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14 - O FANTÁSTICO E A PRESENÇA DE THÉOPHILE GAUTIER - Sabrina Baltor - Docx REV5 ELEN PDF

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O FANTÁSTICO E A PRESENÇA DE THÉOPHILE GAUTIER NOS

CONTOS DE DEMÔNIOS DE ALUÍSIO AZEVEDO


Sabrina Baltor de Oliveira (UERJ)

A presença do gênero fantástico na literatura brasileira do final do século XIX e


início do século XX é um tema de pesquisa ao qual decidi me dedicar nos últimos anos.
Interessa-me particularmente o diálogo entre a literatura francesa e a brasileira neste
período e, sobretudo, a presença talvez significativa de contos e romances de cunho
fantástico de Théophile Gautier no imaginário literário nacional.

Foi trilhando esse caminho que me deparei com facetas pouco exploradas de
ícones da literatura brasileira como Joaquim Manuel de Macedo e, sobretudo, Aluísio
Azevedo. De Joaquim Manuel de Macedo, analisei o romance, se não completamente
fantástico segundo a definição mais clássica de Todorov, mas com boas doses de inserção
do sobrenatural em um romance de costumes tradicionais, A luneta mágica. A presença
do olhar maldito, do olhar trágico, do olhar fantástico, levou-me a cotejar o romance
brasileiro com o conto de Théophile Gautier, “Jettatura”, cujo título, já reveja, em italiano,
a temática do mau-olhado.

Na dissertação de mestrado, “Trajetórias da recepção crítica de Joaquim Manuel


de Macedo”, Leandro Thomaz de Almeida revela que a visão estereotipada do autor
brasileiro como um dos representantes canônicos da escola romântica brasileira, como
autor de “romance de namoro”, conforme o taxa Massaud Moisés em seu famoso História Comentado [EL1]: Pedir referência ao autor (Elen)

da Literatura Brasileira, impede uma análise correta de outros romances macedianos que
não se encaixam neste éthos erigido pela crítica para o autor, tais como O rio do quarto
e, sobretudo, A luneta mágica, considerado o primeiro romance de fantasia da literatura
brasileira e solenemente ignorado pela crítica canônica.

Da mesma forma, vê-se repetir na recepção crítica dos textos literários de Aluísio
Azevedo o mesmo problema: uma considerável parte de sua obra é desconsiderada, em
nome da construção da imagem de Azevedo como o grande nome do Naturalismo
brasileiro. Tanto nas primeiras análises de suas obras, sejam realizadas nos jornais ou em
obras críticas do final do século XIX, quanto em quase toda a fortuna crítica que dá conta
da obra de Azevedo no século XX, sua produção que foge parcial ou completamente das
particularidades das obras naturalistas é relegada a um segundo plano, isso quando é
sequer mencionada.

Um grande exemplo desta indiferença da crítica pela obra de Azevedo que escapa
aos moldes rígidos do Naturalismo literário é o desinteresse pelo seu romance mais
popular, se julgarmos pela tiragem e pelo número de edições recordes que recebeu em
poucos anos: A Mortalha de Alzira. Nos artigos “O autor entre a imprensa e o projeto
literário: o caso de A Mortalha de Alzira de Aluísio Azevedo” e “O Folhetim e a recepção
crítica de A Mortalha de Alzira de Aluísio Azevedo”, tracei um panorama completo de
seu primeiro julgamento pela crítica logo após a publicação em folhetim, em 1891, e
comentei a recepção ou “não-recepção” posterior pelos principais nomes da nossa crítica
literária no final do século XIX e primeira metade do século XX.

A Mortalha de Alzira é lançado em folhetim no jornal Gazeta de Notícias, de 13


de fevereiro a 24 de março de 1891. No periódico, Aluísio adota um pseudônimo para
assinar a publicação: Victor Leal. Vale lembrar que este pseudônimo estreia neste mesmo
periódico no ano anterior, em 1890, usado por Olavo Bilac e Pardal Mallet, para a
publicação de O Esqueleto (Mistérios da Casa de Bragança). Victor Leal ainda apareceria
na publicação de Paula Mattos ou O Monte de Socorro, elaborado por estes três escritores
junto com Coelho Neto, igualmente em 1891, na mesma Gazeta de Notícias. Em 1893,
Victor Leal faz mais uma aparição, desta vez, no jornal O Correio da Tarde, assinando o
romance A Pandilha (Romance de costumes Rio-grandenses), escrito, na verdade, por
Pardal Mallet.

