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1. Introdução
A crônica, na modernidade, exige uma visão bastante atenta para
a apreensão tanto de seus limites quanto de seus alcances. O cronista,
desde a Idade Média na narrativa de caráter documental, à documentação
do cotidiano, na modernidade, é dotado do que se pode considerar livre
arbítrio que faz com que sua abordagem temática ultrapasse esses limites
do cotidiano. Este processo de liberdade do escritor tem proporcionado
uma visão subjetiva para a narrativa que assumiu, entre nós, o papel de
texto que prima pela linguagem coloquial e cujos assuntos voltavam-se
para as amenidades da vida cotidiana.
Candido (1992) questiona a expressão “gênero menor” e assinala
“para os milagres operados pela simplificação e naturalidade”. Apoiado
nestes dois aspectos, este estudo verifica que a questão da simplicidade,
linguística e temática e até mesmo o caráter breve do texto cronístico têm
sido elementos propiciadores ao acesso do leitor à visão humana no que
diz respeito ao seu cotidiano. O que Candido propõe, ao dizer que ao não
lançar mão da grandiloquência e que ainda que a perspectiva do cronista
não “seja a dos que escrevem do alto da montanha, mas do simples rés do
chão”, é que a crônica pode assumir caráter de texto literário e seu com-
prometimento com a temática cotidiana poderá vir impregnado de ele-
mentos expressivos, que possibilitam perceber outros pactos do texto
com aqueles não pré-estabelecidos. Segundo Portella (1975) “o que inte-
ressa é que a crônica acusada injustamente como um desdobramento
marginal ou periférico do fazer literário, é o próprio fazer literário”.
6. Considerações finais
O percurso da crônica revela-se, a partir de Fernão Lopes, cronista
português, o caminho para a pesquisa do gênero, observando-se a ótica
da informação e da documentação como uma narrativa de olhar notada-
mente subjetivo.
A partir do século XX, a crônica ganha espaço nos jornais e im-
prime sua marca definitiva e diferenciada da identidade brasileira. José
de Alencar e Machado de Assis fazem dela e do espaço reservado a ela
no jornal o laboratório, abrindo, assim, as portas para a participação de
outros escritores.
Com o advento do Modernismo, muitos escritores absorvem o
novo gênero e colocam-no nos limites da literatura ao atribuírem à crôni-
ca a relevância de objeto literário quando comprovam que as abordagens
do cotidiano não impedem transpor o gênero para o caráter de texto lite-
rário.
E a crônica estabelece-se como via de prospecção de uma literatu-
ra urbana e, em virtude de suas características estruturais, democratiza o
acesso ao universo do literário, até então, intocável e sagrado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIGUCCI, Davi Jr. Fragmentos sobre a crônica. In: ___. Enigma e
comentário: ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Cia. das
Letras, 1987.
RESUMO
A crônica em geral, a sua natureza, o seu desenvolvimento e o seu significado na
literatura do Brasil.
Palavras-chave: Crônica. Natureza. Desenvolvimento
ABSTRACT
The literary form of the chronicle in Brazil, its nature and its development. The
place it has acquired in the literature of Brazil.
Keywords: The chronicle. Nature. Development.
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Gabriela RAMOS2
Universidade Federal do Ceará
RESUMO
Gênero ambíguo, que passeia pelo jornalismo e pela literatura – tendo nascido com
características de texto histórico – a crônica apresenta muito das transformações na
imprensa brasileira. Da imprensa artesanal até a industrial, o gênero foi se desenhando e
apresenta-se hoje como tipicamente brasileiro. Com base em estudiosos de jornalismo e
de literatura – como Hélio Arnt e Massaud Moisés – serão feitas observações sobre as
mudanças ocorridas na imprensa e no gênero crônica, focando no conceito de crônica-
conto.
Introdução
A crônica, gênero brasileiro eminentemente híbrido, tem estruturas
narrativas que passeiam pelo jornalismo e pela literatura, cuja poeticidade ficcional das
sensações e dos sentimentos universais humanos é transmitida por meio de uma
estrutura verossímil. Normalmente publicada em jornais e revistas, a crônica fica entre a
morte simbólica do jornal no fim do dia, com as informações velhas, e a permanência
como texto literário, proporcionada com a publicação em livro.
