Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Educacao Como Pratica Da Liberdade PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7

Resenhas

Borges de (org.). Chaves para ler Aní- ção é um Direito, 2a ed. 1996; Educa- por Paulo Freire em seu ensaio Educa-
sio Teixeira. Salvador: EGBA/UFBA, ção no Brasil, 3a ed. 1999; Educação ção como Prática da Liberdade, em que
p. 11-85. para a Democracia: introdução à ad- o autor expõe o “Método” de Alfabeti-
NUNES, Clarice, (1994). Prioridade núme- ministração educacional, 2a ed. 1997 e zação de Adultos de maneira minuciosa,
ro um para a educação popular. In: Educação e Universidade, 1998. Todas contextualizando historicamente a pro-
Teixeira, Anísio: Educação não é Pri- contêm apresentação escrita por um posta e expondo seus pressupostos filo-
vilégio. 5a ed. Rio de Janeiro: Editora educador familiarizado com o pensa- sóficos e políticos.
UFRJ, p. 197-250. mento e a ação de Anísio Teixeira. Na introdução do livro, Weffort
3
TEIXEIRA, Anísio, (1956). Educação não Apresentação da tese Educação destaca as experiências do método na
é Privilégio. Revista Brasileira de Es- é um Direito destinada ao concurso ja- cidade de Angicos, no Rio Grande do
tudos Pedagógicos, v. 26, n. 63, p. 3- mais realizado para a cátedra de Admi- Norte, em 1962, onde 300 trabalhadores
31, jul.-set. nistração Escolar e Educação Compara- rurais foram alfabetizados em 45 dias.
_______., (1956). A escola pública, uni- da da Faculdade Nacional de Filosofia, Entre junho de 1963 e março de
versal e gratuita. Revista Brasileira de da Universidade do Brasil, 1958. 1964, desenvolveram-se cursos de capa-
4
Estudos Pedagógicos, v. 2, n. 64, p. 3- Os pronunciamentos menciona- citação de coordenadores em várias ca-
27, out./dez. dos, bem como o “Memorial dos Bispos pitais dos estados. No início de 1964,
_______., (1958). Educação é um Direi- do Rio Grande do Sul”, foram publica- estava prevista a instalação de 20.000
to. Tese apresentada para o concurso da dos na Revista Brasileira de Estudos círculos de cultura para dois milhões de
Cadeira de Administração Escolar e Pedagógicos, v. 29, n. 70, abr.-jun. analfabetos. O Golpe Militar interrom-
Educação Comparada da Faculdade Na- 1958. A primeria parte da declaração peu os trabalhos e reprimiu toda a mo-
cional de Filosofia da Universidade do dos prelados da Igreja Católica, saiu na bilização popular já conquistada. Paulo
Brasil. Rio de Janeiro. mesma revista v. 30, n.72, p. 84-88, Freire ficou detido por 70 dias e depois
