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Artigo - o Controle Das Endemias No Brasil e A Sua História PDF

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ENDEMIAS /A R T I G O S

O CONTROLE DAS ENDEMIAS FINAL DO SÉCULO XIX E O SALTO DE QUALIDADE A partir do fi-
NO BRASIL E SUA HISTÓRIA nal do século XIX, houve um salto de qualidade nas atividades de
controle de endemias, decorrência do advento da microbiologia
Luiz Jacintho da Silva como ciência. Varíola, febre amarela e cólera foram as que mais so-
freram a influência das novas idéias.(5,8).
Inda tanto nos sobra, por este grandioso país, O início do século XX foi um suceder de estudos sobre a etiologia,
de doenças e insectos por cuidar!... ocorrência e outros aspectos de diferentes doenças endêmicas bra-
Mário de Andrade, em Macunaíma (1928). sileiras, como os estudos de Gaspar Vianna sobre a leishmaniose
cutânea, de Lutz sobre a blastomicose sul-americana e a descober-
INTRODUÇÃO Convencionou-se no Brasil designar determinadas ta da doença de Chagas em 1909. Este fervilhante movimento
doenças, a maioria delas parasitárias ou transmitidas por vetor, co- científico, concentrado no Rio de Janeiro e em São Paulo, se fez
mo “endemias”, “grandes endemias” ou “endemias rurais”. Essas sentir sobre o controle das doenças. A febre amarela que vinha cau-
doenças foram e são, a malária, a febre amarela, a esquistossomo- sando epidemias sucessivas no Rio de Janeiro desde 1849, determi-
se, as leishmanioses, as filarioses, a peste, a doença de Chagas, além nou a mais emblemática das ações de controle de endemias na his-
do tracoma, da bouba, do bócio endêmico e de algumas helmin- tória do país (4,9).
tíases intestinais, principalmente a ancilostomíase (1). Ao mesmo tempo em que a Comissão Reed estudava a transmis-
A lógica era o impacto dessas doenças em saúde pública. Ainda são da febre amarela, em Cuba, e concluía de maneira definitiva
hoje, esta conceituação de “endemias” é adotada pelo Ministério pela transmissão vetorial, Emílio Ribas, então buscando controlar
da Saúde (2). a febre amarela nas cidades cafeeiras do estado de
Essas doenças, predominantemente rurais, consti- São Paulo, passou a empregar o controle do Aedes
tuíram a preocupação central da saúde pública bra- A aegypti como estratégia única do controle da febre
sileira por quase um século, até que diversos fatores, INVESTIGAÇÃO amarela, em São Simão. O sucesso obtido ainda
notadamente a urbanização, desfizeram as razões de CONDUZIDA no século XIX, determinou a adoção da estratégia
sua existência enquanto corpo homogêneo de preo- POR em outras cidades de São Paulo e, posteriormen-
cupação. Neste artigo, procuramos analisar a evolu- V ITAL B RAZIL te, através de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
ção das políticas e estratégias de seu controle. S
EM ANTOS Em 1908, a febre amarela urbana havia desapare-
FOI cido de São Paulo e do Rio de Janeiro, ainda que
PRIMÓRDIOS DO CONTROLE DE ENDEMIAS O con- EXEMPLAR ... permanecesse nas cidades costeiras do Norte e
ceito doenças infecciosas resulta do desenvolvi- Nordeste (4,5,10).
mento da microbiologia como disciplina científi- Em 1899, a peste bubônica chegava aos portos
ca, no final do século XIX e início do século XX. Nesse período, brasileiros, causando epidemias em Santos e no Rio de Janeiro.
graças ao desenvolvimento de uma nova tecnologia, uma enorme Foi a peste bubônica, mais do que a febre amarela, o gatilho pa-
quantidade de agentes infecciosos e seus vetores, reservatórios e ra o desencadeamento da resposta governamental às endemias e
mecanismos de transmissão puderam ser identificados, permitindo epidemias que acometiam as cidades brasileiras. A investigação
a consolidação de uma nosografia que já vinha se estabelecendo conduzida por Vital Brazil em Santos foi exemplar, e estabeleceu
desde o final do século XVIII. as bases dos serviços de controle da peste. A peste foi eficiente-
Durante séculos, o controle das doenças infecciosas se fundamen- mente controlada, não chegando a causar grandes epidemias e
tava na medicina dos humores. Os fatores ambientais como os ven- não mais surgindo no meio urbano, ainda que tenha permaneci-
tos, a chuva, emanações reais ou imaginárias, compunham um fi- do em focos silvestres e rurais, hoje silenciosos, no Nordeste e na
gurino de ação tipicamente hipocrático (3). Serra dos Órgãos no estado do Rio de Janeiro (1,10).
