14 - O FANTÁSTICO E A PRESENÇA DE THÉOPHILE GAUTIER - Sabrina Baltor - Docx REV5 ELEN PDF
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Foi trilhando esse caminho que me deparei com facetas pouco exploradas de
ícones da literatura brasileira como Joaquim Manuel de Macedo e, sobretudo, Aluísio
Azevedo. De Joaquim Manuel de Macedo, analisei o romance, se não completamente
fantástico segundo a definição mais clássica de Todorov, mas com boas doses de inserção
do sobrenatural em um romance de costumes tradicionais, A luneta mágica. A presença
do olhar maldito, do olhar trágico, do olhar fantástico, levou-me a cotejar o romance
brasileiro com o conto de Théophile Gautier, “Jettatura”, cujo título, já reveja, em italiano,
a temática do mau-olhado.
da Literatura Brasileira, impede uma análise correta de outros romances macedianos que
não se encaixam neste éthos erigido pela crítica para o autor, tais como O rio do quarto
e, sobretudo, A luneta mágica, considerado o primeiro romance de fantasia da literatura
brasileira e solenemente ignorado pela crítica canônica.
Da mesma forma, vê-se repetir na recepção crítica dos textos literários de Aluísio
Azevedo o mesmo problema: uma considerável parte de sua obra é desconsiderada, em
nome da construção da imagem de Azevedo como o grande nome do Naturalismo
brasileiro. Tanto nas primeiras análises de suas obras, sejam realizadas nos jornais ou em
obras críticas do final do século XIX, quanto em quase toda a fortuna crítica que dá conta
da obra de Azevedo no século XX, sua produção que foge parcial ou completamente das
particularidades das obras naturalistas é relegada a um segundo plano, isso quando é
sequer mencionada.
Um grande exemplo desta indiferença da crítica pela obra de Azevedo que escapa
aos moldes rígidos do Naturalismo literário é o desinteresse pelo seu romance mais
popular, se julgarmos pela tiragem e pelo número de edições recordes que recebeu em
poucos anos: A Mortalha de Alzira. Nos artigos “O autor entre a imprensa e o projeto
literário: o caso de A Mortalha de Alzira de Aluísio Azevedo” e “O Folhetim e a recepção
crítica de A Mortalha de Alzira de Aluísio Azevedo”, tracei um panorama completo de
seu primeiro julgamento pela crítica logo após a publicação em folhetim, em 1891, e
comentei a recepção ou “não-recepção” posterior pelos principais nomes da nossa crítica
literária no final do século XIX e primeira metade do século XX.
No caso de Aluísio Azevedo, tais questionamentos não têm uma resposta simples,
visto que basta se aprofundar um pouco no contexto de produção de todas as suas obras
para verificar indubitavelmente que seus romances naturalistas, como Casa de Pensão,
por exemplo, têm a mesma origem de seus folhetins considerados menores, ou seja,
primeiro são publicados no jornal.
Embora não seja o principal objetivo deste estudo, quanto mais pesquisei o
contexto de produção das obras de Aluísio Azevedo, quanto mais busquei a presença das
obras de Théophile Gautier em seu imaginário, como um dos autores de sua tribo de
eleição (MAINGUENEAU, 2001, p.30-31), quanto mais li sobre suas reflexões a respeito Comentado [L2]: O autor não consta nas referências de final. Por
se tratar de uma citação indireta, deveria estar. (Karine)
de seu projeto literário, mais identifiquei um hibridismo estético que não só ele, mas pelo Para fazer a referência sugiro que seja solicitado os dados. (Matheus)
De acordo. Deixo para análise da supervisão (Elen)
menos um crítico do século XX, Eugênio Gomes, identificou em sua obra.
E já que avançamos tanto, diremos logo com franqueza que todo nosso fim é
encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno. Mas isso, já se deixa
ver, sem que ele o sinta, sem que ele dê pela tramoia, porque ao contrário
ficaremos com a isca intacta.
É preciso ir dando a coisa em pequenas doses, paulatinamente. Um pouco de
enredo de vez em quando, uma ou outra situação dramática de espaço a espaço,
para engodar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de partida – a
observação e o respeito a verdade. Depois as doses de romantismo irão
gradualmente diminuindo enquanto as de naturalismo irão se desenvolvendo,
até que um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado
ao romance de pura observação e estudo de caracteres.
No Brasil, quem se propuser escrever romances consecutivos, tem fatalmente
de lutar com um grande obstáculo – é a disparidade que há entre a massa
enorme de leitores e o pequeno grupo de críticos.
