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Teoria Geral Da Empresa - TCC - 2020 - Teoria Aplicada Às Boas Práticas

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TEORIA GERAL

DA EMPRESA AUTOR: JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO


COLABORADORES: BERNARDO SARMET (GRADUADO EM 2019.2 – FGV DIREITO RIO), LUCAS DANIEL GERMANO DA SILVA
(GRADUANDO, TURMA 2017.1 – FGV DIREITO RIO) E MARIA JULIA PINHEIRO PIRES (GRADUANDA, TURMA 2017.1 – FGV DIREITO RIO).

GRADUAÇÃO
2020.1
Sumário
Teoria Geral da Empresa

TEORIA GERAL DA EMPRESA.....................................................................................................................................3

1. A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL..........................................................................................9

2. O EMPRESÁRIO E O CENÁRIO ECONÔMICO................................................................................................................14

3. TEORIA DA EMPRESA E O DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL.........................................................................................28

4. TEORIA DA EMPRESA: ATO DE EMPRESA E ATO SIMPLES...............................................................................................42

5. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA...............................................................................................................................51

6. REGIME JURÍDICO DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL........................................................................................................60

7. SÓCIOS..........................................................................................................................................................65

8. NOME EMPRESARIAL.........................................................................................................................................77

9. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL.........................................................................................................................88

10. DIREITO SOCIETÁRIO......................................................................................................................................106

11. PLURALIDADE DE SÓCIOS. SOCIEDADE UNIPESSOAL................................................................................................111

12. CAPITAL SOCIAL E PATRIMÔNIO........................................................................................................................120

13. PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES. SOCIEDADES PERSONIFICADAS. SOCIEDADES NÃO PERSONIFICADAS. LIMITAÇÃO DE
RESPONSABILIDADE...........................................................................................................................................135

14. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.................................................................................................142


TEORIA GERAL DA EMPRESA

TEORIA GERAL DA EMPRESA

1. PROFESSOR

João Pedro Barroso do Nascimento

Professor de Direito Empresarial da FGV Direito Rio. Doutorando


e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Pós-Graduado em Direito
Empresarial, com concentração em Direito Societário e Mercado de
Capitais, pela FGV Direito Rio. Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Advogado no
Rio de Janeiro e em São Paulo.

2. EMENTA DO CURSO

Origem e Evolução Histórica do Direito Comercial. O Empresário


e o Cenário Econômico. A Ordem Econômica Constitucional. Teoria
da Empresa. Ato de Empresa. Ato Simples. Função Social da Empresa.
Regime Jurídico do Empresário Individual. Sócios. Nome Empresarial.
Estabelecimento Empresarial. Contrato de Trespasse. Direito
Societário. Pluralidade de Sócios. Sociedade Unipessoal. Capital Social.
Personalidade Jurídica das Sociedades. Sociedades Personificadas.
Sociedades Não Personificadas. Limitação de Responsabilidade.
Desconsideração da Personalidade Jurídica. Teorias da Desconsideração
da Personalidade Jurídica.

3. OBJETIVOS GERAIS

Esta disciplina tem como objetivos: (i) proporcionar aos(as) alunos(as)


aprendizado sobres os elementos da Teoria Geral da Empresa, com
abordagem inicial sobre os desdobramentos do Direito Empresarial; (ii)
provocar o interesse dos(as) alunos(as) para questões jurídicas atinentes ao
ambiente empresarial e à dinâmica econômica das sociedades, abordando
questões jurídicas à luz da aplicação prática; e (iii) desenvolver as
habilidades dos(as) alunos(as) para identificar e compreender problemas
inerentes às situações concretas e conceber soluções para superá-las.

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TEORIA GERAL DA EMPRESA

4. METODOLOGIA

Suporte teórico, a partir do estudo de material didático (sugestão de


livros, artigos, pareceres, comentários à legislação, dentre outros). Suporte
prático, a partir do estudo de casos concretos. Incentivo ao envolvimento e
participação dos alunos.

5. PROGRAMA

TÓPICO TEMA

1 Origem e Evolução Histórica do Direito Comercial.

2 O Empresário e o Cenário Econômico.

3 Teoria da Empresa e o Direito Empresarial no Brasil.

4 Teoria da Empresa: Ato de Empresa e Ato Simples.

5 Função Social da Empresa.

6 Regime Jurídico do Empresário Individual.

7 Sócios.

8 Nome Empresarial.

9 Estabelecimento Empresarial.

10 Direito Societário.

11 Pluralidade de Sócios. Sociedade Unipessoal.

12 Capital Social e Patrimônio.

Personalidade Jurídica das Sociedades. Sociedades


13 Personificadas. Sociedades Não Personificadas. Limitação
de Responsabilidade.

14 Desconsideração da Personalidade Jurídica.

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TEORIA GERAL DA EMPRESA

6. AVALIAÇÃO

Serão realizadas 02 (duas) provas, em sala de aula, compreendendo toda a


matéria ministrada até a data de cada prova. A média aritmética referente à
disciplina será obtida com base em tais avaliações. O(a) aluno(a) que obtiver
média aritmética inferior a 7 (sete) deverá realizar uma terceira prova, a qual
compreenderá toda a matéria do semestre.

7. ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Poderão ser propostas atividades adicionais que valerão pontos para a


média aritmética (obtida com base nas duas primeiras provas) referente à
disciplina, a critério do professor.

8. BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa –


16ª. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. –


revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos
Tribunais: Rio de Janeiro, 2019.

ASCARELLI, Tullio. “Origem do Direito Comercial”, Corso di Diritto


Commerciale. Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n.
103, 1996.

9. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ASCARELLI, Tullio. “A Atividade do Empresário”, in Corso di Diritto


Commerciale. Tradução de Erasmo Valadão A. e N. França. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 132,
p. 203 e segs., 2003.

ASCARELLI, Tullio. “O Contrato Plurilateral”, in Problemas das sociedades


anônimas e direito comparado, São Paulo, Saraiva, 1945, p. 274 a 332.

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TEORIA GERAL DA EMPRESA

ASQUINI, Alberto. “Perfis da Empresa”; Tradução de Fábio Konder


Comparato.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial vol I. 31ª edição. Saraiva.


São Paulo/2012

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005

KRAAKMAN, Reinier; ARMOUR, John et. al. The Anatomy of Corporate


Law: A Comparative and Functional Approach. 3ª edição. Oxford:
Oxford University Press, 2017.

Adicionalmente às leituras acima discriminadas, poderão ser indicadas


bibliografia complementares específicas, a serem oportunamente sugeridas,
conforme evolução das aulas e a disponibilidade dos(as) alunos(as).

10. DIREITO EMPRESARIAL

A disciplina de Teoria Geral da Empresa é primeira matéria de


direito empresarial e buscará apresentar a estrutura geral do direito
empresarial, tornando possível a compreensão de seus fundamentos, que
serão complementados e aprofundados com o estudo dos demais ramos
relacionados, conforme descrito na tabela abaixo.

Capacitar os(as) alunos(as) a compreenderem a


origem e estrutura geral do direito empresarial,
como identificar as diferenças existentes entre
os atos simples e atos empresários, a função
social da empresa, compreender as noções
TEORIA GERAL
de estabelecimento e nome empresarial, a
DA EMPRESA
distinção entre a pessoa do sócio e a pessoa da
sociedade, compreender as noções de capital
social, de personalidade jurídica, de limitação
de responsabilidade, de desconsideração da
personalidade jurídica.

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TEORIA GERAL DA EMPRESA

Compreensão sobre os tipos de governança e os


regimes jurídicos aplicáveis aos tipos societários
existentes no direito brasileiro, tais como as
TIPOS SOCIETÁRIOS
sociedades em comum, as sociedades em conta
de participação, as sociedades limitadas e as
sociedades anônimas.
Compreender os diversos institutos relacionados
CONTRATOS aos contratos empresariais e aos contratos
EMPRESARIAIS financeiros e a interpretação dos contratos
empresariais.
Compreensão sobre os institutos relacionados
à mobilização dos créditos no direito brasileiro,
TÍTULOS DE CRÉDITO
como mecanismos de financiamento do
exercício da atividade empresária.
Estudos sobre os principais institutos e
instrumentos do Direito Societário, tais como
DIREITO SOCIETÁRIO
as operações de reestruturação societária,
AVANÇADO
financiamento de projetos e operações
estruturadas.
Compreender a regulação do mercado de valores
mobiliários, o sistema financeiro e sua função
econômica, a estrutura institucional do mercado
REGULAÇÃO
de valores mobiliários, o conceito de valores
DO MERCADO
mobiliários e as principais regras aplicáveis aos
DE VALORES
participantes do mercado de valores mobiliários,
MOBILIÁRIOS
a responsabilidade civil e administrativa dos
administradores e acionistas controladores e a
arbitragem no âmbito das companhia abertas.
Compreender a política e os fundamentos
da defesa da concorrência, com atenção
para o controle de estruturas e de condutas
anticompetitivas, analisar os atos de concentração
DIREITO capazes de limitar a livre concorrência e as
CONCORRENCIAL estratégias para prevenção de estruturas e
condutas que propiciem abusos em detrimento
de concorrentes e consumidores, compreender
a função do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica - CADE.

FGV DIREITO RIO 7


TEORIA GERAL DA EMPRESA

FALÊNCIA E Compreensão sobre os institutos da falência e


RECUPERAÇÃO da recuperação judicial de empresas no direito
DE EMPRESAS brasileiro.
Compreender os institutos e as políticas
PROPRIEDADE públicas relacionadas aos Direitos Intelectuais,
INTELECTUAL o marco internacional e o marco legal referentes
a direitos autorais, marcas e patentes.
Compreender os métodos Alternativos de
ARBITRAGEM, Solução de Disputas, a natureza jurídica e
MEDIAÇÃO E os fundamentos básicos da Arbitragem, o
NEGOCIAÇÃO procedimento arbitral e a relação entre o juízo
arbitral e a jurisdição estatal.

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TEORIA GERAL DA EMPRESA

1. A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

COMPARATO, Fábio Konder. Origem do Direito Comercial. Revista de


Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Editora Revista
dos Tribunais Ltda., nº 103, p. 87 a 103.

Leitura Complementar

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. –


revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos
Tribunais: Rio de Janeiro, 2019.

O Direito Comercial surgiu por iniciativa dos comerciantes, que


começaram a editar normas reguladoras, originárias da própria atividade,
pois, como o direito comum não regulamentava o comércio, foi necessária a
criação de sistema próprio para tutela dos seus interesses.

Quando observamos a história do Direito, podemos notar que, em


contraposição ao direito tradicional, já consolidado, surgem institutos que
concorrem com ele até que estes venham a se constituir como Direito.
Nesse sentido, conforme apresenta Tullio Ascarelli, tal dicotomia “exerce a
importante função de conciliar a rigidez (que é certeza) do Direito, com a sua
também perene exigência de elasticidade, de adaptação.”1

Assim, é na civilização das comunas italianas, durante a Idade Média, que:

(...) o direito comercial começa a afirmar-se, em 1


Revista de Direito Mercantil, Indus-
contraposição à civilização feudal (...). O direito trial, Econômico e Financeiro. Editora
Revista dos Tribunais Ltda., nº 103.
comercial aparece, por isso, como um fenômeno COMPARATO, Fábio Konder. Origem do
histórico, cuja origem é ligada à afirmação de uma Direito Comercial, p. 87.
2
Revista de Direito Mercantil, Indus-
civilização burguesa e urbana, na qual se desenvolve trial, Econômico e Financeiro. Editora
um novo espírito empreendedor e uma nova Revista dos Tribunais Ltda., nº 103.
COMPARATO, Fábio Konder. Origem do
organização dos negócios.2 Direito Comercial, p. 87.

FGV DIREITO RIO 9


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Nesse sentido, em clara contraposição à economia romana, até então


lastreada em concepções servis, as comunas italianas valorizavam o exercício
de um trabalho livre. Isto é, as cidades se tornaram, nesse aludido momento,
em centros de circulação de mercadorias e serviços.3

Na segunda metade do século XII, surge o Direito dos Mercadores,


o qual decorre de um processo de ruptura com o direito civil. Era um
direito mais prático e dinâmico, que tinha como principais funções atender
às necessidades e defender os interesses dos comerciantes que estivessem
matriculados nas Corporações de Ofício para solução de conflitos nas
relações de negócio entre eles. Tais corporações compreendiam “os
mestres de cada arte e, ao lado deles, mas em posição subordinada, seus
companheiros de trabalho e aprendizes”.4

Esta fase é considerada a origem do Direito Comercial e é identificada pela


marca da teoria subjetiva5. Isto porque só eram considerados comerciantes
aqueles que estavam matriculados nas Corporações, e somente estes tinham
acesso aos privilégios próprios dos comerciantes, tais como: insolvência
empresarial, presunção de veracidade da escrita contábil e acesso aos
Tribunais do Comércio, que eram ligados às Corporações, compostos por
comerciantes, dispondo de uma atividade jurisdicional especializada para
tratar dos conflitos comerciais.

O surgimento do Estado Centralizado, com o poder nas mãos de um


Monarca, transforma o Direito Comercial (dos Mercadores) em um direito
regulamentador das atividades dos comerciantes, contribuindo para o
fortalecimento do Estado Nacional perante as Corporações de Ofício que,
até então, legislavam livremente.

A ruptura do sistema subjetivo se dá com os ideais da Revolução Francesa


– liberdade, igualdade e fraternidade –, dando lugar ao surgimento de um
direito unificado para todos que se dedicassem à atividade mercantil. A
prática dos atos de comércio passa a ser livre e a classificação do comerciante 3
Revista de Direito Mercantil, Indus-
trial, Econômico e Financeiro. Editora
passa a ser objetiva, ou seja, o que o torna sujeito um comerciante é a sua Revista dos Tribunais Ltda., nº 103.
atividade – prática de atos de comércio. COMPARATO, Fábio Konder. Origem do
Direito Comercial, p. 89.
4
Revista de Direito Mercantil, Indus-
Em matéria de atividade produtiva, formaram-se duas ordens distintas trial, Econômico e Financeiro. Editora
Revista dos Tribunais Ltda., nº 103.
de identificação: (i) uma ligada aos atos de comércio, que é a atividade COMPARATO, Fábio Konder. Origem do
Direito Comercial, p. 89.
negocial, e tem como exemplos a compra e venda de mercadorias, atividades
5
Revista de Direito Mercantil, Indus-
financeiras, atividades industriais etc.; e (ii) outra ligada aos atos civis, trial, Econômico e Financeiro. Editora
peculiar e característica das atividades ligadas à terra, como a agricultura, Revista dos Tribunais Ltda., nº 103.
COMPARATO, Fábio Konder. Origem do
extrativismo, pecuária, entre outras. Direito Comercial, p. 91.

FGV DIREITO RIO 10


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Com esse fracionamento, era possível apresentar diferentes formas


de solução para casos idênticos. A regra a ser aplicada variava segundo o
ordenamento jurídico predominante nas diversas regiões do local.

Em 1807, surge o Código Napoleônico objetivando o tratamento jurídico


da atividade mercantil com a adoção da teoria dos atos de comércio.

CODE DE COMMERCE - LIVRE PREMIER - DU


COMMERCE EN GENERAL. TITRE Ier – DES
COMMERÇANTS. Art. 1er. – Sont commerçants
ceux qui exercent des actes de commerce et en font leur
profession habituelle..

Em 1850, profundamente influenciado pelo Código Francês, surge,


no direito brasileiro, o Código Comercial que, embora tenha adotando a
teoria dos atos de comércio do sistema francês, não os elencou. Com isso, foi
necessária a edição de um diploma adjetivo – o Regulamento nº 737/1850
– que discriminasse, de forma exemplificativa, os atos considerados de
mercancia/comércio.

Ao regulamentar o nosso Código Comercial, o Regulamento n.º 737


estabeleceu, no bojo dos artigos 19 e 20, os atos considerados de mercancia,
complementando o art. 4º do Código Comercial, que somente estabelecia
ser comerciante aquele que fazia da mercancia sua atividade habitual. Veja-se:

Código Comercial de 1850: Artigo 4º - Ninguém


é reputado comerciante para efeito de gozar da
proteção que este Código liberaliza em favor do
Comércio, sem que se tenha matriculado em algum
dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da
mercancia profissão habitual.

Regulamento n.º 737 de 1850: (...) Artigo 19 –


Considera-se mercancia: a compra e venda ou troca de
efeitos móveis ou semoventes para os vender por grosso
ou retalho, da mesma espécie ou manufaturados, ou
para alugar o seu uso. as operações de câmbio, banco
ou corretagem; as empresas de fábricas, de comissões,
de depósito, de expedição, consignação e transporte
de mercadorias, de espetáculos públicos; os seguros,
fretamentos, riscos e quaisquer contratos relativos ao
comércio marítimo; e a armação e expedição de navios.

FGV DIREITO RIO 11


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Artigo 20 – Serão também julgados em conformidade


dos dispositivos do Código, e pela mesma forma
de processo, ainda que não intervenha pessoa
comerciante: 1º. As questões entre particulares sobre
títulos de dívida pública e outros quaisquer papéis de
crédito do governo; 2º. As questões de companhias
e sociedades qualquer que seja a sua natureza objeto;
3º. As questões que derivem de contratos de locação
compreendidos na disposição do Título X, Parte I,
do Código, com exceção somente das que forem
relativas à locação de prédios rústicos e urbanos; 4º.
As questões relativas a letras de câmbio e de terras,
seguros, riscos e fretamentos.

Em sequência, com o advento do Código Civil de 2002, o critério de


identificação do comerciante desapareceu com a revogação expressa da parte I
do Código Comercial.6 Assim, há uma substituição da figura do comerciante
pela do empresário, o que, atualmente, traz ao cenário empresarial diferentes
tipos de implicações, conforme abordaremos oportunamente.

Contudo, há que se ressaltar que o Código Comercial não restou


totalmente revogado, tendo em vista que, ainda hoje, é aplicável ao comércio
marítimo, muito embora tenha sofrido a revogação expressa de sua Primeira
Parte (art. 2.045 do Código Civil de 2002). Ademais, conforme alude o
art. 2.037 do CC/02, a legislação aplicável a comerciantes individuais e
sociedades comerciais e a atividades mercantis em geral permanece ainda em
vigor, naquilo que não conflitar com as disposições do CC/02.

Com efeito, embora a figura do comerciante tenha sido absorvida pela


moldura do empresário:

(...) o empresário não se mostra como simples versão


moderna do comerciante.
(...)
Destarte, o empresário encampa não só o tradicional
comerciante, modernamente chamado pela doutrina
6 Art. 2.045 do Código Civil de 2002.
de empresário comercial, já na trilha da construção “Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de
do Direito de Empresa, mas também algumas das janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte
Primeira do Código Comercial, Lei no
espécies de empresários civis, que exercem atividade 556, de 25 de junho de 1850”.

econômica, na qual reside, nesse gênero, a clássica 7


CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
comercial: direito de empresa – 16. Ed. –
sociedade civil com fim lucrativo.7 São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 3.

FGV DIREITO RIO 12


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Face ao contexto acima exposto, há que se destacar que surgem, com o


advento do Código Civil de 2002, as sociedades empresárias, que exercem
atividade própria de empresário, e as sociedades simples, que não exercem
a empresa, conforme estudaremos ao longo dos próximos tópicos.

FGV DIREITO RIO 13


TEORIA GERAL DA EMPRESA

2. O EMPRESÁRIO E O CENÁRIO ECONÔMICO

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

Texto: “A Atividade do empresário”. Revista de Direito Mercantil n.º 132,


p. 203 a 215.

Texto: “O Empresário”. Revista de Direito Mercantil n.º 109 pgs. 182 a 189.

BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os


Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Revista de Direito
Administrativo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp. 187-212. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2001. Disponível em: <http://bibliotecadigital.
fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47240/44652>. Acesso em:
25/01/2020.

Leitura Complementar

PORTUGAL GOUVÊA, Carlos e YOSHIKAWA, Caio Henrique, O Perfil


do Advogado Empresarial Contemporâneo: Entre o Arquiteto Institucional
e o Empreendedor Jurídico. Cadernos FGV Direito Rio n° 10, pp. 93-
114. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2444179

GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 - 19ª


Ed. 2018.

ASCARELLI, Tullio. “O Empresário”, in Corso di Diritto Commerciale.


Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 109, p. 183 a 189, 1998.

Para que possamos adentrar a Teoria Geral da Empresa, temos que, 8


“O comércio civiliza as nações, enri-
quece os povos e constitui poderosas as
inicialmente, refletir sobre o conceito de “empresa” em nosso ordenamento monarquias, que se arruínam com a sua
jurídico e, com isso, melhor compreender a influência do empresário e da decadência e abatimento de cultura;
mas é preciso que nele se pratique com
sociedade empresária no cenário econômico nacional como responsável pela mútua fidelidade. A alma do comércio
consiste na liberdade” - Alvará do Rei
geração de empregos, arrecadação de tributos e fomento de riquezas8. de Portugal, de 17 de agosto de 1758.

FGV DIREITO RIO 14


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O QUE É EMPRESA?

O Código Civil de 2002, ao adotar as concepções do direito italiano,


não conceituou a empresa, fixando apenas o conceito de empresário9. Isto
tendo em vista que a empresa é considerada elemento abstrato, fruto da
ação intencional do empresário em promover o seu exercício de maneira
economicamente organizada.10

Antes de adentrar neste tema, note-se que, observada a imprecisão


científica e a insuficiência da teoria dos atos de comércio11 , fez-se
necessária a construção de um novo sistema, que se adequasse aos
avanços da economia e que delimitasse o âmbito de aplicação das normas
comerciais. Tudo isto de forma a adaptar a disciplina às necessidades das
sociedades contemporâneas.

De fato, é inquestionável a importância do papel econômico e social


atualmente exercido pela empresa, tendo se tornado imprescindível na ordem 9
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito
Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Sa-
econômica globalizada. Tal relevância é salientada por economistas e juristas raiva Educação, 2019, p. 11.

dos mais renomados, chegando-se a afirmar, com todo acerto, que: 10


CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito
Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo: Sa-
raiva Educação, 2019, p.11.
A evolução da empresa representa, na realidade, 11
Tal foi a afirmação de J. X. Carvalho
de Mendonça, autor que propôs co-
um elemento básico para a compreensão do nhecidíssima classificação dos atos de
mundo contemporâneo. Do mesmo modo que, no comércio, nos seguintes termos: “Os
códigos e tratados de direito comercial
passado, tivemos a família patriarcal, a paróquia, não oferecem conceito jurídico unitário
e completo sobre os atos de comércio.
o Município, as corpo rações profissionais, que Legislação e doutrina não se harmoni-
caracterizam um determinado tipo de sociedade, a zam em tão relevante assunto, o que
multiplica os embaraços à construção
empresa representa, hoje, a célula fundamental da de sólido sistema científico.” (J.X. Car-
valho de Mendonça, “Tratado de Direi-
economia de mercado.12 to Comercial Brasileiro”, vol. I, livro I, 6ª
ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1957,
p. 419). Na mesma obra, o autor revela
No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato resume bem a a amplitude do problema no direito
comparado, citando entre os que com-
importância da empresa atualmente, da seguinte forma: partilham de seu entendimento Lyon
Caen et Renault, na França, Vidari,
Vivante e Navarrini, na Itália, além do
suíço Muzinger, do espanhol Estaséne e
Se se quiser indicar uma instituição social que, do argentino Segovia (pp. 419-421).
pela sua influência, dinamismo e poder de 12
WALD, Arnoldo. O Espírito Empre-
transformação, sirva de elemento explicativo e sarial, a Empresa e a Reforma Consti-
tucional. Revista de Direito Mercantil,
definidor da civilização contemporânea, a escolha Industrial, Econômico e Financeiro nº
98/51-57. São Paulo: Ed. RT, abril/ju-
é indubitável: essa instituição é a empresa.13 nho, 1995. P. 55.
13
COMPARATO, Fábio Konder. Direito
Empresarial: Estudos e Pareceres. São
Tal constatação é também com frequência apontada por diferentes Paulo: Saraiva, 1990. P. 3.
economistas. Referindo-se especificamente às sociedades anônimas, 14
LIPPKANN, Walter. A Cidade Livre.
assevera-se que “o capitalismo moderno não teria podido se desenvolver 1938. P. 329 apud Georges Ripert, As-
pectos Jurídicos do Capitalismo Moder-
se a sociedade por ações não existisse.”14 no. Campinas: RED livros, 2002. P. 67.