Com uma estrutura que está longe de ser estática, a crônica vai se
desenhando dentro das transformações ocorridas durante os períodos históricos. Alguns
teóricos apontam como uma evolução dos folhetins do início do século XIX, os quais
tinham espaço nos rodapés das páginas das publicações impressas e, costumeiramente,
transformavam-se em livro, após reunião e edição dos textos que haviam sido
divulgados nos periódicos. A evolução para a crônica se dá no momento em que ela
ganha novas configurações nas suas características, com as mudanças no jornalismo e
na literatura na segunda metade do referido século.
A partir das novas estruturas que a crônica incorpora, identificam-se
possíveis subgêneros, também presentes nos folhetins de outrora, como a crônica de
variedades, a crônica de costumes e a crônica-conto. Os textos que apresentavam para a
1
Trabalho apresentado na Divisão Temática Jornalismo, da Intercom Júnior – Jornada de Iniciação Científica em
Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Estudante de Graduação do 8º semestre do Curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da UFC,
e-mail: gabiramossouza@gmail.com.
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“(...) A imprensa se desenvolve em estreita ligação com a atividade política; aparece antes e cresce mais depressa
nos centros em que aquela atividade é mais intensa; demora e cresce lentamente nos outros, nas províncias que se
mantêm politicamente atrasadas. Chega ao máximo em todas as áreas em que, daí por diante, as formas de luta
política se apresentam mais variadas e avançadas: assim quando dos movimentos armados de rebelião que vão
sacudir o país na primeira metade do século XIX”. (Sodré, 1999:105)
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Era uma revista voltada para a divulgação das ciências e das letras, onde foram publicados textos de Cláudio
Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga.
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“A autonomia jornalística do redator ficava sensivelmente limitada, aliás, também naquela forma de imprensa, que
não se submetia às leis do mercado, mas que servia primeiramente a fins políticos, nesse caso mais aparentada ao
jornalismo literário das revistas polêmicas” (Habermas in Marcondes Filho, 1984:146).
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A prática diária da escrita, que obriga agilidade e criatividade, tornou-se instrumento de treino de muitos escritores
– proporcionando e “forçando” o desenvolvimento de habilidades literárias.
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“A questão é que o gênero textual (...) reflete pungentemente a estrutura do mundo em que está inserido, ou seja, as
ações e intenções de um grupo, onde pode ser uma estrutura relativamente convencional, mas também as ações e
intenções de um indivíduo para as quais, muitas vezes, um aparato genérico quase que completamente novo precisa
ser criado” (Bonini, 2002).
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e de linguagem. Mesmo não sendo um gênero fechado, a crônica também segue alguns
padrões, possuindo características específicas. Pois, para ser alcunhada como gênero, é
preciso que algumas “regras” existam.
Porém, a crônica não é o único gênero que foge às suas próprias regras.
Todos os outros tipos textuais estão sujeitos a alterações que dependem da forma de uso
nos meios comunicantes, dos comunicadores e dos receptores. Uma das maiores
características da crônica apontadas pelos estudiosos não são essas regras ou padrões
comuns, mas as muitas possibilidades textuais e estilísticas que a tornam quase que
indefinida e singular dentro das classificações.
A tipicidade de um gênero na maioria das vezes não acarreta de um
contrato social implícito, mas de uma prática comunicativa que se
repete. Em meio aos fragmentados terrenos convencionais comuns (os
aparatos genéricos), sobre os quais temos um poder de uso consciente,
paira uma massa de expressões textuais que simplesmente se
desencadeiam das ações das pessoas no mundo. (BONINI, 2001, p.2)
A crônica, ao fugir de uma série de “amarras” linguísticas, marca um
território próprio. Para muitos estudiosos ela traz muito de um perfil de gênero
eminentemente brasileiro – longe de alguns padrões latinos ou europeus, este último
como foi o caso dos folhetins herdado no Brasil dos franceses. Apesar de não ter
nascido no Brasil, o gênero foi fundamental na consolidação de um caráter literário
nacional9, a partir da observação da vida e das pessoas sob o ponto de vista pessoal do
cronista que normalmente utiliza-se de uma linguagem coloquial, aproximando o leitor.
