(Analise) Casa de Pensao PDF
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Nome:__________________________________________________ N.º:____________
CASA DE PENSÃO
ALUÍSIO AZEVEDO – 1884
1. O ESTILO
O Naturalismo é estilo irmão do Realismo, mas que prefere observar a vida humana sob a ótica do
biológico e do social (enquanto o Realismo prefere o psicológico e o social). Assim, os naturalistas
compunham seus romances de tese, ou seja, histórias ficcionais em prosa (romances), mas que, ao retratar
a vivência bruta por uma ótica de extremo Realismo, tentavam expor toda uma base para uma teoria acerca
do comportamento humano. Os autores demonstraram como ocorrem a opressão social, a segregação, a
sexualidade, o homoerotismo e a decadência das instituições.
Dentre as teorias filosóficas e cientificistas que influenciaram o surgimento do Naturalismo, estão o
positivismo de Augusto Comte, o socialismo Científico de Karl Marx e Friedrich Engels, o evolucionismo
de Charles Darwin e, principalmente, o determinismo, formulado por Hyppolite Taine. Taine escreveu, em
sua obra Filosofia da arte, sobre a influência do meio, do momento histórico, e da raça (hereditariedade) na
formação do comportamento humano.
É a literatura expressão artística utilizada também como estudo da natureza humana. Recria‑se, na
ficção, um microcosmo, a fim de demonstrar as leis “naturais” da vida (que norteiam o comportamento
humano) aliadas à influência exercida por determinado agrupamento social. É o que ocorre em O cortiço,
de Aluísio Azevedo, O ateneu, de Raul Pompeia (que retrata um colégio interno) e Bom crioulo, de Adolfo
Caminha (que enfoca a classe subalterna da marinha).
Mas o primeiro romance naturalista do Brasil é O mulato, de Aluísio Azevedo, publicado em 1881. E é dele
também O cortiço (1891), considerado a obra‑prima do estilo. Em Casa de Pensão, publicado nesse entremeio
(1884), há um ritmo um pouco mais folhetinesco, com suas peripécias e até algum humor (nas cenas noturnas
ou na ridícula preguiça do personagem Pereira). É que Azevedo era também autor de folhetins românticos, e
apenas em poucos casos trabalhou temática mais séria e tão comprometida com a análise social.
A casa de pensão da rua do Resende é o local para onde vai viver o jovem provinciano Amâncio, recém
‑chegado à Corte para estudar medicina. Filho único de família rica do Maranhão, é bonito e educado, além
de visivelmente ingênuo. Ocorre que por trás de sua fachada social de bom moço, há um libidinoso que, na
verdade, não pensa em outra coisa senão em seduzir moças e senhoras. Mas ainda assim, ingênuo. Logo
será arrastado para a casa de pensão de João Coqueiro e M.me Brizard, com seus 11 cubículos ocupados
pelos mais diversos tipos. Movido pelo seu desregramento moral e pelo desejo, Amâncio será envolvido num
jogo de interesses que termina em crime.
Casa de Pensão é também uma espécie de romance‑reportagem, isso porque tem como base um fato
verdadeiro! A chamada Questão Capistrano foi um daqueles eventos policialescos que marcaram época na
opinião popular, sendo amplamente difundido e noticiado à época. Com base no enredo da realidade, Aluísio
Azevedo constrói sua fauna humana, insere seus personagens no híbrido e sórdido ambiente da casa de
pensão e, afinal, atesta a tragédia de seus resultados.
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OBRAS LITERÁRIAS
2. O AUTOR
Aluísio Azevedo (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo) caricaturista, jornalista, romancista e
diplomata, nasceu em São Luís, MA, em 14 de abril de 1857, e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21
de janeiro de 1913.
Era filho do vice‑ cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de D. Emília Amália Pinto de Magalhães
e irmão mais moço do comediógrafo Artur Azevedo. (…) Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São
Luís e trabalhou como caixeiro e guarda‑livros. Desde cedo revelou grande interesse pelo desenho e pela
pintura, o que certamente o auxiliou na aquisição da técnica que empregará mais tarde ao caracterizar os
personagens de seus romances. Em 1876, embarcou para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o irmão
mais velho, Artur. Matriculou‑se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes.
(…) A morte do pai, em 1878, obrigou‑ o a voltar a São Luís, para tomar conta da família. Ali começou a carreira
de escritor, com a publicação, em 1879, do romance Uma lágrima de mulher, típico dramalhão romântico.
Em 1881, Aluísio lança O mulato, romance que causou escândalo entre a sociedade maranhense pela
crua linguagem naturalista e pelo assunto tratado: o preconceito racial. (…) Quase todos os jornais da época
tinham folhetins, e foi num deles que Aluísio passou a publicar seus romances. A princípio, eram obras
menores, escritas apenas para garantir a sua sobrevivência. Depois, surgiu nova preocupação no universo
de Aluísio: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e
sua exploração pelo imigrante, principalmente o português. Dessa preocupação resultariam duas de suas
melhores obras: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). (…) Em 1895 ingressou na diplomacia, momento
em que praticamente cessa sua atividade literária.
Faleceu em 1913.
Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/aluisio‑azevedo/biografia>.
Acesso em: 09/04/2019, às 16h09min.
FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alu%C3%ADsio_Azevedo#/media/File:Aluisio_
Azevedo.jpg>. Acesso em: 09/04/2019, às 16h20min.