O sucesso de A Mortalha de Alzira incomoda Aluísio. Ele ajuda a criar um escritor


romântico de sucesso, um verdadeiro duplo que atacava o romance naturalista. Não é sem
razão que hesita, mesmo com todas as vantagens financeiras, em assumir a autoria do
romance na época da publicação em volume dois anos depois, em 1893, uma exigência
do editor para lançá-lo. O sucesso de Alzira foi tamanho que a primeira edição se esgota
em dois anos e outra é lançada em 1895 e tem mais de dez mil exemplares vendidos,
recordes absolutos para a época. Em nossa pesquisa de sua recepção nos jornais
brasileiros do século XIX, ainda descobrimos uma segunda publicação em folhetim no
jornal Pacotilha do Maranhão, jornal para o qual Aluísio havia colaborado na juventude,
de 22 de julho a 10 de outubro de 1896, ou seja, depois das duas publicações em volume.
Em seu artigo “Horror e imaginação romântica: como Aluísio Azevedo se
apropria de A Morte Amorosa de Théophile Gautier em A mortalha de Alzira”, Lainister
de Oliveira Esteves comenta o sucesso de A Mortalha e dá a verdadeira dimensão de sua
popularidade comparando-o a outros “best-sellers” da literatura brasileira no século XIX:

Realmente o sucesso de A Mortalha de Alzira poderia ofuscar um pouco as


outras obras do autor, pois M. Nogueira da Silva, organizador das obras
completas publicadas pela Briguet & Cia.(sic)1, lembra que a segunda edição
do romance, feita em 1895, chegou a dez mil exemplares. Êxito incontestável,
parece ter causado furor no público que já havia tido acesso à obra no jornal e
na primeira edição que se esgotou em mais de um ano. O filho desprezado se
impôs pela popularidade. O pecado das noites de amor e fantasia não
conquistou a crítica, mas rendeu ao menos uma notável marca de vendagem.
Atingir o décimo milheiro é realmente um feito para os padrões do mercado
no século XIX. Como base de comparação, A moreninha, de Joaquim Manuel
de Macedo, considerado o primeiro sucesso de vendas brasileiro, teve quatro
edições de mil exemplares entre as décadas de 1840 e 1850. O moço loiro, do
mesmo autor, e outro romance de grande sucesso, atingiu a marca de cinco
edições em vinte anos. Obras como Lucíola e Diva, de José de Alencar,
destacam-se por terem seus primeiros milheiros esgotados rapidamente, como
afirma Ubiratan Machado, em A vida literária no Brasil durante o romantismo.
(2014, p.116)
Mas por que os romances e contos de cunho fantástico ou simplesmente
maravilhoso escritos por autores brasileiros do século XIX passaram mais de um século
esquecidos sobretudo pela crítica literária? Simplesmente por que eram inferiores
literariamente aos romances classificados como canônicos? Por que foram escritos por
necessidades financeiras, pois os romances de aventura e fantasia agradavam mais ao
público leitor?

No caso de Aluísio Azevedo, tais questionamentos não têm uma resposta simples,
visto que basta se aprofundar um pouco no contexto de produção de todas as suas obras
para verificar indubitavelmente que seus romances naturalistas, como Casa de Pensão,
por exemplo, têm a mesma origem de seus folhetins considerados menores, ou seja,
primeiro são publicados no jornal.

Ana Porto, no artigo “Aluísio Azevedo e a imprensa: uma análise de Mistério da


Tijuca e Casa de Pensão”, mostra bem a origem comum das obras consideradas canônicas
e das obras consideradas menores. Conforme Ana Porto, Mistério da Tijuca e Casa de
Pensão, símbolos da produção folhetinesca e da produção canônica de Aluísio,
respectivamente, apresentam muito mais semelhanças do que diferenças no que diz
respeito ao contexto de produção.
A análise que se fará nesta comunicação está baseada no próprio contexto de
produção. Esta estratégia revela novos significados no que concerne ao caráter
das obras e indicará que elas possuem características comuns que as
aproximam mais do que as distanciam e, independentemente da inserção nas
categorias “romances bons” ou “romances ruins”, ambas se apresentam como
consequência de um mesmo tipo de produção literária. (2008, p.1)
É preciso lembrar que Casa de Pensão, assim como Mistério da Tijuca, foram
romances publicados no mesmo periódico, A Folha Nova, no espaço do folhetim. Tanto
um quanto outro foram baseados em fatos reais com grande cobertura da imprensa e
conhecidos do grande público, ou seja, em fait divers. Estética e literariamente um
romance pode ser superior ao outro, mas é inegável que ambos são produtos do espaço
folhetinesco, com todas suas limitações e exigências.

Casa de Pensão é particularmente interessante para a análise que proponho neste


estudo, pois, como veremos posteriormente, em um dos contos que foram reunidos com
o título de Demônios, em 1893, a personagem principal é uma grande admiradora e leitora
de textos de Théophile Gautier, sobretudo, de sua peça, Une larme du diable, e fortemente
influenciada por suas leituras fantásticas. No entanto, também em Casa de Pensão,
pertencente a grande tríade naturalista de Azevedo, completada com O Mulato e O
Cortiço, dois de seus personagens principais são admiradores e leitores vorazes das obras
de Théophile Gautier: Amâncio e Lúcia.