FGV DIREITO RIO 15


TEORIA GERAL DA EMPRESA

No entanto, sob a égide da Teoria Objetiva, diversas atividades de caráter


intrinsecamente empresarial eram ignoradas pelo Direito Comercial, visto
não se enquadrarem nas acepções legais de ato de comércio. Apenas para
citar um, entre diversos exemplos admissíveis, o desenvolvido setor de
serviços, por exemplo, por não se enquadrar nas definições elaboradas para
os atos de comércio, não se encontrava regulado pelas normas comerciais, 15
Tullio Ascarelli vê a manutenção de
um critério objetivo, pela importância
o que per si demonstrava a necessidade de uma nova sistemática. que se dá à atividade na qualificação do
empresário (“O empresário” (Tradução
de Fábio Konder Comparato, in “Corso
Assim, a Teoria Subjetiva moderna apresenta como núcleo fundamental di Diritto Comerciale — Introduzione
e Teoria dell’Impresa”, 3ª ed., Milano:
o conceito de empresa15. Ocorre que mesmo entre os adeptos da “Teoria da Giuff rè, 1962; pp. 145-160). Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico
Empresa”, em especial os italianos, marcados pelo seu pioneirismo16, tem-se e Financeiro n.º 109/183-189, São Paulo:
encontrado dificuldades para definir o seu conceito jurídico, não obstante Malheiros, janeiro/março, 1998).
16
Constata Rubens Requião que “são
sua pacífica conceituação nas ciências econômicas. A esse propósito, vale juristas italianos os que mais se dedi-
registrar a lição de Rubens Requião: cam ao estudo da empresa. Já sabemos
que o moderno direito privado da Itália
funda-se sobre a teoria da empresa.
Mas, antes mesmo da reforma de 1942,
Em vão, os juristas têm procurado construir um os comercialistas peninsulares indaga-
vam, como Vivante, sobre o seu concei-
conceito jurídico próprio para tal organização. to, em face das referências a ela feitas
Sente-se em suas lições certo constrangimento, na enumeração dos atos de comércio”
(REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
uma verdadeira frustração por não lhes haver sido Comercial. Vol. I. 24ª Ed., São Paulo:
Saraiva, 2000. P. 53).
possível compor um conceito jurídico próprio 17
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
para a empresa, tendo o comercialista que se Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. P. 50.
valer do conceito formulado pelos economistas. 18
O jurista italiano Vivante igualou o
Por isso, persistem os juristas no afã de edificar conceito jurídico ao conceito econômico,
consoante apontado por Rubens Re-
em vão um original conceito jurídico de empresa, quião. Curso de Direito Comercial. Vol. I.
como se fosse desdouro para a ciência jurídica 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 53
19
MARCONDES, Sylvio. Questões de
transpor para o campo jurídico um bem elaborado Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva,
conceito econômico.17 1977. P. 8. No mesmo sentido, temos a
lição de Waldírio Bulgarelli, nos seguin-
tes termos: “Os economistas vêm se es-
forçando desde a Revolução Industrial
Alguns autores, tais como Giuseppe Ferri, ensinam que a noção em conceituar a empresa, nem sempre
com êxito. Hoje, contudo, é quase unâ-
econômica de empresa, sob a qual deve se assentar o seu conceito jurídico18 , nime a ideia de que a empresa é uma
incorpora-se na organização dos fatores de produção, baseada em princípios unidade organizada de produção e
comercialização de bens e serviços para
técnicos e leis econômicas, propondo-se à satisfação de necessidades o mercado”. BULGARELLI, Waldírio. So-
ciedades, Empresa e Estabelecimento.
alheias, vale dizer, do mercado. A este propósito, vale citar, pela clareza, os São Paulo: Atlas, 1980. P. 19. O mesmo
autor, em obra diversa, demonstra o
ensinamentos de Sylvio Marcondes: seu aceite pelo conceito econômico de
empresa: “Uma vez, portanto, que há
verdadeira unanimidade em relação
O conceito econômico de empresa está na ao conceito econômico de empresa,
como aliás assinala muito bem Sylvio
organização dos fatores de produção de bens ou Marcondes, nada há de errado na sua
aceitação por parte do Direito, e foi
de serviços para o mercado, coordenada pelo nessa conformidade que a legislação
veio regulando os seus vários aspectos
empresário, que lhe assume os resultados. Sobre (...)”.BULGARELLI, Waldírio. Estudos
este conceito econômico ninguém põe dúvida. Mas, e Pareceres de Direito Empresarial: o
Direito das Empresas. São Paulo: Ed. RT,
como o Direito trata este conceito econômico?19 1980. P. 17.

FGV DIREITO RIO 16


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Para responder à indagação formulada pela doutrina, deve-se atentar para


uma observação feita por Alberto Asquini, o qual com muito acerto indicou
que as dificuldades da conceituação jurídica de empresa derivam do fato de
esta ser um “fenômeno poliédrico”.

Com esta afirmação, o comercialista italiano demonstra que a empresa


apresenta um conceito econômico unitário, o mesmo não ocorrendo com o
seu conceito jurídico, recebendo a empresa tratamentos legislativos diversos.20

Firmado esse entendimento, sugere o jurista italiano que se abdique da


tentativa de elaboração de um conceito jurídico de empresa, devendo-se
focar no estudo dos “aspectos jurídicos da empresa econômica”, na expressão
de Giuseppe Ferri21

Sob esses argumentos, Asquini elabora a sua difundida Teoria dos Perfis
da Empresa22, bem resumida por Rubens Requião:

Vislumbra, então, Asquini a empresa sob quatro


diferentes perfis: a) o perfil subjetivo, que vê a
empresa como o empresário; b) o perfil funcional, 20
Apud MARCONDES, Sylvio. Questões
de Direito Mercantil. São Paulo: Sarai-
que vê a empresa como atividade empreendedora; c) va, 1977. P.8.
o perfil patrimonial ou objetivo, que vê a empresa 21
Apud REQUIÃO, Rubens. Curso de
Direito Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São
como estabelecimento; d) o perfil corporativo, que Paulo: Saraiva, 2000. P. 55.
vê a empresa como instituição.23 22
Referida tese foi publicada na Ri-
vista del Diritto Commerciale, fascs.
1 e 2, em 1943, sob o titulo “Profi
O Codice Civile italiano de 1942, pioneiro ao sugerir um modelo que lidell’Imprensa”, conforme REQUIÃO,
Rubens. Curso de Direito Comercial.
superasse o sistema francês, não chega a estabelecer um conceito jurídico de Vol. I. 24ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
P. 71. Em português, a tese foi publi-
empresa, preferindo definir o seu perfil subjetivo — o empresário — em seu cada, com tradução de Fábio Konder
art. 2.08224, como sendo aquele que exerce profissionalmente uma atividade Comparato, na Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Finan-
econômica organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. ceiro n.º104/109-126, São Paulo: RT,
outubro/ dezembro, 1996.
23
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
O legislador brasileiro, inspirado pelo modelo italiano, não apresenta Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2000.
inovações em relação ao Codice Civile de 1942, ao definir, em seu
24
Art. 2.082 do Codice Civile italiano
artigo 966, o empresário como sendo “quem exerce profissionalmente de 1942: “Imprenditore — È impren-
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de ditore chi esercita professionalmente
una attività economica organizzata al fi
bens ou de serviços”25 ne della produzione o dello scambio di
beni o di servizi”.
25
Art. 966 do Novo Código Civil:
Das definições legais supracitadas decorrem os elementos essenciais à “Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica
empresa, quais sejam, no entendimento de Rubens Requião: (i) o sujeito organizada para a produção ou a circu-
de direito, (ii) a sua atividade particular, (iii) a finalidade produtiva e lação de bens ou de serviços”

(iv) o caráter profissional26. Waldírio Bulgarelli também faz referência a 26


REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. Vol. I. 24ª Ed. São Paulo:
quatro elementos. Saraiva, 2000. P. 55.

FGV DIREITO RIO 17


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Contudo, o renomado comercialista os apresenta como sendo


(i) a organização, (ii) a atividade econômica, (iii) o fim lucrativo e
(iv) a profissionalidade 27. Bugarelli acrescenta o fim lucrativo como
elemento essencial à empresa, posto que não há empresa que não vise
a obtenção de lucro.

Por esse contexto, cabe observar que, no esforço de construir um


conceito jurídico de empresa, pouco se afastou da noção econômica. A esse
propósito, é incisiva a conclusão de Waldírio Bulgarelli, centralizando o
conceito de empresa no seu perfil subjetivo, seguindo a opção legislativa
italiana e brasileira:

Com base no exposto, entende-se que o conceito de empresa pode ser


compreendido como sendo a organização da atividade econômica com
objetivo de produzir ou trocar bens ou serviços. Observa-se, com isso, que o
conceito jurídico de empresa pouco se afastou da noção econômica:

Dessume-se, assim, o conceito de empresa


daquele de empresário, podendo-se conceituá-
la como a organização da atividade econômica
para o fim de produção ou de troca de bens ou
serviços. Verifica-se, portanto, a transmutação
que ocorreu no conceito econômico na sua
passagem para o âmbito jurídico, sob a égide do
empresário, ou seja, de organização da atividade
econômica para o de exercício profissional da
atividade econômica organizada.28

27
BULGARELLI, Waldírio. Sociedades,
Empresa e Estabelecimento. São Paulo:
Atlas, 1980. P. 22.
28
LAMY FILHO, Alfredo. A reforma da
Lei de Sociedades Anônimas. IN: Temas
de Direito Societário. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006. P. 18.

FGV DIREITO RIO 18


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL.

A ordem econômica constitucional brasileira passou por considerável


alteração desde o século XX, especialmente após a redemocratização com a
Constituição da República de 1988. No século passado, o Brasil era, segundo
aponta Bresser Pereira, um “Estado oligárquico e patrimonial, no seio de
uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída
do escravismo. Cem anos depois, é hoje um Estado democrático, entre
burocrático e gerencial”.29

O sistema de governança brasileiro era inspirado no sistema francês,


pautado na hierarquia e na centralização do poder nas mãos do Chefe do
Poder Executivo. Nesse sentido, Sérgio Guerra aponta que:

O quadro de forte centralização do poder nas mãos


do Chefe do Poder Executivo só foi modestamente
mitigado no Brasil com a implantação, parcial, do
modelo de agências reguladoras. Esse modelo surgiu
na década de 90 do século passado, sendo implantado
em um momento de reestruturação do papel do
Estado em relação à sua atuação na economia.30

Nota-se, portanto, que havia a preeminência da autoridade política no


plano econômico. Tal fenômeno, especialmente após a II Guerra Mundial,
tornou-se crescente nas economias mundiais:

ao assumirem as sociedades mercantis, privadas na


sua configuração jurídica, as formas burocratizadas
dos entes públicos, o poder por elas exercido
passou a manifestar uma tendência à concentração,
implodindo-se a possibilidade de regulação dos
mercados conforme os parâmetros pressupostos pelo
Direito Privado, observando-se, ao contrário, a sua
insuficiência progressiva. Por exemplo, o controle 29
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Do
Estado Patrimonial ao Gerencial. In Pi-
de preços claramente deixava de ocorrer apenas nheiro, Wilheim e Sachs (orgs.), Brasil:
pela lei da oferta e da procura, pois a emergência de Um Século de Transformações. S. Pau-
lo: Cia. Das Letras, 2001: 222-259. p. 1.
um verdadeiro poder econômico paralelo ao poder 30
GUERRA, Sérgio. SEPARAÇÃO DE PO-
político, significava a possibilidade de um controle DERES, EXECUTIVO UNITÁRIO E ESTADO
ADMINISTRATIVO NO BRASIL - UM DOS-
sobre as regras de controle, sua manipulação e SIÊ SOBREESTADO ADMINISTRATIVO.
Revista Estudos Institucionais, Vol. 3, 1,
transformação. Na contrapartida desta possibilidade 2017, p. 144.
de perversão das regras de mercado pelo próprio 31
FERRAS JR., Tércio Sampaio. Con-
regime de mercado livre, reconhecia-se a legitimidade gelamento de preços - tabelamentos
oficiais (parecer), Revista de Direito
da intervenção reguladora do Estado na economia.31 Público n° 91, 1989.

FGV DIREITO RIO 19


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Em face disso, a Constituição de 1988 consagrou, em seu art. 174, o Estado


como agente normativo e regulador da atividade econômica, sendo-lhes
atribuídas as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Juntamente
a isto, estabeleceu compreensão diametralmente oposta a imposição de um
capitalismo de Estado.

Assim, passou-se a enxergar o Estado como um dos agentes que compõe


a ordem econômica, tendo ele, além do dever de promover a fiscalização, o
incentivo e o planejamento da atividade econômica, o de não se substituir
ao mercado.32 Inclusive, como fundamentos da ordem econômica, o Estado
deve guardar respeito aos princípios fundamentais da livre iniciativa e da
valorização do trabalho humano (art. 170, CRFB/88).

Portanto, conforme apresentado por Tércio Sampaio, o papel do Estado


como agente normativo e regulador foi fixado negativamente, no texto
constitucional, pelo princípio da livre iniciativa, no sentido de que esta não
poderá ser suprimida. E continua:

O Estado, ao agir, tem o dever de omitir a sua supressão.


Positivamente, os limites das funções de fiscalização,
estímulo e planejamento estão nos princípios da
ordem, que são a sua condição de possibilidade. O
primeiro deles é a soberania nacional. Nada fora do
pacto constituinte. Nenhuma vontade pode se impor
de fora do pacto constitucional, nem mesmo em
nome de alguma racionalidade da eficiência, externa e
tirânica. O segundo é a propriedade privada, condição
inerente à livre iniciativa e lugar da sua expansão. O
terceiro é a função social da propriedade, que tem a
ver com a valorização do trabalho humano e confere
o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa. O
quarto é a livre concorrência: a livre iniciativa é para
todos, sem exclusões e discriminações. O quinto é a
defesa do consumidor, devendo se velar para que a
produção esteja a serviço do consumo e não este a
serviço daquela. O sexto é a defesa do meio ambiente,
entendendo-se que uma natureza sadia é um limite
à atividade e também sua condição de exercício. A
redução de desigualdades sociais e regionais é o sétimo. 32
Tércio Sampaio Ferraz Jr, Conge-
Trata-se de um princípio-finalidade, um sentido de lamento de preços - tabelamentos
oficiais (parecer), Revista de Direito
orientação. O oitavo é a busca do pleno emprego. Público n° 91, 1989.

FGV DIREITO RIO 20


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Também é um princípio-finalidade. condição para


a valorização do trabalho humano. O último é o
tratamento favorecido às empresas brasileiras de
capital nacional de pequeno porte. É um princípio
de equalização, que parte das desigualdades de fato,
mas impõe um dever de condições mínimas de acesso
à livre iniciativa.33

Consequentemente, cabe ao Estado a competência de desenvolver práticas


redistributivas, assistencialistas, que venham a estimular a economia ou a
sociedade de maneira geral. O Estado, inclusive, poderá atuar “estimulando
comportamentos da iniciativa privada que conduzam a esses resultados,
oferecendo vantagens fiscais, financiamentos, melhores condições de exercício
de determinadas atividades, dentre outras formas de fomento.”34

Nesse sentido, Barroso aponta três formas de intervenção estatal na


economia: (i) a intervenção direta; (ii) o fomento; e (iii) a disciplina. Veja-se:

O Estado pode interferir na ordem econômica


mediante uma atuação direta, isto é: assumindo,
ele próprio, o papel de produtor ou prestador de
bens ou serviços. Essa modalidade de intervenção
assume duas apresentações distintas: (a) a
prestação de serviços públicos e (b) a exploração
de atividades econômicas. Entretanto, cabe não
perder de vista que a atuação direta do Estado na
economia é excepcional, só autorizada nos termos
constitucionais, por representar uma exclusão da
livre iniciativa.

(...)
33
Tércio Sampaio Ferraz Jr, Conge-
De outra parte, o Estado interfere no domínio lamento de preços - tabelamentos
oficiais (parecer), Revista de Direito
econômico por via do fomento, isto é, Público n° 91, 1989, p. 77/78.
apoiando a iniciativa privada e estimulando (ou 34
BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem
Econômica Constitucional e os Limi-
desestimulando) determinados comportamentos, tes à Atuação Estatal no Controle de
por meio, por exemplo, de incentivos fiscais ou Preços. Revista de Direito Administra-
tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp.
financiamentos públicos. 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2001, p. 201. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/47240/44652>.Acesso
(...) em: 25/01/2020.

FGV DIREITO RIO 21


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Por fim, o Poder Público interfere com a atividade


econômica traçando-lhe a disciplina. O propósito
principal dessa forma de intervenção, como já se
viu, é a preservação e promoção dos princípios de
funcionamento da ordem econômica.

Assim, em que pese os textos constitucionais anteriores tenham


previsão à livre iniciativa, a CRFB/88 trouxe concepção que se contrapõe
às demais Constituições brasileiras anteriores a ela. Isso porque a
Constituição de 1988 retira do legislador ordinário a possibilidade de
instituir novos monopólios estatais, deixando a cargo da Constituição a 35
BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem
Econômica Constitucional e os Limi-
possibilidade de fazê-lo. Isto é, “não se admite que o legislador ordinário tes à Atuação Estatal no Controle de
Preços. Revista de Direito Administra-
possa livremente exclui-la, salvo se agir fundamentado em outra norma tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp.
constitucional específica”.35 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2001, p. 190. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/47240/44652>.Acesso
Neste passo, o princípio da livre iniciativa deve ser interpretado em: 25/01/2020.
e ponderado à vista dos demais valores e fins públicos previstos 36
BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem
Econômica Constitucional e os Limi-
constitucionalmente, sujeitando-se a regulação e fiscalização do Estado, tes à Atuação Estatal no Controle de
Preços. Revista de Direito Administra-
“cujo fundamento é a efetivação das normas constitucionais destinadas tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp.
a neutralizar ou reduzir as distorções que possam advir do abuso da 187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2001, p. 191. Disponível em: <http://
liberdade de iniciativa e aprimorar-lhe as condições de funcionamento”.36 bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/47240/44652>.Acesso
em: 25/01/2020.
Dentre os princípios da ordem econômica constitucional, previstos 37
BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil. Art. 170. A ordem
no art. 170 da CRFB/88 37, Barroso compreende ser possível agrupá-los econômica, fundada na valorização do
em dois grupos: trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos exis-
tência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes
(...) conforme se trate de princípios de princípios: I - soberania nacional; II -
propriedade privada; III - função social
funcionamento da ordem econômica e de da propriedade; IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor VI - defesa
princípios-fins. Em linhas gerais, os princípios do meio ambiente, inclusive mediante
de funcionamento estabelecem os parâmetros tratamento diferenciado conforme
o impacto ambiental dos produtos e
de convivência básicos que os agentes da ordem serviços e de seus processos de elabo-
ração e prestação; VII - redução das
econômica deverão observar. Os princípios fins, desigualdades regionais e sociais; VIII
- busca do pleno emprego; IX - trata-
por sua vez, descrevem realidades materiais que o mento favorecido para as empresas de
constituinte deseja sejam alcançadas.38 pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e
administração o País.

Nisso, os princípios de funcionamento têm a ver com as relações 38


BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem
Econômica Constitucional e os Limi-
produtivas dos agentes econômicos. Assim, não só o Estado, mas tes à Atuação Estatal no Controle de
Preços. Revista de Direito Administra-
também todos os agentes estariam a eles vinculados. São tais princípios: tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp.
187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV,
(i) soberania nacional; (ii) propriedade privada; (iii) função social da 2001, p. 193. Disponível em: <http://
propriedade; (iv) livre concorrência; (v) defesa do consumidor; e (vi) bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/47240/44652>.Acesso
defesa do meio ambiente. em: 25/01/2020.

FGV DIREITO RIO 22


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Já os princípios fins constituem-se como objetivos a serem alcançados


pela ordem econômica como um todo. Significa dizer que são finalidades
a que visa o Estado; sendo eles: (i) existência digna para todos; (ii) redução
das desigualdades regionais e sociais; (iii) busca do pleno emprego; e
(iv) a expansão das empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no país

Desta feita, o papel do Estado na ordem econômica é

“Preservação e promoção dos princípios de


funcionamento e implementação de programas para
a realização dos princípios-fins (...). Os princípios de
funcionamento (...) são endereçados primordialmente
à atividade do setor privado. Os princípios-fins
determinam a política econômica estatal.”39

39
BARROSO, Luiz Roberto. A Ordem
Econômica Constitucional e os Limi-
tes à Atuação Estatal no Controle de
Preços. Revista de Direito Administra-
tivo - RDA, v. 226, out./dez. 2001, pp.
187-212. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2001, p. 198. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/47240/44652>.Acesso
em: 25/01/2020.

FGV DIREITO RIO 23


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASOS

ANGRA DOS REIS/RJ:

Com o declínio da pesca, com a demissão de milhares de trabalhadores


do Estaleiro Verolme (3.500 trabalhadores) e do Porto (600 trabalhadores),
com o término das obras da Usina Angra II (4.000 trabalhadores), a
Prefeitura estimou, no final do ano de 1999, que “se multiplicarmos o
número de desempregados pela média familiar, chegaremos a alarmante
conclusão de que quase 40% de população do Município perdeu parte ou
toda a renda familiar” (Extraído do documento “Centro de Formação
Profissional da Baía de Ilha Grande” - Carta consulta elaborada pela
Prefeitura Municipal de Angra dos Reis e enviada ao Ministério da
Educação, 1999:-5).

Em 1982, o Estaleiro Verolme chegou a ter 7291 funcionários, o que


representava 21,78% do total de trabalhadores da indústria naval no
Brasil. Absorvendo 12% da força de trabalho angrense, a Verolme era
a maior fonte de geração de empregos no município além de contribuir
para o surgimento de comércio e outras atividades ao seu redor.

Como consequência à retração das atividades do Estaleiro Verolme na


década de 90, a população de rua aumentou, favelas surgiram e o número
daqueles que, através da economia popular, vêm tentando produzir – por
conta própria – os seus meios de sobrevivência cresceu.

PORTO REAL/RJ:

O grupo PSA Peugeot-Citroën inaugurou a unidade de Porto Real


no ano 2000 com 400 empregados. Em 2004, já empregava dois mil
funcionários. A instalação da fábrica impulsionou a economia do Médio
Paraíba, atraindo fornecedores e consolidando o Pólo Metal-Mecânico
na região. Porto Real foi o município que registrou o maior crescimento
do PIB no período 1996-2000 – 234,7%, contra 92,8% do segundo
colocado, a vizinha Resende40.

40
http://www.glb.com.br/clipweb/
manchetes/noticias.asp?934355 (aces-
so em out/2005)

FGV DIREITO RIO 24


TEORIA GERAL DA EMPRESA

SAPIENS – A LENDA DA PEUGEOT

“Nossos primos chimpanzés normalmente vivem em pequenos


bandos de várias dezenas de indivíduos. Eles formam fortes laços de
amizade, caçam juntos e lutam lado a lado contra babuínos, guepardos
e chimpanzés inimigos. Sua estrutura social tende a ser hierárquica. O
membro dominante, que quase sempre é um macho, é denominado
“macho alfa”. Outros machos e fêmeas demonstram sua submissão ao
macho alfa curvando-se diante dele enquanto emitem grunhidos, de
modo não muito diferente de súditos humanos se ajoelhando diante de
um rei. O macho alfa se esforça para manter a harmonia social em seu
bando. Quando dois indivíduos brigam, ele intervém e impede a violência.
Em uma atitude menos benevolente, ele pode monopolizar alimentos
particularmente cobiçados e evitar que machos de postos inferiores na
hierarquia acasalem com as fêmeas.

Quando dois machos estão disputando a posição de alfa, eles


normalmente fazem isso formando grandes coalizões de apoiadores, tanto
machos quanto fêmeas, dentro do grupo. Os laços entre os membros da
coalizão se baseiam em contato íntimo diário – abraçar, tocar, beijar, alisar
e fazer favores mútuos. Assim como os políticos humanos em campanha
eleitoral saem por aí distribuindo apertos de mão e beijando bebês,
também os aspirantes à posição superior em um grupo de chimpanzés
passam muito tempo abraçando, dando tapinhas nas costas e beijando
filhotes. O macho alfa normalmente conquista essa posição não porque
seja fisicamente mais forte, mas porque lidera uma coalizão grande e
estável. Essas coalizões exercem um papel central não só durante as lutas
pela posição de alfa como também em quase todas as atividades cotidianas.
Membros de uma mesma coalizão passam mais tempo juntos, partilham
alimentos e ajudam uns aos outros em momentos de dificuldade.

Há limites claros ao tamanho dos grupos que podem ser formados e


mantidos de tal forma. Para funcionar, todos os membros de um grupo
devem conhecer uns aos outros intimamente. Dois chimpanzés que nunca se
encontraram, nunca lutaram e nunca se alisaram mutuamente não saberão
se podem confiar um no outro, se valerá a pena ajudar um ao outro nem qual
deles é superior na hierarquia. Em condições normais, um típico bando de
chimpanzés consiste de 20 a 50 indivíduos. À medida que o número em
um bando de chimpanzés aumenta, a ordem social se desestabiliza, levando
enfim à ruptura e à formação de um novo bando por alguns dos animais.

FGV DIREITO RIO 25


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Apenas em alguns casos os zoólogos observaram grupos maiores que cem.


Grupos separados raramente cooperam e tendem a competir por território e
por alimentos. Os pesquisadores documentaram guerras prolongadas entre
grupos, e até mesmo um caso de atividade “genocida” em que um bando
assassinou sistematicamente a maioria dos membros de um bando vizinho.

Padrões similares provavelmente dominaram a vida social dos


primeiros humanos, incluindo o Homo sapiens arcaico. Os humanos,
como os chimpanzés, têm instintos sociais que possibilitaram aos nossos
ancestrais construir amizades e hierarquias e caçar ou lutar juntos. No
entanto, como os instintos sociais dos chimpanzés, os dos humanos só
eram adaptados para pequenos grupos íntimos. Quando o grupo ficava
grande demais, sua ordem social se desestabilizava, e o bando se dividia.
Mesmo se um vale particularmente fértil pudesse alimentar 500 sapiens
arcaicos, não havia jeito de tantos estranhos conseguirem viver juntos.
Como poderiam concordar sobre quem deveria ser o líder, quem deveria
caçar onde, ou quem deveria acasalar com quem?

Após a Revolução Cognitiva, a fofoca ajudou o Homo sapiens a formar


bandos maiores e mais estáveis. Mas até mesmo a fofoca tem seus limites.
Pesquisas sociológicas demonstraram que o tamanho máximo “natural”
de um grupo unido por fofoca é de cerca de 150 indivíduos. A maioria
das pessoas não consegue nem conhecer intimamente, nem fofocar
efetivamente sobre mais de 150 seres humanos.

Ainda hoje, um limite crítico nas organizações humanas fica próximo


desse número mágico. Abaixo desse limite, comunidades, negócios, redes
sociais e unidades militares conseguem se manter principalmente com
base em relações íntimas e no fomento de rumores. Não há necessidade
de hierarquias formais, títulos e livros de direito para manter a ordem.
Um pelotão de 30 soldados ou mesmo uma companhia de cem soldados
podem funcionar muito bem com base em relações íntimas, com um
mínimo de disciplina formal. Um sargento respeitado pode se tornar “rei
da companhia” e exercer autoridade até mesmo sobre oficiais de patente.
Um pequeno negócio familiar pode sobreviver e florescer sem uma
diretoria, um CEO ou um departamento de contabilidade.

Mas, quando o limite de 150 indivíduos é ultrapassado, as coisas já não


podem funcionar dessa maneira. Não é possível comandar uma divisão
com milhares de soldados da mesma forma que se comanda um pelotão.

FGV DIREITO RIO 26


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Negócios familiares de sucesso normalmente enfrentam uma crise


quando crescem e contratam mais funcionários. Se não forem capazes de
se reinventar, acabam falindo.

Como o Homo sapiens conseguiu ultrapassar esse limite crítico,


fundando cidades com dezenas de milhares de habitantes e impérios
que governam centenas de milhões? O segredo foi provavelmente o
surgimento da ficção. Um grande número de estranhos pode cooperar de
maneira eficaz se acreditar nos mesmos mitos.