Os leitores estão em 1820, em pleno romantismo francês, querem o enredo, a
ação, o movimento; os críticos porém acompanham a evolução do romance
moderno e exigem que o romancista siga as pegadas de Zola e Daudet.
Ponson du Terrail é o ideal daqueles; para estes Flaubert é o grande mestre.
A qual dos dois grupos se deve atender – ao de leitores ou ao de críticos?!
Estes decretam, mas aqueles sustentam. Os romances não se escrevem para a
crítica, escrevem-se para o público, para o grosso público, que é quem os paga.
Por conseguinte entendemos que em semelhantes contingências o melhor
partido a seguir era conciliar as duas escolas, de modo a agradar ao mesmo
tempo ao paladar do público e ao paladar dos críticos; até que se consiga por
uma vez o que ainda há pouco dissemos – impor o romance naturalista.
Mas, enquanto não chegarmos a esse belo ponto, vamos limpando o caminho
com as nossas produções híbridas, para que os mais felizes,
que por ventura venham depois, já o encontrem desobstruído e franco.
Seremos sentinelas perdidas – Paciência! (1883, p.1 – grifo da autora)
Neste trecho, fica clara a consciência do escritor em relação a sua posição no
campo literário, em relação ao conjunto de forças que nele atuavam. Não só no que diz
respeito ao poder da crítica que “decreta” o sucesso literário de uma obra e à paixão do
público leitor que, por fim, paga a obra e “sustenta” o autor, mas também no que concerne
à vontade dos donos de jornais e de editores que, assim como o escritor, consideram mais
relevantes a opinião do público, mas igualmente não menosprezam a bênção da crítica.
Nossos romances não poderão, pelo menos nestes cinquenta anos mais
próximos, ter a calma cínica de um drama passado nas ruas de Paris ou nas
vielas de Londres, [...] aqui a natureza requer vistas mais largas, sentimentos
mais puros, paixões mais ardentes, que deem uma ideia de nosso sol e de nossas
florestas. (1883, p.1)
Toda esta introdução para tentar entender porque o fantástico, o gótico, o
maravilhoso, o grotesco que vemos em inúmeros contos e romances do século XIX, no
Brasil, passaram todo o século XIX e boa parte do século XX sem serem estudados,
comentados, criticados, embora tenham sido vorazmente lidos na época de suas
publicações sejam em folhetim e/ou em volume. Quantos já ouviram falar de A Segunda
Vida de Machado de Assis ou de Último lance de Aluísio Azevedo? Narrativas recolhidas
pela professora Maria Cristina Batalha, no livro que tem por título bem significativo: O
Fantástico Brasileiro, contos esquecidos (2011).
Este estudo tenta entender e apontar estes motivos, ao mesmo tempo em que busca
recuperar e analisar alguns destes contos de Aluísio Azevedo, onde enxergamos o
fantasma explícito ou implícito de certos temas fantásticos caros ao escritor francês
Théophile Gautier. Tais narrativas foram compiladas pelo próprio autor, no ano de 1893,
para a publicação pela editora Teixeira & irmãos com o título de Demônios. Vale lembrar
que o ano de 1893, coincidentemente ou não, é o mesmo da primeira edição em volume
de A Mortalha de Alzira.
Das vinte narrativas reunidas em Demônios, apenas três possuem realmente traços
que podem levá-las a ser classificadas como pertencentes ao gênero fantástico:
“Demônios”, conto que dá origem ao título da compilação e, talvez, o mais conhecido e
popular de Aluísio Azevedo; “Último Lance” e “O impenitente”. No entanto, há mais
quatro contos que, se não podem ser considerados fantásticos, possuem ou referências ao
gênero, ou presença de temas caros ao fantástico ou ao maravilhoso: “Insepultos”, “Como
o demo as arma”, “No Maranhão” e “Politipo”. Ainda pode-se citar “Inveja”, muitas
vezes comparado ao “Mortalha de Alzira”, visto quase como um resumo deste romance,
pois também desenvolve o tema da frustração do religioso que deve renunciar ao amor e
aos prazeres da carne. Vale ainda mencionar “Pelo Caminho”, que apresenta uma
descrição de heroína moribunda muito similar as realizadas por Gautier em vários de seus
contos fantásticos, a título de exemplo, pode-se citar principalmente Angéla e Alicia,
personagens de “La Cafetière” (1831) e “Jettatura” (1856), respectivamente.