Embora não seja o principal objetivo deste estudo, quanto mais pesquisei o
contexto de produção das obras de Aluísio Azevedo, quanto mais busquei a presença das
obras de Théophile Gautier em seu imaginário, como um dos autores de sua tribo de
eleição (MAINGUENEAU, 2001, p.30-31), quanto mais li sobre suas reflexões a respeito Comentado [L2]: O autor não consta nas referências de final. Por
se tratar de uma citação indireta, deveria estar. (Karine)
de seu projeto literário, mais identifiquei um hibridismo estético que não só ele, mas pelo Para fazer a referência sugiro que seja solicitado os dados. (Matheus)
De acordo. Deixo para análise da supervisão (Elen)
menos um crítico do século XX, Eugênio Gomes, identificou em sua obra.

É evidente que certos romances são estudos naturalistas da sociedade brasileira,


que foram construídos minuciosamente desde o seu projeto até a sua realização desta
forma, mas mesmo os romances e contos mais fantasiosos não deixam de possuir traços
de seu naturalismo literário, como já observei em outras análises de A Mortalha de Alzira
e como pretendo demonstrar no conto que dá título à sua coletânea Demônios. Por outro
lado, nem seus romances mais representativos do naturalismo brasileiro escapam
totalmente das características folhetinescas como vimos em Casa de Pensão.
Aluísio Azevedo, na publicação, em folhetim, de Mistério da Tijuca (1883),
explica ao leitor o que é seu hibridismo literário e as razões para a sua existência. Vê nele
uma tentativa possível e às vezes frustrada de agradar a gregos e troianos, ou seja, à crítica
e aos leitores.

E já que avançamos tanto, diremos logo com franqueza que todo nosso fim é
encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno. Mas isso, já se deixa
ver, sem que ele o sinta, sem que ele dê pela tramoia, porque ao contrário
ficaremos com a isca intacta.
É preciso ir dando a coisa em pequenas doses, paulatinamente. Um pouco de
enredo de vez em quando, uma ou outra situação dramática de espaço a espaço,
para engodar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de partida – a
observação e o respeito a verdade. Depois as doses de romantismo irão
gradualmente diminuindo enquanto as de naturalismo irão se desenvolvendo,
até que um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado
ao romance de pura observação e estudo de caracteres.
No Brasil, quem se propuser escrever romances consecutivos, tem fatalmente
de lutar com um grande obstáculo – é a disparidade que há entre a massa
enorme de leitores e o pequeno grupo de críticos.
Os leitores estão em 1820, em pleno romantismo francês, querem o enredo, a
ação, o movimento; os críticos porém acompanham a evolução do romance
moderno e exigem que o romancista siga as pegadas de Zola e Daudet.
Ponson du Terrail é o ideal daqueles; para estes Flaubert é o grande mestre.
A qual dos dois grupos se deve atender – ao de leitores ou ao de críticos?!
Estes decretam, mas aqueles sustentam. Os romances não se escrevem para a
crítica, escrevem-se para o público, para o grosso público, que é quem os paga.
Por conseguinte entendemos que em semelhantes contingências o melhor
partido a seguir era conciliar as duas escolas, de modo a agradar ao mesmo
tempo ao paladar do público e ao paladar dos críticos; até que se consiga por
uma vez o que ainda há pouco dissemos – impor o romance naturalista.
Mas, enquanto não chegarmos a esse belo ponto, vamos limpando o caminho
com as nossas produções híbridas, para que os mais felizes,
que por ventura venham depois, já o encontrem desobstruído e franco.
Seremos sentinelas perdidas – Paciência! (1883, p.1 – grifo da autora)
Neste trecho, fica clara a consciência do escritor em relação a sua posição no
campo literário, em relação ao conjunto de forças que nele atuavam. Não só no que diz
respeito ao poder da crítica que “decreta” o sucesso literário de uma obra e à paixão do
público leitor que, por fim, paga a obra e “sustenta” o autor, mas também no que concerne
à vontade dos donos de jornais e de editores que, assim como o escritor, consideram mais
relevantes a opinião do público, mas igualmente não menosprezam a bênção da crítica.

Ainda sobre essa questão, é interessante citar o prefácio de Aluísio Azevedo da


primeira publicação, em volume, de A Mortalha de Alzira (1893), no trecho em que revela
a origem de seu romance popular. Este seria o produto de uma encomenda do dono do
jornal Gazeta de Notícias, que, por sua vez, não apenas pede um romance para publicar
em seu jornal, mas igualmente orienta como ele deve ser feito, em um resumo comercial,
do hibridismo literário que o próprio Azevedo enxerga na totalidade de sua obra:

