dias Pino, A Ave, 1956.

Dias Pino tinha concepção própria de Poesia Concreta. Segundo ele “seis ou sete páginas
discursivas podem ser expressas num simples gráfico e é esse poder de síntese de expressão
que a poesia concreta poderá utilizar também” (apud Bandeira, 2006: 131). Seu poema Solida
serve de exemplo dessa afirmação. Aparece em cada uma de suas quatro pranchas com uma
diferente representação diagramática da composição/decomposição, letra por letra, da frase
sólida solidão só lida sol saído da lida do dia, e suas possíveis subdivisões de sentido,
geradas a partir da palavra-título.

80
Figura 42: Dias Pino, Solida, 1956.

Os poetas concretos trabalharam, desde o começo, sua produção poética relacionando-a com a
música contemporânea, as artes e o design Construtivista, estabelecendo um diálogo
intersemiótico entre essas linguagens.

A interação entre artes plásticas e poesia diferencia a arte concreta brasileira


de outros movimentos construtivos europeus ou americanos, em que o diálogo
não foi tão marcante, e resulta numa troca intensa de questionamentos
teóricos e, com as necessárias adaptações, de soluções formais (Bandeira,
2006: 123).

As experiências dos poetas e artistas visuais, dos períodos Concreto e Neoconcreto (anos
1950/1960), são apontadas como a origem do Livro de Artista no Brasil. Nessa época, a
concepção dessa representação artística se consolida.

Desenvolveram experiências que desencadearam em muitas pesquisas relacionadas ao campo


das artes gráficas. Começam a criar seus próprios Livros de Artista. Como desdobramento das
ideias desse período, foram feitas parcerias entre Augusto de Campos e Julio Plaza gerando
Poemóbiles (1974), Caixa Preta (1975) e Reduchamp (1976). Essas colaborações ocorreram
devido a interesses compartilhados na “convergência entre palavra e objeto, entre a escrita, a
oralidade e o visual do trabalho de arte” (Pitta, 2014: 86).

81
Figura 43: Objetos, 1969.

Objetos (1969) se posiciona entre livro e escultura, Livro-Objeto. Essa obra encomendada por
Julio Pacello (editora Cesar), consistia em um álbum com treze serigrafias executadas por
Julio Plaza nas cores primárias (azul, vermelho, amarelo). Duas folhas de papel superpostas e
coladas, com uma dobra central, formavam páginas e conforme fossem desdobradas,
revelavam formas tridimensionais, geométricas e orgânicas, de acordo com o corte que havia
nelas. Augusto de Campos e Julio Plaza conheceram-se durante esse processo de criação.

Augusto de Campos foi convidado a escrever um texto crítico dessa obra; partindo de um
objeto em branco de Plaza, criou um poema análogo à proposta plástica do artista. Nasceu o
primeiro poemóbile (Abre), nome que foi dado ao poema-objeto que, ao abrirem suas páginas,
tem suas palavras projetadas para frente, em diversos planos, sugerindo múltiplas relações de
significado.

Figura 44: Poemóbiles, 1974.

82
A partir da experiência de Plaza com Objetos, realiza com Augusto de Campos em 1974,
Poemóbiles, onde reeditam o primeiro poema-objeto e reúnem novas criações. Peças soltas
que configuram o Poema Concreto, que conforme é realizado o movimento de abrir e fechar,
são projetadas formas tridimensionais geométricas com palavras variadas: open, cable,
change, entre, luxo, voo, abre, vivavaia, rever, e outras. Escrita e imagem possuem uma
dimensão única, resultando na criação de móbiles, que exploram todos os componentes da
estrutura espacial. Formas, relevos, cores, integram-se numa leitura lúdica e com grande
dinamismo. Segundo Campos (2013: 84), queriam fugir tanto da

obra de luxo quanto da obra decorativa, ocorrente na maioria dos casos de


livros de poemas ilustrados por artistas ou de livros de arte comentados por
poemas, buscávamos um verdadeiro diálogo interdisciplinar, integrado e
funcional, entre duas linguagens, verbal e não verbal, capaz de suscitar, num
único movimento harmônico, o curto-circuito da imaginação entre o sensível
e o inteligível, o lúdico e o lúcido.

Caixa Preta (1975) reunia trabalhos de Plaza e Campos de 1960 a 1970, para serem montados
em estruturas geométricas. Essa obra rompia com o suporte tradicional do livro e o conceito
de interdisciplinaridade foi posto em prática. A caixa continha obras individuais de cada um,
como os objetos visuais de Plaza ou poemas concretos de Campos, e também seus trabalhos
colaborativos, os poemas-objeto, além de um disco de Caetano Veloso com os poemas
musicados dias dias dias e pulsar. Caixa Preta realiza uma clara conversa com as publicações
do grupo Fluxus, as Caixas Fluxus.

As obras tinham os suportes mais variados, poemas recortados, objetos e poemas-objetos,


como cubogramas que, montados, “construíam cubos de formas tridimensionais, em
deformações angulares, que tornavam o texto tanto menos legível quanto mais agudos os
ângulos” (Campos, 2013: 85).

83
Figura 45: Caixa preta, 1975.

Reduchamp nasceu da união da Poesia Concreta de Augusto de Campos e dos iconogramas de


Plaza. A ideia era recriar um livro usando como referência a obra de Marcel Duchamp e o
poema de Campos prosa porosa. Buscaram um diálogo intersemiótico – iconogramas ou
fragmentos de signos iconizados –, tirados de obras de Duchamp e de outros artistas
contemporâneos a ele.

Figura 46: Reduchamp, 1976.

84
1.3.4. I Exposição Nacional de Arte Concreta (1956)
Em 1956, acontece a I Exposição Nacional de Arte Concreta (Enac), no MAM em São Paulo
e no Rio de Janeiro, reunindo artistas e poetas concretos. Nesta exposição mostraram um
amplo panorama das artes (obras abstratas ou concretas) e da Poesia Concreta. A mostra foi
composta de cartazes-poemas, obras pictóricas, desenhos, esculturas. Seguiram os ideais
sociais difundidos pela Escola de Ulm (Alemanha); foi o momento de implementação do
projeto artístico construtivo no Brasil.

Em São Paulo, cada poeta apresentou de três a cinco poemas, impressos em preto sobre papel
branco, na família de tipo Futura, e sem identificação do autor. Os poemas foram colocados
na parede entre os quadros, com uma escala semelhante à deles, dentro da concepção de
poema-cartaz, mostrando seu potencial de reprodutibilidade e difusão no ambiente urbano,
com uma diagramação geometrizante e acompanhados de pinturas e esculturas construtivistas.

O núcleo dos poetas paulistas era um grupo muito coeso, em função de trabalharem em
conjunto, desde 1950, editaram a revista Noigandres, onde divulgavam seus poemas, e
elaboraram uma base teórica para a Poesia Concreta. Formavam o grupo Noigandres.

As obras de poetas e artistas que integravam o movimento poderiam ser vistas lado a lado, e
as divergências teóricas e estéticas vieram à tona; concretistas paulistas (liderados por
Waldemar Cordeiro e o grupo Noigandres) e cariocas (Ferreira Gullar). De acordo com
Mammi (2006: 25), “Cordeiro acusou a representação carioca de falta de rigor construtivo e
Gullar viu nos paulistas uma aplicação mecânica dos princípios da Escola da Ulm”.
Entretanto essa discussão resvalou logo para os fundamentos teóricos do movimento Concreto
e as estratégias de sua aplicação à situação atual.

1.3.5. Neoconcretismo
Em 1959, ocorrem divergências entre o Grupo Ruptura e o Grupo Frente. O resultado dessa
polêmica foi o surgimento do movimento Neoconcreto e da Teoria do não-objeto de Ferreira
Gullar, no Rio de Janeiro, que defendia a introdução da expressão na obra de arte e rejeitava o
primado da razão sobre a sensibilidade, havendo o resgate da subjetividade e da poesia.

Durante o Neoconcretismo, em 1970, ocorre uma explosão da forma de expressão Livro de


Artista, havendo a radicalização das experiências com esse tipo de manifestação. É explorada

85
a forma enquanto narrativa, havendo a dissolução das fronteiras entre poesia e artes visuais. A
própria condição da Arte nesse período produziu um transbordamento de limites, fazendo
com que os artistas lançassem-se em múltiplas direções, explorando as mais diferentes
possibilidades de expressão. Diversos artistas brasileiros produziram Livros de Artista, como
Arthur Barrio, Lygia Clark, Antonio Dias, Waltércio Caldas, Mira Schendel, Alex
Hamburguer, Delson Uchoa, Liuba, Renina Katz, Lygia Pape, Paulo Bruscky, Waldemar
Cordeiro, e outros.

Na construção dos Livros de Artista, muitos aspectos plásticos do objeto livro são explorados.
Como o fato de que ele proporciona prazer intelectual, através de seu texto, mas também
prazer táctil e visual. O Livro pode ter uma leitura contínua, que vai da capa à sua última
página, todavia mantém uma relação de interatividade com o leitor, que é o manipulador, o
regente da orquestra de páginas, podendo abri-lo aleatoriamente fazendo uma leitura ao acaso,
ou sendo guiado pelas sinalizações gráfico/verbais de sua narrativa.

Para João Bandeira (2006: 137), o gênero Livro-Poema foi praticado não só na esfera
neoconcreta. Décio Pignatari mostrou na Exposição Nacional de Arte Concreta a obra semi di
zucca, que já trazia essa ideia, assim como os cartazes de O formigueiro (ou melhor, páginas
selecionadas de um conjunto maior), de Gullar, obra que colaborou na heterogeneidade de
experiências na exposição sob a rubrica da Poesia Concreta.

Figura 47: Gullar, O formigueiro, 1956.

De acordo com Julio Plaza (1982: 12), no Livro-Poema ocorre intersecções de vários códigos
e/ou sistemas de signos, visuais, textuais, desenhos, fotografias, organizados isomorficamente

86
no suporte. Sua característica principal seria a fisicalidade do suporte, devido a estrutura física
do livro ser parte integrante do poema. Seus elementos plásticos e gráficos são igualmente
determinantes. Os Livros-Poemas requerem sempre a interação do leitor para a obra
acontecer, o manuseio por parte do leitor é condição de sua existência.

Após a Enac, Pignatari fez Life (1957) e Organismo (1960), chamados por ele de Poemalivro.
Em ambos, a “visualidade colabora na construção do sentido já não mais, ou não apenas, pela
diagramação do texto, como na chamada fase ortodoxa da poesia concreta, mas pelo próprio
desenho tipográfico” (Bandeira, 2006: 137), onde os elementos foram adicionados
progressivamente (I L F E). Em Organismo ocorre a alteração de escala até a distorção.

Porém, isso ocorre na bidimensionalidade das páginas, onde cada uma delas funciona como
um fotograma desses Cinepoemas; o suporte Livro não está em questão em sua materialidade
de objeto, podendo assim Life e Organismo serem considerados mais como Poemalivros do
que Livros-Poemas.

Figura 48: Pignatari, LIFE, 1957.

87
A espessura do tempo, Livro-Poema neoconcreto de Jardim, se faz na sucessão temporal dos
chamados verbos significando estado (ser, estar, parecer, permanecer, ficar), procurando
trabalhar o tempo como duração, desacelerá-lo para dar-lhe espessura, usando outras camadas
de folhas transparentes entre cada verbo.

Dias Pino também pesquisava o gênero Livro-Poema na época do Enac, e continuou


trabalhando nas diversas versões de Solida e A ave, contudo em todos nota-se o pouco
interesse pela significação linguística para concentrar-se em seus esquemas relacionais,
desembocando, em 1960, na teoria do Poema-Processo, que não usa palavras, levando cada
vez mais seus poemas para fora do universo da poesia, em direção às artes visuais.

O Livro-Poema Oxigênesis (1977), de Villari Herrmann, propõe uma leitura circular, onde as
palavras da página central remetem a ritmos, formas geométricas e orgânicas. Palavra e
imagem aparecem em um contexto único e simultâneo.

Segundo Plaza (1982, s/p), Oxigênesis (1977) tem uma proposta de imagens com valor
diferente na inversão (criando trocadilhos visuais), com uma circularidade que rompe com o
princípio-meio-fim característico no livro tradicional. A circularidade da narrativa visual
também é isomórfica ao significado-resumo do livro: Orgasmo. O livro é todo azul, com
imagens coloridas em cada dupla de página. Ao lermos essas imagens temos terra, árvore,
raio, +ou-sopesados-ou+, k-oito, voa e coração, e fazendo uma inversão do modo de ler o
livro, temos coração, voa, koito, +no-sopesados-no+, rio, pulmão e mulher. Terra ou mulher,
representada por uma linha amarela que conforme o lado da leitura, temos o perfil de uma
mulher ou uma montanha. Árvore ou pulmão, um desenho em branco, representando o
oxigênio, a respiração. Na dupla com fundo azul escuro, desenhado em branco, um raio ou
um rio, eletricidade, água. +ou-sopesados-ou+ é igual a +no-sopesados-no+. K-oito ou k-8,
igual a coito (usou três cores na página, rosa, azul claro e escuro). Voa construído apenas com
formas geométricas, triângulo, oval e triângulo invertido, formando a escrita VOA, êxtase; e
um eletrocardiograma em vermelho, sinalizando o coração. Plaza resume o poema como
orgasmo contínuo.

De modo geral os “poemas-objetos, partindo para a tridimensionalidade, e muitos dos livros-


poemas neoconcretos já estavam operando no espaço real do mundo e, assim,
perceptivamente mais na esfera das artes plásticas, do objeto mesmo” (Bandeira, 2006: 139),

88
mais na esfera das Artes, do objeto mesmo. Em termos de poesia propriamente dita, o
Neoconcretismo não teve continuidade, sendo que sua descendência mais rica foi nas artes
visuais.

Da mesma forma que na Enac não havia uma homogeneidade formal, por volta de 1960, a
produção dos poetas do grupo paulista e de outros poetas que se aproximaram deles, como
Edgar Braga, José Lino Grunewald e Pedro Xisto, já não se atém a ortodoxias. Pode-se
concluir que Concretos e Neoconcretos colaboraram uns com os outros para o
amadurecimento de suas obras, sendo que parte da poesia e da arte brasileiras apontam para
os benefícios que seus descendentes colheram das diferenças entre eles.

89
1.4 Experimentações

Desde 1970, os livros de artistas se tornaram


estruturas e contextos para experimentos derivados de
um discurso da arte visual que evolui rapidamente, o
que permite às pessoas ter uma obra de arte
dinâmica, experimental e acessível.

Suzanne Hoffberg5

Durante o Neoconcretismo, o Poema-Processo completa a integração da poesia com a


imagem, enfatizando os signos e abolindo o predomínio da palavra, e é nessa ampliação que o
Livro de Artista se assenta. Dentre as produções que surgiram a partir daí, podem ser citados
diversos artistas que se destacaram nessa forma de expressão artística híbrida, que se
apropriaram do objeto livro gerando versões exemplares de Livros de Artista ou que
começavam sua produção e cuja poética reincidia no universo livro, gerando grande riqueza
de criações.

Essas obras promoveram uma estreita vinculação da poesia e da plástica, configurando a


visualidade brasileira de outra forma; ocorrem conexões estruturais entre linguagem, imagem,
texto, visualidade.

Tudo no mundo existe a fim de terminar como um livro (Mallarmé apud


Silveira, 2013: 28).

O Livro de Artista não é somente o recipiente de ideias como a maioria dos livros que são
uma experiência consumada. Essa forma de expressão artística usa todas as suas qualidades
para desafiar o leitor a criar diferentes tipos de leituras, ocorrendo uma experiência interativa.
O leitor completa a obra, havendo assim um diálogo entre artista e observador. Sendo
necessário um olhar sem barreiras para usufruir, entender, consumir o Livro de Artista.

Para alguns artistas, o livro tornou-se suporte para uma prazerosa experiência visual, espacial,
sequencial; onde podem ser misturadas poesia e formas escultóricas. No Livro de Artista são
trabalhadas texturas, formas, cores, conteúdo, imagens, ocorrendo uma profunda investigação
de materiais.

5
Horvitz; Raman; Hoffberg, 1995: 11.

90
Os artistas exploram os limites da técnica, com interferências, transgressões, transformações.
Colagem, fotocópia, recortes ou novas tecnologias, desafiam o artista em suas
experimentações para a realização dessa obra. Ao modificar livros prontos, surge uma nova
obra sobre outra que já existe, transformando nosso relacionamento com o objeto. Passamos
de leitor a contemplador, havendo um deslocamento da nossa orientação do visual (leitura)
para o tátil. No Livro de Artista há mais preocupação com a forma de que com a função,
gerando impacto visual.

Sabemos que, de maneira geral a razão primordial de ser do livro é a de transmitir


conhecimentos. Estes conhecimentos há tempos extrapolaram sua leitura textual e foram
sistematicamente potencializados com imagens e vice-versa.

Explorar e se apropriar do livro (códex) e de seus componentes, também podem ser


considerados como um dos procedimentos para a construção de Livros de Artista:

da mínima transformação do códex, de suas linguagens, componentes


filosóficos, comunicacionais, simbólicos e plásticos, à quase completa
transfiguração dos mesmos, a ponto de tornar a referência ao códex quase
remota, invisível ou imperceptível (Neves, 2013: 65).

Mallarmé “acreditava que a composição estrutural do livro servia mesmo a um propósito de


violação, seja ela qual for: leitura, rasura, apropriação ou mesmo constituição de um objeto de
arte” (apud Neves, 2013: 68).

As experimentações buscaram desdobramentos em sua forma, funcionalidade, materialidade,


articulando inúmeras possibilidades na imagem, escrita e meio. O advento do offset e a
possibilidade de inserir imagens fotográficas aumentou significativamente o espectro de
configurações. A xilogravura possibilitou uma rica gama de experimentações, que inaugurou
um tipo de expressão que explora ao máximo imagens e palavras, seja no aspecto semântico,
seja no visual.

Na fronteira entre literatura/poesia e arte, o lugar do livro de artista, feito


com objetivo e natureza diferentes, não é só um livro que convida a outra
leitura, a outra relação palavra/signo e imagem. Encontra-se num espaço
atravessado por várias disciplinas, daí que a reconsideração da forma livro
entranhe várias possibilidades reunidas: livros-espaço, livros-sequência,
livros-processo de leitura, em suma, livros-polimórficos. Para chegar ao livro
como obra de arte, com um imaginário próprio, é necessária a indagação da

91
linguagem que o livro quer comportar, a procura de outra sintaxe cultural
(Navas, 2013: 39-40).

Diversos autores verificaram que a experimentação de técnicas e materiais é recorrente na


constituição do Livro de Artista. Além da apropriação de componentes formais, culturais,
gestuais, gráficos, simbólicos e comunicacionais, entre outros aspectos constituintes, do livro,
“além de registros sensíveis do livro que se apresentam como possibilidades a serem
experimentadas artisticamente no processo criativo” (Neves, 2013: 65).

Alguns artistas trabalharam estas experimentações usando a temática dos componentes visuais
do livro, construindo obras ligadas às evidências plásticas e volumétricas, como página, capa,
lombada, textos, estrutura; outros exploraram a fusão das artes e técnicas variadas ou
resgataram componentes estéticos puros, como forma, linha, cor, volume, não dirigidos para a
representação da realidade, sempre pensando nessas experiências como maneiras de ampliar
olhares e significados dentro de seu processo na criação do Livro de Artista.

1.4.1. Livros de artista no Brasil a partir de 1970

Embora muitos críticos considerem o livro de artista


como uma produção típica dos anos 60, a
multiplicação de sua prática na nossa década e a
reflexão suscitada por ele parecem constituir claros
indícios de que este veículo alternativo não esgota sua
significação no processo minimalista conceitual.
6
Annateresa Fabris

A experiência Neoconcreta usa imagens sonoras, poesia visual, formas livres, reinterpretações
do espaço narrativo, experimentação de materiais e articulação das partes compositivas. A
cena artística reflete “fusão e interpenetração entre pintura, fotografia, literatura, colagem,
montagem, desenho, escultura, fundição, impressão” (Paiva, 2010: 93). Artistas e poetas
passam a pensar este suporte livro como obra de arte, objeto de reflexão e de intervenção.

6
Disponível em http://seminariolivrodeartista.wordpress.com/2009/09/22/o-livro-de-artista-da-ilustracao-ao-
objeto/. Acesso em 18 de março de 2010.

92
Dentre os artistas brasileiros que trabalharam com a produção de Livros de Artista, podemos
destacar alguns, como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Raymundo Collares, Paulo
Bruscky, Waltercio Caldas, Arthur Barrio, Amélia Toledo, Mira Schendel. Esses artistas
ajudaram a ampliar a função de informar e o acesso à individualidade da leitura e percepção
do olhar do outro.

Lygia Pape junto com Lygia Clark e Hélio Oiticica fizeram parte da tríade Neoconcreta de
maior ruptura. Oiticica tinha em mente o livro Conglomerado, no qual caberiam todos os
tipos de materiais. Pape trabalhou a sequencialidade do objeto de forma diferente: seja no
Livro de criação, no Livro da arquitetura ou no Livro do tempo.

Com o Livro da criação, Pape propunha uma nova leitura do mundo, onde as palavras foram
abolidas, restando apenas formas abertas à conjugação de significados, a partir do olhar, do
manuseio e da descoberta de correspondências entre elas e os elementos da natureza e da
história humana.

Clark foi uma das primeiras artistas a convidar o espectador a participar da obra. Concebeu a
mesma não só como objeto, mas como veículo da imaginação e interação; usa o livro como
uma estrutura em aberto, havendo uma circularidade infinita. Em sua série Bichos (1960)
realizou esculturas com lâminas articuladas de metal. Livro-obra (1964) era um trabalho que
estava em sintonia com suas experiências construtivas e sensoriais, onde buscava em sua
estética a “conciliação entre a racionalidade da tradição construtiva e uma intuição que se
revela no onírico e no sensório” (Paiva, 2010: 93).

Figura 49: Clark, Livro-obra, 1964.

93
Em Gibis (1970-1972), Raymundo Collares realiza uma riquíssima pesquisa plástico-formal
que vai de encontro com as ideias da Pop Art e do Neoconcretismo, diálogo da vertente
construtiva com o imaginário (da cor do pop), sendo exemplares únicos. Trabalha o equilíbrio
das cores e formas; e o tempo e o espaço, com o gesto de virar as páginas, formando em cada
ato, novos planos. “Seus gibis, remetem ao Livro da Criação de Lygia Pape, são obras em
processo, as imagens se fazem, ou se desfazem à medida que as folhas vão sendo
movimentadas. Virtualidade pura” (Morais, 2012: 309).

Figura 50: Collares, Gibis, 1970-72.

A obra de Paulo Bruscky representa uma grande experimentação bibliográfica, o artista


produziu Livros de Artista feitos com diversos materiais, fotografias, carimbos, cópias,
papéis, fios, plásticos. Há os Livros-Obras, que tem um cuidado com a sequência e as páginas
como estrutura das características sensoriais e físicas da edição, com ênfase na encadernação.
Possuindo obras, como os “livros de circulação e ação estético-crítica, que relacionam-se
perfeitamente com o campo da arte postal” (Navas, 2013: 47), na qual foi pioneiro.

Figura 51: Bruscky, Livroobjetojogo, 1993.

94
O aspecto lúdico e a experimentação sensível, tátil e olfativa, são
significativos. Livrobjetojogo é um livro costurado com retalhos de tecidos
coloridos, em suas páginas prendem-se aleatoriamente zíperes e fechos de
formatos diversos [...] A leitura desse livro é feita pelas mãos, convidadas a
brincar em movimentos guiados pelo acaso, sem o automatismo dos gestos
cotidianos (Freire, 1993: 51).

Waltercio Caldas possui uma produção instigante, tanto pela “valorização do objeto livro
como paradigma da cultura humanista como também por ser um território de ensaio visual,
ideal para uma epistemologia da percepção” (Navas, 2013: 48). Em seu trabalho realizou uma
sensível conversa com os diferentes elementos estruturais (páginas, volume, encadernação,
conteúdo). A centralização de seu trabalho é o espaço, e quando utiliza o formato livro, as
questões espaço-tempo ficam evidentes ao deslocar a sequência narrativa para a narrativa
poética da obra, também ao destacar as características temporais e esculturais do livro,
buscando unir escrita e tridimensionalidade. Caldas pensa o livro como objeto circular em seu
movimento de páginas e investiga a condição gráfica que representa a impressão (edições em
offset, carimbos ou intervenções digitais), sempre trabalhando com uma nova significação do
espaço do livro, em busca de um novo limiar perceptivo.

Figura 52: Waltercio Caldas, Momento de fronteira, 1999.

Também existem edições cuidadosas com tiragens comerciais, como Barroco de lírios
(1997), de Tunga e Balada (1995), de Nuno Ramos. São obras-livros que registram ousados
gestos gráficos e performáticos. Já Arnaldo Antunes representa outro caminho entre o
manuscrito e o design; poeta visual pós-concreto, intersemiótico e multimídia. Seus livros de

95
poemas são ricamente inventivos, devido à sua organização visual, profusão de caligrafias-
desenhos e pelo trabalho propriamente dito sobre o formato livro.

1.4.2. Cadernos
Em relação aos formatos, além do códice ou da caixa, há os chamados cadernos, de grande
acento conceitual, como cadernoslivros, de Artur Barrio (1960, 1970), um suporte imagético
sem fronteiras de gênero, com inscrições, desenhos, objetos e textos; tipo de produção que o
artista ainda trabalha na contemporaneidade. O artista também produziu edições únicas, Livro
dos ruídos (1980) e Pensamentos, escritos, lidos... (2000-2001); e um livro orgânico, o Livro
de carne, que representava união da arte e da vida, com extrema fisicalidade. Sobre a forma
de decifrar este livro, Barrio escreve:

A leitura deste livro é feita a partir do corte/ação da faca do açougueiro na


carne com o consequente seccionamento das fibras; fissuras, etc., etc., assim
como as diferentes tonalidades e colorações. Para terminar é necessário não
esquecer das temperaturas, do contato sensorial (dos dedos), dos problemas
sociais etc. e etc. (Barrio apud Canongia, 2002).

Figura 53: Barrio, Livro de carne, 1977.

Rosa Contemporânea, de Amélia Toledo, explora as possibilidades temporais oferecidas por


um objeto que só pode ser explorado em sua totalidade apenas pela sequencialidade. Papel
rugoso cor-de-rosa é a embalagem dentro da qual se encontram as páginas feitas de papel-
arroz branco, todas com um círculo recortado em seu centro. As camadas são formadas pelas
transparências de cada folha. Tato e olhar são estimulados ao folhear este livro, despertando
grande prazer sensório e estético.

96
Figura 54: Amelia Toledo, Rosa Contemporânea, 1965.

De certa maneira, as obras de Mira Schendel e Amélia Toledo dialogam, seja pela
transparência do suporte de seus livros, seja pela relação da sequencialidade, do movimento
de virar as páginas realizadas pelo leitor.

Schendel realizou um trabalho com pureza de forma, letras e números; buscava valores
espaciais na inter-relação signo e página. A transparência permitindo a leitura dos dois lados
das páginas. Seus Cadernos estão no limite da linguagem escrita-visual, ao explicitar a
procura de uma escrita essencial, nesses Livros de Artista transparência e palavras (signos em
letraset) aparecem interpenetrados na espacialidade da página.

Figura 55: Schendel, Cadernos, s/d.

Anna Bella Geiger realizou diversos cadernos com temáticas significativas: Passagens
(1974), História do Brasil (1975), Os dez mandamentos ilustrados (1975), Sobre a arte
(1976), Novo atlas I e Novo atlas II (1977). Eram tiragens limitadas e representavam
reflexões sobre a linguagem, territórios, política e sistema de arte, misturados a um humor

97
conceitual e técnicas mistas. Seus cadernos se interrogam por necessidade de novas
cartografias, por questionamentos críticos transversais.

Figura 56: Geiger, Novo atlas I, 1977.

Regina Silveira nos cadernos, Anamorfas (1977), Executivas (1979) e Corredores para
abutres (2003), propõe investigações linguísticas-críticas, que na verdade seriam uma
continuação de sua pesquisa semântico-estética que coloca a dialética da percepção-
representação em xeque. Em Wild Book (1997), livro-objeto único, pegadas foram
serigrafadas em páginas de feltro, reunidas em amplas capas de pele de animal.

Figura 57: Silveira, Wild book, 1997.

Há também os trabalhos de Vera Chaves Barcellos, verdadeiras aventuras sobre a percepção


da leitura escrita e visual: Exercícios visuais-tácteis (1975), Momento vital (1979), Da Capo
(1979), Atenção – processo seletivo de perceber (1980), experiências sobre a crise da

98
representação, entre a fragilidade dos códigos e potência dos signos (palavras, fotos,
imagens), contudo explorando a sequência do Livro de Artista.

Cadernos pautados e numerados (1971), de Ivens Machado, Manchas (1998) e Cadernos


(1993), de Anésia Pacheco e Chaves, além de Caderno que respira (1970), um conjunto de
anotações e desenhos de Wesley Duke Lee, também poderiam ser inseridos nesse contexto.

1.4.3. Produções contemporâneas


No decorrer dessa pesquisa, o universo do Livro de Artista tem se expandido cada vez mais,
quer seja em forma de reflexões e questionamentos sobre sua natureza, seja em sua produção.
Exposições sobre essa mídia aconteceram com mais frequência e com grande participação de
artistas. Livraria de artistas, exposição coletiva que aconteceu em 2013 e 2014, na Galeria
Gravura Brasileira, em São Paulo; projeto com a intenção de ser um espaço de reunião,
associação e desenvolvimento de ideias, de experimentação poética, plástica e gráfica, através
de Livros de Artista. Os artistas trabalharam o livro como obra de arte, em forma de registros
gráficos, explorando a relação bidimensional, tridimensional e investigaram a palavra e a
imagem em conjunto. Participaram Alexandre Gomes Vilas Boas, Constança Lucas, Edith
Derdyk, Evandro Carlos Jardim, Fabiola Notari, Feres Lourenço Khoury, Francisco José
Maringelli, Luise Weiss e Rubens Matuck.

Figura 58: Alexandre Vilas Boas, Livro de tempo, verdades provisórias, 2014.