Pelos limites deste artigo, analisarei sobretudo o conto que dá título à coletânea:
“Demônios”. Sua primeira publicação também acontece em folhetim, na mesma Gazeta
de Notícias, alguns meses antes da publicação de A Mortalha de Alzira, entre os dias
primeiro e onze de janeiro de 1891. A título de curiosidade, vale registrar que, após a
publicação, no periódico, do último capítulo de “Demônios”, no dia seguinte, dia 12 de
janeiro de 1891, Aluísio começa a publicação de outra narrativa que figurará em sua
coletânea de contos de 1893: “Cadáveres Insepultos”.
Oh! Pois já dez horas se tinham passado depois que eu abrira os olhos?... Por
que então não amanhecera em todo esse tempo! [...] Teria eu enlouquecido?
[...] (2005, p.965)
Logo, neste primeiro capítulo, podemos elencar vários elementos narrativos que
sugerem um diálogo entre o fantástico criado pelo escritor brasileiro e aquele elaborado
pelo escritor francês Théophile Gautier. Vale lembrar que, neste mesmo ano, Aluísio
lança seu romance A Mortalha de Alzira confessadamente inspirado na narrativa
fantástica mais famosa de Théophile Gautier: A morta apaixonada, de 1836.
Quando resolvemos continuar a nossa peregrinação, foi de quatro pés que nos
pusemos a andar ao lado um do outro, naturalmente sem dar por isso.
Então meu corpo principiou a revestir-se de um pêlo espesso. Apalpei as costas
de Laura e observei que com ela acontecia a mesma coisa.
Assim era melhor, porque ficaríamos perfeitamente abrigados do frio, que
agora aumentava.
Depois, senti que os meus maxilares se dilatavam de modo estranho, e que as
minhas presas cresciam, tornando-se mais fortes, mais adequadas ao ataque, e
que, lentamente, se afastavam dos dentes queixais; e que meu crânio se
achatava; e que a parte inferior do meu rosto se alongava para a frente, afilando
como um focinho de cão; e que meu nariz deixava de ser aquilino e perdia a
linha vertical, para acompanhar o alongamento da mandíbula; e que enfim as
minhas ventas se patenteavam, arregaçadas para o ar, úmidas e frias. (2005,
p.979)
É, por outro lado, nas descrições da verdadeira odisseia vivida pelo personagem
em busca de Laura, antes do narrador ter conhecimento se sua amada estava morta ou
viva, que encontramos trechos que se assemelham e muito a descrições elaboradas por
Gautier em dois contos fantásticos: “A morta apaixonada”, tão bem conhecido de Aluísio,
e “Jettatura”, cujo final, por motivos diferentes, também ocorre na completa escuridão e
cujo protagonista se atira ao mar, assim como o casal de “Demônios” tinha a intenção de
fazer.
Nenhum destes mil pequenos ruídos alegres que são como a respiração de uma
casa viva, chegava aos ouvidos atentos de Paul. Silêncio morno, profundo,
assustador, reinava na habitação, que se poderia acreditar abandonada. Aquele
silêncio que teria sido sinistro, mesmo para um vidente, tornava-se ainda mais
lúgubre nas trevas que envolviam o recente cego. (GAUTIER, 1957, p.211)
Na procura pela casa de Laura, nas ruas tomadas pela escuridão, o narrador
também se compara a um cego que tateia na escuridão para reconhecer o seu caminho:
“E lá ia, lá ia, arrastando-me de porta em porta, de casa em casa, de rua em rua, com a
silenciosa resignação dos cegos desamparados” (AZEVEDO, 2005, p.970). Assim como
Paul, o protagonista de “Demônios” é tomado pelo mau pressentimento advindo do
silêncio da morte. Na ausência da visão, a ausência de som sentencia a inexistência da
vida.
Nesse movimento, meus olhos caíram sobre o leito fúnebre que até então
tinham evitado. O cortinado de adamascado vermelho com grandes flores,
suspenso por franjas de ouro, deixavam ver a morta deitada e de mãos postas
sobre o peito. Cobria-a um véu de linho de uma brancura resplandescente, que
a púrpura escura da tapeçaria reassalva ainda mais, e tão fino que nada escondia
da forma encantadora de seu corpo, permitindo seguiu as belas linhas
onduladas como o pescoço de um cisne que nem mesmo a morte conseguira
endurecer. Dir-se-ia uma estátua de alabastro feita por um escultor hábil para
colocar sobre um túmulo de rainha, ou então uma moça adormecida sobre
quem tivesse nevado.
[...] A noite avançava, e, sentindo se aproximar o momento da separação
eterna, não consegui me recusar à triste e suprema doçura de deixar um beijo
nos lábios mortos daquela que teve todo o meu amor.