A Gazeta de Notícias precisava de um romance e encomendou-me,


determinando logo, já se vê, o caráter literário que ele devia ter. Não fazia
questão de mais ou menos enredo, contanto que a obra, longe de ser naturalista,
fosse bem romântica e bem fantasiosa; obra enfim que pudesse convir ao
paladar da grande massa de leitores sentimentais de que na maior parte se
alimenta aquela folha, mas que ao mesmo tempo não caísse no completo
desagrado daqueles que não admitem obra sem arte e arte sem verdade. (1893,
p.XIII-XIV)
Nota-se que os adjetivos empregados para definir a obra encomendada são
“romântica” e “fantasiosa”. A fantasia caía no gosto do público, mas não da crítica que,
além de querer que os autores brasileiros seguissem os passos do que havia de mais
moderno na arte literária europeia do final do século XIX, ainda buscavam,
aparentemente de forma paradoxal, a edificação de uma literatura de caráter nacional. Por
esta razão, a crítica cuida apenas das obras semelhantes à Moreninha, no caso de Macedo,
e das obras semelhantes ao Cortiço, no caso de Aluísio, que são respectivamente ícones
do romance romântico e naturalista da literatura brasileira, respectivamente. A intrusão
do gótico, do terror, do fantástico, do mágico, do fantasioso mancham a construção destas
imagens nacionais. Em “A crítica literária e a polêmica jornalística: as contribuições de
Aluísio Azevedo e Machado de Assis”, José Alcides Ribeiro, José Ferreira Júnior e
Lucilinda Teixeira ressaltam que, do século XIX até meados do século XX, a crítica
literária nos jornais era forte e influente, pois participava das polêmicas acaloradas a
respeito da construção de uma literatura nacional. Destacam também a presença de
escritores que refletiam sobre a própria obra e sobre os escritos de outros autores no
espaço do jornal. Machado de Assis e Aluísio Azevedo, nos periódicos, discutiam tanto
sobre a literatura nacional e a importância da imprensa quanto Sílvio Romero, José
Veríssimo e Araripe Júnior.

É possível notar, nestas críticas machadianas e azevedianas, a preocupação com a


originalidade e com a construção de obras artísticas que representem o caráter nacional,
que fossem uma representação do que o Brasil tem de único e singular. Assim Machado
se exprime sobre o romance-folhetim:
ele podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos
mal à independência do espírito nacional, tão preso a essas imitações, a esses
arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa. (1859, p.2)
Aluísio Azevedo, ainda na publicação de Mistério da Tijuca, em um capítulo
literalmente chamado de Parênteses, complementa a questão levantada por Machado de
Assis e explica em parte porque certas obras de fantasia, de caráter mais universal, são
ignoradas pela crítica brasileira que, neste período, estava mais absorta com a construção
de uma literatura nacional:

Nossos romances não poderão, pelo menos nestes cinquenta anos mais
próximos, ter a calma cínica de um drama passado nas ruas de Paris ou nas
vielas de Londres, [...] aqui a natureza requer vistas mais largas, sentimentos
mais puros, paixões mais ardentes, que deem uma ideia de nosso sol e de nossas
florestas. (1883, p.1)
Toda esta introdução para tentar entender porque o fantástico, o gótico, o
maravilhoso, o grotesco que vemos em inúmeros contos e romances do século XIX, no
Brasil, passaram todo o século XIX e boa parte do século XX sem serem estudados,
comentados, criticados, embora tenham sido vorazmente lidos na época de suas
publicações sejam em folhetim e/ou em volume. Quantos já ouviram falar de A Segunda
Vida de Machado de Assis ou de Último lance de Aluísio Azevedo? Narrativas recolhidas
pela professora Maria Cristina Batalha, no livro que tem por título bem significativo: O
Fantástico Brasileiro, contos esquecidos (2011).

Este estudo tenta entender e apontar estes motivos, ao mesmo tempo em que busca
recuperar e analisar alguns destes contos de Aluísio Azevedo, onde enxergamos o
fantasma explícito ou implícito de certos temas fantásticos caros ao escritor francês
Théophile Gautier. Tais narrativas foram compiladas pelo próprio autor, no ano de 1893,
para a publicação pela editora Teixeira & irmãos com o título de Demônios. Vale lembrar
que o ano de 1893, coincidentemente ou não, é o mesmo da primeira edição em volume
de A Mortalha de Alzira.

É necessário esclarecer que o livro de contos publicado em 1893 não é exatamente


o mesmo publicado em 1897, com o título Pegadas, igualmente revisto e organizado pelo
próprio Aluísio após a venda de toda sua propriedade literária para a casa Garnier, embora
alguns contos se repitam da primeira para a segunda coletânea.

Na obra de 1893, encontram-se as seguintes narrativas: “Demônios”, “O macaco


azul”, “Cadáveres insepultos”, “Aos vinte anos”, “Das notas de uma viúva”, “Uma lição”,
“Músculos e Nervos”, “O madeireiro”, “Os passarinhos”, “Politipo”, “No maranhão” e
“Como o demo as arma”.

Em Pegadas, de 1897, se repetem “Demônios”, “Cadáveres insepultos” (que, nesta


edição recebe apenas o nome de “Insepultos”), “Das notas de uma viúva”, “Músculos e
Nervos”, “O madeireiro”, “Os passarinhos” (mas com o título modificado: “Inveja”) e
“No Maranhão”. Aluísio acrescenta os contos: “Vícios”, “Último lance”, “O
impenitente”, “Pelo caminho”, “Resposta”, “Heranças”, “A serpente” e “Fora de Horas”.
Como se pode observar, deixa de fora: “O macaco azul”, “Aos vinte anos”, “Uma lição”,
“Politipo” e “Como o demo as arma”.