________., (1994). Educação não é Pri- sob o título “Educação, ação social e foi exilado.
vilégio. 5a ed. Organização e apresen- política”. Weffort analisa que o Golpe de
5
tação de Marisa Cassim. Rio de Janei- A respeito, consultar a mesma Estado teve entre seus resultados (e
ro: Editora UFRJ. Revista Brasileira de Estudos Pedagó- também entre seus objetivos), a deses-
________., (1996). Educação é um Direi- gicos, v. 29, n. 70, p. 68-70, abr.-jun., truturação do que foi o maior esforço de
to. Apresentação de Clarice Nunes; 1958. Outros pronunciamentos pró e democratização da cultura já realizado
posfácio de Marlos B. Mendes da Ro- contra os princípios e propostas desse no Brasil. Apesar disso, ficou a semente
cha. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. educador, em defesa da escola pública que transcendeu os marcos do período e
_______., (1997). Educação para a De- e gratuita, poderão ser examinados no as próprias fronteiras do país.
mocracia : introdução à administração texto de Clarice Nunes, citado (1994, Durante o período de exílio, Paulo
educacional. 2a ed. Apresentação de p. 197-250). Freire participa de diversos projetos de-
Luiz Antônio Cunha. Rio de Janeiro: senvolvendo o Método de Alfabetização
Editora UFRJ. de Adultos e escreve algumas obras. É
_______., (1998). Educação e Universi- FREIRE, Paulo. Educação como prá- nesse momento que conclui o ensaio
dade. Organização, apresentação e in- tica da liberdade. 23a ed. Rio de Educação como Prática da Liberdade.
trodução de Maria de Lourdes de Janeiro: Paz e Terra, 1999. O livro está organizado em quatro
Albuquerque Fávero e Jader de capítulos:
Medeiros Britto. Rio de Janeiro: Edito- 1. A Sociedade Brasileira em
ra UFRJ. “A educação é um ato de amor, Transição – o autor apresenta sua inter-
por isso, um ato de coragem. Não pode pretação a respeito das forças políticas
Notas temer o debate. A análise da realidade. que disputavam o poder no início da dé-
Não pode fugir à discussão criadora, cada de 1960;
1
As duas conferências foram sob pena de ser uma farsa.” 2. Sociedade Fechada e
publicadas pela primeira vez na Revista Paulo Freire Inexperiência Democrática – Para justi-
Brasileira de Estudos Pedagógicos, n. ficar sua avaliação sobre o Golpe de Es-
63 e 64, 1956. Apresentação tado, Paulo Freire resgata vários mo-
2
Como parte desse projeto, a Edi- mentos da história do Brasil;
tora UFRJ publicou até o momento, Esta resenha se propõe a apresen- 3. Educação Versus Massifica-
além dessa obra, as seguintes: Educa- tar as reflexões e avaliações elaboradas ção – o autor explica sua concepção pe-

