BARATA, F. A Arte Oleira Dos Tapajó
BARATA, F. A Arte Oleira Dos Tapajó
BARATA, F. A Arte Oleira Dos Tapajó
A ARTE OLEIRA
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DOS TAPAJO
I - Considerações sobre a cerâmica e dois típos
de vasos característicos
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Publicação n.· 2
BEL~M-PARÁ-BRASIL
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1950
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CERÂMICA
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FIG. 4 - Dois vaias .de gargalo> (2.0 upe ) , com penas Introdu-
zidGl nOI furos da «aba» .. mostrando como possivelmente faziam os
Tapajó a ornamenlação plumória da cerâmica de cerimonial. (ver
ligo. 26 e 28) - Coieção Iloberl Bro"n, na Fund. BrasU CeDlrDl. lUa
dé Janeiro.
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fosse das penas ornamentais, fosse das tintas, casando-se com as for-
mas esquísítas e rebuscadas, dava-lhe a aparência de estranha beleza Nos fragmentos de ídolos é a ornamentação pictórica feita geome-
tr!cam~nte, numa perfeita imitação de tatuagens e indicando, desse mo-
que vívamente despertou a atenção dos cronistas.
do, que os Tapajó cobriam o corpo todo com elas, a exemplo -tos seus
E' verdade que os vasos típicos, "de cariátides" ou "de gargalo". vizinhos Mundurucú.
surgem aos nossos olhos, nas coleções particulares e nos Museus, sem
pintura alguma. Possúo, porém, muitos fragmentos colhidos por mim
em Santarém e limpos com paciência, em que são ainda bem nítidos os Chama a atenção, cutrosstm, ao estudioso da cerâmica dos Tap'a-
vestígios da pintura (ou decoração pintada), com participação do ver- Já, o constante aparecímento de ornamentos escultóricos que mudados
melho, do amarelo, do branco e do preto. Esses fragmentos são tantos de posição eontrnuam a 'representar a mesma figuração, antropomorra
que não deixam dúvida quanto à frequêncía de tal prática. Idoles e ou- ou zoomorfa.· Esse fenômeno, que se pôde denomtnar "dualismo", não
tros tipos de vasos se encontram, inteiros ou fragmentados, com a pin- sei que explicação terá. Por isso apenas o assinalo. As FIas 6, 7 e 8
tura perfeitamente conservada, como alguns que fiz desenhar da cole- mostram exemplos de três desses ornamentos que, invertidos, mantêm
ção Robert Brown (hoje da Fundação Brasil Oentral) e outros que tenho a mesma representação. Um é um pé de vaso Itrípodej , onde a figu-
em meu poder. Que usavam os Tapajó ídolos pintados foi constatado -ração antropomcrra é feita de modo a perdurar quando se o vire de
por Mauricio de Heriarte, que os visitou em 1662 (16). Por analogia, cabeça para baixo. Outro é, nas mesmas condições, uma cabeça antro-
como procediam os Marajó, temos de admitir que pintavam também 'Pomorfa ou simiesca, com tipo de caríâtíde . O terceiro é uma cara re-
Vasos. donda estilizada, de símío, de gente ou simples mascara, que na posição
Deduzo, da observação do vasto material que me tem passado pelas normal dír-se-:a silnbolisar a tristeza cem a sua bôca pequena e sobran-
mãos, que muitos vasos que comumente vemos lisos e na côr natural do celhas caídas. Quando se inverte exibe um ricto de alegria, <erguendo-
barro, foram coloridos depois do cosimento, com urucú e outras tintas se as sobrancelhas e alargando-se a bõca , Naturalmente que esta inte-r-
leves e vegetais, e por isso, tratando-se de cerâmica de superfície, não pretação. é um puro devaneio, mas o "dualtsmo" ou a intenção da 01e1-
resistiram à lavagem secular pelas águas das chuvas torrenciais de in- ra de manter a representação desejada em mais de uma posição, esta.
verno, quase diárias, que erosam violentamente o sólo de Santarém e patente. E como. são muitos os casos, nos fragmentos santarenenses, <em
adjacências. E' comum, em fragmentos dos quais se retire com cuidados que isso. se verifica, afasta-se a possibilidade de uma simples coíncídên-
especiais a terra preta aderente, e que se apresentam depois C'Omesse eía e o "duaiismo" me parece intencional ·e consciente.
aspecto de barro lavado e limpo, descobrirem-se traços de desenho a
côres ou pintura em pontos mais protegidos, como sob os braços dos VASOS ''DE CARIATIDES"
ídolos.