Nas obras completas de Aluísio Azevedo, publicadas em 1937, pela editora


Briquiet & Cia, e organizadas por M. Nogueira da Silva, este manteve para a coletânea
de contos o título da primeira edição, Demônios, e reuniu todos os contos publicados por
Aluísio em 1893 e 1897. As obras completas de Azevedo, que usei como referência para
este trabalho, são publicadas pela editora Nova Aguilar e foram organizadas por Orna
Messer Levin, em 2005. A pesquisadora manteve quase sem alterações a organização dos
contos de Aluísio feita por M. Nogueira da Silva. A título de esclarecimento, utilizarei,
daqui por diante, a edição da Nova Aguilar para me referir aos contos citados e analisados.

Das vinte narrativas reunidas em Demônios, apenas três possuem realmente traços
que podem levá-las a ser classificadas como pertencentes ao gênero fantástico:
“Demônios”, conto que dá origem ao título da compilação e, talvez, o mais conhecido e
popular de Aluísio Azevedo; “Último Lance” e “O impenitente”. No entanto, há mais
quatro contos que, se não podem ser considerados fantásticos, possuem ou referências ao
gênero, ou presença de temas caros ao fantástico ou ao maravilhoso: “Insepultos”, “Como
o demo as arma”, “No Maranhão” e “Politipo”. Ainda pode-se citar “Inveja”, muitas
vezes comparado ao “Mortalha de Alzira”, visto quase como um resumo deste romance,
pois também desenvolve o tema da frustração do religioso que deve renunciar ao amor e
aos prazeres da carne. Vale ainda mencionar “Pelo Caminho”, que apresenta uma
descrição de heroína moribunda muito similar as realizadas por Gautier em vários de seus
contos fantásticos, a título de exemplo, pode-se citar principalmente Angéla e Alicia,
personagens de “La Cafetière” (1831) e “Jettatura” (1856), respectivamente.
Pelos limites deste artigo, analisarei sobretudo o conto que dá título à coletânea:
“Demônios”. Sua primeira publicação também acontece em folhetim, na mesma Gazeta
de Notícias, alguns meses antes da publicação de A Mortalha de Alzira, entre os dias
primeiro e onze de janeiro de 1891. A título de curiosidade, vale registrar que, após a
publicação, no periódico, do último capítulo de “Demônios”, no dia seguinte, dia 12 de
janeiro de 1891, Aluísio começa a publicação de outra narrativa que figurará em sua
coletânea de contos de 1893: “Cadáveres Insepultos”.

Demônios se inicia em um quarto de um jovem escritor carioca que, tendo


acordado aparentemente em algum momento da madrugada, começa a se angustiar e a
questionar o porquê do dia não ter amanhecido. Aproveita-se de um estranho momento
de inspiração e passa horas escrevendo em ritmo frenético, como que possuído por uma
força sobrenatural, por demônios, e quando acaba de escrever seu texto, se espanta pela
ausência ainda total de luz e sons que acompanhariam naturalmente a chegada de um
novo dia.

E páginas e páginas se sucederam. E as idéias, que nem um bando de demônios,


vinham-me em borbotão, devorando-se umas às outras, num delírio de chegar
primeiro; e as frases e as imagens acudiam-me como relâmpagos, fuzilando, já
prontas e armadas da cabeça aos pés. E eu, sem tempo de molhar a pena, nem
tempo de desviar os olhos do campo da peleja, ia arremessando para trás de
mim, uma após outra, as tiras escritas, suando, arfando, sucumbindo nas garras
daquele feroz inimigo que me aniquilava.
E lutei! e lutei! e lutei!
De repente acordo desta vertigem, como se voltasse de um pesadelo
estonteado, com o sobressalto de quem, por uma briga de momento, se esquece
do grande perigo que o espera. Dei um salto da cadeira; varri inquieto o olhar
em derredor. Ao lado da minha mesa havia um monte de folhas de papel
cobertas de tinta; as velas bruxuleavam a extinguir-se e o meu cinzeiro estava
pejado de pontas de cigarro.
Oh! muitas horas deviam ter decorrido durante essa minha ausência, na qual o
sono agora não fora cúmplice. Parecia-me impossível haver trabalhado tanto,
sem dar o menor acordo do que se passava em torno de mim.
Corri à janela.
Meu Deus! o nascente continuava fechado e negro; a cidade deserta e muda.
As estrelas tinham empalidecido ainda mais, e as luzes dos lampiões
transpareciam apenas, através da espessura da noite, como sinistros olhos que
me piscavam da treva.
Meu Deus! Meu Deus, que teria acontecido?! [...] (AZEVEDO, 2005, p.964-
965)
A narração em primeira pessoa, a intrusão do sobrenatural em um ambiente
completamente comum e familiar, a hesitação perante o evento fantástico que se
descortinava perante os olhos do narrador com a não-chegada de um novo dia, a subversão
das leis naturais, aliado ao questionamento a respeito da própria sanidade estão presente
em “Demônios” e são características do que Todorov classificou como fantástico puro.