* Releia, em nosso livro didático, as páginas 187 a 198, que tratam do Naturalismo
no Brasil e mais informações sobre o contexto da época.
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OBRAS LITERÁRIAS
3. A OBRA
ATENÇÃO
4. LINGUAGEM
A linguagem utilizada é a modalidade culta de seu tempo, ou seja, da parte do narrador, sem gírias,
regionalismos ou grandes marcas de oralidade, ainda que se inicie com um coloquial “Seriam onze horas da
manhã”. Evidentemente algumas descrições são bastante pormenorizadas, característica naturalista que se impõe
pela necessidade de especificar minuciosamente os ambientes e as mínimas reações e gestos dos personagens.
Reparemos, como exemplo, nessa descrição que se faz de uma república de estudantes (cap. IV):
O quarto respirava todo um ar triste de desmazelo e boêmia. Fazia má impressão estar ali: o vômito
de Amâncio secava‑se no chão, azedando a ambiente; a louça, que servira ao último jantar, ainda
coberta de gordura coalhada, aparecia dentro de uma lata abominável, cheia de contusões e comida
de ferrugem. Uma banquinha, encostada à parede, dizia com o seu frio aspecto desarranjado que
alguém estivera aí a trabalhar durante a noite, até que se extinguira a vela, cujas últimas gotas de
estearina se derramavam melancolicamente pelas bordas de um frasco vazio de xarope Larose, que
lhe fizera as vezes de castiçal. Num dos cantos amontoava‑se roupa suja; em outro repousava uma
máquina de fazer café, ao lado de uma garrafa de espírito de vinho. Nas cabeceiras das três camas e
ao comprido das paredes, sobre jornais velhos e desbotados, dependuravam‑se calças e fraques de
casimira: em uma das ombreiras da janela havia umas lunetas de ouro, cuidadosamente suspensas
de um prego. Por aqui e por ali pontas esmagadas de cigarro e cuspalhadas ressequidas. No meio
do soalho, com o gargalo decepado, luzia uma garrafa.
5. FOCO NARRATIVO
A narrativa se dá em 3.ª pessoa, por um narrador onisciente e onipotente, externo à trama.
6. TEMPO/ESPAÇO
O tempo é contemporâneo à época do autor e da publicação do livro, ou seja, por volta de 1880. O enredo
se desenvolve no Rio de Janeiro. Citam‑se ruas específicas, o Cais Pharoux, a rua do Resende, a Tijuca,
Santa Teresa, Laranjeiras e o Centro, entre outros espaços urbanos.
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OBRAS LITERÁRIAS
7. PERSONAGENS
- Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos: O protagonista, recém‑ chegado do Maranhão. “Era de
vinte anos, tipo do Norte, franzino, amorenado, pescoço estreito, cabelos crespos e olhos vivos e penetrantes
se bem que alterados por um leve estrabismo”.
De família rica e educado aos solavancos pelo pai e por um professor “carrasco” (Antônio Pires), tem na
mãe (Ângela) a única referência de carinho. Chega ao Rio (à Corte) vindo da província (Maranhão), sentindo
‑se livre para atirar‑se aos desejos. Em sua terra natal, desde os 15 anos relacionava‑se com as mais diversas
mulheres, comumente as mucamas. “Amigo das saias” (cap. IV), tinha a “natureza viciada” (cap. XIII) pelo
meio em que havia vivido (a província) e pelo rico garoto mimado que era. Era “amigo das saias”, escravas e
empregadas. Em sua sede libidinosa, é, porém, bastante ingênuo; logo será atraído para a casa de pensão e
para o sórdido interesse de hóspedes e proprietários. Afinal, Amâncio era um “pote de ouro”.
‑ Sabino: jovem escravo que acompanha Amâncio. Porém, passa boa parte da história sumido e, quando
aparece, se mostra relapso e preguiçoso.
‑ Vasconcelos e Ângela: pai e mãe de Amâncio, que ficaram na província. O pai sempre foi severo
e grosseiro com o filho, mas em sua última carta revela‑se subitamente amoroso e dedicado. No capítulo
XV, Amâncio recebe a notícia da morte de Vasconcelos. Já a mãe sempre fora extremamente carinhosa e
cuidadosa com o seu filho único, resultando na relação exagerada e frágil que o rapaz tende a ter com as
mulheres.
‑ Luís Batista de Campos, sua esposa d. Maria Hortênsia, e a irmã desta, Carlotinha: comerciante
precocemente enriquecido, foi muito ajudado por um tio de Amâncio. Por isso oferece hospedagem ao jovem
provinciano no Rio de Janeiro. “Luís Campos era homem ativo, caprichoso no serviço de que se encarregava
e extremamente suscetível em pontos de honra; quer se tratasse de sua individualidade privada, quer de sua
responsabilidade comercial”.
‑ Paiva Rocha e Salustiano Simões: colegas de boemia. Paiva Rocha é estudante relapso, vive na
imunda república. Como era também do Maranhão, serviu de elo de contato entre Amâncio e o grupo de
jovens do Rio.
‑ Na casa de pensão
A Casa de Pensão onde, afinal, se hospeda Amâncio, ficava na Rua do Resende, tinha dois pavimentos
e uma chácara (quintal) ao fundo. Considerada por Campos como “respeitável”, é chamada pelo narrador de
“boca de monstro” (cap. V). É o personagem coletivo do romance naturalista.