A tara por livros ou a tara de papel, ocorreu em 2014, na Galeria Bergamin, e sua proposta
foi pensar o objeto livro como material sedutor e a compulsão pelo belo. Contou com alguns
livros raros como o Livro-obra (1983), de Lygia Clark; Certas sutilezas humanas (s/d), peça

99
única de Leonilson e Paisagem dobrada (2000), de Rivane Neuenschwander, um de seus
trabalhos mais importantes, além de obras de Anna Maria Maiolino, Artur Barrio, Artur
Lescher, Beatriz Milhazes, Edward Ruscha, Fabio Moraes, Julio Plaza, Augusto de Campos,
Mira Schendel, Paulo Bruscky, Raymundo Colares, Regina Silveira, Rosângela Rennó,
Waltercio Caldas, e outros artistas.

Figura 59: Beatriz Milhazes, Meu Bem, 2008. Colagem e impressão sobre papel. Referências do Rio de Janeiro.

Figura 60: Nuno Ramos, Caldas Aulete – para Nelson 3 (2006). Homenagem ao compositor Nelson Cavaquinho
em que cada um dos cinco volumes do Dicionário Caldas Aulete tem as páginas cavadas por quatro letras do
verso de uma música.

Livro de artista: produção, pesquisa e reflexão, mostra realizada em 2014 na Casa


Contemporânea, foi pensada a partir da experiência de artistas em grupos de pesquisa, tendo
como tema central suas reflexões acerca da memória. Alguns nomes presentes foram Luise
Weiss, Ana Almeida, Fabíola Notari, Lilian Arbex, Lúcia Loeb, Rosa Esteves, Ulysses de
Paula. Além da mostra houve uma mesa-redonda com o tema Livro de Artista: entre o ateliê e
a sala de aula, com Edith Derdyk, Luise Weiss e Ulysses de Paula.

100
Figura 61: Luise Weiss, Cadernos, s/d.

Figura 62: Rosa Esteves, A casa da minha tia, 2013-14.

Aberto e Fechado: caixa e livro na arte brasileira, 2012, na Pinacoteca do Estado de São
Paulo, com curadoria do crítico de arte Guy Brett. A exposição mostrou uma seleção das
produções de Livros de Artista e Caixas-Obras realizados por artistas brasileiros a partir de
1950, apresentando grande diversidade de materiais e muita experimentação; além de
conceitos vitais como a obra de arte como um organismo vivo e a participação ativa do
espectador. Essa mostra trouxe ao público reflexões acerca desse fenômeno comum na arte
brasileira, caixa e livro como suporte da arte, veículos restritos, fechados e que remetem às
bibliotecas e aos arquivos. Estavam presentes obras de Amelia Toledo, Anna Bella Geiger,
Anna Maria Maiolino, Antonio Dias, Artur Barrio, Cildo Meireles, Ferreira Gullar, Hélio
Oiticica, Jac Leirner, Luciano Figueiredo, Lygia Clark, Lygia Pape, Mira Schendel, Paula
Gaitán, Raymundo Collares, Regina Silveira, Regina Vater, Ricardo Basbaum, Rubens
Gerchman, Sérgio Camargo, Tunga, Waltercio Caldas, Willys de Castro.

101
Além da Biblioteca, em 2011, no Museu Lasar Segall, reuniu obras que encontram sua
configuração ideal no livro, evidenciando seus aspectos formais e conteúdo funcional, além
de explorar a espacialidade do mesmo. Exposição que disponibilizou um recorte significativo
da produção de Arte Contemporânea, respeitando as necessidades expositivas peculiares do
Livro de Artista. Alguns artistas presentes foram Edith Derdyk, Fabio Morais, Lucia Mindlin
Loeb, Marilá Dardot, Odires Mlászho, e outros.

Figura 63: Marilá Dardot, Cumulus, 2008.

Figura 64: Fábio Morais, Romance para ser lido sob a chuva, 2008/2011. Livro cortado.

Figura 65: Lucia Mindlin Loeb, sem título, 2000. Folhas de madeira e encadernação manual.

102
Marilá Dardot é uma artista que tem a escrita como matéria-prima frequente de sua criação;
quer seja em instalações, vídeos, esculturas ou em Livros de Artista. Suas obras exploram o
potencial imagético, a etimologia e o papel antropológico da palavra, transitando o tempo
todo no campo da literatura e das artes gráficas (letra impressa, livros e suas páginas,
lombadas, capítulos, marcadores, diagramação de imagens, etc). Experimental, às vezes se
apropria de tecnologias obsoletas da informação, como o mimeógrafo e a máquina de
escrever, para refletir sobre conceitos do mercado de consumo nos dias de hoje; embora
também trabalhe com tecnologias novas, conforme sua proposta poética do momento. Para a
artista7, sua Arte e seus Livros de Artistas, são objetos inertes, até que sejam lidos pelo fruidor
da obra, construindo assim uma nova narrativa. A cada leitura do leitor, a obra se transforma,
porque ocorre uma nova releitura a cada encontro com fruidor/obra.

Figura 66: Marilá Dardot, O livro de areia, 1998.

Hilal Sami Hilal, artista capixaba de origem síria, em sua obra mistura influências culturais
entre o Oriente e o Ocidente, entre a tradição moderna ocidental e a antiga arte islâmica. Obra
com profunda pesquisa de materiais (papéis, retalhos de tecido, metais) e símbolos poéticos,
com a forte presença da ideia de escritura e valores espirituais cristãos e islâmicos. A partir da
pesquisa das possibilidades de criação de diferentes formas com papel artesanal, onde
aparecem rendilhados cheios de leveza, parte para as folhas de alumínio e de cobre, criando
uma nova forma de escrever, ficando apenas as letras. Explora a escrita em livros de todos os
tamanhos, unindo desenho e escultura, o corpóreo e o sensível, o cheio e o vazio.

7
Entrevista realizada em 2009 para a Refil. Disponível em http://www.mariladardot.com/bibliografia.php. Acesso
em 6 de setembro de 2015.

103
Figura 67: Hilal Sami Hilal, Cobre e corrosão, 2004.

Figura 68: Hilal Sami Hilal, Livro Prego (corrosões sobre o cobre), 2012.

Feira Tijuana
Como exemplo do crescimento da linguagem Livro de Artista, também temos a Feira Tijuana
de Arte Impressa, que acontece desde 2009. Reúne editores, artistas e produtores gráficos,
funcionando como um ponto de troca de conhecimento e produção editorial e artística;
ampliando e divulgando cada vez mais essa mídia. O Tijuana nasceu como uma iniciativa da
Galeria Vermelho (São Paulo) para criar um espaço que pudesse mostrar obras de formato
incompatível com o espaço expositivo tradicional, especialmente os Livros de Artista.

Esse é apenas um pequeno recorte do que vem sendo mostrado e divulgado em São Paulo,
além de encontros e seminários organizados para pensar e refletir sobre práticas e pesquisa do
Livro de Artista, como o que ocorreu no SP Arte em 2013, com exposição de obras, debates e
lançamento do livro Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticas, com organização
de Edith Derdyk.

104
Minas Gerais
Esse movimento em direção à reflexão sobre o objeto livro está crescendo cada vez mais. Em
2009, a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal de Minas Gerais, teve formada a
primeira coleção especial de Livros de Artista em uma biblioteca universitária no Brasil; com
destaque para a colaboração do professor Amir Brito Cadôr, artista e pesquisador dessa mídia.
Essa coleção, com mais de 285 títulos de artistas brasileiros e estrangeiros, foi divulgada em
diversas exposições: Livro de Artista no Brasil, na Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa,
Belo Horizonte, em 2015; Pensamento impresso, exposição de poesia visual em Livro de
Artista, no Centro Cultural da UFMG, em 2014. A morte do autor, apropriação de obras
literárias em Livros de Artista, em 2014, e Exposição Nacional de Livro de Artista, em
comemoração aos 30 anos da 1ª Exposição Nacional de Livro de Artista, Recife (1983), em
2013; ambas aconteceram na Biblioteca Universitária, Belo Horizonte. O desenho como
instrumento, exposição de Livros de Artista no Sesc Pompeia, São Paulo, em 2014, Ainda: o
livro como performance, exposição de Livros de Artista, no Museu de Arte da Pampulha
(2013). Além de encontros e pesquisas sobre o assunto, como a 2ª edição do seminário
internacional Perspectivas do livro de artista: o livro de artista na universidade, em 2013,
com um espaço de trocas para refletir sobre essa prática e também duas mostras, Publicações
de artistas: o códice e variações e Ensinar e Aprender como Formas de Arte.

Rio Grande do Sul


O Rio Grande do Sul também tem pesquisadores sobre o tema, em especial o professor doutor
Paulo Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; autor do livro A página
violada, da ternura à injúria na construção do livro de artista, de 2008, uma das primeiras
publicações no Brasil com reflexões sobre conceitos de Livro de Artista e as produções
brasileiras. Além dos grupos de artistas que desenvolvem uma rica produção, como o Projeto
Circular, da Universidade Feevale, participando de exposições e convocatórias de arte no
Brasil e no exterior (em categorias que envolvem o Livro de Artista e a Arte Postal). Em
2013, ocorreu a exposição Únicos e Múltiplos, um mapeamento dos artistas do livro no Rio
Grande do Sul, que realizou um levantamento da produção de artistas, coletivos de arte e
ateliers da Região Sul, destacando o Rio Grande do Sul como centro de criação e pesquisa na
categoria (Livro de Artista) enquanto campo de experimentações espaço-temporais e
interlocuções entre as artes visuais, a poesia e a literatura.

105
Não tenho a pretensão de mapear toda a produção de Livros de Artista que ocorreram no
Brasil (prática que aumenta a cada dia); busco apenas destacar alguns locais onde essas
produções e reflexões estão se firmando cada vez mais, não se esgotando por aqui os
exemplos de como essa prática tem crescido e se disseminado. No decorrer da trajetória da
construção do Livro de Artista, percebo que ocorre cada vez mais uma mistura de disciplinas
e suportes, permitindo que artistas e poetas caminhem em todas as direções. A presença
contemporânea da palavra e do texto como configuração simbólica e artística aparece em alto
grau. O formato livro feito obra, livro como imagem, aparece na pesquisa de diversos artistas,
resultante de um meio hibridizado que permite as misturas das linguagens, ampliando
experiências e processos criativos. Fronteiras se diluem, se entrelaçam, gerando novas obras.

1.4.4 Espacialidade

O espaço tridimensional oferece liberdade completa:


a forma estendendo-se em qualquer direção
perceptível, arranjos ilimitados de objetos, e a
mobilidade total de uma andorinha.
8
Rudolf Arnheim

Quando estudamos o Livro de Artista, é necessário pensar essa obra como um volume; um
corpo que ocupa um lugar no espaço, refletindo sobre sua fisicalidade e também sobre suas
relações de espacialidade. Conforme afirma Carrión, “um livro é um volume no espaço”
(2011: 29), uma arte que se estabelece em um espaço concreto, real, físico. O deslocamento
ou abertura de cada página forma um volume, marcando sua presença espacial.

A maioria das obras que vimos ocupam o espaço ao serem manuseadas, como por exemplo,
Poemóbiles, de Julio Plaza, ou o Livro da Criação, de Lygia Pape, saem do bidimensional e
expandem-se para o espaço tridimensional, ocorrendo a integração do espaço da obra com o
espaço real.

8
Arnheim, 1989: 209.

106
Existem também obras que são verdadeiras construções no espaço, ocupações de um
determinado ambiente. Johanna Drucker (2012: 13) afirma que a partir de 1980 alguns livros-
objetos ou livros escultóricos começaram a se direcionar para o campo da instalação,
ocupando ambientes complexos; sempre com a ideia do livro como elemento principal da
obra. A autora acredita que, essas obras se encontram em uma esfera além do Livro de Artista,
em escultura ou instalação, apenas. Podemos pensar esses trabalhos como ampliações do
conceito de Livro de Artista, não são Livros de Artista, todavia podem ser criadas novas
relações nesse local, onde as produções se potencializam.

“O espaço de uma sala pode ser tratado como o espaço interno de um livro” (Fiera, 2015: 76).
Essa frase toma forma quando vemos a obra Avant et après la lettre (Antes do estado
definitivo ou antes do termo existir), de Marilá Dardot, onde um livro repousa sobre uma
pilha de pequenos fragmentos de frases, que parecem sair ou entrar nele. Os fragmentos de
livros diversos cobrem quase todo o chão do espaço. Sendo o objeto repensado como um
espaço tridimensional onde forma e conteúdo dão lugar a uma reapropriação espacial.

Segundo Audrey Illouz9, “este livre des livres (livro dos livros) não é apenas um livro a mais
feito a partir da técnica de recortes, ele pretende ser, potencialmente, todos os livros possíveis,
como uma condensação da Biblioteca de Babel, de J. L. Borges”.

9
ILLOUZ, Audrey. Curadora da exposição Chambres Sourdes, no Parque Cultural de Rentilly, França, 2011.
Disponível em http://mariladardot.com/files/AudreyIllouz_Portugues.pdf. Acesso em 6 de setembro de 2015.

107
Figura 69: Marilá Dardot. Instalação Avant et après la lettre (livro interferido e fragmentos de livros),
biblioteca do Chateau de Rentilly, França, 2011.

Na obra Sherazade, Hilal Sami dispõe sobre o chão da galeria 180 livros entrelaçados,
construindo um tapete literário, onde suas páginas se comunicam, formando uma história sem
fim; em referência aos contos As mil e uma noites e à sua personagem principal, narradora das
tramas que poupou sua vida contando histórias fantásticas ao rei Shariar.

Essas histórias desdobram-se em dialética entre o finito e o infinito na obra do artista,


passando a ideia de diálogo, de contraposição e contradição, como em Sherazade. A obra fala
da passagem do tempo, mas não existe uma narrativa definida, sua história se dá pela
sucessão das páginas, numa escrita do mundo que será feita por cada leitor.

Livros que ocupam um espaço próprio, de volume, e também em conjunto, uma instalação
que invade o espaço expositivo, ampliando significados.

Figura 70: Hilal Sami Hilal. Sherazade (pequenos livros com as páginas se comunicando, formando uma
história sem fim), 2014.

108
CAPÍTULO 2:
CONVERSAS INICIAIS, QUANDO A PALAVRA VIRA IMAGEM

109
2.1 Sobre palavras e imagens

As imagens, assim como as palavras, são a matéria de


que somos feitos.

Alberto Manguel10

“Somos essencialmente criaturas de imagens, de figuras” (Manguel, 2001: 21). Numerosas e


distintas imagens nos rodeiam, fazendo parte do nosso ser, e podem ser criadas fisicamente ou
geradas na imaginação. As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais,
mensagens, alegorias. Nossa existência passa como um rolo de filmes, desdobrando-se
continuamente, com percepções capturadas pela visão e realçadas por outros sentimentos,
cujo significado varia constantemente, configurando uma linguagem feita de imagens
traduzidas em palavras e de palavras traduzidas em imagens.

Gerheim acredita que o homem é um produtor de signos, dos quais sempre lançou mão, pois
sua produção é indissociável da reflexão, e que precisa dos signos para reflexão, sua e das
coisas, sendo os signos o suporte da mesma. Considerando o funcionamento de signo dos
fenômenos, tudo pode ou não, ser um signo.

Cada época, cada cultura, institui suas formas de produção de significação,


que, em sua materialidade, nos diz muito sobre ela: o pictograma, a escrita
alfabética, a imprensa, a perspectiva renascentista, a fotografia, o fonógrafo,
o cinema, a televisão, a computação, a internet (Gerheim, 2008: 22).

A imagem tem sido meio de expressão da cultura humana desde a época das pinturas
rupestres, milênios antes do aparecimento do registro da palavra pela escrita (Santaella e
Nöth, 2008: 13). Embora, a palavra escrita tenha evoluído muito (a partir do século XV) com
a descoberta de Gutenberg, o mundo imagético teve que esperar até o século XX para se
desenvolver. Até hoje, era do vídeo e das novas mídias, com uma vida cercada por mensagens
visuais, não temos uma tradição na pesquisa da imagem, como ocorreu com a palavra, onde
estudiosos investigaram a fundo, a natureza e estrutura da palavra, criando regras e teorias.

10
Manguel, 2001: 21.

110
Para investigar a imagem, não existe um suporte institucional de pesquisa que lhe seja
próprio, diversas disciplinas servem como base nesse tipo de investigação, como a semiótica
visual, crítica da arte, história da arte, teorias psicológicas da arte, estudos das mídias, e
outras, pois, o estudo da imagem é interdisciplinar.

Santaella e Nöth (2008: 13) cita o semioticista Emile Benveniste, segundo ele

as imagens são um sistema semiótico ao qual falta uma metassemiótica:


enquanto a língua, no seu caráter metalinguístico, pode servir, ela própria,
como meio de comunicação sobre si mesma, transformando-a num discurso
auto-reflexivo, imagens não podem servir como meios de reflexão sobre
imagens. O discurso verbal é necessário ao desenvolvimento de uma teoria da
imagem.

Em Leitura sem palavras, Ferrara reflete sobre isso, afirmando que todo código é constituído
de signos, com sintaxe própria e maneira de representar. Para decodificar qualquer sistema é
preciso identificar o signo e a sintaxe que o constituem. “A dificuldade de tal caracterização
aponta, paradoxalmente, a primeira e maior dificuldade do texto não-verbal, ao mesmo tempo
que é o elemento básico de sua definição” (2007: 14).

Uma das características do texto não-verbal é que se configura como uma linguagem sem
código, sendo a fragmentação sígnica sua marca estrutural. No texto não-verbal não há apenas
um signo, mas aglomerados sem convenções: sons, palavras, cores, traços, tamanhos,
texturas, cheiros. As emanações dos cinco sentidos surgem no não-verbal, juntas, simultâneas,
porém desintegradas, pois, não há sintaxe que as relacione. Todavia, sua associação está
implícita e precisa ser produzida, uma vez que o significado não está dado:

a princípio, o texto não-verbal tem seu reconhecimento comprometido, porque


seu significado, elemento básico de toda linguagem, inexiste. O texto não-
verbal não exclui o significado [...]. Seu sentido, por força sobretudo da
fragmentação que o caracteriza, não surge a priori, mas decorre da sua
própria estrutura significante, do próprio modo de produzir-se no e entre os
resíduos sígnicos que o compõem (Ferrara, 2007: 15).

O texto não-verbal mescla todos os códigos, e o próprio verbal pode fazer parte do não-
verbal; embora não tenha sobre ele qualquer força hegemônica. A palavra surge nele, mas não
apresenta a lógica central que caracteriza o texto verbal. O não-verbal não possui a linearidade

111
e a contiguidade11 do verbal, possui outra lógica, onde o significado não se impõe, contudo,
pode se distinguir sem hierarquia, em uma simultaneidade. Gerando não apenas um sentido,
mas sentidos que não se impõem, porém que podem ser produzidos.

Entretanto, é importante notar que também o código verbal não pode se desenvolver sem
imagens, nosso discurso verbal está permeado por elas. Sendo a abordagem teórica a mais
adequada ao estudo da imagem.

“A imagem dá origem a uma história, que, por sua vez, dá origem a uma imagem” (Manguel,
2001: 24). As narrativas existem no tempo, as imagens, no espaço. Quando lemos algum tipo
de imagem, pintura, fotografia, ilustração, atribuímos a ela o caráter temporal da narrativa.
Toda imagem se expande mediante incontáveis camadas de leituras, e o leitor para ter acesso
a elas, precisa removê-las. Com o tempo, podemos ver cada vez mais, novas informações em
uma mesma imagem, descobrir detalhes, relacionar com outras, usar palavras para contar o
que vemos.

Confirmando a importância da relação estabelecida entre palavra e imagem, Anne-Marie


Christin, estudiosa, com um projeto que reflete sobre e na fronteira entre a literatura e as artes
visuais, considerado por ela espaço híbrido, onde a letra e a imagem se encontram, afirma
que:

palavra e imagem permitem o acesso, em todas as sociedades a universos


diversos. A palavra garante a coesão do grupo; administra suas trocas
internas. Os poetas e os contadores têm por missão transmitir a narrativa de
suas origens e de seus mitos de uma geração à outra. A imagem permite ao
grupo comunicar-se com mundos em que não se fala sua língua [...] A
imagem revela o invisível (2006: 63).

Desde a sua origem, palavra e imagem estão inter-relacionadas. Maria Augusta Babo discute a
relação entre o traço, a letra e o desenho; salientando o caráter figural da escrita. Segundo a
autora, quanto mais afastado da representação está o traço, mais perto se encontra de sua
materialidade: “o traço, vestígio do corpo, do gesto, seria o elemento comum entre o desenho
e a palavra. A letra, na palavra, perde sua opacidade de traço porque se faz transparente,

11
A contiguidade é uma forma de pensamento que permite que qualquer elemento de um sistema é capaz de
suscitar, despertar, em nossa mente, todo o conjunto de que faz parte. O hábito da associação por contiguidade
é que orienta toda a cultura ocidental e que dá ao verbal (escrito ou falado), o reconhecimento da competência
máxima para a expressão dos nossos pensamentos (Ferrara, 2007: 9).

112
portadora de um significado; o que caracteriza a legibilidade” (apud Walty; Fonseca; Cury,
2001: 15-16).

Durante a leitura, não se presta atenção à letra em si, porque nela o traço perde a visibilidade
que tem no desenho, mas artistas, poetas e designers exploraram essa visibilidade da letra
quando transformaram a palavra em imagem, brincando com seu aspecto figurativo.

Podemos afirmar que a escrita, desde seus primórdios, foi desenho, imagem. Os escritos mais
antigos, encontrados na Suméria (região sul da Mesopotâmia), eram caracteres cuneiformes
(sinais e números) gravados sobre placas de argila úmida, conhecidos como pictogramas.
Depois vieram os hieróglifos egípcios, escrita sagrada, feitos à tinta em rolos de papiros ou
entalhados na pedra, pictogramas que funcionavam como palavras ou sequência de
consoantes, escrita composta de imagens que mostrava pensamentos simples. Era uma
linguagem visual independente, que podia contar uma história sem palavras.

Com o tempo, houve uma extensão dos limites das escritas pictográficas, que eram incapazes
de registrar pensamentos abstratos. Surgem os ideogramas (escrita chinesa), e através de
associações lógicas de imagens simples, foram criando conceitos novos. Até chegar à escrita
alfabética, feita a partir de elementos fonéticos (baseado em sons), havendo uma transcrição
mais precisa do pensamento a ser traduzido em palavras. Linguagem gráfica, capaz de dar
uma verdadeira dimensão espaço-temporal ao pensamento do homem. De acordo com
Santaella e Nöth (2008: 68)

longe de ser uma simples cópia do som numa imagem do som, o alfabeto
codificou visualmente a descoberta de que os idiomas nascem de uma bateria
combinatória, isto é, de um sistema de regras para a combinação basicamente
arbitrária de um número finito e reduzido de sons.

Podemos afirmar que, palavra e imagem estão indissociavelmente ligadas desde sua origem
no traço, nas escritas pictográficas ou quando se complementam em livros, revistas, cartazes
ou nos modernos textos multimídias, logo colocar a imagem e a escrita em campos opostos
seria ingenuidade, uma vez que esses códigos se encontram em constante interação, sendo sua
relação variada e multifacetada.

113
Neves (2009: 311) afirma que “interação, subordinação, ordenação, hierarquização e
reconfiguração de características” são alguns recursos utilizados para a construção de
narrativas plásticas e literárias dentro da relação estabelecida entre palavra e imagem, no
espaço do livro.

Pensando nesses encontros, vem meus anseios em desvendar esse diálogo travado entre
palavra e imagem. Como vimos anteriormente, dentro da arte e da literatura no decorrer da
história foram diversas as possibilidades onde palavras e imagens se entrelaçavam dentro do
espaço do livro, diluindo as fronteiras que separavam essas linguagens. Artistas, poetas,
designers exploraram a palavra, a imagem e o espaço de forma única, articulando os
elementos estruturais da página e do formato livro de maneira inovadora.

De acordo com os primeiros registros na história, podemos observar que o livro é, desde o
princípio, um objeto variado, que nasce de uma longa evolução da escrita, do suporte, das
técnicas, da aprendizagem e do conhecimento. Desde as inscrições, em superfícies de pedras
nas cavernas a gravações em blocos de pedras; de placas de argila a metais variados e
suportes incomuns como, pele de peixe, ossos, carapaças de animais, e marfim.

Paiva (2010: 16) define escrever como “desenhar, traçar, marcar, designar, tornar visível e
riscar, arranhar e raspar de novo, começar de novo”, e para isso serviam as tabuletas de argila
ou madeira, recobertas com estuque ou cera para escrever e apagar, muito usadas devido à sua
baixa resistência ao manuseio.

Também, foram encontrados livros feitos: com casca de árvore na Indonésia, bambu na
China, inscrições em cortiça na Índia. Todavia, o livro mais antigo, que se tem notícia, é um
rolo de papiro (feito da haste desse vegetal), descoberto em Tebas, suporte muito difundido
para a escrita durante a Antiguidade. Por ser um material muito frágil, era colocado em
varetas formando os rolos ou volumen (em latim, rolo ou algo enrolado). Outro suporte muito
comum foi o pergaminho (pele de carneiro, cabra ou ovelha) ou o velino (vellum), feito de
pele de novilhos, muito fina e usado para a escrita de documentos mais valiosos. Estes meios
possibilitavam uma qualidade de escrita melhor e um material adequado à ornamentação, com
excelente efeito visual para as imagens.

114
O pergaminho deu origem ao precursor do livro (em sua forma que conhecemos atualmente),
com escrita em linha reta e o uso do verso da folha; possibilitando a criação da primeira forma
do códice (códex), manuscritos com as folhas reunidas e cobertas por uma capa. Durante a
difusão do Cristianismo, houve a generalização do códice; mesma época em que foi criado
um “padrão estético de ornamentação, divisão de capítulos, paginação, títulos, separação de
palavras, incremento de acabamento e encadernação” (Paiva, 2010: 22).

É quando a conjunção entre escrita e imagem fica evidente. Principalmente, no trabalho das
iluminuras, arte que nos antigos manuscritos unia ilustração e ornamentação, por meio de
pinturas com cores vivas, além de ouro e prata, ocupando parte do espaço reservado ao texto.
Na Idade Média, o texto feito à mão, era extremamente rico em linguagem visual e
ornamentos, sendo o trabalho dos escribas complementado pelos pincéis dos iluministas. “A
beleza e riqueza eram fundamentais nos escritos religiosos” (Lins, 2002: 19).

A escrita verbal e visual, ao longo dessas impressões, sente a necessidade de recriação,


adaptação, que vão desde, as iluminuras à poesia, em forma de caligrama, como no livro
Sylvae, de 1592, chamando a atenção do leitor, dando ritmo e movimento ao texto; passando
por um pioneirismo, na forma de compor a escrita. As imagens eram trabalhadas
complementando o conteúdo do texto.

Com o passar do tempo, houve um grande desenvolvimento nos meios de impressão, sendo
produzidos novos suportes para a escrita alfabética, havendo o crescimento e sofisticação da
impressão. Abrindo novos campos de possibilidades, “rumo à exploração da natureza plástica,
imagética, do código alfabético” (Santaella e Nöth, 2008: 69).

Santaella faz indagações sobre, o que há de imagem na palavra, o que há de palavra na


imagem. Pensando sobre as interações indissolúveis que realizam tanto, nos processos
híbridos de linguagem, como poesia visual, textos publicitários, quanto na relação entre foto,
legenda, pintura, título, e outras.

Jakobson (2007: 65) aborda essa relação ao descrever e definir os possíveis tipos de tradução
entre signos: interlingual, intralingual, intersemiótica. A tradução intersemiótica seria a
interpretação dos signos verbais por meio de signos de sistemas de signos não-verbais, ou de
um sistema de signos para outro, como da arte verbal para a música, cinema, pintura, imagem.

115
Tradução criativa de uma forma estética para outra. Júlio Plaza (2010) também reflete sobre
essas questões da tradução de cunho intersemiótico, pensadas como forma de arte e prática
artística, transcriação que passa por diversas linguagens, como comunicação e artes.

Este é um tema complexo, uma vez que grandes teóricos se debruçaram sobre essa questão,
principalmente a partir do século XX, como Saussure, Jakobson, Chomsky, Derrida, Lacan,
estudando a palavra, e Gombrich, Arnheim, Panofsky e Gibson, pensando a imagem,
alargando assim a apreensão de suas complexidades.

Palavra e imagem não são mais o que os iluministas sonharam que fossem:
meios transparentes através dos quais a realidade se apresenta à
compreensão. Elas se tornaram tão enigmáticas, problemas para serem
decifrados, quanto é enigmática a realidade que, sempre com certa distorção
e ambiguidade, elas intentam representar (Santaella, 1992: 37).

Atenta às especificidades de palavra e a imagem, pensando na relação delas dentro da


produção de Livro de Artista; procurando respostas aos meus questionamentos e indagações
no decorrer dessa pesquisa; minha busca é encontrar quais diálogos existem entre a palavra e
a imagem em determinados Livros de Artista, explorando como aparecem nas criações
desenvolvidas por um poeta ou artistas.

116
2.2 Mira Schendel e o universo das palavras

“Por que letras?”, uma jornalista perguntou a Mira.


“São o pré-texto ou pretexto de um pós-texto”.

Mira Schendel12

Mira Schendel foi escolhida por sua relação com poetas do grupo Noigandres, como Haroldo
de Campos (que a aproximou da Poesia e da Arte Concreta), pelo uso recorrente da palavra
em suas produções; possuindo uma série de trabalhos com construções visuais onde utiliza
letras, signos, escritas. Meus questionamentos são em torno da construção da palavra como
imagem em sua obra e possíveis desdobramentos, para depois costurar as relações palavra e
imagem dentro de sua produção de Livros de Artista, Cadernos.

A Arte Concreta brasileira é conhecida por sua proximidade com a fisicalidade das letras;
onde a imagem é transposta em construções estruturais precisas. Frequentemente em uma
Poesia Concreta totalmente autônoma. E, segundo Dias (2009: 19), Schendel situa-se tanto no
centro como no limite dessas poéticas, trabalhando com o sinal gráfico desenhável, afastando-
se do construído, preservando assim “tanto para o espaço pictórico-imagístico como para o
signo abstrato uma vida reiteradamente pulsante e mutuamente penetrável e uma comunicação
existencial”.

