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Artigo Sandrae Murilo

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QUESTÕES ACERCA DO RITMO VISUAL 1

Murilo Scóz 2
UDESC

Sandra Regina Ramalho e Oliveira 3


UDESC

Resumo

O ritmo está presente nos diferentes processos da vida, bem como nos comunicativos,
inclusive nos visuais. Este estudo investiga o próprio conceito de ritmo visual, os
diferentes sentidos do termo e os distintos nomes atribuídos ao mesmo fenômeno.
Parte de pressupostos da semiótica discursiva, considerando-o um fenômeno estético
textual e atribuindo-lhe o estatuto de sintaxe, por sua ocorrência articuladora de
elementos.

Palavras-chave: Semiótica Visual; Leitura de Imagens; Sintaxe Visual; Ritmo Visual.

O ritmo

Este artigo sintetiza, dada a obediência às normas editoriais, um extenso


trabalho que já foi aprovado para publicação em livro. Tais limitações
demandaram inúmeros cortes e nos escusamos, de antemão, pelas lacunas
deles decorrentes.

1
Projeto de Pesquisa CEART/UDESC.
2
Professor do Departamento de Design do CEART.
3
Professora do Departamento de Artes Visuais.

95
II Encontro Interdisciplinar do Grupo de Pesquisa Arte e Educação
Florianópolis, 19/11/2009

É atribuída a Goethe a frase: “tudo na vida é ritmo”. Presente nos


diferentes processos naturais, como nos batimentos cardíacos, no movimento
das ondas do mar e na gestação da vida, encontramos ritmo nos movimentos
de rotação do sol, de translação da terra; daí, a divisão do tempo: dias, anos,
estações. Há ritmo na chuva, nas marés, nas migrações dos animais; nos
ciclos da flora, na vida dos animais, inclusive dos seres humanos, desde o
cortejo, o sexo, a concepção, a gestação, o crescimento, enfim, no ciclo da
vida. Há ainda o relógio biológico, o ritmo do caminhar, da respiração, da
pulsação, da digestão.

Além destes processos naturais, a que nos reportamos inicialmente, e


que ilustram de maneira profícua a transversalidade do fenômeno, há ritmo nos
chamados produtos culturais, e esta constitui a premissa deste estudo. Como
fenômeno estético, é uma construção textual perceptível aos sentidos: se o
ritmo sonoro é perceptível à audição; o ritmo visual é perceptível à visão.
Perceber ritmos é, a priori e em síntese, identificar diferenças ordenadas entre
elementos similares, no tempo ou no espaço. Em especial nas linguagens ditas
visuais (inclusive nos processos comunicativos), pode-se identificar uma
profusão de significados diferentes para o termo ritmo, o que dificulta a
proposta de uma definição conciliadora. Entretanto, enquanto ocorrência visual,
o ritmo é manifestação constante, e tal aspecto é por si só bastante instigante.

O ritmo visual se insere na produção das mais distintas sociedades,


independentemente de origens, natureza ou época: ele ocorre em culturas
primitivas em termos cronológicos ou de nível de elaboração e nas sociedades
pós-industriais. Isto aponta para a importância do ritmo, em si, como um
fenômeno não circunscrito a culturas específicas, mas como procedimento
sintático indicativo de uma intencionalidade e daquilo que podemos chamar
“estrutura”. A identificação de tais ocorrências possibilitaria a percepção, dentro
de um dado campo visual, de uma ordenação sintática, ou seja, de uma
organização. Para Ostrower, (1988. p. 175)

Forma significa, sempre, estrutura, organização, ordenação.


Isso é muito importante, pois só podemos perceber formas, ou
ordenações que sejam delimitadas. O que não conseguimos

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delimitar não conseguimos perceber. Assim, em qualquer área


de conhecimento, a compreensão depende da concepção de
limites.

Este princípio é bastante relevante por pressupor que, numa composição


com dado arranjo rítmico, uma porção limitada da estrutura permite a varredura
de um campo visual a partir dos elementos ordenados segundo a mesma
ordenação.