‑ João Coqueiro (Janjão) e M.me Brizard (Loló): são os donos da casa de pensão. Ele, “fluminense da
gema”, viera de família rica que empobreceu, restando‑lhe apenas o casarão da rua do Resende. Interesseiro,
visa fazer o rico rapaz da província se casar com sua irmã Amélia. Já M.me Brizard, francesa nascida em
Marselha, viúva que manteve o nome do falecido marido, tem um filho (César, 12 anos, ainda não alfabetizado)
e duas filhas adultas; uma delas, Nini, é doente nervosa e vive também na casa de pensão.
‑ Amélia (Amelita): irmã de João Coqueiro, tem 23 anos e aparência ingênua. Só aparência.
Os hóspedes
N.º 1 Dr. Tavares: advogado que não perde a chance de discursar perante os demais hóspedes em
todas as refeições.
N.º 2 Fontes: um “unha de fome”, casado com uma “francesa coxa” que “só vem a casa para dormir”.
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8. ENREDO
Amâncio Vasconcelos, de família maranhense, chega ao Rio de Janeiro (à “Corte”, como se dizia naquele
tempo) para estudar medicina. Na verdade, o rapaz se interessa é pela promessa de uma vida romântica e
boêmia na Corte.
Primeiramente bem recebido na casa do comerciante Campos, Amâncio logo lhe cobiça a esposa. No
capítulo IX, por ocasião de um baile, Amâncio dança com todas as mulheres (a ponto de ficar exausto) e,
revelando‑se peculiar dançarino, encanta a todas. É daí que surge um flerte com d. Maria Hortênsia, esposa
de Campos.Encontra um conhecido do Maranhão, Paiva Rocha, que o apresenta aos amigos de boemia,
Salustiano Simões e João Coqueiro. É este último que se aproxima ostensivamente de Amâncio e o leva a
hospedar‑se em sua casa. Convencido a mudar‑se para a casa de pensão, Amâncio imagina que poderá
viver de maneira mais livre e sem a vigilância do responsável Campos. O jovem sedutor se interessa por
quase todas as mulheres da trama (Hortênsia, esposa de Campos; Lúcia, hóspede na Pensão; Amélia, irmã
de Coqueiro), com exceção de Nini, a problemática filha de M.me Brizard.
No capítulo VII, durante o primeiro jantar com alguns dos hóspedes presentes, todos se esforçam por
parecer cordiais e educados, mas aos poucos a narrativa vai revelando a torpeza social e moral daqueles
personagens. Já no capítulo XI, evidencia‑se a verdadeira miséria moral do ambiente, quando, à noite, os
ruídos da casa fazem com que todos se manifestem de maneira grotesca.
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LEGENDA: A estafa de “Neném” (esposa de Campos) após dançar com Amâncio (Ilustração da 3.ª
edição de Casa de Pensão, 1884, acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil)
LEGENDA: Ao instalar‑se na Casa de Pensão, M.me Brizard e Amélia desfazem a mala de Amâncio…
(Ilustração da 3.ª edição de Casa de Pensão, 1884, acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil)
A hipocrisia reina. João Coqueiro faz a advertência ao novo hóspede: “…quanto a certas visitas…
concluiu João Coqueiro, fazendo‑se muito sisudo e baixando a voz, – isso, filho, tem paciência… Lá fora o
que quiseres, mas daquela porta para dentro…” (cap. VI). Ocorre que Amâncio passa parte da madrugada
acordado, a rondar o quarto de Lúcia, de quem recebera um bilhete romântico, e vê que o próprio Coqueiro
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se tranca no quarto da mucama… Também o respeitável médico traz mulheres apenas de madrugada, em
segredo.
O plano da família é fisgar Amâncio em matrimônio com Amélia, irmã de Coqueiro. Ela se finge de
ingênua e no início se faz de indiferente, mas logo começará a se desdobrar em cuidados cada vez mais
dedicados ao abobado Amâncio. Numa de suas caminhadas noturnas, Amâncio cai doente (catapora) e,
impossibilitado de sair do quarto, é assediado tanto por Amélia quanto por Lúcia. Lúcia lhe promete um amor
apaixonado e folhetinesco; Amélia lhe faz papel de boa esposa e companheira. Depois da catapora veio o
reumatismo, enquanto fora de seu quarto a luta de interesses leva Lúcia e Pereira a se retirarem da casa. Vão
viver em uma pensão na Tijuca. Amélia dá um passo mais decisivo e torna‑se amante de Amâncio. A essa
altura, a casa de pensão já perdera muitos de seus hóspedes e, uma vez que Amâncio precisava mudar de
ares, foram todos os restantes a uma nova casa em Santa Teresa: M.me Brizard, Coqueiro, Nini, Amélia,
César, Dr. Tavares, o guarda‑livros e Amâncio.