Toda cooperação humana em grande escala – seja um Estado moderno


uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica – se baseia
em mitos partilhados que só existem na imaginação coletiva das pessoas.
As igrejas se baseiam em mitos religiosos partilhados. Dois católicos que
nunca se conheceram podem, no entanto, lutar juntos em uma cruzada
ou levantar fundos para construir um hospital porque ambos acreditam
que Deus encarnou em um corpo humano e foi crucificado para redimir
nossos pecados. Os Estados se baseiam em mitos nacionais partilhados.
Dois sérvios que nunca se conheceram podem arriscar a vida para salvar
um ao outro porque ambos acreditam na existência da nação sérvia, da
terra natal sérvia e da bandeira sérvia. Sistemas judiciais se baseiam em
mitos jurídicos partilhados. Dois advogados que nunca se conheceram
podem unir esforços para defender um completo estranho porque
acreditam na existência de leis, justiça e direitos humanos – e no dinheiro
dos honorários.

Mas nenhuma dessas coisas existe fora das histórias que as pessoas
inventam e contam umas às outras. Não há deuses no universo, nem
nações, nem dinheiro, nem direitos humanos, nem leis, nem justiça fora
da imaginação coletiva dos seres humanos.

As pessoas entendem facilmente que os “primitivos” consolidam sua


ordem social acreditando em deuses e espíritos e se reunindo a cada lua
cheia para dançar juntos em volta da fogueira. Mas não conseguimos
avaliar que nossas instituições modernas funcionam exatamente sobre
a mesma base. Considere, por exemplo, o mundo das corporações. Os
executivos e advogados modernos são, de fato, feiticeiros poderosos.
A principal diferença entre eles e os xamãs tribais é que os advogados
modernos contam histórias muito mais estranhas. A lenda da Peugeot 41
HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma
breve história da humanidade. Editora
nos fornece um bom exemplo.”41 L&PM P. 30-33.

FGV DIREITO RIO 27


TEORIA GERAL DA EMPRESA

3. TEORIA DA EMPRESA E O DIREITO EMPRESARIAL NO BRASIL

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. –


revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos
Tribunais: Rio de Janeiro, 2019.

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 3 a 41.

ASCARELLI, Tullio. “A Atividade do Empresário”, in Corso di Diritto


Commerciale. Tradução de Erasmo Valadão A. e N. França. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 132,
p. 203 e segs., 2003

Já sabemos que quem praticava ato de comércio recebia tratamento


diferenciado da lei, tendo em vista que o Estado reconhecia a importância da
atividade econômica (mercantil) para a sociedade.

Contudo, a principal lacuna da teoria dos atos de comércio consistia em


não abranger atividades econômicas importantes, tais como a prestação de
serviços, a agricultura, a pecuária e a negociação imobiliária, mesmo quando
prestadas de forma empresarial.

Antes de adentrarmos nas dificuldades existentes para definição dos atos


de comércio, vejamos como identificar se uma atividade poderia, ou não, ser
considerada advinda de um comerciante.

FGV DIREITO RIO 28


TEORIA GERAL DA EMPRESA

IDENTIFICAÇÃO DO COMERCIANTE.

Neste ponto, veremos como identificar o comerciante, para que


possamos melhor compreender e alcançar a moderna sistemática do
direito de empresa.

Durante a Revolução Francesa, a partir do Código Civil Francês


de 1807 (texto original), especificamente em seu artigo 1º, Napoleão
Bonaparte, ao editar a referida lei, teve como um de seus principais
objetivos alcançar a burguesia e, assim, acabar com as castas (direito das
castas – figura do cônsul).

Nesse sentido, o Brasil, tomando como inspiração o Código francês,


promulgou o Código Comercial de 1850, que, em seu artigo 4º, e artigos
19 e 20 do Regulamento 737/1850, estabeleceu critério objetivo para
identificação do comerciante.

Assim, o comerciante passou a ser identificado com base em 3 requisitos


básicos, a partir dos quais dever-se-ia analisar se, no caso concreto,
estavam materializadas:

a) a prática de atos de comércio;

b) com habitualidade; e

c) com intuito de lucro.

Com a teoria objetiva, passa a ser considerado comerciante aquele


que pratica atos de comércio, aumentando-se, assim, a abrangência
da aplicação do Direito Comercial, sempre no intuito de conferir os
benefícios do direito comercial a um maior número de comerciantes.

Com efeito, benefícios como a falência e a recuperação judicial


(instituto novo que substituiu a concordata), atualmente dispostos na
Lei n.º 11.101/05, têm a finalidade de estimular a atividade empresarial,
considerada verdadeira mola propulsora de riqueza para a economia de
um país, uma vez que gera empregos, arrecadação de tributos, acesso aos
bens e serviços a serem consumidos, etc.

FGV DIREITO RIO 29


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ATOS DE COMÉRCIO.

Em que pese o exposto, para a definição do que vem a ser considerado


ato de comércio, não existe uma regra rígida, pois, como assevera a doutrina,
deve ser deixada a cargo dos intérpretes a sua classificação.

Existem, sim, parâmetros, como, v.g., o disposto no revogado artigo 191


do Código Comercial (compra e venda de móveis ou semoventes), artigo
2º, § 1º da Lei 6.404/76 (a sociedade anônima será sempre mercantil); Lei
4.068/62 (as sociedades que se destinam à construção civil eram consideradas
comerciais) e artigo 43 da Lei 4.591/64 (incorporação de imóveis).

Além da teoria objetiva (prática de atos de comércio), a identificação tinha


por base a prática efetiva de tais atos de mercancia, em consonância com o
critério real, ao contrário do critério formal – não basta o ato constitutivo
asseverar que se trata de um comerciante, mas este deve efetivamente exercer
o comércio. Nesse sentido, não será o arquivamento dos atos constitutivos no
Registro Público de Empresas (Juntas Comerciais) para se poder afirmar que
se trata de um comerciante, importando o ato efetivamente por ele praticado.

Ainda havia a possibilidade de nos depararmos com determinada pessoa que


praticava atos considerados mercantis e atos classificados como não mercantis,
o que se resolvia pelo critério da predominância (i.e., uma oficina mecânica
que vendia produtos automotivos, além de prestar serviços de reparos em
automóveis). Tal critério (real) também será utilizado para a identificação do
empresário e da sociedade empresária no atual sistema jurídico.

A dificuldade em traçar uma definição para “ato de comércio” capaz de


abranger todas as atividades comerciais gerou, na doutrina, comentários
críticos à teoria objetiva. Veja-se que, segundo aponta Rubens Requião42, a
teoria objetiva, ao deslocar a base do direito comercial da figura tradicional do
comerciante para a dos atos de comércio, tem sido infeliz, porquanto “até hoje
não conseguiram os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles”.

Além do autor acima, Fábio Ulhoa Coelho aponta que:

A teoria dos atos de comércio resume-se rigorosamente


falando, a uma relação de atividades econômicas, sem
que entre elas se possa encontrar qualquer elemento
interno de ligação, o que acarreta indefinições no tocante
à natureza mercantil de algumas delas (COELHO,
Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1.
23ª ed. – revisada, atualizada e ampliada. Thompson 42
Rubens Requião in Curso de Direito
Comercial. Vol.1. Saraiva: São Pau-
Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de Janeiro, 2019). lo/1995.

FGV DIREITO RIO 30


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Nota-se, portanto, que um dos principais argumentos contrários


ao sistema objetivo é a notória fragilidade científica em definir o que
pode ser considerado ato de comércio. Nesse sentido, Alfredo de Assis
Gonçalves Neto defende que:

O principal argumento contrário ao sistema


objetivo é justamente a precariedade científica
da base em que se assenta – uma enumeração
casuística de atos de comércio, feita pelo legislador
ao acaso (de acordo com aquilo que a prática
mercantil considerava, à época, pertencer ao
Direito Comercial). Com isso, sequer se consegue
encontrar o conceito de seu elemento fundamental,
o ato de comércio (Alfredo de Assis Gonçalves Neto
in Manual de Direito Comercial. 2ª ed. Revisada e
atualizada. Juruá: Curitiba/2000. p. 47).

HABITUALIDADE.

Podemos alcançar a definição pela antítese – será habitual tudo que


não se afigurar como eventual, no caso concreto.

Assim, o simples requisito temporal não será um bom indicador, pois


uma compra e venda realizada a cada 12 (doze) meses pode ser considerada
eventual, na hipótese de se tratar da venda de um refrigerante e um
sanduíche; por outro lado, vislumbrar-se-á o requisito da habitualidade
se, no mesmo lapso, estivermos diante da compra e venda de um navio
ou aeronave.

INTUITO DE LUCRO.

Não se quer dizer que toda a operação de compra e venda deveria


alcançar o lucro, mas que o objetivo da atividade fosse o lucro. Não se
pode olvidar que atividades sem fins lucrativos, apesar de eventualmente
auferirem lucros, são assim nominadas em razão da ausência do objetivo
de lucro, o qual caracterizar-se-ia somente se houvesse divisão dos
respectivos lucros (dividendos).

FGV DIREITO RIO 31


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO CEDENDO À TEORIA DA EMPRESA.

Com a unificação dos direitos civil e comercial ocorrida na Itália em 1942,


surge a teoria da empresa, superando o conceito objetivo de comerciante que
o identificava como sendo quem praticava atos de comércio.

No Brasil, antes da teoria da empresa ser adotada legalmente com o


advento do Código Civil de 2002, algumas leis já vinham traçando um novo
mecanismo para a identificação do comerciante, declarando como comerciais
determinadas atividades. Vejamos:

• Lei 4.068/62 – Construção Civil: “Art. 1º São comerciais as empresas


de construção”.

• Lei 4.591/64 – Condomínios e Incorporação Imobiliária: artigo 43,


III – em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica...”.

• Lei 6.404/76 – Sociedades por Ações – A Sociedade Anônima é sempre


empresária, trata-se de classificação em razão da forma, por força e efeito
de lei - §1º do artigo 2º: “Qualquer que seja o objeto, a companhia é
mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio”. No mesmo sentido,
o p. único do artigo 982, do Código Civil: “Independentemente de
seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a
cooperativa”.

• Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor - artigo 3˚:


“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços”.

• Lei 8.245/91 – Lei das Locações – artigo 51 – Direito à renovação


compulsória do prazo locatício: “§4º - O direito a renovação do
contrato estende-se às locações celebradas por indústrias e sociedades
civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrente
os pressupostos previstos neste artigo”.

No ensinamento de Waldírio Bulgarelli, o Código Civil Italiano de 1942


foi um verdadeiro divisor de águas no âmbito legislativo, principalmente
de países que adotavam o sistema da comercialidade, como o Brasil, que já
contemplava a “empresa” através de leis esparsas.

FGV DIREITO RIO 32


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O Código Italiano, efetivamente, pôs em vigor o sistema normativo da


empresa com estatuto jurídico qualificador do empresário, inclusive seu
conceito. Ademais, trouxe um regime – e o seu conceito – para a azienda;
uma ordenação da atividade empresarial e o regulamento das relações de
trabalho no seio da empresa; e ainda em torno dela, porém integrante do
sistema, a unificação obrigacional, tudo complementado por uma lei de
falências, em apartado.43

Assim, temos que o Código Civil Italiano incorporou à teoria da


empresa a necessidade de uma figura que se aplicasse a todas as formas de
atividades econômicas. A empresa foi, então, introduzida nesse contexto
como sendo uma relação entre atividade econômica e organização44.
Sem muito se deter em conceitos e particularidades, o legislador italiano
relegou à doutrina e à jurisprudência a tarefa de examinar os reflexos,
no campo jurídico, desses elementos e verificar até que ponto princípios
tradicionais como o objetivo de lucro e a habitualidade são fatores
determinantes do conceito de empresa.45

Diferentes juristas italianos se dedicaram ao estudo do conceito de


empresa. Pode-se citar, dentre eles, Vivante, que, adotando a ideia de
organização e risco, associou o conceito jurídico com o econômico no
sentido de que:

(...) a empresa é um organismo econômico que


sob o seu próprio risco, recolhe e põe em atuação
sistematicamente os elementos necessários para
obter um produto destinado à troca. A combinação
dos fatores (natural, capital e trabalho) que
associados produzem resultados impossíveis de
serem alcançados individualmente, e o risco, que o
empresário assume ao produzir uma nova riqueza
são requisitos indispensáveis a toda empresa.46 43
BULGARELLI, Waldírio. A Teoria Jurí-
dica da Empresa. RT/1985.

Além deste, Rocco, destacando a organização do trabalho de outrem 44


Art. 2.082. É empresário quem exer-
ce profissionalmente uma atividade
como elemento conceitual básico de empresa, defende que: econômica organizada, dirigida à pro-
dução ou à troca de bens ou de serviços.
45
PACIELLO, Gaetano. A evolução do
segundo o Código, apenas temos a empresa e, conceito de empresa no direito italiano.
consequentemente, ato comercial, quando a Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, v.
produção é obtida mediante trabalho de outros ou, 17, n. 29, p.39-56, jan./mar. 1978, p. 41

por outras palavras, quando o empresário recruta o 46


Apud BULGARELLI, Waldírio. Socie-
dade Comerciais, p. 25.
trabalho, o organiza, fiscaliza e retribui e o dirige 47
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
para os fins da produção.47 Comercial - vol. 1/ 1995 p.51.

FGV DIREITO RIO 33


TEORIA GERAL DA EMPRESA

No entanto, dentre todos estes autores, devemos creditar ao jurista Alberto


Asquini a visão mais apropriada dos diversos significados que o Código Italiano
de 1942 conferiu à empresa e que passou a representar o paradigma da forma de
recepção da empresa no plano jurídico. Segundo o autor, a empresa se apresenta
perante o Direito sob quatro diversos “perfis”, os quais serão oportunamente
trabalhados neste curso.

Face ao exposto, note-se que o Código Civil Italiano criou um sistema


de disciplina da atividade econômica privada, abrangendo negócios como a
prestação de serviços e outros que eram omissos no sistema de ato de comércio
estático, pelo que se denominou teoria da empresa.

Com isso, Miguel Reale (Supervisor da Comissão Elaborada e Revisora do


Novo Código Civil), elucida – acerca do processo de reforma do Código Civil
brasileiro – que a nova lei civil mantém a estrutura anterior, muito embora
traga à tona modificações fundamentais. Dentre elas:

(...) a inserção de uma parte relativa ao Direito de Empresa,


o qual veio dar colorido novo ao Direito Comercial.
O Direito Comercial que teve no Brasil e tem ainda
desde Mendonça até agora, grandes cultores, o Código
Comercial mudou de significado e de representatividade
no momento em que surgiram atividades outras iguais
senão superiores ao do próprio comércio. A indústria e
o poderoso ramo dos serviços tornaram indispensável
levar em consideração o conceito de empresa, para
estabelecer a unidade das obrigações civis e comerciais
que já se tornara uma realidade no Brasil em virtude do
obsoletismo do Código Comercial de 1850. Os juristas
não faziam mais referência ao Código de 1850 mas
em matéria de Direito Obrigacional tinham presente
especificamente o Código Civil.

A unidade das obrigações civis e comerciais já era,


portanto, uma realidade vigente nos Tribunais e na
doutrina quando eu assumi a responsabilidade de
elaborar uma nova codificação.

Este ponto de partida é fundamental para a noção


daquilo que se entende por Código Civil de 2002. É que
Palestra proferida no TCM/
na realidade, nós não pretendemos fazer a codificação
48

SP dia 07/04/2003. http://


toda do Direito Privado mas pura e simplesmente a www.tcm.sp.gov.br/legislacao/
doutrina/07a11_04_03/1miguel_
unificação das obrigações civis e comerciais” 48. reale1.htm (acesso em 17/05/2019).

FGV DIREITO RIO 34


TEORIA GERAL DA EMPRESA

TEORIA DOS PERFIS DA EMPRESA. ALBERTO ASQUINI.

A teoria da empresa descolou a incidência do Direito Comercial de uma


atividade (prática de atos de comércio) para uma pessoa (o empresário) seja
ela natural ou jurídica. O cerne dessa teoria está nesse ente economicamente
organizado destinado à produção ou à circulação de bens ou serviços que se
chama empresa.

Manifestando-se na primeira hora seguinte às dúvidas e indagações


formuladas na esteira da novidade adotada pelo Código Italiano, o jurista
Alberto Asquini percebeu que as dificuldades com que se deparavam os
comercialistas decorriam da complexidade do fenômeno empresa, pois não
lhes era possível obter conceito unitário.

Concluiu que a empresa deveria ser conceituada como fenômeno econômico


poliédrico, que teria, no aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis:

O primeiro perfil da empresa identificado por Asquini foi o perfil


subjetivo, que emerge da definição que é dada pelo art. 2.082 do Código
Civil Italiano, como sendo “quem exercita profissionalmente atividade
econômica organizada com o fim da produção e da troca de bens ou serviços.”
Significa dizer: no perfil subjetivo, entende-se a empresa como sinônimo de
empresário, sujeito de direitos e obrigações na esfera jurídica.

O segundo perfil, seria o funcional, identificando-se a empresa como sinônimo


de atividade empresarial, em que a empresa “seria aquela particular força em
movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo
produtivo.” Assim, a empresa produziria um conjunto de atos para organizar e
distribuir a produção de bens ou serviços. empresa como atividade empresarial (i.
e., relação dinâmica de produção e troca de bens e serviços com profissionalismo).

O terceiro perfil objetivo ou patrimonial, onde a empresa é considerada


como um conjunto de bens, que se destina ao exercício de uma atividade
empresarial, distinto do patrimônio remanescente nas mãos da empresa (i.
e., empresa como sinônimo de estabelecimento comercial). Neste caso, a
empresa seria um patrimônio afetado a uma finalidade específica.

Havia, ainda, o perfil corporativo, que, nas palavras de Alberto Asquini, seria
“aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por
seus prestadores de serviços, seus colaboradores, (...) um núcleo organizado em
função de um fim econômico comum”. Assim, a empresa seria como sinônimo
de instituição, organização hierárquica de pessoas formada pelos empresários e
pelos seus respectivos colaboradores no desenvolvimento do empreendimento.

FGV DIREITO RIO 35


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Nesse sentido, em sendo empresárias, as sociedades sujeitam-se a todos


os benefícios, encargos e características deste sistema, podendo valer-se do
benefício da Recuperação Judicial, sujeitando-se à falência e devendo registrar
seus atos perante os órgãos do Registro Público das Empresas Mercantis.

Os três primeiros perfis demonstram três realidades intimamente ligadas,


e muito importantes para a teoria da empresa: (i) Empresa, (ii) Empresário e
(iii) Estabelecimento.

Afastando o perfil corporativo – que entende a empresa como uma


instituição e encontra fundamento em ideologias populistas49 – Waldírio
Bulgarelli definiu empresa como: “atividade econômica organizada de produção
e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em
caráter profissional, através de um complexo de bens” (in Tratado de Direito
Empresarial, 2ª ed. Editora Atlas, São Paulo/1995 – p.100).

Ademais a isso, na Exposição de Motivos Complementar apresentada por


Sylvio Marcondes – responsável pela elaboração do Livro II – “Direito da
Empresa” no anteprojeto do Código Civil/2002, há um trecho que ressalva a
importância dos conceitos apresentados por Asquini, que passamos a transcrever:

O conceito econômico de empresa – como organização


dos fatores da produção de bens ou de serviços, para
o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe
assume os resultados – tem sido fonte de contínua
discussão sobre a natureza jurídica da empresa,
entre os autores que já não consideram suficiente
a lição de Vivante, aliás, consagrada na doutrina
brasileira, de que ‘o direito faz seu aquele conceito
econômico’. Entretanto, suscitada na hermenêutica
dos códigos comerciais do tipo francês, e acirrada
pela exegese no novo Código Civil italiano, a disputa
encontrou afinal seu remanso. Segundo esclareceu
Asquini – apresentando o fenômeno de empresa,
perante o direito, aspectos diversos, não deve o
intérprete operar com o preconceito de que ele caiba,
forçosamente, num esquema jurídico unitário, de vez
que empresa é conceito de um fenômeno econômico
poliédrico, que assume, sob o aspecto jurídico, em 49
Lembre-se que a Itália, nesta épo-
relação aos diferentes elementos nele concorrentes, ca, passava pelo período do fascismo
de Mussolini, onde o centro de toda
não um mas diversos perfis: subjetivo, como necessidade social girava em torno da
empresário; funcional, como atividade; objetivo, produtividade em benefício do Estado,
sem qualquer referência ao valor fun-
como patrimônio; corporativo, como instituição. damental do ser humano.

FGV DIREITO RIO 36


TEORIA GERAL DA EMPRESA

MANIFESTAÇÕES DA “EMPRESA” NOS RAMOS DO DIREITO BRASILEIRO.

Conceituada ou não a empresa, o direito positivo brasileiro formulou


critérios e noções para deles se valer em seus propósitos, conforme 50
Art. 2º Considera-se empregador a
empresa, individual ou coletiva, que,
veremos a seguir: assumindo os riscos da atividade eco-
nômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal do serviço.
A primeira manifestação do conceito jurídico de empresa dá-se no 51
Revista de Informação Legislativa.
Brasília n.º 143 jul./set. 1999. www.se-
Direito do Trabalho, fundamentalmente no art. 2º do Decreto-Lei n.º nado.gov.br/web/cegraf/ril/principal.
htm
5.452/43 – Consolidação das Leis do Trabalho.50
52
Art. 132. A pessoa jurídica de direito
privado que resultar de fusão, trans-
formação ou incorporação de outra ou
Na opinião de José Gabriel Assis de Almeida 51 a definição do em outra é responsável pelos tributos
art. 2º da CLT acolhe de modo praticamente perfeito, por parte do devidos até a data do ato pelas pessoas
jurídicas de direito privado fusionadas,
Direito, a noção econômica de empresa uma vez que a destaca como transformadas ou incorporadas.

atividade econômica e enquanto entidade responsável pelos riscos 53


Art.6º. Considera-se empresa toda
organização de natureza civil ou
dessa atividade econômica. mercantil destinada à exploração por
pessoa física ou jurídica de qualquer
atividade com fim lucrativo.”

Diante disso, manifesta-se também, no Direito Tributário, a noção 54


Op.Cit.

jurídica de empresa quando dispõe no caput do art. 132 da Lei n.º 55


Art. 15. Esta Lei aplica-se às pessoas
físicas ou jurídicas de direito público
5.172/66 – Código Tributário Nacional.52 sobre a responsabilidade da ou privado, bem como a quaisquer
associações de entidades ou pessoas,
pessoa jurídica que resulta da fusão, transformação ou incorporação, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente, com ou
pelos tributos devidos pelos antecessores. sem personalidade jurídica, mesmo
que exerçam atividade sob o regime de
monopólio legal.
O disposto no artigo supramencionado é claro no sentido da existência Art. 20. Constituem infração da ordem
econômica, independentemente de
de uma figura jurídica que estava associada a uma empresa. Essa figura culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por obje-
jurídica desaparece, mas o desaparecimento não causa a “morte” da to ou possam produzir os seguintes
efeitos, ainda que não sejam alcança-
empresa que continua como entidade autônoma, com vida jurídica dos: I - limitar, falsear ou de qualquer
forma prejudicar a livre concorrência
própria, respondendo por atos pretéritos. ou a livre iniciativa; II - dominar mer-
cado relevante de bens ou serviços; III
- aumentar arbitrariamente os lucros;
Outra manifestação jurídica da empresa ocorre no âmbito do Direito IV - exercer de forma abusiva posição
dominante.
da Concorrência, no texto da antiga Lei n.º 4.137/62, que em seu art. § 1º A conquista de mercado resultante
de processo natural fundado na maior
6º 53 ampliou o conceito de empresa às atividades civis. eficiência de agente econômico em
relação a seus competidores não carac-
teriza o ilícito previsto no inciso II.
Na atual lei de defesa da concorrência, Lei nº 8.884/94, o conceito § 2º Ocorre posição dominante quando
uma empresa ou grupo de empresas
de empresa define-se pelo conteúdo econômico da atividade e não pela controla parcela substancial de merca-
do relevante, como fornecedor, inter-
forma jurídica adotada. De acordo com José Gabriel Assis de Almeida54, mediário, adquirente ou financiador
de um produto, serviço ou tecnologia
esta afirmação obedece a dois parâmetros apresentados na lei dispostos a ele relativa.
§ 3º A posição dominante a que se re-
nos artigos 15 e 2055. O primeiro define a empresa pela negativa, ou seja, fere o parágrafo anterior é presumida
a empresa independe da estrutura jurídica que revestir. O segundo diz que quando a empresa ou grupo de em-
presas controla 20% (vinte por cento)
qualquer estrutura jurídica que seja capaz de produzir os comportamentos de mercado relevante, podendo este
percentual ser alterado pelo Cade para
visados neste artigo será considerada uma empresa. setores específicos da economia.

FGV DIREITO RIO 37


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Por meio da Lei n.º 8.078/90, verifica-se a manifestação da empresa no


Direito do Consumo com a definição de “fornecedor” no art. 3º desse
diploma legal 56. Mais uma vez, a definição se dá pelo exercício de atividade de
natureza econômica – fornecedor é quem desenvolve a atividade econômica.
A forma jurídica é meramente acessória, uma vez que a empresa pode ser
pública ou privada, tratar-se de pessoa natural ou de pessoa jurídica e ter
nacionalidade brasileira ou estrangeira.

Encontramos manifestação jurídica da empresa na Lei n.º 13.105/2015


– Código de Processo Civil –, que, em seus artigos 862 e 863, dispõe sobre
penhora, depósito e administração de empresa57. Na concepção do Direito
Processual Civil, a empresa se aproxima da figura jurídica do estabelecimento
comercial – perfil funcional de Asquini.

A Lei n.º 8.934/94, que disciplina o Registro Público de Empresas


Mercantis, em seu artigo primeiro e incisos58, utiliza o termo empresa como
sinônimo de Empresário ou de Sociedade Empresária, portanto dentro do
perfil subjetivo de Asquini.