Alguns desses fragmentos tive ocasião de mostrar aqui em Belém, Os VlaJSOSque denominei "de cartâtídes" (FIGS. 1 e 14 a 18), dos
recentemente, a um amigo, o arqueólogo norte-americano Clifford Evans Tapajó, são constituídos de várias partes distintas, modeladas separa-
Junior, da Universidade de Columbía, que os fotografou em tecnícolor , damente e depois unidas entre si, das quais as mais destacadas são a
Naturalmente que esses elementos não bastam, por si sós, paro. inferior e a superior. A primeira é um suporte em f0l"mia de carretel
provar que toda a cerâmica dos Tapajó fosse pintada. Mas provam, como se dois pequenos prato.s tivessem sido ligados pelos fundos; a su-
sem dúvida, que pelo menos o era em grande proporção. perior tem a forma de uma cúía ou bacia, bem maior do que o suporte.
e um e outra ligam-se por intermédio de três cariátides antropomorfas.
A ação das águas pluviais sobre a cerâmica é tão forte que não só O suporte nunca é liso e apresenta decorações em geral geométri-
os ornatos pintados a fresco dela desaparecem. A própria camada de cas, de incisões e pontilhados feitos no barro quando ainda mole, deco-
verniz, tão característica em certas peças e muito mais fixa, também rações que variam de um para outro vaso, jamais se repetindo, todavia,
ordínár.amente se destróe, apesar de cosida ao fogo, e não são pou- embora por vezes se assemelhando. Esta variedade se manífsta também
cos os rragmentos que tenho visto e possúo onde o barro está áspero na forma do suporte ou carretel, que ora é pronunciadamente achatado,
como uma lixa, na côr natural, apenas em um ponto e outro mostrando, ora bastante alto.
pela permanência ocasional da camada vitrificada de verniz, que a peça A parte superior da bacía é ornamentada por processo semelhante,
inteira fôra originariamente com ela reeoberta e pintada. guardando as duas peças, num mesmo vaso, identidade de desenhos. As
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aves (FIGS. 22 e 25), dificilmente reconheciveis, e que tanto podem ser ou um passáro pousado, da familia dos papagáios (FIG. 20). Nos vascs
de mutum como de urubú-rei. em que as asas são estilizações de cabeças de grandes aves, há geralmen-
O corpo central do vaso, se despido de todos eIS ornatos, tem a for- te um passáro de asas abertas sobre o bico de cada uma (FIG. 22).
ma-de um fruto com quatro ou mais gomos, sempre pares e pouco pro- substituindo o "cãosinho". Na parte descendente da mandíbula superior
nunc ados, sobre cada um dos quaís se destacam os principais apendices também se ríxam, não 'raro, outras representações zoomorfas, aparente-
ornamentais que, vis-à-vis, são infalivelmente duas rãs e as duas gran- mente de lagartos (FIG. 19).
des asas estilizadas laterais. . O "gargalo" é o elemento característico e permanente. Nos vasos
As duas rãs, figuradas com bastante realismo, erguem-se sobre as do primeiro tipo acha-se colocado, como se fôra um chapéo, sobre uma
quatro pernas e ríxam-se no corpo do vaso apenas pelos pés. O campo cabeça antropomorfa que, maís dilatada, serve de ligação entre êle e o
intermediário, entre cada rã e as estilizações de crocodilo ou de aves corpo central, como está bem visível nas FIGS. 20 e 24. Nem sempre,
(asas), é ocupado por. cabecinhas antropomorfas (FIG. 19), por cobras porém, essa dilatação intermediária tem uma figuração antropomorfa.