180 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14


Resenhas

dagógica, contrapondo-se à pedagogia criticidade. O homem integrado é um mia e na sua cultura. Por isso, alienada,
tradicional; homem Sujeito. A adaptação é um con- sem povo, “antidialogal”. Com precária
4. Educação e Conscientização – ceito passivo. vida urbana e alarmantes índices de
Paulo Freire mostra as experiências pe- À medida que cria, recria e deci- analfabetismo, portanto, atrasada.
dagógicas do Método de Alfabetização de, vão se transformando as épocas his- Na avaliação do autor, essa socie-
de Adultos, ocorridas no Brasil, no pe- tóricas. É também criando, recriando, dade rachou-se. Se ainda não era uma
ríodo pré-64. decidindo, que o homem deve participar sociedade aberta, já não era, contudo,
Para melhor compreensão do lei- dessas épocas. uma sociedade totalmente fechada. Pa-
tor, esta resenha pretende apresentar o Quanto mais dinâmica uma época recia ser uma sociedade abrindo-se,
que considera essencial em cada capítu- na gestação de seus temas próprios, tan- correndo o risco, pelos possíveis recu-
lo, tendo o cuidado de preservar articu- to mais terá o homem de usar, como sa- os no trânsito, como o atual Golpe de
lados os fundamentos filosóficos e polí- lienta Barbu, “cada vez mais funções Estado, de um retorno catastrófico ao
ticos do autor, explicitados no livro que intelectuais e cada vez menos funções fechamento.
foi elaborado num determinado período puramente instintivas e emocionais” As forças que estavam em disputa
histórico. É apresentado, por fim, um (Apud Freire, 1999, p. 52). eram contraditórias, ressalta Paulo
comentário crítico, em que é assinalada Mas, infelizmente, na opinião de Freire, internas e externas. Umas esta-
a contribuição de Paulo Freire para a Paulo Freire, o que se sente, dia a dia, é vam convencidas, em face da crescente
construção de propostas pedagógicas no o homem simples esmagado, diminuído pressão popular, de que a abertura da
atual quadro educacional. e acomodado, convertido em especta- sociedade brasileira e sua autonomia se
dor, dirigido pelo poder dos mitos que fariam em termos realmente pacíficos.
1. A sociedade brasileira forças sociais poderosas criam para ele. Outras, a todo custo buscando reaciona-
em transição Mitos que, voltando-se contra ele, o riamente entravar o avanço, pior ainda,
destroem e aniquilam. É o homem tragi- recuar.
Nesse capítulo, Paulo Freire camente assustado, temendo a convi- À medida que as contradições se
apresenta sua interpretação sobre as vência autêntica e até duvidando de sua aprofundavam entre os velhos e os no-
forças políticas que disputavam o po- possibilidade, ao lado do medo da soli- vos temas, provocavam no homem bra-
der no início da década de 1960, escla- dão, que se alonga como “medo da li- sileiro o surgimento de atitudes
recendo inicialmente seus pressupostos berdade”. optativas. Estas, enfatiza o autor, só o
filosóficos. Vivia o Brasil, segundo o autor, a são em termos autênticos, na proporção
O autor define sua filosofia de ca- passagem de uma para outra época. Um em que resultem de uma captação críti-
ráter existencial. Para ele, existir ultra- tempo de trânsito. Sendo essa fase ca- ca do desafio. Feita a opção, pelo apro-
passa viver, porque é mais do que estar racterizada por um elo entre uma época fundamento das contradições, a tendên-
no mundo. É estar nele e com ele. O que se esvaziava e uma nova que ia se cia era a da radicalização na opção.
existir é individual, contudo, só se rea- consubstanciando, tinha algo de alonga- Paulo Freire esclarece que o ho-
liza em relação com outros “existires”. mento e de adestramento. Neste embate mem radical em sua opção não nega o
Transcender, discernir, dialogar (comu- entre os velhos e os novos temas ou a direito ao outro de optar. Não pretende
nicar e participar) são exclusividades do sua nova visão, a vitória destes ou desta impor ao outro a sua opção. Dialoga so-
existir. Herdando a experiência adquiri- não se faz facilmente e sem exigências bre ela. Está convencido de seu acerto,
da, criando e recriando, integrando-se de sacrifícios. O dinamismo do período mas respeita no outro o direito de tam-
às condições de seu contexto, respon- de trânsito se fazia com idas e vindas, bém julgar-se certo. Tenta convencer e
dendo a seus desafios, objetivando-se a avanços e recuos que confundiam ainda converter, e não esmagar o seu oponen-
si próprio, discernindo, transcendendo, mais o homem. E a cada recuo se lhe te. Tem o dever, contudo, por uma ques-
lança-se o homem num domínio que falta a capacidade de perceber o misté- tão mesma de amor, de reagir à violên-
lhe é exclusivo – o da História e o da rio de seu tempo, o que pode correspon- cia dos que lhe pretendam impor
Cultura. der a uma trágica desesperança; um silêncio.
Paulo Freire entende que medo generalizado. Jogado pela força das contradi-
integração não é acomodação. A Paulo Freire afirma que o ponto de ções, o homem brasileiro e até suas eli-
integração resulta da capacidade de partida do nosso trânsito foi a sociedade tes, salienta Freire, vinham assumindo
ajustar-se à realidade acrescida da pos- fechada, comandada por um mercado posições sectárias e não apontavam
sibilidade de transformá-la, supondo externo, exportadora de matérias-pri- para soluções radicais. A sectarização
uma opção, cuja nota fundamental é a mas e predatória; reflexa na sua econo- tem uma matriz preponderantemente