Analisando os conceitos acima, vimos que a norma positiva não adotou 56


Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa
um conceito geral de empresa, aplicando-a de forma fracionada, ou seja, de física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como
acordo com a necessidade de cada situação legal. os entes despersonalizados que de-
senvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, trans-
formação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de
DIREITO INTERTEMPORAL. produtos ou prestação de serviços.
57
Art. 862. Quando a penhora recair
em estabelecimento comercial, indus-
Antes de ingressarmos no tema “Código Civil Brasileiro de 2002”, mais trial ou agrícola, bem como em semo-
especificamente no Livro II, precisamos comentar sobre o Direito Intertemporal, ventes, plantações ou edifício em cons-
trução, o juiz nomeará um depositário,
que é a saída de cena do sistema anterior para a chegada do novo sistema. determinando-lhe que apresente em
10 (dez) dias a forma de administração.
Art.863. A penhora de empresa que
Com a transição do sistema anterior para o novo, todos que praticam atos funcione mediante concessão ou au-
torização far-se-á, conforme o valor do
classificáveis como ato de empresa foram afetados pelas inovações trazidas pelo crédito, sobre a renda, sobre determi-
nados bens, ou sobre todo o patrimô-
Código Civil de 2002 e tiveram um prazo de adaptação que está previsto no art. nio, nomeando o juiz como depositário,
2.031. Contudo, qualquer alteração de seus atos constitutivos ou deliberação de preferência, um dos seus diretores.

efetuada em período anterior ao prazo determinado, já deve ser realizada sob as Art. 1º. O Registro Público de Empre-
58

sas Mercantis e Atividades Afins, obser-


novas regras do Código Civil de 2002, nos termos do art. 2.033. vado o disposto nesta Lei, será exercido
em todo o território nacional, de forma
sistêmica, por órgãos federais, estadu-
ais e distrital, com as seguintes finali-
Outro aspecto importante é a retirada do ATO DE COMÉRCIO do dades:
cenário, extinguindo a terminologia “comerciante”, “sociedade mercantil”, I – dar garantia, publicidade, auten-
ticidade, segurança e eficácia aos atos
“ato de comércio”, “comercial”, “mercancia”. Hoje, entende-se mais adequada jurídicos das empresas mercantis, sub-
metidos a registro na forma desta lei;
a referência: “empresário”, “sociedade empresária”, “ato de empresa” e II – cadastrar as empresas nacionais e
“empresarial” em razão não só da revogação sistemática, mas também do estrangeiras em funcionamento no País
e manter atualizadas as informações
previsto no artigo 2.037. pertinentes”.

FGV DIREITO RIO 38


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DIREITO ADQUIRIDO.

O Decreto n.º 3.708/19 era omisso quanto aos tipos de quórum. Nesta
época, dois grupos de doutrinadores discutiam sobre o quórum das Sociedades
por Ações. Um grupo contava com Waldemar Ferreira e defendia que a fixação
do quórum era matéria de ordem pública, razão pela qual não poderia ser
reduzido nem aumentado. O outro grupo era representado por Carvalho de
Mendonça e entendia ser possível aumentar o quórum, mas nunca o reduzir59.

O Código Civil de 2002 torna o quórum matéria de ordem pública,


quando passa a regulamentar, expressa e cuidadosamente, os vários tipos de
quórum de deliberação. Assim, com a modificação do quórum deliberativo,
a titularidade da maioria absoluta do capital não mais garante o controle
societário, já que o sócio majoritário tem seus “poderes” diminuídos em
virtude dos quóruns mínimos previstos no novo Código.

Pensemos numa Sociedade Limitada com 25 anos de mercado, que nunca


realizou reunião ou assembleia e suas deliberações sociais sempre foram
tomadas por maioria. Com a chegada do Código Civil de 2002, torna-se
obrigatória realização de reunião ou assembleia (deliberação colegiada)
e quórum representando 2/3 do capital social para aprovação de diversas
matérias (em alguns casos até a unanimidade, ex vi arts. 1.061 e 1.114).

Esse assunto adentra o campo da retroatividade da lei que, embora possa


retroagir para beneficiar o réu na esfera criminal, não retroagirá para atingir
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada60.

Sérgio Campinho defende que há direito adquirido em relação ao quórum


que deverá continuar a deliberar por maioria nas sociedades existente há
época do Decreto 3.708/19 e justifica sua posição dizendo que

a constituição da sociedade rege-se pela lei vigente


quando de sua criação, tendo-se aí o ato jurídico
perfeito a que se refere a Constituição Federal. A
esta hipótese não se aplica o artigo 2.031 da Lei n.º
10.406/02, porquanto não se pode influir e alterar 59
DE LUCCA, Newton in Comentários
o ato de criação da sociedade, seria corromper a ao Código Civil Brasileiro. Do Direito
de Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX.
essência do ato perfectibilizado à luz da lei vigente à Forense: Rio de Janeiro/2005. pg. 413.
data de sua celebração. 61 60
Art. 5º, XXXVI, da Constituição
Federal de 1988: ‘’A lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico
Apesar da autoridade do doutrinador que defende tal tese, parece-nos perfeito e a coisa julgada’’.

difícil a sustentação do argumento, em decorrência da fundamentação acima 61


In: O Direito de Empresa à luz do
Novo Código Civil. 5ª ed. Renovar/2005.
sobre a incidência imediata da norma pública. pg. 251.

FGV DIREITO RIO 39


TEORIA GERAL DA EMPRESA

CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO – 2002.

Além da aceitação doutrinária, a concepção da teoria da empresa


inspirou a jurisprudência na solução de questões complexas, influenciou
os trabalhos de elaboração do Código Civil de 2002, e, sobretudo,
unificou as disciplinas comercial e civil, similarmente, conforme já vimos,
ao ocorrido na Itália no Código de 1942.

A teoria da empresa é denominada também de conceito subjetivo


moderno porque descolou a incidência do direito comercial de uma
atividade para uma pessoa: o empresário (empreendedor) seja ele pessoa
natural ou jurídica.

Diante da polêmica que determinados dispositivos do Código Civil


de 2002 geraram, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal promoveu três Jornadas de Direito Civil, reunindo
juristas de todo o país, em comissões divididas por matérias, sendo que
na primeira e na segunda (uma no período de 11 a 13 de setembro de
2002 e outra de 3 a 5 de dezembro de 2004), foram elaborados alguns
enunciados com o objetivo de facilitar a interpretação e compreensão
do Novo Código Civil. Alguns desses enunciados serão citados durante
nossas aulas. 62

A autonomia do Direito Empresarial foi tema de uma questão, na 1ª


Jornada de Direito Civil, que inspirou o Newton de Lucca a sugerir o
Enunciado n.º 75 (ref. Art.2045-NCC), onde dizia que a unificação das
obrigações civis e empresariais ocorre apenas no livro – Novo Código
Civil, permanecendo a autonomia do Direito Empresarial.

En.75 – Art.2.045: a disciplina de matéria mercantil 62


Para ter acesso aos Enunciados basta
acessar: www.justicafederal.gov.br e
no novo Código Civil não afeta a autonomia do consulta-los em “Publicações”.
Direito Comercial. 63
Entre as leis que alteraram o teor do
Código Civil/2002 estão:
Lei 10.838/04: ampliou o período de
adaptação, previsto no art. 2.031, de
Assim, a Lei n.º 10.406/02 – Novo Código Civil, entrou em vigor em um para dois anos, a contar de 11/01/
2003.
11 de janeiro de 2003, depois de ter tramitado por 26 anos na Câmara Lei 11.127/05: estendeu novamente o
e no Senado. Após quase três anos do início da vigência, três leis que prazo de adaptação para 11/01/2007 e
reduziu o poder das assembléias-gerais
alteram seu teor foram editadas63 e uma medida provisória foi revogada. das associações para privilegiar as nor-
mas definidas nos estatutos.
Além das modificações já efetivadas, vários projetos de lei tramitam na Lei 11.107/05: incluiu as associações
públicas como pessoas jurídicas de di-
Câmara com sugestões de mudança no texto em vigor. reito público (art. 41, IV)

FGV DIREITO RIO 40


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Na opinião do relator do Código Civil, a maioria das mudanças feitas até


o momento não representou alteração substancial na estrutura do código,
“mas a mera complementação de alguns dispositivos”. Boa parte delas,
aliás, consta do Projeto de Lei (PL) 6960/02, que o deputado apresentou
antes da entrada em vigor da nova lei. “Logo após a sanção do novo código,
comprometi-me a apresentar um projeto aperfeiçoando alguns pontos que
não poderiam ter sido alterados naquele momento”, disse.64

O Projeto de Lei n.º 6.960/02 foi a solução encontrada para corrigir


problemas de remissão e distorções em cerca de 180 artigos do Código
Civil/2002.

64
Fonte: Agência Câmara - Especial
- 14/10/2005 (www.camara.gov.br)
acesso em 21/11/2005.

FGV DIREITO RIO 41


TEORIA GERAL DA EMPRESA

4. TEORIA DA EMPRESA: ATO DE EMPRESA E ATO SIMPLES

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

Parecer: Sociedades Simples e Empresárias. Fábio Ulhoa Coelho. RCPJ:


Rio de Janeiro/2003 (disponível no site: www.rcpj-rj..com.br)

Parecer: Sociedades Simples e Empresárias. José Edwaldo Tavares Borba.


RCPJ: Rio de Janeiro/2003. (disponível no site: https://www.rcpjrj.
com.br/html/pareceres/prof-jose-edwaldo-tavares-borba.html).

Leitura Complementar

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 03 a 40.

BULGARELLI, Waldírio. Sociedades Comerciais - Empresa e


Estabelecimento.. 2ª edição. Ed. Atlas: São Paulo/1985. Capítulo I.

Na aula passada, vimos que o Direito Italiano e o Direito Brasileiro


(aqui incluindo o Código Civil de 2002 e a legislação esparsa por ele
recepcionada), não adotam um conceito unitário de empresa, restando
para legisladores e juristas a noção econômica e a viabilidade de seu
reconhecimento, com a aplicação da “Teoria dos Perfis” de Alberto
Asquini, sempre que se fizer necessário.

O EMPRESÁRIO.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o direito privado


brasileiro passa a conviver com dois regimes jurídicos distintos, quais
sejam: um voltado para a atividade empresarial, e outro para o regramento
dos atos simples.

FGV DIREITO RIO 42


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Inspirado no Código Civil italiano de 1942, precisamente no artigo 2.082,


o legislador brasileiro optou por não definir “empresa” - esse conceito pode ser
obtido a partir da definição de empresário propagada no caput do artigo 966.65

Ante ao exposto, traduzindo o artigo 966, será compreendido empresário:

(i) quem produz ou circula bens ou serviços – quem pratica um desses atos;

(ii) de forma economicamente organizada – é preciso ter um mínimo de


organização econômica; e

(iii) profissionalmente.

Assim, fazendo uma comparação entre a sistemática do Código Comercial


de 1850 e a do Código Civil de 2002, verifica-se que os itens 1, 2 e 3 abaixo são
mantidos, mas agora, com o novo Código Civil, ao invés da prática de “ato de
comércio”, leia-se “ato de empresa”, cujo conceito será completamente distinto.

DISTINÇÕES ENTRE OS CÓDIGOS CIVIL E COMERCIAL.

CÓDIGO CIVIL DE 2002 CÓDIGO COMERCIAL DE 1850

Para ser considerado comerciante,


Para ser considerado empresário,
devia-se praticar:
deve-se praticar:
1) ato de COMÉRCIO (ato
1) ato de EMPRESA (ato dinâmico,
estático, rotulado à “compra e
analisando outros itens).
venda de móveis e semoventes...”).
2) com habitualidade.
2) com habitualidade.
3) com intuito de lucro.
3) com intuito de lucro

O intuito de lucro constitui um dos elementos caracterizadores da


atividade empresarial e revela a intenção de agir, habitualmente, com vista
à obtenção de vantagem econômica. Essa habitualidade no agir econômico
caracteriza a profissionalidade exigida pelo Código Civil de 2002.

Podemos dividir o lucro em EMPRESARIAL e CONTÁBIL. A diferença


é que no lucro empresarial há o INTUITO DE LUCRAR, ou seja, a atividade
tem como fim auferir lucro. Já o lucro contábil é uma apuração de resultados 65
“Considera-se empresário quem
verificada através do Balanço Financeiro – que depois é transportado para o exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção
Balanço Patrimonial. ou a circulação de bens ou de serviços.”

FGV DIREITO RIO 43


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Desta forma, verificamos que uma sociedade é lucrativa através da


previsão obrigatória de distribuição dos lucros entre os sócios (numa Ltda)
e dos dividendos (numa S/A).

Para identificarmos o “ato de empresa”, devemos analisar o foco irradiador


de riqueza, o enfoque na produção e o desenvolvimento econômico. Diante
dessas constatações, a regra é ser EMPRESÁRIO.

Diante disso, entende-se que o ato de empresa (1) poderá ser praticado
por duas pessoas: (i) o EMPRESÁRIO INDIVIDUAL (pessoa natural) e
(ii) a SOCIEDADE EMPRESÁRIA (pessoa jurídica). Já a SOCIEDADE
SIMPLES não pratica ATO DE EMPRESA, muito embora ostente
habitualidade (2) e intuito de lucro (3). Afaste-se, desde já, a ideia de que
a sociedade simples não tem intuito de lucro.

QUEM PRATICA O ATO DE EMPRESA NA SOCIEDADE?

Quando o Administrador ou Diretor assina um cheque quem está


assinando é a sociedade. Então quem pratica o ATO DE EMPRESA é a
sociedade e não o Administrador.

Foi exatamente por essa razão que Pontes de Miranda, com base na
teoria orgânica66, sustentou que a pessoa jurídica não podia ser representada
pelo seu órgão administrativo, como dispunha o art. 17 do Código Civil
de 191667, pois este nada mais é do que um membro do todo. O ato do
órgão é, na verdade, ato da própria pessoa jurídica. Não haveria, portanto,
representação, mas sim uma PRESENTAÇÃO, sendo o Administrador
verdadeiro PRESENTANTE da sociedade.

Nas palavras de Pontes de Miranda que introduziu a terminologia no


66
A teoria orgânica ou da realidade ob-
Direito Privado Brasileiro: jetiva prega que junto a pessoas natu-
rais, que são realidades físicas, existem
os organismos sociais, constituídos pe-
De ordinário, nos atos da vida, cada um pratica, por las pessoas jurídicas, as quais têm exis-
tência e vontade próprias, distintas da
si, os atos que hão de influir, ativa ou passivamente, de seus membros, tendo por finalidade
a realização de seus objetivos sociais.
na sua esfera jurídica. Os efeitos resultam de atos 67
“As pessoas jurídicas serão represen-
em que o agente é presente; pois que os pratica, por tadas, ativa e passivamente, nos atos
judiciais e extrajudiciais, por quem os
ato positivo ou negativo. A regra é a presentação, respectivos estatutos designarem, ou,
não o designando, pelos seus diretores”.
em que ninguém faz o papel de outrem, isto é, em 68
Tratado de Direito Privado – Tomo III –
que ninguém representa 68 3ª edição – Rio de Janeiro/1970. p. 231.

FGV DIREITO RIO 44


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que


há de entrar no mundo jurídico como ato da pessoa
jurídica, não há representação, mas presentação. O
ato do órgão não entra, no mundo jurídico, como ato
da pessoa, que é órgão, ou das pessoas que compõe o
órgão. Entra no mundo jurídico como ato da pessoa
jurídica, porque o ato do órgão é ato seu. 69

Nesse sentido, acerca da natureza jurídica da Administração da sociedade,


uma parte da doutrina entende tratar-se de simples mandato - teoria da
representação. Nossa lei filiou-se à teoria orgânica ao “estabelecer no art. 1.018
clara distinção entre a função do administrador e a do mandatário”. (Ricardo
Negrão in Manual de Direito Comercial e de Empresa. Saraiva/2005).

Da mesma forma, José Edwaldo Tavares Borba entende que “o


administrador é órgão da sociedade, não se confundindo, pois, com o
procurador. Este, por força de um mandato, representa a sociedade num
âmbito restrito dos poderes que lhe forem conferidos”. (in Direito Societário,
Renovar/2004).

Por fim, entendendo que o órgão da sociedade não representa, presenta,


conclui Pontes de Miranda:

O órgão da pessoa jurídica não é representante


legal. A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de
presentação, que ele tem, provém da capacidade
mesma da pessoa jurídica; por isso mesmo, é dentro e
segundo o que se determinou no ato constitutivo, ou
nas deliberações posteriores. A presentação é judicial
ou extrajudicial (art.17 CC/1916) 70.

A prática de ato de empresa por Fundação ou Cooperativa, não as


classificam como empresárias. Essas entidades podem até apresentar os itens
“1” e “2” do esquema apresentado acima, mas não se encaixam no item “3”,
que é, justamente, o caracterizador da prática de ato de empresa. A ausência 69
Op.Cit. p. 233.
de lucro (empresarial) fará com que a classificação empresarial se afaste. Tratado de Direito Privado – Tomo
70

I – 4ª edição – Revista dos Tribu-


nais/1977. p.412.
A regra, então, é ser EMPRESÁRIO, mas, existem exceções. A primeira 71
“Parágrafo único. Não se considera
delas está no parágrafo único do art. 96671, que abrange atividades empresário quem exerce profissão
intelectual, de natureza científica, lite-
econômicas. E, embora organizadas para produção ou circulação de bens rária ou artística, ainda com o concurso
ou serviços com intuito lucrativo, ficaram fora do alcance jurídico das de auxiliares ou colaboradores, salvo
se o exercício da profissão constituir
normas reguladoras da empresa. elemento de empresa”.

FGV DIREITO RIO 45


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O serviço, dentro do contexto de ATO DE EMPRESA, poderá se


apresentar com uma característica intelectual. Nesse caso, sendo de cunho
científico, literário ou artístico, mesmo com o concurso de colaboradores ou
auxiliares, não será ato de empresa.

O autor do anteprojeto que deu origem ao Código Civil de 2002, Sylvio


Marcondes, conferiu a seguinte explicação para o parágrafo único do artigo 966:

Dessa ampla conceituação (de empresário),


exclui (o anteprojeto) entretanto, quem exerce
profissão intelectual, mesmo com o concurso
de auxiliares ou colaboradores, por entender
que, não obstante produzir serviços, como
fazem os artistas, o esforço criador se implanta
na própria mente do autor, de onde resultam,
exclusiva e diretamente, o bem ou o serviço, sem
interferência exterior de fatores de produção,
cuja eventual ocorrência é, dada a natureza do
objeto alcançado, meramente acidental.

Se parasse por aí, seria ótimo, mas a lei traz um complicador. Analisando
o parágrafo único do artigo 966, encontramos uma “exceção dentro da
exceção”, pois, ao mesmo tempo que retira do Direito de Empresa a
disciplina das atividades intelectuais, de natureza científica, literária ou
artística, estipula que esta ressalva não prevalecerá quando “o exercício da
profissão constituir elemento de empresa”.

Vale ressaltar que, para melhor auxiliar no entendimento do que é


elemento de empresa, vejamos os Enunciados n.ºs 193, 194, 195, 196 e 199
do Conselho da Justiça Federal, abaixo:

193 – Art. 966: O exercício das atividades de natureza exclusivamente


intelectual está excluído do conceito de empresa72.
72
Autores: SÉRGIO MOURÃO CORRÊA
LIMA: Professor de Direito Comercial
194 – Art. 966: Os profissionais liberais não são considerados da UFMG; LEONARDO NETTO PAREN-
TONI: Mestrando em Direito Comercial
empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais da UFMG; RAFAEL COUTO GUIMARÃES:
Professor de Direito Comercial da PUC
importante que a atividade pessoal desenvolvida73. – MG; DANIEL RODRIGUES MARTINS:
Bacharel em Direito pela Faculdade de
Direito Milton Campos.
195 – Art. 966: A expressão “elemento de empresa” demanda 73
Autor: MARLON TOMAZETTE, Procu-
interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção rador do Distrito Federal e Professor.

da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, 74


Autor: MÁRCIO SOUZA GUIMARÃES,
Promotor de Justiça, Professor da Esco-
como um dos fatores da organização empresarial74. la de Direito da FGV.

FGV DIREITO RIO 46


TEORIA GERAL DA EMPRESA

196 – Art. 966 e 982: A sociedade de natureza simples não tem seu
objeto restrito às atividades intelectuais75.

199 – Art. A inscrição do empresário ou sociedade empresária é


requisito delineador da sua regularidade e não da sua caracterização76.

Assim, quando a atividade intelectual (de qualquer natureza) está


absorvida pela estrutura organizacional da empresa, essa atividade
intelectual fará parte dos fatores de produção, juntamente com o capital,
mão de obra e organização, caracterizando a prática de um ato de empresa.
Neste momento, aplica-se o parágrafo único do art. 966, in fine.

Como exemplo, podemos citar um HOSPITAL onde trabalham


muitos médicos. A prática da Medicina é atividade intelectual de natureza
científica, mas o Hospital é sociedade empresária, não porque a estrutura
física é grande e luxuosa ou porque tem muitos empregados, mas porque
a atividade intelectual de natureza científica está absorvida pela estrutura
organizacional. A atividade intelectual é um dos fatores de produção,
como hotelaria, estacionamento, laboratório, setor de ambulâncias etc.

Diferente será o escritório de um famoso arquiteto, com uma estrutura


enorme e luxuosa, dezenas de empregados – incluindo outros arquitetos.
Aqui, a intelectualidade não é absorvida pela estrutura organizacional
uma vez que os clientes procuram pelos projetos do “famoso arquiteto”
e, apesar de haver vários profissionais ajudando, não passam de simples
auxiliares ou colaboradores, pois a atividade intelectual é somente do
“famoso arquiteto”.

Se um mesmo objeto societário apresentar ATOS DE EMPRESA


e ATOS SIMPLES, deve-se adotar o critério da preponderância
perguntando-se: qual a atividade que prepondera ou que predomina?
Definindo, assim, pelo espectro empresarial ou pelo espectro não
empresarial.

Veja-se a lição de Modesto Carvalhosa77: “O conceito de atividade


preponderante de uma companhia para os efeitos do art. 137 III “a”, é 75
Autor: ANDRÉ RICARDO CRUZ FON-
empresarial, e não meramente jurídico/estatutário, ou seja, refere-se à TES, Magistratura Federal.

atividade econômica efetivamente desenvolvida pela companhia.”. Autor: MÁRCIO SOUZA GUIMARÃES,
76

Promotor de Justiça, Professor da Esco-


la de Direito da FGV.

Visto isso, vamos enfrentar dois pareceres existentes no mundo 77


CARVALHOSA, Modesto e EIZIRIK,
Nelson. A Nova Lei da S/A. Saraiva/
jurídico, e disponíveis na página do cartório de Registro Civil de Pessoas 2002. p. 281.

Jurídicas do Estado do Rio de Janeiro78: 78


www.rcpj-rj.gov.br

FGV DIREITO RIO 47


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Analisando primeiro o parecer de Fabio Ulhoa Coelho, percebe-se


uma excelente indicação da origem italiana da teoria da empresa e mostra
como foi idealizada desde o ato de comércio. Em conclusão, diz que só
terá organização econômica aquele que tiver estrutura, quem empregar
na sua atividade “tecnologia”.

Não podemos interpretar, no cenário brasileiro, quem usa e quem não


usa tecnologia de ponta, essa questão é altamente subjetiva.

Analisando o outro parecer, elaborado por José Edwaldo Tavares


Borba, vemos um aprofundamento da matéria com a citação dos autores
italianos e conclui que: só ostentará organização econômica quem não for
Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte79.

Na opinião do ilustre professor, não ostentará o mínimo de


organização econômica quem for classificado de Microempresa (ME)
ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), mesmo que essa classificação seja
para fins FISCAIS.

79
Art. 3º, LC 123/2006: “Art. 3º Para os
efeitos desta Lei Complementar, consi-
deram-se microempresas ou empresas
de pequeno porte, a sociedade empre-
sária, a sociedade simples, a empresa
individual de responsabilidade limitada
e o empresário a que se refere o art. 966
da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil), devidamente re-
gistrados no Registro de Empresas Mer-
cantis ou no Registro Civil de Pessoas
Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I  -  no caso da microempresa, aufira,
em cada ano-calendário, receita bru-
ta igual ou inferior a R$ 360.000,00
(trezentos e sessenta mil reais); e
II  -  no  caso  de  empresa  de  peque-
no  porte,  aufira,  em  cada  ano-
-calendário, receita bruta superior  a
R$  360.000,00  (trezentos  e ses-
senta  mil reais)  e igual  ou  infe-
rior  a  R$  4.800.000,00 (quatro  mi-
lhões  eoitocentos  mil  reais).  (Redação
dada pela Lei Complementar nº 155, de
2016)     Produção de efeito”

FGV DIREITO RIO 48


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASOS:

SHOPPING OIAPOQUE80

Através de uma parceria da iniciativa privada e da prefeitura de Belo Horizonte,


o Shopping Oiapoque iniciou suas atividades em 4 de agosto de 2003.

O projeto do shopping popular tem por objetivo organizar a economia


informal, de modo a oferecer para a população maior segurança e manter
limpa a área central.

O shopping Oiapoque conta com uma administração e ampla estrutura com


projeto de incêndio, equipes de segurança, limpeza, sanitários, restaurantes,
lanchonetes, e várias lojas de atacado e varejo, com a mais diversificada linha
de produtos e serviços.

Localizado em uma área central, o shopping Oiapoque é pioneiro na área


e está sendo visitado por pessoas de diversas classes sociais.

Pergunta-se: Diante dessa notícia podemos considerar o camelô empresário?

UNIVERSIDADE ANHEMBI-MORUMBI – UAM81

A Laureate Education, empresa americana da área de educação, que


fatura mais de US$ 648 milhões, comprou 51% da Universidade Anhembi-
Morumbi, presente há 35 anos no mercado.

Passo ousado, precedido por reestruturação financeira da instituição,


comandada pelo banco de investimento Pátria, que começou em 2002.

“Chegou o momento em que precisávamos definir nosso futuro e lidar


com os problemas sucessórios”, conta Ângela Freitas, atual presidente da
escola, filha do fundador e reitor, Gabriel Mário Rodrigues.

Nesse período, foi realizado um processo de preparação para a sucessão,


que começou com a criação de um conselho de administração.

“Implantamos um mecanismo de gestão e controle, tornando nossa


administração mais moderna e transparente. O que acabou atraindo o 80
Fonte: www.shoppingoiapoque.com.br

interesse da Laureate”, lembra. 81


Fonte: Valor Econômico em 28/04/2005.

FGV DIREITO RIO 49


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A instituição se transformou em uma SA (Sociedade Anônima) e hoje


caminha para a internacionalização. Ângela, que antes estava na presidência
do conselho, foi convidada pela Laureate para assumir o comando da escola.
E reconhece que tem pela frente grandes desafios.

“Para crescer globalmente e expandir as operações, ou vendíamos nossa


participação ou abríamos o capital”, explica.

Os frutos da fusão já podem ser vistos. A adaptação dos currículos começa


a ser feita para permitir o intercâmbio de alunos.

A Universidade Anhembi Morumbi – UAM é uma sociedade anônima de


capital fechado cuja principal atividade é o ensino superior.