Se partirmos do pressuposto greimasiano da imanência do sentido,


teremos por hipótese, que o fenômeno do ritmo visual revela, fortuitamente,
uma intencionalidade de dar forma e organizar estruturas em torno da
manutenção da continuidade e da coerência das imagens. Portanto, estudar o
ritmo visual implica ir atrás dos efeitos de sentido, já que as imagens visuais
estão permanentemente fazendo circular significações. Por outro lado, a
bibliografia escassa ou não consolidada sobre o tema é um forte sinalizador de
lacuna teórica. A noção de ritmo visual, diluída em esparsos textos sobre
diferentes linguagens, demanda uma exploração mais detida e especifica em
relação a sua efetiva participação na sintaxe – e na significação – da
visualidade.

O ritmo e a repetição

Antes de esquadrinhar as diferentes concepções de ritmo entre os


autores do campo da visualidade, percebe-se a necessidade de uma breve
digressão sobre o conceito de repetição. Quando alguém diz que uma
composição visual é rítmica, parece acompanhar tal leitura o pressuposto de
que o dado objeto analisado apresenta elementos discretos que se repetem,
seja na dimensão temporal ou espacial. Em outras palavras, existe uma
organização rígida e perceptível da disposição de um mesmo paradigma dentro
do sintagma.

Para Deleuze (1988), o termo repetição se explica a partir do termo


substituição.

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...vemos bem que a repetição só é uma conduta necessária e


fundada apenas em relação ao que não pode ser substituído.
Como conduta e como ponto de vista, a repetição diz respeito a
uma singularidade não permutável, insubstituível. (...) Se a
troca é o critério da generalidade, o roubo e o dom são os
critérios da repetição. Há, pois, uma diferença econômica entre
as duas. (1988, p. 20).

Desta feita, podemos observar que a noção de repetição está


firmemente associada ao conceito de semelhança, ou seja, à possibilidade de
se reconhecer paradigmas ou unidades discretas em sua especificidade, e não
a organização puramente estrutural das unidades. Em outras palavras, a
repetição está tão diretamente ligada ao eixo sintagmático (ou a relação)
quanto ao eixo paradigmático (ou às singularidades dos elementos).

Dentro de uma composição visual, as unidades podem ou não repercutir


ritmicamente, o que parece, portanto, depender da possibilidade de serem
reconhecidas a partir de sua especificidade formal. Na matriz sonora, mais
especificamente na música, costumam-se encontrar classificações rítmicas na
distribuição dos elementos musicais ao longo do tempo em intervalos de
repetição. O que parece se esboçar, também no universo da visualidade, é que
a repetição, agora espacial, também opera sobre o conceito do ritmo visual.

O ritmo na sintaxe visual

Ao abordar a composição visual, Souza (1977, p. 35-37), declara que a


satisfação diante da imagem é obtida pela sua variedade visual, que “retém o
nosso interesse”. Para evitar a monotonia, os elementos ordenam-se pelo
ritmo, “uma recorrência de variações, as mais das vezes sob a forma de
destaques e intervalos, com bastante similaridade para estabelecer
continuidade e um plano de ordenamento”. Adiante, aborda fenômenos
denominados repetição e variação como recursos básicos para a ordem e a
variedade:

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o mais elementar meio de ordenação é a repetição.


Presumimos, instintivamente, certas relações entre coisas
similares ou idênticas. Nas artes visuais, a repetição pode
aparecer na linha, na forma, no volume, no valor, no espaço,
na cor, no tamanho ou, mesmo, na ênfase da direção (p. 38).

Para Perazzo e Valença (p. 87-102), são conceitos aplicáveis às


imagens visuais: simetria, integração, igualdade, espaços intermediários,
largura constante, proximidade e uniformidade de fundo. O ritmo e seu sentido
ficam subjacentes aos demais fenômenos visuais.

Munari (2001) trata de questões relacionadas ao ritmo visual: estruturas,


modulação do espaço, seqüências de imagens, texturas, variações estáticas e
dinâmicas, repetição de módulos, variação de módulos, variações temáticas,
estruturas de encaixe. Apresenta imagens como exemplo, mas não conceitos e
definições.