estiLzadas (FIG. 2) ou por cabecinhas zoomorfas (FIG. 24). As vezes é ornamentada com estilizações caprichosas de rãs ou cobras,
Quando as asas são formadas por cabeças de jacaré estilizadas, na em relevo, ou ainda com simples incisões. Nesses casos a representação
mandíbula superior está quase sempre fixado um' quadrupede, com as- antropomorfa" de estilo idêntico, se transfere para a base ou suporte
pecto perfeito de um canideo, erguido como as rãs e como elas só fixado do vaso (FIOS. 21 e 22), mas sem que isso constitua uma regra geral,
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foi feita em fôrmas ou por moldes. Nunca se encontraram mol- na atitude do pranto e da dôr. Tem sobre a cabeça um barre-
des ou fôrmas. em todo o vale tapajôníco, correspondendo ao te de forma moderna. que lhe oculta todo o crãneo: a mão es-
periodo pré-cabralíno ou contemporâneo do descobrimento. querda está apoiada sobre o lado correspondente da face co-
Tenho visto e examinado mais de vinte mil fragmentos e peças brindo-lhe o olho deste lado; a boca meio aberta exprime que
inteiras da velha cerâmica dos Tapajó e jamais encontrei ao aquele pranto não é mudo".' ,
menos dois pedacinhos exatamente iguais ou qualquer coisa que Trata-se de um equivoco que resulta do pouco conheci-
se parecesse com tôrma ou molde. mento que se tinha, à época em que isso escreveu o então di-
(5) - S. LINNÉ. "Les Recherches Archeologlques de Nímuendadú au retor do Museu Nacional, da cerâmica dos Tapajó. Essa rígurí-
Brésíl", Journal de Ia Societé des Amérícanístes de Paris: "C'est nha, reproduziãa em outra posição à pág , 326 é uma caríátíde
un véritable catalogue de toute Ia faune du bassín amazonique". dos vasos típicos de Santarém e nada tem de comum com Marajó.
(6) - Lê-se na "Informação" do capitão Antonio Pires de Campos. so- (12) - HELEN PALMATARY. "Tapajó Pottery" em "Etnologiska stu-
bre os indios Parecís, em 1723. publícada na Rev. Trim. do Inst. dies", Gotteborg, 1939, pág , 3. '
Bras., Tomo XXV, página 443: "... e tambem usam estes ín- (13) - SIGVALD LINNÉ. "Les Recherches de Curt Nimuendajú au
dios de idolos; estes taes têm uma casa separada com muitas Brésil", em "Journal de Ia Societé des Arnéricanistes de Paris"
figuras de varios feitios em que só é permitido entrarem os ho- Nouvelle Série, tome XX, trad. do suéco por Eva Métraux.
mens; as taes figuras são mui medonhas, e cada uma tem sua (14) - IVO D'EVREUX. "Viagem ao Norte do Brasil" (1613-1614). -
buzina de cabaça que dizem os ditos gentios, serem de figuras. Falando dos pequenos idolos, de formas humanas, e descreven-
e o mulherio observa lei tal, que nem olhar para taes cousas do a ação dos feiticeiros, diz: " ... avec les plumes ils paroient
usam e só os homens se acham nelas rr'aqueles dias de galho- l'idole ... "
ras, e determinados por eles em que fazem suas danças e se ves- (15) - NORDENSKIOLD. "Ars Americana", Paris, 1930 p.ág . 28:
tem ricamente". "D'aprés Nimuendajú, on y introduisait probablement un orne-
Betendorf, na "Crônica", narra costume idêntico entre os ment en plumes, á l'ocasion des fêtes, ccrnme le font encore les
Tapajó e, comentando essa narrativa, Nimuendajú atribue a Indiens Palikour ... "
isso a posição das caríátídes femininas tapando os olhos, no que (16) ~ MAURICIO DE HERIARTE. Ob. cít., página 36: "Te em idolos
chama "certos vasos sacrais" de Santarém. (Vol , X. do BoI. pintados "em que adoram, e a quem pagam dizimo das semen-
do Mus. Ooeldi, "Os Tapajó", pág. 101). teíras ...