UNIVERSIDADE ESTÁCIO.82

“Uma das maiores organizações privadas de ensino superior do Brasil


em número de alunos matriculados, a Estácio acredita na transformação
da sociedade por meio da educação. Trabalhamos para que nossos alunos
sejam agentes de mudança – em suas comunidades, em seu desempenho
profissional e em suas famílias – e atuamos no desenvolvimento das
comunidades em que estamos presentes por meio, sobretudo, da difusão
do conhecimento. A sustentabilidade está presente em todas as nossas
atividades e no projeto pedagógico de todos os nossos cursos. Aliamos
academia e gestão com foco na qualidade do ensino e na perenidade do
negócio e consolidamos uma cultura organizacional de excelência por meio
da capacitação e do reconhecimento de nosso quadro funcional. Contamos
com 4.564 colaboradores administrativos e com um corpo docente de
7.719 professores. Oferecemos 86 diferentes cursos presenciais e a distância
de Graduação e Graduação Tecnológica nas áreas de Ciências Exatas,
Ciências Biológicas e Ciências Humanas (dados de dezembro de 2013).
Oferecemos também 110 cursos de Pós-Graduação latu senso, cinco cursos
de Mestrado e três cursos de Doutorado, avaliados pelo MEC/CAPES com
elevados conceitos de qualidade, além de cursos livres e cursos voltados
para a educação corporativa.” Em 2007, a Estácio abriu o capital na Bolsa
de Valores e desde então ampliou seu espaço na seara educacional.
 
Pergunta-se: Diante das notícias acima, podemos classificar as Universidades
como Sociedades Simples ou Empresárias?
82
Fonte: https://portal.estacio.br/
quem-somos/historia/.

FGV DIREITO RIO 50


TEORIA GERAL DA EMPRESA

5. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 93 a 95.

Leitura Complementar

GOMES, Maria Beatriz Mendes. Responsabilidade Social Corporativa:


Direito Societário e a interpretação responsável do interesse social
(Trabalho de Conclusão de Curso – FGV Direito Rio), 2019.

CAVALLI, Cássio. Apontamentos sobre a função social da empresa e o


moderno Direito Privado. Revista de Direito Mercantil Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo: Catavento, v. 44, n. 138, p. 207-
212, abr./jun.

FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA.

A função social da empresa encontra três tipos concepções: (i)


constitucional; (ii) civil; e (iii) a tratada na Lei das Sociedades Anônimas,
conforme será abordado a seguir.

A ideia de função social da empresa, segundo aponta o professor Nelson


Eizirik, pode ser compreendida como um desdobramento da função social
da propriedade, previsto na Constituição da República. Referido instituto
traz a concepção de que “é garantido o direito de propriedade e que não
poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo”.83
83
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Co-
mentada. Volume 1-Arts. 1º a 120. São
Com base nisso, segundo Ana Frazão de Azevedo Lopes: Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 668.

FGV DIREITO RIO 51


TEORIA GERAL DA EMPRESA

(...) além ·do reconhecimento expresso da função


social, a Lei das S/A representou uma das primeiras
tentativas de definir a empresa não apenas sob o seu
aspecto econômico, mas também sob o seu aspecto
institucional. Tanto é assim que afirma, no artigo já
citado, que os deveres e responsabilidades do acionista
controlador não se restringem aos demais acionistas,
mas igualmente aos trabalhadores e à comunidade.
A empresa é vista como instituição cuja importância
transcende à esfera econômica e passa a abarcar
interesses sociais dos mais relevantes, como a própria
sobrevivência e o bem estar dos trabalhadores que
para ela prestam seus serviços e dos demais cidadãos
que dividem com ela o mesmo espaço social. 84

Não se pode mais negar a importância da empresa no cenário econômico


mundial. A visão de que apenas o interesse e a vontade do empresário são
relevantes jurídica e economicamente, sendo ele o verdadeiro produtor
de bens ou de serviços e seus empregados meros instrumentos deste, está
deveras ultrapassada.

Princípios fundamentais e da ordem econômica, inscritos no texto


constitucional, defendem a efetividade da função social da empresa quando
dispõem sobre a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e art. 170 caput),
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art.1º, IV), valorização do
trabalho humano e livre iniciativa (art. 170, caput), propriedade privada,
função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa
do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno
emprego (todos incisos do art. 170), e, em especial o art. 173 caput quanto à
vedação da exploração direta da atividade econômica pelo Estado.

Além disso, com base no art. 421 do Código Civil de 2002, a liberdade
de contratar deve ser exercida nos limites da função social do contrato. Quer
84
LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Em-
dizer, referido instituto obriga as partes a buscarem satisfazer interesses presa e Propriedade - Função Social e
extracontratuais85, “que sejam socialmente relevantes, tenham relação com o Abuso de Poder Econômico. São Paulo:
Quartier Latin, 2006, p. 1 1 9.
contrato ou por ele sejam atingidos.”86 85
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre
a função social dos contratos. In
Temas de Direito Civil – Volume III. Rio
Com isso, a função social da empresa exige que as sociedades empresárias de Janeiro: Renovar, 2009, p. 149
guardem observância ao cumprimento de valores éticos, respeito ao meio 86
GOMES, Maria Beatriz Mendes.
Responsabilidade Social Corporativa:
ambiente, à livre iniciativa e à livre concorrência, de modo a não só objetivar Direito Societário e a interpretação
a obtenção de lucro, mas também atentando para os possíveis impactos que responsável do interesse social
(Trabalho de Conclusão de Curso – FGV
possam ser trazidos com o exercício da atividade empresarial. Direito Rio), 2019, p. 25.

FGV DIREITO RIO 52


TEORIA GERAL DA EMPRESA

No mesmo sentido, aponta Nelson Eizirik que:

A empresa, como unidade de produção, não


congrega apenas os interesses dos sócios da
companhia, mas também os dos fornecedores,
empregados, consumidores e de toda comunidade
na qual exerce as suas atividades. A função social
implica, portanto, em um poder-dever do acionista
controlador de dirigir a empresa para a realização
dos interesses coletivos. Portanto, poderá configurar
abuso por parte do acionista controlador qualquer
ato em que fique caracterizada a utilização de seu
poder para atender a fins pessoais em prejuízo dos
interesses da sociedade ou dos demais interesses
que ele tem o dever de preservar.87

FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA.

O art. 244 da Lei n.º 556/1850 (Código Comercial), já cuidava para


que “comerciante empresário de fábrica” e seus administradores, diretores
e mestres, não aliciassem empregados, artífices ou operários de outras
fábricas, com clara preocupação sobre a atuação de cada um no mercado,
denotando o respeito à função social da empresa.

Posteriormente, o art. 5º do Decreto-Lei n.º 4.657/42 (Lei de


Introdução ao Código Civil) passou a estabelecer, como Princípio de
Justiça, que o juiz atenderá aos fins sociais a que a lei se dirige e às
exigências do bem comum.

Agora, por via da legislação da Sociedade Anônima, ampliou-se a


responsabilidade do Administrador, inicialmente com o Decreto-lei n.º
2.627/40, para se chegar no regime da Lei n.º 6.404/76, que acresce,
aos deveres do Controlador, a função social da empresa ao lado do bem
público. Veja-se:

Decreto-Lei n.º 2.627/40

Art. 116.
87
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Co-
mentada. Volume I – Arts. 1º a 120,
(...) São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 678.

FGV DIREITO RIO 53


TEORIA GERAL DA EMPRESA

§ 7º Os diretores deverão empregar, no exercício de


suas funções, tanto no interesse da emprêsa, como no
do bem público, a diligência que todo homem ativo
e probo costuma empregar, na administração de seus
próprios negócios.” (revogado pela Lei 6.404/76).

Ainda no que se refere à Lei n° 6.404/76 (Sociedade por Ações), artigo


116, p. único e artigo 154:

Artigo 116. (...)

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar


o poder com o fim de fazer a companhia realizar o
seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres
e responsabilidades para com os demais acionistas
da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender.

(...)

Artigo 154. O administrador deve exercer as


atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas
as exigências do bem público e da função social da
empresa.

Em 1990, com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor,


especificamente em seu artigo 51, passou-se a reconhecer a função social ao
estabelecer finalidades sociais como a obrigação de promover a proteção ao
meio ambiente e a responsabilidade empresarial pela prestação de serviços e
pela qualidade dos produtos.

Ressalte-se, também, que o Direito do Trabalho também busca a realização


da função social da empresa. Através da valorização do trabalho o indivíduo
se desenvolve e a desigualdade social diminui, são fatores que promovem a
dignidade da pessoa humana – art. 7º do Texto Constitucional.

Durante a I Jornada de Direito Civil em 2001, promovida pelo Conselho


da Justiça Federal, alguns enunciados de Súmulas foram formulados e
aprovados. Estes enunciados não têm força de doutrina, mas auxiliam na
interpretação do Novo Código Civil Brasileiro.

FGV DIREITO RIO 54


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O enunciado de Súmula n.º 53 reporta-se ao art. 966 do Código Civil


de 2002 e diz que: “deve-se levar em consideração o princípio da função
social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de
referência expressa”.

A regra do enunciado acima é de suma importância para a interpretação


do Direito de Empresa, eis que ressalta o reconhecimento da função social
da empresa. Neste aspecto insurge lembrar que não se trata da transferência
das responsabilidades sociais do Estado para o âmbito privado, conforme
veremos a seguir.

Fábio Konder Comparato faz uma importante consideração sobre o papel


do Estado mediante a atuação das empresas privadas, diz ele:

A instituição do Estado social impôs, no entanto,


duas consequências jurídicas da maior importância
para a organização das empresas. De um lado, o
exercício da atividade empresarial já não se funda na
propriedade dos meios de produção, mas na qualidade
dos objetivos visados pelo agente; sendo que a ordem
jurídica assina aos particulares e, especialmente, aos
empresários, a realização obrigatória de objetivos
sociais, definidos na Constituição.88

Percebemos que deveres e responsabilidades da empresa ultrapassam a


antiga colocação de organização produtiva, transcende a área antes delimitada
pelo Direito Comercial, indo alcançar interesses dos trabalhadores,
comunidade local, consumidores, sócios, acionistas etc., conferindo-lhe uma
função social consequente à ideia natural de bem público. Qualquer ato de
administração que se afaste desses pressupostos violará a lei.

Assim, compreendida a evolução legislativa da Função Social da Empresa e


sua evidente importância, deve-se tomar como base o exposto na aula anterior
e nos casos geradores da presente aula, para reforçar com os alunos a ideia de
que a organização empresarial transcende a figura de seus administradores e
sócios, porque também engloba interesses de pessoas que se estabeleceram
nos arredores em busca de oportunidades de negócios, da família e dos
dependentes dos seus empregados, de clientes e fornecedores etc.

Com efeito, à medida que uma empresa local se despede, dizimada por
problemas locais ou pela crise nacional, atributos como a dignificação do trabalho 88
O poder de controle na sociedade
anônima. 6ª ed. Forense: Rio de Janei-
e a valorização da cidadania, quando não se tornam escassos, desaparecem de vez. ro/2014

FGV DIREITO RIO 55


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASOS

DELTA AIRLINES

Um dos maiores pesadelos era o enfrentado nos EUA pela DELTA


AIRLINES. A 3ª maior companhia aérea dos EUA, em 14/09/2005,
ingressou no regime de proteção previsto no Chapter 11 da Lei de
Falências norte-americana, alegando, além da concorrência, a alta de
preços dos combustíveis, problema agravado com as consequências do
furacão Katrina-setembro/2005 (Apêndice – Texto I).

PARMALAT

No Brasil, casos como o da PARMALAT, considerado o maior escândalo


contábil na história da Europa, lesou mais de 75 mil investidores e gerou
consequências funestas sobre a filial brasileira.

O problema da Parmalat está diretamente ligado à fraude, na Itália,


revelada no balanço do grupo no final de 2003. O rombo de 14 bilhões
de euros resultou na instalação de um processo de intervenção do governo
italiano naquela matriz, com a prisão do controlador e outros diretores
acusados de manipulação de dados – “maquiagem de balanço”.

Na década de 90, a Parmalat chegou a ter 30 companhias sob seu


domínio. Nesta época, a empresa pagava o que fosse para entrar em outros
mercados como o de biscoitos, de sucos, de enlatados etc. Entre 2000 e
2003, com a recessão do mercado mundial e o escândalo financeiro na
matriz italiana, o caos se instalou no Brasil, pois a filial brasileira sempre
foi muito dependente do dinheiro da matriz.

Anteriormente à crise, a Parmalat consumia 5% da produção de leite


brasileiro. Cerca de 1 bilhão e 200 mil litros por ano. Em Itaperuna/
RJ, 70% da produção de leite era vendida para a Parmalat que chegou a
dever para 11 cooperativas da região, cerca de R$ 6 milhões. Pequenos
produtores, que sempre foram maioria na região, ficaram assustados.

Apesar da crise mundial da empresa, as cooperativas em Itaperuna/RJ


continuaram operando e movimentando a economia de 85 mil famílias
do noroeste fluminense graças à intervenção do Governo do Estado do
Rio de Janeiro.

FGV DIREITO RIO 56


TEORIA GERAL DA EMPRESA

— Ficamos com muito medo por aqui. O pagamento atrasou e minha


família vive só do leite. Agora estamos mais tranquilos, mas aprendemos com
isso tudo — disse, à época, o produtor Alan Neves, que vive no distrito de
Retiro do Muriaé, para um repórter do jornal local.

A Secretaria de Comunicação do Governo do Estado do Rio de Janeiro


informou que em fevereiro de 2004, o governo implantou um modelo de
administração colegiada atribuindo sua direção a cinco membros, indicados
pelo governo, produtores e empregados. Além disso, assegurou aos produtores
do estado uma política de preços evitando que eles quebrassem.

JURISPRUDÊNCIA

SOCIEDADES EMPRESÁRIAS E SIMPLES. SOCIEDADES DE


ADVOGADOS. ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO EMPRESARIAL.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INTELECTUAIS. IMPOSSIBILIDADE
DE ASSUMIREM CARÁTER EMPRESARIAL. LEI N. 8.906/1994.
ESTATUTO DA OAB. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO DO ACÓRDÃO
RECORRIDO AFASTADA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. 1. Não há falar
em omissão ou contradição no acórdão recorrido quando embora rejeitados
os embargos de declaração, a matéria em exame tiver sido devidamente
enfrentada pelo Tribunal de origem, com pronunciamento fundamentado,
ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. De
acordo com o Código Civil, as sociedades podem ser de duas categorias:
simples e empresárias. Ambas exploram atividade econômica e objetivam o
lucro. A diferença entre elas reside no fato de a sociedade simples explorar
atividade não empresarial, tais como as atividades intelectuais, enquanto
a sociedade empresária explora atividade econômica empresarial, marcada
pela organização dos fatores de produção (art. 982, CC). 3. A sociedade
simples é formada por pessoas que exercem profissão do gênero intelectual,
tendo como espécie a natureza cientifica, literária ou artística, e mesmo
que conte com a colaboração de auxiliares, o exercício da profissão não
constituirá elemento de empresa (III Jornada de Direito Civil, Enunciados
n. 193, 194 e 195). 4. As sociedades de advogados são sociedades simples
marcadas pela inexistência de organização dos fatores de produção para o
desenvolvimento da atividade a que se propõem. Os sócios, advogados,
ainda que objetivem lucro, utilizem-se de estrutura complexa e contem
com colaboradores nunca revestirão caráter empresarial, tendo em vista a
existência de expressa vedação legal (arts. 15 a 17, Lei n. 8.906/1994). 5.

FGV DIREITO RIO 57


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Impossível que sejam levados em consideração, em processo de dissolução


de sociedade simples, elementos típicos de sociedade empresária, tais
como bens incorpóreos, como a clientela e seu respectivo valor econômico
e a estrutura do escritório. (STJ – Resp 1227240 SP 2010/0230258-0 –
26/05/2015, Rel. Min. Luis Felipe Salomão)

SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. SERVIÇOS MÉDICOS.


SOCIEDADE SIMPLES. POSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. 1. A unipessoalidade da sociedade profissional pode ser
averiguada pela sua atividade afim, cuja descrição, conforme prevista no
contrato social, evidencia a plausibilidade da caracterização. O caráter de
pessoalidade pode ser aferido independentemente da forma adotada por
determinada sociedade – se constituída na forma de responsabilidade limitada
ou na forma de sociedade simples. 2. Para fazer jus a tributação privilegiada,
faz-se necessário que a sociedade seja uniprofissional e a atividade integre o
rol legal (art. 9º, §1º e 3º, do Decreto-Lei nº. 406/68). 3. No caso dos autos,
encontram-se preenchidos os requisitos para enquadramento na tributação
privilegiada, porquanto a empresa autora exerce atividade de prestação de
serviços profissionais médicos especializados em ecografia e radiologia (cláusula
segunda do contrato social de fl. 13), realizada por seus sócios (médicos), que
não podem ser considerados empresários, já que não retirado o aspecto da
pessoalidade na prestação do serviço por eles desempenhados. 4. Será devida
a repetição de indébito relativo à diferença entre o valor pago a título de
ISSQN pela parte autora com base no seu faturamento e aquele efetivamente
devido, respeitada a prescrição quinquenal. 5. JUROS E CORREÇÃO
MONETÁRIA – NATUREZA TRIBUTÁRIA. Tratando-se, pois, de
hipótese de indébito de natureza tributária lato sensu, mister aventar sobre
a existência de legislação local, diante da reserva de competência exsurgente
do artigo 161, §1º do CTN. No caso do Estado (RS), por exemplo, há a
previsão de aplicação da SELIC, consoante Leis Estaduais nº. 6.537/73 e Lei
Estadual nº. 14.558/2014. (TJ-RS – Recurso Cível 71005305131 RS, Rel.
Dr. Volnei dos Santos Coelho, 25/05/2016)

Hospital. Opção pelo Simples. (Informativos STJ nº 268 - 14 à 18/11/2005)


O recorrido impetrou mandado de segurança insurgindo-se contra o
posicionamento da Fazenda Nacional de que ele estaria impossibilitado de
optar pelo Simples, por prestar serviços hospitalares, que seriam análogos
aos de médicos e enfermeiros. A Turma, ao prosseguir o julgamento,
negou provimento ao recurso da Fazenda Nacional, ao entendimento
de que o regime do Simples é extensível aos hospitais de pequeno porte,
mormente tendo em vista a prevalência do aspecto humanitário e do
interesse social sobre o interesse econômico das atividades desempenhadas.

FGV DIREITO RIO 58


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Os hospitais não são prestadores de serviços médicos e de enfermagem,


mas, dedicam-se a atividades que dependem de profissionais que prestem
os referidos serviços, uma vez que há diferença entre a empresa que presta
serviços médicos e aquela que contrata profissionais para consecução de
sua finalidade. Nos hospitais, os médicos e enfermeiros não atuam como
profissionais liberais, mas como parte de um sistema voltado à prestação de
serviço público de assistência à saúde, motivo pelo qual não se pode afirmar
que os hospitais são constituídos de prestadores de serviços médicos e de
enfermagem, porquanto esses prestadores têm com a entidade hospitalar
relação empregatícia e não societária. (REsp 653.149-RS, Rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 17/11/2005).

FGV DIREITO RIO 59


TEORIA GERAL DA EMPRESA

6. REGIME JURÍDICO DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL


A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 107 a 119.

CAPACIDADE PARA SER EMPRESÁRIO.

O art. 966 do Código Civil define os requisitos para a caracterização da


condição jurídica de empresário (efetivo exercício profissional da atividade
econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços).

Ocorre que, além destes requisitos, o Código Civil, em seu art. 97289,
determina como condição para empresário individual a capacidade. Dessa
forma, uma vez adquirida a plena capacidade, a pessoa natural poderá exercer
a atividade de empresário.

O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL.

Vimos que, embora tenha havido mudança no critério de definição


do objeto de Direito Comercial para o objeto de Direito Empresarial,
algumas atividades continuam excluídas da condição formal de empresário,
permanecendo com a natureza de não-empresarial.
89
Lei nº 10.406/2002 – Código Civil.
Com efeito, como já visto, o Código Civil de 2002 inaugurou uma nova Art. 972. Podem exercer a atividade de
tipologia ao indicar dois tipos de empresários: o individual (pessoa natural) e empresário os que estiverem em pleno
gozo da capacidade civil e não forem
a sociedade empresária (pessoa jurídica). legalmente impedidos.

FGV DIREITO RIO 60


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Diante disso, o exercício da empresa é realizado diretamente pela pessoa do


empresário individual, quem responderá com todas as forças de seu patrimônio
pessoal, desde que passível de ser executado, por todas as dívidas contraídas
por ele (conforme será melhor abordado oportunamente). Vale ressaltar que
a sistemática de nosso ordenamento jurídico permite a responsabilização
pessoal do empresário individual, tendo em vista que o direito brasileiro não
admite a figura do empresário individual com responsabilidade limitada.

Nesse sentido, o termo empresário assume a feição técnico-jurídica,


segundo a qual empresário é a pessoa (empresário individual ou sociedade
empresária) que exerce profissionalmente atividade econômica organizada
para a produção ou circulação de bens ou de serviços, não se confundindo com
os sócios da sociedade empresária que são empreendedores ou investidores.

Cumpre ressaltar que o empresário individual também não se confunde


como trabalhador autônomo, visto que o empresário é quem exerce atividade
economicamente organizada. Significa dizer: sua atividade profissional está
lastreada em uma organização que compreende a articulação, a ordenação de
trabalho e os meios materiais.90

Conforme ensina Sérgio Campinho, o ponto acima é o que distingue o


empresário individual do profissional autônomo, ou seja:

(...) o pipoqueiro ou o vendedor de águas de coco em


uma “carrocinha” não pode ser visto como empresário,
mas sim como um vendedor autônomo. Todavia, se
uma pessoa natural adquire algumas “carrocinhas” e
as equipa para a venda de pipocas ou águas de coco,
contratando pessoas para operar as vendas, criando
elementos distintivos de seus produtos, ter-se-á o
explorador dessa atividade como empresário, pois
exerce atividade econômica organizada, ainda que o
padrão de organização seja de pequeno vulto, ainda
que a atividade revele negócio de pequeno porte91.

Autor da parte que compreendia as ‘atividades negociais’ no Anteprojeto


que originou o Novo Código Civil, Sylvio Marcondes destaca três elementos
importantes dispostos no art. 966 que compõem o conceito de empresário: 90
CAMPINHO, Sérgio. Curso de di-
reito comercial: direito de empresa
(...) o exercício da atividade econômica e, por isso, – 16. Ed. – São Paulo: Saraiva Edu-
cação, 2019, p. 26.
destinada à criação de riqueza, pela produção de bens 91
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
ou de serviços para a circulação, ou pela circulação comercial: direito de empresa – 16.
Ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
dos bens e serviços produzidos; 2019, p. 26 e 27.

FGV DIREITO RIO 61


TEORIA GERAL DA EMPRESA

(...) atividade organizada, através da coordenação dos


fatores de produção – trabalho, natureza e capital
– em medida e proporção variáveis, conforme a
natureza e o objeto da empresa;

(...) exercício realizado de modo habitual e sistemático,


ou seja, profissionalmente, o que implica, em nome
próprio e com ânimo de lucro.
92
MARCONDES Silvio, Questões de
Conclui o eminente professor que se considera: “empresário quem exerce Direito Mercantil, pg.11 apud BULGA-
RELLI, Waldírio. A Teoria Jurídica da
profissionalmente (...), isto é, a habitualidade da prática da atividade, a Empresa. Ed. RT/1985, p. 420.

sistemática dessa atividade e que, por ser profissional, tem implícito que é 93
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
comercial: direito de empresa – 16. Ed.
exercida em nome próprio e com ânimo de lucro. Essas duas ideias estão – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.
27.
implícitas na profissionalidade do empresário”92, ficando de fora as empresas
94
Decreto nº 9.580/18
ocasionais, mas incluindo-se as sazonais. (...)
Título I – DOS CONTRIBUINTES
Art. 158.  São contribuintes do imposto
Assim, quando a empresa é titularizada por uma pessoa natural, tem-se sobre a renda e terão seus lucros apu-
rados de acordo com este Regulamento
a figura do empresário individual, o qual será caracterizado pelos elementos (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 27):
I - as pessoas jurídicas, a que se refere
constantes no art. 966, além do requisito especial do exercício da atividade em o Capítulo I deste Título; e
nome próprio, conforme expresso no art. 968, I, no qual se estabelece, para II - as empresas individuais, a que se
refere o Capítulo II deste Título.
fins de inscrição do Empresário Individual, a necessidade de informação do § 1º  O disposto neste artigo aplica-se
independentemente de a pessoa jurí-
seu nome civil, nacionalidade, domicílio e estado civil. dica estar regularmente constituída,
bastando que configure uma unidade
econômica ou profissional (Decreto-Lei
Diante disso, o empresário, para que seja considerado regular, deve nº 5.844, de 1943, art. 27, § 2º; e Lei
nº  5.172, de 1966 - Código Tributário
proceder com a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, na Nacional, art. 126, caput, inciso III).
(...)
respectiva sede, antes de dar início às suas atividades. Assim, “O requerimento Capítulo II – DAS EMPRESAS INDIVI-
de registro deverá conter: a) seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil DUAIS
Seção I – Da caracterização
e, se casado, o regime de bens; b) a firma sob a qual exercerá a atividade, Art.  162.  As empresas individuais são
equiparadas às pessoas jurídicas  (De-
com a respectiva assinatura autografa, ou seja, o modo como assinará a firma creto-Lei nº 1.706, de 23 de outubro de
individual; c) o capital; d) o objeto; e, por fim, e) a sede.”93 1979, art. 2º).
§ 1º São empresas individuais:
I - os empresários constituídos na for-
ma estabelecida no art. 966 ao art. 969
Para efeitos de recolhimento de tributos federais, o Decreto n.º da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil;
II - as pessoas físicas que, em nome
9.580/201894 equipara o Empresário Individual às pessoas jurídicas para individual, explorem, habitual e pro-
fins de Imposto de Renda, impondo a ele a obrigação de se inscrever no fissionalmente, qualquer atividade
econômica de natureza civil ou comer-
Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ). Da mesma forma, se cial, com o fim especulativo de lucro,
por meio da venda a terceiros de bens
Empresário Individual for contribuinte do ICMS, também é necessária sua ou serviços (Lei nº 4.506, de 1964, art.
41, § 1º=, alínea "b"; e Decreto-Lei nº
Inscrição Estadual. 5.844, de 1943, art. 27, § 1º); e
III - as pessoas físicas que promovam
a incorporação de prédios em condo-
Apesar de receber o mesmo tratamento fiscal, não se pode concluir que mínio ou loteamento de terrenos, nos
termos estabelecidos na Seção II deste
o Empresário Individual seja pessoa jurídica; na realidade, ele é pessoa Capítulo  (Decreto-Lei nº  1.381, de 23
natural com tratamento fiscal de pessoa jurídica, por isso está submetido à de dezembro de 1974, art. 1º e art. 3º,
caput, inciso III).
inscrição no CNPJ. (...)