A saúde pública brasileira antes da República está repleta de Doença importada, de triste memória no imaginário europeu des-
medidas de intervenção ambiental, quase sempre nas cidades, de a idade média, a chegada da peste determinou uma enérgica res-
ainda que a maioria da população fosse rural. A localização dos posta, que levou à constituição do Instituto Butantan em São Pau-
cemitérios e hospitais, a drenagem dos terrenos e a influência lo e do Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, ambos, ainda
dos ventos e até de pessoas “nocivas”, como mendigos, doentes hoje, duas grandes instituições de pesquisa em saúde pública e
mentais ou “leprosos” sempre constituiu um ponto central de ciências biológicas do país.
preocupação (4-7). A renovação urbana talvez tenha sido o grande legado da resposta

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sanitária brasileira do início do século XX. Pereira Passos no Rio de timore. Os três primeiros médicos brasileiros a receberem bolsa de
Janeiro, Saturnino de Brito em Santos, Orozimbo Maia em Cam- estudos foram Carlos Chagas, Geraldo H. de Paula Souza e Fran-
pinas, solidamente apoiados pelos governos centrais, buscaram cisco Borges Vieira (5,16).
emular Hausmann e empreenderam reformas nas suas cidades, Esse foi um período de intensa atividade e de grandes avanços. A
com destaque às obras de saneamento (5,8,9,11). parceria com a Fundação Rockefeller foi reforçada devido a duas
importantes circunstâncias: o retorno das epidemias de febre ama-
A DESCOBERTA DO SERTÃO E A NOVA AGENDA DO CONTROLE DE rela urbana, com a epidemia de 1928-29 no Rio de Janeiro, e a de-
ENDEMIAS O impacto das endemias na primeira década do sécu- tecção do Anopheles gambiae no Rio Grande do Norte (5).
lo XX se fazia sentir essencialmente nas cidades. Tanto foi que a Quando a febre amarela deixou de causar epidemias nas capitais
malária, doença do sertão e de pequenas cidades, somente foi al- brasileiras, a partir de 1908, as atividades de controle do Aedes
vo de ações sistemáticas quando dificultava projetos de grande aegypti foram gradativamente sendo relegadas para um segundo
importância, como a modernização do porto de Santos, a cons- plano, até que, 20 anos depois, irrompe uma epidemia no Rio de
trução de uma estrada de ferro no sertão mineiro e a construção Janeiro, controlada a muito custo e com um contingente de 10 mil
da adutora de água para o Rio de Janeiro, em Cachoeiro do Ma- agentes. Essa epidemia serviu como um sério alerta às autoridades,
cacu, na serra fluminense. País com um vasto, desconhecido e que entenderam haver a necessidade de programas de controle de
inexplorado sertão, o Brasil ainda era uma constelação linear de endemias mais organizados e de caráter permanente, o que levou o
cidades ao longo da costa. Poucos anos antes, no final do século governo brasileiro a firmar um acordo com a Fundação Rockefel-
XIX, a recém-proclamada República havia se dado conta dos ris- ler para o controle da febre amarela em todo o país (5).
cos decorrentes de ignorar o povo e a cultura des-
se sertão, quando do episódio de Canudos. O PÓS- GUERRA E AS NOVAS TECNOLOGIAS O fi-
Talvez impulsionado por essa trágica experiência, A S AÇÕES nal da II Guerra Mundial trouxe não só uma no-
o governo brasileiro determinou ao Instituto Os- DE CONTROLE va ordem mundial, mas também a idéia de que as
waldo Cruz que realizasse uma série de expedições DE ENDEMIAS doenças endêmicas eram passíveis de controle,
ao interior do país para conhecer a realidade sani- FORAM quando não de erradicação. A capacidade organi-
tária nacional (12). PERDENDO SUA zativa adquirida pelos sanitaristas norte-america-
A mais memorável dessas expedições foi a de Ar- IMPORTÂNCIA nos durante a guerra e a percepção de que o con-
tur Neiva e Belisário Penna, mas não podemos es- NA LÓGICA trole das doenças endêmicas e epidêmicas poderia
quecer as de Oswaldo Cruz à Amazônia, incluída OFICIAL ser um importante trunfo na busca de aliados du-
aí a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré então em rante a Guerra Fria, fizeram com que o governo
construção; a de Lutz e Penna ao Nordeste e a de norte-americano, através de diversas agências de
Lutz, Souza Araújo e Fonseca Filho ao sul do país, chegando à Ar- cooperação internacional, assim como os organismos internacio-
gentina pelo Rio Paraná (13-15). nais de saúde, a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) e
Organização Mundial da Saúde (OMS), empreendessem uma sé-
O PERÍODO ENTRE AS GUERRAS E AS NOVAS ALIANÇAS O final da rie de ações globais ou regionais com vistas ao controle e a erradi-
I Guerra Mundial alçou os EUA à sua nova posição de destaque na cação de doenças.