Mira Schendel (1919-1988) foi uma artista fortemente intelectualizada, com preocupações em
filosofia e metafísica. No campo gráfico, suas especulações estéticas giravam em torno do
espaço, como o silêncio ou o vazio, e, do puro signo linguístico. Produziu e pesquisou
exaustivamente, explorando diversas técnicas (óleo, têmpera, monotipia, tipos transferíveis,
grafite, aerógrafo) usando a composição de letras no espaço da tela ou do papel.

Importante dar destaque à sua forte relação com a linguagem, o que transformou em sua
principal fonte visual, tanto escrita como gesto, ou seja, “como algo verbalmente inteligível e
como matéria estritamente visível” (Pérez-Oramas, 2010: 11).

12
Couri, 2009: 229.

117
Realizou uma arte impregnada de linguagem; do alfabeto à poesia, da letra à frase, do silêncio
ao diálogo. Buscando sempre uma materialidade escrita e dos signos, justamente em uma
época em que muitos intelectuais (antropólogos, cineastas, filósofos) fizeram da linguagem
um paradigma do pensamento e do próprio mundo. Nos, Estados Unidos e Europa foi o
período em que estava surgindo uma nova forma de arte, a arte conceitual (vanguarda surgida
no fim da década de 1960). Não havia um suporte específico ou determinado material, o que
importava era a ideia ou o conceito da obra.

Trabalhou com a materialidade escrita, e embora sua arte trate de ideias e conceitos, a
execução é um aspecto muito importante em sua produção, e não apenas uma questão menor,
como ocorre com os artistas conceituais. Enquanto o Conceitualismo é uma arte centrada no
protagonismo ideal da linguagem, Schendel é uma artista “focada no aspecto da linguagem,
cujas obras manifestam e mostram a linguagem encarnada e vinculativa” (Pérez-Oramas,
2010: 14).

Em sua obra está interessada na materialidade da linguagem, ou seja, em seus aspectos como
aparência visual e material, resultando em uma arte que não se baseia na clareza da
linguagem, mas sim em seu potencial de ambiguidade:

As imagens se manifestam por meio dos textos, e estes por meio das imagens,
– na realidade, as imagens são textos, e os textos são imagens. [...] Ocorre
uma reinvenção da arte visual por meio de operações envolvendo a
linguagem (Pérez-Oramas, 2010: 16).

Schendel sempre foi muito experimental, gerando um mundo próprio repleto de signos,
símbolos, letras e números; livres e desprovidos do conteúdo que carregam. Alguns críticos a
consideram uma artista minimalista, outros como caligráfica, não havendo unanimidade de
opiniões sobre ela.

Nasceu em 1919, em Zurique e veio para o Brasil em 1949. Começou a pintar dedicando-se à
natureza-morta, onde usava objetos do cotidiano e fazia composições de espaços interiores,
explorando as possibilidades da pintura, experimentando materiais e texturas.

Nesses trabalhos iniciais, os universos artísticos de Giorgio De Chirico e Giorgio Morandi


influenciaram seu pensamento plástico; refletido no uso de cores escuras, opacas e tintas
espessas, além da temática usada. Garrafas, copos ou vasos eram quase desprovidos de
118
naturalidade. Quando entrou em contato com a obra do filósofo Martin Heidegger, suas
pinturas começaram a refletir a possibilidade de pensar sobre o ser humano como inseparável
do mundo ao seu redor.

Em 1951, participa da I Bienal de São Paulo, com a pintura a óleo sobre cartão, Paisagem.
Momento em que aconteciam diversas atividades, promovidas pelos primeiros museus de arte
moderna, fundados no Brasil; provocando mudanças significativas na cultura artística do país.
Esse evento trouxe diversas tendências internacionais, com destaque para a Arte Concreta
alemã e suíça; e para os artistas italianos, Lucio Fontana, com seus conceitos espaciais, e
Giorgio Morandi.

O artista suíço Max Bill, autor da obra Unidade tripartida, premiada nessa Bienal, exerceu
forte influência sobre os artistas brasileiros. Os trabalhos do pintor construtivista uruguaio
Joaquín Torres-Garcia que também foram expostas, chamaram a atenção de Schendel. O
contato com esses artistas a fez refletir sobre a sua própria relação com a arte e repensar sua
maneira de produzir.

Em São Paulo, e no Rio de Janeiro, estavam ocorrendo debates artísticos entre os artistas da
tradição figurativa, que tinha Emiliano Di Cavalcanti, Candido Portinari e Lasar Segall como
representantes, em oposição aos defensores da Arte Abstrata. As exposições de Alexander
Calder (1949) e de Max Bill (1950), no Museu de Arte de São Paulo, também causaram
grande impacto no meio artístico.

A polêmica em torno da Arte Concreta, surgida na I Bienal de São Paulo, aumentou com a
apresentação dos artistas que integravam o Grupo Ruptura, no Museu de Arte Moderna, de
São Paulo, em 1952. Esse grupo era liderado por Waldemar Cordeiro, cujo Manifesto fazia
uma “crítica à arte naturalista e a valores expressivos e simbólicos. Propunham que a arte
alcançasse o estatuto autônomo do conhecimento, considerando o espaço, o tempo, o
movimento e a matéria como elementos essenciais” (Marques, 2011: 16).

Schendel veio morar em São Paulo, em 1953, entrando em contato com a efervescência da
vida cultural e do momento de renovação da Arte Moderna brasileira, mesma fase em que sua
pintura estava na fronteira entre a figuração e a abstração. Nesse momento, as poéticas
abstracionistas ganhavam cada vez mais espaço em São Paulo, e o mesmo ocorria no cenário

119
internacional. Com a série Fachadas ou Geladeiras (entre 1954 e 1956) a artista traduziu a
maneira que assimilou os pressupostos da Arte Concreta e as discussões em foco nos meios
artísticos, marcando sua transição para a abstração. Começou a fazer uso de matéria densa,
cores escuras (tons ocres e cinzas opacos). Suas pinturas pareciam advir de um exercício de
abstração das superfícies plana alcançadas pelos objetos de Morandi, sendo obras com formas
irregulares e com um impulso construtivo, em busca de ordenação geométrica.

Pensando na relação Arte, Poesia e Design, observo que em 1953, a artista trabalhou como
desenhista na seção de serigrafia da Tipografia Mercantil e também desenvolveu croquis para
cartazes para a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Entre 1960 e 1964 realizou projetos
gráficos de capas de livros para a Editora Herder, e ilustrações para contos literários,
ressaltando a fluidez das fronteiras entre as artes e a relação entre palavra e imagem.

Na Bienal, de 1955, entra em contato com a Bauhaus e com as obras de Constantin Brancusi,
estabelecendo uma maior relação com a produção de artistas brasileiros e estrangeiros, mesma
fase em que passou a conviver com o crítico de arte Theon Spanudis, o filósofo Vilém Flusser
e o físico, filósofo e crítico de arte Mario Schenberg, nomes significativos para sua trajetória e
pensamento artístico. Mais tarde manteve contato com o poeta Haroldo de Campos, formando
assim o núcleo intelectual de amigos, os quais exerciam, às vezes, a função de críticos de seus
trabalhos.

Dias (2009: 162) afirma que Flusser considerava os trabalhos de Schendel extraordinários por
mobilizar um novo tipo de força imaginativa, e que possibilitava a visualização de
pensamentos.

Para o filósofo estaria ocorrendo uma inversão, o pensamento conceitual,


discursivo e linear, concebido pela imaginação em sequências lineares,
cederia lugar à imaginação de conceitos, em que as coisas seriam abrangidas
não mais por linhas, mas por superfícies.

Flusser (2007: 102-105) explica que as superfícies seriam a base das imagens, que podem ser
cartazes, filmes, fotografias, pinturas, vitrais ou inscrições rupestres. Ao contrário da leitura
linear, a superfície permite uma leitura diferente da mensagem, ou seja, num olhar podemos
abarcar sua totalidade e depois analisá-la seguindo os caminhos sugeridos pela composição da
imagem. A superfície (imagem) comunica todo seu conteúdo de uma vez.

120
Mira Schendel inicia suas pesquisas com materiais transparentes, semitransparentes ou
translúcidos com a série Bordados, entre 1962 e 1964 (primeiras obras feitas em papel
japonês, conhecido como papel-arroz). Eram desenhos feitos com ecoline, cujos motivos
geométricos, faziam relação direta com o ato de bordar. O papel seria o tecido e os traços os
fios do bordado. Depois começou a trabalhar com a aquarela e o nanquim sobre o papel
umedecido, série que ficou conhecida como Bombas (1965). Contudo, anteriormente, tinha
feito algumas experiências usando a têmpera com elementos do repertório de Morandi.

Os contornos da série Bombas eram borrados, líquidos, esfumaçados, criando fronteiras


difusas, uma vez que a tinta saia dos limites das figuras traçadas. As formas insinuavam
movimentos, que escapavam ao domínio pleno do gesto, gerando uma espontaneidade da tinta
sobre o papel úmido. Como estava interessada na caligrafia oriental, em especial a chinesa,
focava-se na ideia do gesto veloz, dando origem às imagens sobre o papel poroso e
absorvente.

Figura 71: Schendel, s/ título (série Bombas), 1965. Nanquim sobre papel.

Pouco a pouco, sua obra vai distanciando-se da estética formal do grupo concretista de São
Paulo, a forma deixa de ser plástica para ser cognitiva, “as formas geométricas tornam-se
progressivamente irregulares e assimétricas em relação às bordas do suporte e transmitem
intensidade emocional” (Dias, 2009: 65), o que a aproxima mais do conceito de forma
expressiva dos teóricos, do grupo neoconcreto do Rio de Janeiro, fazendo o uso subjetivo da
cor e demonstrando uma sensibilidade, para o espaço vazio em seus trabalhos.

121
Ao começar sua pesquisa de monotipias sobre papel-arroz, conhecidas como linhas,
arquiteturas ou linhas em U, letras e símbolos matemáticos, e escritas (com trechos
compostos em diferentes idiomas), inicia sua relação com a palavra em sua produção.

Schendel introduziu na superfície de suas pinturas elementos da escrita, gestos caligráficos


aleatórios, pedaços de frases, palavras, transformando-os em uma “caligrafia metafísica”,
segundo Haroldo de Campos (apud Marques, 2011: 21), com quem manteve um permanente
diálogo e o que a aproximou da Poesia Concreta. Atenta à relação da palavra com a imagem,
introduziu o léxico na pintura, usando expressões, fragmentos de palavras e letras. Trabalhos
que apontam para suas futuras experiências com a linguagem.

Em outras pinturas, acrescentou palavras e letras impressas, recurso que mais tarde foi muito
explorado em trabalhos sobre papel e em acrílico. Este procedimento remete às composições
ideogramáticas (sinais exprimindo uma ideia) de Paul Klee, artista cujas obras foram
referências para a artista. Para Klee, não havia diferença entre desenho e escrita, estas seriam
ações idênticas (devido à cursividade de ambos), em sua obra, figura e letras são dispostas na
tela como linhas de um texto, sendo representadas no mesmo espaço.

A obra, O retorno de Achilles I, foi provavelmente a primeira pintura, na qual a artista aplicou
letras com padrão industrial. Sobre a base a óleo, colocou trechos da Ilíada, de Homero, o que
foi uma exceção em sua obra, já que costumava com grande frequência incluir “letras e
números em um léxico banal, desenraizado da tradição literária” (Marques, 2011: 22).

Figura 72: Schendel, O retorno de Achilles I, 1964. Óleo sobre tela.

122
Com a escrita associada à imagem, Dias afirma que seus trabalhos passaram a ser
“classificados juntos ao de Cy Twombly, Mark Tobey e Hans Hartung, e outros, como
exemplos de pintura-escritural” (2009: 178).

Schendel gerou um mundo próprio, repleto de signos, símbolos, letras, números, livres e
desprovidos do conteúdo semântico. Além do uso recorrente de palavras em diversos idiomas,
usou muito a espiral, associada ao seu interesse em pesquisar as ideias de movimento,
progressão e duração, desdobramentos de sua pesquisa de tempo e espaço; manteve assim,
uma atividade experimental durante a maior parte de sua trajetória, investigando grande
variedade de material, intercaladas com suas reflexões filosóficas sobre a existência humana e
o fazer Arte em pinturas, gravuras, desenhos, objetos e instalações.

Monotipias
As Monotipias eram um conjunto de aproximadamente dois mil desenhos, realizados entre
1964 e 1966, e retomados em 1970. A artista usou como base desses trabalhos o papel
japonês, que possuía uma superfície delicada e transparente, permitindo olhar o desenho
através desse suporte. A superfície era preenchida por letras, formas, manchas, pontos,
massas, signos.

Naves (2009), afirma que suas linhas traçadas,

mais do que instaurar o espaço, o absorvem em sua formação, como se fosse


possível agarrá-lo com um gesto. Elas surgem do emprego do corpo em sua
totalidade, e não apenas da mão e do cérebro. O espaço vazio de suas
monotipias é um misto de desenho e estampa, uma impressão que envolve a
atividade intensa e incisiva sobre o papel-arroz (apud Alves, 2011: 53).

O autor, sempre defendeu, que as monotipias de Schendel deveriam ser compreendidas antes
como desenho, do que como um processo de impressão. Os desenhos foram feitos por trás,
pela ação de algum instrumento, mais ou menos pontiagudo, sobre as costas do papel-arroz
posto sobre uma placa de vidro entintada e coberta com talco; fazendo com que as imagens
surgissem da própria trama do papel poroso, como um material orgânico, quase como se
confundisse com sua textura.

Sempre com o espírito investigativo, começou a pensar a forma como o material e o gesto
respondiam um ao outro, promovendo relações entre papel, tinta e gestualidade.

123
Nesses trabalhos, que resultam da tenuidade da tinta sobre a fragilidade do
papel japonês, Mira operou com campos vazios ativados por linhas
irregulares e, junto às marcas gestuais, aplicou letraset, traçou frases e
símbolos. Embora a transparência das monotipias contrastasse com a
materialidade de sua obra pictórica, ambos os processos aparecem resultar
de uma vontade de alcançar a essência das coisas (Marques, 2011: 23).

Figura 73: Schendel, s/ título (Monotipias), 1965. Óleo sobre papel-arroz.

O vazio, presente em suas monotipias não se opõe à linha, um depende do outro para existir.
O vazio do papel é um vazio ativo, e a linha, antes de dominar expressivamente o campo em
que é traçada, é absorvida por ele. Em uma carta a Guy Brett, Schendel afirmava que “a linha,
na maioria das vezes, apenas estimula o vazio. Não estou certa de que a palavra estimular
esteja correta. De qualquer modo, o que importa na minha obra é o vazio, altivamente o
vazio” (2011: 54).

Em suas produções, o espaço aparece como uma potência de conexão, anterior à distinção
entre forma e conteúdo. Suas monotipias, em sua maioria, possuem formato vertical, pois a
artista considera a verticalidade como a mesma do corpo, o que acaba contribuindo para a
constituição desse espaço e da experiência que tem no mundo. Suas linhas dão origem ao
espaço e o captam ao mesmo tempo, dividem o papel e acabam definindo as relações
espaciais, que nos fazem vislumbrar letras, figuras abertas, fechadas ou em processo de se
formar, sempre relacionando-se com o espaço ao seu redor.

124
Schendel, sempre explorou a materialidade do papel. A transparência desse suporte parecia
ser a continuidade de sua relação com o entorno, podendo assim a artista estabelecer uma rica
relação entre o ar, a atmosfera ao redor, a transparência e a leveza do corpo do papel. A
linguagem presente em grande parte de seus papéis é alusiva e indireta, buscando uma escrita
originária, anterior aos significados já estabelecidos.

“Seus gestos fixados nos papéis, assim como suas letras e palavras manuscritas, são
instituintes; ao mesmo em que instituem novos sentidos, recorrem à origem do próprio gesto,
ao que ele possui de primordial e inaugural” (Alves, 2011: 58). Por isso o silêncio e o vazio
são tão significantes em sua obra, é como se reinventassem a caligrafia e a própria língua. Em
sua escrita, nem sempre havia coerência dentro de um sistema semântico, a artista não seguia
regras gramaticais, parecia que misturava diversos idiomas, articulando sua liberdade criativa.

A artista, também usou o signo em seu aspecto gráfico em vários trabalhos, como nas séries
Toquinhos (1970/1971) e Datiloscritos (1974), revelando algo que não pertence a nenhuma
língua e de onde nascia uma complexa relação entre o desenho e a palavra, o gestual e o não
gestual, em sua produção.

Figura 74: Schendel, Datiloscritos, 1973/1974. Técnica mista sobre cartão.

125
Datiloscritos foram experimentos, que Schendel realizou com a máquina de escrever,
explorando a lógica e a matemática. A partir dos caracteres datilografados, formou desenhos
geométricos, que pareciam tramas ou massas sólidas conforme o olhar sobre o trabalho.

A repetição incessante de uma mesma letra ou sílaba fazia com que seu significado se
dissolvesse; com isso o signo ganhava importância, desdobrando-se graficamente no espaço.
Schendel também explorou muito a dimensão gráfica dos tipos nos Cadernos, quando
rotacionava as letras em 360 graus, o que fazia com que perdessem sua correspondência com
a oralidade.

Droguinhas e Toquinhos
Seu trabalho ganha maior consistência física com Droguinhas (formas tridimensionais feitas
com trançados de fios grossos de papel-arroz, de 1966) e depois com a série Toquinhos
(1970/1971), obras feitas sobre suporte de papel artesanal tingido e colado sobre outras
formas, e também colava letras formando imagens.

O papel vai se transmutando em sua trajetória, cada vez mais foi adquirindo um corpo mais
sólido, tendo uma presença maior no espaço tridimensional. Essa noção de corpo frágil e
sólido, permanente e descartável, matérico e espiritual, aproximava-se das questões filosóficas
que a inquietavam. Corpo reflexivo, não que apenas ocupe espaço.

Figura 75: Schendel, s/ título, série Toquinhos, 1972. Letra adesiva (letraset) e blocos de acrílico montados
sobre placa de acrílico.

126
Em meados dos anos 1960, Schendel desenvolvia capas de livros paralelamente ao seu
processo de criação artística, e para essa atividade era necessária muita precisão e habilidade
manual. Com a criação em artes gráficas desenvolveu um sentido de equilíbrio visual e rigor
na sua execução, qualidades que provavelmente transportou para seu trabalho artístico e que
podem ser comprovadas ao analisar a produção Toquinhos.

A artista atingiu a simplificação da escrita ao usar letras autocolantes (letraset), incorporando


o uso desse alfabeto em sua prática artística, mas não como unidades de significação, e sim
como signos, imagens que operam à parte da linguagem verbal, conferindo “uma forte
autonomia visual ao trabalho, cujo significado residia na introdução de um elemento concreto
num sistema de referência abstrato” (Dias, 2009: 229).

Letras (tipo sem serifa e fonte Futura) e números assumiam assim um caráter novo,
puramente plástico, pela redução de suas formas a círculos e retas. O tratamento da artista aos
sinais gráficos, junto com o espaço que os circunda, fez com que os mesmos adquirissem
significados interessantes.

Em 1968, essas obras foram consolidando-se, e Schendel começou a trabalhar com peças de
acrílico transparente (com pequenos cubos do mesmo material), sobre os quais ela aplicava
letras, signos gráficos ou pedaços de papel japonês tingidos com ecoline, estudando as
possibilidades de planos pictóricos luminosos.

Objetos gráficos
Desenvolvidos a partir da segunda metade dos anos 1960, essa série não tem espaços vazios,
onde a artista trabalhou com suporte de papel-arroz em grandes dimensões, aplicando letras
manuscritas, impressas ou letraset.

Schendel já havia transformado a escrita em quase objetos em seus grafismos sobre papel-
arroz, para depois transpô-las para o espaço nos Objetos Gráficos, onde novamente explorou
a exaustão: letras, signos e palavras desconstruídas. Trabalhou com textos inteligíveis,
puramente visuais, ou seja, sem tradução, parecendo que essas linhas escritas foram usadas
para tecer uma nova realidade, “oscilando entre uma trama de significados e uma dimensão
material mais opaca” (Naves, 2010: 63), gerando continuidade e emaranhamentos.

127
Figura 76: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1969. Grafite e óleo sobre papel, entre placas de acrílico
com tipos transferíveis.

Letras e grafismos são sobrepostos, ressaltando a transparência das obras, que foram
montadas entre duas placas de acrílico e suspensas por fios de nylon, permitindo uma visão de
ambos os planos, não havendo frente ou verso, o que possibilitava uma leitura circular e
virtual. “A sobreposição dos elementos intensificada pela transparência das obras, restituía-
lhes uma espessura que a clareza das palavras havia posto de lado” (Naves, 2010: 59 e 60).

Figura 77: Schendel, s/ título, série Objetos gráficos, 1972. Tipos transferíveis entre placas de acrílico fosco
transparente.

128
A repetição, sem parar, de uma mesma letra faz com que seu significado se dissolva, fazendo
com que o signo se desdobre graficamente no espaço do suporte.

Segundo Pérez-Oramas, Objetos Gráficos exploram a espessura da linguagem,

a densidade objetual de sua raiz gráfica, a concretude existencial de palavra,


traços, marcas, sejam escritos, sejam delineados com pincel. Corpos opacos,
obstáculos, suspensos na nossa frente como campos tanto visuais como
legíveis, tais obras são corpos a ser decifrados com o corpo (2010: 11).

Nesses objetos que contém constelações de letras e signos e palavras desconstruídas, a artista
trabalhou conceitos de tempo-espaço, transparência e opacidade. Objetos que são esculturas
escritas, mas com textos ininteligíveis.

129
2.3 Cadernos: narrativas visuais
Como desdobramento de seus trabalhos, entre 1970 e 1971 criou mais de 150 Cadernos13, nos
quais utilizou palavras, letras e signos gráficos, aliando transparência às composições
geométricas em séries. Essas obras foram divididas em séries: Cadernos transparentes,
Desenhos lineares, Furinhos, entre outros, e foram expostos pela primeira vez no Museu de
Arte Contemporânea de São Paulo, nessa mesma época. Os Cadernos eram feitos com folhas
de acetato, papel branco ou transparente (papel vegetal) e eram encadernados com capas de
acrílico ou papel mais encorpado.

Segundo Carrión, no livro da nova arte as palavras não transmitem nenhuma intenção, servem
apenas para formar um texto, que é elemento do livro. “Este livro, em sua totalidade, que
transmite a intenção do autor” (2011: 52). Emprestando sua definição sobre os livros da nova
arte, acredito que as produções Cadernos possam ser consideradas verdadeiros Livros de
Artista, onde, Schendel trabalhou signos verbais de forma não semântica, sem a preocupação
de transmitir uma determinada mensagem.

Uso de letras e palavras despojadas de intencionalidade, que não são portadoras de mensagens
e não estão ali para transmitir determinadas imagens mentais com determinada intenção:
“estão ali para formar, junto com outros signos, uma sequência de espaço-tempo que
identificamos com o nome do livro” (Carrión, 2011: 43).

Figura 78: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal.

13
Mira Schendel, pintora. Catálogo da exposição. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2011: 121.

130
Cada livro requer uma leitura diferente, conforme o material utilizado, tipo de encadernação,
formato, sequencialidade. O leitor precisa de tempo para experienciar cada sensação
provocada ao folhear as páginas, tocar e sentir texturas, interferências em forma de relevos,
detalhes. Tato, olhar, toque. O ritmo da leitura muda, aumenta, acelera. E nem seria
necessário ler o livro inteiro, uma vez que “a leitura pode parar no momento em que se
compreende a estrutura total do livro” (Carrión, 2011: 65). Nos Cadernos de Schendel, fica
evidente a relação com o ritmo e movimento, estabelecendo uma relação cinética ao manusear
suas páginas, instigando inúmeras leituras do trabalho.

Ao perceber sequencialmente sua estrutura, apreendendo o livro como uma estrutura,


identificando seus elementos, compreendendo sua função; possibilita que o leitor entenda o
Livro de Artista, criando signos ou sistemas de signos para uma fruição completa da obra.

Figura 79: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1970.

Figura 80: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Papel recortado.

Nos Cadernos conhecidos como furinhos, Schendel oferece ao espectador “furos como pontos
de vista que, graças a perfurações concêntricas, desaparecem e ressurgem no ritmo do virar
das páginas” (Dias, 2009: 275). Os furos vão se multiplicando, como em um jogo ou

131
brincadeira do olhar. Podemos pensar em escritas silenciosas, formando narrativas visuais. O
suporte é feito de um papel mais consistente, permitindo o jogo das perfurações.

Figura 81: Schendel, s/ título, série Cadernos, anos 1971. Letraset sobre papel vegetal.

Os Cadernos tinham páginas sequenciais. Schendel transformou o livro ao introduzir


movimento à sua essência, baseado em um novo entendimento, do ato simples de virar as
páginas. O uso do papel, transparente ou translúcido, permitiu criar uma experiência de
movimento no corpo do livro, com profundidade; também possibilitou que os signos usados
nas páginas pudessem interagir uns com os outros, gerando uma sobreposição de letras e
formas, criando diferentes leituras. Essas sobreposições permitiam a construção crescente de
uma composição serial, progressiva de números, letras (letraset) e formas.

Figura 82: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset sobre papel vegetal, capa de papelão plastificado
com parafuso de metal.

132
Nessas produções há uma forte presença das linhas e de letras emergindo e submergindo no
espaço vazio, conforme são folheados; sendo o resultado de suas pesquisas sobre as questões
tempo-espaço e transparência. A artista tinha pouco interesse na cor, dando maior importância
às variações de densidade. O movimento é orbital, ou seja, volta-se constantemente para si
próprio reinventando a noção de velocidade em forma de livro. O aspecto cinético é
acentuado ao serem folheados, fazendo com que letras e formas se movimentassem.

Figura 83: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset e técnica mista sobre papel.

Figura 84: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset sobre papel encadernado de acrílico.

133
Sinais alfabéticos se juntaram às letras, com diferentes tamanhos e formatos, onde a artista
usou nanquim, decalque, colagens. Nesses trabalhos ocorria a

presença constante da linha se fechando em círculos, como se fossem corpos


celestes, círculos que se repetem anelados, ou que se contêm nos limites do
quadrado do papel, cuja textura se evidencia, corrugada, ou que parecem se
inflar, cheios do vazio que circunscrevem, mas ainda assim leves como uma
bolha de sabão, ou que de repente se sentem ameaçados por uma vigorosa
letra desgarrada do alfabeto do universo, em desabalada queda, e assim,
exaustos de uma eternidade que se repete, metodicamente, começam a se
desmanchar – no nada (Morais, 2012: 81).

Além da encadernação tradicional (dois ou três furos), outra forma escolhida para os
Cadernos era um pino ou parafuso com um furo; permitindo o movimento em torno de um
eixo circular e gerando um jogo visual ao ser manuseado. Circularidade, com uma leitura
contínua, sem começo, nem fim.

Borges considera que a encadernação tradicional leva a uma leitura linear, partindo da capa ao
final da publicação, já a maneira original com um único furo, permite uma leitura visual fora
da “segmentação linear – seja do texto, seja do tempo” (2011: 153). Tratando a escrita e os
espaços vazios do suporte em um mesmo nível de interação dinâmica. Mais uma vez,
Schendel não trata o texto como o elemento central ou mais importante da obra.

Figura 85: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset sobre papel.

Em alguns Cadernos, a artista trata de questões formais do alfabeto e mudando nossa


capacidade perceptiva, como no caderno onde realiza a rotação da letra p, que conforme as
páginas são folheadas, transforma-se nas letras b, d ou q. Além desse, realizou outros
134
cadernos lúdicos, com as letras n e o, que de acordo com o manuseio do leitor ocorre uma
nova disposição, gerando diversas combinações de sinais gráficos.

Figura 86: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1970. Letraset sobre papel.

Figura 87: Schendel, s/ título, série Cadernos, 1971. Letraset e grafite sobre papel.

Para trabalhar suas questões filosóficas e existenciais, Schendel buscou através da palavra
escrita, um meio ao mesmo tempo concreto e poético, em direção à universalidade da
linguagem. Em sua obra, a palavra se transforma em imagem, e a imagem é palavra. A leitura
de seus Cadernos é infinita e experimental; onde pesquisou circularidade, movimento,
profundidade, transparência, materiais e encadernações diversas, espaços em branco da
página. A maneira como tratou a palavra em suas criações, com valor plástico, permitiu uma
abertura visual de letras e signos ao tratá-los como imagens.

135
Em suas produções, destaca-se a importância visual dada ao espaço branco da página,
permitindo que figura e fundo dialogassem. O respiro, a pausa, o silêncio, enfim, o uso do
branco do papel como espaço compositivo, conceitos que também são importantes na Poesia
Concreta. “A poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente
estrutural. Espaço qualificado: estrutura espaço-temporal” (Campos; Pignatari; Campos,
2006: 215). Assim como Mallarmé que explorou o caráter plástico das letras, pensando-as
como figuras desenhadas no suporte.

Haroldo de Campos considerava Mira Schendel como uma artista pensadora, e diferentemente
dos artistas concretos que refletiam em termos racionais sobre a arte, tinha um pensamento
filosófico que se relacionava com o místico, “com certa mística voltada para a essência”
(1977, apud Marques, 2011: 31); realizando assim uma arte impregnada de inquietações
metafísicas de diferentes matrizes.

A artista nos faz refletir sobre a palavra em seus Livros de Artista. Neles, palavra e imagem
dialogam em suas páginas, as letras são tratadas como signos, mas não negadas como
fonemas, porque permanece a possibilidade de leitura, embora suas letras e palavras sejam
muito mais visuais que legíveis.

Finalizo com um trecho do poema feito pelo poeta Haroldo de Campos 14 que traduz a relação
entre palavra e visualidade na obra de Schendel:

Uma arte de vazios


onde a extrema redundância começa a gerar informação original
uma arte de palavras e de quase palavras
onde o signo gráfico veste e desveste vela e desvela
súbitos valores semânticos
uma arte de alfabetos constelados
de letras-abelhas enxameadas ou solitárias
a-b-(li)-aa

14
Texto publicado no catálogo Mira Schendel, Rio de Janeiro, MAM Rio de Janeiro, maio de 1966, apud:
SALZSTEIN, Sônia (org.). No vazio do mundo – Mira Schendel. São Paulo: Marca D’Agua, 1996, p. 260.