FGV DIREITO RIO 62


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Discorrendo sobre a empresa individual, ensina Rubens Requião que:

o comerciante singular, vale dizer, o empresário


individual, é a própria pessoa física ou natural,
respondendo os seus bens pelas obrigações que
assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A
transformação da firma individual em pessoa jurídica
é uma ficção de direito tributário, somente para efeito
de imposto de renda (in: Curso de Direito Comercial
1º vol, 22ª ed. Saraiva, São Paulo/1995, p. 68).

Tal distinção desemboca no sistema de responsabilidade empresarial,


que será aprofundado nas próximas aulas. Contudo, vale ressaltar que o
sistema de responsabilidade do Empresário é o PATRIMONIAL, ou seja,
ele responde pelas obrigações decorrentes do exercício da atividade com
todos os seus bens presentes e futuros, mas sempre no limite das forças
do seu patrimônio.95

Em regra, a empresa tem por lastro o patrimônio do Empresário, o qual


pode ser alcançado por obrigações assumidas por ele fora das atividades
empresariais, da mesma forma que as obrigações assumidas no âmbito das
atividades empresariais alcançam também seus bens pessoais.

Ainda, caso o empresário individual tenha a pretensão de admitir


outro(s) sócio(s), entende-se que “(...) fica-lhe facultado requerer,
perante o Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação de
seu registro de empresário individual para o de sociedade empresária, que,
assim, venha a constituir”.96

O EMPRESÁRIO RURAL.

Sobre o empreendedor rural, o Código Civil de 2002 propôs regulação


específica para este, haja vista a existência de peculiaridades intrínsecas à
atividade rural.

Sendo assim, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho: 95


CPC – “Art. 591. O devedor responde,
para o cumprimento de suas obriga-
ções, com todos os seus bens presentes
o Código Civil reservou para o excedente de e futuros, salvo as restrições estabeleci-
atividade rural um tratamento específico (arts. das em lei”.

971 e 984). Ele está dispensado de requerer sua 96


CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
comercial: direito de empresa – 16. Ed. –
inscrição no registro das empresas, mas pode fazê-lo. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 27.

FGV DIREITO RIO 63


TEORIA GERAL DA EMPRESA

considerado empresário e submeter-se-á ao regime


correspondente. Neste caso, deve manter escrituração
regular, levantar balanços periódicos e pode falir ou
requerer a recuperação judicial. Sujeita-se, também,
às sanções da irregularidade no cumprimento das
obrigações gerais dos empresários. Caso, porém, o
empresário rural não requeira a inscrição no registro
das empresas, não se considera juridicamente
empresário e seu regime será o do direito civil (...).

Em que pese as peculiaridades acima expostas, o Código Civil reservou


ao empresário rural a faculdade de requerer sua inscrição perante o Registro
Público de Empresas Mercantis. Feita a referida inscrição, será assim
equiparado ao empresário sujeito a registro, devendo se submeter ao regime
jurídico correspondente. Por exemplo, poderá se valer de institutos como
da recuperação judicial, que, em regra, são aplicáveis apenas ao empresário
sujeito a registro na Junta Comercial de sua respectiva sede.

PESSOAS QUE EXERCEM PROFISSÃO INTELECTUAL, DE NATUREZA


CIENTÍFICA, LITERÁRIA OU ARTÍSTICA.

Com base no que já foi abordado no tópico 5 deste Curso, ao tratar


sobre as sociedades simples e empresárias, o Código Civil de 2002 excluiu,
expressamente, da condição de empresário, certas pessoas.

Dentre tais atividades, entende-se que não serão considerados empresários


aqueles que exercem profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, mesmo que se valham do concurso de auxiliares e colaboradores,
conforme vimos anteriormente.

FGV DIREITO RIO 64


TEORIA GERAL DA EMPRESA

7. SÓCIOS

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 16ª ed. Renovar: Rio de
Janeiro/2018.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial vol I. 31ª edição. Saraiva.


São Paulo/2012.

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 127 a 128.

CAPACIDADE PARA SER SÓCIO.

Como desenvolvido até então, as sociedades adquirem personalidade


jurídica com a inscrição de seus atos constitutivos em registro próprio, na
forma da lei.97

Em regra98, uma sociedade se constitui por escrito, com a elaboração do


seu ato constitutivo, que será o Contrato Social99, no caso de uma sociedade 97
Art. 985. A sociedade adquire per-
na forma de LIMITADA ou o Estatuto Social, se a forma adotada for de sonalidade jurídica com a inscrição, no
registro próprio e na forma da lei, dos
SOCIEDADE ANÔNIMA. seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
98
Exceção: Art. 991 e segs.
Para ser válido, o ato constitutivo de uma sociedade deve resultar de um 99
Art. 981. Celebram contrato de so-
ciedade as pessoas que reciprocamen-
consenso, para tanto, é necessária a manifestação de vontade dos contratantes te se obrigam a contribuir, com bens
que devem ter capacidade para celebrar um negócio jurídico além de outras ou serviços, para o exercício de ativi-
dade econômica e a partilha, entre si,
exigências legais para evitar a nulidade ou a anulabilidade do contrato. dos resultados.

FGV DIREITO RIO 65


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O tema “capacidade civil” já foi objeto de análise, quando tratamos da


“capacidade para ser empresário” e vimos que, de acordo com o Código
Civil, quando a maioridade civil é alcançada, o exercício pleno de todos os
atos vinculados às atividades empresarial e civil são permitidos.

Especificamente quanto à capacidade para ser sócio, esta deve ser analisada
sob a perspectiva de que ser sócio, nada mais é do que ser proprietário de
quotas ou ações, cuja natureza jurídica é de bem móvel.

Assim, enquanto o empresário individual exerce a empresa, o sócio –


apesar de viabilizar sua existência – é apenas um quotista ou acionista,
ou seja, proprietário de bens móveis, não podendo ser confundido com a
figura do empresário.

SÓCIO MENOR E SÓCIO INCAPAZ.

A participação de menor em sociedade empresária, desde a edição do


Código Comercial (1850), foi tema muito controvertido na doutrina e na
jurisprudência. A questão foi levada ao STF, em 1976, com o julgamento
do RE n.º 82.433-SP cujo relator foi o min. Xavier de Albuquerque,
assim ementado:

Sociedade por quotas de responsabilidade limitada.


Participação de menores, com capital integralizado
e sem poderes de gerência e administração com
cotistas. Admissibilidade reconhecida, sem ofensa ao
art. 1 do Código Comercial. Recurso Extraordinário
não conhecido.

(RE 82433/SP. Rel: Min. Xavier de Albuquerque -


Tribunal Pleno - Julg: 26/05/1976 - DJ 08-07-1976).

Tal decisão deu origem à possibilidade de arquivamento do contrato social


da sociedade que tem como sócio um menor, motivando o DNRC a expedir 100
Art. 17 - O arquivamento de atos
o Ofício-circular n.º 22 em 1976, e, posteriormente a edição da Instrução de sociedades por cotas de responsa-
bilidade limitada, da qual participem
Normativa n.º 29 em 1991.100 menores, será procedido pelo órgão de
registro, desde que.
I - o capital da sociedade esteja to-
Destarte as normas administrativas do DNRC, o questionamento da talmente integralizado, tanto na
constituição, como nas alterações
doutrina permanece em virtude da natureza jurídica da sociedade. Por se contratuais;
II - não seja atribuído ao menor quais-
tratar de sociedade de pessoas, numa sociedade empresária na forma de limitada, quer poderes de gerência ou adminis-
deve haver a aceitação, pela sociedade, da presença do sócio interditado ou de tração;
III - o sócio menor seja representado ou
um sucessor (incapaz ou não). assistido, conforme o caso.

FGV DIREITO RIO 66


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O argumento da doutrina é no sentido de que as sociedades de pessoas


“são constituídas tendo em vista a qualidade das pessoas que nelas se
associam...101”. Assim, no caso de interdição de sócio (incapacidade
superveniente), a deliberação será sobre manter a sociedade sem a presença
daquele que não está em condições de exercer a atividade esperada. Já em
se tratando de sucessão (hereditária), o problema seria o fato de aceitar o
ingresso de uma pessoa estranha à sociedade – o (s) herdeiro (s).

A Lei 12.399, de 1˚ de abril de 2011, regulamenta a matéria:

Art. 974, § 3º. O Registro Público de Empresas


Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar
contratos ou alterações contratuais de sociedade que
envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma
conjunta, os seguintes pressupostos:

I – o sócio incapaz não pode exercer a administração


da sociedade;

II – o capital social deve ser totalmente integralizado;

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido


e o absolutamente incapaz deve ser representado por
seus representantes legais.

A questão nunca foi fonte de problemas para as sociedades anônimas. Não


existe obrigação patrimonial assumida por um menor quando este é proprietário
de uma ação (que é bem móvel!) devidamente integralizada, portanto seu “pai
ou tutor, desempenha simples ato de administração dos bens do menor”.

A situação é extremamente comum, bastando


pensar-se numa criança que receba de presente, para
a garantia de seu futuro, ações da Petrobrás. Como
a titularidade de quotas e ações é franqueada aos
incapazes, deve-se entender que a própria contratação
da sociedade também o é, desde que feita pelo
representante legal ou, se incapacidade relativa, pelo
próprio incapaz devidamente assistido, em ambos os
101
REQUIÃO, Rubens in Curso de Direito
casos, cumpridas as exigências e respeitados os limites Comercial 1º vol. 25ª edição. Sarai-
legais. De qualquer sorte o incapaz não poderá ser va/2003. pg. 95.

administrador da sociedade, pois não tem autoridade 102


MAMEDE, Gladston in Direito Socie-
tário: Sociedades Simples e Empresá-
(capacidade) para tanto.102 rias. ATLAS. São Paulo/2004. pg. 79.

FGV DIREITO RIO 67


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Com vistas à proteção do patrimônio do incapaz, o Código Civil


asseverou a obrigatoriedade de limitar a responsabilidade entre o
patrimônio daquele e as obrigações assumidas pela sociedade103.

No mesmo sentido, sendo o patrimônio do incapaz profuso, a


combinação dos artigos 1.745104 e 1.781105 do Código Civil, possibilita
ao juiz condicionar o exercício da tutela e da curatela à prestação de
alguma caução.

Entendemos106 que os meios de proteção oferecidos pelo sistema


jurídico são suficientes para garantir, ao incapaz e ao menor impúbere
(com menos de 16 anos) ou púbere (maior de 16 e com menos de 18
anos), representado ou assistido, e, desde que o capital social esteja
integralizado e não lhes seja atribuída função de administrador, o ingresso
em sociedade:

• na condição de herdeiro de sócio falecido (com disposição expressa


no contrato neste sentido. Havendo “vedação do ingresso de sócios
em virtude de sucessão, conferindo à sociedade o perfil intuitu
personae, pensamos que os sócios remanescentes terão que optar pela
liquidação da parte do pré-morto com o reembolso aos herdeiros de
seus haveres”.107); Art. 974 §2º.
103

Art. 1.745. Os bens do menor serão


104

• pela constituição originária de contrato de sociedade ou pela entregues ao tutor mediante termo
especificado deles e seus valores, ainda
aquisição posterior de quotas ou ações (havendo elevação do capital que os pais o tenham dispensado.
Parágrafo único. Se o patrimônio do
social, necessário se faz sua imediata integralização, sob pena da menor for de valor considerável, po-
derá o juiz condicionar o exercício da
Junta Comercial não realizar o respectivo arquivamento). tutela à prestação de caução bastante,
podendo dispensá-la se o tutor for de
reconhecida idoneidade.
105
Art. 1.781. As regras a respeito do
SÓCIOS CASADOS. exercício da tutela aplicam-se ao da
curatela, com a restrição do art. 1.772
e as desta Seção.

Assim como a questão da possibilidade do “menor” ser sócio, a 106


No mesmo sentido: Ricardo Negrão,
Fran Martins, Waldo Fazzio Júnior, José
sociedade entre cônjuges também foi objeto de controvérsias na doutrina Edwaldo Tavares Borba, Sérgio Campi-
nho. Contra: Rubens Requião
nacional e estrangeira.
107
FAZZIO JÚNIOR, Waldo in Manual de
Direito Comercial. 4ª edição. Atlas. São
Paulo/2004. pg 208.
No Brasil, J. X. Carvalho de Mendonça,108 em posicionamento que
108
DE MENDONÇA, J. X. Carvalho. Trata-
predominou durante muitos anos na doutrina e jurisprudência, entendia do de Direito Comercial Brasileiro. 7ª.
que não era lícito aos cônjuges constituírem sociedade, “por ofender-se, ed., v. III . Freitas Bastos. Rio de Janei-
ro/1963.
antes de tudo o instituto do poder marital, produzindo, necessariamente, 109
No mesmo sentido: Waldemar Fer-
a igualdade de direito, incompatível com os direitos do marido como reira. Pela proibição, mas sustentando
que não há nulidade absoluta: Egberto
chefe do casal”, sendo nulas, portanto, as sociedades entre os esposos109. Lacerda Teixeira.

FGV DIREITO RIO 68


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Com o advento da Lei n.º 4.121/1962 (Estatuto da Mulher Casada), a


mulher foi excluída do rol dos relativamente incapazes, previsto no art. 6º
do Código Civil de 1916 e, viu garantida a separação de seu patrimônio do
marido, ainda que o regime matrimonial fosse da comunhão (a possibilidade
dessa separação dependeria da análise de cada caso).

Em 1968, o Supremo Tribunal Federal considerou que não eram nulas de


pleno direito as sociedades entre os cônjuges, no famoso caso julgado no RE
nº 61.582-GB cujo relator foi o min. Victor Nunes Leal, assim ementado:

1) Sociedade de cônjuges. Por si só, não induz


sonegação fiscal, segundo decidiu o tribunal
federal de recursos. Dissídio de jurisprudência não
comprovado. 2) Controvérsia sobre a nulidade, ou
não, de sociedade entre marido e mulher. Aspecto
novo em face da L. 4.121-62.

(RE 61582/ GB - Rel: Min. Victor Nunes - Primeira


Turma – Julg: 28/11/1968 - DJ 21-03-1969).

No mesmo sentido, em 1985, firmara-se entendimento em nossos tribunais


em admitir a sociedade na forma limitada entre os cônjuges, desde que sua
constituição não fosse instrumento de fraude ou de alteração do regime
matrimonial, conforme caso julgado no RE 104597/PR, com a seguinte ementa:

Sociedade por quotas. Marido e mulher. Sócios


exclusivos. Legitimidade. Sem dispositivo legal
que a proíba, expressa ou implicitamente, é válida
a sociedade comercial entre cônjuges, mesmo
comunheiros, somente desconstituível pelos defeitos
invalidantes de sua formação.

(RE 104597/PR - Rel: Min. Rafael Mayer - Primeira


Turma - Julg: 10/05/1985 - DJ 31/05/1985).

Com o advento do Código Civil de 2002, o entendimento decorrente de lenta Art. 977. Faculta-se aos cônjuges
110

contratar sociedade, entre si ou com


e intensa discussão e textualização doutrinária e jurisprudencial que permitia a terceiros, desde que não tenham casa-
do no regime da comunhão universal
constituição de sociedade empresária entre marido e mulher, de forma retrógrada, de bens, ou no da separação obrigató-
ria.
restringe a associação entre cônjuges, ressalvando apenas para os que não estiverem
111
Art. 166. É nulo o negócio jurídico
casados sob o regime de comunhão universal de bens ou da separação de bens110. quando:
Portanto se o regime de bens do casamento for da comunhão ou separação total VII - a lei taxativamente o declarar
nulo, ou proibir-lhe a prática, sem co-
e os cônjuges constituírem uma sociedade, esta será nula111. minar sanção.

FGV DIREITO RIO 69


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Em razão da proibição constante do art. 977 do Código Civil, ao DNRC


foi elaborado um pedido de consulta sobre qual o procedimento a ser
adotado em relação àquelas sociedades entre cônjuges, casados sob os regimes
da comunhão universal de bens ou de separação obrigatória, constituídas
anteriormente ao Código Civil de 2002 (em suma, se haveria necessidade de
alteração de sócio ou regime de casamento).

A consulta foi respondida em 04 de agosto de 2003, mediante o parecer


jurídico DNRC/COJUR Nº 125/03, redigido pela então coordenadora
jurídica do DNRC, que transcrevemos a seguir:

A norma do artigo 977 do CC proíbe a sociedade


entre cônjuges tão somente quando o regime for
o da comunhão universal de bens (art. 1.667) ou
da separação obrigatória de bens (art. 1.641). Essa
restrição abrange tanto a constituição de sociedade
unicamente entre marido e mulher, como destes
junto a terceiros, permanecendo os cônjuges como
sócios entre si.

De outro lado, em respeito ao ato jurídico perfeito,


essa proibição não atinge as sociedades entre
cônjuges já constituídas quando da entrada em vigor
do Código, alcançando, tão somente, as que viessem
a ser constituídas posteriormente. Desse modo, não
há necessidade de se promover alteração do quadro
societário ou mesmo da modificação do regime de
casamento dos sócios-cônjuges, em tal hipótese.112

Assim sendo, a sociedade empresária constituída entre cônjuges casados


sob o regime de comunhão universal ou da separação obrigatória de bens,
regida pela legislação anterior, é ato jurídico perfeito, e os cônjuges continuarão
proprietários da empresa em virtude do direito adquirido.

Novamente, perfilhamo-nos à orientação dos Enunciados da III Jornada


de Direito Civil:

204 – Art. 977: A proibição de sociedade entre 112


http://www.dnrc.gov.br/facil/Pare-
ceres/pa125_03.htm
pessoas casadas sob o regime da comunhão
113
Autores: Alexandre Ferreira de As-
universal ou da separação obrigatória só atinge as sumpção Alves, Professor UERJ, Mar-
sociedades constituídas após a vigência do Código lon Tomazette, Procurador do Distrito
Federal e professor e Maurício Moreira
Civil de 2002.113 Mendonça de Menezes, Professor UERJ.

FGV DIREITO RIO 70


TEORIA GERAL DA EMPRESA

205 – Art. 977: Adotar as seguintes interpretações


ao art. 977: (1) a vedação à participação de cônjuges
casados nas condições previstas no artigo refere-
se unicamente a uma mesma sociedade; (2) o
artigo abrange tanto a participação originária (na
constituição da sociedade) quanto a derivada, isto é,
fica vedado o ingresso de sócio casado em sociedade
de que já participa o outro cônjuge.114

SERVIDOR PÚBLICO COMO SÓCIO.

Com base no direito civil, compreende-se que existem pessoas com


plena capacidade civil, mas que são impedidas por lei de praticar atividade
empresarial em virtude de exercerem profissão ou função incompatível, ou
em razão de sanção legal.

A proibição legal que atinge os servidores públicos restringe-se à prática


da atividade empresarial e não é extensiva à participação dele em sociedade
empresária – a vedação se dirige ao exercício da função de empresário.

Portanto, o servidor público pode ser quotista ou acionista de sociedade


empresária. Exceção à regra é normalmente disposta nos estatutos profissionais
respectivos (geralmente, o que se proíbe é a prática da atividade empresarial
e a administração), como exemplos que veremos a seguir:

• Lei n.º 8.112/1990: dispõe sobre o regime jurídico dos servidores


públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Art. 117. Ao servidor é proibido:

(...)

X - participar de gerência ou administração


de sociedade privada, personificada ou não
personificada, salvo a participação nos conselhos
de administração e fiscal de empresas ou entidades
em que a União detenha, direta ou indiretamente,
participação no capital social ou em sociedade
cooperativa constituída para prestar serviços a seus
membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade 114
Autores: Alexandre Ferreira de
de acionista, cotista ou comanditário; (Redação dada Assumpção Alves e Maurício Moreira
Mendonça de Menezes, Professores
pela Lei nº 11.094, de 2005). UERJ.

FGV DIREITO RIO 71


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DEVERES E OBRIGAÇÕES DO SÓCIO.

De acordo com o art. 1.001, do Código Civil: “Art. 1.001. As obrigações


dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar
outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as
responsabilidades sociais.”

O dever básico e fundamental do sócio em relação à sociedade é o de


integralizar suas cotas. Ao assinar o contrato social, a principal obrigação
que o sócio contrai é a de investir, na sociedade, determinados recursos. Nas
palavras de Fábio Ulhoa Coelho:

Se duas pessoas contratam a formação de uma


sociedade, o ponto central do acordo de vontades
por elas expresso é a de organizarem juntas a
empresa. Cada contratante assume, perante o outro,
a obrigação de disponibilizar, de seu patrimônio,
os recursos que considerar necessários ao negócio
que vão explorar em parceria. Quer dizer, ele tem
de cumprir o compromisso, contraído ao assinar
o contrato social, de entregar para a sociedade,
então constituída, o dinheiro, bem ou crédito, no
montante contratado com os demais sócios. Na
linguagem própria do direito societário, cada sócio
tem o dever de integralizar a quota do capital social
que subscreveu. 115

O sócio inadimplente, ou sócio remisso, é aquele que não cumpriu seu dever
de integralizar suas cotas. Ele poderá ser executado judicialmente, respondendo
pelo dano emergente da mora, sem prejuízo de sua exclusão da sociedade, por
deliberação da maioria dos demais sócios116. Assim afirma o art. 1.004, CC:

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo


previstos, às contribuições estabelecidas no contrato
social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias
seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá
perante esta pelo dano emergente da mora.
115
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direi-
Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria to Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada,
atualizada e ampliada. Thompson
dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de
do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante Janeiro, 2019.

já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o 116


Borba, José Edwaldo Tavares. Direito
societário. 16. ed. – São Paulo: Atlas,
disposto no § 1o do art. 1.031. 2018.

FGV DIREITO RIO 72


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Embora não explícito na lei brasileira, a doutrina entende que o sócio


também deve cumprir o dever de lealdade para com a sociedade. Assim, é
dever do sócio colaborar com o desenvolvimento da sociedade, abstendo-se
de praticar atos que possam prejudicar a empresa.117 Nesse sentido, o sócio
é desleal quando seu comportamento prejudica o pleno desenvolvimento da
empresa explorada pela sociedade. Por fim, cabe lembrar que o contrato social
poderá estabelecer outros deveres para o sócio, dependendo da atividade
realizada por cada sociedade.

DIREITOS DO SÓCIO.

São considerados direitos inerentes à condição de sócio: participar do


resultado social, fiscalizar a gestão da empresa, contribuir para as deliberações
sociais e retirar-se da sociedade118.

A participação nos lucros sociais está prevista no art. 1.007 do Código Civil
e caso haja no contrato social alguma cláusula que exclua algum sócio dessa
participação, esta cláusula será considerada nula. Assim determina o art. 1.008,
CC: “Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de
participar dos lucros e das perdas.” Esta participação nos lucros ocorre de forma
proporcional à porcentagem do capital social correspondente a sua quota.

Sobre o direito de fiscalização ensina o autor Tavares Borba:

O direito de fiscalização (arts. 1.020 e 1.021 do


Código Civil) é bastante amplo, podendo qualquer
dos sócios, independentemente do nível de sua
participação no capital social, ter acesso a todos os
livros e documentos da sociedade; essa faculdade será
exercida a todo tempo, salvo se o contrato estabelecer
épocas predeterminadas para o exame. Essas regras,
que se encontram no “capítulo” sobre sociedades 117
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direi-
to Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada,
simples, aplicam-se subsidiariamente a todas as atualizada e ampliada. Thompson
sociedades, com exceção da anônima, que mantém Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de
Janeiro, 2019.
para tanto uma disciplina própria. 119 118
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direi-
to Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada,
atualizada e ampliada. Thompson
No caso de liquidação da sociedade, os sócios têm direito a uma cota-parte Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de
do acervo social. Neste caso, os sócios funcionam como se fossem herdeiros Janeiro, 2019.

da sociedade. Com isso, uma vez pagos os credores, o acervo restante é Borba, José Edwaldo Tavares. Di-
119

reito societário. 16. ed. – São Paulo:


partilhado entre os sócios na proporção de sua participação no capital social Atlas, 2018.

ou conforme for determinado no contrato, observando o que se afirmou em 120


Borba, José Edwaldo Tavares. Di-
reito societário. 16. ed. – São Paulo:
relação à distribuição dos lucros.120 Atlas, 2018.