Para Prette e Giorgis (2001) 4 , ritmo é alternância. Iniciam abordando a


variação, outro conceito ligado ao ritmo: diante de um campo visual uniforme, o
que varia, ou o que é diferente é o que produz um estímulo ótico. Referindo-se
especificamente à alternância, consideram que ela é agradável à vista,
exemplificando com uma paisagem, onde ciprestes se alternam com árvores
frondosas, em um esquema do tipo 1-2-1-2-1-2, onde 1 é uma árvore e 2, um
cipreste. Acrescentam que a alternância nos é agradável por gerar ritmo;
lembram que figuras rítmicas ocorrem nas decorações mais antigas: em
Miscenas (imagem de um golfinho sobre as ondas), no esquema 2-1-1-2-1-1-2-
1-1; e no Egito, numa imagem que segue o modelo 1-2-1-2-1-2. Por meio de
reproduções de obras reconhecidas, os autores mostram o ritmo construído
pela repetição de linhas, formas ou cores.

Wong (1990, p. 18-25) trata do fenômeno do ritmo visual como


repetição; mostra repetição em uma variedade de ritmos, a maioria deles,
regulares. Menciona a palavra ritmo apenas numa analogia com a música:
“toda a forma repetitiva é como uma batuta de um ritmo musical” (p. 18). Este

4
Qu’est-ce que l’Art?, Paris, Éditions Gründ, 2001, p. 66-71.

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autor apresenta vários tipos de repetições: de figura, de dimensão, de cor, de


textura, de direção, de posição, de espaço e de gravidade.

Wong aponta algumas variações de repetição, em uma mesma direção


(da esquerda para a direita; ou do alto para baixo, por exemplo), ou seja,
variações lineares: repetição simples; indefinida; alternada; por grade.

Gomes Filho (2000, p. 69) trata do ritmo no contexto do contraste:

movimento que pode ser caracterizado como um conjunto de


sensações de movimentos encadeados ou de conexões visuais
ininterruptas, na maior parte das vezes, uniformemente
contínuas ou seqüenciais ou semelhantes ou, ainda,
alternadas.

Em seu estudo, apresenta imagens com possibilidades distintas de


contraste, geradas através do ritmo; num caso, sucessão de ondas
encadeadas e seqüenciais, sendo um exemplo de ondas com as mesmas
dimensões e outro, com dimensões que aumentam e diminuem. O segundo
exemplo apresenta uma imagem circular, numa seqüência ininterrupta de
figuras iguais, mas que na verdade é interrompida
(figura/fundo/figura/fundo/figura/fundo) e as unidades não são iguais
(seta/extensão da seta/seta/extensão da seta/seta/extensão da seta). Não
obstante, ele tem razão quando observa a “sensação de contínuo e uniforme
movimento”.

No terceiro exemplo, diz que “o ritmo é caracterizado pela repetição das


figuras de cavalos e cavaleiros”. Nelas, “o contraste branco e preto, a
sobreposição existente e o desenho das linhas finas e grossas ao fundo
reforçam a sensação de ritmo conferida à imagem. O equilíbrio é dinâmico e
harmonioso”.

No último exemplo de Gomes Filho (2000, p. 69), equipara o ritmo visual


aos conceitos de movimento encadeado e repetitivo. Mais adiante, volta ao
fenômeno, denominando-o redundância (p. 89) e, mais adiante,
seqüencialidade (p. 99).

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Gomes Filho considera que a redundância pode sublinhar aspectos


como harmonia, direção, movimento, quando as formas são idênticas, mesmo
que as cores de cada uma delas seja contrastante. Lembra que a redundância
pode ainda quebrar a estaticidade regular se a repetição for de elementos
alternados, quanto à forma e à cor.