O objetivo era criar um público – pois, para as dimensões que a imprense passou a
tomar com a industrialização, ele ainda insipiente, devido aos grandes índices de
analfabetismo – e, de certo modo, manter uma tradição literária.
A marca peculiar da crônica foi construída no correr dos anos e, também,
“ao correr da pena dos escritores”10, traçando um caminho na história da imprensa em
que une efetivamente literatura e jornalismo. Por meio da crônica os grandes escritores
floresceram. O que seria da literatura brasileira sem Machado de Assis, Olavo Bilac,
Carlos Drummond de Andrade ou Clarice Lispector? Todos eles despontaram como
cronistas para depois enveredar – ou produzir paralelamente – nos outros tipos textuais
considerados mais difíceis e nobres, quando se fala de literatura. Do gênero menor, que
9
“A história da crônica no Brasil está ligada ao projeto de formação de uma literatura brasileira no século XIX. O
compromisso romântico de fundação de uma literatura nacional pode ser notado nos nossos primeiros folhetins
publicados nos jornais da época, dos quais a crônica é uma variante. No geral, tratava-se de uma produção engajada
na construção da literatura brasileira enquanto “sistema”, ou seja, como conjunto de obras que formam uma tradição
literária e que possuem entre si denominadores comuns” (Portolomeos, 2008:1).
10
Ao correr da pena (1854-1855) também é o nome da crônica semanal escrita por José de Alencar no jornal Correio
Mercantil.
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poderia não ser considerado literário por estar nas folhas do jornal, desenvolveram-se,
despontaram e fluíram as palavras de alguns dos cânones das nossas letras e, também,
de estrangeiros.
Nele, as duas áreas parecem tocar em um mesmo ritmo uníssono, caminham
de mãos dadas, são dois e ao mesmo tempo um, de tão difícil que é despregá-las em
uma simples ou complexa análise. Desse modo, é um gênero de difícil definição, até
porque surgiu em um momento de constantes mutações da imprensa, no auge das
manifestações e transformações culturais e, consequentemente linguística, empregados
no estilo de texto dos veículos de comunicação do início do século.
Essas mudanças seguiam em consonância com as transformações históricas,
por isso podemos identificar a origem histórica do gênero com as crônicas de viagens.
Só na primeira metade do século XX é que a crônica vai apresentar características mais
facilmente identificas, cujo foco é a simplicidade dos acontecimentos corriqueiros do
cotidiano – mas nem por isso torna-se um gênero com definições muito precisas.
Concomitantemente, a parceria entre as duas áreas – jornalismo e literaturas – apresenta
momentos em que se repelem e se unem, ao observarmos também sob essa ótica
histórica dos acontecimentos e ao não priorizarmos fatos jornalísticos em detrimentos
dos literários ou vice-versa.
No caso de muitos textos publicados em periódicos, alguns são identificados
por estudiosos preliminarmente como contos por apresentar forte caráter literário. Mas,
por que não indicarmos como crônicas já que esses textos são filhos de um periódico?
Nasceram em uma revista ou em um jornal que destinava espaço específico para
“devaneios” dos autores, histórias ficcionais dos. Os mesmos escritores que muitas
vezes estiveram envolvidos com outras publicações jornalísticas – fato comum no
século XIX e início do XX quando as figuras do jornalista e do escritor se confundem.
Por que não, também, a crônica-conto? Nas ditas crônicas-contos os textos passeiam
pelos dois gêneros, crônica e conto, como que despretensiosamente. A classificação não
significa que os textos passam a ter importância menor, que não ultrapassaram a
perenidade do periódico.
A crônica voltada para o horizonte do conto prima pela ênfase posta
no ‘não-eu’, no acontecimento que provocou a atenção do escritor. Na
verdade, a ocorrência detonadora do processo de criação não só possui
força intrínseca para se impor ao ‘eu’ do cronista como não lhe
desperta lembranças ocultas ou sensações difusas. Não significa que o
escritor se alheia do acontecimento, pois que a própria crônica
testemunha uma adesão interessada – mas que o acontecimento tão-
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Junito Brandão denomina o deus como Crono, filho de Urano, que castrou o pai, e pai de Zeus, sendo destronado
por este filho. Crono devorava todos os filhos a fim de evitar a profecia de que seria destruído por um deles.