O pai de Amâncio falece, no Maranhão, vítima de beribéri. A mãe o chama de volta ao Maranhão para
assumir os negócios, mas o rapaz está preso à pensão e à Amélia. Ele prepara sua viagem às escondidas,
mas é acusado legalmente de sedução da moça. Entra em cena o advogado Teles de Moura; aparecem
testemunhas. Mentiras e falsidades enredam Amâncio; seu único protetor, Campos, recebe uma indiscreta
carta que Amâncio tinha enviado à d. Hortênsia, sua esposa! Apesar das intrigas, Amâncio é absolvido e,
visto ter o caso atingido notoriedade pública, foi recebido em triunfo pela classe estudantil. “Amâncio passava
de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa.” A festa geral pela absolvição do
provinciano rico mais envenena a alma de Coqueiro que, com a arma que fora de seu pai, pensa primeiro em
tirar a própria vida mas, afinal, foi ao Hotel Paris, onde sabia estar Amâncio e atirou à queima‑roupa. Amâncio
“fechou novamente os olhos estremecendo, esticou o corpo – e uma palavra doce esvoaçou‑lhe nos lábios
entreabertos, como um fraco e lamentoso apelo de criança: – Mamãe!.. E morreu.” (cap. XXI)
O assassinato do jovem ganha novamente a opinião pública e gera enorme comoção popular, centenas
presenciam o grandioso funeral. Mas flutua a opinião pública: Coqueiro, afinal, havia lavado a honra da irmã.
9. ANÁLISES
Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo recria um microcosmo em degeneração moral e degradação
física. Aqui é uma casa de pensão, que abriga os mais desparceirados e distintos membros de uma
decadência social. Os hóspedes, solteiros ou sozinhos em sua maioria, aparecem como tipos sociais
desagradáveis. O advogado Dr. Tavares é um chato tagarela, o doente do número 7 é um pobre moribundo
em total desamparo, o médico pai de família aparece apenas de madrugada com uma mulher. Os casais são
também desajustados: Lúcia e Pereira, aliás, vivem em concubinato. Já o casal de artistas do número 5 não
se entende e acaba tendo que vender o piano para pagar a pensão.
O Naturalismo retrata as doenças morais, provocadas pelos baixos instintos: promiscuidades,
sensualismos excessivos, baixos interesses, violência animalesca, hipocrisia e interesses egoístas…). Em
Casa de Pensão, a doença moral se manifesta também no ambiente físico: o tísico do número 7, a loucura
nervosa de Nini e as doenças seguidas de que é vítima o protagonista: primeiro varíola (catapora), depois
reumatismos.
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A influência do meio não podia ficar de lado. As atitudes de Amâncio e de outros personagens se
relacionam diretamente com o meio em que se inserem. Nascido e criado na província (Maranhão), Amâncio
cresce pouco acostumado aos interesses e às trapaças dos espertalhões da Corte (Rio de Janeiro). Como
se não bastasse, o ambiente familiar de onde emerge o protagonista em tudo propiciou a sua formação de
“natureza viciada”. Filho único de família rica, extremamente mimado pela mãe (e hostilizado pelo pai e pelo
professor Freitas), o belo rapaz se acostumou a ser bajulado e acariciado pelas empregadas, escravas e
mucamas. Já na capital do Império, costuma agarrar as mucamas da república ou da casa de pensão, sem
ao menos conhecê‑las. Nega‑se a permanecer no familiar e virtuoso ambiente da residência de Campos, e é
levado a viver na casa de pensão. Lá o ambiente está entre a ferocidade animal e o maquiavélico da natureza
humana: reina o egoísmo e não raro a trapaça; a esse meio Amâncio não está acostumado – o que levará a
trama à tragédia final.
Crítica social e opinião moral. Os naturalistas eram narradores frios e científicos, mas que não se
furtavam a explanar sua opinião moral, como neste excerto do cap. XVIII: “Mas o certo é que as obras se
fizeram, e a célebre casa de pensão de M.me Brizard, outrora tão animada e concorrida, transformou‑se num
desses melancólicos sobradões de alugar quartos, que se observam a cada canto do Rio de Janeiro e onde,
promiscuamente, se aninha toda a sorte de indivíduos, mas de indivíduos que já foram alguma coisa ou de
indivíduos que ainda não são nada. Aí, as mais belas e atrevidas ilusões vivem paredes‑meias com o mais
denso a absoluto ceticismo. Velhos boêmios, curtidos nos venenos e todos os vícios e no segredo de todas
as misérias, encontram‑se diariamente, ombro a ombro, com os visionários estudantes de preparatórios.
É nessas praias desamparadas à ventania da sorte que a sociedade costuma arrevessar o destroço dos
que naufragaram nas suas águas, mas é daí também que ela pesca às vezes novas pérolas para o seu
diadema. Há de tudo – homens de todas as nacionalidades, sujeitos devida misteriosa, solteirões libertinos
e neutralizados pelo venéreo, artistas completamente desconhecidos que se imaginam vítimas do meio, e
supostos talentos que vivem para amaldiçoar a fortuna dos que conseguiram vencer na vida.
O ritmo folhetinesco: a obra veio a público pela primeira vez no periódico Folha Nova, entre 06 de
março e 22 de maio de 1883, em 12 capítulo, num total de 40 sequências. A narrativa, porém, foi interrompida
e só apareceu integral no ano seguinte. Ao montar a edição em livro, como romance, o autor rearranjou os
capítulos – agora 22. Continuam, porém, alguns elementos típicos do folhetim, como as peripécias (súbitos
desvios na rota do enredo provocados por um acontecimento imprevisível: uma verdade que se revela, a
morte de algum personagem ou a repentina doença de Amâncio, por exemplo). Há também certos momentos
mais humorados, como quando se explora o efeito cômico da espetacular sonolência de Freitas, marido de
Lúcia, ou as ridículas cenas da caricata personagem Nini.