Todavia, todos os três exemplos visuais apresentados pelo autor


serviriam para exemplificar, do mesmo modo, o ritmo: primeiro, uma seqüência
de repetições simples de formas sobre um fundo neutro; depois, uma
seqüência de elementos alternados; e uma terceira, de elementos
semelhantes, diferentes nas cores

Fayga Ostrower (1986, p. 267) trata do ritmo no contexto da tensão na


composição visual, não obstante atenha-se, antes disso, a “semelhanças e
contrastes”. Deste modo, o fenômeno do ritmo fica diluído entre os demais
aspectos que são geradores de tensão. Fayga afirma que o artista, ao criar
imagens, desdobra elementos visuais, a partir de duas modalidades básicas:
relação por meio de semelhanças ou de diferenças, que são chamados de
contrastes (p. 255). Ela retoma essa dupla tipificação adiante (p. 267),
considerando que são as maneiras que o artista dispõe para articular espaço e
tempo, dizendo que

o artista segue dois grandes caminhos – contrastes e


semelhanças – ao desdobrar os elementos visuais na
composição. Por meio de contrastes, ele cria tensões espaciais
e por meio de semelhanças (ou variações), as seqüências
rítmicas.

Ostrower fala de semelhanças entre linhas verticais, entre todas as


linhas e entre todas as superfícies. Fala da existência de um contraste maior,
entre linhas e superfícies e entre contrastes menores, “entre linhas verticais, de
tamanhos e tessituras diversas; entre linhas horizontais e verticais; entre a
configuração triangular e circular”. São, ainda, suas palavras: “na realidade,
tudo o que percebemos não deixa de ser contrastante, pois tudo é efeito de
diferenciação; até mesmo as semelhanças implicam uma diferenciação”.

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Esta afirmação condensa todo o pensamento de Fayga Ostrower, a


respeito desses fenômenos da linguagem visual; vamos encontrar
coincidências em outros autores, como em Musatti.

Arnheim (1994, p 70-80), em seu estudo sobre a percepção visual,


refere-se a Musatti, no trabalho “Forma e assimilação”, no qual este defendeu a
proposição de que todas as leis de ligação entre os elementos estéticos podem
ser reduzidas a uma única lei, a da homogeneidade ou da semelhança.
Levando em conta esses pressupostos, Arnheim propôs determinados
princípios. Um deles é quando afirma que “a semelhança atua como um
princípio estrutural apenas em conjunção com a separação, isto é, como uma
força de atração entre coisas separadas”. Acrescenta Arnheim: “o agrupamento
por semelhança ocorre tanto no tempo como no espaço. Aristóteles
considerava a semelhança como uma das qualidades que criam associações
mentais, uma condição da memória que liga o passado ao presente”.

Outra afirmação de Arnheim (1994, p. 171) merece atenção:

um princípio geral que se deve ter em mente é que, embora


todas as coisas sejam diferentes em alguns aspectos e
semelhantes em outros, as comparações só têm sentido
quando provém de uma base comum”.

Ou seja, se cada elemento passível de comparação tem várias


características; é necessário saber qual dessas características será a base
comum para a comparação.

Arnheim se alinha a Ostrower, quando afirma: “a semelhança é um pré-


requisito para se notar as diferenças”. Há ainda, em Arnheim, outra proposição
para abordar as semelhanças e diferenças. O autor fala de um fundo diferente
que homologa as semelhanças de um conjunto de elementos similares como
figura em relação a esse suposto fundo, diferente. Trata-se da homogeneidade,
em contraposição à subdivisão ou à, digamos, “teoria das partes”, de certo
modo já abordada. Conforme o autor, “a semelhança e a subdivisão são pólos
opostos. Enquanto a subdivisão é um dos pré-requisitos da visão, a
semelhança pode tornar as coisas invisíveis”, e aqui ele usa o exemplo de

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pérolas sobre um fundo branco. Em outros termos, o mimetismo figura/fundo


não possibilitou a percepção das diferenças; a semelhança enganou o olhar;
não houve a subdivisão de um plano pela(s) diferenças das figuras que, em
situação “normal” (um fundo diferente), sobressairiam como diferentes e
mostrariam, inclusive, quem sabe, um ritmo que configurariam, um ritmo
regular, inclusive, caso fossem pérolas ligadas em um colar.