FGV DIREITO RIO 73


TEORIA GERAL DA EMPRESA

JURISPRUDÊNCIA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE


DE ATO JURÍDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA
PRETENSÃO DEDUZIDA NA EXORDIAL. IRRESIGNAÇÃO
DO AUTOR. AVENTADA NULIDADE DO ATO JURÍDICO
(ALTERAÇÃO CONTRATUAL) PELO QUAL O AUTOR
INGRESSOU NA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. INACOLHIMENTO.
PARTICIPAÇÃO DE SÓCIO MENOR IMPÚBERE EM
SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBEDECIDOS OS REQUISITOS
LEGAIS, QUAIS SEJAM: A) QUE O MENOR SEJA REPRESENTADO
POR SEU RESPONSÁVEL LEGAL; B) QUE O CAPITAL JÁ SE
ENCONTRE INTEGRALIZADO; E C) QUE O INCAPAZ NÃO
OCUPE CARGO DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO DA
EMPRESA. CASO CONCRETO EM QUE TODAS AS CONDIÇÕES
FORAM OBSERVADAS. VALIDADE DO ATO RECONHECIDA.
SENTENÇA MANTIDA INCÓLUME. “[...] 1. É cediço ser possível
participação de menores em sociedade por quotas de responsabilidade
limitada, desde que obedecidos requisitos legais, dentre eles, o não exercício
de poderes de gerência ou de administração.” (REsp n. 1.531.025/SP,
Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 24-11-15). REBELDIA IMPROVIDA. (TJ-
SC Apelação Cível n. 2016.013562-5; Rel. Des. José Carlos Carstens
Köhler. 15/03/2016)

DIREITO CIVIL. EMPRESARIAL. DECLARATÓRIA DE


NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. SOCIEDADE LIMITADA.
SÓCIO MENOR. CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO.
AUSÊNCIA DE PODERES DE GERÊNCIA. POSSIBILIDADE.
VALIDADE DOS ATOS JURÍDICOS QUE ADMITIU O INCAPAZ.
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. MENOR
IMPÚBERE REGULARMENTE REPRESENTADO PELA GENITORA.
PODER FAMILIAR. SENTENÇA MANTIDA.
1. Para que o negócio jurídico seja considerado válido, primeiramente,
ele deve preencher os requisitos gerais de validade de qualquer ato
jurídico, no caso, os que eram definidos no art. 82 do Código Civil de
1916 (CC/02, art. 104), que era a legislação vigente à época dos fatos
noticiados. Há de ter sido praticado por agente capaz, possuir objeto
lícito e atender a forma prescrita ou não defesa em lei. 2. Seja em relação
à legislação civil anterior seja quanto à atual, releva asseverar ser possível

FGV DIREITO RIO 74


TEORIA GERAL DA EMPRESA

que o menor, absolutamente incapaz, devidamente representado, venha a


compor uma sociedade por cotas limitadas, desde que o capital social desta
esteja totalmente integralizado e que ele não ocupe a gerência da empresa,
o que se cumpriu na espécie. 3. Prescrevia o art. 386 do codex anterior
(CC/02, art. 1.691, caput) que os pais, na condição de administradores
dos bens dos filhos, não poderiam alienar, hipotecar, ou gravar de ônus
reais, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que
ultrapassem os limites da simples administração, exceto por necessidade,
ou evidente utilidade da prole, mediante previa autorização do juiz. 4.
Incasu, não houve contração de obrigações que ultrapassassem os limites
de uma boa administração dos recursos do autor, quando menor. Além
de o capital social das empresas restarem integralizados, infere-se dos
documentos carreados ao feito que a entrada dele nas sociedades se dera
por cessão ou transferência não onerosa (doação) de cotas, fatos que
informar a plausibilidade e a correção da atitude da sua representante
legal. Aliás, observa-se que o apelante nada falou tampouco demonstrou
a respeito de eventual utilização de recursos próprios nos referidos
negócios. 5. A participação do incapaz nos atos em questão se dera de
maneira regular. Isto é, sua genitora agiu com lastro no poder familiar,
amparada na prerrogativa que lhe fora dada pelo art. 385 do CC/16
(CC/02, art. 1.689), suprimindo legitimamente a vontade do menor a
fim de incluí-lo nas mencionadas sociedades, ao que parece, em benefício
deste, o que denota que eram desnecessárias prévias autorizações judiciais
para validar a realização dos supracitados atos negociais. 6. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-DF
20120110630760APC; Rel. Alfeu Machado. 02/07/2015).

RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA.


DEMANDA PROPOSTA POR PESSOA JURÍDICA REPRESENTADA
PELOS HERDEIROS DO SÓCIO FALECIDO. POSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE.
ARTIGO 335, N. 4, DO CÓDIGO COMERCIAL.
Não há no acórdão recorrido qualquer omissão, contradição ou
obscuridade, pois o egrégio Tribunal de origem apreciou toda a matéria
recursal devolvida e expôs seu posicionamento, fundamentadamente.
A questão discutida nos autos se insere no contexto daquelas que podem
ser apreciadas a qualquer momento processual pelo juiz da causa.
Aqui se não cuidou da hipótese de substituição processual, visto que a
empresa demandou o seu direito em nome próprio. Na verdade, o que
se está a impugnar é a regularidade da representação da empresa pelos
sucessores dos sócios pré-mortos.

FGV DIREITO RIO 75


TEORIA GERAL DA EMPRESA

De acordo com os elementos de convicção reunidos nos autos - cujo


reexame é inadmissível em recurso especial -, concluiu o douto colegiado
“a quo” estar provada a condição de herdeiros.
Não se pode desprestigiar o princípio da preservação da empresa, uma
vez que, in casu, exurge cristalina a intenção dos herdeiros de prosseguir
com os negócios do sócio falecido, pois ao invés de promoverem a
dissolução da sociedade, de comum acordo partilharam as cotas, tudo
com a aprovação do espólio do outro sócio, que passou mesmo a integrar
o pólo ativo da demanda.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 237.772/SP, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA
TURMA, julgado em 08.10.2002, DJ 19.05.2003 p. 153)

FGV DIREITO RIO 76


TEORIA GERAL DA EMPRESA

8. NOME EMPRESARIAL

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

Sobre marca e propriedade industrial: Manual de Direito Comercial. Waldo


Fazzio Júnior. 19ª edição. Atlas. São Paulo/2018.

ASPECTOS GERAIS – NOME EMPRESARIAL.

O nome empresarial é o elemento utilizado pela pessoa do empresário


para se identificar, enquanto sujeito que exerce uma atividade econômica,
sendo através do nome empresarial que o empresário contrai obrigações e
exerce seus direitos.121 A etimologia da palavra “nome” mostra sua origem do
latim gnom-em, donde se tem gnosc-ere que significa conhecer, saber. O nome
é, portanto, um meio para se permitir o conhecimento do que é nomeado,
para permitir que se saiba de quem se trata, saber quem é.122

O Direito Civil positivado confere a toda pessoa, natural ou jurídica, o


direito de ter um nome.123 Em diversos artigos do Código Civil, o nome se
apresenta como instrumento de grande importância, v.g., quando permite a
nomeação de alguém.124

No Direito Empresarial, a função do nome não é diferente. É através dele


que identificamos e individualizamos aquele que pratica atividade empresarial
e se obriga nos atos a ela pertinentes.

Assim, temos que o nome empresarial identifica o empresário individual e CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
121

comercial: direito de empresa – 16. Ed. –


a sociedade empresária nas relações jurídicas de qualquer natureza, seja para São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 137.

tratar de assuntos internos ou de terceiros. Apresenta-se no direito brasileiro 122


MAMEDE, Gladston in Direito Empre-
sarial Brasileiro – Ed Atlas/2004.
como: firma individual, firma social ou denominação. É na letra da lei que
Artigos 16 e 52 do Código Civil.
123

encontramos a forma correta de adoção do nome empresarial por cada tipo


Artigos 22, 23, 24, 49, 468, 470 entre
124

de empresário (individual ou coletivo). outros do Código Civil.

FGV DIREITO RIO 77


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O nome empresarial, cumpre ressaltar, difere de marca, “que identifica


não o sujeito de direito, mas sim os produtos e serviços por ele oferecidos
ao mercado. Não se confunde, outrossim, com o título do estabelecimento,
que consiste na identificação do local (...)”125.

No linguajar cotidiano, usa-se, de forma incorreta, a palavra “firma”


e “empresa” como sinônimo de empresário ou de sociedade empresária.
Sabemos que “empresa” é atividade, já a firma (individual e social) e a
denominação são espécies que compõem o gênero “nome empresarial”.

Com base nisso, entende-se que a Firma Individual126 é utilizada pelo


empresário individual. Logo, haverá sempre o nome civil do empresário,
acompanhado de expressão que dê a conhecer a atividade, como, v.g.,
JOÃO CABRAL MOTORES.

A Firma ou Razão Social127 só poderá ser utilizado por sociedades,


sendo composto pelo nome civil de um dos sócios, como nas hipóteses
das sociedades em nome coletivo e em comandita simples, v.g., JOÃO
CABRAL e CIA MOTORES LTDA.

Sobre a denominação,128 será também utilizada por sociedades,


identificada com base na presença de uma expressão linguística diversa
do nome civil – expressão “fantasia”, v.g., MOTORES AVANÇADOS
LTDA. ou CIA DE MOTORES AVANÇADOS.

Existe exceção à regra acima disposta, em relação às sociedades anônimas,


podendo haver a presença de nome civil no nome empresarial para fins 125
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
de homenagem, em virtude da regra inserta no § 1º do artigo 3º da Lei comercial: direito de empresa – 16. Ed.
– São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.
6.404/76129 e parágrafo único do art. 1.160 do Código Civil. Contudo, 137.
mesmo existindo um nome civil continuará a ser uma denominação. Art. 1.156 do Código Civil.
126

Art. 1.157 a 1.159 do Código Civil.


127

A parte final do art. 1.158, § 2º, permite que o nome empresarial Art. 1.158 do Código Civil.
128

apresente uma mistura de firma e denominação. É o caso de numa Art. 3º A sociedade será designada
129

por denominação acompanhada das


denominação constar também o nome de um ou mais sócios. expressões “companhia” ou “sociedade
anônima”, expressas por extenso ou
abreviadamente mas vedada a utiliza-
ção da primeira ao final.
Para a formação do nome empresarial, alguns princípios deverão § 1º O nome do fundador, acionista, ou
ser atendidos130, são eles: da veracidade, da novidade e da publicidade. pessoa que por qualquer outro modo
tenha concorrido para o êxito da em-
Conforme desenvolvido abaixo. presa, poderá figurar na denominação.
130
Lei 8.934/94. Art. 34. O nome em-
presarial obedecerá aos princípios da
Princípio da veracidade: estabelece que o nome dos sócios deve compor a veracidade e da novidade.

firma social131 assim como nome do empresário deve compor a firma individual. Exceto para a Sociedade Anônima.
131

FGV DIREITO RIO 78


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O artigo 1.165 do Código Civil é reforçado pelo princípio da veracidade, e,


nas palavras de Sérgio Campinho, “em razão desse princípio é que o nome
civil do sócio que vier a falecer, for excluído ou retirar-se da sociedade, não
pode ser conservado na razão social”.132

Princípio da novidade: reflete a necessidade de individualização, de


ser adotado um nome novo e diferente de outro já existente. A intenção
do legislador foi evitar confusões e a concorrência desleal uma vez que
“projetando a própria identidade da empresa (sic), o nome empresarial
influencia incisivamente o público consumidor, tornando-a imediatamente
conhecida, bem assim a seus produtos e serviços”.133

OBRIGATORIEDADE DE INDICAÇÃO DO OBJETO SOCIAL NO NOME


EMPRESARIAL.

O art. 1.158 do Código Civil traz de volta uma regra do Decreto n.º
3.708/1919, que em seu artigo 2º exigia que as denominações das sociedades
limitadas dessem a conhecer o objeto social. Tal regra havia sido abolida
em 1994 pela Lei de Registro Público de Empresas Mercantis134, tanto em
relação às firmas quanto às denominações.

Essa exigência, considerada retrógrada por muitos, tem sido alvo de


inúmeras críticas no meio jurídico pelo fato de restringir a liberdade dos
sócios na escolha do nome de sua sociedade, além de ser inconveniente para
algumas sociedades que tenham objetos sociais amplos, cuja demonstração
no nome irá gerar problemas de publicidade.

Nesse contexto, o PL 7.070/92, em trâmite no Congresso Nacional,


propõe a modificação dos artigos 1.158, 1.160, 1.163, 1.165, 1.166, 1.167 e
1.168 do Código Civil, apresentando como justificativa que “as disposições
constantes do novo Código Civil, ao reintroduzirem a obrigatoriedade
de indicar o objeto social na denominação, não estão em sintonia com os
avanços que já constavam do Direito Brasileiro”. 132
in O Direito de Empresa à luz do Novo
Código Civil. 5ª edição. Renovar/2005.
pg 330.

PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL. FAZZIO JUNIOR, Waldo in Manual de


133

Direito Comercial. 4ª edição. Atlas. São


Paulo/2004. pg.90.

A proteção ao nome empresarial está presente, inicialmente, no texto 134


Art. 35. Não podem ser arquivados:
(...)
constitucional, o qual, em seu art. 5º, XXIX, além de garantir proteção III - os atos constitutivos de empresas
mercantis que, além das cláusulas
à propriedade das marcas, também protege o nome empresarial, que exigidas em lei, não designarem o res-
compreende a firma ou denominação da pessoa física ou jurídica, designada pectivo capital, bem como a declaração
precisa de seu objeto, cuja indicação no
em todo o exercício de suas atividades. nome empresarial é facultativa;

FGV DIREITO RIO 79


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Além da norma constitucional, a Convenção da União de Paris, em seu art. 8º,


prevê a proteção em esfera internacional do nome empresarial, independentemente
de registro, sendo suficiente a proteção obtida no país de origem.

Ainda, a Lei nº 8.934/94 – que revogou a Lei n.º 4.726/65 –, em seu art.
33, prescreve: “A proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do
arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou
de suas alterações”. E, no art. 34, dispõe: “O nome empresarial obedecerá aos
princípios da veracidade e da novidade”.

Vale ressaltar também que a Instrução Normativa n.º 53/96 do DNRC


dispõe, principalmente, sobre a formação de nome empresarial e sua proteção.

O critério de proteção do nome empresarial também está presente no


Código Civil onde, mediante uma análise do art. 1.163135 em conjunto com
o art. 1.166136, temos que ela decorre automaticamente do arquivamento
de ato constitutivo ou de alteração que implique em mudança do nome, e
circunscreve-se à unidade da federação em que foi registrado137.

A limitação territorial imposta pelo art. 1.166 do Código Civil é objeto


de muitas críticas pela doutrina, pois colide com o art. 8º da Convenção
de Paris que garante a todos os países membros proteção internacional ao
nome empresarial de estrangeiros independentemente de registros, causando
uma disparidade de tratamento injustificável, contrariando o preceito de
igualdade, contemplado no caput do art. 5° da Constituição Federal de 1988.

Para dirimir essa questão, o PL 7.070/2002 apresenta nova redação


para os arts. 1.163 e 1.166 do Código Civil, sugerindo que as buscas de 135
Art. 1.163. O nome de empresário
anterioridade feitas de ofício pelas Juntas Comerciais continuem restritas às deve distinguir-se de qualquer outro já
inscrito no mesmo registro.
inscrições feitas em seu registro. No entanto, se admita que terceiros possam Parágrafo único. Se o empresário tiver
apresentar oposição, com base em registros de nome empresarial efetuados nome idêntico ao de outros já inscritos,
deverá acrescentar designação que o
em outros Estados ou mesmo de procedência estrangeira. Preservando-se, distinga.
assim, a eficácia nacional ou internacional destes. 136
Art. 1.166. A inscrição do empresário,
ou dos atos constitutivos das pessoas
jurídicas, ou as respectivas averbações,
no registro próprio, asseguram o uso
exclusivo do nome nos limites do res-
A NATUREZA JURÍDICA DO NOME EMPRESARIAL E A POSSIBILIDADE DE pectivo Estado.
ALIENAÇÃO. Parágrafo único. O uso previsto neste
artigo estender-se-á a todo o território
nacional, se registrado na forma da lei
especial.
O nome empresarial possui duas funções: (i) subjetiva: pois identifica 137
Essa proteção pode ser estendida
o empresário como pessoa jurídica; e (ii) objetiva: pois promove a mediante requerimento próprio pe-
rante a Junta Comercial da unidade da
individualização, diferenciando o empresário em face dos demais. Esta federação onde se deseja a proteção,
dupla função resulta numa grande dificuldade, por parte da doutrina, em que fará o encaminhamento ao DNRC –
Departamento Nacional de Registro do
estabelecer a natureza jurídica do nome empresarial. Comércio para avaliação.

FGV DIREITO RIO 80


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Gabriel F. Leonardos, ao estudar a função objetiva do nome, apresentou


três possibilidades quanto a sua natureza: (i) é um direito de propriedade
imaterial, semelhante àquele que disciplina marcas e patentes; (ii) é um
direito pessoal, sucedâneo do direito de personalidade, numa concepção
empresarial, isto é, um direito de personalidade comercial; e (iii) é um direito
pessoal do empresário, derivado da repressão à concorrência desleal.138

Para Sérgio Campinho, o nome empresarial:

funciona como o nome civil da pessoa natural e, como


tal, não pode ser objeto de transmissão, porquanto é
por seu intermédio que se identifica a pessoa física
(sic) ou jurídica do empresário. Nesse sentido, não
se permite, conforme proclama o artigo 1.164 do
Código Civil, seja objeto de alienação.139

Ademais, o autor ainda destaca o aspecto de bem patrimonial incorpóreo


do nome empresarial, que compõe o estabelecimento140.

Para Gladston Mamede, o nome empresarial deve ser compreendido


como Direito de Personalidade, pois, “como de resto o nome de toda e
qualquer pessoa jurídica, é atributo moral de sua personalidade, merecendo
proteção específica do Direito das Pessoas, inclusive o aforamento de
ações indenizatórias por danos que lhe sejam impingidos”. O professor
salienta que também:

(...) deve-se reconhecer no nome empresarial


um bem moral, bem que compõe o patrimônio
moral do empresário ou da sociedade empresária,
não comportando transmissão e, portanto,
alienação, sucessão hereditária, penhor, penhora
etc. Mas são, a exemplo do nome civil, passíveis
de alterações, embora em hipóteses distintas das
previstas para aqueles.141 138
in Manual de Direito Comercial
e de Empresa. Saraiva: São Pau-
lo/2005. pg.189.
139
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
comercial: direito de empresa – 16.
INDICAÇÃO DOS IDENTIFICADORES: ME (MICROEMPRESA) E EPP Ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
(EMPRESA DE PEQUENO PORTE). 2019, p. 331.
140
CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito
comercial: direito de empresa – 16.
O nome empresarial, além da informação sobre o tipo societário (S.A., Ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
2019, p. 331.
Ltda. etc.), poderá apresentar-se com a informação de microempresa (ME) 141
in Direito Empresarial Brasileiro –
ou empresa de pequeno porte (EPP). vol.1. Atlas/2004. pg 111.

FGV DIREITO RIO 81


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A classificação como ME ou EPP tem por base o regime fiscal a que se


submeterá a sociedade - a avaliação será feita pelo ente fiscal. Assim, no
momento da constituição da sociedade, tal indicação não poderá ser levada
ao registro, pois se trata de classificação fiscal e não empresarial, portanto,
somente após a classificação concedida pelo FISCO é que poderá a sociedade
se apresentar dessa forma – aí sim, deve ser levada ao registro tal modificação
(publicidade).

NOME EMPRESARIAL, MARCA E TÍTULO DO ESTABELECIMENTO.

Vimos que o nome identifica o empresário e a sociedade empresária,


portanto, não pode jamais ser confundido com outros elementos
identificadores da empresa, como a marca, o título de estabelecimento e o
nome de domínio. Ricardo Negrão estabelece a distinção:

(...) o nome é atributo da personalidade, através


do qual o comerciante exerce o comércio; a marca
é sinal distintivo de um produto ou de um serviço;
título de estabelecimento é a designação de um
objeto de direito - o estabelecimento empresarial; e
insígnia é um sinal, emblema, formado por figuras,
desenhos, símbolos, conjugados ou não a expressões
nominativas. Esta e o título do estabelecimento
têm em comum sua idêntica destinação: designar o 142
in Manual de Direito Comercial e de
Empresa. Saraiva: São Paulo/2005. pg
estabelecimento do empresário; na forma, contudo, 192.

diferem: a insígnia utiliza a forma emblemática e o 143


COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direi-
to Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada,
título, nominativa.142 atualizada e ampliada. Thompson
Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de
Janeiro, 2019, pg.183 e 184.
Ainda, Fabio Ulhoa Coelho aponta as seguintes diferenças entre nome 144
O INPI é uma autarquia federal
vinculada ao Ministério da Indústria,
empresarial e marca:143 do Comércio e do Turismo (MCTI), res-
ponsável pela concessão de patentes,
registro de marcas, transferência de
a) em relação ao órgão de registro: tecnologia etc. Tem por finalidade exe-
cutar, no âmbito nacional, as normas
NOME – Junta Comercial que regulam a propriedade industrial,
tendo em vista sua função social, eco-
MARCA – INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)144 nômica, jurídica e técnica, bem como
pronunciar-se quanto à conveniência
da assinatura, ratificação e denúncia
b) em relação ao âmbito de proteção: de convenções, tratados e acordos
internacionais sobre a propriedade in-
NOME – protegido no Estado da Junta em que foi registrado, podendo dustrial. Na sua homepage, encontra-
mos legislação específica, informações
alcançar proteção nacional. sobre como obter uma patente ou re-
gistro de marcas, guias de classificação
MARCA – todo o território nacional (art. 129 da Lei 9.279/96). internacional etc.

FGV DIREITO RIO 82


TEORIA GERAL DA EMPRESA

c) em relação à extensão da proteção quanto ao objeto:


NOME – não encontra qualquer limitação à sua proteção à área de
atuação da atividade empresária.
MARCA – protegida somente para produtos ou serviços assinalados no
depósito, isto é, se existir outra marca igual, mas para indicar produto
ou serviço diferente, não há violação do direito marcário. Exceto para
a marca de alto renome.

d) em relação ao prazo de duração:


NOME – indeterminado, sem necessidade de renovação.
MARCA – perdura por 10 anos, mas pode ser eternamente protegida
se houverem renovações.

O título de estabelecimento não possui um destino específico para registro.


A proteção poderá ser alcançada com o registro na Junta Comercial, como
nome empresarial, ou então no INPI, como marca. Por exemplo: apesar de
Casas Bahia Ltda ser um nome empresarial, o título do estabelecimento Casas
Bahia, para gozar de proteção, foi registrado no INPI como marca.

JURISPRUDÊNCIA

APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL E


INTELECTUAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.
CONFLITO ENTRE MARCA E NOME EMPRESARIAL. MARCA
EVOCATIVA. 1. A propriedade industrial tem proteção constitucional,
visando estimular o progresso técnico e científico, considerando o interesse
social e econômico do país. A par disso, em vista de uma maior proteção ao
autor da criação industrial, bem como a especificação e desenvolvimento
da matéria, foi editada a Lei nº 9.279 de 1996, conhecida como Lei
de Propriedade Industrial, na qual é limitado o âmbito de atuação da
proteção aos direitos relativos à propriedade industrial. 2. Com relação
ao uso da marca, a Lei de Propriedade Industrial determina que a
propriedade da marca se adquire pelo registro validamente expedido, o
qual garante ao titular o seu uso exclusivo em todo o território nacional
3. já quanto ao nome empresarial, único ponto objeto do recurso pela
parte demandada, sua proteção não se dá pelo registro junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), mas sim pelo simples
arquivamento, nas Juntas Comerciais, do ato constitutivo de sociedade.
4. Nessa seara, estabelece o Decreto nº 1.800/96, regulamentador da

FGV DIREITO RIO 83


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Lei 8.934/94 (Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades


Afins), normas de proteção ao nome empresarial, esclarecendo que
este deverá atender aos princípios da novidade e veracidade, consoante
artigos 61 e 62 de tal diploma legal. 5. No caso em exame, entretanto,
o objeto da controvérsia está na existência de conflito entre a marca
da parte autora, devidamente registrada junto ao INPI, e o nome
empresarial utilizado pela parte ré, arquivado na Junta Comercial do
Estado do Rio Grande do Sul. 6. Assim, analisando-se tão somente a
anterioridade de registros, quando do depósito do pedido de registro
da parte ré, a parte autora já havia adotado a denominação social
Indústria e Comércio de Tripas Getuliense Ltda. EPP. , arquivada
na Junta Comercial, bem como já possuía o registro da marca Tripa
Seca Getuliense . 7. Ademais, tanto o autor quanto o réu da presente
demanda atuam na área de tripas bovinas e suínas utilizadas para
produtos embutidos, no Estado do Rio Grande do Sul. 8. Entretanto,
como se percebe, as expressões tripas e Getuliense , são palavras comuns,
que não podem ser apropriadas, que identificam o produto, bem como
as pessoas nascidas em Getúlio Vargas, razão pela qual o pedido não
merece êxito, sob pena de se criar uma exclusividade inadmissível do
ramo do comércio na região. 9. Assim, diante das peculiaridades do
caso em exame, tenho que deve ser julgado improcedente o pedido
elencado na inicial no que tange a determinação de vedar que a ré
utilize a denominação Tripas Getuliense, eis que sequer é utilizado o
termo para identificar os produtos comercializados por esta. Negado
provimento ao recurso. (Apelação Cível Nº 70078141108, Quinta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes
do Canto, Julgado em 29/08/2018)

TÍTULO DE ESTABELECIMENTO (NOME FANTASIA).


TUTELA DE URGÊNCIA. Ação cominatória cumulada com
indenização por danos morais e materiais. Utilização pelas partes do
vocábulo “VILLA” no título do estabelecimento comercial. A mera
utilização do vocábulo comum não indica, por si só, a prática de
concorrência desleal. Estabelecimentos comerciais que, a despeito de
atuarem no mesmo segmento, não tem identidade visual semelhante.
Ausência dos requisitos do art. 300 do CPC/15 para concessão da
tutela de urgência. Decisão mantida. AGRAVO DESPROVIDO.
(TJ-SP Agravo de Instrumento nº 2206570-28.2016.8.26.0000; Rel.
Alexandre Marcondes; 19/12/2016)

FGV DIREITO RIO 84


TEORIA GERAL DA EMPRESA

APELAÇÃO CÍVEL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO


DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA REGISTRADA C/C
PERDAS E DANOS. COLIDÊNCIA ENTRE MARCA E TÍTULO
DE ESTABELECIMENTO. AUSÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA TERRITORIEDADE E DA ESPECIALIDADE.
MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INAPLICABILIDADE.
1. Apelação interposta da sentença, que, proferida em ação de
abstenção de uso de marca registrada c/c perdas e danos, julgou
improcedentes os pedidos iniciais voltados à condenação das rés
a se absterem do uso de determinada expressão em sua atividade
empresária e a pagarem indenização por danos morais, danos
emergentes e lucros cessantes. 2. Salvo nas hipóteses de marca de
alto renome ou de marca notoriamente conhecida (arts. 125 e 126
da LPI), para a aferição de eventual colidência entre marca e signos
distintivos sujeitos a outras modalidades de proteção - como o nome
empresarial e o título de estabelecimento -, não é possível restringir-
se à análise do critério da anterioridade, mas deve também se levar
em consideração os princípios da territorialidade e da especialidade,
como corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão
entre os usuários. Jurisprudência do c. STJ (REsp. 1.232.658/
SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado
em 12/06/2012, DJe 25/10/2012). 3. No caso, as partes estão em
posições geográficas distintas e, conquanto suas atividades estejam
ligadas a móveis, atuam em segmentos mercadológicos diferentes.
Isso porque a autora está sediada no Paraná e tem como objeto social
principal a produção de móveis de madeira, ao passo que as rés se
situam no Distrito Federal e entorno e exercem a atividade primordial
de comércio varejista, vendendo móveis diversos, eletrônicos,
eletrodomésticos e equipamentos de informática. Além disso, não
há notícia de que a autora forneça seus produtos diretamente para
os consumidores, nem mesmo pela internet. 4. Aferida a inexistência
de qualquer risco de confusão, é possível a convivência entre o título
de estabelecimento usado pelas rés e a marca registrada pela autora,
sendo improcedentes os pedidos iniciais.
5. A multa por litigância de má-fé em face da interposição de recurso -
cuja aplicação foi requerida em contrarrazões - não merece acolhimento,
diante da falta de demonstração do dolo processual ensejador da
penalidade. 6. Apelação da autora conhecida e desprovida.