Elementos autobiográficos. Impossível não notar certas semelhanças entre o jovem Amâncio e o
próprio autor.
A primeira semelhança notável é que também Aluísio fora menino mimado pela mãe e teria sofrido
rigores do pai e de seu mestre, chamado Antônio Pires. Anos depois, ao retratar o mestre carrasco de seu
personagem Amâncio, ele lhe dá o mesmo nome, Antônio Pires!
De fato, consta mesmo que o menino Aluísio era insubordinado e atrevido.
Aluísio Azevedo também veio do Maranhão para o Rio de Janeiro aos 19 anos, para estudar não medicina,
como seu personagem, mas na Academia de Belas Artes (destacava‑se no desenho e fez caricaturas de
cunho político para diversos periódicos da época). Seu pai falece pouco tempo depois e ele tem de retornar
ao Maranhão. No Rio de Janeiro, embora tivesse ali já vivendo seu irmão mais velho, Arthur Azevedo, Aluísio
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OBRAS LITERÁRIAS
também se viu às voltas com repúblicas estudantis e casas de pensão, vindo a conhecer de perto o ambiente
que retrataria poucos anos mais tarde em seu romance.
Mas as semelhanças param por aí. Aluísio Azevedo teve vitoriosa carreira na Literatura e depois na
Diplomacia – enquanto seu personagem vai ter seu enredo calcado no caso criminal da época chamado de
Questão Capistrano.
O romance‑reportagem: aqui um ponto forte da obra e que muito se encaixa na proposta da escola
naturalista: produzir um romance‑verdade. A fim de sondar as relações entre natureza humana e o
funcionamento da engrenagem dos agrupamentos sociais, o autor recorre a um fato verdadeiro como mote
para o seu romance de tese. O fato verdadeiro foi a chamada Questão Capistrano – título que a imprensa
deu a um caso de assassinato que teve grande repercussão pública – e que serviu de mote para a narrativa
de Aluísio Azevedo. Vejamos a seguir como se deu o crime verdadeiro.
Questão Capistrano: ocorreu em 1876, no Rio de janeiro, e envolveu os jovens estudantes da Escola
Politécnica, João Capistrano da Cunha e Antônio Alexandre Pereira. Alexandre Pereira e sua irmã, Júlia,
hospedaram Capistrano da Cunha, que viera de Campo Largo, Paraná, para estudar na Corte. Segundo os
jornais da época, Pereira de fato tencionava lucrar com um possível casamento entre sua irmã e Capistrano
(que era rico). Ocorre que o envolvimento entre a moça e o jovem paranaense tomou rumo inesperado quando
Capistrano, na madrugada de 14 de janeiro de 1876, adentrou o quarto de Júlia e violentou‑a. A família logo
reivindicou seu direito legal ao casamento. Capistrano concorda, a princípio, mas adia o quanto pode a
resolução do assunto e termina por fugir da situação. Feita a queixa legal, Capistrano é posto em julgamento,
mas absolvido – com resultado ovacionado pelos estudantes que lotavam a sala do tribunal. Tempos depois,
descontente com tal injustiça, Alexandre Pereira assassina Capistrano assim que o encontra, em plena rua.
Preso, Pereira é também absolvido e tal resultado do julgamento é igualmente aplaudido pelos mesmos
estudantes que dias antes lamentavam a morte do colega Capistrano…
CAP. XXII
Começou logo a reunir povo na porta do hotel. Faziam‑se grupos; os repórteres andavam num
torniquete; via‑se o Piloto por toda a parte, irrequieto, farisqueiro; e o fato ia ganhando circulação, com
uma rapidez elétrica. Pânico sobressalto quebrava violentamente a plácida monotonia da Corte; mulheres
de toda a espécie e de todas as idades empenhavam‑se com a mesma febre na sorte dramática do infeliz
estudante, e o Coqueiro, alado pela transcendência de seu crime, principiava a realçar no espírito público,
sob a irradiação simpática e brilhante de sua corajosa desafronta. Às dez horas da manhã já se não podia
entra facilmente no necrotério, para onde fora, sem perda de tempo, conduzido o cadáver de Amâncio, entre
um cortejo imenso de curiosos. Choviam as interpretações, os comentários sobre o fato; todos queriam dar
esclarecimentos, explicar os pontos mais obscuros do grande sucesso. “A bala atravessara‑lhe as regiões
torácicas e fora cravar‑se num osso da espinha”, afirmava um homem alto, elegante, de cabelos brancos,
cujo ar empantufado prendia a atenção dos mais. Esse homem, que alguns tomavam por um médico, outros
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OBRAS LITERÁRIAS
por qualquer autoridade policial; outros por um jornalista, outros por um dos professores da faculdade, onde
estudava o defunto, não era senão o Lambertosa – o ilustre – gentleman da casa de pensão da M.me
Brizard. E, sempre distinto, sempre viajado, pronto sempre a explicar as coisas cientificamente, agitava a
bengala afagando a barriga bem abotoada, e de pernas abertas, pescoço duro, ia estadeando a sua “grande
intimidade” com o célebre morto; citando fatos, contando magníficas anedotas que se deram entre os dois. Ah!