136
CAPÍTULO 3: A IMAGEM DA PALAVRA

137
3.1 Poeta inventor: Ronaldo Azeredo
O poeta Ronaldo Azeredo (1937-2006) transitou entre a palavra e a imagem usando riqueza
de materiais, formas e experimentações; trabalhando com poemas concretos, poemas-livros,
poemas-objetos, objetos tridimensionais. Por isso, a escolha de suas obras para exemplificar a
quantidade de relações entre verbal e visual. Ao romper com o verso, passou a explorar uma
série de linguagens durante seu percurso criativo, o que lhe possibilitou encontrar um
caminho único, realizando uma trajetória bastante diferenciada.

Segundo a teoria formulada pelos poetas concretistas, concebida por Augusto de Campos,
Décio Pignatari e Haroldo de Campos, além de Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald
(década de 1950), a ideia era trabalhar de forma integrada a sonoridade, a visualidade e o
sentido das palavras, propondo novas maneiras de fazer poesia. A expressão verbivocovisual
(termo cunhado pelo escritor James Joyce), que sintetiza a “exploração das dimensões
semântica, sonora e visual do poema” (Bandeira; Barros, 2008: 9), permaneceu no horizonte
da produção desses poetas, e se desdobrou em suportes e meios técnicos diversos, como livro,
jornal, objeto, cartaz, videotexto, holografia, vídeo, internet.

A partir da base da Poesia Concreta, Azeredo realizou uma obra marcada pela criatividade,
deixando uma rica contribuição à literatura brasileira. Visava uma arte geral da palavra. Desde
o começo de sua produção, teve ligação com a música contemporânea, com as artes visuais e
o design gráfico de linhagem construtivista, havendo em seus poemas, elementos dessas
linguagens.

Azeredo teve trinta e um poemas e trabalhos publicados ao longo de sua carreira, além dos
cinco textos em prosa (Siqueira Leite, 2011: 12), entre eles o Monstro Moonzebur e O driz da
feia (1954), pequenas fábulas baseada em leituras de Finnegans Wake, do escritor James
Joyce (1882-1941). Realizou edições seriais e muito limitadas de poemas visuais, objetos,
esculturas, instalações, uma vez que havia restrições técnicas e materiais para reprodução de
suas obras.

138
Figura 88: Amor, poema de Oswald de Andrade publicado em seu livro Primeiro Caderno do Aluno de Poesia,
1927.

Como referências literárias para sua formação, é necessário destacar sua admiração pela obra
de Oswald de Andrade e por Patrícia Galvão, a Pagu, dois ícones do Modernismo brasileiro:

Oswald foi meu primeiro pai intelectual. Para mim, foi uma explosão. Saber
da vida dele, do poeta que foi, o primeiro a fazer teatro moderno, e tudo, até
as mulheres que ele teve. Sou fã da Pagu. Fiz um trabalho, o da pirâmide, em
que coloquei a Pagu. Oswald foi importante na minha vida. Me levou à
“raiva”, à crítica, à devoração antropofágica das coisas. A primeira prosa
violenta que comecei a fazer, eu devo ao Oswald, uma prosa, como diz o
Augusto, cheia de “erros e urros”. Tenho uma admiração muito grande por
ele (Azeredo, apud Bandeira; Barros, 2008: 145 e 147).

Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos foram seus grandes mestres. Augusto, o fez
nascer poeticamente e a convivência com Haroldo e Décio lhe trouxe conteúdo intelectual,
informação. O contato com os trabalhos desses poetas abriram novos caminhos para ele,
refletindo em sua produção.

Azeredo nasceu 1937, no Rio de Janeiro. É por meio de suas irmãs Lygia Azeredo (esposa do
poeta Augusto de Campos) e Ecila Azeredo (ex-namorada de Décio Pignatari), que entra em
contato com as obras dos poetas do Concretismo brasileiro. Em 1954, aos dezessete anos,
surpreende seu cunhado Augusto de Campos, com o seu primeiro poema: ro.

139
Foi o mais jovem dos concretistas. O único poeta concreto que não escreveu versos. Realizou
obras marcantes para o período, como ruasol, lesteoeste e velocidade; até chegar a uma poesia
não-verbal, voltada para a visualidade, constituindo exemplo dos vários procedimentos
empregados na construção poética pelos concretistas. Muitos de seus poemas não têm título,
nem contêm palavras.

No final da década de 1940, Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos se reúnem pelo


interesse comum pela poesia, formando o grupo Noigandres, nome dado também a uma
publicação com seleções dos seus poemas.

A primeira revista saiu em 1952, mesma data em que se aproximaram dos artistas do grupo
Ruptura (São Paulo). Adotaram como referências para suas experimentações de linguagem: a
técnica de construção poética de Stéphanne Mallarmé, com o poema Un Coup de Dés,
(organização do pensamento em subdivisões prismáticas da ideia e a espacialização visual do
poema sobre a página); Ezra Pound e The Cantos, poema épico iniciado em torno de 1917,
onde Pound emprega seu método ideogrâmico, permitindo agrupar fragmentos de realidades
diversas; James Joyce, com Ulisses e Finnegans Wake, com a técnica de palimpsesto,
narração simultânea através de associações sonoras, amálgama de palavras, apresentação
verbivocovisual; e.e. cummings, que “desintegra as palavras para criar, com suas articulações,
uma dialética de olho e fôlego, em contato direto com a experiência que inspirou o poema”
(Campos apud Campos; Pignatari; Campos, 2006: 56), resultando na Poesia Concreta.

No Brasil, elegeram como referências João Cabral de Melo Neto, que possuía rigor
construtivo, consciência plena da linguagem e racionalismo no fazer poético, e Oswald de
Andrade, que devido ao seu “caráter experimental e inovador, poder de síntese, rupturas
sintáticas e fragmentações” (Siqueira Leite, 2011: 38), tornou-se uma grande referência para o
grupo e um dos autores mais apreciados por Azeredo.

De acordo com Khouri (2006: 22), a Poesia Concreta revolucionou o mundo da Poesia, sendo
um divisor de águas no Brasil:

O conjunto da obra poética do Concretismo acrescentou muito à criação do


século XX e, através de um cuidadoso exercício comparativo, poderemos
concluir que a melhor poesia concreta produzida mundialmente foi a do
Brasil e mais especificamente da Paulicéia e a feita por poetas a ela ligados
de alguma forma.

140
Haroldo de Campos afirma que pela primeira vez a poesia brasileira é totalmente
contemporânea, pois participou da formulação de um movimento poético de vanguarda em
termos nacionais e internacionais:

A poesia concreta – como evolução de formas – nasceu no Brasil e na


Europa, através da pesquisa apartada de autores (Grupo Noigandres, de São
Paulo de um lado; Eugen Gomringer, Berna/Ulm, de outro) que tendiam para
conclusões comuns e realizações até certo ponto semelhantes. E o importante
é que, no Brasil, nasceu da meditação das conquistas formais perfeitamente
caracterizadas no âmbito de nossa história poética, como sejam os poemas-
minuto de Oswald de Andrade e o construtivismo poemático de um João
Cabral de Melo Neto, que contribuíram tanto para a demarcação de um
elenco básico de autores imprescindíveis para a edificação de uma nova
tradição poética, em língua portuguesa, quanto, para Eugen Gomringer, em
língua alemã, um Arno Holz – para não se falar na comum cogitação do
paideuma Mallarmé (Un Coup de Dés), Apollinaire, Joyce, Cummings,
Pound-e/ou-William Carlos Williams) (Campos; Pignatari; Campos, 2006:
211).

Já integrando o grupo Noigandres, Azeredo participou com o poema mínimo múltiplo comum:
ro, a e z, da I Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna (São Paulo),
em 1956. Onde ocorreu o lançamento oficial da Poesia Concreta, e participou também da
Exposição de Arte Concreta, no Rio de Janeiro (1957), juntamente com poetas, artistas,
designers, escultores com pensamentos e obras de linhagem construtivista.

Apesar da diversidade dos integrantes dessa exposição, havia entre eles, interesses em
comum. “A aliança conteúdo-forma, a indiferenciação entre suporte/página e pintura/texto; o
jogo entre figura e fundo, criando ambiguidades; o interesse pela geometrização, precisão
matemática e repetição” (Siqueira Leite, 2011: 48). A exploração dos efeitos visuais na busca
de equilíbrio e harmonia uniu artistas e poetas.

Ronaldo Azeredo trabalhou muito bem dentro desse espírito de coletividade, uma vez que
para realizar suas produções, precisava da colaboração de profissionais de diversas áreas,
integrando diferentes linguagens, como artes, design, poesia, fotografia, gráficos.

Seu poema mínimo múltiplo comum foi publicado na revista Noigandres 3 poesia concreta
(1956), que foi lançada na ocasião da I Exposição Nacional de Arte Concreta. O poema a,
marca o momento em que iniciava suas experimentações, e foi quando passou a explorar a

141
fragmentação e o espaço da página de maneira não convencional, fazendo o uso da página
como elemento poético.

Figura 89: Azeredo, mínimo múltiplo comum: a (cartaz), 1956.

Ainda, na revista Noigandres 3 aparecem artigos teóricos, que discutiam as bases do trabalho
do grupo, como A obra de arte aberta, de Haroldo de Campos e Nova poesia: concreta, de
Décio Pignatari. “Os três poetas passam a colaborar com o Suplemento Dominical do Jornal
do Brasil, então em fase de renovação, o que ajuda a ampliar a repercussão do movimento
concreto, tanto na poesia como nas artes visuais” (Bandeira; Barros, 2008: 24).

142
Figura 90: capas das revistas Noigandres 3 (1956); Noigandres 4 (1958) e Antologia Noigandres 5 (1962).

Começa sua parceria com o pintor Hermelindo Fiaminghi, para a elaboração gráfica de seus
poemas, a primeira de muitas com artistas plásticos. Fiaminghi foi responsável pela produção
dos cartazes dos poemas de Azeredo, para a I Exposição Nacional de Arte Concreta.

Em 1957, muda-se para São Paulo, onde conhece Amedea Pomelli, posteriormente casam-se.
Essa foi a época do Grupo do Cambuci, onde mantém amizade com Orlando Marcucci e
Florivaldo Menezes, e mais tarde com o pintor Alfredo Volpi.

Figura 91: Fiaminghi, Círculos concêntricos e alternado, 1956. Esmalte sobre eucatex.

143
Seus poemas-cartazes ruasol, lesteoeste e velocidade, foram publicados na revista Noigandres
4 (1958); que teve o artista Fiaminghi responsável por todo design gráfico da revista e da
capa. Essa edição, tinha um formato maior que os números anteriores, e integravam doze
lâminas ou poemas-cartazes, o poema-sequência Life, de Décio Pignatari. Além do plano-
piloto para a poesia concreta, anunciando o momento de maturidade do grupo, que “inclui a
revivescência da utopia construtivista na concepção de uma arte geral da palavra, poesia como
design de linguagem” (Bandeira; Barros, 2008: 30). Azeredo, apesar de ser integrante do
grupo desde a Noigandres 3, não assina o manifesto, justificando:

Eu gosto é de fazer a obra, não de falar. [...] Augusto, Haroldo e o Décio:


eram os grandes teóricos e os grandes poetas. Eu era mais o fazedor, não era
o teórico ou formulador de grandes teorias. Nunca fui e nunca serei. Eu sou
um fazedor. Um artista, um artesão: eu faço os poemas (Azeredo, apud
Bandeira; Barros, 2008: 143).

Azeredo era avesso à exposição, e dentre os integrantes do grupo Noigandres, foi o menos
envolvido com a teoria do movimento, embora concordasse com as ideias de Augusto,
Haroldo e Décio, considerando-os os intelectuais que fundaram a Poesia Concreta.

Nos poemas-cartazes, houve o uso exclusivo da letra Futura Bold (sem serifa), sugerindo a
reprodutibilidade industrial e sua difusão na cidade; que coincidia com o momento histórico
do Brasil. Os anos progressistas de Juscelino Kubitschek, com o projeto de um país moderno
e a construção de Brasília. Segundo Haroldo de Campos, a ideia era criar poemas como
“experiências de linguagem, protótipos verbivocovisuais que explorem formas de
sensibilidade no ambiente urbano-industrial de uma nova sociedade” (apud Bandeira; Barros,
2008: 30).

No poema ruasol, é como se os raios de sol fossem se revelando ao longo da rua,


demonstrando o processo do nascer do sol que é infinito, circular. O poema foi construído
com geometrismo, dando sensação de movimento. Segundo Siqueira Leite (2011:79), este é
um poema ideogrâmico, por excelência, “a obra não discorre sobre a movimentação do sol; o
sol é que se movimenta circularmente no conjunto da obra”.

144
Figura 92: Azeredo, poema ruasol, 1957.

Poema representativo da fase, dita ortodoxa, do movimento da Poesia Concreta; havendo a


geometrização do campo gráfico para elaborar relações entre as partes e o todo. Azeredo cria
uma forma quadrada com dez letras na vertical e na horizontal, mesma quantidade de letras do
nome do poema: velocidade, que também é o seu conteúdo, ligando texto e movimento.

Marcado pela visualidade, com estrutura dinâmica que move por si própria e isomorfismo
espaço-tempo, simulação de movimento. Para Watanabe, a “velocidade não se encontra
representada somente de modo figurativo, característica do Futurismo, mas também se realiza
na dinâmica da mente do leitor” (2009: 98). Conforme a leitura, a velocidade vai se formando,
ficando cada vez mais rápida. Velocidade que sugere aceleração, movimento, deslocamento.
Velocidade que se encontra no processo total de seu desdobramento.

Figura 93: Azeredo, poema velocidade, 1957.

A revista Antologia Noigandres 5 – do verso à poesia concreta 1949-1962, foi a última


publicação do grupo e trouxe a poesia impressa do grupo, em retrospectiva. Nessa edição,
fazem uma homenagem a Alfredo Volpi, “primeiro e último grande pintor brasileiro” (revista

145
Noigandres 5, orelha), e a imagem da capa foi baseada na obra do artista. Volpi era autodidata
nas artes e participou do Grupo Santa Helena, nos anos 1940.

Figura 94: Volpi, Composição Concreta, Ampulheta, 1960.

Volpi era muito admirado pelos concretistas. A cor, em suas obras, vai se purificando à
medida que a arquitetura visual de suas casas vai se confundindo com a do próprio quadro. E
com a variação de poucos elementos, como janelas ou portas, provoca movimento, gerando
uma estrutura visualmente dinâmica. Segundo Pignatari, sua educação e cultura visual e sua
capacidade de rigor na organização de formas fazem de Volpi “um dos artistas mais
conscientes e consequentes na evolução formal da própria obra” (Campos; Pignatari; Campos,
2006: 92).

No final dos anos 1960, cresce a divulgação da produção dos poetas concretos, ampliando
ainda mais essa rede de relações internacionais, após o encontro entre o poeta Eugen
Gomringer (1954, na Alemanha) e Décio Pignatari; o primeiro publicou, como extratexto da
revista Spirale, na Suíça, uma Kleine Antologie Konkreter Poesie (Pequena Antologia de
Poesia Concreta), reunindo dezesseis poetas, de várias nacionalidades, dentre eles os
brasileiros Ronaldo Azeredo, Augusto e Haroldo de Campos, Grünewald, Pignatari, Wladimir
Dias Pino, Ferreira Gullar; tem seus poemas incluídos em Poesia Concreta (1962), antologia
organizada em Lisboa, além da transcrição do Plano-Piloto.

146
A equipe Invenção foi formada pelos poetas do grupo Noigandres, a qual se uniram: José
Lino Grünewald, Edgard Braga e Pedro Xisto, além de Cassiano Ricardo e Mário Chamie,
posteriormente desligam-se do grupo. Além da revista Invenção, que teve cinco números,
publicados entre 1962 e 1967, a equipe começou a editar uma página semanal no jornal O
Correio Paulistano, de 1960 a 1961.

O projeto gráfico da página Invenção, foi desenvolvido pelo artista e designer Alexandre
Wollner, que se vinculou ao Grupo Ruptura, em 1953, uma vez que estava interessado no
Movimento Concretista; e apresentou suas obras na 2ª Bienal Internacional de São Paulo.
Nessa página divulgavam seus poemas, textos sobre poesia e arte, e músicas de vanguarda.

Azeredo suprime as palavras de suas obras e começa a experimentar a poesia visual e o


poema-objeto. As composições passam a ser visuais, com a inclusão do dispositivo de chave
léxica, comum à Poesia Concreta do período. O poema semiótico labor torpor é publicado na
revista Invenção 4 (1964), e o poema-código o sonho e o escravo, na revista Invenção 5
(1966), poema no qual as cores código possuíam significados subliminares. Vermelho =
escravo, azul = sonho.

Figura 95: Azeredo, o sonho e o escravo, 1966.

No poema labor torpor, as palavras aparecem apenas como “chave léxica para a interpretação
de formas geométricas articuladas, estabelecendo a sintaxe como passagem entre universo da
palavra e um pensamento não-verbal” (Bandeira; Barros, 2008: 40); ocorrendo um
deslocamento do olhar em busca de significados, onde as figuras geométricas substituem as
palavras. Nesse poema sem palavras, vemos a luta entre o trabalho e o cansaço no campo de
batalha, o tabuleiro de xadrez: trabalho x ócio. O geometrismo explora a ambiguidade entre
figura e fundo, branco e preto.

147
Figura 96: Azeredo, poema labor torpor, 1964.

Nesse período, os concretistas entram em contato com a obra do filósofo e matemático norte-
americano Charles Sanders Peirce, e sua teoria geral dos signos ou Semiótica, que propõe um
olhar triádico sobre o signo15. Considerando-se linguagem qualquer conjunto de signos, na
perspectiva peirceana, o signo compreende múltiplas linguagens, além da verbal; sendo
importante para a leitura dos poemas concretos, que extrapolam os limites da palavra.

Azeredo passou a frequentar o ateliê do pintor Alfredo Volpi, em 1968, uma de suas
principais referências nas artes visuais, cuja amizade lhe rendeu diversas colaborações e
parceiras, entre elas o poema Céu Mar, de 1978.

Durante esse contato, amplia seu campo de experimentações, desenvolvendo uma série de
poemas, no limite do código verbal. Publicados em edições com pequenas tiragens com
diferentes técnicas e soluções gráficas, esmaecendo as fronteiras entre poesia e artes,
produzindo obras em forma de cartaz, quebra-cabeça, instalações ou livros. A palavra vai
sumindo, surgindo a imagem, como nas obras mulher de pérolas, panagens, labirintexto e
armar.

15
Signo é toda coisa que substitui outra para o desencadeamento de um mesmo conjunto de reações. O signo,
em relação ao referente ou objeto a que se refere, pode ser classificado em índex (diretamente ligado ao
referente), ícone (possui alguma analogia com o referente) e símbolo (a relação signo-referente é arbitrária,
convencional) (PINTO e PIGNATARI apud CAMPOS; PIGNATARI; CAMPOS, 2006: 219-220).

148
Figura 97: Augusto de Campos, olho por olho, 1964.

Outros poetas concretos, também já haviam começado a trabalhar a visualidade da palavra,


como Augusto de Campos (entre 1964 e 1966) com seus Popcretos, poemas que combinavam
imagens e ícones, feitos a partir de montagens com recortes de jornais e revistas. Os
Popcretos foram expostos na Galeria Atrium (São Paulo) ao lado das obras de Waldemar
Cordeiro. Essas colagens verbais lembram muito as experiências dadaístas de Kurt
Schwitters, de 1920, com suas colagens verbais e pictóricas.

Os trabalhos de Azeredo ganharam nova dimensão quando recebeu a colaboração do artista


Julio Plaza. Juntos desenvolveram Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975), ambos poemas
objetos que convidavam o leitor a manipular, a participar da obra.

149
3.2 Experimentações visuais
Aqui começo a reunir as experimentações visuais de Azeredo ligadas à palavra, pensando na
relação entre palavra e imagem que ocorre nessas produções.

A partir de 1970, seus trabalhos se distanciam ainda mais da palavra e se aproximam muito
das artes visuais. Começa a desenvolver diversos poemas visuais: poemas-mapa, poemas-
desenho, poemas-partitura, poemas-quebra-cabeça, livros-poema, adquirindo grande
familiaridade com as linguagens não-verbais. Experimentou várias linguagens, usando
diversos suportes, materiais e técnicas, e para realizar seus projetos, transitou em diferentes
áreas, como artes, design, fotografia, cinema, instalação.

O poema-cartum Mulher de pérolas é composto por quatro imagens de mulheres em


sequência, onde um rosto de mulher possui um cordão de pérolas, e aos poucos, como se o
colar de quebrasse, as pérolas vão invadindo o rosto, as pérolas vão se transformando
visualmente em catapora. Azeredo chega ao limite entre a poesia e as artes visuais quando
“leva a sequência de imagens a suscitar as palavras pérola e catapora na mente dos leitores:
sonoramente próximas, semanticamente opostas, visualmente ausentes, mas presentes na
composição da obra” (Siqueira Leite, 2011: 99).

Figura 98: Azeredo, Mulher de pérolas, 1971. Edições Invenção, São Paulo. Realizado por Fiaminghi /
Patrocinado por Volpi.

150
é dificílimo predizer o destino disso... é um poema-livro, célula-pedra-poesia. Azeredo
explora a ideia do olhar, que se surpreende com algo fora do normal, em imagens que vão da
célula cancerígena ao tumor calcificado. Vida, ciência e arte são aproximadas pela anomalia.
“A textura molecular em metástase de poros e retículas da célula pedra prediz que o destino
disso talvez seja mesmo pela via anormal” (Adriano, 2005 apud Bandeira; Barros, 2008: 141).

Figura 99: Azeredo, imagem final e texto do autor, em livro sem título, referido como poema da célula, 1972. 20
páginas, impressas sobre papel preto.

Continuando suas experimentações, desenvolve automação x paisagem, um poema-livro ou


biopoema, onde a imagem expulsa a palavra, realizando um poema sem palavras. Imagens
fragmentadas de paisagem, de postais em cores são impressas em transparências, sobrepondo-
se aos desenhos de computador – a automação. As imagens coloridas do postal chocam-se
com as imagens de retículas em preto e branco, gerando contradição e contraste.

Figura 100: Azeredo, Automação x paisagem, 1973.

151
Pensamento impresso era constituído por pranchas para alternar ao acaso. Nessa obra recebeu
a colaboração do músico Gilberto Mendes para realizar uma partitura, e a serigrafia foi feita
por Fiaminghi. Considerado um dos mais belos trabalhos do poeta, dedicado a Mallarmé, tem
ideogramas japoneses de flores em folhas transparentes, que se desdobram em um arco-íris.

Figura 101: Azeredo, prancha de pensamento impresso, no original em cor branca sobre papel vegetal, 1974.

Azeredo começa a pesquisar diversos tipos de suporte para seus poemas, como em Panagens,
poema-livro ou poema-objeto, constituído por pranchas com aplicações em tecido com
imagens e textos caligráficos. Palavra e imagens dialogam, em um poema costurado com
formas, cores e texturas: planeta, pulmão, borboleta, ar, asa e arfar, todos feitos em dez
pranchas-fotogramas. O layout e a arte-final foram feitos por sua esposa, Amedea Azeredo.

Figura 102: Azeredo, Panagens, 1975. Edição artesanal de 50 exemplares.

152
O poema-cartaz labirintexto, é um biomapa ou biopoema do poeta, assinalado com os lugares
por onde passou desde criança, unindo as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, incluindo
alguns espaços significativos de sua história, como Vila Isabel, Cambuci, Perdizes.

Figura 103: Azeredo, Labirintexto, 1976. Poema-cartaz. São Paulo, edição do autor. Impressão em preto azul e
laranja; papel couché.

153
Talvez o mais comunicativo dentre esses “poemas” seja o labirintexto de
1976, uma “geografia sentimental”, como notou Antonio Risério. Dedicado
pelo poeta ao seu “grandioso matriarcado” (mãe, irmãs, mulher e filha), esse
biomapa embaralha as ruas vivenciais do carioca paulista, partindo da
vilaisabelina Teodoro da Silva para, por vários descaminhos entre as
Perdizes e o Cambuci, vir aportar na Rua Homem de Melo, que a cartografia
afetiva de Ronaldo retrojeta no copacabânico Oceano Atlântico (Campos,
2011)16.

Armar é um poema quebra-cabeça para montar, um poema lúdico que incita o leitor à
participação. Quebra-cabeça formado por dois nomes: Maria e José, onde Azeredo novamente
trabalha a questão da dualidade, feminino e masculino, poeta e leitor: amar, armar.

Figura 104: Azeredo, Armar, 1977.

Céu Mar, último trabalho patrocinado por Volpi e foi produzido em parceria com Hermelindo
Fiaminghi. Era uma obra que estava no limite entre a poesia e a visualidade. Azeredo sempre
testou essas fronteiras, mas nunca abandonou a poesia, apenas alargou seus limites,
experimentando linguagens e explorando suas potencialidades.

A forma que o título Céu Mar foi colocado faz com que haja um movimento circular de
leitura. O movimento de circularidade já havia aparecido em seus poemas concretos, como
velocidade e ruasol, e antes mesmo em ro, a e a água. Outros poetas concretistas, como
Haroldo de Campos (nascemorre), Augusto de Campos (rever) e José Lino Grünewald (vai e
vem) também usaram este mesmo recurso em suas obras.

16
Originalmente publicado na Revista Código 11, Salvador, 1986, e À Margem da Margem: Augusto de Campos,
Cia. das Letras, São Paulo, 1989.

154
Os tons de azul usados formam dois planos, um claro e outro mais escuro, havendo entre
esses planos uma linha separando céu e mar. No centro de cada plano, uma mancha, que
conforme o lado que o cartaz é lido pode ser uma nuvem ou uma onda. Azeredo cria uma
ambiguidade entre céu e mar. Nessa obra, palavra e imagem, compõem o todo poético,
gerando o poema visual. Segundo Siqueira Leite “no poema, o signo verbal e o visual partem
da mesma motivação: o jogo de similaridades e diferenças que caracterizam uma e outra arte”
(2011: 103), assim percebemos que as duas linguagens, palavra e imagem, trabalham uma
reforçando a outra, em parceria. Da mesma maneira que o poeta e o artista juntaram-se para
criar uma única obra.

Figura 105: Azeredo, Céu mar, 1978.

155
Em 1980, Azeredo começou a produzir arranjos poéticos usando letras, palavras, símbolos,
imagens, fotos, onde mesclava diversos códigos. Nesse momento, afastou-se totalmente da
escrita verbal, para estruturar signos semióticos, gerando pensamentos plásticos, como
ocorreu na mini-instalação casa de boneca, no poema-cartaz sonhos-dourados e na obra
enquanto durou. Casa de boneca foi uma obra feita em homenagem a Marcel Duchamp,
misturando elementos de Alice, de Lewis Carroll, com as obras de Duchamp, Apolinère
Enameled e Étant donnés, “onde noivas são desnudadas pelo olho voyeur da vida” (Campos,
2011). A mini-instalação era acompanhada por um texto:

o bacilo de kock é invisível a olho nú


até você bonequinha
às vezes também é
invisível ao meu
olho nu
Ronaldo Azeredo, 1980.

Figura 106: Duchamp, Étant donnés, 1946-66.

Figura 107: Azeredo, casa de boneca, 1980. Idealizada por Azeredo e executada por Mentore Pomelli e Amedea
Azeredo. Objeto, cenografia.

156
enquanto durou era um biopoema efêmero, que se referia à passagem ou fugacidade do
tempo. “Trilha do olho pelo rastro de um ciclo de flores que cobrem a frase até que sequem e
façam aflorar outro sentido” (Adriano apud Bandeira; Barros, 2008: 141).

O trabalho era composto por três páginas ou pranchas, com a expressão enquanto durou feita
em letra manuscrita por Amedea, em tons de terra, e sobre as letras, flores, fotografadas em
dois momentos diferentes (frescas e murchas), e entre estas páginas, uma toda preta,
sinalizando a passagem de tempo. Azeredo faz uso do verbal de maneira experimental, unindo
palavra e imagem de forma poética, registrando o momento da criação, o efêmero e o tempo.

Figura 108: Azeredo, Enquanto durou, 1984.

Azeredo foi um artista completo, realizou investigações diversas, explorando materiais e


técnicas. Chegou a realizar esculturas, que chamou de mini-instalações, como o poema-objeto
conceitual noitenoitenoite. Inicialmente, pensada como um projeto de uma instalação
destinado ao Museu de Arte Moderna, de São Paulo, porém acabou inviabilizado, sendo
apenas realizada como projeto (Siqueira Leite, 2011: 109).

Assim, como a obra enquanto durou, o poeta também trabalha a temática do tempo nessa
obra, que reúne três momentos de seu percurso poético. Homenageou os integrantes do grupo
e à revista Noigandres, a Patrícia Galvão (Pagu) “uma das principais mulheres da vida de
Oswald de Andrade” (Azeredo, 1991) e a Alfredo Volpi. Homenagens essas, que ficam claras,
no texto que escreveu para complementar essa obra:

157
noite
noite
noite
três noites que passei fora da Terra
e que representam este tempo arte:
1952 1989
[...] as três cores desse universo são uma homenagem ao meu grande mestre e
amigo A. Volpi que me ensinou bondosamente a pensar transformando essa
pirâmide em bandeirinha poema
A. Volpi pintou essa bandeirinha
R. Azeredo pintou este poema
(Ronaldo Azeredo, 1991)17

Figura 109: Azeredo, 1991. Texto explicativo que acompanha a obra noitenoitenoite.

O poema-objeto tem o formato de uma pirâmide, onde cada face tem uma cor lisa e pura,
amarelo, vermelho e azul, referência à Arte Concreta (pureza das cores e das formas) e
homenagem à Volpi. Em cada face, uma leitura, uma dedicatória, uma noite.

Na face verde, primeira noite, aparece com letra manuscrita misturadas as palavras noi e gin,
noi = grupo e revista noigandres e gin = pseudônimo usado por Patrícia Galvão (poeta,
escritora e ilustradora), em sua coluna no jornal A tribuna, de Santos. Azeredo faz uma
homenagem a Pagu e a todas as mulheres que passaram em sua vida e apareceram em sua
obra.