“CRONO, em grego Krónos, sem etimologia certa até o momento. Por um simples jogo de palavras, por uma espécie
de homonímia forçada, Crono foi identificado muitas vezes com o Tempo personificado, já que, em grego Khrónos é
o tempo. Se, na realidade, Krónos, Crono, nada tem a ver etimologicamente com Khrónos, o Tempo, semanticamente
a identificação, de certa forma, é válida: Crono devora, ao mesmo tempo que gera; mutilando a Urano, estanca as
fontes da vida, mas torna-se ele próprio uma fonte, fecundando Réia”. (1986:198)
12
“Num sentido genérico, usa-se a palavra crônica para indicar, até hoje, o registro de uma comunidade e de uma
época, as memórias de um passado que se quer fixar”. (Laurito, 1993:14)
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“No Brasil analfabeto, os folhetins vão ter uma importância maior do que a pequena penetração dos jornais
permitira, graças à leitura oral. Os filhos letrados liam os folhetins para os empregados agregados. Na Inglaterra, as
obras de Dickens eram lidas para os operários analfabetos. O folhetim que foi realmente massificado na Europa,
principalmente na França, serviu como estímulo à alfabetização”. (Arnt, 2002:96)
14
Nesse caso, trata-se do folhetim-romance ou romance-folhetim. Esse gênero trazia trechos de romances ficcionais
em prosa – muitos deles publicados em livros posteriormente. A divisão em capítulos, gerando tesão aos leitores para
ler o capítulo seguinte, nos remete ao estilo das radionovelas e das telenovelas que ainda são tão difundidas
atualmente. Para os escritores, a vantagem é de poder ter uma prévia sobre os gostos do público – sendo identificada
a partir da receptividade do texto. Dependendo da repercussão, era possível mudar os rumos da história no decorrer
dos capítulos, tornando-a mais interessante.
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15 “Como os escritores mantinham contrato por tempo de publicação, eram obrigados a esticar os episódios. (...)
Muitos escritores ganhavam por linhas escritas – o que era comum nos contratos na França – o que significava que
quanto mais longo o capítulo, maiores eram os rendimentos. A maioria dos escritores que escrevia para jornais sofria
de uma certa prolixidade: tal como Dickens e Alexandre Duma. O que não aconteceu com Balzac, nem com Machado
de Assis. ” (Arnt, 2002:100)
16
“Nos rodapés dos jornais, ao mesmo tempo que cabiam romances em capítulos, também cabiam – ainda quando em
outras folhas que não a inicial – aquela matéria variada dos fatos que registravam e comentavam a vida cotidiana da
província, do pais e até do mundo”. (Laurito, 1993:16)
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alonga por capítulos, a crônica literária é texto curto e rápido, adequada para o modelo
industrial hoje empregado.
Apesar de classificarmos como textos literários os trabalhos de escritores
publicados na imprensa, nem todos era de excelente qualidade literária, principalmente
quando observamos o início do século XX. No período classificado como o pré-
modernismo, Sodré observa que com o domínio oligárquico e a pausa no
desenvolvimento do Brasil, houve também “uma fase de repouso de empobrecimento,
de esterilidade em nossas letras”. “Como literatura e imprensa se confundiam, então, as
repercussões no periodismo eram inevitáveis. Daí a linguagem de baixa literatice dos
jornais (...)” (Sodré, 1999:288).
Apesar de ser bastante comum escritores trabalharem nas redações de
jornais, a conciliação das duas práticas – jornalismo e literatura – não era simples.
Muitas vezes manter a atividade paralela significava abrir mão de um maior
aprofundamento na arte literária. Além disso, não havia boas oportunidades de destaque
naquele período. Desse modo, era comum eles se submeterem ao tempo e aos espaços
regrados pelos jornais. Para os insatisfeitos, era possível – mas não menos difícil –
buscar outras formas de ganhar destaque.