Era um moço de invejável talento! – Boa memória, compreensão fácil e gosto cultivado. Para a retórica ainda
não vi outro…Não, minto – em Londres, em Londres, confesso que encontrei um outro nessas condições!…
E punha‑se a falar de Londres, e passava depois à França, à Itália, à Europa inteira, e chegaria até aos polos,
se alguém quisesse acompanhá‑lo na viagem. Muitos outros dos antigos inquilinos de M.me Brizard também
apareceram no necrotério. Lá esteve a pálida Lúcia, cheia de melancolia, a fitar o cadáver, em silêncio, com
os seus belos olhos alterados pelo abuso das lunetas. Agora morava ela com o seu Pereira em Niterói, numa
casa de pensão de um italiano, educador de cães e macacos. Era a terceira que percorria depois da Rua do
Resende. Lá esteve, de passagem, o Fontes, com as suas amostras de renda debaixo do braço; lá esteve o
triste Paula Mendes, para fazer a vontade à mulher, que exigira ver a “vítima daquele grande cão!’; lá esteve
o Dr. Tavares que parecia tomar cada vez mais interesse no “escandaloso assassínio”. E, quem diria? Até
lá esteve o esquisitão do Campelo que muito dificilmente se abalava com as questões alheias. Por toda a
cidade só se pensava no “crime do Hotel Paris”; os jornais saíam carregados de notícias e artigos sobre ele,
esgotavam‑se as edições da defesa e da acusação de Amâncio; vendia‑se na rua o retrato deste em todas
as posições, feitios e tamanhos; moribundo, em vida, na escola, no passeio. E tudo ia direito para os álbuns,
para as paredes e para as coleções de raridades. Hortênsia, quando lhe constou o terrível desfecho daquele
episódio que, na sua fantasia romântica, tomava as proporções de um poema, caiu sem sentidos e ficou
prostrada na cama por uma febre violenta. Durante esse tempo, o marido procurava na prisão o assassino
para lhe oferece os seus serviços e pôr à disposição dele o dinheiro de que precisasse. “Coqueiro podia
ficar tranquilo – nada lhe havia de faltar à família, nem mesmo a pensão de Nini.” E foi em pessoa dar as
providências para o enterro do outro.
***
O funeral atingiu dimensões gigantescas; parecia que se tratava da morte de um grande benemérito
das Pátria. Por influência do advogado de Amâncio, que era político e bem relacionado, compareceram
muitos figurões e até alguns homens do poder. Houve senadores, ministros em vigor, titulares de vários
matizes, altos funcionários públicos, artistas de nome, doutores de toda a espécie, clubes de todas as ordens,
ordens de todas as devoções, jornalistas, negociantes, empresários, capitalistas e estudantes; estudantes
que era uma coisa por demais. A cidade inteira abalou‑se, demoveu‑se, para deixar passar aquela estranha
procissão de um magro cadáver de vinte anos. Veio muita gente dos arrabaldes. De todos os cantos do Rio
de Janeiro acudia povo e mais povo a ver o enterro. As ruas, os largos, por onde ele ia, ficavam acogulados
de gente; os garotos grimpavam‑se aos muros, escalavam as árvores, subiam às grades das chácaras; as
janelas regurgitavam, como num domingo de festa. O caixão foi carregado a pulso, coberto de coroas; no
cemitério ninguém se podia mexer com a multidão que afluía. Um delírio! E no dia seguinte, descrições e
mais descrições jornalísticas; necrológios, artigos fúnebres, notícias biográficas e poesias dedicadas à “triste
morte daquelas vinte primaveras”. E, o que é mais raro, o fato não caiu logo no esquecimento, porque aí
estava o novo processo do assassino para lhe entreter o calor, à feição de um banho‑maria. Continuavam,
pois, as notícias jurídicas; Coqueiro ia se popularizando, ia conquistando opiniões e simpatias; ia aos poucos
se instalando no lugar vago pelo desaparecimento do outro. Mitos colegas se voltavam já a favor dele; até
o Simões – até o Paiva! O Paiva, sim! que agora, completamente restaurado com as roupas herdadas de
Amâncio, deixava‑se ver a miúdo nos pontos mais concorridos da cidade e, entre as palestras dos amigos,
mostrava‑se todo propenso a justificar o ato do irmão de Amélia.
― Não!, dizia ele, quando lhe tocavam nesse ponto ― não! O Coqueiro andou bem!… Eu, se tivesse uma
irmã, fosse ela quem fosse, faria o mesmo naturalmente!…
***
Entretanto, pouco depois do enterro, no meio do burburinho de passageiros chegando no vapor do
Norte, uma senhora já idosa, coberta de luto, saltava no cais Pharoux. Vinha acompanhada por uma mulata,
que trazia constantemente os braços cruzados em sinal de respeito, e por um velho gordo e bem vestido,
cujas maneiras faziam adivinhar que ele ali não passava de um simples companheiro de viagem. Como se já
tivessem resolvido no escaler o que deviam fazer logo que saltassem, o velho, mal se viu em terra, chamou
por um carroceiro, deu a este a sua bagagem com o competente endereço, fez sinal à mulata que seguisse a
carroça e, depois de ajudar a senhora a sair do bote, perguntou, solicitamente, se ela queria tomar um carro.