17
Informações retiradas da exposição Ronaldo Azeredo, Casa das Rosas, 2013.

158
t1 = gin final da primeira noite. está embaralhada dentro da palavra
noigandres
pseudônimo de Patrícia Galvão, na sua coluna no jornal “A Tribuna” de
Santos – no ano de sua morte 62.
(Ronaldo Azeredo, 1991).

Figura 110: Azeredo, noitenoitenoite, 1991. Obra em alumínio anodizado.

Face vermelha, segunda noite, podemos ver as letras A e Z (em caixa alta), se refere aos seus
primeiros poemas concretos a e z, que compõem o mínimo múltiplo comum, à parte do seu
sobrenome e lembram as bandeirinhas de Volpi.

t2 = A Z publicação no noigandres 3 1956 – mínimo múltiplo


comum
r. Azeredo
De A a Z – A vê a ave Z crê no azul
AZ – de Azeredo assim desenhadas e em movimento lento
se transformam em estrelas.
(Ronaldo Azeredo, 1991).

Face azul, representando a última noite, vemos um círculo cortado ao meio, formando duas
meias luas, noite azul e fria, onde segundo Siqueira Leite (2011: 115) “o tempo da criação
artística seria balizado por esse pêndulo lunar (há de se ressaltar, inclusive, que a lua, com
suas fases, é, por si só, um marcador temporal)”. Nessa face o poeta finaliza suas explicações
de seu poema-objeto:

159
t3 = última noite de lua cheia
a parte de cima (metade) é móvel e bate com as extremidades
na outra metade fixa. formando um movimento de pêndulo que
marca o tempo e faz um som de madeira oca que ressoa no
espaço azul.
(Ronaldo Azeredo, 1991).

Para completar essa obra, ainda temos o prefácio, escrito pelo poeta M. A. Amaral Rezende.
O texto explicativo era uma prática muito comum na Arte Conceitual (anos 1960 a 1970),
Marcel Duchamp era tido como representante dessa arte. Azeredo recebeu influência desse
artista desde os anos 1980, onde o questionamento sobre a arte era um ponto importante, e em
noitenoitenoite o aspecto conceitual e também experimental fica visível.

160
3.3 Lá bis os dois
O livro-poema Lá bis os dois, de 2002, foi seu último trabalho publicado. Espécie de Livro de
Artista, Azeredo escreve sobre a maneira de se apreender sua poesia como um todo. Na
primeira página, escrito à mão, há uma sugestão da leitura da obra, que deveria ser feita
usando o tato, ou seja, manuseando a obra:

Figura 111: Azeredo, lá bis os dois, 2002.

É um livro sem palavras. Constituído apenas de imagens feitas com texturas diversas, relevos
em folhas brancas de dupla face, que se destacam da página. Ao deslizar as mãos pelo livro,
surgem dobras, dunas, lábios, olho, vulva, lua, íris. Desde a obra panagens, onde as imagens
aplicadas em tecido sugerem o toque, Azeredo começou a trabalhar com essa linguagem. A
palavra surge no título, na sua chave dialéxica, onde Ronaldo explorou a sonoridade própria
da poesia, e também na narrativa verbal que fazemos ao ler cada imagem. O poeta usou
signos, não-verbais, formando uma linguagem visual, permitindo novas possibilidades de
leitura.

Importante destacar o uso da letra manuscrita pelo poeta, recurso já utilizado no biopoema
enquanto durou. De acordo com Siqueira Leite, ao longo da história “a caligrafia foi tratada
como recurso criativo e artístico” (2011: 107). Podemos pensar na importância que tiveram os
manuscritos medievais, considerados uma arte maior. Caligrafia que era feita apenas por
poucos iniciados, os monges copistas. Pois, dentro das abadias e mosteiros, haviam as

161
oficinas de escrita, onde textos sagrados eram copiados. Observamos que, a letra manuscrita
ainda permanece como uma forma de buscar o inusitado, na criação poética.

Figura 112: Azeredo, lá bis os dois, 2002.

Lá bis os dois: poesia para o tato, Livro de Artista? Azeredo vai da palavra para a visualidade
com grande desenvoltura. A linguagem, a palavra, a sonoridade são recursos usuais, contudo

162
tenta não fazer da palavra uma obrigatoriedade, e sim uma possibilidade poética. A
sonoridade aparece primeiro no título, Lá bis os dois se transmutam em lábios dois,
ambiguidade que também vemos nas imagens do livro: lábio entreaberto (na horizontal) e
vulva (na vertical).

No começo do livro o poeta escreve um método de leitura; assim como fez Lygia Pape para
ensinar a manusear seu Livro de criação. Participação da obra pelo leitor, tema caro aos
Neoconcretistas, e que também entra no universo dos Livros de Artista, experimentação,
circularidade, sentir a obra com todos os sentidos, nesse caso, o toque, o tato. Os relevos e
baixo-relevos formando imagens ou nervuras, provocando olhares e leituras fora do
convencional. Lua envolta de textura ou dunas que remetem a diversas imagens. A narrativa
desse livro é visual, onde cada leitor cria sua própria história.

O espaço em branco da página é muito explorado. Na capa, o título é disposto de maneira


equilibrada, permitindo o diálogo entre a palavra e a espacialidade. O branco desempenha um
papel importante – pausa, respiro –, assim como a palavra e a imagem. As formas desenham
significados, construindo uma narrativa no Livro de Artista.

Décio Pignatari considerava o poeta um designer da linguagem, afirmando que o poema é um


ícone. Segundo ele, “é na poesia que os interstícios (intervalos) da palavra e imagem visual e
sonora sempre foram levados a níveis de engenhosidade surpreendentes” (apud Santaella,
1992: 49). Podemos considerar que Azeredo desempenhou bem esse papel ao lidar com essas
linguagens, articulando esses elementos no espaço, gerando significados, transformando o
poema em uma “escrita do espaço, composta de ritmos, sonoridades e visibilidade” (Arbex,
2006: 28). Poesia como pura visualidade. A palavra, livre de seu passado semântico, de sua
carga simbólica e de sua decodificação abstrata, fundaria seu sentido no espaço gráfico.

Azeredo produziu de biopoemas, mapeamentos de vida, a obras que recusam a palavra, porém
não chegam à pintura. Com uma trajetória rica, abriu novos campos para a poesia visual.
Transitou entre a palavra e a imagem de maneira única; realizando uma poesia sem restrições
verbais, dialogando o tempo todo com a visualidade; onde para ele, a palavra era uma
possibilidade dentre tantos recursos. Ver seus poemas concretos, sua espacialização, formas,
fontes, nos leva a entender um pouco como ocorreu o começo da mudança estabelecida pelos
concretistas, tanto visualmente como verbalmente.

163
“A poesia de Ronaldo não admite restrições letradas, sendo antes uma espécie de radar
semiótico registrando sensivelmente sinais de um momento histórico” (Risério, 1977 apud
Campos, 2011).

Em sua obra, narrativa plástica e literária completam-se e interagem, havendo ritmo entre
palavras, sonoridade, espaço e imagens. Palavras e imagens se relacionam de diferentes
maneiras, sempre criando novos sentidos, novas possibilidades de significados, leituras e
caminhos.

164
CAPÍTULO 4: CAIXAS DE POESIAS DE LYGIA PAPE

165
4.1 Abrindo as caixas

A arte é a minha forma de conhecimento do mundo.


Lygia Pape

A artista trabalhou com diversas técnicas e materialidades, como gravura, poema, pintura,
objeto, sensorial, cinema, lugares coletivos, fotografia, vídeo, performance. Não se prendeu
aos mesmos suportes ou procedimento. Seu trabalho é sempre inovador; tendo assim, uma
obra pautada pela liberdade com que experimenta e manipula diversas linguagens e formatos.
E também por incorporar o espectador como participante. Sua criatividade aparece em seus
trabalhos com sensibilidade e humor. Produziu obras para serem vivenciadas com calma e
reflexão. Durante o período Concreto e Neoconcreto, envolveu-se intensamente com a poesia
visual. O crítico inglês Guy Brett (2000: 309) fala sobre sua riqueza de experiências:

O seu ludismo e sua liberdade particulares podiam ser vistos pelo modo com
que ela estava disposta, desde o início, a experimentar, com uma ampla gama
de linguagens e formatos – desde o balé até o livro! Ela flutuava acima dos
limites das disciplinas institucionalizadas, fazendo suas próprias
recombinações.

Em sua obra não houve fases. A artista criava em círculos concêntricos, retornando em
algumas questões, no entanto com uma nova perspectiva. Para entender sua trajetória, é
importante conhecer o contexto artístico e político do Brasil em 1950. Nosso país passava por
um processo de modernização e ocorriam inovações na literatura, arquitetura, urbanismo e
arte, o que levou à abertura de museus como o MAM (Museu de Arte Moderna) em São Paulo
e no Rio de Janeiro (1948), além do início da Bienal de São Paulo (1951).

Pape teve plena participação nesse processo de modernização da arte, tendo contato com
correntes não figurativas. Participou do Grupo Frente (Rio de Janeiro), que defendia a
linguagem geométrica como um campo aberto à experimentação, e também, na fundação do
Neoconcretismo, que propiciava uma participação cada vez mais ativa do espectador na obra,
dando início à integração da arte com a vida.

166
Dentro desse momento de transformações na Arte brasileira, em 1952, foi lançado o Grupo
Ruptura, em São Paulo, que possuía entre seus integrantes Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto e
Waldemar Cordeiro. Em 1953, formou-se o Grupo Frente, composto por Ferreira Gullar,
Helio Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark, e outros. Esses grupos, no entanto, possuíam
distintos ideais, conforme cita Cocchiarale (1994):

Se a fidelidade aos princípios da Arte Concreta situava a produção do


Ruptura na órbita da razão, a valorização da experiência pelo Frente fazia
com que seus integrantes transitassem entre razão e sensibilidade, sem
hierarquizá-las. Tal diferença de raiz, ainda que consideremos seu
denominador comum geométrico, determinou desde sempre um
relacionamento tenso e polêmico entre esses grupos.

Como Pape era da mesma geração artística, e possuía ideias estéticas similares a Lygia Clark
e Hélio Oiticica, seus ideais levaram-na a participar com eles, do Grupo Frente, começando
sua carreira alinhada com os pensamentos concretistas. Esses artistas estavam no centro da
vanguarda inventiva, com inquietações e experimentações que refletiriam em toda Arte
Contemporânea brasileira. Brett em seu artigo A lógica da Teia (1994), discute um pouco
sobre esse momento:

foi esse espírito rebelde da vanguarda brasileira nos anos 50 e 60 que a


possibilitou mergulhar a fundo nas ideias de abstração europeia sem
qualquer cerimônia exageradamente respeitosa ou sentimento de
inferioridade. Era possível, portanto, para estes artistas visar o universal, até
o cósmico, estando ao mesmo tempo imersos no local e no particular. Eles
conseguiram escapar da sorte típica dos artistas do terceiro mundo: a de
fornecer à metrópole imagens de escape exótico. Em vez disso, eles valiam-se
da realidade brasileira para tentar resolver alguns dos dilemas
contemporâneos mais profundos. (...) Não se pode encaixar o trabalho desses
artistas no esquema da arte do pós-guerra como se ele fosse uma variação
local de movimentos centrados na Europa ou na América do Norte.

Nas artes e na cultura, a ideia de uma América Latina vista como um continente mágico,
primitivo e natural começou a ser superada. Fortaleceu-se a concepção de uma América
Latina como um grande mercado e fonte inesgotável de talentos; onde se destacavam artistas
como Jesús Soto, Carlos Cruz-Diez ou Gego. Os artistas, não ignoravam o que ocorria na
Europa e Estados Unidos, entretanto, estavam mais interessados na Abstração Geométrica
Europeia do que no Expressionismo Abstrato.

167
Uma conquista importante dos artistas brasileiros como Pape foi o fato de
tomar a abstração europeia como ponto de partida, mas sem fazer desta uma
mera versão; enfrentaram-na com uma atitude de rebeldia e respeito, e
18
aproveitaram a situação local para realizar um discurso internacional .

Nesse momento, artistas, antes desconhecidos, como Clark, Oiticica ou Mira Schendel,
passaram a ser referência de muitas exposições na política institucional (Borja-Villel &
Velázquez, 2012: 13).

Grupo Frente
Seus primeiros trabalhos são investigações, marcadas por uma reflexão geométrico-
construtiva. Começa com telas produzidas na linha da abstração, de tendência orgânica,
depois passa à Abstração Geométrica, com uma série de pinturas e relevos. Feitos quando já
integrava o Grupo Frente, em 1954. As pinturas, denominadas Jogos Vectorais, apresentavam
um jogo dinâmico entre linhas e quadrados, e, os relevos Jogos Matemáticos, eram baseados
na repetição de formas regulares e brincavam com o negativo e o positivo, cor e profundidade.

Figura 113: Jogos Vectorais: Pintura em vermelho e preto, 1954-1956.

18
Lygia Pape, espaço imantado. Disponível em: http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?c=expo
sicoes&idexp=1145&mn=537&friendly=Exposicao-Lygia-Pape---Espaco-Imantado. Acesso em: 19 de out. 2012.

168
Figura 114: Jogos Matemáticos: Relevo em vermelho e azul, 1955-1956.

A artista faz sua vivência com xilogravuras (gravura feita em matriz de madeira), iniciando
uma série de obras abstrato-geométricas, conhecidas como Tecelares, com formas
simplificadas (onde explorou a textura e os veios característicos da madeira), sendo uma
alternativa à pintura abstrata de caráter industrial. Tecelares, era um conjunto excepcional,
com o qual inicia a sua fase madura, evoluindo em complexidade espacial e técnica. Essas
obras foram apresentadas, nas quatro exposições, realizadas pelo Grupo Frente entre 1954 e
1956, e também, na Exposição Nacional de Arte Concreta, que ocorreu, primeiro no MAM de
São Paulo (1956), e depois, no MAM do Rio de Janeiro (1957).

Figura 115: Série Tecelares, 1956.

169
Pape, considerava a gravura como forma de conhecimento, e a utilizava para resolver
questões de natureza gráfica, ligadas ao pensamento do espaço, construindo formas, que
interagiam com o espaço circundante. Em Tecelares, a repetição alternada, das formas
geométricas efetua um ritmo contínuo, lançando o olhar da gravura para o espaço:

Tecelares é dos ares, não das paredes, pois as formas, dada a transparência
do papel, também se vêem no verso, não no reverso, pois, frente do mesmo
verso. A qualidade do papel, a porosidade da madeira, a espessura dos cortes
articulam-se em Lygia, que impede o acaso (Kossovitch & Laudanna, 2000:
20).

A xilogravura permite que Pape tenha controle do material, das técnicas, da forma. Em um
primeiro momento, predominam os Tecelares claros, realizados pela incisão de sutis linhas na
madeira, contudo, com o passar do tempo vão escurecendo, por meio, da utilização de
superfícies pretas mais amplas, que deixam entrever as características do material. Para a
artista, a série representa a primeira tentativa satisfatória, de distinção entre fundo e forma,
aspecto determinante na criação de um espaço ambivalente.

Foi por meio dessa série, que Pape pôde refletir sobre as diferenças entre o Concretismo
rígido e a geometria dura do Grupo frente, e as sutilezas subjetivas (liberdade da forma) que
começavam a se esboçar, e que, acabaram por se conformar no Neoconcretismo. Segundo
Herkenhoff (2012: 26), seus últimos Tecelares, produzidos entre 1957 a 1959, anteciparam e
consolidaram a poética neoconcretista pautada na fenomenologia da percepção.

Figura 116: Série Tecelares, 1957.

O espaço, como elemento visual e semântico, tem sua prolongação nos Desenhos (1957-
1959), onde a trama, às vezes, se interrompe para projetar formas geométricas ligeiramente

170
deslocadas ou em negativo. Realizados em sua maioria em tinta sobre papel japonês, a artista
consegue uma leveza que remete às gravuras japonesas.

Outro elemento importante, tanto em Desenhos, como em Tecelares, é o fluxo da luz. Que
depois, também aparece nos Ballets, Poemas, Livro da Criação e Tteias, linguagem e língua
perdem sua pureza léxica, são desconstruídas no fluxo da luz.

Neoconcretismo
Durante a fase neoconcreta realizou uma investigação sobre o dualismo entre matéria e forma,
com obras, como Ballet Neoconcreto e Tecelares. Aos poucos, a aproximação de sua obra
com a vida levou-a a inserção da temporalidade e a uma transformação constante dos meios.

Em 1959, devido às divergências poéticas com os concretistas de São Paulo, junto com Hélio
Oiticica e Lygia Clark, abandona o Grupo Frente. Iniciam um dos movimentos mais
significativos da arte brasileira, o Neoconcreto, que lhes permitem desenvolver obras de arte
incluídas na vida cotidiana. Esse grupo lançar-se-ia em experiências, que fariam a obra dividir
o mesmo espaço que o espectador; dando um passo decisivo na integração da arte com a vida.
A herança deixada à Arte Contemporânea brasileira, por este grupo, relaciona-se, sobretudo
com os aspectos metodológicos, como a valorização dos processos experimentais, a
originalidade das criações, a busca pela integração do espaço da obra com o espaço real.

O Manifesto Neoconcreto, assinado em 1959, por Amilcar de Castro, Lygia Clark, Ferreira
Gullar, Reynaldo Jardim, Cláudio Mello e Souza, Theon Spanudis, Franz Weismann e Lygia
Pape, denunciava a Poesia Concreta como excessivamente mecanicista. Esses artistas
acreditavam que “o espaço e o tempo não eram meras relações externas entre as palavras e os
objetos” (Borja-Villel & Velázquez, 2012: 15).

Clark passou das Superfícies Moduladas para os Contra-Relevos, para depois, construir os
Bichos (1959); não-objetos, feitos de chapas de metal, articuladas por dobradiças, cujas
formas só se revelam por meio da manipulação do espectador. Oiticica teve percurso
semelhante, rompeu o quadro e construiu diretamente no espaço, com Relevos Espaciais
(1959-1960).

171
Ferreira Gullar (1977: 85) desenvolveu a Teoria do não-objeto, onde conceitua o objeto
neoconcreto, argumentando em torno da negação:

a expressão não-objeto não pretende designar um objeto negativo ou


qualquer coisa que seja o oposto dos objetos materiais com propriedades
exatamente contrárias desses objetos. O não-objeto não é um antiobjeto, mas
um objeto especial em que se pretende realizada a síntese de experiências
sensoriais e mentais. (...) Uma pura percepção.

Figura 117: Lygia Clark, Plano em superfícies moduladas nº 2, 1956.

Figura 118: Lygia Clark, série Bichos, 1959.

172
Figura 119: Hélio Oiticica: relevos Espaciais, 1959.

Pape, idealizou com o poeta Reynaldo Jardim e o bailarino Gilberto Motta, em 1958, o Ballet
Neoconcreto I, performance, em que atores/dançarinos manipulam formas geométricas
tridimensionais, por dentro destas. Ocorreu desse modo, uma experiência pioneira, onde o
corpo é utilizado como motor, para que formas e cores se desloquem no espaço. Traduzia,
visual e musicalmente, com o movimento das formas geométricas, o poema feito por
Reynaldo Jardim, Olho alvo. A ideia deles era fazer um ballet não convencional, onde o corpo
era o motor, embora, não estando presente visualmente, estava presente como movimento e
expressão dentro do palco. A artista construiu quatro cilindros e quatro paralelepípedos, com
rodinhas, para poderem se deslocar, e os bailarinos entravam dentro dessas formas executando
a coreografia, pensada para esta proposta.

Figura 120: Ballet Neoconcreto I, 1958.

173
Já, o Ballet Neoconcreto II, de 1959, traçava o percurso frontal de dois planos, que se
aproximavam e distanciavam na escuridão, até atingir a máxima ambivalência entre fundo e
figura; não tinha o poema como base, então a construção da coreografia foi totalmente livre.
Os Ballets de Pape dialogavam com o Ballet Triádico (1922), de Oskar Schlemmer, tanto
visualmente, como nas cores e formas, onde, havia o entrosamento entre diversos elementos,
como: corpo, movimento, forma e luz. Ballet Triádico, foi um dos primeiros espetáculos
totalmente abstrato da história.

O Ballet Neoconcreto se distinguia pelo seu caráter espaço-temporal. Incorporava o tempo


subjetivo à obra de arte, aspecto chave do neoconcretismo, que, preludiava a participação do
espectador, ao diminuir a distância entre a obra de arte e a vida. Sua coreografia controlada e
os movimentos, sempre em linha reta, acabavam remetendo à página escrita.

A experiência Neoconcreta dinamizava o espaço, transmitindo valores iguais ao positivo-


negativo, ocorrendo uma integração orgânica: “o espaço entre os sólidos se torna forma num
desenvolvimento lógico, contínuo, conferindo-lhes sentido novo e poético mesmo” (Pape,
2012: 162). Seria a transformação do conceito acadêmico de organização do espaço, no palco.

No Ballet Neoconcreto, os sólidos e o espaço são integrados no decorrer da coreografia. Entre


tensões e pausas, os sólidos constroem e desfazem as relações regidas pelo tempo, sendo o
espetáculo realizado como um todo, havendo integração entre movimento (coreografia) e
concepção plástica. “A luz transforma os sólidos e o próprio espaço em estruturas luminosas.
A cor e suas variações de intensidade e projeção ritmada acentuam e marcam as tensões de
espaço-forma dentro de uma pureza formal: linguagem mais universal” (Pape, 2012: 163).

Sua produção Neoconcreta, como as xilogravuras Tecelares, Balés Neoconcretos e Livros, foi
baseada, na ampliação dos suportes convencionais, passando a contar narrativas, exigir
manuseio do espectador ou propondo desdobramentos no espaço.

174
4.2 Palavra e imagem
Lygia Pape, foi muito inovadora, ao aplicar o mesmo princípio artístico à sua criação poética:
a participação do leitor na construção de sua obra. Como em seus livros, que através do
“manuseio de páginas, explorava recortes, cores e a disposição de algumas poucas palavras e
expressava, além de verbalmente, de forma visual o poema” (Machado, 2008: 29).

Vimos, anteriormente, que os poetas concretos (anos 1950 e 1960) foram além da linguagem
verbal, usando procedimentos do campo das artes, entretanto, os artistas também começaram
a realizar pesquisas, usando a palavra, realizando experiências, onde as linguagens verbais e
visuais se encontravam, e aqui podemos incluímos Lygia Pape. O próprio movimento
Neoconcreto pregava o rompimento com os procedimentos tradicionais, buscando a criação
de novas formas de criação.

A artista resume sua prática artística em uma declaração: “quero trabalhar intensamente em
um estado poético. Estou em busca do poema19”. Nos Livros-Poemas, trabalhou essa
linguagem até suprimir a palavra, desenvolvendo uma linguagem visual que correspondia à
narrativa verbal.

Seus poemas ultrapassavam sua dimensão gráfica, alcançando uma espacialização do tempo
verbal. “É pausa, silêncio e tempo” (Borja-Villel & Velázquez, 2012: 15). Assim como seus
Ballets Neoconcretos, também poemas no tempo e no espaço, conceitos sempre presentes em
suas representações artísticas, seja qual for o suporte utilizado.

Poemas luz, realizados entre 1956 e 1957, inicialmente foram feitos sobre placas de vidro e
depois sobre acrílico, pintados com cores quentes e vibrantes e com palavras sobrepostas. As
placas ficavam presas por fios de nylon, assim o olhar do observador poderia oscilar entre a
vibração dos campos de cor e a concretude da palavra. Uso da transparência, sobreposição,
vazio, cor e palavras como: em vão, sono e sendo, similares, à maneira como a artista Mira
Schendel trabalhou em algumas obras.

19
Espaço imantado. Disponível em: http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?c=exposicoes&
idexp=1145&mn=537&friendly=Exposicao-Lygia-Pape---Espaco-Imantado. Acesso em: 19 de out. de 2012.

175
Figura 121: Poema luz Em vão, 1956-1957.

Figura 122: Poema luz Sono, 1956-1957.

Essa seria a primeira vez, que apareceriam as palavras na obra de Pape, e que se tornaria uma
constante em sua criação, a relação poética entre palavra e imagem seria recorrente em sua
trajetória. Assim como, seus pares do Movimento Neoconcreto Clark e Oiticica, a artista
mostrou-se extremamente “interessada na escritura como elemento poético complementar, no
seu caso, como uma instância preliminar e fundamental de materialização de ideias” (Osorio,
2012: 103).

Foi uma grande leitora de poesia, literatura e filosofia, inclusive, enveredando-se pelo
caminho acadêmico como professora e realizando um mestrado em filosofia. Sua relação
entre pensamento, palavra e visualidade desenvolveu-se em várias direções; o que permitiu
sua experimentação entre, diferentes suportes e materialidades, em busca do que fosse mais
apropriado para, sua realização poética e plástica. Começa sua busca por “formas híbridas e
experimentais de articulação e disseminação poética” (Osorio, 2012: 103), assim como

176
ocorria com outros artistas do Neoconcretismo, que começaram a questionar a especificidade
dos meios expressivos.

A partir de suas investigações neoconcretas desenvolveu Tecelares e Poemas Luz, processos


que a levaram a realizar seus Livros de Arquitetura, do Tempo e da Criação. Para Borja-Villel
& Velázquez (2012: 14), os Tecelares “remetem ao livro impossível de Stéphane Mallarmé,
ao espaço em branco da página onde se inscrevem os signos e as formas”.

Aos poucos, suas experiências poéticas começaram a se desprender do suporte, ocorrendo a


conquista do espaço. A artista continua sua livre experimentação e exploração visual. Os
Poemas Objeto (feitos entre 1957 e 1959) surgem a partir do recorte e colagens com formas,
palavras e cores monocromáticas, que eram organizados em uma base de papel cartão,
papelão grosso ou papel japonês, e sempre, havia “uma relação poética e visual com a(s)
palavra(s) empregada” (Machado, 2008: 79).

Eram poemas em que a presença do leitor/fruidor da obra é imprescindível para ela ocorrer.
Havendo a manipulação das páginas, como em rompe, ou girando o círculo, que cobre as
palavras, como no Poema Objeto em vão, ou abrindo e fechando a parte do círculo, que cobre
a palavra vem, em outro Poema. Ao esconder as palavras nesses Poemas Objeto, a artista
também trabalha a ampliação da noção de tempo.

Figura 123: Poema objeto Em vão, 1957.

177
Figura 124: Poema objeto, 1957. Papel cartão e texto.

A experiência neoconcreta da artista permitiu a quebra de categorias através de conceitos


novos, que se insinuaram nas produções artísticas. Também, o uso de diversas linguagens na
mesma obra, como a palavra e a imagem inter-relacionadas e “o corte e dobradura das páginas
como expressão” (Pape, 2012: 190), desencadeando o surgimento dos primeiros Livros-
poema ou Poemas-Xilogravura, que, possuíam uma relação poética e visual com as palavras
usadas.

Livro: Poemas - Xilogravuras é um livro formado por gravuras e poemas concretos, sendo
que, cada parte tem sua independência expressiva, cada imagem surge do poema
correspondente, não como uma ilustração. Imagens e palavras podem ser contempladas
separadamente, e posteriormente, relacionam-se como uma unidade nova de representação.

Conforme Kossovitch & Laudanna (2000: 20) afirma: “o espaço interrogado é o do próprio
livro: em folha dupla, o poema, impresso em uma delas e a xilo na outra, é feito de imagens
pensadas como contíguas, a formar uma única imagem que nada ilustra”. O verbal instala-se

178
nas imagens, como uma nova expressividade, o poema alimenta a gravura de novas
significações.

Figura 125: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto.

Figura 126: Livro poema, 1960. Papel cartão/texto.

No Livro poema em quebra revela, o leitor, podia quebrar um quadrado ao meio ao abrir o
livro para a direita ou para a esquerda, surgindo assim o poema; palavras e imagens
complementam-se na parte interna do livro. Além da manipulação das superfícies expressivas,
criando espaços ambivalentes, o Neoconcretismo, também propunha a exploração do uso do
tempo como elemento expressivo.

179
4.3 Poemas visuais
Lygia Pape denominou diversas experiências como poemas visuais. Tem-se as caixas,
conhecidas como Caixas de Humor Negro, caixas-poemas que, tinham intenção aberta de
experiência, e pertenceram ao ciclo de embate entre artista e instituição (em tempos de
repressão política e artística impostos pela ditadura de 1964). Os artistas começaram a criar
nesse momento, novas estratégias e novos espaços, para poderem comunicar-se com o
público, desenvolvendo formas de comunicação ambíguas, que pudessem ler lidas pelo
público e não pela censura.

Em 1967, a artista participa da exposição Nova Objetividade Brasileira, no MAM do Rio de


Janeiro, com os poemas visuais Caixa das baratas e Caixa das formigas; onde os artistas
enveredam por uma nova postura experimental, e cuja instalação Tropicália, de Hélio
Oiticica, dá origem ao “movimento tropicalista, cuja presença na cultura brasileira é de
fundamental importância” (Osorio, 2012: 110).

Caixa das Baratas, mostrava uma espécie de coleção de baratas mortas dispostas em fileiras,
em uma caixa de acrílico com fundo espelhado, que refletia os rostos das pessoas. “Pela
aversão, conduzia uma crítica à instrumentalização das produções de arte pelas instituições”
(Machado, 2008: 39). Insetos organizados como uma unidade militar, crítica ao momento de
repressão ditatorial, e também uma crítica ao sangue de barata demonstrado no cotidiano
brasileiro, diante dos sérios problemas que estavam ocorrendo. Pape (2012: 243) afirma que,
“a primeira leitura que o trabalho provocava era no sentido da crítica à arte morta dos
museus”, e isso era passado pela aversão que o trabalho provocava no observador.

Figura 127: Caixa das Baratas, 1967.

180
As Caixas de Humor Negro foram feitas com objetos recolhidos do cotidiano, contudo com
cargas semânticas específicas. Segundo Machado (2008: 39), na Caixa de Formigas, Pape
trabalhou uma dimensão mais erótica, de devoração da carne. Por sua materialidade, podemos
traçar relações entre esta obra e o Livro de carne, de Artur Barrio (1978).

A caixa continha saúvas vivas, que se agrupavam em torno de um pedaço de carne crua, sobre
fundo espelhado, em uma série de círculos, com as palavras a gula ou a luxúria. Essa mesma
frase foi usada depois no filme Eat me (1975), nas instalações Eat me: a gula ou a luxúria?
(1976), e nos cilindros da instalação Livros, de 2001.