Revista Brasileira de Educação 181


Resenhas

emocional e acrítica. É arrogante, pretação dos problemas; pela substitui- isto é, ausência das condições necessá-
“antidialogal” e, por isso, “anticomuni- ção das explicações mágicas por princí- rias à criação de um comportamento
cativa”. É reacionária, seja assumida pios causais; por se dispor sempre a re- participante.
por direitista ou esquerdista. O sectário visões; por despir-se ao máximo de O Brasil nasceu e cresceu sem ex-
não respeita a opção dos outros, pois preconceitos na análise dos problemas; periência de diálogo. O sentido
pretende impor a sua opção. Daí a incli- e na sua apreensão, esforçar-se por evi- marcante de nossa colonização, forte-
nação do sectário ao ativismo, que é a tar deformações; por negar a transferên- mente predatória, à base da exploração
ação sem vigilância da reflexão. O radi- cia da responsabilidade; pela recusa de econômica e do trabalho escravo, ini-
cal, pelo contrário, rejeita o ativismo e posições quietistas; por segurança na cialmente do nativo e posteriormente do
sempre submete a ação à reflexão. argumentação e pela prática do diálogo africano. A “economia nacional”, se-
Para o sectário, ressalta o autor, o e não da polêmica. gundo Caio Prado, e com ela a nossa or-
povo não conta e nem pesa, a não ser Essa posição transitivamente críti- ganização social, assentada numa larga
como suporte para seus fins, compare- ca, afirma o autor, implica um retorno à base escravista, não comportava uma
cendo ao processo ativistamente. Não matriz verdadeira da democracia. Daí estrutura política democrática e popular
pensa, pois pensam por ele. E é na con- ser essa transitividade crítica caracterís- (Apud Freire, 1999, p. 75).
dição de “protegido”, de menor de ida- tica dos autênticos regimes democráti- Os colonizadores que vieram para
de, que é visto pelo sectário. cos e corresponder a formas de vida al- o Brasil não tiveram intenção de criar
Paulo Freire compreende que, no tamente permeáveis, interrogadoras, uma civilização, pois, salienta Paulo
período de trânsito, não vinha sendo dos inquietas e dialogais, em oposição a Freire, interessava-lhes a exploração
radicais a supremacia, mas dos sectá- formas de vida “mudas”, quietas comercial da terra. Faltou aos colonos
rios, sobretudo de direita. discursivas, das fases rígidas e militar- integração com a colônia. Marchou a
Retomando a concepção sobre a mente autoritárias, como infelizmente colonização brasileira no sentido da
existência humana, para Freire, existir estava sendo vivenciado por uma parce- grande propriedade, expressa no pode-
é um conceito dinâmico. Implica uma la significativa da sociedade brasileira, rio dos donos de fazendas e de enge-
dialogação eterna do homem com o ho- no período apresentado. nhos, que possuíam imensas terras. Não
mem, deste com o mundo e do homem Paulo Freire entendia que o passo há realmente como pensar em
com o seu Criador. Aqui, Weffort asse- decisivo da consciência transitivo-ingê- dialogação com a estrutura do grande
gura que sua “filiação existencial cris- nua para a transitivo-crítica passava, domínio, com o tipo de economia que o
tã” é explicitada. Essas definições ad- necessariamente, por um trabalho edu- caracterizava, marcadamente autárquico
quirem importância para o cativo crítico com esta destinação. Sen- e de clima ideal para o “antidiálogo”.
entendimento do autor sobre os estágios do que o crime dos que se engajavam Paulo Freire ressalta que a
da consciência. era o de crerem no homem, cuja dialogação implica a responsabilidade
Considera que a consciência tran- destinação não é coisificar-se, mas social e política do homem. Implica um
sitiva é, num primeiro estado, prepon- humanizar-se. mínimo de consciência transitiva, que
derantemente ingênua – fase em que não se desenvolve nas condições ofere-
setores da sociedade brasileira estavam 2. Sociedade fechada cidas pelo grande domínio. Não há
inseridos no contexto apresentado aci- e inexperiência democrática autogoverno sem dialogação, daí ter
ma pelo autor – pela simplicidade na sido desconhecido, na história desse pe-
interpretação dos problemas, pela fragi- Para compreender os desdobra- ríodo, o autogoverno ou dele ter raras
lidade na argumentação, por forte teor mentos da fase de transição, Freire res- manifestações. Pelo contrário, o que
de emocionalidade, pela prática não gata, nesse capítulo, a história e as ca- predominou foi o mutismo do homem,
propriamente do diálogo, mas da polê- racterísticas do Brasil no período foi a sua não-participação na solução
mica e pelas explicações mágicas. É a colonial e na fase do Império, esclare- dos problemas comuns, faltando-lhe
consciência do quase “homem massa”. cendo a inexistência da participação po- consciência comunitária.
Para o autor, a educação na fase pular, inclusive durante a passagem O que caracterizou esse período,
de trânsito se fazia uma tarefa altamen- para a República. desde o início, segundo Paulo Freire,
te importante, pois, através de uma edu- O autor afirma não ser possível foi o poder exacerbado, a que foi se as-
cação dialogal e ativa, voltada para a compreender nem a transição com seus sociando sempre a submissão. Submis-
responsabilidade social e política, che- avanços e recuos, nem entender o seu são de que decorria ajustamento, aco-
gariam à transitividade crítica que se sentido anunciador, sem uma visão de modação e não integração. No
caracteriza pela profundidade na inter- ontem: a inexperiência democrática, ajustamento, o homem não dialoga, não