(7) - A Laureano da Cruz não passou despercebido o grande amor (17) - NIMUENDAJú. BoI. Mus. Goeldi, VoI. X, pág , 101. - Descre-
que os indios da Amazônia dedicavam aos filhos. Falando da vendo cs Tapajó baseado nas indicações da cerâmica, diz:
província dos Encabelados, pcr exemplo, diz: "Quierem muchís- "Nos lóbulos das' orelhas usavam rodelas de medianas dimen-
simo a sus hijos, á cuya causa se criam con mucha libertad y de- sões. talvez de uma polegada, mais ou menos".
senvoltura". (Pág. 41). - HARTT. "Idolos dos Moradores do Alto", Anais do Mus.
(8) - IVES D'EVREUX. "Viagem ao norte do Brasil" (1613-1614): - Nac., Vol. VI) pág. 51: "O lóbulo da orelha tem sempre um or-
"As raparigas se empregam em ajudar suas mães, fiando algo- nato característico em forma de botão na frente e a cabeça é
dão como podem, e fazendo uma especíe de redêzinha como cos- furada atrás da orelha".
tumam por brinquedo, e amassando o barro com que imitam as (18) - NIMUEND'AJÚ. Ob. cít , Ver referência da nota anterior n.o 1).
mais habeis no fabrico de potes e panelas". (19) --. FRANZ BOAS. "EI Arte Primitivo", Fondo de Cultura Econo-
(9) - EVERARD F. 1M THURN. "Among the Indians of Guyana", mico, Mexico-Buenos Aires: - " ... podemos passar gradual-
London, 1883: "Another significant facts is that, while the In- mente a formas mais e mais convencionais, cada uma das quaís
dian women of Guyana are shapíng the clay, their children, apresenta uma clara semelhança com a que a precede, mas ter-
ímítatmg them, make small pots and goglets. Many of these mina em um desenho geometríco puramente convencional no
toy vessels may be seen in and about almost every Indian house. qual dificilmente se pode reconhecer a etapa inicial".
The large number of vessels too small for prat.cal use wnich (20) - LADISLAO NETO. "Investigações scbre a archeologia brasilei-
. occur in the American Mounda, and the object of which has long na", Anais do Mus. Nac., Vol. VI. - As cabeças de idolos que
been a question, were, judging by analogy, probably made by reproduz, de Marajó, e que classifica como representando "sa-
children of the mound-makers". crifices ou chefes de alta gerarchia ", "individuos ornados de
(10) - .CARLOS FREDERICO HARTT - "Contribuições para a Etno- elevadas mítras ou tíaras orientais", são apenas, a meu-ver, ma-
lbgia do Vale do Amazonas", Archívos do Museu Nacional, Vol. nifestações de antropo-zoomorr.smo idênticas às que assinalo
VI, pág , 50. nos ornatos dos vasos "de cariátides" de Santarém. Nas figs.,
(11) - LADISLAO NETO. "Investigações sobre a Archeologia Brasilei- reprcduzídas às páginas 322 e 323, o que Ladisláo Neto chama
ra". Anais do Museu Nacional, Vol. VI. - A figura 3 da Es- de "parte superior do thorax" são os bordos dos vasos em que
tampa XVII é assim descrita:" Grandeza natural. Amuleto or- se implantam essas cabeças de duplo sentido representativo,
namental de um vaso de Marajó representando uma mulher melhor visiveis ainda em muitas das figs. das Estampas I e IV.