Essas produções foram apresentadas juntas, uma representava as obras mortas dos museus, e a
outra, representava o contrário, a imprevisibilidade das coisas vivas, uma vez que as formigas
escapavam da caixa, e andavam por obras de outros artistas. Suas ideias eram passadas de
forma sensorial, e não pelo discurso formal.

Figura 128: Caixa das Formigas, 1967.

Com a mesma preocupação formal e explorando nossa singularidade cultural, desenvolve em


1968, a Caixa Brasil, que se constituía em uma caixa de madeira pintada de azul, com fundo
de feltro vermelho, com cabelos de três raças brasileiras: indígenas, europeus, africanos. Ao
abrir a caixa, estava escrita a palavra Brasil em letras prateadas, representando a miscigenação
e a repressão política.

181
Figura 129: Poema visual: Caixa Brasil, 1968.

Além, das Caixas de Humor Negro, também produziu os poemas-luz e outros poemas visuais,
como Tes - Ouro (1995), Nido (1995) e Isto não é uma nuvem (1997).

Figura 130: Poema visual, 1997.

182
4.4 Livros
O final de 1950 e início de 1960, ficou marcado por um intenso movimento de reavaliação e
transformação do livro dentro da Arte Brasileira. Artistas e poetas, cada um dentro de suas
especificidades, começaram a recriar o livro. “Não só o objeto, mas sua escrita, sua estrutura,
seu conteúdo, sua relação com o leitor; o mito livro e seu lugar na cultura” (Venancio Filho,
2012: 217). Procuravam novas concepções para, desfazer os limites entre as linguagens
artísticas, e o livro foi usado para este fim.

O livro tradicional, no formato que o conhecemos desaparecia, e seus elementos como a capa,
as página, o texto ou título eram transformados. Ficaram irreconhecíveis. Adquiriram
tridimensionalidade. A palavra praticamente sumia; a narrativa tradicional e a paginação
deixavam de existir. O livro começava a transformar-se em um objeto novo, que precisava de
uma nova forma de ler. Leitura aberta, lúdica, visual, tátil, sonora. Livro que se construía
durante a leitura e manuseio pelo leitor.

Segundo Venancio Filho (2012: 218), além da pesquisa dos poetas concretos com a
experiência da recriação do livro, Lygia Pape teve papel primordial nesse momento histórico,
sendo uma das artistas de grande destaque nessa área.

Após refletir sobre a forma, Pape passou a trabalhar na trilogia da experimentação


neoconcreta do livro: Livro da criação, Livro da arquitetura e Livro do tempo, além dos
projetos do Livro das nuvens e Livro dos sentidos, levando em conta o espaço e os efeitos da
percepção e do olhar do espectador, que vai além do limite pictórico. Para ela, o livro passou
a compreender várias formas e experiências distintas, adquirindo um significado mais amplo.
Nessa fase, questiona cada vez mais o espaço, alargando o campo da poesia. Criação, espaço,
e tempo foram algumas questões elaboradas e pensadas pela artista, em cada um desses
trabalhos.

Lygia Pape expandiu o conceito de livro, abrindo-o em direção à arquitetura e à experiência;


ao espaço moderno, que Mallarmé inventou. Pois, segundo o escritor, o poema deveria ser
lido a partir da tensão entre texto e imagem, e não seguindo o percurso dado pela linha. Pape,
também não considera o livro uma categoria fechada, ao contrário, busca a dissolução de seus
limites, tanto que passou do poema para as pinturas, depois ao objeto, ao sensorial, ao cinema,

183
finalizando no espaço público. Seus livros operam fusões entre o livro de história narrativo e
as composições não-verbais concretas, gerando narrativas de explorações tridimensionais
coloridas, em cada página.

O Livro da criação (1959-60) propõe uma linguagem nova, onde formas e cores estão
impregnadas de referências. O visual gera signos verbais, metáforas e narrativas. Obra,
totalmente experimental, onde a artista trabalha com diversas linguagens, realizando a
proposta de um livro que produz sentidos originais.

Figura 131: Páginas do Livro da criação. 1959-1960.

Formado por 14 quadrados de 30 cm, as unidades/páginas se desdobravam no espaço,


narrando a criação do mundo, de forma não-verbal, apenas por meio da imagem. A artista
criou diagramas, tridimensionais, montáveis e desmontáveis que, deveriam ser manipulados
pelo espectador. Essa obra concretizava-se com o manuseio do leitor. Vai armando cada
estrutura (página), gerando experiências sensoriais e grande interação com o livro.

Livro da criação pode ser pensado como um Livro de Artista, uma vez que é um livro
plástico, sem palavras, e a narrativa ocorre pela leitura das imagens e formas. São esculturas,
que se desdobram no espaço, formando verdadeiros origamis poéticos.

184
A história é elaborada conforme o leitor manipula suas páginas, criando suas próprias
narrativas, conforme suas referências, ressignificando essas formas. A abstração de suas
páginas permite ser um livro aberto, com uma multiplicidade de significados, onde cada
página propõe leituras ambíguas.

Isso fica muito claro quando a própria artista escreve Chave do livro, onde ensina a ler um
livro que é diferente dos tradicionais. Que “é para ser lido de algum modo” (Pape, 2012: 209),
explicando, que cada página é uma página em si mesma, que se “trança e cruza uma com as
outras em direção de um trabalho em progress” (idem), e que as pessoas, devem antes de
tudo, ver, ver muito e sentir. E finaliza:

o livro é agora uma teia onde o leitor vai-se embaraçar nos fios que ligam as
propostas, criando o que eu chamo Espaço Imantado – uma espécie de
vontade interna, impulso de um desejo que foge à pura racionalidade e
transfere aos sentidos as pulsações da armadilha. Vocês têm nas mãos agora
– uma imantação (ibidem).

Carrión, em sua obra A nova arte de fazer livros (2011), também reafirma essa condição do
Livro de Artista, quando explicita que, na nova arte cada página é diferente, cada página é um
elemento individual de uma estrutura (o livro) e que, tem uma função particular a cumprir.
Fortalecendo a ideia de ver o Livro de criação como um Livro de Artista. Carrión explora
bastante o uso do espaço e da linguagem, de forma não tradicional.

Pape desenvolveu a proposta desse livro, tendo como referência a Bíblia, com o texto da
Gênesis, propondo a reinvenção do tempo inaugural da criação, narrando o começo do tempo
e da vida. Segundo ela, a obra permite duas leituras possíveis:

Pra mim ele é o livro da criação do mundo, mas para outras pessoas pode ser
o livro da criação. Através de suas próprias vivências, um processo de
estrutura aberta onde cada estrutura armada desencadeia uma leitura
própria. Esse livro foi uma invenção original, onde a linguagem não verbal
determinava uma narrativa verbal (Pape apud Venancio Filho, 2012: 220).

Segue-se uma breve descrição das páginas do livro, onde a questão da criação fica bem
explícita, com palavras orientadoras, que indicam episódios da aventura do homem no
mundo: No começo era tudo água, primeira página (quadrado) representada em azul anil e
com recortes menores, diminuindo o azul, onde simboliza as águas baixando; então surge o
tempo (disco, que ao ser rodado, ia aparecendo a cor laranja: O homem começou a marcar o
185
tempo), o fogo (quadrado vermelho que se abre no espaço em dobras e pontas: O homem
descobriu o fogo), a terra (quadrado vermelho, com um círculo vazado no centro, apontando
quatro setas perfuradas, saindo das laterais: O homem era nômade e caçador), a floresta (Na
floresta: cartão verde, que poderia ser encaixado atrás do anterior – homem nômade, homem
poderia encontrar seus alimentos na floresta), o cultivo (quadrado branco, com perfurações
regulares, como uma plantação recém semeada: O homem era gregário e semeou a terra), a
colheita (E a terra floresceu: listras amarelas, laranja, lilás e verde surgem como um campo
pronto para a colheita), a roda (O homem inventou a roda: papel branco com diversas dobras,
dando a ideia da roda), os planetas (O homem descobriu o sistema planetário: círculos
vazados coloridos representavam a órbita dos planetas, girando em torno de um sol amarelo),
a Terra (A terra era redonda e girava sobre seu próprio eixo), a Palafita (base sobre dobras
triangulares, com a cor azul em baixo), as viagens (Quilha navegando o tempo: triângulo
vermelho dobrado ao meio), o submarino (Submarino – o vazado é o cheio dentro d'água,
recorte triangular no cartão azul, sinalizando água), e finalmente “a luz, que é a informação
plena” (Osorio, 2012: 107): página Luz, amarela com um pequeno recorte quadrado ao
centro20.

As páginas começam do plano, para se abrir no espaço, e depois retornar ao plano


bidimensional, e, cada uma tem recorte e cor própria. Relevância ao manuseio: contemplação
e participação. O espectador cria sentidos a cada unidade do livro, segundo suas vivências,
surgindo significados da experiência existencial do homem, diante das forças da natureza.
Cada leitura é única e pessoal. Cada um constrói sua própria história. Exclusivamente escrita
por cada leitor, à medida que faz surgir a tridimensionalidade da página.

Figura 132: Livro da criação: Fogo. 1959-1960. Guache sobre cartão.

20
Descrições das páginas do Livro de criação retiradas da dissertação Lygia Pape: espaços de ruptura, realizada
por Vanessa Rosa Machado. São Carlos: USP, 2008.

186
De acordo com Doctors (2012: 374), a artista procurou nos Livros poema (1957) o lugar da
palavra, e, no Livro de criação, o da imagem. Estava semantizando a forma, buscando sua
abstração e sua síntese formal.

Figura 133: Livro da criação: As águas foram baixando e O homem começou a marcar o tempo. 1959-1960.

Pape, posteriormente realiza um ensaio fotográfico. Onde leva as páginas de seu livro, em
deslocamento pelo mundo, nas praias, ruas, parques da cidade. As páginas ganham vida
própria, interagindo com o espaço ao seu redor, “assumindo uma autonomia que dá ao
fragmento uma realidade em si” (Osorio, 2012: 107).

Livro da arquitetura fala sobre o espaço da vivência humana. Formado por doze unidades,
feitas com recortes, dobras e cores no cartão, com títulos, que fazem alusão poética aos estilos
arquitetônicos. Começou com o Paleolítico (desenhos que lembravam pinturas rupestres),
Neolítico, Oásis (cartão coberto por serragem e apenas um pequeno cubo verde), Pirâmide
(três peças triangulares), Jardim japonês, Casa japonesa (homenagem à Mondrian), Grego,
Romano, Gótico, Barroco, Árabe e finalizou com o Lance Livre de Concreto, da época
Contemporânea, sempre ressaltando algum elemento para os estilos serem identificados.

Sua proposta era recriar as experiências históricas do espaço humano, ou seja, “a dinâmica
espacial de cada uma dessas experiências: a superfície, a linha curva, a sinuosidade, a
repetição, a curva, o ângulo agudo, etc” (Venancio Filho, 2012: 221). Nesse livro, o tempo
também se faz presente, tanto no ato de manusear, abrir suas páginas esculturas, assim como,
em sua possível sequência temporal, doze unidades, doze meses, um ano, quase marcando um
tempo mítico.

187
As unidades/páginas tornam-se permanentemente tridimensionais, pois, uma vez montadas,
não podem ser desmontadas, como ocorre no Livro de Criação. Nesse livro, também não
havia palavras ou indicação do nome das páginas, sendo que a narrativa dessas diferentes
arquiteturas deveria ser feita a partir da leitura visual e da manipulação do leitor.

Figura 134: Grego, 1959-1960.

Figura 135: Gótico, 1959-1960.

Figura 136: Oásis, 1959-1960.

188
Figura 137: Lance livre de concreto, 1959-1960.

Livro do tempo rompe os limites estruturais, ele fica disposto diretamente no espaço,
formando uma grande tela disposta na parede. Composto por 365 objetos (16 cm por 16 cm)
com diferentes formas geométricas, de madeira pintada. Diversas relações cromáticas e
espaciais são geradas nessas formas, com planos e espessuras variadas. É muito mais que um
livro, são objetos, em que cada página é uma peça que representa os dias, cada dia uma cor,
um sentimento, uma forma. Trata da experiência do tempo com as pessoas, para refletir e
pensar sobre o cotidiano e vivência de cada um.

Figura 138: Livro do tempo, 1961. Têmpera sobre madeira.

Cores fortes, formas dinâmicas, novas possibilidades, todos estão em exposição, onde cada
dia é diferente do outro. A obra convida o público a participar dela, no entanto, com uma
leitura mais contemplativa, diferentemente do que ocorria com o Livro da criação e do Livro
da arquitetura, onde a proposta era a plena participação do leitor.

189
Existe um ritmo cromático nessa obra, dos quadrados pintados e reorganizados sobre uma
unidade/página. Seu conjunto gera um movimento, cada unidade se relaciona com o todo,
ocorrendo uma leitura em ritmo constante e rápido, o olhar vai percorrendo cada página sem
parar, capturando assim o livro todo.

Livro da luz e Livro dos caminhos são livros-objeto cujas pranchas são diagramas cromáticos,
formais e espaciais da criação; do fluxo do tempo e da historicidade dos espaços construídos
pelo homem. Livro da luz ou Noite/Dia foi feito com grande rigor construtivo, enfatizava a
forte relação da artista com a Poesia Visual e a Arte Concreta. Relacionavam-se com filmes,
pensando seus cortes e montagens.

Figura 139: Livro da luz, 1963-1976. Têmpera sobre madeira.

Livro dos caminhos: poema visual, construção modular composta por estruturas que,
lembram os edifícios de São Paulo, como se fosse um retrato da cidade.

Figura 140: Livro dos caminhos, 1963-1976. Madeira, têmpera e óleo.

190
Livro das nuvens, composição formada por doze caixas brancas de madeira, de vários
tamanhos, fixados na parede, no alto, quase atingindo o teto. Metáfora do livro usado para
nomear a sequência de caixas brancas.

Figura 141: Livro das Nuvens, 1983.

Pape deixou apenas o projeto do Livro dos sentidos, pois nesse desenho inicial pode ser visto
uma articulação entre os Tecelares do começo dos anos 1950 e as Tteias, série de instalações
feitas com fios de cobre iluminados, que eram dispostos no espaço, formando volumes
(começaram a ser produzidas em 1977) e atingiu diversos desdobramentos até o final de sua
trajetória. “As linhas se movimentam no plano e já sugerem um deslocamento para o espaço”
(Osorio, 2012: 109).

“Livro, ao longo do tempo virou uma denominação muito plástica, flexível, para Lygia”
(Machado, 2008: 78), tanto que, Pape usou esse termo para denominar um ambiente de uma
exposição no Centro de Arte Hélio Oiticica em 2001, onde cilindros, esferas e planos serviam
como suporte para frases e palavras.

Figura 142: Instalação Livros: Esferas, Sempre, Luz e Silencioso, 2001.

191
Pape redefiniu o que se entende por livro, segundo seus princípios e pesquisas formais.
Quando nomeava uma obra como Livro, era porque acreditava na capacidade expressiva da
forma, que poderia ocorrer uma narrativa, mesmo sem o uso de palavras.

Machado (2008: 88) afirma que os Livros desenvolvidos pela artista revelam uma intensa
“pesquisa de linguagem e suporte ao envolver o leitor no ato de folhear (e manusear) páginas
que revelam formatos inéditos de narração e articulação da forma (poética) visual”.
Ocorrendo assim o entrelaçamento entre a forma livro e a montagem de imagens, entre poesia
e artes plásticas. Demonstrando um comportamento de grande liberdade em relação às
linguagens, evidenciando a “imprecisão na definição da linguagem, características das
propostas neoconcretas” (idem).

Seu trabalho com a palavra, ou seja, a relação poética entre palavra e imagem, e com a
sucessão de imagens, “produzidas tanto pela sequência de páginas dos livros, quanto pela
sequência de movimentos nos balés neoconcretos” (Machado, 2008: 85), foram constantes
em sua trajetória, revelando coerência em sua produção. Nessa pesquisa pude observar que na
sua obra, a integração de linguagens foi uma constante, em Ballets, dialogavam música, dança
e poesia, e nos Livros, a linguagem da poesia e da arte estavam entrelaçadas, reafirmando a
ideia que, a fronteira entre as linguagens foram se desconstruindo na produção de Livros de
Artista.

192
CAPÍTULO 5: AMARRANDO LINHAS COM EDITH DERDYK

193
Meu interesse pela obra de Edith Derdyk veio de sua forte relação com a palavra e a imagem,
e sua pesquisa dentro do universo do Livro de Artista. Produz, cria, risca, rabisca, rascunha,
escreve, tece, textualiza e assim nasce uma nova arte, um novo objeto, um novo livro. Artista
brasileira contemporânea, com uma obra reconhecida no Brasil e no exterior. Recebeu
prêmios diversos, além de possuir Livros de Artista selecionados para fazerem parte do
acervo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.

O primeiro contato com Derdyk e o Livro de Artista ocorreu em 1997, na oficina O corpo da
linha; onde foram desenvolvidas criações a partir do poema A Maçã, de Clarice Lispector.
Conversas, trocas, poesia, processo criativo, imagens, páginas; técnicas diversas, desenhos,
aquarela, colagem, xerox, arte digital. As páginas foram surgindo, crescendo, inter-
relacionando-se, virando livro; com capas feitas da embalagem da fruta e caixa de madeira
protegendo a obra, selando o objeto Livro. A semente foi jogada e o interesse por Livros de
Artista ficou adormecido, retornando em forma de vontade de pesquisar, entender, enredar,
enfim, penetrar nesse universo de criação.

Para melhor entendimento de sua obra e seu caminhar, aconteceram diversos encontros com a
artista. O primeiro ocorreu no Centro da Cultura Judaica, onde realizava uma residência
artística, em 2013; sua proposta era pensar e continuar seus questionamentos sobre a forma
tradicional da escrita. (Re)apresentar a palavra no espaço, convidando o público a
experimentá-la em seu estado poético. Produziu a instalação Notações coreográficas e um
Livro de Artista. Neste mesmo ano, houve uma roda de conversas com os autores do livro
organizado por Derdyk, Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticas. Conversa
produtiva, centrada nos textos escritos sob diversas perspectivas do Livro de Artista no Brasil;
abrindo novas possibilidades de investigação do objeto livro. Outro encontro foi Conversas
sobre Livros de Artista: entre o ateliê e a sala de aula, com Edith Derdyk, Luise Weiss e
Ulysses de Paula, em 2014, na Casa Contemporânea; onde discutiram as origens da pesquisa
desenvolvida por cada artista e qual o papel do Livro de Artista em suas produções.

Em 2015, no Centro Cultural de São Paulo, novas conversas sobre a investigação da origem
da palavra e possíveis desdobramentos desses questionamentos, que resultaram em obras
como instalações e Livros de Artista.

194
5.1 Desfolhando a artista
Derdyk vive e trabalha em São Paulo. Artista, ilustradora, educadora e escritora. Realiza
exposições, coletivas e individuais, desde 1981, no Brasil e no exterior. A palavra é sempre
muito presente em sua obra, presente como texto, em seu trabalho. Gosta muito do objeto de
leitura Livro, por isso, a recorrência desse suporte em suas criações.

Seu percurso desenvolve-se a partir de diversas linguagens, como o desenho, a gravura, o


Livro de Artista, vídeo, fotografia, instalação, focando a linha, como seu núcleo poético. Para
a artista, o desenho é sempre o ponto de partida e campo de chegada de suas produções.
Afirma que tem uma relação quase biológica com o ato de desenhar. A ação de desenhar é
recorrente e faz parte do processo poético do seu trabalho. Encontra prazer na ação de ir e vir,
preenchendo superfícies, da folha, do tecido, do espaço. Sua obra provoca uma reflexão sobre
como entendemos a espacialidade e como o desenho pode ser extrapolado do papel, virando
costura, que rasga, suspende e reestrutura o espaço.

A artista vem desenvolvendo a investigação do traço, no espaço, e uma extensa pesquisa


sobre o desenho, desde 1980. Época em que, publicou obras discutindo esse conceito, como
Formas de pensar o desenho (1988), Linha de Costura (1997), Linha de Horizonte (2001) e
também organizou Disegno. Desenho. Desígnio (2007), além de Entre ser um e ser mil, o
livro de artista e suas poéticas (2013). Recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio Funarte
de Artes Visuais (2012). Fez residência artística em Barcelona (2013), além de conquistar
bolsas, como artista pesquisadora. Sua obra faz parte de importantes coleções públicas de São
Paulo, como a Pinacoteca do Estado, Instituto Cultural Itaú, Museu de Arte Moderna, Museu
de Arte de Brasília, Bibliothèque Nationale de France, entre outros. Em 2013, os Livros de
Artista Desenhos (2007), Dia Um (2010) e Avesso, (2012) foram selecionados, para fazerem
parte do acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP.

Edith Derdyk declara-se uma costureira, tal a importância da linha em sua obra. Tanto que,
afirma: “tenho a linha costurada em minhas mãos”21. Faz uso da linha bidimensional no
desenho, tridimensional na costura e nas instalações onde estica as linhas no ar, finalizando
com, a escrita na quarta dimensão, o tempo. Costura artisticamente, como procedimento
artístico e estético. Costura pensamentos, coisas, assuntos.

21
Linha de costura, 2010. Livro sem numeração de páginas.

195
Podemos pensar a linha em sua obra, tanto no desenho pictórico, como na linha escultórica.
Para Edith, a natureza da linha é muito ambígua, por um lado é traço, expressão da matéria do
corpo, do sensível, do digital, e por outro lado é conceitual, mental, abstrata.

A ação de rabiscar, desenhar reproduz-se em suas instalações, no momento em que estica as


linhas no espaço, realiza uma ação física, mas continua rabiscando, desenhando. As linhas
transcendem a questão da figuração, a linha surge como não representacional, indo muito
além da figuração. De acordo com a artista, ela nunca sabe a forma final das linhas, que estica
no espaço ou dos papeis, que sobrepõe, pois são resultantes de forças, equilíbrio, da relação
com a matéria e com o espaço. Para Derdyk (2010)22, “mais que a representação, me interessa
a experiência da ação. E o resultado, que seria o representacional, seria o resultado dessa
ação”.

Como o papel não estava abarcando seus registros passou a trabalhar em outras superfícies,
para sua pesquisa do desenho. Usando o pano como base de seu trabalho, pesquisou
espessuras, recortes, até chegar à costura. Novamente, a ação do desenho de ir e vir, a ação
poética e construtiva, no ato de costurar. Pano, tecido, que também é uma trama, cheia de
linhas, tem um desenho próprio de acordo com sua textura. Continuando sua exploração de
matérias possíveis para entender a linha, encontrou o plástico. A costura da linha sobre este
material mole, frágil era sem controle, tornando o percurso do desenho quase autônomo, ele
fazia-se em caminhos próprios; a linha e plástico queriam tomar corpo, quase virando um
objeto. Nesse caminho, para entender como a linha tem um corpo, também trabalhou com
papel de seda, e assim foi descobrindo a característica de cada suporte, suas resistências e
vontades.

O papel se rompe, então usa colagens, sobreposições, criando volumes. Nesse momento sua
obra dialoga com as Droguinhas de Mira Schendel (que usou papel japonês retorcido),
formando objetos tridimensionais, invadindo o espaço. Derdyk percebe que, o papel deixou
de ser suporte, para ser espaço, e descobre a delicadeza do papel e a independência da linha.
Suas costuras foram criando corpo, aglomeração, acúmulo de linha sobre linha.

22
Vídeo Museu Vivo: Edith Derdyk. Documenta Vídeo Brasil / Sesc TV. Direção: Cacá Vicalvi. Ano de Produção:
2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SYP3gacfIM8. Acesso em: 15 nov. 2013.

196
Seu desenho, que começou como percurso da linha no papel, começa a fazer o percurso da
linha no espaço, surgindo, por volta de 1997, suas primeiras instalações; quando começou a
construir as linhas no espaço com fios, usando seu corpo como o instrumento para desenhar
no ar. Para, conseguir visualizar, o traçado da linha no espaço, desenhava seus projetos e
passou a construir maquetes. Em nossas conversas, percebi que a artista tem muita clareza de
sua pesquisa, de sua poética, de suas experimentações. A artista explora a linha no espaço em
várias situações e lugares, expandindo ao máximo suas pesquisas, seja suspendendo matérias,
seja construindo espaços no ar.

Alice Ruiz traduz sua obra na poesia Sem Palavras (apud Derdyk, 2007):

sumiê de fios, de folhas, sem tinta e sem pincel, onde o espaço faz papel de
papel, o fio faz o efeito da escrita, os livros, fios em branco, são lidos pelo
avesso, de lado, de outro, de soslaio, os fios das folhas em ritmo, ora gráfico,
ora elétrico, escrevem rimas ricas, linhas em todas as direções devolvem,
resolvem nosso emaranhado enquanto flutua a dura madeira, nua carne,
árvore madura suspensa, susto que pensa, presente, arrepio de pêlos que
nascem, atravessam passam, morrem no pálido da pele onde ainda persiste
um nada que se move na força dos fios e revela sua leveza e eleva o peso do
espaço com todas as palavras não ditas

197
5.2 Livros experimentais
Derdyk, sempre, utilizou Cadernos para desenhar, escrever suas ideias, realizar registros de
pensamentos em diferentes linguagens. Acredita que, sua aproximação com o Livro de Artista
surgiu, do convívio com os Cadernos, que eram verdadeiros diários poéticos, além do diálogo
com suas próprias experimentações artísticas.

De acordo com Silveira (2008: 112), Cadernos pressupõem registros, de ideias, textos
autônomos ou simplesmente sequência de imagens; além de experiências pessoais através do
desenho, como o fez Carlos Scliar, em O caderno de guerra de Carlos Scliar (1969), ou
apresenta o trabalho como um híbrido entre o confessional e a peça de divulgação, como em
CadernosLivros (1978), de Artur Barrio.

Figura 143: Caderno de desenho, 1981.

Figura 144: Ibiscos e rabiscos, Edições Terra à vista, 1982. Impressão com serigrafia. Tiragem: 300
exemplares.

198
Seu trabalho é marcado pelo desenho, pela linha, por papéis e livros. A artista explora muitas
possibilidades, na relação com o objeto livro, evidenciando a natureza dos materiais. O livro
como tema plástico e a exploração da plasticidade de seus componentes físicos, como o papel,
páginas, linhas, tornou-se um tema recorrente em sua obra.

Derdyk pensa o Livro de Artista como uma mídia, suporte poético, abordando e congregando
a convivência das diferenças. Agrega verbal e visual, procedimentos de construção artesanais
e tecnológicos e uma diversidade de conhecimentos, como narrativa, texto autoral,
manuscrito, imagem, gravura, reprodução, tipografia. “É a palavra que se diz imagem e a
imagem que se diz palavra” (In Neves, 2009: 162).

Livro de artista, livro-objeto são experiências relativamente recentes no


cenário brasileiro. O livro, tal como o reconhecemos hoje em sua forma,
função e realidade tecnológica, sinaliza um outro território poético quando se
pensa nele como suporte experimental. As possibilidades formais que se
entreabrem a partir da investigação do livro como objeto poético desenham
um arco extenso de experimentações, congregando o conhecimento artesanal
aos processos industriais, potencializando a mixagem de várias linguagens e
modalidades de registros visuais e literários, multiplicando a descoberta de
estruturas narrativas dadas pelos entrelaçamentos inusitados entre as
palavras e a imagem (Derdyk, 2013: 215).

Figura 145: Linha de costura, Editora Iluminuras, 1997.

Linha de Costura é um livro de poemas, que, foi feito a partir de seus escritos em cadernos de
anotações. Aqui, o tempo é pensado como texto respirável, e o texto virou uma costura no
espaço do papel, sendo contínuo, nada fragmentário. Texto, que tece as palavras, formando

199
tramas, tessitura. O espaçamento irregular usado na diagramação dos textos, assemelha-se
visualmente, ao rastro da linha deixada no avesso da costura. “A costura traduz um
movimento circular, se repete exaustivamente”23. Edith Derdyk, pensou o branco do papel
como um elemento de pausa, respiro, ou seja, como componentes visuais e expressivos, que
dão ritmo à leitura. Texto e espaço estão conversando o tempo todo, havendo um diálogo com
Mallarmé. A artista não o considera um Livro de Artista, todavia, fica evidente, que sua
proposta vai além da literatura, uma vez que a organização visual do texto propõe uma
experiência, que explore graficamente os espaços em branco, respiros e pausas, quase
seguindo uma partitura visual.

Vão são escritos sobre um livro de uma linha só, onde a artista trabalhou com a ideia da linha
única. Ao virar a página, o olho faz um percurso para a leitura, formando uma linha circular.
Esta obra dialoga com os Cadernos de Mira Schendel, que também, possui movimento e
circularidade. Nas produções de Derdyk é percebida a importância do ato de manusear o livro.
A obra deve concretizar-se com a participação do leitor, a narrativa verbal completa-se com o
movimento visual de suas páginas. A palavra, a escrita se tornam signos, linhas, e o leitor é
desafiado a criar sua própria leitura visual da obra.

Figura 146: Vão, Edições A, 1999. Impressão digital. Tiragem: 100 exemplares.

23
Linha de costura, 2010. Livro sem numeração de páginas.

200
A proposta do Livro de Artista O que fica do que escapa era, conferir tatilidade às imagens
da página, incorporar textos a essas imagens (como se um fosse parte do outro), por isso, o
uso de papel vegetal (o que permitiu certa transparência), unindo palavras e imagem.
Conforme viramos as páginas, a imagem da montanha vai caminhando pelas bordas, podendo
localizar-se em cima, em baixo ou nas laterais da página.

Figura 147: O que fica do que escapa, Edições A, 2001. Impressão digital. Tiragem: 100 exemplares numerados
e assinados.

Suas instalações, desenhos feitos com linhas que transpõem o espaço, são trabalhos efêmeros.
Por isso, a artista começou a fotografar, diferentes situações dessas linhas, construídas no
espaço, como seu ir e vir, o fazer e o desfazer, a linha tensa e a linha solta. Percebeu que as
imagens geradas não eram apenas registros, mas sim um novo trabalho, nova poética,
surgindo uma série de Livros de Artista, onde ela poderia percorrer e experienciar outras
narrativas.

