A Casa Das Canoas
A Casa Das Canoas
A Casa Das Canoas
RA: N6221E5
Dez anos depois, Niemeyer resolveu construir mais uma casa para si. O
resultado final fica longe das duas casas modernistas referenciais daquela
época: a Farnswourth House, de Mies van der Rohe (1946-1950), e a Glass House,
de Philip Johnson (1949). Niemeyer optou por uma forma orgânica e não pela
caixa retangular com transparência máxima. Outro ponto fundamental é que
Niemeyer elaborou uma outra relação entre a casa e o seu entorno, permitindo a
entrada da natureza no interior da residência. Uma solução que também existe
na residência de Lina Bo Bardi, a Casa de Vidro em São Paulo (1951).
A força da Casa das Canoas está, em primeiro lugar, na relação com a situação
privilegiada. A vista ao mar, a presença do horizonte e o gabarito quase
horizontal da Pedra de Gávea, definiram a forma da cobertura. Hoje em dia,
essa experiência quase sumiu, uma vez que a vegetação ao redor da casa cresceu
muito. Fotografias da década de 50 revelam essa dimensão quase mágica do
entorno.
A piscina ao lado da Casa das Canoas ganha mais que um significado funcional,
por causa da rocha que se estende até o interior da casa. O volume da rocha
une solidamente a casa ao chão, solução parecida àquela de Luis Barragan na
Casa Prieto Lopez em México (1948), mas Niemeyer também consegue ligar o
exterior e o interior da casa através da rocha. Ao redor da piscina foram
colocadas esculturas do seu amigo Alfredo Ceschiatti. As ondulações elegantes
dos corpos femininos se incorporam perfeitamente na arquitetura ondulante. A
justaposição da lâmina de concreto, a rocha e as estátuas criam uma relação
sutil entre natureza e cultura.
Uma estimativa surpreendente é que a casa não tem frente nem fundo: o
movimento contínuo criou uma fachada de vidro com um ritmo fluente. Ao
contrário de Mies van der Rohe e Philip Johnson, Niemeyer buscou para a casa
um caráter ao mesmo tempo transparente e fechado. Isto se manifesta na parede
fechada e ondulada de madeira, que dá intimidade e privacidade na sala de
estar. Nessa parede encontra-se no lado sul uma pequena janela, colocada numa
altura bem baixa. Parece um quadro com a paisagem, uma abertura que dá vista
ao mar para quem está sentado.
Talvez não seja por acaso que ao lado da janela foi colocado um desenho de Le
Corbusier, com uma dedicatória para Niemeyer!
O que chama a atenção nas publicações sobre a casa é que em geral mostra
apenas a planta do andar principal da casa. O piso com os dormitórios, que foi
colocado no subsolo, está quase sempre ausente, mesmo possuindo uma
configuração completamente diferente em relação ao andar superior. Os dois
andares são ligados por uma escada larga. Embaixo da escada localiza-se a
biblioteca e uma lareira com uma abertura circular. O modo como Niemeyer
formaliza a chaminé, quase invisível na vista externa, é um detalhe
interessante em si e prova que ele considerou o volume da chaminé um elemento
perturbador na sua composição pura.
Niemeyer projetou os sofás para o interior, mas para as cadeiras da mesa optou
pelo modelo clássico de Thonet. Não tentou criar uma unidade no mobiliário.
Imagens históricas da casa mostram um interior em que móveis velhos e
esculturas clássicas ganharam um lugar. Niemeyer sempre resistiu aos
interiores com objetos contemporâneos apenas. O lugar do homem precisa ser
marcado por uma confiança no passado e no futuro.
tentação fogosa? Fogo e água ganham um significado mais profundo que apenas o
funcional. Trata se de captar a essência da vida e da morte em arquitetura.
Essa casa é a construção mais sensual, talvez a casa mais erótica que um
arquiteto famoso jamais tenha imaginado. É um lugar deslumbrante, onde é muito
agradável estar e amar. Aqui Niemeyer mostra o que arquitetura orgânica quer
dizer para ele: uma configuração muito elegante, na qual o interior e o
exterior se unem em harmonia. A Casa das Canoas é a síntese de uma busca que
começou com o pavilhão brasileiro em Nova York (1939) e os prédios da
Pampulha. O essencial é unir a feminidade com uma experiência dinâmica da
natureza brasileira. A integração vital da casa na natureza foi influenciada
pela obra do amigo pessoal de Niemeyer, o paisagista Burle Marx, uma pessoa
muito importante para entender e situá-lo corretamente. Sem a visão de Burle
Marx sobre a paisagem, Niemeyer talvez jamais conseguisse chegar nessa
residência sublime. Os historiadores precisam destacar essas nuanças para
captar e enfatizar as qualidades intrínsecas da obra.