A senhora, muito inquieta, respondeu que preferia ir a pé, e os dois, de braço dado, puseram‑se a andar na
direção da Rua Direita. Essa senhora era D. Ângela. O Campos já lhe havia escrito, comunicando a prisão
do filho. A princípio, não se achou com ânimo de falar nisso à pobre mãe; mas seus escrúpulos fugiram
totalmente, desde que lhe chegou às mãos aquela terrível denúncia do Coqueiro. Ângela não esperava pelo
golpe e ficou a ponto de perder a cabeça. “Como?! Seria crível?… Seu filho, seu querido filho na prisão, com
um processo às costas e sem ter quem lhe valesse!… Ó Santo Deus! Santo Deus! Que isso era demais
para um pobre coração de mãe! – Que mal teria ela feito para merecer tão grande castigo?!” E resolveu
seguir para a Corte, imediatamente, no mesmo vapor. Sentia‑se corajosa, capaz de todas as lutas, de todas
as violências, para salvar seu filho. Esqueceu‑se s de seus achaques, do estado melindroso de seu peito,
para só cuidar dele; só pensar nessas criaturas idolatradas que valia mais, no fanatismo de seu afeto, do
que todas as grandezas da terra, todos os esplendores do mundo e todas a potências do céu. – Oh! Haviam
de restituir‑lhe o filho!… Estava resolvida a atirar‑se aos pés dos juízes, das autoridades, do Imperador, se
preciso fosse, para resgatá‑lo!
Não era possível que só encontrasse corações tão duros, que resistissem a tanta lágrima, a tamanha
dor e a tamanho desespero! No primeiro paquete achava‑se abordo, apenas seguida de uma escrava que,
entre as suas, lhe merecia mais confiança. Mas, agora, pelo braço de um estranho que a não desamparava
por mera delicadeza, ou talvez por compaixão; agora, no grosseiro tumulto do cais, estremunhada no meio
daquela gente desconhecida – a infeliz sentia‑se fraquear. Não sabia que fazer, – se ir em busca do Campos
ou correr à toa por aquelas ruas, a gritar pelo filho, a reclamá‑lo daquele mundo indiferente que formigava
em torno de sua perplexidade. E, por mais que se quisesse fingir forte, uma aflição crescia‑lhe dentro e
tomava‑lhe a garganta. Tremiam‑lhe as pernas e os olhos marejavam‑se‑lhe de lágrimas.
― Mas V. Ex.ª não disse que seu filho morava nas Laranjeiras?… perguntou o velho, compreendendo
a perturbação de Ângela. ― Sim, foi para aí que ele me mandou dirigir as cartas…Tenho até aqui comigo o
número da casa, mas, depois disso, já recebi a tal notícia da prisão, e…
― Bem, interrompeu o outro ― o mais certo é irmos até lá.
― Se não encontrarmos o rapaz, havemos de achar alguém que nos dê informações. É mais um instante!
Eu ainda posso acompanhá‑la; não tenho pressa; o melhor, porém, seria tomarmos um carro. ― Não, não!
respondeu a senhora, sempre inquieta, a olhar para todos os lados, como se esperasse, por um acaso feliz,
descobrir Amâncio, de um momento para outro. Estavam já na Rua Direita. Ela, de repente, estacou e pôs‑se
a fitar a vidraça de um armarinho.
CASA DE PENSÃO 11
OBRAS LITERÁRIAS
EXERCÍCIOS DE VESTIBULAR
a) É obra que se caracteriza por um conformismo, arte que nega as ideias liberais.
b) É obra que se caracteriza por um fatalismo, arte existencialmente positivista.
c) É obra que se caracteriza por um absenteísmo, arte que nega as ideias liberais.
d) É obra que se caracteriza por um conformismo, arte que apregoa valores conservadores.
e) É obra que se caracteriza por um fatalismo, arte existencialmente negativa.
a) Campos é personagem que compactua com as sórdidas intenções dos proprietários da casa de
pensão, uma vez que insiste para Amâncio que se trata de lugar respeitoso e nobre.
b) O ambiente estudantil da Corte no século XIX é retratado com precisão: de um lado, os malandros
e boêmios como Salustiano e Coqueiro; por outro estudantes sérios e comprometidos como Paiva
Rocha.
c) Amâncio chega à capital munido de esperanças de logo se graduar em medicina e exercer o quanto
antes a sua vocação; seus propósitos são frustrados por um meio que o leva à degradação e ao
crime.
d) A degeneração moral se reflete na degradação física: na casa de pensão convivem a hipocrisia e a
doença.
e) Nenhum personagem da obra manifesta sentimentos realmente nobres e honestos; o escritor natu‑
ralista quer mostrar como a vida competitiva na metrópole obedece às leis da natureza conforme as
ideias darwinistas.
3. Casa de Pensão (Aluísio Azevedo) e Clara dos Anjos (Lima Barreto) são textos passíveis de
comparação porque
4. O nome do protagonista, Amâncio, traz em seu radical um significado que se relaciona ao enredo
porque
a) se trata de um rapaz ingênuo e muito amoroso, que se entrega às paixões sem atentar para as
consequências.
b) se trata de um incurável romântico que, em busca do verdadeiro amor, acaba sendo vítima de uma
tragédia familiar.
c) se trata de um sedutor cujo principal objetivo na vida é o de aproveitar os prazeres do amor sensual
com qualquer mulher por quem se interesse.
d) se trata de um rapaz que, aproveitando sua beleza e juventude, torna‑se amante de mulheres mais
velhas em troca de status social.
e) se trata de um amante profissional que se hospeda em casa de pensão para tentar obter mais
clientes.