201
Como Rasuras, Livro de Artista, com dois metros e meio de comprimento, costurado ao meio
em cima de uma mesa, também chamado de Livro-Mesa. A proposta era que, as imagens
poderiam ser articuladas entre elas, as pessoas poderiam manipular esse livro, reconstruindo
uma narrativa e a relação de tempo e espaço. Havendo um jogo combinatório, e,
possibilitando que o mesmo virasse um livro sem fim. A partir da manipulação e da
brincadeira, haveria sempre a criação de novas formas, como ocorre em Bichos, de Lygia
Clark e nos livros manipuláveis, de Lygia Pape.

Há justaposições, não-lineares, de tempo e espaços. Através de imagens de linhas esticadas,


sobrepostas, a de linhas cortadas, da instalação montada (ocupações espaciais feitas de
centenas de grampos e de metros de linha de algodão, que se estendem pelo espaço, de um
plano a outro), com imagens do processo de montagem e desmontagem, formando assim,
construções narrativas não-ordenadas. O livro permite a reconstrução de narrativas espaço-
temporal, através de imagens experimentadas como palavras.

Figura 148: Rasuras, Edições A, 2002. Impressão digital - Takano. Bolsa Vitae. Tiragem única.

202
Fiação, obra feita a partir de fotografias de fiação elétrica e pedaços de parede, do atelier da
artista, ocorrendo uma sucessão de imagens, rastros, justaposições. A artista começou a
fotografar as linhas do mundo, as fiações elétricas. No livro trabalhou essas conexões e
desconexões, continuidades e descontinuidades das linhas, que percorrem a geografia das
cidades. Foi construindo a relação entre as linhas e as imagens, gerou uma continuidade
espaço-tempo. Relacionou interior e exterior, atelier e cidade. Esse livro pode ser manipulado,
recriando relações, leituras e narrativas, imaginando combinações infinitas.

Figura 149: Fiação, Edições A, 2004.

Derdyk possui um olhar sensível às linhas que estão no nosso entorno. Ás que estão na
cidade, nas fiações, aquelas que passam segredos, mensagens, informações, gerando
encontros e desencontros, e também às internas, do seu trabalho, do seu espaço. Para a artista,
esse livro concretiza-se quando é aberto pelo fruidor, o ato de manusear a obra inaugura o

203
tempo. Assim como ocorria nas obras de Lygia Pape, Livro do Tempo e Livro da Arquitetura,
essas concretizavam-se com a manipulação do leitor.

A partir da primeira formação da ideia de livro, o Códex, poderia imaginar combinações,


infinitas, de linhas da cidade. A partir desse, também produziu um Livro de Parede, para uma
exposição no Instituto Tomie Ohtake.

Em Fresta: livro partitura, a proposta era mesclar o artesanal e o industrial na construção do


mesmo. Derdyk pensa Livro de Artista a partir de fotos de livros, ao avesso (lombadas, bases
e frentes das páginas), onde foca seu interesse na materialidade dos volumes, nas formas
plásticas e visuais, ocorrendo um jogo de imagens com o dentro e o fora dos mesmos.
Trabalha oposições, assim como, Ronaldo Azeredo faz em Armar.

A linha para a artista é o encontro entre as coisas, o espaço gerado entre uma página e outra,
entre um papel e outro. Suas imagens criam um grafismo, uma continuidade do que está
dentro do volume e de fora, das capas ou laterais do livro. Pensa o espaço em branco, a
respiração da obra, assim como fez Mallarmé no poema Un coup de dés. Espaços que dão
novos significados para a visualidade de sua página. O Livro Partitura também nos remete à
ideia da leitura em voz alta, da sonoridade. Mais uma vez, a importância da presença do leitor
construindo sua narrativa plástica.

Figura 150: Fresta, Edições A, 2004.

204
Livro Cego é um livro tátil, livro-objeto que invade o espaço, objeto tridimensional. Objetos
que foram prensados, empilhados e perfurados. Ao ser vedado, parafusado, o livro entra em
contradição com sua condição de fonte de conhecimento, gerando uma não leitura. Narrativas
que não podem ser vistas, escritas ocultas, páginas vedadas, o ritmo não se desenvolve.

Figura 151: Livro Cego, 2007.

Trilhos, continuidade de linhas, na linha do trem, metáfora visual e verbal. Cada pedaço da
linha do trem é registrado, formando uma circularidade sem fim. Sobre algumas imagens,
podemos ver marcas de ferrugem, sinalizando a passagem do tempo, a passagem do trem.
Mais uma vez a artista usa o parafuso para vedar seu livro, havendo uma relação com a
materialidade (metal) dos trilhos.

205
Figura 152: Trilhos, Edições A, 2007. Tiragem única.

A obra Desenhos consiste nos registros de projetos de Derdyk, fotos, escritos e pensamentos.
Suas reflexões e observações transformaram-se na matéria para essa obra; onde trabalhou o
diálogo entre suporte e conteúdo.

Figura 153: Desenhos, Edições A, 2007. Impressão Gráfica Águia - offset. Tiragem: 100 exemplares.

No livro de parede Se o mar inteiro sob o leito de um rio, a artista trabalhou procedimentos
de repetição, criando linhas imaginárias que, se deslocam na folha de papel em branco. Versos
atravessam o pensamento e inscrevem-se, sobre o papel, formando uma massa gráfica escura.
Linguagem fluida, transformadora, onde substantivos, adjetivos e advérbios relacionados com
a água, formam uma poesia visual. Busca pela justaposição de versos e pensamentos.

206
O suporte é a linguagem, porque não só é a base do texto, mas também, um volume plástico, a
própria obra. Fazendo com que a artista tivesse nessa obra, uma aproximação maior do
conceito de livro-objeto, ocupando o espaço, como em uma instalação.

De acordo com Neves, nessa obra Edith Derdyk

apresenta uma narrativa guiada pelos tempos dos fluxos de pensamento. Os


versos e os conteúdos apresentam-se plástica e conceitualmente em
movimentos de ir e vir e justapõem-se num espaço horizontal da página,
criando suspensões narrativas (2013: 81).

A metáfora do movimento do mar se realiza, o tempo inteiro, indo e vindo, falando e não
falando, a onda do mar em um movimento de, vai e vem. As palavras cruzam o livro todo,
vazando ou comprimindo, em momentos diferentes.

O texto também não é só texto, mas imagem. Suas palavras perdem o sentido semântico,
tornam-se signos visuais, livres de seus conteúdos verbais. Assim como, na obra de Mira
Schendel, que trabalhava com a materialidade das palavras.

Figura 154: Se o mar inteiro sob o leito de um rio, 2008.

Em deslize, foi um Livro de Artista, formado a partir dos registros de partes de sua instalação
Manhã, exposta no Paço das Artes (2005), formada por diversos tipos de empilhamento de

207
papéis. A artista passou a observar que, os espaços entre um papel e outro, formavam linhas.
Também trabalhou a linha suspensa, a gravidade que pesa. O branco do papel era visto como
campo de representação do desenho. O vazio, entre os espaços, gerou novas imagens, frestas
entre os vazios, entre as folhas. Livro mole que, desliza sem controle, maleável.

Figura 155: Em deslize, Edições A, 2010. Tiragem sob demanda - primeira edição: 10 exemplares.

Para a artista, o espaço entre papéis são escrituras, caligrafias, formas de escritas, tal como a
escrita arcaica. Ela afirma que, a palavra está em tudo, mesmo na imagem; uma vez que ativa
as imagens mentais o tempo todo. O espaço, entre a palavra e a imagem é muito íntimo,
deixando-as interligadas. Derdyk busca a origem da palavra, gerando um Livro de Palavras,
contudo, sem palavras.

208
Quadrante tem o formato quadrado, todavia possui uma circularidade, conforme as páginas
são abertas, permitindo uma combinatória de cores. Em uma das páginas, aparece um texto
com diferentes definições da palavra quadrante: “qualquer das quatro partes em que se divide
uma circunferência; quadratura do círculo; superfície sobre a qual se desloca um ponteiro
indicador; razão insana cujo módulo se multiplica em progressão geométrica; rosa dos ventos;
instrumento óptico de reflexão...”.

Figura 156: Quadrante, Edições A., 2011. Tiragem sob demanda - primeira edição: 10 exemplares.

Avesso traduz o desejo de refletir sobre o espaço, páginas em branco. Dialoga com suas obras
Fresta e Em deslize, já que nelas também pensa, sobre o avesso, os vazios, pausas e respiros.
Avesso constrói uma continuidade, aludindo à possibilidade de leitura de um livro em aberto,
cujas páginas-imagens, de folhas de papel em branco, sugerem escrituras a serem decifradas.
As páginas desfolham-se em um tipo de articulação, que promove múltiplas possibilidades de
leitura, não necessariamente lineares.

209
Figura 157: Avesso, Edições Tijuana, 2012. Tiragem: 25 exemplares numerados e assinados.

Atilho e Metragem são Livros de Artista que, seguem a mesma proposta de Rasuras, pois, a
criação de imagens são geradas a partir do registro das montagens e desmontagens de suas
instalações. Atilho nasceu a partir da desmontagem de Arcada24. Em suas páginas podemos
ver a tensão das linhas atadas da obra, sendo desfeita pelas mãos da artista, em movimentos
suaves e silenciosos, ocorrendo o movimento contrário ao seu processo criativo. Atilho é
amarrilho (fita, barbante, palha ou coisa semelhante, que sirva para atar ou ligar), nas imagens
vemos o desfazer, desunir, soltar, relaxar, formando uma poesia da linha, que se completa em
cada página.

24
Exposição realizada em 2013, na Galeria Mário Schenberg, em São Paulo.

210
Figura 158: Atilho. Edições A, 2013. Tiragem sob demanda - primeira edição: 10 exemplares.

Metragem foi concebida a partir das imagens feitas em vídeo e fotografia, por Ruth Alvarez,
que documentou a montagem e desmontagem da instalação de mesmo nome, Metragem25. A
decomposição dos elementos, que compunham a obra final, acabou por revelar as partes de
um todo.

Figura 159: Metragem, Edições A, 2013. Tiragem sob demanda - primeira edição: 10 exemplares.

Continuando seu caminhar criativo, a artista começa a fatiar livros. Surgiu nova escritura,
escrita que sai de dentro dos livros, nascendo Cifrado. A definição da palavra Cifra seria
conjunto de caracteres, sinais ou palavras utilizados em uma linguagem secreta, ou sinal
gráfico, representado pelo zero, que não tem valor absoluto, e serve para conferir valores
relativos aos algarismos que, o acompanham.

Segundo Derdyk, esse Livro de Artista é uma obra que, se fechou em si, que precisa de um
código para sua leitura, uma decodificação para ser traduzido. Papel torna-se não apenas

25
Exposição Lições da linha, realizada em 2011, no Sesc Bom Retiro, em São Paulo.

211
matéria-prima, mas o próprio significado do trabalho. O uso de uma folha de papel em branco
ou diversas folhas empilhadas, transforma totalmente o significado poético da obra.

Ao, cortar livros ao meio, sua páginas-imagens capturam o avesso do livro, seu interior,
novamente, aparece a relação dentro e fora, interior e exterior, contradições e oposições. As
palavras estariam dentro dessa obra, de forma não tradicional, não legível, como um código.
Um parafuso enferrujado trava o livro, fecha a fonte de conhecimentos, do saber, ocorrendo
assim uma contradição visual. Um livro que, é fechado, vedado, tornando-se mudo, passando
a ideia de que é objeto escultórico (livro-objeto), transformando folhas em monolitos.

Figura 160: Cifrado, Edições A, 2014. Impressão offset - gráfica Águia. Tiragem: 100 exemplares numerados e
assinados.

Binário26 foi pensado, a partir de imagens impressas, cujas matrizes digitais são resultantes da
captura da passagem da luz, que percorre a tela de um scanner. Imagens, cujas características
foram codificadas, sob a forma de dados expressos no sistema binário – zero e um –, (base de
todo sistema operacional da computação eletrônica digital). O registro dessas imagens traduz
a imaterialidade do caminho da luz, no ar, em formas de linhas; que, foram desenhadas (sem
terem sido desenhadas) materialmente. Linhas de luz que existem no ar, desenhos do acaso,
transcritos, decodificados.

26
Livro de artista de mesa que fez parte da exposição Scanner, realizada em 2013, na Galeria Gravura Brasileira
(São Paulo). A artista também expôs Notações coreográficas e Bit_0_1 (série de impressões), e Bit 3D (objeto de
papel empilhado/instalação).

212
Figura 161: Binário, Edições Tijuana, 2014. Tiragem: 25 exemplares assinados e numerados.

Mais uma vez percebo a presença do ato de desenhar, característica tão marcante da artista em
seu processo criativo. O movimento das mãos desenha fendas, para que, feixes de luz sejam
varridos, pela superfície vazia do equipamento, formando linhas resultantes do gesto e da luz.
Ritmos surgem da leitura visual, e do manuseio de suas páginas, quase como uma partitura,
marcando seus tempos, espaços e escritas, por entre as linhas.

Seus Livros de Artista são marcados pela ideia do leitor participativo, leitor-autor. Leitor que,
percebe o livro como um território poético e experimental, criando narrativas próprias, suas
leituras, construindo suas relações. Edith Derdyk permite que, o leitor sinta o livro com todas
suas percepções, e que, novas temporalidades e espacialidades possam ser identificadas no
seu manuseio: “circulares, simultâneas, randômicas, rizomáticas, multidirecionais, sugerindo
diferentes formas de se articular o livro como tal” (Derdyk, 2012: 169).

Palavras e imagens são formuladas, pensadas, de maneira não tradicional. Em suas obras, o
espaço é pensado junto com a visualidade que propõe. Podemos sentir, usufuir, experenciar
diferentes técnicas da visualidade e da escrita, diferentes linguagens e procedimentos. São
sistemas abertos de leitura, onde diversas ações são possíveis.

“O livro-objeto temporaliza o espaço e espacializa o tempo, ao mesmo tempo, no mesmo


espaço físico: o objeto livro” (Derdyk, 2012: 172).

213
5.3 Costurando o espaço

Me interessa a experiência intransferível do tempo no


tempo. A costura sinaliza a expansão da linha
costurada no espaço, mas é distensão do tempo no
tempo que se torna o trabalho.
Edith Derdyk27

Edith Derdyk realiza instalações de peças, no espaço, construindo formas através da linha.
Fazendo seu corpo de instrumento de desenho. Desenhando no ar, costurando formas no
espaço. Usa centenas de grampos e muitos metros de linha, que se estendem no espaço,
criando novos planos. Continua sempre, seu processo marcante de repetição, sobreposição,
acumulação. Linhas negras, que costuram, tecem, criam. Alinhava o espaço com este
movimento de ir e vir. “Feixe negro imaterial ocupa volume-vazado” (Derdyk, 2007) 28.

Sua linha risca, cria limites, barreiras e fronteiras ao corpo, porém também une superfícies.
Linha estendida no espaço para ser a expressão de uma linguagem, e não apenas linha. A
artista deixa a linha guiar sua trajetória, respeitando seu caminhar, seu percurso, e assim vai
preenchendo esse espaço, fazendo o volume, construindo a obra. As linhas atravessam o
espaço do desenho, definindo entre si novos espaços.

A experimentação, em relação ao espaço, varia conforme a forma como esse é percebido, e do


modo como podemos nos relacionar com ele. A artista circula, tanto no campo dos Livros de
Artista, quanto das instalações; Derdyk pode ocupar o espaço de um ambiente, tratando o
mesmo, como a página (espaço interno) do livro. Assim como vimos no Neoconcretismo, que
buscavam a integração efetiva do espaço da obra com o real (Cocchiarale, 1994).

Segundo Fieira (2015: 76), podemos perceber uma experimentação formal do espaço livro nas
obras de Derdyk, e “essas relações continuam quando o trabalho se expande para o espaço do
mundo”. Não ocorre apenas uma transposição do livro para outro espaço, na verdade o que
muda é a relação física com cada obra.

27
Linha de costura, 2010. Livro sem numeração de páginas.
28
Desenhos, 2007. Livro sem numeração de páginas.

214
Como já havia constatado, a artista tem uma forte relação com o desenho, a linha, o
movimento do desenhar, do traçar a linha em espaços, sejam em folhas ou no ar. Isso fica
muito forte quando a artista ocupa o espaço com suas instalações. Examinando alguns desses
trabalhos, posso entender alguns como grandes Livros de Artista, pois, a ocupação do espaço
de um ambiente ocorre como páginas de um livro. Verificando a instalação da exposição
Ângulos, ao ver as linhas pretas esticadas e tensionadas entre os dois suportes brancos,
podemos pensar em um grande livro aberto no espaço, e as linhas, as escritas que fugiram do
papel para o ar.

Figura 162: exposição Ângulos, 2004. Galeria Marília Razuk, São Paulo.

Em Onde Seca, com suas grandes páginas deslizando entre si, as folhas de papel vão
formando imagens fluídas, que se mostram como um livro aberto, desfolhando, em frente aos
leitores, grandes livros ocupando o octógono da Pinacoteca. Empilhamentos de folhas,
acúmulo; Derdyk ao dispor desses elementos no espaço criou agrupamentos, formando livros
escultóricos, instalações.

Ficando cada vez mais clara a ideia de que a artista relaciona-se em cada espaço, conforme
suas dimensões, e de acordo com a percepção que deseja atingir. Independente do suporte
trabalhado, todos são lugares potentes para expressar sua linguagem.

215
Figura 163: exposição Onda Seca, 2007. Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Figura 164: exposição Dia Um, 2010. Galeria Virgílio.

Na instalação Metragem, a artista pretendia discutir a linha, tanto como vetor de força e
campo gráfico, aproximando o mundo têxtil (relação com o bairro Bom Retiro, como setor
têxtil) e o mundo do livro, ao buscar a origem da palavra texto. Segundo Derdyk29, as
atividades de tecer e escrever estão intimamente ligadas, uma vez que a palavra texto, do
verbo latino texere, significa tecer. A obra possui a mesma natureza fluida e tensa, que habita
a linha, seja ela, o fio que vai configurar tramas para os tecidos, ou a linha da escrita que
constrói palavras.

29
Depoimento a Angelica de Moraes, artigo A arte que nasce do papel (2012). Disponível em:
http://www.edithderdyk.com.br/portu/depo2.asp?flg_Lingua=1&cod_Depoimento=50. Acesso em: 8 out. 2015.

216
A linha de sua obra parece escapar do plano do papel para projetar-se no espaço. Novamente a
sensação de um grande livro aberto, com suas linhas desenhando ou tecendo o espaço. A
repetição da linha, também é presente nessa obra, acúmulo de linha sobre linha, linha tecida,
linha escrita, linha que se tridimensionaliza no espaço.

Figura 165: Metragem, 2011. Sesc Bom Retiro, exposição Lições da linha, curadoria de Jacopo Crivelli.

Vejo Tabuleiro como um Livro Instalação, que ocupa o espaço. A escrita acontece com o
movimento da dança, sobre a instalação, escrita corporal. Conforme, acontece o movimento
do corpo das bailarinas sobre as páginas em branco, da instalação, o desenho se forma. Livro
que compõe espaços e ambientes instalativos.

Derdyk constrói obras que dialogam com a exposição que realiza; quando o Livro é colocado
aberto, na parede, no chão, expondo em conjunto todas suas páginas mesmo tempo, em um
mesmo espaço, seria como se quisesse mostrar toda a memória desse livro. A artista adapta
sua obra ao espaço, considerando o livro um lugar.

217
Figura 166: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014. Instalação coreográfica (relação da dança
com artes plásticas, música e vídeo). Sesc Pompeia.

Figura 167: exposição Tabuleiro: 2 ou + Pretextos Poéticos, 2014.

218
5.4 Tábula: alinhavando escrituras
Em todos os processos criativos de Edith Derdyk a linha é um elemento que se destaca. Seja a
linha do lápis com que risca incessantemente o papel; a de costura, com que vai preenchendo
o espaço no qual inscreve novas linhas carregadas de sentido; a gráfica, que percorre as
páginas dos seus livros; a tridimensional, que constrói espaços no ar; ou a que surge da sua
escrita, no texto. Como observado antes, tecer está na origem de texto (em latim, a palavra
texto significa texo, texere, textum), costurando relações entre texto e tessitura, sendo esse
mais um desdobramento de seu trabalho.

Essas inquietações levaram-na a estudar a origem da palavra, onde tudo começou. Desde
2009, a artista vem realizando uma pesquisa, que teve como ponto de partida, a leitura de
Bereʼshit: a cena da origem (1993); tradução, que o poeta concreto Haroldo de Campos
realizou da Gênese e do Livro de Jó. Tanto a natureza imagética dos versos bíblicos, quanto a
transcriação feita por Campos, impulsionaram seu trabalho.

O Livro de Artista Cópia: Dia um (2010) é resultado dessas leituras. Derdyk criou imagens,
refletindo sobre o primeiro dia da criação. Dia Um, projeto sobre a primeira página da Bíblia,
que narra a criação do mundo. A artista vai buscar essa página em todas as línguas possíveis.
Dessacralizando o discurso da religião. Investigando o momento inaugural do uso da palavra,
na história da humanidade, onde o verbo começa a nomear e distinguir as coisas.

Começou a notar uma arqueologia ao contrário; a sobreposição de textos foi gerando


camadas, ilegibilidade, acumulação, camadas temporais, para a palavra chegar até nós. Nesse
processo de descoberta, a artista vai desvelando as potências da palavra: “a palavra em seu
estado poético abre possibilidades, tem um poder imagético tão potente quanto a imagem.
Palavra que tenta decifrar as imagens. Como das palavras, nascem as imagens, como das
imagens nascem as palavras. Potência poética” (2010)30.

30
Vídeo Museu Vivo: Edith Derdyk. Documenta Vídeo Brasil / Sesc TV. Direção: Cacá Vicalvi. Ano de Produção:
2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SYP3gacfIM8. Acesso em: 15 nov. 2013.

219
Figura 168: Cópia: Dia um, Edições A., 2010. Tiragem: 50 exemplares.

Derdyk aprofundou-se na busca da origem da palavra como poesia, e sua intersecção entre
escrita e desenho, linguagem verbal e visual. Em 2011, foi contemplada pelo Centro da
Cultura Judaica (São Paulo), para o programa de Residência Artística, onde passou seis
semanas em Jerusalém, buscando referências e experiências da palavra. Nessa viagem de
pesquisa, teve acesso a manuscritos em museus e bibliotecas, conversou com linguistas e
estudiosos, procurando os rastros da palavra criadora pela cidade:

A palavra prometida, a reza, a repetição, a palavra no corpo, a palavra


escrita, a palavra originária em todas as religiões monoteístas. Lá eu
descobri que a linguagem semítica, a linguagem arcaica, é totalmente
poética, mítica e não tem nada a ver com o discurso teológico fechado de hoje
(...) que não deixa muito espaço para interpretação (Derdyk, 2013)31.

Visitou museus da história do livro, onde a palavra estava em diversos suportes: na pedra,
palavra em forma de inscrições, incisões na argila (baixo relevo); no rolo (pergaminho) ou na
pele contínua (onde a história corre sobre o suporte, gerando experiências com a narrativa
circular); em páginas dobradas, até chegar ao códex, formato, que é conhecido até hoje
(caderno costurado). A escrita oriental é iconográfica, e a palavra se aproxima do significado;
enquanto a escrita da cultura ocidental é fonética, havendo uma dissociação entre o sujeito e o
objeto representado. Distanciando desse modo, o significado e o significante.

31
Das trevas à luz da palavra. Revista ARTE!Brasileiros, 2013. Disponível em:
http://brasileiros.com.br/2013/02/das-trevas-a-luz-da-palavra/?fb_action_ids=4741655216975&fb_action_types
=og.likes#.VGgIGvnF_aY. Acesso em: 16 nov. 2014.

220
Em 2012, residiu por dois meses na Biblioteca José e Guita Mindlin, do Centro da Cultura
Judaica. Durante essa estadia refletiu sobre a palavra e as escrituras sagradas, construindo
toda a base conceitual da obra Tábula, que surgiu a partir dos experimentos e estudos
realizados nessa residência. Desenvolveu e criou a instalação Notações Coreográficas, com
pilhas de bíblias perfuradas, unidas por metros e metros de fios, tecendo espaços.

Figura 169: Notações Coreográficas, 2012.

Tábula (2012) é um desdobramento de sua leitura do livro Cena de Origem, em cuja tradução,
Haroldo de Campos baseou-se na escrita originária, direto do aramaico/hebreu arcaico.
Gênese é uma das primeiras narrativas arcaicas, em forma de poesia, que trata da mitologia da
criação na cultura ocidental; demonstrando, que a palavra em estado poético e imagético
nasce desses primeiros relatos da origem do mundo, cuja estrutura da língua é consonantal,
distante de nossa experiência de palavra que é calcada na linguagem fonética (sistema de
sinais para a representação dos sons).

Tábula remete a placa de argila ou madeira revestida de cera na qual os povos antigos
(assírios, sumerianos) faziam inscrições, permitindo que fosse escrita e reescrita, gerando um
conjunto de sobrescrições invisíveis. Nesse sentido, pode-se dizer, que Derdyk propõe uma
arqueologia ao contrário. Tábula rasa, superfície sobre a qual não há ainda nada escrito, como
a folha de papel em branco, que receberá as escrituras.

221
Figura 170: Tábula, 2012.

A artista fotografou a primeira página de diversas bíblias, com origens variadas (diferentes
versões, edições, idiomas, formatos, tipologias); realizou sobreposições dessas imagens e
textos no computador, fazendo interferências gráficas e visuais. A escrita foi perdendo seu
significado semântico, virando uma massa de texto sobre texto, tornando-se imagem. Letras e
palavras passam a ser lidas visualmente, e não como texto. Realizou intervenções sobre esses
escritos, como buracos, furos, rasgos, escritas e rabiscos, trabalhando a transparência e
sobreposições. Fotografou novamente, trabalhou a imagem digitalmente, imprimiu e voltou a
interferir com caneta, tinta ou outro material, e formaram-se as páginas do seu Livro de
Artista. Gerando, em torno de seiscentas imagens.

Um processo, que se repete, é o acúmulo, a repetição, rasgos, interferências, sobreposições,


escritas e transparências. Esse Livro de Artista dialoga com a forma, como Mira Schendel
tratava a palavra, pensando-a como elemento plástico e não semântico.

Dando continuidade ao seu processo de pesquisa e criação, voltado ao diálogo permanente


entre a palavra e a imagem, em 2013, realizou a exposição Arcada: Dia Dois, na Galeria
Mário Schenberg, onde trabalhou a natureza imagética da poesia: os versos bíblicos e a
sintonia entre a origem do verbo e o aparecimento da luz. Apresentou a instalação Arcada,
onde um plano de luz era sustentado por linhas pretas, que desenhavam um volume no ar,
traçando sobre a luminosidade uma área de escuridão. Expôs também a série Tábula,
elaborada em sua residência, no Centro da Cultura Judaica. Construiu uma muralha de textos,
quase intransponível, com cerca de 120 impressões, um muro das lamentações ilegível.
Camadas e camadas de texto, imagens e interferências, formando uma impenetrabilidade

222
quase total. Imagens densas, quase ilegíveis, que geram manchas, texturas, que compõem um
espaço, fazendo referência à própria origem da palavra texto, que é tecer, textura. Aqui a
artista descreve como foi esse processo:

O projeto nasceu a partir da minha leitura sobre os métodos de tradução de


uma língua originária. É a tradução da Gênese, mas o trabalho não tem nada
a ver com a bíblia e sim com a instauração da palavra em estado de poesia.
Baseada na descrição do poeta Haroldo de Campos da linguagem semítica,
da palavra quando nasce como instância poética, eu vi similaridades com o
meu trabalho. E a partir daí eu criei a primeira exposição chamada Dia 1, em
2010, na Galeria Virgílio. E agora o meu trabalho está se centrando no
segundo dia da criação que tem a ver com a origem da palavra, da luz e da
escuridão (Derdyk, 2013)32.

Em meio, a incontáveis sobreposições de escritas bíblicas, uma massa de texto formou-se.


Esse acúmulo das imagens gerou uma ilegibilidade, contudo, por entre tanta escuridão, uma
ou outra palavra escapava, permitindo uma leitura perdida; o que pode ser relacionado com a
questão do claro e escuro, dia e noite, luz e escuridão, “de repente uma palavra aparece como
uma fresta de luz, tal como a luz da instalação. Então acabei criando dois paralelos da
construção da escuridão e o que sobra é a luz” (Derdyk, 2013)33.

Figura 171: Arcada, 2013.

32
Das trevas à luz da palavra. Revista ARTE!Brasileiros, 2013. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2013/02/
das-trevas-a-luz-da-palavra/?fb_action_ids=4741655216975&fb_action_types=og.likes#.VGgIGvnF_aY. Acesso
em: 16 nov. 2014.
33
Idem.

223
Figura 172: Tábula, 2013.

Nesse tempo, em contato com a artista, ficou muito claro em seu processo criativo que,
sempre revisita-se, percorrendo sua obra com novos olhares, buscando novas significações.
Derdyk retoma uma ideia, aprofundando-a, retrabalhando-a, gerando leituras, processos e
resultados igualmente novos. Isso ocorreu com sua procura da origem da palavra, onde a
artista sai pelo mundo em busca da palavra original, de onde tudo começou, e suas buscas,
estudos e pesquisas levaram-na a diversos procedimentos artísticos, um entrelaçando-se no
outro, sempre em continuidade. Vejo sua produção como um grande tecido, onde as partes
vão sendo, pouco a pouco, entrelaçadas, formando sua tessitura, completando-se e
resignificando-se, sempre.

224
Figura 173: Tábula, 2015. Livro contemplado pelo Edital Proac, em parceria com Edições Ikrek. Tiragem: 50
exemplares assinados e numerados.

Tábula foi premiado pelo edital ProacSP, resultando em 2015, na impressão do Livro de
Artista, gerando mais um desdobramento de sua pesquisa, que começou com a leitura de
Gênesis. Em sua transcriação poética, Campos usou um sistema combinatório da linguagem,
método de interpretação, criação e recriação, para reinterpretar o momento da criação do
mundo e dos homens. Linguagem aberta, possibilitando, que cada leitura realizada mudasse o
sentido da escrita. São palavras propulsoras de imagens.

