BALCONI, Deleuze, Política e Estado (2018)
BALCONI, Deleuze, Política e Estado (2018)
BALCONI, Deleuze, Política e Estado (2018)
com a finalidade de criar um sistema que parte da ontologia do ser para a crítica
da sociabilidade presente. Deste modo, aos poucos, Deleuze vai talhando um
longo e complexo trabalho crítico de encontros filosóficos e conceituais que
formam um método próprio e singular. David Hume, por exemplo, fornece
uma teoria crítica da constituição do sujeito através da reflexão sobre o modo
com que os princípios gerais da razão são afetados por paixões no interior
da imaginação. Em Bergson, Deleuze encontra a derradeira ontologia do ser
enquanto ser, dando forma de sujeito à multiplicidade pura. Nietzche ofereceu
operações filosóficas que estabelecem a crítica necessária para a compreensão
do processo de formação das individualidades que ultrapassam a dialética do
pensamento moderno, entre diversas outras aventuras conceituais que serão
melhores detalhadas.
Nesta esteira, por questões meramente didáticas e limitadas a este
ensaio5, pode-se resumir a teoria crítica deleuziana em duas fases distintas. A
primeira fase deleuziana, focada na análise e no estudo da história da filosofia,
o pensador irá estabelecer diversas conexões filosóficas para criar um sistema
de pensamento capaz de reconstruir as condições de pensar as categorias
estruturais da sociabilidade contemporânea. Esta fase começa, grosso modo,
com o lançamento de seu primeiro livro em 1953, Empirismo e Subjetividade,
trata-se de sua dissertação de mestrado sobre David Hume, orientada por
Jean Hyppolite. Após oito anos sem nenhuma publicação, Deleuze lança uma
série de monografias sobre diversos pensadores como Nietzsche, Espinoza,
Kant, entre outros, bem como apresenta ensaios com reflexões a respeito
de questões filosóficas desenvolvidas por escritores literários como Proust,
Kafka e Sacher-Masoch. Por fim, a fase termina com o lançamento dos livros,
em especial os projetos de Diferença e Repetição (1968) e Lógica do Sentido (1969),
que irão concretizar o projeto filosófico daquilo que estava em formação em
suas monografias. Esta primeira fase tem, como finalidade, a crítica da razão
e a desconstrução das categorias lógicas do pensar sustentadas pela filosofia
da razão moderna (identidade, unidade, repetição)6. Deleuze irá criticar,
especialmente, a representação da (na) dialética hegeliana.
tribo. Os que fazem esta confusão provavelmente não tem um trabalho de problematização do
contemporâneo, e por uma questão de sobrevivência tentam desqualificar aqueles que o tem,
colocando-os todos num mesmo saco para em seguida atirá-lo numa vala comum”. Também,
“muitos lêem a obra de Deleuze como uma rejeição do pensamento filosófico ocidental e,
portanto, como a proposição de um discurso pós-filosófico ou pós-moderno" (HARDT, 1996,
p. 20). Ver, também, MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2009.
5. Deixo, por questões específicas, a “última fase” Deleuziana que é centrada no Cinema e na
Imagem de Pensamento. Ademais, reitero que tal divisão é de mero caráter explicativo, não há,
de fato, uma ruptura na obra do autor.
6. O problema deleuziano é justamente demonstrar de que maneira a diferença e a repetição podem
legitimamente contestar a legitimidade de todo fundamento. Ver LAJOUJADE. David. Deleuze:
374 FILOSOFIA DO DIREITO
15. “É que a lei, digamos uma vez mais, antes de ser uma fingida garantia contra o despotismo, é a
invenção do próprio déspota: ela é a forma jurídica tomada pela dívida infinita. Até junto aos
últimos imperadores romanos, ver-se-á o jurista no cortejo do déspota, e ver-se-á a forma jurídica
acompanhar a formação imperial, o legislador com o monstro, Gaio e Cômodo, Papiniano
e Caracala, Ulpiano e Heliogábalo, ‘o delírio dos doze Césares e a idade de ouro do direito
romano’”. (DELEUZE e GUATTARI, 2010, p. 281).
16. Ver MASCARO, Alysson. Crítica da legalidade e do direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin,
2010. Também, sob outra perspectiva, VIANA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e
das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
17. Ora, “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica.
O elemento mais simples e indivisível, que não pode mais ser descomposto”. (PACHUKANIS,
2017. p 117).
Teoria crítica de Gilles Deleuze: Direito e Estado pela perspectiva pós-estruturalista 377
18. Deleuze e Guattari, aqui, dialogam com a Teoria da Regulação. Para ver este debate ler ARNOLDI,
Jakob. Derivatives: Virtual Values and Real Risks Theory. Culture & Society, December 2004, p.
23-42.
378 FILOSOFIA DO DIREITO
Capital e que entram como partes componentes nos agenciamentos de produção, de circulação
e de consumo. Os axiomas são enunciados primeiros, que não derivam de um outro ou não
dependem de um outro. Nesse sentido, um fluxo pode constituir o objeto de um ou vários
axiomas (sendo que o conjunto dos axiomas constitui a conjugação dos fluxos); mas pode também
não haver axiomas próprios, e seu tratamento ser apenas a consequência dos outros axiomas; ele
pode, enfim, permanecer fora do campo, evoluir sem limites, ser deixado no estado de variação
“selvagem” no sistema. Há no capitalismo uma tendência de adicionar perpetuamente axiomas”.
(DELEUZE e GUATTARI, 2012, p. 143).