Os homens de letras buscavam encontrar no jornal o que não
encontravam no livro: notoriedade, em primeiro lugar; um pouco de
dinheiro, se possível. (...) No inquérito organizado por Paulo Barreto,
e depois reunido no volume O Momento Literário, uma das perguntas
era esta: “O jornalismo, especialmente no Brasil, é um fator bom ou
mau para a arte literária?” A maioria respondeu que bom,
naturalmente. Félix Pacheco esclareceu, com exatidão: “Toda a
melhor literatura brasileira dos últimos trinta e cinco anos fez escala
pela imprensa”. Medeiros de Albuquerque viu outros aspectos da
questão: “É certo que a necessidade de ganhar a vida em misteres
subalternos de imprensa (sobretudo o que se chama a ‘cozinha’ dos
jornais; a fabricação rápida de notícias vulgares”, misteres que tomem
muito tempo, pode impedir que os homens de certo valor deixem as
obras de mérito. Mas isto lhes sucederia se adotassem qualquer outro
emprego na administração, no comércio, na indústria. O mal ao é do
jornalismo: é do tempo que lhes toma um ofício qualquer, que não os
deixa livres para a meditação e a produção. (SODRÉ, 1999, p.292)
Conclusão
Diante das transformações na imprensa, as acepções de crônica também
modificaram o modelo que temos hoje, ganhando as configurações atuais na década de
1930. Primeiro, ela era tida apenas a crônica história, usada, por exemplo, para relatar
acontecimentos de viagens. Só depois é que ela ganha novas significações e significados
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que remetem tanto às indefinições do gênero e aos aspectos ligados à simplicidade a aos
temas do cotidiano.
No século XIX, predominava a literatura às reportagens. O jornalismo ainda
não tinha a marca do texto preciso que estão longe das firulas dos textos políticos e
literários, comuns na época. Porém, não é por isso que não podemos apresentar algumas
marcas comuns na linguagem cronística, pois elas foram nascentes desde o surgimento
da crônica e também estiveram presentes nos textos de A Quinzena. Na revista, não
havia folhetins e os escritores tinham de se conter com àquelas linhas determinadas – ou
se lamuriar com o excesso delas.
A característica mais presente na crônica é o olhar aguçado do escritor para
acontecimentos simples do cotidiano, como já dito. E é na simplicidade que nasce uma
profundidade inesperada – evidenciando grande beleza que transcende o fato atual e,
desse modo, configura-a como texto literário. De efêmera, por tratar de temas presente,
pode se tornar perene – principalmente quando copiladas em livros. Dentro da leveza
empregada no texto, a crônica pretende conquistar o público leitor de jornal. A crônica
atual divide espaço com as notícias pesadas do mundo. Antes o espaço era
compartilhado com artigos políticos, outros gêneros literários e, em menor quantidade,
com notícias. Como sempre há certa competição pela atenção do leitor, era essencial
para o escritor desenvolver um texto que fosse compatível com ele.
Dir-se-ia que a crônica, como um gênero de rodapé, ajuda o ‘homem
rodapé’, não o general ou o presidente; para esses existem os
maquiáveis, os estrategistas, os constituintes. A crônica existe para o
mísero mortal, ou seja, para nós, homens menores, e isso é bom, pois
desperta a humanidade que há em nós e que as misérias do mundo
tentam adormecer, matar talvez. O leitor se dignifica, ao perceber, nas
grandes crônicas, o pequeno se eternizar, o prosaico transcender.
(BENDER, 1993, p.45)
A partir das observações, percebemos a crônica como gênero que
possibilitou a permanência da relação entre jornalismo e literatura de modo a caminhar
junto com as transformações que a imprensa passou desde o surgimento no Brasil. Com
a imprensa industrial, esse gênero acaba tendo que apresentar novas características de
modo a atrair leitores e, de certo modo, a aliviar o jornal preso às notícias factuais. “A
crônica (...) também se apropria da realidade do cotidiano, como o jornalismo factual,
mas procura ir além e mostrar o que está por trás das aparências, o que o senso comum
não vê (ou não quer ver)” (MENEZES in CASTRO; GALENO, 1993, pp. 163-171).
Referências bibliográficas
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