182 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14


Resenhas

participa. Pelo contrário, acomoda-se a a outras tantas que se processavam no educação conscientizadora contribuiria,
determinações que se superpõem a ele. campo da cultura, das artes e da litera- na aprendizagem da democracia, com a
As disposições mentais que se criaram tura. No campo das ciências, revelando própria existência desta. Daí a necessi-
nessas circunstâncias foram assim dis- uma nova inclinação: a da pesquisa; a dade de uma educação corajosa.
posições mentais rigidamente autoritá- da identificação com a realidade nacio- Paulo Freire faz uma ressalva em
rias, acríticas. Essa foi a constante de nal; a do seu conhecimento; a da busca relação às práticas pedagógicas que re-
toda a vida colonial. Os colonizados es- do planejamento, em substituição aos sistem à teoria. Identifica-se, assim,
tavam esmagados pelo poder; poder dos esquemas importados (Apud Freire, teoria com verbalismo. Esclarece que a
senhores das terras, poder dos governa- 1999, p. 90). teoria é necessária para uma educação
dores – gerais, dos capitães-gerais, dos O país começava a encontrar-se crítica. Teoria esta que implica uma in-
vice-reis, do capitão-mor. consigo mesmo, acrescenta Paulo serção na realidade. A educação escolar
O autor pontua alguns momentos Freire, seu povo emerso iniciava as suas vigente não é teórica porque lhe falta o
históricos do Brasil colônia, reafirman- experiências de participação. Tudo isto, gosto da comprovação, da invenção e da
do que seria sobre uma vasta porém, estava envolvido nos embates pesquisa. Ela é verbosa, palavresca e
inexperiência caracterizada por uma entre os velhos e os novos temas. A su- não comunica.
mentalidade feudal, sedimentada em peração da inexperiência democrática O autor enfatiza que nada ou qua-
uma estrutura econômica e social intei- por uma nova experiência: a da partici- se nada existe na educação formal que
ramente colonial, que inaugurariam a pação. desenvolva no estudante o gosto da pes-
tentativa de um Estado formalmente de- quisa e da constatação. O que implica-
mocrático. 3. Educação versus massificação ria o desenvolvimento da consciência
A democracia, adverte Paulo transitivo-crítica. A sua perigosa
Freire, antes de ser uma forma política, Nesse capítulo, Freire faz a crítica superposição à realidade intensifica no
é uma forma de vida, caracteriza-se so- à educação tradicional que, na época, estudante a sua consciência ingênua. A
bretudo por forte dose de transitividade permeia as práticas pedagógicas nas es- própria posição da escola, acalentada
de consciência no comportamento do colas. Aponta para a superação dessa si- ela mesma pela sonoridade da palavra,
homem. Transitividade que não nasce tuação, demonstrando a crença na pes- pela memorização dos trechos, pela
nem se desenvolve a não ser dentro de soa humana e na sua capacidade de desvinculação da realidade, já é uma
certas condições em que o homem seja educar-se como sujeito histórico. posição caracteristicamente ingênua.
lançado ao debate, ao exame de seus Preocupado em encontrar uma Essa manifestação oratória, quase sem-
problemas e dos problemas comuns, em resposta no campo da pedagogia às con- pre também sem profundidade, revela,
que o homem participe. dições da transição brasileira, Paulo antes de tudo, uma atitude mental. Re-
De um modo geral, com algumas Freire entendia que a contribuição a ser vela ausência de permeabilidade carac-
exceções, o povo ficava à margem dos trazida pelo educador brasileiro à sua terística da consciência crítica. E é pre-
acontecimentos. Foi assim na passa- sociedade haveria de ser uma educação cisamente a criticidade a nota
gem do Brasil colônia para o Brasil crítica e criticizadora; uma educação fundamental da mentalidade democráti-
império. O povo assistiu à proclama- que tentasse a passagem da ca. Quanto menos criticidade entre os
ção da República “bestificado”, como transitividade ingênua à transitividade educadores, tanto mais ingenuamente
afirmou Aristides Lobo (Apud Freire, crítica. tratam os problemas e discutem superfi-
1999, p. 89). O autor entendia que seria neces- cialmente os assuntos. Esta parecia ser
Mas foi exatamente neste século, sária uma educação para a decisão, para uma das grandes características da edu-
assegura Paulo Freire, na década de a responsabilidade social e política. cação escolar brasileira na sociedade fe-
1920 a 1930, após a Primeira Grande Educação que o colocasse em diálogo chada.
Guerra, e mais enfaticamente depois da constante com o outro, que o predispu- Somente de algum tempo para cá,
Segunda, que o surto de industrializa- sesse a constantes revisões, pois a de- analisa Paulo Freire, vem-se sentindo a
ção no Brasil, em certo sentido mocracia implica mudança. Os regimes preocupação em identificar-se com a
desordenado, recebeu seu grande impul- democráticos são flexíveis, inquietos, realidade do país, em caráter sistemáti-
so. E, com ele, houve um desenvolvi- por isso mesmo deve corresponder aos co. É o clima da transição. A oportuni-
mento crescente da urbanização. homens desse regime, maior flexibilida- dade de uma intervenção pedagógica
As alterações ocorridas, salienta de de consciência. criticizadora estava posta, tendo como
Fernando de Azevedo, teriam de refle- Assim, salienta Paulo Freire, no perspectiva a superação de posições
tir-se em toda a vida nacional. Juntar-se clima cultural da fase de transição, uma reveladoras de descrença no educando,

