v14 Artigo11 Misoginia
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PSICANALÍTICA
Resumo: A misoginia é o prejuízo mais antigo do mundo e apresenta-se como um ódio ou aversão às
mulheres, podendo manifestar-se de várias maneiras, incluindo a discriminação sexual, denegrição,
violência e objetificação sexual das mulheres. Entre os diversos tipos de violências relacionadas
diretamente ou indiretamente com o gênero feminino estão as agressões físicas, psicológicas, sexuais,
multilações, perseguições; culminando em alguns casos no feminicídio. À medida que as sociedades
foram evoluindo, as formas discriminatórias contra a mulher se tornaram mais refinadas e nem por
isso menos inadmissíveis do que na época da pedra lascada. O repúdio às mulheres, às vezes com seus
contornos diferenciados, mais ou menos ocultos ou disfarçados, persistem em situações de opressão de
gênero, oriundas de um passado já bem remoto. Torna-se necessário, portanto, compreender a
historicidade desta disparidade, de forma a entender que a misoginia é em sua essência uma invenção,
e não um fato histórico. Considerando este contexto o presente trabalho pretende através de
levantamento bibliográfico estudar o contexto da misoginia em seus aspectos históricos e subjetivos
estabelecendo uma interlocução entre a construção histórica do feminino e a produção da
subjetividade da mulher.
Abstract: Misogyny is the oldest injury in the world and presents itself as a hatred or aversion to
women, and can manifest itself in various ways, including sexual discrimination, denigration, violence
and sexual objectification of women. Among the various types of violence directly or indirectly
related to the female gender are physical, psychological, sexual, multi-purpose, persecution;
culminating in some cases in feminicide. As societies evolved, the discriminatory forms against
women became more refined and therefore less inadmissible than at the time of the chipped stone. The
repudiation of women, sometimes with their differentiated contours, more or less hidden or disguised,
persist in situations of gender oppression, originating from a past that was already very remote. It is
therefore necessary to understand the historicity of this disparity in order to understand that misogyny
is in essence an invention, not a historical fact. Considering this context the present work intends
through a bibliographical survey to study the context of the misogyny in its historical and subjective
aspects establishing an interlocution between the historical construction of the feminine and the
production of the subjectivity of the woman
Keywords: Gender violence. Violence against women. Woman and society. Producing the subjectivity
of women.
1
Aluna do 10o. semestre do curso de Psicologia da FAC-FEA, Nutricionista. E-mail: geisamaria@hotmail.com
2
Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Especialista em Psicologia da Saúde pelas
Faculdades Adamantineses Integradas (FAI). Psicólogo clínico de orientação psicanalítica, professor substituto
de Psicanálise e Psicologia geral na Faculdade da Fundação Educacional de Araçatuba (FAC-FEA). .
E-mail: fmiocarvalho@hotmail.com
A misoginia é um prejuizo que sobrevive ao tempo muito antes de ter nome. “Quando
se inventou a roda, a misoginia já estava dando quatro piruetas no ar”, declara a jornalista
argentina Marisa Avigliano (2010). A palavra apareceu pela primeira vez no Oxford English
Dictionary em 1656 e era definida como ódio e o desprezo para com as mulheres. A autora,
Avigliano (2010), lembra o fato de que a palavra Misoginia já havia aparecido em 1630 na
publicação “Swetman arraigned” em resposta a um texto escrito por Swetman no qual ele
atacava e depreciava as mulheres. A literatura mostra que a misoginia, o prejuízo mais antigo
do mundo, nunca saiu de moda, pois, conforme nos ensina Alambert (1986, apud BICALHO,
2001), as formas discriminatórias contra a mulher também se transformaram, à medida que as
sociedades humanas evoluíram, tornaram-se mais refinadas, sofisticadas, mas nem por isso
menos inadmissíveis do que na época da pedra lascada.
Alguns dicionários trazem as seguintes definições para o termo: ódio ou aversão às
mulheres, aversão ao contato sexual com as mulheres (Houaiss et al, 2004, p.1934); [...]
crença de que os homens são muito melhores que as mulheres (Cambridge Dictionary
Online, 2015); ódio ou aversão a mulheres ou meninas e que pode se manifestar de várias
maneiras, incluindo a discriminação sexual, denegrição as mulheres, violência e objetificação
sexual das mulheres. Cabe apontar que, etimologicamente, a palavra "misoginia" surgiu a
partir do grego misogynia, ou seja, a união das partículas “miseó”, que significa "ódio", e
gyné, que se traduz para “mulher”. (CUNHA, 2007, p. 386, 524).