Arnheim passa a apresentar exemplos esquemáticos de semelhança por


dimensão; diferença por claridade; semelhança por proximidade; diferença por
localização espacial e, inclusive, velocidade, tomando exemplos do balé e da
música para fazer analogias, mostrando que semelhança e diferença de
velocidade auxiliam para se definir a distância. Chama a atenção da dificuldade
para estabelecer padrões e modelos, que poderiam ser construídos apenas
para situações mais óbvias e corriqueiras.

Jacques Aumont é outro estudioso da imagem, como tal, aborda o ritmo.


Reportando-se a Klee, define ritmo visual como a “oposição entre estrutura
dividual e estrutura individual”, ou seja, o ritmo visual é o resultado do contraste
entre um elemento ou um bloco de elementos indivisíveis na obra e elementos
que se dividem em várias partes idênticas (1993, p. 268).

Analisados cada um desses elementos no seu conjunto e em oposição


aos intervalos entre eles, observa-se o ritmo visual. Os intervalos - no fundo de
uma composição visual - podem ser considerados então como estrutura
individual, seja ele um todo ou mesmo um conjunto de elementos diferenciados
que, em oposição àquele analisado, funciona como um todo contínuo. Para
efeitos de estudo do ritmo, das repetições e das diferenças, poder-se-ia tomar
de Arnheim a noção de homogeneidade (estrutura individual) e a de subdivisão
(estruturas dividuais).

O ritmo é analisado por Aumont (1993, p. 269-270) como movimento,


tendo como objeto de estudo imagens tecnológicas, pois dedica-se às imagens
audiovisuais e à fotografia. Assim, Aumont estabelece diferenças entre o ritmo
visual proveniente da imagem fixa e o ritmo da imagem em movimento,

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afirmando que o ritmo temporal, da imagem audiovisual, não é o mesmo ritmo


espacial do qual fala Klee em seu livro.

Ainda segundo Aumont (1993), o ritmo no cinema é metafórico. Isto


porque tanto as imagens cinematográficas como as televisuais, pressupõem a
ilusão do movimento. É essa ilusão, determinada pelos cortes nas seqüências,
que é considerada por Aumont como metáfora de ritmo. Isto, segundo ele, se
deve ao fato de que tanto o cinema, como posteriormente “... a TV, a
computação gráfica, pressupõem a ilusão do movimento (/dinamicidade/)” 5.
Essa ilusão, determinada pelos cortes nas seqüências, é considerada por
Aumont como metáfora de ritmo.

Considerações finais

No que se refere às denominações, encontramos para o mesmo


procedimento sintático: repetição; contraste; ritmo propriamente dito; cadência;
alternância; redundância; seqüencialidade; movimento; padrão; modelo;
módulo; intervalo; similitude; subdivisão, entre outros. Esta diversidade é o
primeiro indício da abrangência do fenômeno nos domínios da linguagem.

Conforme constatado, portanto, aspectos e fenômenos rítmicos revelam-


se também nos produtos das chamadas linguagens visuais. À luz da semiótica
plástica, o ritmo configura-se como procedimento da linguagem visual, e como
tal imbricado na significação de diferentes textos. Nestes, elementos
paradigmáticos alinham-se em relações ditas sintagmáticas, e na arquitetura de
tais relações manifestam-se aspectos rítmicos.

As diferentes interpretações do ritmo nos textos visuais, abordadas a


partir do princípio do paralelismo entre os planos da expressão e do conteúdo,
proposto por Hjelmslev, partem do pressuposto semiótico de que todo
conteúdo apenas se revela através de sua expressão. Sobre esta noção de
ritmo, pesam os aspectos da fruição do texto visual, radicada na própria

5
A. M. Balogh, “Fragmentos sobre Universos Fragmentados: mídia e temporalidade”, in: Significação, 11-
12: 93-107.

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manifestação plástica dos discursos. Nos textos visuais, a arbitrariedade do


signo dá lugar a relações entre categorias dentro dos referidos planos. Quando
existe correspondência entre os termos opostos dentro destas categorias, essa
relação é chamada semi-simbólica, e o plano da expressão, antes um suporte
silencioso vinculador do conteúdo, passa a “fazer sentido”.