Oh! Pois já dez horas se tinham passado depois que eu abrira os olhos?... Por
que então não amanhecera em todo esse tempo! [...] Teria eu enlouquecido?
[...] (2005, p.965)
Logo, neste primeiro capítulo, podemos elencar vários elementos narrativos que
sugerem um diálogo entre o fantástico criado pelo escritor brasileiro e aquele elaborado
pelo escritor francês Théophile Gautier. Vale lembrar que, neste mesmo ano, Aluísio
lança seu romance A Mortalha de Alzira confessadamente inspirado na narrativa
fantástica mais famosa de Théophile Gautier: A morta apaixonada, de 1836.

Não só em “Demônios”, mas em outros contos de Aluísio, nota-se a presença de


narradores jovens que se identificam como escritores e/ou artistas. Nos contos fantásticos
de Théophile Gautier, o mesmo se repete: geralmente o leitor é apresentado ao evento
sobrenatural a partir do olhar de um jovem, amante das artes, geralmente um escritor e/ou
pintor iniciante, tal como ocorre em A Cafeteira (1831), Omphale (1834) e O Pé da
Múmia (1840). Em “Demônios”, como acabamos de verificar, o narrador é um jovem
escritor, mas também é capaz de retratar sua amada por meio das artes visuais.

O único desenho que eu conservava à vista, pendurado à cabeceira da cama,


era um retrato de Laura, minha noiva prometida, e esse feito por mim mesmo,
a pastel, representando-a com a roupa de andar em casa, o pescoço nu e o
cabelo preso ao alto da cabeça por um laço de fita cor-de-rosa. (2005, p.961)
Vale lembrar que tanto Gautier quanto Aluísio têm como primeira vocação a
pintura. O primeiro desiste da tela e das tintas devido a uma miopia e o segundo por falta
de recursos para dar continuidade a seus estudos na Itália. Desta vocação frustrada, surge
nos dois escritores mais uma característica em comum: uma descrição exaustiva e
pormenorizada, que pode ser considerada pictural e que se torna elemento primordial na
construção do fantástico. No início do conto “Demônios”, vê-se uma descrição primorosa
da paisagem vislumbrada do quarto do jovem narrador. Uma visão luminosa, bela,
pictural, cheia de vida da cidade do Rio de Janeiro que contrastará com o ambiente
opressivo do resto do conto dominado pelas trevas, pelo terror, pela ausência de luz e som
e pela morbidez macabra de uma cidade soterrada pelos mortos.

Um pobre quarto, mas uma vista esplêndida! Da varanda, em que eu tinha as


minhas queridas violetas, as minhas begônias e os meus tinhorões, únicos
companheiros animados daquele meu isolamento e daquela minha triste vida
de escritor, descortinava-se amplamente, nas encantadoras nuanças da
perspectiva, uma grande parte da cidade, que se estendia por ali a fora, com a
sua pitoresca acumulação de árvores e telhados, palmeiras e chaminés, torres
de igreja e perfis de montanhas tortuosas, donde o sol através da atmosfera,
tirava, nos seus sonhos dourados, os mais belos efeitos de luz. Os morros, mais
perto, mais longe, erguiam-se alegres e verdejantes, ponteados de casinhas
brancas, e lá se iam desdobrando, a fazer-se cada vez mais azuis e vaporosos,
até que se perdiam de todo, muito além, nos segredos do horizonte,
confundidos com as nuvens, numa só coloração de tintas ideais e castas. (2005,
p.961)
Após a escrita frenética e a constatação de que realmente o dia não chegaria, o
protagonista parte em uma excursão às escuras pela pensão na qual tinha seu quarto
alugado. Para seu assombro, não só a luz e o som haviam desaparecido, mas a vida
também se ausentara completamente. Todos os outros habitantes da pensão encontravam-
se mortos.

O médico estava estendido na sua cama, embrulhado no lençol. Tinha


contraída a boca e os olhos meio abertos.
Chamei-o; segurei-lhe o braço com violência e recuei aterrado, porque lhe senti
o corpo rígido e frio. Aproximei, trêmulo, a minha vela contra o seu rosto
imóvel; ele não abriu os olhos; não fez o menor gesto. E na palidez das faces
notei-lhe as manchas esverdeadas de carne que vai entrar em decomposição.
(2005, p.966)
Encontra-se, neste trecho, o que o próprio Aluísio e alguns críticos destacam em
sua obra: o hibridismo literário. Apesar do tema sobrenatural e fantasioso, apesar da busca
romântica por sua idealizada Laura através da cidade aterrorizante, acompanhamos quase
um estudo natural dos corpos em decomposição e transformação durante toda a trama.
Não somente, neste trecho, vemos “as manchas esverdeadas de carne”, como, em outras
partes, podemos ler a transformação da cidade do Rio de Janeiro que, na primeira
descrição, é literalmente pintada com “tintas ideais e castas”, e agora é descrita
igualmente como um organismo em putrefação semelhante aos corpos agonizantes:

Lá fora a umidade crescia, liqüefazendo a crosta da terra. O chão tinha já uma


sorvedora acumulação de lodo, em que o pé se atolava. As ruas estreitavam-se
entre duas florestas de bolor que nasciam de cada lado das paredes. (2005,
p.975)
Os dois únicos seres que parecem ter escapado da aniquilação completa foram o
narrador e sua amada. No entanto, o escritor parece conservá-los para ter o prazer de, ao
contrário de Darwin, descrever um processo de “involução” humana. No caminho para o
mar, onde decidem acabar com suas vidas, seus corpos passam por transformações
fantásticas saindo do humano, passando pela fase animal, vegetal, mineral, até se evaporar
no éter. As mutações sobrenaturais, longe do maravilhoso romântico, acabam sendo
descritas com pormenores físicos tão impressionantes que se assemelham a um
verdadeiro tratado de biologia animal.