Dominação e violência
“É a lei da natureza que a mulher deva ser mantida sob o domínio do homem [...] tal é
a imbecilidade da mulher que é seu dever, em todos os aspectos, desconfiar de si própria e
obedecer ao marido”. (Confúcio, cerca de 500 a.C)
“A fêmea é fêmea em virtude de uma certa falta de qualidades [...] Pois a fêmea é, por
assim dizer, um macho mutilado e o catamênio (fluido menstrual) é sêmen, só que não puro;
pois apenas uma coisa ela não contém, que é o princípio da alma [...]. (Aristóteles, Século IV
a.C).
“[…] Dai-me qualquer doença que não seja um mal de coração, e qualquer mal que
não seja uma mulher. […]. (Apócrifo Eclesiátisco 25:13-26 , cerca de 200 a.C)
As colocações realizadas até o presente momento abrem espaço para a concepção que
será trabalhada durante este artigo, de que a misoginia é uma construção cultural que tem se
arrastando ao longo dos séculos através de diversos veículos: primeiramente através da
cultura grega e por religiões que foram influenciadas, posteriormente foi perpetuada no bojo
da contradição presente na Revolução Francesa. Especialmente em virtude da influência grega
que reverberou sobre o cristianismo, destaca-se que a mulher foi forçada ao longo dos séculos
a adotar uma postura de resignação – como se fosse de fato culpada da desgraça humana.
O surgimento da Misoginia
Pagels et al (1992 apud BICALHO, 2001) comenta sobre a discussão acerca das
Pode-se afirmar que violência que a mulher sofre no seu dia a dia, está incorporada e
enraizada no imaginário social coletivo da sociedade ocidental, dos homens e também das
mulheres, que legitimam a subordinação do sujeito feminino ao domínio do poder masculino.
Indo um pouco mais adiante é cabível apresentar que as repetições destas ideias e padrões
dentro de uma sociedade colaboram não somente para a formulação de um material para um
suposto Id, mas também passam a ser modelo para o ideal de ego para outros homens, outras
pessoas, perpetuando o processo, conforme afirma Freud (2006a)
O conceito de ideal de ego surge na obra de Freud (2006b, p. 101) em seu artigo sobre
Narcisismo onde ele o define como: “o que ele [o homem] projeta diante de si como ideal é o
substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal”. O ideal
de ego segundo Freud (2006a) é a estrutura mental que funciona como referência para o ego
avaliar suas realizações, uma instância crítica e de auto-observação, que surge a partir da
introjeção das imagos parentais. Considerando a perspectiva de autoavaliação, Freud (2006a)
propõe que o sujeito pode ser facilmente acometido de um sentimento de vergonha e de
fracasso quando não consegue corresponder às expectativas dos outros, que passam a ser
também suas.
Ao difundir-se um ideal de ego contaminado, neste caso com uma visão
menosprezante da mulher, dissemina-se tão fortemente a crença de que os indivíduos,
incluindo a própria mulher, identificam-se naturalmente com as influências recebidas, o que
corrabora as colocações de Silva (2010, p. 561), “[…] as próprias mulheres participaram
Conclusão
Através dos levantamentos feitos neste artigo, observou-se que uma compreensão
histórica demostra que certos comportamentos femininos expressos na passividade frente aos
diversos tipos de violência podem ser compreendidos através de uma série de construções
culturais e, portanto, não é algo presente numa pretensa natureza feminina. Assim, verificou-
se a existência de traços misóginos em diversas culturas e religiões que até hoje são influentes
na organização das sociedades, o que pode ser entendido não só como preciptador da
violência contra a mulher, mas, inclusive como modelador das práticas discrimatórias
supracitadas.
Os temas trabalhados neste artigo demonstram que a violência que a mulher sofre no
seu cotidiano, está incorporada e enraizada nos ideais de ego e, por isso, essas práticas são
aceitas e tidas como corretas ou adequadas. Em decorrência da naturalização, debatida como
consequência do ideal de ego, observa-se não apenas a dificuldade das mulheres de se
retirarem de tal situação de violência, mas até comprazimento em virtude do aparecimento do
sentimento de culpa, sendo consequentemente forçada a se resignar e manter uma atitude
Referências
AVIGLIANO, M. Página 12. Las Cartas Marcadas. Outubro 2010. Disponível em: <
https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-6058-2010-10-22.html>. Acesso
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