No ritmo visual, parecem operar ao menos dois componentes: a


periodicidade, que implica a repetição de elementos ou grupos de elementos, e
a estruturação, que constitui o modo de organização destas estruturas na
composição. Como podemos concluir, a idéia de repetição é fundamental: por
estabelecer-se na relação entre duas ocorrências distintas (uma átona e outra
tônica), é na recorrência e na manifestação dos interstícios textuais que o ritmo
se revela. Quando evidenciada a repetição de uma unidade, elemento ou
significado, fala-se de isotopias, que atualizam as categorias semânticas dos
textos. A partir de tal conceito, podemos inferir que o ritmo visual é
manifestação que agencia, aquém ou além do sentido de previsibilidade, o
sentido de forma ou estrutura. Em outras palavras, uma composição com dado
aspecto rítmico revela sua estrutura pelo ritmo, assim como pelas relações
entre suas cores ou pela organização de seus formantes eidéticos.

Para a semiótica plástica, os textos ditos visuais apresentam formantes


de quatro naturezas distintas: topológica, eidética, cromática e matérica. Os
textos podem, portanto, combinar e arranjar suas unidades dentro destas
categorias, o que permite que identifiquemos ritmo visual no jogo cromático, na
repetição ou no desalinhamento das formas, na relação entre as figuras, no
contraste entre texturas... em suma, diferentes naturezas do mesmo ritmo
visual.

Tomados nestas categorias, os diferentes ritmos de uma composição


podem agora reiterar ou concorrer, segundo as operações sintagmáticas do
autor. Podemos ter ritmos regulares e irregulares, mas também ritmos
acelerados e lentos, assim como modulações.

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Em diferentes suportes, pode-se verificar a presença de tal fenômeno.


Curvas acentuadas, que ganham maior retidão, arrefecendo o ritmo da
composição num de seus eixos. Neste intervalo da composição, da esquerda
para a direita, de cima para baixo, em uma das diagonais, observam-se
“momentos” diferentes, que constroem a narrativa e a plasticidade da imagem.

A partir do reconhecimento das variantes plásticas no texto visual,


podem-se identificar as relações sintagmáticas de atualização do discurso,
configurando a instrumentalização do ritmo visual enquanto recurso de
linguagem. Como procedimento sintático, o ritmo articula unidades discretas da
expressão em significantes que operam a partir das relações estabelecidas, e
tais articulações ditas “rítmicas” pressupõem, em última análise, uma
intencionalidade, uma ordem, uma estrutura. É importante ressaltar que, como
todo procedimento sintático, o ritmo visual não guarda especificidade quanto a
seu significado. Para além de tal determinismo, opera sempre através das
relações estabelecidas.

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Sobre os autores
Murilo Scóz
Possui graduação em Design Gráfi co pela Universidade do Estado de Santa Catarina,
mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e, atualmente, é doutorando em
Design na PUC/RIO. É Professor do Departamento de Design da Universidade do
Estado de Santa Catarina, e atua como designer e consultor de marketing. Desenvolve
pesquisas sobre a linguagem do design, da moda e da publicidade.

Sandra Regina Ramalho e Oliveira


Professora e pesquisadora, atua na Universidade do Estado de Santa
Catarina/UDESC, na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
É Mestre em Educação pela UFRGS, Doutora em Comunicação e Semiótica pela
PUC/SP e fez pós-doutoramento na França, na Université des Sciences et
Technologies de Lille, em Semiótica Visual. É autora dos livros Imagem também se lê
e Moda também é texto (São Paulo, Rosari, 2005 e 2007), Sentidos à mesa – saberes
além dos sabores (Rosari, no prelo) e Diante de uma imagem (Florianópolis, Letras
Contemporâneas, no prelo); organizou, com Sandra Makowiecky, Ensaios em torno da
Arte (Chapecó, Argos, 2008). É Consultora ad hoc do CNPq, Líder do Grupo Arte e
Educação CNPq e membro do Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina. Foi
Presidente da ANPAP, Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
(gestão 2007-2008).

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