ordem mundial, e colocou o Brasil nos planos da Fundação Roc- No Brasil, essas ações tiveram pleno desenvolvimento, graças a uma
kefeller, o braço sanitário internacional dos EUA. significativa corte de sanitaristas formados no país e no exterior, que
Na época, o grande interesse da Fundação Rockefeller era a ancilos- haviam acumulado uma invejável experiência no controle de diver-
tomíase, cujo controle se baseava na experiência adquirida no sul sas endemias ao longo de décadas. Apoiados pela OMS e OPAS,
dos EUA no início do século, a febre amarela e a malária, estas úl- empreenderam duas grandes campanhas cujo objetivo final era a er-
timas buscando reproduzir a experiência do exército norte-america- radicação: a malária, com sucesso parcial, e o Aedes aegypti, com su-
no em Cuba e no Panamá. cesso total, ainda que de duração efêmera.
A participação da Fundação Rockefeller teve um peso considerável No início da segunda metade do século XX, havia uma grande pro-
na formação do pensamento sanitário brasileiro, influenciando-o ximidade entre essas organizações internacionais. O presidente da
até as décadas de 1950 e mesmo 1960. Financiou o treinamento de OMS era Marcolino Candau, um sanitarista brasileiro e o da
uma geração de sanitaristas brasileiros nos EUA, a imensa maioria OPAS era Fred L. Soper, um sanitarista norte-americano anterior-
na escola de saúde pública da universidade Johns Hopkins, em Bal- mente da Fundação Rockefeller, que trabalhara por vários anos no

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Brasil, tendo sido responsável pelo programa de controle da febre publicana, em 1891. Em São Paulo, graças a uma situação econô-
amarela e pela erradicação do An. gambiae do Nordeste brasileiro. mica privilegiada em relação ao restante do país e de interesses es-
Ao lado das sempre lembradas campanhas de erradicação do Aedes pecíficos determinados principalmente pela agroindústria cafeei-
aegypti e da malária, há uma outra, sempre esquecida, mas com resul- ra, essa foi uma área de atuação do governo estadual, desde a
tados excelentes e duradouros, que foi a campanha de erradicação da formação do Serviço Sanitário, em 1898 e mesmo antes, já no fi-
bouba. Este foi talvez campanha de erradicação mais eficientemente nal da monarquia.
conduzida e de maior sucesso de toda a história da saúde pública A febre amarela, a peste e a cólera constituíram os grandes desafios do
brasileira, mas também a mais freqüentemente esquecida (17). final do século XIX em São Paulo; já a malária somente foi enfrenta-
da de maneira sistemática e organizada a partir da década de 1930,
O DESMONTE DA MÁQUINA E A IMPLANTAÇÃO DO SUS A manu- quando se criou a Inspectoria de Prophylaxia do Paludismo, uma di-
tenção das agências de controle de endemias e de suas ações fazia visão do Serviço Sanitário (19).
parte da ideologia desenvolvimentista dos anos 50 e 60, fortemen- A malária e a doença de Chagas foram duas doenças cuja trans-
te apoiadas e, muitas vezes financiadas, por organismos internacio- missão vetorial foi interrompida em São Paulo graças a campa-
nais e pelo governo norte-americano. O gradual desinteresse deste nhas bem conduzidas, muito antes do mesmo ocorrer em outras
último pelo controle e erradicação de endemias, notadamente a áreas do país (9,18,19).