Revista Brasileira de Educação 183


Resenhas

no seu poder de fazer, de trabalhar e de acumulando experiência no campo da tas letrados de seu país, como também a
discutir. A democracia e a educação de- educação de adultos. As experiências poesia de seu cancioneiro popular, que
mocrática se fundam ambas na crença mais recentes, de aproximadamente cin- cultura é toda criação humana. Durante
no homem; na crença em que ele não só co anos, estavam sendo desenvolvidas os debates, um dos alfabetizando disse:
pode mas deve discutir os seus proble- pelo Movimento de Cultura Popular do “Faço sapatos, e descubro agora que te-
mas: Os problemas de seu país, do seu Recife. Paulo Freire coordenava, naque- nho o mesmo valor do doutor que faz li-
continente e do mundo, de seu trabalho le movimento, o Projeto de educação de vros”. “Sei que agora sou culto”, afirmou
e da própria democracia. adultos, através do qual foram lançadas um idoso camponês, “porque trabalho e
Paulo Freire faz referência ao que duas instituições básicas de educação e trabalhando transformo o mundo”.
considera dois empenhos, da mais alta de cultura popular: o Círculo de cultura A práxis pedagógica de Paulo
importância, da educação universitária e o centro de cultura. Os professores, Freire mostra, conforme afirma
e pós-universitária, ocorridos no perío- que eram chamados de coordenadores, Weffort, o respeito à liberdade dos
do. O do Instituto Superior de Estudos instituíam debates de grupos. A progra- educandos – que nunca são chamados
Brasileiros – ISEB – e o da Universida- mação desses debates era oferecida pe- de analfabetos mas de alfabetizandos.
de de Brasília, ambos frustrados pelo los próprios grupos, através de entrevis- Ao educador cabe apenas registrar fiel-
Golpe Militar. Porém, a mensagem de tas que os coordenadores mantinham mente o vocabulário dos participantes
ambos continua, como continua a tarefa com eles e de que resultava a enumera- e selecionar algumas palavras básicas
do intelectual, da juventude brasileira e ção de problemas que os alfabetizandos em termos de freqüência, relevância
do povo brasileiro. gostariam de debater. Esses assuntos, como significação vivida e tipo de
acrescidos de outros, eram tanto quanto complexidade fonêmica que apresen-
4. Educação e conscientização possível esquematizados e, com auxílio tam. Estas palavras, de uso comum na
de recursos visuais, apresentados aos linguagem do povo e carregadas de ex-
Nesse último capítulo, Paulo grupos, sob a forma de diálogos. periências vividas, são as palavras ge-
Freire explica minuciosamente o Méto- Segundo Freire, os resultados radoras.
do de alfabetização de adultos. Cita di- eram surpreendentes. Numa das expe- No apêndice do livro, entre os di-
versos exemplos dessa experiência no riências, na vigésima primeira hora, um versos momentos do processo da alfabe-
Brasil, sendo que o Plano elaborado no dos participantes escreveu com seguran- tização de adultos, o autor registra as 17
Governo Goulart, em 1964, indicava a ça: “Eu já estou espantado comigo mes- palavras geradoras escolhidas do “uni-
implementação de 20 mil Círculos de mo”. Vê-se que ninguém ignora tudo e verso vocabular” pesquisado no estado
Cultura em todo o país, conforme foi ci- ninguém tudo sabe. do Rio de Janeiro e que os educadores
tado na apresentação da resenha. O gol- Os coordenadores tiveram a cola- aplicariam, também, na Guanabara.
pe militar impediu a continuidade do boração, considerada valiosa por Paulo Apresenta-se a seguir a primeira pala-
método no território brasileiro. Porém, Freire, da equipe do Serviço de Exten- vra geradora:
no exílio, Paulo Freire estabelece traba- são Cultural da Universidade de Recife. 1) FAVELA – necessidades funda-
lhos da mesma natureza em diversos Estavam, assim, assegura Paulo mentais:
países. Freire, tentando uma educação que lhes
No apêndice do Ensaio, o leitor parecia a de que precisavam, identifica- a) Habitação
terá oportunidade de constatar as expe- da com as condições da realidade: real- b) Alimentação
riências dessa educação popular no Bra- mente instrumental, porque integrada c) Vestuário
sil e, na nota final do texto, Paulo ao tempo e ao espaço, levando o homem d) Saúde
Freire apresenta um momento significa- a refletir sobre sua ontológica vocação e) Educação
tivo do mesmo método que estava sendo de ser sujeito. Pensavam em criticizar o
desenvolvido numa região do Chile. homem através do debate de situações Analisada a situação existencial
Paulo Freire mostra que na déca- desafiadoras, postas diante dos gru- em que é representada, em fotografia, o
da de 1960, no Brasil, o número de pos – estas situações teriam de ser exis- aspecto de uma favela em que se debate
crianças em idade escolar, sem escola, tenciais para eles. o problema da habitação, da alimenta-
aproximava-se de 4.000.000, e o de Nas discussões sobre o conceito de ção, do vestuário, da saúde, da educa-
analfabetos, a partir da faixa etária de cultura, o alfabetizando, afirma Paulo ção na favela e, mais ainda, em que se
14 anos, 16.000.000. Freire, descobria que tanto ele como o descobre a favela como situação proble-
O autor narra que há mais de 15 letrado têm um ímpeto de criação e re- mática, passa-se à visualização da pala-
anos a equipe em que participava vinha criação, que cultura é a poesia dos poe- vra apresentada com a sua vinculação