20. “A capacidade da axiomática capitalista de estabelecer relações e conexões entre fluxos
decodificados que são incomensuráveis e não relacionados, e de subordinar esses fluxos a uma
isomorfia geral (ou seja, todos os sujeitos devem produzir para o mercado) leva Deleuze e
Guattari a postular um ressurgimento - para além da cidadania soberania e legitimação - de uma
escravidão maquínica que, não mais se referindo a um imperador ou a uma figura transcendente,
torna-se ainda mais cruel por sua impessoalidade. Na medida em que seu modo de operação
pode ignorar inteiramente a crença subjetiva ou a codificação do comportamento humano, tal
axiomática nos move de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle, onde o poder
age diretamente sobre uma (eternal) ‘dividida’ decodificada.” (PARR, Adrian. Op. Cit.. p. 22-23).
380 FILOSOFIA DO DIREITO
21. Conforme Derrida: “Leis não escritas – sejam as primeiras representadas pela lei da castração,
isto é, a lei do interdito do incesto e do parricídio, que nos obriga à dívida com a linguagem
que nos fez humanos, sejam as leis divinas das quais fala Antígona –, e da sua tensão com
as leis particulares do direito, sempre insuficientes e, por isso mesmo, transformáveis (porque
desconstruíveis, reinterpretáveis). Lacan no Seminário da Ética – é a tragédia da justiça como
experiência impossível, uma vez que na experiência da aporia encarnada por Antígona e
Creonte, através do embate entre as Leis não escritas defendidas por Antígona e as leis da cidade
sustentadas por Creonte, inaugurando o direito da polis grega, pratica-se o indecidível entre
duas posições. Neste indecidível mora apenas o apelo infinito por justiça”. (DUNLEY, 2011, pp.
7-15).
382 FILOSOFIA DO DIREITO
22. Guillaume Sibertin-Blanc (2012, p. 10-11), expõe que as obras de Deleuze, e de outros pensadores
da época devem ser lidas como sinais de um período político-econômico em transição, que
analisam a complexidade da forma-capital. O pressuposto do capital como “axiomático
global” deleuzo-guattariano de 1972, registra a sequência da crise “keynesiano-fordista”, dando
ao programa uma nova crítica sistêmica do poder capitalista em todo o mundo, ao contrário
do pensamento político-econômico que imperava até então sobre o período fordista e suas
contradições que, de maneira geral, idealizava o crescimento autocentrado de países ocidentais,
inocentando as crises sistêmicas e os conflitos de classes.
23. “O significante, terrível arcaísmo do déspota em que ainda se procura o túmulo vazio, o pai
morto e o mistério do nome. E talvez seja isto que anima hoje a cólera de certos linguistas contra
Lacan, assim como o entusiasmo dos adeptos: a força e a serenidade com que Lacan reconduz
o significante à sua origem, à sua verdadeira origem, a idade despótica, e monta uma máquina
infernal que solda o desejo à lei, porque refletindo bem, pensa ele, é certamente sob esta forma
que o significante convém ao inconsciente e aí produz efeitos de significado” (DELEUZE e
GUATTARI, Op Cit., p. 276).
Teoria crítica de Gilles Deleuze: Direito e Estado pela perspectiva pós-estruturalista 383
CONCLUSÃO
24. Ver BRAIDOTTI, Rose; COLEBROOK, Claire; HANAFIN, Patrick. Deleuze and law: forensic
futures. Londres: Ed. Palgrave Macmillan, 2009.
384 FILOSOFIA DO DIREITO
26. Para saber mais sobre as transformações ver Crise e Golpe de Mascaro. Ver NOHARA, Irene
Patrícia. Regulação da atividade econômica na dissolução das fronteiras entre público e privado.
Scientia Iuris, Londrina, v 19, n 1, p. 29-46, jun. 2015. E, também, STREECK, Wolfgang. As
crises do capitalismo democrático. Novos Estudos, [s.1], n 92, p. 35-56, mar. 2012.
386 FILOSOFIA DO DIREITO
REFERÊNCIAS
PELBART, Peter P. A utopia imanente. São Paulo: Revista Cult, n. 108. nov.
2006.
ROUDINESCO, Elisabeth. Filósofos na tormenta: Canguilhem, Sartre,
Foucault, Althusser, Deleuze e. Derrida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
SAFATLE, Vladimir. Deleuze e Guattari: Gênese e estrutura do projeto
“capitalismo e esquizofrenia”. Curso Teoria das Ciências Humanas III. São
Paulo: Faculdade De Filosofia, Letras e Ciências Humanas. 2º Sem. de 2015.
Notas do curso.
________. Curso de introdução à experiência intelectual de Gilles Deleuze.
São Paulo: Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, 2012.
Notas do curso.
Sibertin-Blanc, Guillaume. Deleuze et l´Anti-Edipe: La production du désir.
Paris: PUF, 2010.
________. Politique et état chez Deleuze et Guattari. Paris: Presses
Universitaires de France, 2012.
STREECK, Wolfgang. As crises do capitalismo democrático. Novos Estudos,
[s.1], n 92, p. 35-56, mar. 2012.
VIANA, Luiz Werneck et al. A judicialização da política e das relações sociais
no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Trad. André Telles.
Rio de Janeiro: Ebook, 2004.
CAPÍTULO 30
Conflituosidade social e
Filosofia do Direito no Brasil:
a teoria de Miguel Reale,
Tercio Sampaio Ferraz Jr. e
Alysson Leandro Mascaro
sobre Estado e Direito
INTRODUÇÃO