Quando resolvemos continuar a nossa peregrinação, foi de quatro pés que nos
pusemos a andar ao lado um do outro, naturalmente sem dar por isso.
Então meu corpo principiou a revestir-se de um pêlo espesso. Apalpei as costas
de Laura e observei que com ela acontecia a mesma coisa.
Assim era melhor, porque ficaríamos perfeitamente abrigados do frio, que
agora aumentava.
Depois, senti que os meus maxilares se dilatavam de modo estranho, e que as
minhas presas cresciam, tornando-se mais fortes, mais adequadas ao ataque, e
que, lentamente, se afastavam dos dentes queixais; e que meu crânio se
achatava; e que a parte inferior do meu rosto se alongava para a frente, afilando
como um focinho de cão; e que meu nariz deixava de ser aquilino e perdia a
linha vertical, para acompanhar o alongamento da mandíbula; e que enfim as
minhas ventas se patenteavam, arregaçadas para o ar, úmidas e frias. (2005,
p.979)
É, por outro lado, nas descrições da verdadeira odisseia vivida pelo personagem
em busca de Laura, antes do narrador ter conhecimento se sua amada estava morta ou
viva, que encontramos trechos que se assemelham e muito a descrições elaboradas por
Gautier em dois contos fantásticos: “A morta apaixonada”, tão bem conhecido de Aluísio,
e “Jettatura”, cujo final, por motivos diferentes, também ocorre na completa escuridão e
cujo protagonista se atira ao mar, assim como o casal de “Demônios” tinha a intenção de
fazer.

Em “Jettatura”, o jovem Paul d’Aspremont, ao viajar para Nápoles, para se juntar


à noiva inglesa que se recuperava de uma doença, descobre aos poucos, através das
superstições locais, que é um tipo de monstro, um Jettatore, ou um portador do mau-
olhado. Paul começa a atribuir a todas as tragédias que já presenciou uma razão
sobrenatural: seu olhar assassino. Acaba por se convencer de que a doença de sua noiva
é causada por seu maldito olhar. No final do conto, o jovem d’Aspremont se cega para
evitar novas tragédias e para poupar a vida de sua amada. No entanto, a decisão vem tarde
demais e Alicia morrera vítima de seu último olhar apaixonado. A descrição feita por
Gautier do momento em que Paul chega à casa de Alicia, já cego, e vai percebendo através
dos outros sentidos que sua noiva não estava mais viva se aproxima significativamente
da descrição do narrador de “Demônios”, ao alcançar, na completa escuridão, a casa de
sua noiva Laura.

Nenhum destes mil pequenos ruídos alegres que são como a respiração de uma
casa viva, chegava aos ouvidos atentos de Paul. Silêncio morno, profundo,
assustador, reinava na habitação, que se poderia acreditar abandonada. Aquele
silêncio que teria sido sinistro, mesmo para um vidente, tornava-se ainda mais
lúgubre nas trevas que envolviam o recente cego. (GAUTIER, 1957, p.211)
Na procura pela casa de Laura, nas ruas tomadas pela escuridão, o narrador
também se compara a um cego que tateia na escuridão para reconhecer o seu caminho:
“E lá ia, lá ia, arrastando-me de porta em porta, de casa em casa, de rua em rua, com a
silenciosa resignação dos cegos desamparados” (AZEVEDO, 2005, p.970). Assim como
Paul, o protagonista de “Demônios” é tomado pelo mau pressentimento advindo do
silêncio da morte. Na ausência da visão, a ausência de som sentencia a inexistência da
vida.

E, todavia, ai de mim! As minhas esperanças feneciam ao frio sopro de morte


que vinha lá de dentro.
Nem um rumor! Nem o mais leve murmúrio! Nem o mais ligeiro sinal de vida!
Terrível desilusão aquele silêncio pressagiava! (AZEVEDO, 2005, p.970)
Ao alcançar o quarto de Laura, o narrador descobre a amada em seu leito. Teme
que esteja morta. E a cena que se segue é quase que uma transcrição do encontro de
Romuald e Clarimonde, quando esta jaz em sua cama, em A Morta Apaixonada.