malária, fez com que o governo brasileiro pós-1964 passasse a rele-
gar essas atividades para um plano cada vez mais secundário, preo- FIN DE SIÈCLE E O NOVO MILÊNIO Chegamos ao final do século XX
cupado que estava com seu projeto de desenvolvimento de indús- com uma folha corrida no mínimo paradoxal. Algumas endemias
trias de base e de infra-estrutura, muito mais importantes foram controladas, algumas por ação
urbano do que rural. O centro das preocupações direta dos programas de controle, outras por força
em saúde passou a ser o oferecimento de atenção A MALÁRIA da evolução da sociedade, como urbanização, sa-
médico-hospitalar à crescente população urbana. FOI neamento e melhoria das condições de vida, não
As ações de controle de endemias foram perdendo ELIMINADA obstante ainda termos uma parcela significativa da
sua importância na lógica oficial, ainda que fos- DA REGIÃO população vivendo próximo e abaixo da linha da
sem mantidas, mas não mais com a prioridade da- COSTEIRA pobreza. Dentre essas endemias, podemos citar a
da no início da década de 1950. Tanto foi que o DO PAÍS E doença de Chagas, resultado de uma combinação
Ae. aegypti, erradicado em 1955, voltou ao país por DAS ÁREAS de fatores: ações específicas de controle, urbaniza-
diversas vezes, mas sempre eliminado, até que em URBANAS ... ção e redução da população rural. A transformação
1973 se constata a reinfestação do país, não mais do trabalhador rural de permanente e residente no
sendo alcançada a erradicação. local em trabalhador temporário, residindo na pe-
O desmantelamento da estrutura de controle das endemias não se riferia de cidades, tendência observada no país desde a década de
restringiu aos governos militares, ao contrário, se acelerou após a 1960, foi um importante fator na redução da doença de Chagas. A
restituição da democracia e com a implantação do Sistema Único ancilostomíase sofreu uma importante redução, quase desaparecen-
de Saúde (SUS). A implantação do SUS implicou na enorme tare- do, graças a uma conjunção de fatores: urbanização, maior acesso
fa de passar para o controle e responsabilidade do Ministério da ao uso de calçados, melhoria do saneamento e a disponibilidade de
Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde de todo o medicamentos específicos de baixo custo, altamente eficazes e com
país todo o sistema de assistência médico-hospitalar público, até quase total ausência de efeitos colaterais (17).
então na sua maior parte sob o controle dos órgãos previdenciários. É muito difícil conseguir estabelecer uma tendência geral das en-
A constituição federal de 1988, assim como as constituições esta- demias na virada do século. Ao mesmo tempo em que o país se vê
duais que se seguiram, colocaram como direito do cidadão e dever às voltas com repetidas epidemias de dengue, com a circulação, até
do Estado, o acesso à assistência médico-hospitalar. a data, de três sorotipos diferentes do vírus, vários estados vêm sen-
do certificados pela OPAS como tendo interrompido a transmis-
SÃO PAULO, UMA HISTÓRIA (QUASE) À PARTE O controle das en- são vetorial da doença de Chagas.
demias no estado de São Paulo não pode ser analisado dentro do Uma análise sensata, ainda que sujeita a críticas, mostra que as
conjunto do restante do país. Nos demais estados do país, o con- endemias para as quais se dispõe de medidas de intervenção efi-
trole das endemias sempre foi uma responsabilidade federal, não cazes e de custo acessível, que não dependam da melhoria dos in-
obstante a descentralização prevista na primeira constituição re- dicadores sociais e de qualidade de vida, sofreram uma redução

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significativa do impacto causado sobre a sociedade. Exemplo dis- de um lado sucesso e de outro fracasso; para o futuro, essa ambigüi-
so é a doença de Chagas, controlada mediante uma ação coorde- dade própria do país precisa ser resolvida, sob pena de um panora-
nada e sustentada (19). ma sanitário sombrio.
A esquistossomose é um interessante exemplo, ao mesmo tempo
Luiz Jacintho da Silva é professor titular de infectologia da Faculdade de Ciências Médicas da
em que deixou de representar um papel negativo sobre a popula- Unicamp; titular da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) da Secretaria Estadual
ção, graças à medicação específica, de custo acessível e altamente de Saúde de São Paulo.
eficaz, continua a expansão da área de transmissão da doença, ago-
ra já atingindo todas as unidades da federação, inclusive os estados
sulinos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além da crescente
Referências bibliográficas
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co de controle, as estratégias da campanha foram delineadas para uma
parte do país e contemplavam uma Amazônia praticamente despo-
voada, com uma população ribeirinha de pequena mobilidade (21).
A malária exemplifica bem a situação atual do controle de endemias,

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