acocorada sobre a borda de um vaso. E' uma figura expresiva, Refere-se ele ainda, à pág . 383 e seguintes, ao que denomina
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de "amphibomorphia" da cerâmica de Marajó. E' uma obser- presença da possibilidade de transformação dos homens em
vação interessante que revela uma presciência do antropo-zoo- animais ... "
morfismo: " ... todas essas cabeças em que temos visto a dupla (25) - CLAUDE LEVÍ-STRAUSS. "Le Serpent ·au corps rempli de pois-
feíçâo antropo-zoomorpha mais ou menos manifesta". sons", em "Actes du XXVIII Congrés International des Amerí-
Como não relacionou imediatamente Lasdisláo Neto essa canlstes", Paris, 1947, pág . 636: "Mais surtout il parait certaín
descoberta com as "cabeas de ídolos" que classificou como de que, dans ces regions de l'Amérique du Sud oú hautes et basses
"chefes ou sacrifices"? E' notavel o exemplo da fíg , reproduzi- cultures ont entretenu des contacts réguliers ou intermittents
da à pág , 384, "cabo de terrina", representando ao mesmo tem- pendant une période prolongée, l'etnographe' et l'archeologué
po um sáurio e, vista de topo, um animal que Ladisláo Neto peuvent se prêter concours pour elucicter des problêmes com-
chama de "classe diferente" mas que é, evidentemente. uma ca- muns. Le "serptent au corps rempli de poissons" n'est qu'un
ra humana assemelhada a muitas da cerâmica de Santarém, théme, parmi les ceritanes dont Ia céramique péruvienne, au
inclusive pelo prolongamento do nariz pela cabeça acima. Nord et au SUd, a multiplié, presque l'infini
á l'illustration.
Outros exemplos de ídolos de Marajó são citados e repro- Comment douter que Ia clef de l'ínterprétation de tant de mo-
duzidos nas figs. 6 e 21 da Est. III do fim do VoI. VI e na figo tifs encere hermétíques ne se trouve, á notre díspositíón et ímmé-
da pág . 403, em torno da qual divaga o autor vendo nela afin.- diatement accessible, dans des mythes et des contes toujours
dades com a deusa Hera dos antígcs gregos. Esta última não é vivants? On aurait tort de négliger ces méthodes, oú le present
um ídolo. porém pois ídolo se considera objeto isolado e esse é permet d'acceder au passé". (Comentando Métraux, sobre a re-
.nitidamente, fr,agmento da borda de um vaso do PacovaI. Seus presentação, na cerâmica antiga, de mitos e lendas das regiões
dois aparentes tôcos de braços muito se parecem, todavia, como andinas, que sobrevivem na tradição oral).
ocorre em certos estágios das séries evolutívas de Santarém,
com vestígios de asas que ainda sobrevivem do padrão inicial, ou
seja mais uma possível manifestação de antropo-zoomorfismo
dos marajoaras. Isso, de resto, é também verificavel na fig. 21
da R'lt. nr.
(21) ~ JOYCE. "Maya and Mexican Art", Londres, 1927. - Estudando
cs estilos escultóricos mexicanos, caracteriza-os pela "sobrecar-
ga ornamental e profusão de detalhes, que se explica pelo
horror ao vasio".
(22) --- HELOISA ALBERTO TORRES. "Cerâmica de Marajó", Rio,
1929: - " ... importa realçar que Marajó tem horror ao vasío,
Todo o campo é sempre COberto de decorações".
(23) - "Como o Jabuti matou duas Onças", "Como um Jabuti matou
uma Onça e fez uma gaita de um dos seus ossos" e "O Jabuti
engana a Onça" - lendas descritas por Ch. Frederico Hartt em
"M;ythologia dos Indíos do Amazonas", Arch. do Mus , Nac.,
VaI. VI.
- "Jabota, anta e onça", lenda caxinauá da região do alto Ju-
ruá, versão livre de Herbert Baldus, em "Lendas dos Indios do
Brasil", baseada na tradução literal de Capistrano de AbI'2u
publicada em "A Lingua dos Caxinauás", Rio: 1914.
- "História do Jaboti do Macaco e da Onca" lenda narrada
por Carlos Estevão de' Oliveira, em "Os Apinagés do Alto-To-
cantíns", BoI. do Mus. Nac., Junho, 1930.
- "O jabuti e a onça", texto original em nhehengatú, apre-
sentado pelo general Couto de Magalhães, em "O Selvagem",
Brasiliana, VoI. 52, série 5. a.
(24) - EURICO FERNANDES. "Crenças Zoomorfas e Zoomorfismo en-
tre alguns indios do Brasil": " ... Interpretando as crenças zoo-
morras como manifestacão de zoomorfismo e este como culto
no qual é dada a forma de animal à divindade, ou o sentido di-
vino a este ou aquele animal, quer por um princípio totêmico,
quer por simples anímísmo, uma vez que o animal é considera-
do como portador de uma alma imortal, quer ainda baseado na
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