Nesse movimento, meus olhos caíram sobre o leito fúnebre que até então
tinham evitado. O cortinado de adamascado vermelho com grandes flores,
suspenso por franjas de ouro, deixavam ver a morta deitada e de mãos postas
sobre o peito. Cobria-a um véu de linho de uma brancura resplandescente, que
a púrpura escura da tapeçaria reassalva ainda mais, e tão fino que nada escondia
da forma encantadora de seu corpo, permitindo seguiu as belas linhas
onduladas como o pescoço de um cisne que nem mesmo a morte conseguira
endurecer. Dir-se-ia uma estátua de alabastro feita por um escultor hábil para
colocar sobre um túmulo de rainha, ou então uma moça adormecida sobre
quem tivesse nevado.
[...] A noite avançava, e, sentindo se aproximar o momento da separação
eterna, não consegui me recusar à triste e suprema doçura de deixar um beijo
nos lábios mortos daquela que teve todo o meu amor.
Ó prodígio! Um leve sopro misturou-se ao meu sopro, e a boca de Clarimonde
respondeu à pressão da minha: seus olhos se abriram e recuperaram um pouco
de brilho, ela deu um suspiro e, descruzando os braços, passou-os atrás de meu
pescoço com ar de júbilo inefável. (GAUTIER, 2004, p.226-227)
Tanto em A Morta Apaixonada como em “Demônios”, o beijo que os
protagonistas dão em suas amadas que ambos acreditam mortas, as trazem de volta à vida.
Embora em A Morta Apaixonada, a vida volte à Clarimonde por poucos segundos,
podemos dizer que ela permanece presente nos sonhos do jovem padre, em uma existência
onírica.
Eis a mesma cena de suspense, de reencontro, do receio da morte e do desejo dos
jovens amantes em “Demônios”.

Achei uma estreita cama, castamente velada por ligeiro cortinado de cambraia.
Afastei-o e, continuando a tatear, encontrei um corpo, mimoso e franzino todo
fechado num roupão de flanela. Reconheci aqueles formosos cabelos
cetinosos: reconheci aquela carne delicada e virgem; aquela pequenina mão, e
também reconheci a aliança, que eu mesmo lhe colocara num dos dedos.
Mas oh! Laura, a minha estremecida Laura, estava tão fria e tão inanimada
como os outros!
[...]
Ajoelhei-me junto à cama e, tal como fizera com as minhas violetas, debrucei-
me sobre aquele pudibundo rosto já sem vida, para respirar-lhe o bálsamo da
alma. Longo tempo meus lábios, que as lágrimas ensopavam, àqueles frios
lábios se colaram, no mais sentido, no mais terno e profundo beijo que se deu
sobre a terra.
[...]
E, em vão tentando falar assim, chamei-a de todo contra meu corpo, entre
soluços, osculando-lhe os cabelos.
Ó meu Deus! Estaria sonhando?... Dir-se-ia que a sua cabeça levemente se
movera para melhor repousar sobre meu ombro!... Não seria ilusão do meu
próprio amor despedaçado?...
[...]
Oh! Agora sentira perfeitamente. Sim! sim! não me enganava! Ela vivia! Ela
vivia ainda, meu Deus! (AZEVEDO, 2005, p.972-973)
Na época da publicação em folhetim de A Mortalha de Alzira, alguns jornalistas
acusaram Victor Leal de plagiar A Morta Apaixonada de Théophile Gautier. O próprio
Aluísio, no prefácio da publicação em volume, reconhece ter se inspirado no famoso
conto fantástico do escritor francês, embora faça questão de salientar que troca a
explicação fantástica de Théophile pela evidente histeria masculina de seu protagonista
padre. No conto “Demônios”, por sua vez, Aluísio parece ainda se inspirar em certos
expedientes narrativos de Théophile Gautier, sobretudo para reforçar o suspense.
Todavia, sem abrir mão de seu hibridismo estético, enxergamos em “Demônios”, um
fantástico que sem evitar o absurdo, o impossível, o sobrenatural, não deixa de lado o
estudo científico da natureza, sem abrir mão totalmente de sua estética naturalista, num
fantástico que, se, por um lado, não procura disfarçar suas inspirações, não nega
absolutamente a fisionomia de seu pai.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Joaquim Maria Machado de (1859). “Aquarelas: O folhetinista”. In: O Espelho. Rio de
Janeiro.
AZEVEDO, Aluísio (1883). “Mistério da Tijuca”. In: A Folha Nova. Rio de Janeiro.
______ (1893). A Mortalha de Alzira. Rio de Janeiro: Fauchon & Cie.
______ (2005). Ficção completa em dois volumes. LEVIN, Orna Messer (Org.). Rio de Janeiro:
Nova Aguilar.
ESTEVES, Lainister de Oliveira (2014). “Horror e imaginação romântica: como Aluísio Azevedo
se apropria de A Morte Amorosa de Théophile Gautier em A mortalha de Alzira”. In: Revista
Soletras, nº.27. Rio de Janeiro: Dossiê.
GAUTIER, Théophile (1957). Avatar, Jettatura e o Pé da Múmia. São Paulo: Coleção Saraiva.
______ (2004). “A morta amorosa”. In: Contos Fantásticos do século XIX. São Paulo: Companhia
das Letras.
PORTO, Ana Gomes (2008). “Aluísio Azevedo e a imprensa: uma análise de Mistério da Tijuca
e Casa de Pensão”. In: IX Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo.

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