CASA DE PENSÃO 13
OBRAS LITERÁRIAS
No capítulo XII, na manhã em que deve deixar a casa de pensão, a personagem Lúcia procura
por Amâncio:
― Sou uma desgraçada! respondeu a mulher, assoando as lágrimas. – Nada se cumpre do que eu
desejo! Nada! O melhor é dar cabo dessa vida miserável!
E soluçava com o rosto escondido no peito do rapaz.
Na febre daquele choro agitado, os seus movimentos transformavam‑se em carícias. Amâncio sentia‑lhe
as lágrimas quentes e o contato carnal dos lábios, que elas ensopavam. Os desejos assanhavam‑se‑lhe de
novo pelo corpo, como insetos que voltam com o calor.
E tornava a cobiçá‑la com os mesmos ardores primitivos.
― Não me queria separar de ti…queixou‑se ela, afinal, virgulando as suas frases com soluços suspirados.
― Em ti havia firmado todas as minhas esperanças de ventura, todos os sonhos de minha vida! Amava agora
a existência, só porque alguma coisa me fazia acreditar que ainda um dia seríamos felizes!
― E porque não havemos de ser?… perguntou Amâncio condolentemente.
― Ora!…prosseguiu ela, – tudo me persegue, tudo me sai contrário…Foi bastante que eu te amasse, foi
bastante pensar que poderíamos ser um do outro, para que aqui se levantassem todos contra mim e ferissem
a guerra que tens visto! E, desagarrando‑se de Amâncio, para segurar de novo a cabeça, num movimento de
embaraço doloroso: Mas, imagina tu, que estou inteiramente sem recursos!… Tenho que fazer a mudança e
ainda não sei como pagar o carreto das malas!…Vê tu que situação!
Amâncio beijou‑a na boca e perguntou se ela não lhe dava uma esperançazinha para depois que se
mudasse. Lúcia respondeu que dava, não uma esperança, mas “uma certeza”. E sem desprender os lábios
dos lábios do rapaz, afiançou que lhe mandaria dizer por escrito o lugar onde seria encontrada; e que ele
fosse por lá as vezes que entendesse. – Aí ao menos estariam livres do Coqueiro e das outras pestes!
― Prometes então?… insistiu ele, procurando garantir o compromisso.
― Prometo, prometo o que quiseres, tudo! disse ela, ainda chorosa.
Amâncio foi à algibeira do fraque, abriu a carteira. Havia trezentos mil‑réis, tomou uma nota de cem e
entregou‑a a Lúcia, dizendo com pesar que era o único dinheiro que possuía na ocasião.
― Talvez te façam falta… considerou ela escrupulosamente, sem querer tocar na cédula.
― Não! não! apressou‑se a declarar o rapaz. – Desculpa não te poder ser mais agradável.
5. Sobre esse momento na trama e sua relação com o todo do enredo, assinale a alternativa correta.
a) Amâncio e Lúcia lutam para ficarem juntos, mas são frequentemente impedidos pelos interesses
alheios e pelo fato de Lúcia ser casada.
b) Por ser muito ingênuo e despreparado para o verdadeiro amor, Amâncio não consegue se desven‑
cilhar de uma relação financeira com aquela que poderia ser a mulher de sua vida.
c) Embora advenha de família rica da província, Amâncio acaba tendo dificuldades financeiras no Rio
de janeiro, justificando ter guardado parte do dinheiro para si sem contar à amada.
d) A conversa entre os personagens revela, ao leitor, um jogo de segundas intenções em que a moça se
mostra muito mais esperta que o rapaz, haja vista a relação comercial que veladamente se realizou.
e) O interesse e a dissimulação de Lúcia são, para o leitor, claramente perceptíveis; mas para Amâncio
não. De fato, na sequência do enredo, o rapaz descobrirá que o endereço que ela lhe deixou era falso.
a) Casa de pensão é um romance de gênero híbrido que apresenta tanto características naturalistas
quanto aspectos românticos, como se evidencia no trecho transcrito.
b) A linguagem melodramática dos personagens contrasta com a descrição fria e realista que o
narrador faz das passagens.
c) O narrador em 3.ª pessoa assume um ponto de vista de mero observador, não permitindo ao leitor
saber ao certo qual a intenção verdadeira de cada personagem.
d) A utilização de recursos linguísticos extraídos do padrão popular é marca da narrativa naturalista, o
que se comprova com expressões como “perguntou se ela não lhe dava uma esperançazinha” ou
“Aí ao menos estariam livres do Coqueiro e das outras pestes”.
e) A narrativa evidencia a pureza dos sentimentos de Lúcia por meio de expressões como “queixou‑se
ela, afinal, virgulando as suas frases com soluços suspirados” e “considerou ela escrupulosamente,
sem querer tocar na cédula”.
GABARITO
1. B 2. D 3. D 4. C 5. D 6. B
REFERÊNCIAS
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
GRANDO, M. O processo de construção ficcional em casa de pensão. São Paulo: USP, 2008.
SITES
<https://www.passeiweb.com/estudos/livros/casa_de_pensao>.
<http://www.culturatura.com.br/obras/Casa%20de%20Pens%C3%A3o.pdf>.
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