184 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14


Resenhas

semântica. vestigação psicossociológica. Numa das Círculos de Cultura em todo país. Cabe
Em seguida: um slide apenas com experiências, realizada em um acrescentar que a equipe coordenada
a palavra FAVELA. conventillo (cortiço) de Santiago, uma por Paulo Freire já esboçava, naquele
Logo depois: outro, com a palavra mulher disse: “Gosto de discutir sobre momento, propostas que tentavam con-
separada em sílabas: FA – VE – LA. isto”, referindo-se a uma situação exis- templar as etapas posteriores à alfabeti-
Após: a família fonêmica: FA – FE tencial apresentada, “porque vivo as- zação, dentro do mesmo espírito de uma
– FI – FO – FU. sim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Pedagogia da Comunicação, tendo tam-
Segue-se: VA – VE – VI – VO – VU. Agora, sim, observo como vivo”. bém como perspectiva inserir tais pro-
Em outro slide: LA – LE – LI – postas à educação escolar. Esse esclare-
LO – LU. Comentário crítico cimento é importante porque demonstra
Agora, as três famílias: que a proposta de Paulo Freire pode ser
FA – FE – FI – FO – FU O ensaio: “Educação como Prática pensada para além da alfabetização e do
VA – VE – VI – VO – VU da Liberdade” reflete as idéias de Paulo ensino não-formal.
Ficha da Descoberta1 Freire, num determinado período da Os militares impediram a
LA – LE – LI – LO – LU história do Brasil, conforme explícito concretização do que ficou conhecido
O grupo de alfabetizandos começa na apresentação da resenha. Com isso, como Método de Alfabetização de Adul-
a criar palavras com as combinações à não estou querendo dizer que a contri- tos e imprimiram uma pedagogia
sua disposição. Percebe-se que “a alfa- buição do autor limita-se àquela época. tecnicista que respondia às necessidades
betização e a conscientização jamais se Ao contrário, a leitura do ensaio nos re- do processo da internacionalização da
separam”, conforme enfatiza Weffort, mete à seguinte questão: A proposta pe- economia brasileira na década de 1960.
na introdução do Ensaio. dagógica para alfabetização de adultos No entanto, as lutas pela
Paulo Freire afirma ter testemu- apresentada por Paulo Freire é conce- redemocratização do país no final da dé-
nhado, no processo de alfabetização de bível no quadro atual educacional bra- cada de 1970 trouxeram à tona no campo
adultos, vários alfabetizandos que, após sileiro? educacional, as propostas pedagógicas
a apropriação do mecanismo fonêmico, Para responder à questão acima é de Paulo Freire, sendo estas adaptadas
com a “ficha da descoberta”, escreviam necessário esboçar alguns aspectos da de acordo com experiências no âmbito
palavras com fonemas complexos que educação brasileira na presente década. de movimentos sociais e administrações
ainda não lhe haviam apresentado, che- Várias pesquisas mostram que estaduais e municipais de caráter demo-
gando a elaborar frases que passavam a houve uma redução do índice de analfa- crático-popular durante os anos 80.
ser debatidas pelo grupo, discutindo-se betos no Brasil, principalmente nas re- Em que pese o esforço para a im-
a sua significação em face da realidade giões Sudeste e Sul, porém não é possí- plementação de uma pedagogia
brasileira. vel afirmar ainda que esse problema libertadora, bem como propostas de ou-
O autor acrescenta que isso se veri- está equacionado. tros educadores e pesquisadores, bus-
ficou em todas as experiências que pas- Paralelamente ao problema do cando construir uma pedagogia que
saram a ser feitas no país, e que se iam analfabetismo, verifica-se que o perfil corresponda aos interesses da classe tra-
estender e aprofundar através do Progra- descompromissado da educação escolar balhadora, verifica-se, nos anos 90, a
ma Nacional de Alfabetização do Minis- com as classes trabalhadoras, questio- implementação de um projeto pedagógi-
tério de Educação e Cultura que coorde- nado por Paulo Freire, na década de co que talvez possa ser denominado de
nava, extinto depois do Golpe Militar. 1960, pode ser percebido nos anos 90. pedagogia neotecnicista.
No período do exílio, Paulo Freire Pois, se por um lado, o acesso à escola As recentes reformas no ensino
esteve no Chile durante cinco anos, pública pelas classes populares foi am- médio parecem expressar as necessida-
tempo suficiente para auxiliar uma pliado, por outro lado, a permanência des do atual estágio de acumulação do
equipe interdisciplinar do Departamen- dos educandos no interior da escola é capital. A economia capitalista encon-
to de Investigações da Divisão de Estu- questionável, fazendo com que a Acade- tra-se numa crise de sobreprodução de
dos da Consejería de Promoción Popu- mia brasileira desenvolva pesquisas que mercadorias, atualmente em proporções
lar do Supremo Governo, de que faziam tentam responder ao tema em questão. maiores do que em outros momentos,
parte psiquiatras, antropólogos, psicólo- Retomando o 4o capítulo do en- devido ao desenvolvimento tecnológico
gos, urbanistas, economistas e sociólo- saio, a resenha destaca que se não fosse necessário ao capital para superação
gos, que iniciavam as primeiras expe- o Golpe Militar, o programa elaborado temporária das crises. Nesse contexto, a
riências, com resultados animadores, no Governo Goulart deveria ter, em economia capitalista apresenta uma di-
com o Método como instrumento de in- 1964, feito funcionar mais de 20 mil nâmica de redução e eliminação de pos-