Ó prodígio! Um leve sopro misturou-se ao meu sopro, e a boca de Clarimonde
respondeu à pressão da minha: seus olhos se abriram e recuperaram um pouco
de brilho, ela deu um suspiro e, descruzando os braços, passou-os atrás de meu
pescoço com ar de júbilo inefável. (GAUTIER, 2004, p.226-227)
Tanto em A Morta Apaixonada como em “Demônios”, o beijo que os
protagonistas dão em suas amadas que ambos acreditam mortas, as trazem de volta à vida.
Embora em A Morta Apaixonada, a vida volte à Clarimonde por poucos segundos,
podemos dizer que ela permanece presente nos sonhos do jovem padre, em uma existência
onírica.
Eis a mesma cena de suspense, de reencontro, do receio da morte e do desejo dos
jovens amantes em “Demônios”.
Achei uma estreita cama, castamente velada por ligeiro cortinado de cambraia.
Afastei-o e, continuando a tatear, encontrei um corpo, mimoso e franzino todo
fechado num roupão de flanela. Reconheci aqueles formosos cabelos
cetinosos: reconheci aquela carne delicada e virgem; aquela pequenina mão, e
também reconheci a aliança, que eu mesmo lhe colocara num dos dedos.
Mas oh! Laura, a minha estremecida Laura, estava tão fria e tão inanimada
como os outros!
[...]
Ajoelhei-me junto à cama e, tal como fizera com as minhas violetas, debrucei-
me sobre aquele pudibundo rosto já sem vida, para respirar-lhe o bálsamo da
alma. Longo tempo meus lábios, que as lágrimas ensopavam, àqueles frios
lábios se colaram, no mais sentido, no mais terno e profundo beijo que se deu
sobre a terra.
[...]
E, em vão tentando falar assim, chamei-a de todo contra meu corpo, entre
soluços, osculando-lhe os cabelos.
Ó meu Deus! Estaria sonhando?... Dir-se-ia que a sua cabeça levemente se
movera para melhor repousar sobre meu ombro!... Não seria ilusão do meu
próprio amor despedaçado?...
[...]
Oh! Agora sentira perfeitamente. Sim! sim! não me enganava! Ela vivia! Ela
vivia ainda, meu Deus! (AZEVEDO, 2005, p.972-973)
Na época da publicação em folhetim de A Mortalha de Alzira, alguns jornalistas
acusaram Victor Leal de plagiar A Morta Apaixonada de Théophile Gautier. O próprio
Aluísio, no prefácio da publicação em volume, reconhece ter se inspirado no famoso
conto fantástico do escritor francês, embora faça questão de salientar que troca a
explicação fantástica de Théophile pela evidente histeria masculina de seu protagonista
padre. No conto “Demônios”, por sua vez, Aluísio parece ainda se inspirar em certos
expedientes narrativos de Théophile Gautier, sobretudo para reforçar o suspense.
Todavia, sem abrir mão de seu hibridismo estético, enxergamos em “Demônios”, um
fantástico que sem evitar o absurdo, o impossível, o sobrenatural, não deixa de lado o
estudo científico da natureza, sem abrir mão totalmente de sua estética naturalista, num
fantástico que, se, por um lado, não procura disfarçar suas inspirações, não nega
absolutamente a fisionomia de seu pai.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Joaquim Maria Machado de (1859). “Aquarelas: O folhetinista”. In: O Espelho. Rio de
Janeiro.
AZEVEDO, Aluísio (1883). “Mistério da Tijuca”. In: A Folha Nova. Rio de Janeiro.
______ (1893). A Mortalha de Alzira. Rio de Janeiro: Fauchon & Cie.
______ (2005). Ficção completa em dois volumes. LEVIN, Orna Messer (Org.). Rio de Janeiro:
Nova Aguilar.
ESTEVES, Lainister de Oliveira (2014). “Horror e imaginação romântica: como Aluísio Azevedo
se apropria de A Morte Amorosa de Théophile Gautier em A mortalha de Alzira”. In: Revista
Soletras, nº.27. Rio de Janeiro: Dossiê.
GAUTIER, Théophile (1957). Avatar, Jettatura e o Pé da Múmia. São Paulo: Coleção Saraiva.
______ (2004). “A morta amorosa”. In: Contos Fantásticos do século XIX. São Paulo: Companhia
das Letras.
PORTO, Ana Gomes (2008). “Aluísio Azevedo e a imprensa: uma análise de Mistério da Tijuca
e Casa de Pensão”. In: IX Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo.