Revista Proa, N°02, Vol.01, 2010
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Abstract: This article provides an overview of the “state of the art” on the issue of
legal protection of traditional indigenous patrimony in Brazil. It analyzes (from the
legal and anthropological perspectives) sources that evidence political situations in
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Introdução
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traz também à tona conceitos que servem não só para relativizar o modelo
hegemônico de propriedade e propriedade intelectual, mas muitas vezes também para
opor-se a ele. É o caso, por exemplo, do conceito de patrimônio face ao de
propriedade, do conceito de território face ao de terra ou de consentimento (anuência)
face ao de acesso.
Em que medida essa construção teórica e política, formulada e apropriada pela
comunidade indígena internacional, ecoou no cenário político brasileiro? Ela parece
estar progressivamente penetrando, tanto no meio indígena e indigenista, enquanto
estratégia de reivindicação de direitos e de luta, quanto no próprio arcabouço jurídico
específico do país. Para compreender melhor esta dinâmica analisaremos ainda alguns
casos concretos onde serão identificadas pistas que permitam traçar um panorama do
“estado da arte” na questão da proteção legal de patrimônio tradicional indígena no
Brasil. Trata-se de processos administrativos de solicitação, por terceiro interessado,
de autorização para acesso a determinado conhecimento tradicional associado ao
patrimônio genético, para fins de pesquisa científica apresentado ao órgão específico
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
(CGEN).
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moderno. Para que a convivência seja regulada pelos meios do Direito positivo,
é preciso que os sujeitos de direito sejam compreendidos, ao mesmo tempo,
como destinatários e autores da ordem jurídica. A legitimidade do direito apóia-
se, em última instância, num arranjo comunicativo: enquanto participantes de
discursos racionais, os parceiros do direito devem poder examinar se uma
norma controvertida encontra ou poderia encontrar o assentimento de todos os
possíveis atingidos (MOREIRA, 2004, p. 164, grifos nossos).
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detectem princípios ativos úteis para as empresas e que poderão posteriormente ser
facilmente isolados. O isolamento desses princípios ativos dá origem às patentes para
futuros produtos que serão comercializados pela indústria farmacológica, cosmética, de
produtos naturais ou Bio, dentre outras. Segundo o Instituto Sócio Ambiental (ISA), os
exemplos recentes de apropriação de recursos genéticos associados aos
conhecimentos tradicionais são múltiplos4.
Isso traz à tona uma problemática central na questão da proteção dos
conhecimentos tradicionais. Será que os produtos sintéticos “inspirados” por
conhecimentos tradicionais são efetivamente representativos de maior atividade
inventiva, novidade e aplicabilidade industrial do que a manipulação (imemorial) das
substâncias in-natura? Ou estaríamos diante de uma simples questão de alcance das
interpretações e das fórmulas legais?
A indagação posta não subentende pura e simplesmente que patentes deveriam
ser atribuídas indiscriminadamente aos indígenas pela manipulação de seu patrimônio
biológico. Em primeiro lugar, essa não parece ser uma reivindicação recorrente dos
povos indígenas. Em segundo lugar, muitas vezes os pressupostos para a autorização
de patentes realmente não se verificam no caso de certas contribuições (técnicas,
agrícolas, medicinais, etc.) dos povos indígenas.
A indagação sugere, antes, que os limites que definem o que é atividade
inventiva, novidade e aplicabilidade industrial são certamente mais nebulosos e de
interpretação mais ambígua quando se trata de interesses econômicos poderosos.
Detentores de conhecimentos tradicionais, como por exemplo certos pajés e
rezadeiras Guarani M’bia (do sudeste brasileiro), que conhecem plantas consideradas
eficazes para evitar gravidez (cuja receita não revelam), afirmam que a proibição de se
patentear uma manipulação in-natura – seja por sua ancestralidade (que no sistema
jurídico ocidental é tratado como um caso no qual não existiria novidade), seja em
razão da coletividade do conhecimento (autor não individualizável), seja ainda pelo
fato de se considerar a eventualidade de tal registro como apropriação do vivo –
representa um contra-senso5, já que as mesmas substâncias são patenteáveis por
terceiros que venham a isolar o seu principio ativo, transformando-o em polimorfo
(forma cristalina). Vale lembrar que a lei brasileira 9.279 de 1996 (art. 10°, inc. IX)
determina que “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos
encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou
germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais” não são
invenções e, portanto, não podem ser patenteados.
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idéia de que direitos decorrentes desses conhecimentos possam ser apropriados por
entidades, agentes, indivíduos fora do grupo indígena e nos mesmos moldes que no
direito Ocidental - provoca uma grande contradição, não só em relação às cosmovisões
indígenas, mas também em relação ao sistema de direito às terras tradicionalmente
ocupadas. Esse direito, consagrado desde a Constituição de 1988, sempre foi
reconhecido e garantido (ao menos formalmente) aos povos indígenas no Brasil9,
segundo um modo sui generis de ocupação. No ordenamento positivo brasileiro, o
direito indígena à terra não pode ser apartado de sua organização social, de seus
costumes, línguas, crenças e tradições. Não haveria, portanto, motivos plausíveis
dentro da tradição jurídica nacional para que se legitime a construção de qualquer
instrumento legal (seja ele no âmbito da propriedade industrial, do direito autoral, da
propriedade intelectual ou dos direitos reais como um todo), para tratar dos
conhecimentos indígenas, esquivando-se do quadro legal, teórico e jurisprudencial já
consagrado em relação às terras, no qual vigoram, em regra, a inalienabilidade e a
indisponibilidade, sendo os direitos sobre elas incidentes imprescritíveis. Tudo com
base na ancestralidade e nos direitos originários que antecedem à formação do
ordenamento jurídico brasileiro e do próprio Estado. Esses são os princípios do
indigenato, instrumento através do qual o Estado brasileiro reconhece e garante a
existência de direitos anteriores ao seu estabelecimento neste território.
Não queremos dizer que normas pontuais não devam ser pensadas para gerir a
questão dos direitos intelectuais e artísticos indígenas. No entanto, qualquer
formulação normativa deveria levar em conta a situação e o entendimento especial dos
povos sobre os quais incide, a exemplo do que tem sido feito no tocante à terra.10
A “propriedade” das patentes, os direitos de autor e das marcas são direitos
absolutos, exclusivos e de caráter patrimonial. Onde encontrar normas relativas a tais
figuras jurídicas, senão nos dispositivos relativos aos direitos reais11? Mais
concretamente, onde encontrar normas aptas a proteger o patrimônio cultural dos
povos indígenas, senão dentro dos próprios dispositivos do direito à propriedade?
As indústrias e os cientistas, de modo geral, querem conhecer as condições
legais básicas para poderem tirar seus benefícios (isto inclui experiências e resultados
cientificamente aceitos), e, por isso, tendem a procurar acelerar e determinar (ou
influenciar) os rumos de implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) nas esferas legislativas locais. No caso brasileiro, esse “empuxo” se verifica
dentro das esferas administrativas, burocráticas e procedimentais12 da Medida
Provisória (MP) 2186-16/200113, e no lobby feito para influenciar futuras leis que
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Essa repartição pode ser feita sob a forma de divisão de lucros, pagamento de
royalties, acesso e transferência de tecnologia, licenciamento, capacitação de recursos
humanos, entre outros, conforme o elencado no rol não taxativo expresso no artigo 25
da referida lei. No entanto, analisando a situação atual de forma realista, verificamos
que, até o presente momento, ficam mais evidentes estipulações que tratam de
contrapartidas de natureza diversa do que de contrapartidas especificamente
econômicas. Isto se deve essencialmente ao fato de que, em decorrência da relativa
novidade da atual legislação, a maior parte dos solicitantes são instituições de
pesquisa científica. Ou seja, não são empresas propriamente ditas. Nesse caso, a
repartição de benefícios – ou contrapartidas, se preferirmos – estipuladas nos
contratos podem tratar de elaboração conjunta de planos de manejo das áreas
ocupadas pelas populações, por exemplo. Tais benefícios devem contudo prever a
coordenação de resultados de curto, médio e longo prazo. Devem, ainda, estar
presentes em tais contratos os critérios de “justiça” e “equidade”, conforme os próprios
termos das resoluções internas do CGEN, sem os quais o referido contrato não poderá
ser submetido ao registro do Conselho. Quanto à competência para assinar o contrato
em nome da comunidade, os critérios são semelhantes aos estabelecidos para a
obtenção do TAP. Ouvindo sempre, no entanto, o órgão indigenista responsável
(FUNAI). A coerência entre TAP e contrato se justificaria essencialmente pelo fato de
que, não raro, inexiste pessoa jurídica constituída com o objetivo específico de
representar os interesses da comunidade. Deve-se sempre atentar para o respeito às
formas locais de representação social e política. Observa-se ainda que, de acordo com
as especificidades da relação jurídica entre pesquisador (contratante) e comunidade
(contratado), pode haver formação de contrato antes mesmo de que haja exploração
econômica pontual.
Um bom exemplo deste caso é o Contrato de utilização do patrimônio genético
e conhecimento tradicional associado e repartição de benefícios, firmado entre a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a Associação das Comunidades
Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná (ARQMO)23, que consta no
processo de solicitação depositado junto à secretaria do CGEN, de nº
02000.002597/2006-56. Segundo este contrato, a repartição de benefícios deverá ser
negociada em termo aditivo, que acrescerá o rol das clausulas pré-estabelecidas nesta
espécie de “pré-contrato”. Algumas das cláusulas já existentes pretendem manter o
registro de todas as coletas, e responsabilizar todo e qualquer dano causado às áreas
da comunidade.
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- Você acha que esta pesquisa está ocorrendo nesta área, apesar de
você tê-la arquivado?
O técnico entrevistado respondeu:
- Acho muito provável que esteja.
- E o que se pode fazer?
- Não cabe ao CGEN, cabe ao IBAMA e à FUNAI.
Ora, dentre os membros que compõem o CGEN, estão tanto a FUNAI quanto o
IBAMA. Isto não significaria claramente uma falta de coordenação entre os referidos
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Conclusão
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Referências bibliográficas
Convenção da Biodiversidade
DAES, E.-I. Protection of the Heritage of Indigenous People. United Nations. IN:
Documento ONU: E/CN.4/Sub.2/1997/14: New York and Geneva, 1997.
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LIMA, André. & BENSUSAN, Nurit (org.) Quem cala consente? Subsídios para a
proteção dos conhecimentos tradicionais. São Paulo: Documentos ISA 8, 2003.
LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e
os fins verdadeiros do governo civil - e outros escritos. Coleção: Clássicos do
Pensamento Político. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
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1991, pg. 36 – 39. Disponível [on-line] em:
http://www.culturalsurvival.org/ourpublications/csq/article/singing-other-peoples-
songs-indigenous-songs-are-often-considered-public (última consulta: 05/03/2010)
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Notas
1
Optamos pela nomenclatura jurídica para referir-nos a qualquer componente
do patrimônio dos povos e populações tradicionais, apesar das singularidades
valorativas muitas vezes destoantes entre as diferentes sociedades interpostas.
2
Poderíamos convencionar patrimônio transgeneracional como sendo aquele
patrimônio vivo e dinâmico, herdado de uma ascendência ancestral e pertencente a
toda sociedade em questão, assim como às suas futuras gerações.
3
“Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e
deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso
o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a
natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito
comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do
trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe
acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e
qualidade.” (LOCKE, 1994, p. 98.)
4
Um caso notório foi apresentado quando da campanha «Limites éticos para o
registro de Marcas e Patentes sobre recursos biológicos e conhecimentos tradicionais
da Amazônia» (http://www.amazonlink.org/biopirataria/biopirataria_casos.htm),
relativo à secreção cutânea do sapo verde (Phyllomedusa bicolor). A secreção é
utilizada por populações indígenas da Amazônia peruana e brasileira para espantar os
maus espíritos na hora da caça. Ela foi objeto de inúmeras pesquisas desde os anos 80
por laboratórios internacionais. As pesquisas revelaram que a secreção continha um
grande número de substâncias até então desconhecidas da ciência ocidental, notáveis
por suas propriedades analgésicas, antibióticas e imunológicas. Os princípios ativos
isolados foram desmembrados em dez diferentes patentes internacionais, quatro
dentre elas norte americanas.
5
Essa informação foi obtida em agosto de 2006 por Carla Antunha Barbosa e
Kelma Lyds (enfermeira indigenista) em série de reuniões e oficinas realizadas sobre
direitos intelectuais e saúde indígena na aldeia da Barragem em São Paulo, onde
estavam presentes especialistas, lideranças, pajés e rezadeiras.
6
O autor é líder da etnia indígena Wapixana, em Roraima.
7
Ver o estudo de caso do convênio entre Embrapa e Funai para o acesso aos
conhecimentos tradicionais indígenas e caso Krahô, in LIMA & BENSUSAN, ob. cit,
p.140-173 .
8
Apesar dos desafios para sua aplicação, já existe um sistema constitucional e
administrativo posto em prática no Brasil para proteger os direitos dos povos indígenas
sobre seus territórios.
9
Desde o Alvará Régio de 1680 até a Constituição Federal de 1988 (art.231),
passando pela lei de 06 de junho de 1755 e pela lei 601 de 18 de setembro de 1850.
10
Vale ressaltar que, na prática, a questão da terra indígena no Brasil está longe
de ser ideal. Principalmente se levarmos em conta as regiões Sul, Sudeste e Centro-
oeste. A recente decisão do STF sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, impondo
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18
Voto vencido da desembargadora Mara Larsen Chechi, BRASIL - Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 2004. (Apud RODRIGUES JUNIOR, 2010, p. 66)
19
Os termos da lei aplicada neste caso (Lei n° 5988, de 14 de dezembro de 1973
– BRASIL) determinam que pertencem ao domínio público brasileiro “além das obras
em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais (...)
[aquelas] de autor desconhecido, transmitidas pela tradição oral.” (Caput e inciso II do
artigo 48 da Lei 5988/1973). Os motivos artísticos indígenas em questão e que
serviram de base para as obras dos litigantes estão fixadas em vasto material com
suporte permanente (livros, peças de artesanato, reproduções fotográficas, etc), que
segundo Edson Beas Rodrigues Junior (2010, p. 67) não permitiria classificá-las como
obras transmitidas exclusivamente por tradição oral. Logo, “não se poderia presumir
que as Expressões Culturais Tradicionais utilizadas pertencem ao domínio público
(...).” (Op. Cit.)
A Lei n° 9610/1998, que substitui a antiga lei de 1973, retira as expressões
culturais de populações tradicionais da lista de obras que integram o domínio publico.
Seu artigo 45, II dispõe que pertencem ao domínio público as obras “de autor
desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais”.
De acordo com RODRIGUES JUNIOR (Op. Cit.) a expressão « conhecimentos étnicos e
tradicionais » foi utilizada sem a tecnicidade necessária, o que segundo o autor não
exclui a proteção almejada pelo legislador, isto é: a salvaguarda das expressões
culturais tradicionais. De fato, a natureza artística da matéria tutelada pela lei
9610/1998 demonstra que a expressão “desajustada” (“conhecimentos étnicos e
tradicionais”), mais apropriada para designar matéria de propriedade industrial e não
de direito de autor, refere-se na verdade às expressões culturais (ou artísticas)
tradicionais. O principio jurídico da boa fé (Ex re sed non ex nomine) corrobora essa
interpretação.
20
“Em 29 de maio de 2000, a Bioamazônia e a empresa farmacêutica suíça
Novartis Pharma AG assinaram um acordo de cooperação visando o acesso aos
recursos genéticos da região amazônica, segundo o qual, num prazo de 3 anos, a
empresa suíça investiria 4 milhões em pesquisas destinadas a coletar, isolar e
identificar até dez mil microorganismos (bactérias e fungos) no primeiro ano, produzir
extratos dos mesmos e realizar análises para identificar substâncias de interesse. Boa
parte das atividades de pesquisa, em especial os testes sobre extratos potencialmente
promissores, seriam realizadas no exterior não havendo previsão de transferência
tecnológica para que estes estudos fossem feitos no Brasil. À Bioamazônia caberia
apenas 1% dos royalties dos produtos eventualmente derivados dos materiais e
extratos fornecidos à Novartis, valor considerado abaixo do mercado para este tipo de
negociação, dos quais boa parte seriam consumidos em atividades de extração em
benefício da própria Novartis. Além do mais, o contrato previa em sua cláusula 4.2 a
cessão perpétua de direitos à Novartis sobre patentes futuras e licenças envolvendo os
compostos obtidos ou as linhagens das quais os “Compostos Originais” foram isolados”
( cf. MOREIRA, 2003, p. 5.)
21
A antropóloga Cori Hayden, que fez trabalho de campo no México,
acompanhando cientistas nacionais e estrangeiros interessados em conhecimentos
tradicionais locais para exercícios de bioprospecção, notou o fato de a coleta de
anuências ser feita em espaços públicos (nos mercados urbanos, ou em comércios à
beira de estradas), e não no espaço da comunidade detentora dos conhecimentos
tradicionais (HAYDEN, 2003: 24).
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Os Krahô são uma etnia situada no estado do Tocantins, Brasil, de língua
timbira, família jê, com uma população em torno de dois mil habitantes.
«Em 1999 membros do Departamento de Psicobiologia da UNIFESP iniciavam
uma pesquisa sobre os conhecimentos fitoterápicos dos wajacás (pajés, xamãs) krahô,
visando testar sua viabilidade para a produção de medicamentos. O objeto se
concentrou em plantas medicinais de ação sobre o sistema nervoso central. O projeto
havia sido iniciado em janeiro de 1999, com uma bolsa de doutoramento da FAPESP.
Esta primeira fase do projeto foi finalizada com a defesa da tese de doutorado pela
pesquisadora em 12/2001.
Em termos dos resultados da pesquisa, a riqueza dos dados fornecidos pelos
pajés surpreende pelo número de receitas médicas, envolvendo espécimes vegetais do
Cerrado. Os resultados indicaram a utilização de 548 receitas, 164 espécies vegetais e
139 indicações terapêuticas. Junto às descrições detalhadas das receitas, a equipe
coletou amostras das plantas, que foram depositadas em coleção ex situ para
identificação e conservação junto ao Instituto de Botânica de São Paulo - IBSP.
Entretanto, os procedimentos adotados na pesquisa tornaram-se alvo de
controvérsia explosiva. Alvo central da controvérsia foi a forma de anuência ou
consentimento indígena adotado. Como a pesquisa foi iniciada antes da nova
legislação, promulgada em 06/2000, esta realizou procedimentos de anuência prévia
dos indígenas e de previsão de repartição de benefícios de forma intuitiva. O contato
da pesquisadora com os indígenas foi estabelecido por intermédio de antropólogo
Gilberto Azanha, membro do Centro de Trabalho Indigenista e já há vinte anos em
contato com os Krahô. Contatou-se uma liderança krahô, Hapyhi. A seguir, por meio
de um processo de consulta envolvendo reuniões com os habitantes de três aldeias,
obteve-se uma autorização dos indígenas para a pesquisa. As lideranças destas aldeias
vinculavam-se à Associação Vyty-Cati, e com esta foi firmado um Protocolo de
Intenções (22/02/2001) e um Termo de Consentimento (26/02/2001). Foram providas
nestes contratos garantias aos indígenas, de que seus conhecimentos seriam
guardados em sigilo, e as publicações omitiriam os nomes científicos das plantas
indicadas, evitando apropriação indevida.
O questionamento sobre a legalidade da anuência e da forma de retribuição
eclodiu uma controvérsia sem precedentes. Na virada do ano 2001 para 2002
desencadeou-se não somente a paralisação da continuidade da pesquisa, mas também
acusações de irregularidades nos procedimentos adotados, assumindo explosividade
pela veiculação midiática nos grandes jornais de circulação nacional.» (KLEBA, 2008,
p. 3,4).
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O Contrato em questão (ou pré-contrato) refere-se ao projeto intitulado
“Bioprospecção de espécies farmacologicamente ativas utilizadas medicinalmente por
comunidades quilombolas de Oriximiná (PA), Brasil”. O solicitante afirma ter como
objetivo a busca de substâncias bioativas de plantas medicinais a partir do
conhecimento tradicional de tais comunidades, que representam sete regiões
Quilombolas (Boa Vista, Água Fria, Trombetas, Erepecuru, Alto Trombetas, Jamari /
Último Quilombo e Moura), abrangendo trinta e duas Comunidades Remanescentes de
Quilombo com terras tituladas coletivamente ou em processo de titulação (folha 130
do processo). Assim como grande parte das pesquisas de bioprospecção realizadas no
Brasil, essa não apresenta uma substância ou principio ativo especifico. Seu objeto é
justamente a busca de uma eventual planta medicinal ou substância bioativa para
posterior aprofundamento da pesquisa. Fica previsto portanto a inclusão de termo
aditivo no Contrato em caso de desdobramentos científicos ou econômicos.
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