Revista Brasileira de Educação 185


Resenhas

tos de trabalho, aumentando cada vez forma mecânica. Pois existem propostas Edvaneide Barbosa da Silva
mais o capital constante e diminuindo e experiências sendo gestadas e que são Pós-graduanda da Universidade Esta-
visivelmente o capital variável, para opostas à dinâmica do capitalismo con- dual de Campinas, Faculdade de Educa-
conseguir a extração da mais-valia rela- temporâneo esboçada acima. Isso indica ção. Bolsista do CNPq/CAPES.
tiva. Uma pedagogia “neotecnicista” que apenas uma proposta pedagógica
parece corresponder, portanto, no cam- não pode dar conta de superar os desafi- Notas
po educacional brasileiro, aos interesses os atuais. 1
A ficha que apresenta as famílias
dos capitalistas. Por isso, a reforma do Nesse sentido, faz-se necessário em conjunto foi chamada pela professora
ensino médio está sendo justificada com dar continuidade às elaborações das Aurenice Cardoso de “ficha da descober-
o discurso da flexibilização do trabalho propostas que estão em processo de ta”. É que, através dela, fazendo a síntese,
produtivo (trabalho produtor de mais- construção, resgatando a contribuição o homem descobre o mecanismo de for-
valia) num cenário de acirramento das do “Método” de alfabetização de adul- mação vocabular numa língua silábica,
contradições do capital. tos apresentado por Paulo Freire no en- como a portuguesa, que se faz por meio
É importante ressaltar que a dinâ- saio: “Educação como Prática de Li- de combinações fonêmicas. Apropriando-
mica imposta pelo capital não se dá de berdade”. se criticamente e não memorizadamente
(Freire, 1999, p. 124).

186 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14

Você também pode gostar