A partir disso, Derdyk criou arqueologias da palavra, imagens infinitas. Começou a fazer
estudos sobre, que imagens essas palavras passavam, eram geradas, criando cerca de cem
imagens resultantes de múltiplas sobreposições de textos extraídos da primeira página de
bíblias diferentes. Imagens, que tornaram os textos quase ilegíveis, problematizando a relação
entre o texto originário, escrito em aramaico e o texto fonético ocidental. Nessas
sobreposições, o design de cada Bíblia se faz presente pelas marcas do tempo, pelas
capitulares e colunas, na maneira como cada página foi construída e também o espaço em
branco, gerado pelas camadas de textos.

225
Figura 174: Tábula, 2015.

Esse Livro permite caminhos não lineares a cada olhar. Foi desenvolvido com páginas
dobradas, possibilitando uma leitura combinatória, gerando um processo infinito de fruição. A
artista, sempre, pensa o leitor como coautor de sua obra ao reconstruir narrativas, na medida
em que, folheia os livros de formas múltiplas. O fruidor pode realizar mais de uma
interpretação, entre tantas, que houver ao longo dos séculos sobre esse texto originário.
Tábula foi elaborado a partir de montagens combinatórias, onde cada exemplar seria uma
obra única, já que as impressões de suas páginas foram montadas aleatoriamente, sem ordem
específica, possibilitando acasos e significados aleatórios.

226
CONSIDERAÇÕES FINAIS DESTA PESQUISA
No caminhar desta investigação, a proposta foi buscar o diálogo entre palavra e imagem, nas
produções de Livros de Artista do poeta Ronaldo Azeredo e dos artistas escolhidos, Mira
Schendel, Lygia Pape e Edith Derdyk, explicitando como ocorreu esse encontro e qual o
diálogo entre materialidades, suportes, procedimentos, investigando se, as fronteiras entre
linguagens permanecem fluidas, intercambiando-se.

Partindo da mesma premissa do autor Paulo Silveira (2008), que considera o Livro de Artista
como um projeto artístico inteiro, ou seja, uma obra de arte com forma direta ou
indiretamente inspirada nas conformações do livro, trazendo para as Artes Visuais a
possibilidade do uso múltiplo da palavra escrita, oferecendo novos universos discursivos,
emprestados da literatura, esta pesquisa delineou-se.

Na leitura dos Livros de Artista de Schendel e Azeredo, foi traçada relação entre seus
trabalhos, buscando o que essas obras têm em comum, além de suas especificidades. Cada um
percorreu um caminho: enquanto a artista usou a palavra desprovida de significados
semânticos, transformando-as em imagens, em matéria, Azeredo partiu da palavra na Poesia
Concreta, usando a visualidade da página em branco, para depois trabalhar esse código em
poemas visuais e objetos tridimensionais. Ambos trabalharam profundamente com a palavra,
em suas produções.

Derdyk explorou a palavra de maneira similar a Schendel, transformando-a em um signo


visual. Para as páginas do Livro de Artista Tábula, a artista produziu camadas e camadas de
textos e palavras, repetição, sobreposições e acúmulo, fazendo com que a significação verbal
fosse aos poucos desaparecendo, gerando uma massa de palavras ilegíveis, resultando em
imagens, onde luz e sombra destacam-se, e no meio dessa massa imagética, eventualmente,
alguma palavra ou letra pode ser notada.

O Livro de Artista é um produto da Arte Contemporânea. A partir dos movimentos, das


vanguardas artísticas, do início do século XX, houve um forte diálogo entre artes visuais,
literatura (poesia) e design, colaborando para a diluição das fronteiras e provocando uma
aproximação entre essas linguagens, derrubando as fronteiras, que separavam a palavra da
imagem. Poetas passaram a valorizar a visualidade da escrita e da página impressa, e os

227
artistas plásticos passaram a resgatar a origem visual das palavras, incorporando elementos
verbais nas obras, letras, fragmentos de textos, escrita.

A escrita, tanto como elemento gráfico, quanto conceitual passou, assim, a participar da
construção de novos sentidos, nas obras de Arte. Essa percepção, dos artistas modernos, sobre
a relação da palavra com a imagem, reflete novas formas de relação do homem com o mundo:

Os artistas modernos que procuraram, a partir da relação da palavra com a imagem,


novas formas para o vínculo arcaico entre o homem e o mundo, perceberam a
impossibilidade de separar o pensamento visual do contexto verbal” (Dias, 2009:
178).

Na obra de Ronaldo Azeredo, essa relação pode ser observada. O poeta testou profundamente,
os limites das fronteiras das linguagens, mesclando, gradualmente, palavra e imagem,
trabalhando ora com uma linguagem, ora com outra, associando ambas e construindo sua
poética. Suas produções transitam livremente dentro do verbal e do visual, em que a palavra
escrita foi trabalhada, dentro da visualidade, de maneiras múltiplas, criando assim novos
universos discursivos.

Schendel também estudou muito as potencialidades gráficas das letras por meio das muitas
explorações de suas formas; como a repetição de uma mesma letra, seu uso em tamanhos
variados, em formato maiúsculo ou minúsculo, manuscrito ou com os tipos transferíveis
(letraset). A artista nos permite visualizar uma partitura, com possibilidades infinitas de
composição, assim como acontecia com a Poesia Concreta, ocorrendo assim, mais um ponto
de encontro com Azeredo.

A partir de Stéphane Mallarmé, poetas começaram a trabalhar em suas atividades poéticas a


reintegração icônica e espacial da escrita, como na Poesia Concreta que, busca a materialidade
e a concepção plástica do poema, e a visualidade da letra. A ruptura com o verso tradicional
sem, porém, preteri-lo configura-se, de forma ainda mais radical e visual, em sua obra Un
coup de dés:

A valorização do suporte, a utilização espacial da página, a variação


tipográfica das fontes, em letras em caixa alta e baixa, promovendo a
simultaneidade de leitura e o movimento: tudo isso, em uma só obra, vem
propor uma revisão do conceito e do modo de se fazer e ler poesia (Leite,
2011: 21-22).

228
Mallarmé converge o visual e o verbal, diluindo as fronteiras entre o fazer do poeta e o fazer
do artista plástico. Azeredo rompe com o verso em sua Poesia Concreta, para depois trabalhar
a visualidade. Tanto seu trabalho como o de Schendel, nega a subordinação entre imagem e
texto, ou entre estes e o fundo, assim como também “negam atribuições linguísticas
funcionais únicas entre as palavras” (Borges, 2011: 92).

Analisando as obras de Mira Schendel, percebeu-se que havia muitos elementos em comum
com a Poesia Concreta, como sua estrutura dinâmica, o apelo à comunicação não-verbal. O
Poema Concreto comunica a própria estrutura, é um objeto em e por si mesmo, assim em sua
obra, que poderia ser considerado Poesia Visual. O uso da gestalt (figura e fundo), e
principalmente, a forma como a artista dispõe das letras na superfície de seu espaço de
criação. As letras formam imagens, e sua obra tem sonoridade, ritmo, movimento.

Schendel utilizou uma constelação de palavras, como é sugerido nas bases da Poesia
Concreta, em oposição ao uso da palavra alinhada ou versificada (Bandeira; Barros, 2008:
197).

Mallarmé potencializou a imagem de uma forma estrutural – de dentro para fora do poema –,
“criando constelações de palavras (cada conjunto de “estrelas”, com luz própria, significando
na mesma dimensão de seu conjunto e permitindo múltiplas combinações e leituras)” (Leite,
2011: 23).

Ao romperem com a sintaxe tradicional e com o verso, os concretos investem


no isomorfismo fundo-forma, espaço-tempo; no uso da página como elemento
poético; na conjunção dos aspectos verbais, sonoros e visuais do signo; na
valorização da palavra como uma unidade autônoma (com destaque para os
substantivos e os verbos), bem como de seus componentes – sílabas e letras
(Leite, 2011: 29).

Nas obras de Schendel, Azeredo e Derdyk, destaca-se a importância visual dada ao espaço
branco da página (figura e fundo dialogam). O respiro, a pausa, o silêncio, enfim, o uso do
branco do papel como espaço compositivo, conceitos que também são importantes na Poesia
Concreta. “A poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente
estrutural. Espaço qualificado: estrutura espaço-temporal” (Campos; Pignatari; Campos,
2006: 215).

229
Palavra e imagem recebem um tratamento diferenciado dentro do espaço da página, onde
poeta e artistas brincam com os elementos sígnicos e visuais, explorando a relação entre eles e
entre o espaço que os circunda. Ocorre a valorização do suporte como componente sígnico.
Com o verso em crise, a página em branco passa a delimitar/ampliar esse vazio. “O branco –
silêncio verbal – entra na composição do ritmo, não mais impresso pela métrica tradicional e
pela tônica dos versos” (Leite, 2011: 30).

A espacialidade, desde Mallarmé, é uma grande conquista. O poeta começou a pensar a


palavra em relação ao espaço da página, fazendo uso da Gestalt, assim como o fizeram os
artistas concretos/construtivos, Max Bill e Alexander Calder, e outros; passaram a ter uma
percepção diferente do espaço, ficando cada vez mais conscientes da relação entre eles
(visual/espaço). Palavras com tamanhos e posições variadas, geram sentido por semelhança e
proximidade.

Concordando, com as tendências visuais, do design gráfico dos anos 1950 e 1960, os poetas
concretos usavam, geralmente, fontes sem serifa, como a Futura Bold, assim como o fez Mira
Schendel e Azeredo. Ao ampliar os conceitos artísticos, os Futuristas permitiram maior
aproximação entre as artes: poesia, pintura, escultura, música, dança, teatro, cinema. Além
dos futuristas, cubistas, dadaístas e construtivistas fizeram grande uso da tipografia em suas
criações, apropriando-se de diversas técnicas tipográficas. O uso experimental da tipografia
trouxe o princípio da materialidade, que produz significações.

Um aspecto em comum entre as obras de Azeredo, Schendel, Pape e Derdyk, é o constante


experimentalismo em suas investigações, iniciativas estéticas que rompem mais radicalmente
com os padrões estabelecidos, assim como o fez Mallarmé. O percurso do experimentalismo
entrecruza-se com o da visualidade. Experimentalismo de materiais, formas, suportes, ideias.

Um livro que é uma forma híbrida, é livro, é arte, é texto, desenho, pintura,
escultura, instalação, fotografia, literatura, gravura, artes gráficas. É uma
nova linguagem com a ampla integração do verbal e do visual. [...]
Materializa ideias, pensamentos executados e gerados pelo artista, o qual
transporta ao objeto livro diferentes dimensões, novas configurações e
significados, propondo novas leituras (Silva, 2007: 69).

230
Diversos autores verificam que, a experimentação de técnicas e materiais é recorrente na
constituição do Livro de Artista. Além da apropriação de componentes formais, culturais,
gestuais, gráficos, simbólicos e comunicacionais, “além de registros sensíveis do livro que se
apresentam como possibilidades a serem experimentadas artisticamente no processo criativo”
(Neves, 2013: 65). É construído, deliberadamente, a partir de um suporte preexistente
(códex), que o artista enaltece ou critica. Após diversas pesquisas e possibilidades de
intervenções, a obra pode até alcançar o estatuto de escultura, abandonando a condição
objetiva de livro.

Nos Livros de Artista, palavras, imagens e signos transformam-se em organismos plásticos,


que se movem ao longo das páginas. Ao folhear uma obra poética, cria-se um fluxo espaço-
temporal, uma sequência variável, cinética: no deslocamento através das páginas, o olhar e o
tato unem-se aos outros sentidos do fruidor.

A sequencialidade das páginas é outra característica desse tipo de obra, onde o artista pode
optar pela continuidade ou pela fragmentação. Diálogos, narrativas, quebras, novos inícios.
Mais um ponto de encontro entre Cadernos (Schendel), o livro-poema Lá bis os dois
(Azeredo), Vão e Cópia: Dia Um, de Derdyk.

Para ler um Livro de Artista é preciso usar todos os sentidos. Explorar de maneira diversa,
com um olhar sem preconceitos, essa nova forma de expressão, diferente do livro apenas
verbal. Olhar, folhear, rever, explorar. Nos Livros de Artista pesquisados, fomos convidados a
tocar, sentir, usando todos os sentidos para isso. Azeredo e Pape chegam, inclusive, a elaborar
um roteiro indicando como apreciar sua obra, folhear sentindo de fato, permitindo que
narrativas criem-se, dando tempo para o surgimento de cada uma dessas narrativas.

O fruidor tem papel primordial para esse tipo de obra, onde sua participação permite que a
leitura se concretize. O Livro de Criação e o Livro da Arquitetura, de Lygia Pape, só adquire
real existência quando é manipulado, quando adquire o formato tridimensional, ocupando a
espacialidade. Derdyk estimula essa manipulação em livros que permitem diferentes
desdobramentos, possibilitando que cada leitor construa sua própria narrativa visual, como no
Livro de mesa ou em Tábula.

231
Há obras em que o verbal aparece como simples palavras, em outras, o verbal surge com a
narrativa que se cria ao folhear as páginas do livro, e o texto vai sendo construído por meio da
visualidade. Outras obras, em que as palavras desaparecem em meio a procedimentos
repetitivos, como camadas, acúmulos e sobreposições, perdendo seu sentido semântico,
virando signos visuais. Em outras, a palavra persiste como som, ritmo, articulação,
combinação, espaçamento, ritmo verbal e visual, gerando diálogos e narrativas.

Frente a tantos diálogos e conversas, são percebidas algumas especificidades, principalmente


na forma da construção da poética de cada artista ou poeta. As fronteiras entre as linguagens
se diluíram totalmente? Azeredo trabalha incessantemente a visualidade, mas nunca deixa de
ser poeta; a sonoridade, a palavra são elementos muito caros em sua criação, a imagem vem
da palavra. Os poetas criam com e a partir da palavra. Já os artistas são imagéticos, embora
construam tramas e tessituras, entre a palavra e a imagem, a visualidade tem um peso maior
em suas conversas.

Percebo nesse estudo, que palavra e imagem compartilham de um mesmo campo de


investigação, como signos. Convencionou-se pensar na palavra, na poesia, no discurso,
desenvolvendo-se no tempo, já a imagem, a pintura, aparece no espaço. Com as mudanças e
quebras de paradigmas, que ocorreram a partir do século XX, onde poetas usaram da imagem
em seus poemas e artistas passaram a integrar a palavra em suas obras, palavra e imagem
dialogam em harmonia, não mais como elementos em campos opostos. A Poesia Concreta
deu à palavra o caráter da espacialização e da materialidade, que prontamente foram usados
nas construções dos Livros de Artista. E a imagem, que se utiliza das narrativas, apropria-se
do tempo e do espaço. Logo, a relação dialógica entre palavra e imagem fica nítida nessa
investigação.

232
BIBLIOGRAFIA
Nesta relação bibliográfica estão presentes os livros lidos e utilizados na redação dessa Tese, os
utilizados apenas como referência e aqueles que são importantes como referencial para futuras
pesquisas nessa área e que, de alguma forma, possam facilitar a busca de outros pesquisadores.

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238
BRINCANDO COM O LIVRO DE ARTISTA
Relato das experiências com a produção de livros de artista feita pelos alunos de 1º ano do
ensino médio na Escola Técnica Estadual São Paulo, em 2014.

Inicialmente, houve um estranhamento sobre o que exatamente seria um Livro de Artista, e de


que maneira seria o desenvolvimento dessa criação. Com o contexto histórico e referencial
imagético dado, os alunos começaram a ter um entendimento sobre o projeto. Iniciaram
escolhendo o referencial de artistas e materiais que poderiam servir de suporte para cada
produção. A experiência da construção do livro foi um processo gratificante, com as obras
sendo criadas a cada aula, aparecendo a referência, a temática e a ideia como um todo. De
maneira geral, houve um grande envolvimento de todos. Percebi que gostaram de participar
de uma experiência tão diferente, uma vez que não tinham conhecimento sobre o Livro de
Artista. Os livros trabalhados ficaram dentro de cada temática, com grupos que exploraram
bem a materialidade do suporte, as referências ao tema e a pesquisa de materiais diferentes
para preencher cada página.

Na ETESP foi realizado um projeto interdisciplinar entre Artes, Geografia e Meio Ambiente,
com os alunos do 1º ano do Ensino Médio, no 2º semestre de 2014. O projeto foi elaborado a
partir de uma viagem feita pelos alunos e professores aos parques ecológicos de Itu: Parque
do Varvito, Parque Rocha Moutonné, Memorial do Rio Tietê e Parque das Lavras. Após esta
viagem, os alunos realizaram, em grupo, a construção de um Livro de Artista. Cada grupo
tinha como objetivo trabalhar sua produção pensando sobre as temáticas de cada parque; e a
linguagem visual de cada livro deveria se referir a essas temáticas. Com as obras finalizadas,
os grupos fizeram apresentações, destacando o tema trabalhado e o processo artístico da
construção do objeto. Como fechamento do projeto, foi realizada uma exposição com todos os
Livros de Artista produzidos, onde cada grupo criou um título e fez uma descrição poética da
produção do seu trabalho.

Livros de artista (fotografias feitas pela pesquisadora)


1. Parque do Varvito
Faz parte de um afloramento de rocha sedimentar que contém evidências de uma extensa
idade glacial, há 280 milhões de anos, quando, um enorme manto ou lençol de gelo cobriu a
região sudeste da América do Sul.

239
1) Camadas criativas: 18 cm x 13 cm, um furo, encadernado com fita prata. Capa feita
com papel duro e tecido colado, miolo com oito páginas feitas de papel canson. Esse
Livro de Artista assemelha-se a um guia, possui ilustrações, fotos e texto descrevendo
cada região visitada. Houve cuidado no acabamento e as páginas seguem a forma
inicial da máquina fotográfica.

2) Livro de Artista Camadas do tempo: 17 cm x 24 cm. Capa feita em sete camadas de


papel grosso, marrom e bege, imitando as camadas de rocha. O tema é refletido na
materialidade do suporte. Miolo com oito páginas, com fotos e textos.

3) Livro de Artista Vestígios do tempo: 20,5 cm x 13 cm. Capas duras e cinco folhas,
dois furos e encadernação com barbante. Capa: representação das camadas
sedimentares da rocha do Varvito (barbantes colados formando as camadas, com cores
diferentes). Primeira página: foi feito um desenho, em caneta prateada, sobre papel
vegetal, representando o lago congelado. Segunda página: papel vegetal sobre papel
azul, o lago descongelado. Terceira página: base de papel marrom e sedimentos
colados (feitos com terra, café e folhas), o lodo que se tornará rocha. Quarta página:
base de papel azul e camadas feitas de cores diferentes de papel, em tons de marrom e
colagem de café, representando o sedimento caindo sobre o lago.

240
4) Livro de Artista As linhas do Varvito: 29,5 cm x 21 cm. São onze páginas e a estrutura
que serve de base para o livro. Foram feitos desenhos com lápis grafite, que continuam
a imagem das fotografias e diversas intervenções nessas imagens. Camadas, linhas,
molas. As linhas das fotos conversam com a escrita poética, e com desenhos, havendo
o diálogo entre palavra e imagem.

2. Parque Rocha Moutonné


Foi o primeiro parque ecológico e geo-histórico da América do Sul. Ele tem formações
rochosas com marcas de glaciação, da era Paleozoica. Este parque abriga uma enorme
diversidade de paisagens, plantas e animais. A Rocha Moutonné é um afloramento de granito
rosa, que possui ranhuras da movimentação de geleiras de uma era glacial passada.

1) Livro de Artista O descanso do carneiro. 28,5 cm x 20 cm. Capas: feitas de cortiça,


encadernação feita com barbante, dois furos. Miolo com nove páginas, feitas de papel
reciclado fino. Fotos, desenhos e legendas. Alunos usaram cortiça, pensando na
sustentabilidade do material e na textura.

241
2) Caixa e Livro de Artista Moutonné. Caixa com relevo feito de papel machê, verde e
marrom. 25 cm x 21 cm x 3,5 cm. Livro: 20 cm x 23 cm (capa) e 16 cm x 20 cm
(miolo). Páginas encadernadas com barbante, dois furos, nove páginas feitas com
papel reciclado, envelhecido com café. Os alunos trouxeram folhas, gravetos e pedras
do local, o que deixou com aroma de mato e terra. Elaboraram o livro usando vários
sentidos: tátil, visual e olfativo.

3) Livro-objeto Parque Rocha Moutonné: 20,5 cm x 14 cm x 2,5 cm. Capa: colagens


com fotografias e título. Interno: recorte com pedra, colagens de folhas, montagem
com fotos do local. Baseado, nas referências visuais, de Livros de Artista que
conheceram, trabalharam com um livro pronto, onde fizeram um recorte para a pedra.
Em outras páginas, realizaram colagem de folhas, relacionando com a natureza do
local, e montagem com fotografias, feitas pelos alunos. Uso de texturas.

242
4) Livro-objeto Escondidinho de pedras: 20 cm x 27 cm x 4,5 cm. Base: livro. Capa:
ilustração e colagens de papel colorido. Nome do parque em cores. Abertura: recortes
com pedras do parque, fundo verde. Livro-escultura. Abre e fecha, movimento.

3. Memorial do Rio Tietê


Complexo de cachoeiras. Espaço multicultural. Dotado com, rico acervo bibliográfico e
imagens, contendo informações sobre: meio ambiente, fauna, flora, recursos hídricos, bacias
hidrográficas, esculturas, maquetes, equipamentos e pôsteres sobre o Rio Tietê.

1) Livro de Artista No meio do rio havia um lixo. Havia um lixo no meio do rio: 10 cm x
15 cm. Dois furos, encadernado com papel enrolado. Bordas queimadas, doze páginas
(frente e verso). Miolo feito com fotos PB, textos e colagens de materiais reciclados.
Título poético refere-se ao poema de Carlos Drummond de Andrade, No meio do
caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho. O uso de papel fino
enrolado lembrou a obra Droguinhas, de Mira Schendel, onde o papel plano,
bidimensional ganha volume. Segundo os alunos, a proposta foi conscientizar as
pessoas a respeito, dos dejetos que o homem deixa no rio.

243
2) Livro de Artista Viagem pelas águas do tempo: 29,5 cm x 21 cm. Doze páginas. Capa:
recorte de papel brilhante, imitando as águas do rio, título em azul. Estudo do meio,
que aborda todos os temas ou parques. A) Parque do Varvito e seixos caídos (texto), a
imagem abre como um pop-up (desenho das camadas). Texto e fotos do tema,
diagramados. B) Rocha Moutonné: desenho do dinossauro (tema do parque) abre em
pop-up, texto e desenhos do local. C) Memorial Tietê: ponte pênsil abre em pop-up,
percorrendo a página (uso de barbante, fita adesiva vermelha, lápis de cor), com texto
abaixo da imagem. D) Parque de Lavras: texto explicativo, em uma página, e na outra
o desenho do rio, feito com lápis de cor. Sobre esse desenho, há duas camadas de
papel transparente, cada uma com camadas de lixo (algodão representando a espuma
suja do rio, latas de refrigerante desenhadas e outros lixos), conforme, você vira a
página, o rio vai sendo limpo. Em cada camada, há uma foto do rio cada vez mais
limpo. E) Foto da cidade e o desenho da santa padroeira do local, com desenho feito
com lápis de cor. Trabalho com o uso do espaço tridimensional, assim como ocorre
com Poemóbiles, de Julio Plaza e Augusto de Campos. Uso do movimento,
circularidade, participação do espectador para ler a obra.

244
3) Livro de Artista A luz do rio Tietê: sete páginas, formato 28 cm x 21 cm, uso de cores
diferentes. Livro enrolado, formato de volumen, dentro colocaram pedras, e quando
movimenta o trabalho ouve-se um som das águas. Cada página, um desenho, poesia,
colagem ou foto sobre o rio. O tema foi Rio Tietê, construção de grandes homens.
Finalizaram com o poema, de Mário de Andrade, Meditação sobre o rio Tietê.

4) Livro de Artista Tietê: a beleza por trás da degradação: 21 cm x 14,5 cm. Capa dura
trabalhada (massa) e colagens de imagens. Quatro furos, encadernação com fios de
cobre (azul), capas e dezessete páginas, com ilustrações feitas de aquarela, desenho
continuando a fotografia, poesia, imagem e texto. Este grupo também questionou os
problemas ambientais do rio e o mau uso de seus recursos, e retrataram no livro.

245
5) Livro de Artista Rio Tietê, mais que um rio, um sentimento. 16,5 cm x 16,5 cm.
Encadernação sem costura, apenas dobras, formando doze páginas. Capas feitas com
madeira MDF. Materiais usados pelos alunos: cortiça, plástico azul (celofane), lã
acrílica, fotos, materiais recicláveis (lixo) e texto. Livro tátil e sonoro. “O objetivo do
nosso trabalho é representar o estado de poluição atual do rio Tietê. Trabalhamos com
o tato e texturas, usando objetos simples do cotidiano, para demonstrar como não sujar
o rio, e escrevemos frases com sugestões para ajudar a despoluir o rio”.

6) Livro de Artista Rio de Folhas: capas (18 cm x 21 cm) e miolo com oito páginas
transparentes (14,5 cm x 18 cm). Formato: dobradura, o rio vai se abrindo. A ideia dos
alunos foi passar a transparência do rio para o material usado no suporte. Na capa, um
desenho, a lápis, imitando o movimento das águas. Poesias, desenhos sobrepostos nas
fotos (intervenções de lápis grafite sobre cada foto). O grupo falou que, devemos
cuidar do rio, e sua história deve ser passada de geração para geração, e como “um rio
de folhas é frágil e continua vivo, depois do fim”.

246
7) Livro de Artista Tietê: 16,2 cm x 20 cm. Dois furos. Capa: de um lado azul,
representando o rio limpo, e miolo, com fotos da nascente, e limpeza. Do outro lado,
colagens de aviso de perigo, tóxico, rio poluído, fotos da poluição. Fotos, frases e
desenhos. Assim como Azeredo, em Armar, trabalharam o positivo e o negativo, lado
bom e lado ruim.

8) Livro de Artista Rio Tietê: 42 cm x 30 cm. Capa dura: colagem de fotos PB, notícias
sobre água e rios, e desenhos de gotas, feitas com canetinha azul. Um furo
encadernado com uma corrente. Capa e cinco páginas internas, feitas com papel
canson. Uso das cores azul e preto: poluição e limpeza do rio.

9) Caixoeira: caixa e mini Livro de Artista, com seis páginas coloridas (9 cm x 10 cm,
um furo, barbante). Dentro, uma cachoeira feita de papel machê e representação de
lixo (recicláveis, algodão, papel amassado). Interativo, a pessoa pode tirar o lixo do
rio. No livro, houve a narrativa colaborativa da classe, onde cada um contou sua
experiência no local.

247
4. Parque das Lavras
Lavras, foi a segunda Usina Hidrelétrica construída no leito do rio Tietê, inserida no processo
de modernização, do Estado de São Paulo.

1) Livro de Artista Transparência de Lavras. 29,5 cm x 21 cm. Capa feita com papel
preto com foto PB do local. Encadernado com fita preta, um furo. Livro formado por
cinco folhas transparentes, de papel vegetal. Os desenhos foram feitos com canetinha
preta e texto escrito a lápis. O desenho se constrói conforme muda a página, dialoga
com os Cadernos, de Mira Schendel, circularidade e movimento.

2) Caixa e Poema Visual: A arte se constrói. Caixa feita de papel pedra (granito rosa),
formato: 6 cm x 6 cm x 3 cm. Poemas: duas fotografias para montar (doze quadrados
com 5 cm x 5 cm cada um): turbina e paisagem, um desenho (dez quadrados com 5 cm
x 5 cm) e a frase: Livro de artista, a arte se constrói (doze quadrados com 5 cm x 5
cm). Nessa obra, é necessária a participação do público para acontecer, não havendo
apenas contemplação. Foi baseado na obra Armar, de Ronaldo Azeredo.

3) Livro de Artista Não é apenas energia, é uma hidroesperança. Formato: triângulos de


papel cartão azul, de 19 cm de lado. Capa: tinta guache, fundo azul escuro, desenho
prateado (da turbina) e dezesseis páginas internas: desenho da turbina em preto
(canetinha), com um furo encadernado com um parafuso, rosca (diálogo com o livro
248
de artista Cifrado, de Edith Derdyk e aos livros do Futurismo). Simula a turbina da
hidrelétrica. A linha de costura percorre cada página/triângulo, de maneira que quando
abrimos o livro, ele faz o movimento de uma turbina. “Abre e fecha”. Interatividade e
movimento.

4) Livro de Artista Vermelho: oito losangos (páginas) com 15 cm x 15 cm, feitos com
papel cartão vermelho e texto em tinta branca. Desenhos de lápis grafite sobre papel
sulfite branco. Um furo com corrente e dois furos com pinos. Base inicial: dois
losangos com um furo (em cima) unindo essas duas partes com uma corrente;
embaixo, um furo em cada, de onde saem mais três losangos (dois vermelhos com
texto e um branco com desenho) de cada um. A forma, em que esse livro foi
construído permite uma brincadeira, lendo e abrindo de diversas maneiras; dialogando
com Lygia Clark e seus Bichos, movimento e interação.

5) Livro de Artista Lâmpada: 22 cm x 16 cm. Capa: base de papel duro, papel color set e
papel prateado: livro com formato de uma lâmpada, traduzindo o tema; cinco furos,
encadernação com arame vermelho, em espiral. Seis páginas. Desenhos, fotos,
transparências, textos. Referência à hidrelétrica.

249
6) Livro de Artista Retalhos de viagem: 21 cm x 29 cm. Quatro furos, encadernado com
arame coberto com plástico preto, representando os cabos que passam energia. Capa
com foto e desenho, de lápis grafite, recortados na diagonal. Miolo, dez páginas de
papel sulfite, mesclando desenhos, fotografias e frases poéticas, que se referiam às
imagens usadas.

7) Livro de Artista Luz: livro em forma de dobradura, formato 10,5 cm x 10,5 cm. Capa:
placa de cobre com o desenho de uma lâmpada. Miolo: desenhos em lápis de cor,
colagens de frases e desenho. Conforme o livro é aberto, a frase vai se formando: De
onde / vem / a energia que / acende / o LED? / Da usina hidrelétrica / ao lado /
(desenho da hidrelétrica feito em lápis de cor). O livro tem uma pequena lâmpada, que
acende, suporte dialoga com o material usado na construção da obra.

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