FGV DIREITO RIO 85


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DIREITO COMERCIAL. COLIDENCIA DE MARCA (REGISTRO


NO INPI) COM NOME COMERCIAL (ARQUIVAMENTO
DOS ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE NA JUNTA
COMERCIAL). PROTEÇÃO JURIDICA. RECURSO PROVIDO.
I- no sistema jurídico nacional, tanto a marca, pelo código de propriedade
industrial, quanto o nome comercial, pela convenção de paris, ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto 75.572/75, são protegidos juridicamente,
conferindo ao titular respectivo o direito de sua utilização.
II- havendo colidência entre marca e parte do nome comercial, a fim
de garantir a proteção jurídica tanto a uma quanto a outra, determina-
se ao proprietário do nome que se abstenha de utilizar isoladamente a
expressão que constitui a marca registrada pelo terceiro, de propriedade
desse, sem prejuízo da utilização do seu nome comercial por inteiro, quer
nos letreiros quer no material de propaganda ou documentos e objetos.
(REsp 40.598/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 19.08.1997, DJ 29.09.1997 p. 48208)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA ESTADUAL E


FEDERAL – AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE NOME
COMERCIAL – JUNTA COMERCIAL. Se o litígio versa sobre
abstenção de uso de nome comercial, apenas por via reflexa será atingido
o registro efetuado na Junta Comercial, o que afasta o interesse da União.
Portanto, o processo deverá ter curso perante a justiça do estado. Conflito
de competência conhecido, para declarar a competência do Juízo da
Oitava Vara Cível de Curitiba-PR.
(CC 37.386/PR, Rel. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 14.05.2003, DJ 09.06.2003 p. 168).

PESSOA JURÍDICA. ASSOCIAÇÕES (RELIGIOSAS). NOMES


(PROTEÇÃO). REGISTRO (ANTECEDÊNCIA). PRECEITO
COMINATÓRIO (IMPROCEDÊNCIA).
1. Formal e materialmente, não há norma que proteja nome de associação
destinada a desenvolver atividade religiosa; de fins, portanto, não
econômicos. Inaplicabilidade do Cód. de Prop. Industrial, ainda que
sob as luzes dos arts. 4º da Lei de Introdução e 126 do Cód. de Pr.
Civil. 2. Regência do caso pelos arts. 114, I e 115 da Lei nº 6.015/73.
3. Não há meios jurídicos que garantam a propriedade do nome de
religioso, “podendo ser ostentado, pronunciado, venerado e adotado por
quantos seguidores e/ou cultores tenha ou venha a ter, individualmente
ou organizados em associações” (acórdão estadual), haja vista o que

FGV DIREITO RIO 86


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ordinariamente acontece com as igrejas cristãs pelo mundo afora. 4.


Recurso especial fundado na alínea a, de que a Turma não conheceu.
(REsp 66.529/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA
TURMA, julgado em 21.09.1999, DJ 19.06.2000 p. 138)

PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. DOMÍNIO DA


INTERNET. UTILIZAÇÃO POR QUEM NÃO TEM O REGISTRO
DA MARCA NO INPI. A Justiça Estadual é competente para processar e
julgar ação em que o titular, junto ao INPI, do registro da marca tantofaz.
com, sob a especificação de portal da internet, pretende impedir o seu uso
por outrem. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 341.583/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA
TURMA, julgado em 06.06.2002, DJ 09.09.2002 p. 231)

FGV DIREITO RIO 87


TEORIA GERAL DA EMPRESA

9. ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Nesta aula, vamos relembrar um pouco da teoria da empresa que


estudamos por meio dos “Perfis” de Alberto Asquini, enfatizando a
concepção da empresa por sua apresentação objetiva (perfil objetivo ou
patrimonial) e não por sua atividade (perfil funcional) ou pela atuação de
seu titular (perfil subjetivo).

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

CAVALLI, Cássio Machado. Apontamentos sobre a teoria do estabelecimento


empresarial no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, v. 858, p. 30-47, abr. 2007.

Leitura Complementar

BULGARELLI, Waldírio. Sociedades Comerciais – Empresa e Estabelecimento.


2ª edição. Ed.Atlas/1985. Páginas 49 a 63

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 77 a 82.

CONCEITO DE ESTABELECIMENTO.

Pela primeira vez o direito brasileiro conceitua o estabelecimento,


regulando seu tratamento nos artigos 1.142 a 1.149 do Código Civil de 2002.
Este verdadeiro “atraso” na disciplina de matéria tão importante sempre foi
alvo de crítica pela doutrina:

FGV DIREITO RIO 88


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O direito brasileiro encontra-se extremamente


atrasado na construção legislativa do moderno
instituto. Não temos leis que regulem a matéria,
com enormes prejuízos para o comércio e para a
estabilidade das relações jurídicas145.

A propósito, assinala Oscar Barreto Filho que não há justificativa para


existir os códigos comerciais omitido a disciplina do estabelecimento...146.

Em que pese o atraso do ordenamento jurídico brasileiro, vale dizer que


a figura jurídica de estabelecimento não é nova. Os próprios romanos já
se referiam ao negotium, ou negotiatio, ponto de partida na evolução do
direito comercial. Nomina-se, na França e na Bélgica, fonds de commerce;
na Alemanha, geschaft ou handelgeschaft; nos EUA e Inglaterra, goodwill; na
Espanha, hacienda; na Itália, azienda.

Importante influência nas reformas da legislação brasileira, o Código Civil


italiano de 1942 define azienda, em seu art. 2.555, como “il complesso dei
beni organizzati dall´imprenditore per l´esercizio dell´impresa”.147

Sem discrepância com a legislação italiana, o Código Civil de 2002


estabeleceu o conceito de estabelecimento, em seu art. 1.142, como sendo
“todo o complexo de bens organizados, para o exercício da empresa, pelo
empresário, ou sociedade empresária”.

FORMAÇÃO DO ESTABELECIMENTO

Esquema:

Corpóreos: máquinas, balcões, estoque, veículos, imóvel onde pratica atividades etc.
+
Incorpóreos: marca, estratégia, logística, Know How etc.

Diante do conceito disposto no art. 1.142 e do esquema acima exposto, 145


REQUIÃO, Rubens in Curso de
Direito Comercial. Saraiva: São Pau-
temos que o estabelecimento é formado pelo conjunto de bens corpóreos e lo/1995. pg 203.

incorpóreos, organizados pelo empresário ou sociedade empresária, para o 146


apud BULGARELLI Waldírio in
Sociedades Comerciais – Empre-
desenvolvimento da sua atividade. sa e Estabelecimento. 2ª edição.
Ed.Atlas/1985. pg 50.

Nas palavras de Oscar Barreto Filho: “Os bens (...) são conjugados em Azienda é o complexo de bens orga-
147

nizados pelo empresário para o exercí-


função do fim colimado, e aí surge o elemento estrutural: a organização – a cio da empresa.

combinação do capital, trabalho e organização para o exercício da atividade 148


apud BULGARELLI Waldírio in Socieda-
des Comerciais – Empresa e Estabeleci-
produtiva é que se denomina – estabelecimento ...”148. mento. 2ª edição. Ed.Atlas/1985. pg 51.

FGV DIREITO RIO 89


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Os bens que compõem o estabelecimento são perfeitamente mensuráveis


individualmente (como o estoque de mercadorias). No entanto, não
é o produto da soma de cada um de seus bens que retratará o valor do
estabelecimento (complexo de bens).

Esse complexo de bens de vários tipos e de natureza diversa é encarado


unitariamente pelo direito como bem coletivo, na forma prevista do art.
90 do Código Civil de 2002149, que dispõe sobre a universalidade de fato,
assinalando a natureza jurídica do estabelecimento como de BEM MÓVEL.

Diferentemente da universalidade de direito, apesar de a lei dispor sobre


o estabelecimento, ela não diz como ele será formado. É o empresário ou a
sociedade empresária que organiza os bens e geram a universalidade – DE
FATO. A organização impressa será o cerne do conceito de estabelecimento.

Existe uma discussão sobre a possibilidade de inclusão do bem imóvel


no estabelecimento, exatamente em função da sua natureza jurídica de bem
móvel. A maioria dos doutrinadores150 converge no sentido da possibilidade,
até mesmo em razão da lógica, sendo na grande maioria das vezes impossível
a análise de um fundo de empresa dissociado do bem imóvel.

Quando da alienação do estabelecimento, bastará a identificação do bem


149
Art.90. Constitui universalidade de
imóvel, destinando o tratamento específico à alienação dos bens imóveis. Em fato a pluralidade de bens singulares
regra: (i) escritura pública e (ii) registro de imóveis. que, pertinentes à mesma pessoa, te-
nham destinação unitária.
Parágrafo único. Os bens que formam
essa universalidade podem ser objeto
A possibilidade, anotada no art. 1.143 do Código Civil de 2002, de o de relações jurídicas próprias.
estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos não exclui 150
Neste sentido: Oscar Barreto Filho,
Waldírio Bulgarelli, Ricardo Negrão,
a constituição de relações jurídicas próprias envolvendo os bens que o compõem. Fran Martins.
“... quando os imóveis pertencem ao
comerciante, para o seu estabeleci-
Assim, o estabelecimento poderá ser alienado por sua totalidade sem a mento... esses imóveis se incorporam
ao fundo de comércio e, ao ser vendido
necessidade de se especificar os bens corpóreos e incorpóreos. Isto da mesma o estabelecimento comercial, figuram
no mesmo... assume o imóvel o caráter
forma que uma das máquinas poderá ser vendida isoladamente ou mesmo de bem comercial pela sua destina-
uma das lojas (no caso de estabelecimento com unidades autônomas ou ção...”. (MARTINS, Fran in Curso de
Direito Comercial, 28ª edição. Foren-
estabelecimentos secundários151) sem precisar transferir seu título ou sua se/2002. pg 368).

marca, sendo necessário, todavia, que no instrumento de trespasse sejam 151


Gladston Mamede identifica como
unidades autônomas: filiais, agências e
identificados os itens objeto de alienação. sucursais; e, conceitua estabelecimento
secundário como uma unidade em
especial, destacada da totalidade da
Embora seja uma unidade jurídica, é muito difícil determinar o valor empresa e de seu respectivo estabeleci-
mento, como a “Lojas Americanas S/A”
do estabelecimento. Isso porque, ao organizá-lo, o empresário agrega um que se constitui de vários estabeleci-
mentos secundários, exercendo ativi-
sobrevalor aos bens que os integram, ou seja, enquanto esses bens permanecem dade empresarial de forma uniforme e
em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à sobre o mesmo título de Lojas America-
nas (in Empresa e Atuação Empresarial.
simples soma de cada um deles em separado. Vol.I. Ed. Atlas/2004. pg. 182).

FGV DIREITO RIO 90


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Podemos citar, como exemplo, o caso de algum empresário interessado


em ingressar no ramo da panificação. Ele poderá negociar e adquirir uma
padaria que já existe ou começar do “zero” e montar sua própria padaria.
Na primeira hipótese, o valor gasto pelo empresário será, provavelmente,
muito maior, porque, ao comprar o estabelecimento já organizado,
ele pagará não apenas pelos bens que existem, mas também por toda a
organização existente.

Essa organização é uma integração de recursos e atividades empresariais


que não estão inseridas nos balanços contábeis pelo fato de não existirem
valores contábeis correspondentes. Como mensurar a capacidade
de desempenho profissional dos empregados? Ou a capacidade de
desenvolvimento da empresa? Ou mesmo seus direitos de exploração de
recursos naturais, patentes, sistema de informação, cultura empresarial,
imagem da empresa e dos seus produtos, relações com o poder político,
carteira de clientes entre outros?

Importante esclarecer que, conquanto o estabelecimento seja um


patrimônio especificado, empregado para a consecução da atividade
empresarial, ele não se confunde com o patrimônio do empresário ou
da sociedade empresária. Ademais, o patrimônio empresarial pode estar
dividido em diversos estabelecimentos152 (consoante vimos, anteriormente,
a possibilidade de alienação de parte do estabelecimento).

Nas palavras de Oscar Barreto Filho153:

No sentido econômico, o patrimônio comercial,


tanto da pessoa física quanto da pessoa jurídica,
constitui-se inicialmente pelo capital, que, de
ordinário, é representado por dinheiro. Mas,
para a consecução do objetivo econômico, faz-
se mister aplicar o capital em bens adequados
ao exercício do comércio (máquinas, matérias-
primas, mercadorias etc.). Da transformação
do capital num complexo de bens apropriados
para o exercício da atividade mercantil resulta o
estabelecimento comercial.

MAMEDE, op.cit..pg. 180.


152

Em face de todo o exposto, destaque-se serem atributos ou qualidades


apud BULGARELLI Waldírio. Op.cit.
153

do estabelecimento ou fundo empresarial: pg. 54 e 55.

FGV DIREITO RIO 91


TEORIA GERAL DA EMPRESA

• Ponto empresarial - É o elemento físico ou virtual onde se localiza o


estabelecimento.

• Aviamento - É a perspectiva de lucratividade, é a aptidão para se


produzir e gerar riquezas, como a “distribuição do produto”, “prazo de
entrega”. Assim, são elementos de conceito imaterial, em regra, e que
integram a organização do estabelecimento.

• Clientela - É constituída pelo conjunto de pessoas que habitualmente


contratam com o empresário individual ou com a sociedade empresária.

• Freguesia – difere-se da clientela no que concerne à habitualidade em


contratar com o empresário individual ou sociedade empresária, isto
é, na freguesia não há habitualidade em contratar. Esta é, portanto,
eventual.

A clientela e o aviamento são atributos (qualidades) inalienáveis. Quer dizer,


não podem ser objeto, isoladamente, de alienação de um estabelecimento
empresarial. Ambos são essenciais para a existência da empresa e só têm
validade enquanto o estabelecimento está em atividade. Extinguindo-se a
atividade, eles desaparecem.

Em regra, todo estabelecimento tem um título para identificá-lo (título do


estabelecimento), assim como a sociedade empresária e o empresário têm um
nome (nome empresarial) e o produto tem sua marca.

Vejamos um exemplo:

• Nome Empresarial: Sendas Indústria e Comércio Alimentício S/A

• Título do Estabelecimento: Sendas, Superx, Bon Marche, Casa Show.

• Marca do Produto: feijão Sendas, café Sendas... (não quer dizer que ela
produz esse produto; ela pode comprar de um fornecedor e inserir a
marca “Sendas”).

A marca é bem móvel, tem valor econômico, podendo ser alienada ou


arrecadada numa eventual falência. A proteção da marca é nacional e se dá
com o registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI. Já
o nome empresarial, recebe a vedação do art. 1.164 do Código Civil e não
pode ser alienado. Quanto à sua proteção, esta decorre do registro do ato
constitutivo na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas,
tendo alcance estadual.

FGV DIREITO RIO 92


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A PROTEÇÃO DO TÍTULO DO ESTABELECIMENTO.

Apesar de a legislação brasileira não exigir o registro do título, não se pode


negar sua importância para o estabelecimento empresarial. É através dele que
a sociedade faz propaganda e busca a clientela. Da mesma forma, permite
aos consumidores escolherem onde irão efetuar suas compras (funcionando
como uma referência).

Para impedir que um estabelecimento utilize o título de outro, pode-se


inserir uma cláusula no ato constitutivo da sociedade que preveja a proteção
(âmbito estadual) ou registrá-lo como marca (âmbito federal).

CONTRATO DE TRESPASSE: TRANSFERÊNCIA DO ESTABELECIMENTO.

Vimos na aula passada que o estabelecimento pode ser objeto de negócios


jurídicos que tenham por destinação a transferência de titularidade da esfera
patrimonial de um sujeito para a de outro diferente ou em que apenas ocorra
a transferência do direito de uso ou de gozo a outrem (art. 1.143).

O Trespasse é popularmente conhecido pela expressão “passa-se o ponto”


ou “passo o ponto”. É o contrato de compra e venda (transferência onerosa)
do estabelecimento empresarial. Por meio deste contrato, o alienante/
trespassante transfere o domínio do complexo de bens organizados para a
atividade empresarial, e, o adquirente/trespassário se obriga a pagar pela
aquisição, ocorrendo uma “sucessão subjetiva, vale dizer, sucessão de sujeito:
o estabelecimento passará a ter um novo titular.”154

Em virtude dessa sucessão de direitos e deveres, bem como a constituição


de relações jurídicas sobre o estabelecimento, o Código Civil de 2002, no 154
MAMEDE, Gladston in Direito Em-
presarial Brasileiro vol.1. ed. Atlas. São
art. 1.144, exige que o contrato cujo objeto seja a alienação, o usufruto ou Paulo/2004. pg.189.

arrendamento do estabelecimento só produza efeitos perante terceiros após 155


Art. 129. São ineficazes em relação
à massa falida, tenha ou não o contra-
a devida averbação no registro empresarial e a respectiva publicação pela tante conhecimento do estado de crise
econômico-financeira do devedor, seja
imprensa oficial. ou não intenção deste fraudar credores:
(...)
VI – a venda ou transferência de esta-
Prevê o Código Civil de 2002 que a alienação do estabelecimento belecimento feita sem o consentimen-
to expresso ou o pagamento de todos
seguirá as determinações estabelecidas no art. 1.145, viabilizando, assim, a os credores, a esse tempo existentes,
não tendo restado ao devedor bens
transferência do estabelecimento sem ferir o direito dos credores. A Lei n.º suficientes para solver o seu passivo,
salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias,
11.101/2005 (nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas), seguiu o não houver oposição dos credores, após
mesmo propósito de salvaguardar o direito dos credores ao impor restrições à serem devidamente notificados, judi-
cialmente ou pelo oficial do registro de
venda do estabelecimento empresarial, sob pena de ineficácia155. títulos e documentos; (...).

FGV DIREITO RIO 93


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Essa proteção genérica às obrigações não solvidas, anteriores à sucessão,


conhece uma ampliação no art. 1.146, que cria uma ampla solidariedade
subjetiva, entre sucessor e sucedido, pelas obrigações que estejam
regularmente contabilizadas156. Inovou, assim, o Código Civil de 2002,
ao dizer que o adquirente do estabelecimento responde também pelo
pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que escriturados
contabilmente, pois, até então, entendia-se que o estabelecimento só
compreendia os elementos do ativo.

A regra do art. 1.146, que sofre a influência do art. 2.558 do Codice


Civile italiano157, determina o prazo de um ano, durante o qual o alienante
continua solidariamente obrigado, a contar da publicação do trespasse
no caso de obrigações vencidas, e, a contar do vencimento, no caso das
dívidas vincendas.

Esquema:

Representação patrimonial do Empresário ou da Sociedade Empresária.

ATIVO PASSIVO
Contas, tributos, salários,
Dinheiro em caixa
prestações etc.
Imóvel (sede)
Estoque (faz parte do
estabelecimento)
Veículos (faz parte do
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
estabelecimento)
Outros...
MAMEDE, op.cit. p.191.
156

Toda pessoa tem patrimônio, pois, para ter patrimônio, basta estar vivo. Codice Civile. Art. 2558. SUCCESSIONE
157

NEI CONTRATTI.
A pessoa natural ou jurídica (que nasce com o registro do ato constitutivo) 1. Se non e` pattuito diversamente
l’acquirente dell’azienda subentra
tem personalidade, e, por conseguinte, são capazes de adquirir direitos e nei contratti stipulati per l’esercizio
dell’azienda stessa che non abbiano
contrair obrigações na ordem civil. Essa capacidade de direito é inerente carattere personale.
à personalidade e só não é exercida ilimitadamente, quando há restrições 2. Il terzo contraente puo` tuttavia
recedere dal contratto entro tre mesi
para o seu exercício pessoal de fato. É o caso do incapaz, que, embora dalla notizia del trasferimento, se
sussiste una giusta causa, salvo in questo
seja capaz de adquirir direitos e contrair obrigações na ordem civil, não caso la responsabilita` dell’alienante.
3. Le stesse disposizioni si applicano
pode exercer essa capacidade de forma direta, devendo ser representado anche nei confronti dell’usufruttuario
e dell’affittuario per la durata
ou assistido, conforme o caso. dell’usufrutto e dell’affitto.

FGV DIREITO RIO 94


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Segundo Clóvis Bevilacqua, patrimônio é o complexo das relações 158


BULGARELLI, Waldírio in Sociedades
Comerciais. Ed Atlas. São Paulo/1985.
jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico. Assim, seus pg.54.
elementos são, de um lado, o ATIVO (os bens econômicos), e, de outro, 159
Art.10. qualquer alteração na estru-
tura jurídica da empresa não afetará os
o PASSIVO (as dívidas); o patrimônio líquido será o que resta depois direitos adquiridos por seus emprega-
de solvido o passivo, e constitui então a expressão econômica desse dos.

patrimônio naquele momento158. 160


Art.448. a mudança na propriedade
ou na estrutura jurídica da empresa
não afetará os contratos de trabalho
dos respectivos empregados.
Nesse contexto se insere a figura do estabelecimento, não se confundindo, 161
Art. 141. Na alienação conjunta ou
necessariamente, com o patrimônio – não raro encontraremos, em separada de ativos, inclusive da em-
presa ou de suas filiais, promovida sob
algumas atividades, todos os bens constantes do ativo fazendo parte do qualquer das modalidades de que trata
estabelecimento. Em outras hipóteses poderemos encontrar diversos bens do este artigo:
(...)
ativo dispostos em vários estabelecimentos. E, ainda, poderemos encontrar II - o objeto da alienação estará livre
de qualquer ônus e não haverá suces-
bens que façam parte do ativo e não façam parte do estabelecimento. são do arrematante nas obrigações
do devedor, inclusive as de natureza
tributária, as derivadas da legislação do
Quando da realização do trespasse, o adquirente pode ser instado trabalho e as decorrentes de acidentes
de trabalho.
a pensar em adquirir apenas a parte “boa” (estabelecimento) e deixar a (...)
§ 2º Empregados do devedor contrata-
parte “ruim” (passivo) para trás. Diante desse possível intento, torna-se dos pelo arrematante serão admitidos
necessário fazer um perfeito detalhamento das consequências patrimoniais mediante novos contratos de trabalho
e o arrematante não responde por
quando da alienação do estabelecimento. obrigações decorrentes do contrato
anterior.
162
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica
Em relação ao Passivo Trabalhista, temos a sucessão de empregadores de direito privado que adquirir de ou-
tra, por qualquer título, fundo de co-
prevista nos arts. 10159 e 448160 da CLT. A expressão “empresa”, nestes mércio ou estabelecimento comercial,
dois artigos, enfatiza a despersonalização do empregador, vinculando industrial ou profissional, e continuar a
respectiva exploração, sob a mesma ou
o contrato de trabalho ao estabelecimento (estrutura econômica com outra razão social ou sob firma ou nome
individual, responde pelos tributos, re-
“força” para eventual indenização), independentemente de quem seja seu lativos ao fundo ou estabelecimento
adquirido, devidos até à data do ato:
proprietário (titular do estabelecimento). Para o legislador trabalhista, I - integralmente, se o alienante cessar
“empresa” (seja pessoa natural ou jurídica) é quem contrata, paga salários a exploração do comércio, indústria ou
atividade;
e dirige o trabalho subordinado. II - subsidiariamente com o alienante,
se este prosseguir na exploração ou
iniciar dentro de seis meses a contar da
A Lei n.º 11.101/05161 (Lei de Recuperação de Empresas) excepciona data da alienação, nova atividade no
mesmo ou em outro ramo de comércio,
essa regra quando prevê que o passivo trabalhista fica escriturado na massa indústria ou profissão.
§ 1o O disposto no caput deste artigo
falida, no quadro geral de credores. Assim, no caso da transferência de não se aplica na hipótese de alienação
judicial:
estabelecimento durante um processo de Falência ou de Recuperação I – em processo de falência;
Judicial, não haverá sucessão trabalhista. Tal regra pode parecer violadora II – de filial ou unidade produtiva
isolada, em processo de recuperação
dos direitos dos trabalhadores, mas, na verdade, visa à manutenção da judicial.
§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o
estrutura empresarial econômica, com o escopo de minorar os efeitos deste artigo quando o adquirente for:
I – sócio da sociedade falida ou em
danosos da insolvência empresarial ao empregado. recuperação judicial, ou sociedade
controlada pelo devedor falido ou em
recuperação judicial;
Em relação ao Passivo Fiscal, quando do Contrato de Trespasse, a II – parente, em linha reta ou colateral
até o 4o (quarto) grau, consangüíneo
regra está disposta no art. 133 do Código Tributário Nacional – CTN162, ou afim, do devedor falido ou em recu-
que prevê a responsabilidade subsidiária ou integral do adquirente, caso o peração judicial ou de qualquer de seus
sócios; ou
alienante continue ou não a explorar o comércio. III – identificado como agente do falido

FGV DIREITO RIO 95


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Dispõe a nova redação dada ao art. 133 do CTN pela Lei Complementar
nº 118/05, que incluiu os parágrafos 1º, 2º e 3º ao artigo, sobre a
exclusão de responsabilidade tributária, como regra geral, na aquisição ou do devedor em recuperação judicial
de estabelecimento, na hipótese de esta decorrer de alienação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão
tributária.
em processo de Falência ou de alienação judicial de filial ou unidade § 3o Em processo da falência, o pro-
duto da alienação judicial de empresa,
produtiva isolada, em plano de Recuperação Judicial. Em outros termos, filial ou unidade produtiva isolada
não haverá sucessão do arrematante do estabelecimento nas obrigações permanecerá em conta de depósito
à disposição do juízo de falência pelo
do devedor, inclusive as de natureza tributária e trabalhista. A razão prazo de 1 (um) ano, contado da data
de alienação, somente podendo ser
de ser dessa nova norma é a mesma encetada para a questão trabalhista utilizado para o pagamento de créditos
extraconcursais ou de créditos que pre-
acima indicada. ferem ao tributário.
MAMEDE, op.cit. p.252.
163

No local onde o estabelecimento está situado, existe o “ponto”, que 164


Art. 51. Nas locações de imóveis des-
não é o imóvel em si. O “ponto” é uma das qualidades do estabelecimento, tinados ao comércio, o locatário terá di-
reito a renovação do contrato, por igual
assim como o aviamento (que é a aptidão para gerar e produzir riquezas), prazo, desde que, cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido
a clientela (quem habitualmente contrata com o empresário ou sociedade celebrado por escrito e com prazo de-
terminado;
empresária) e a freguesia (quem eventualmente contrata com o empresário II - o prazo mínimo do contrato a reno-
ou sociedade empresária). var ou a soma dos prazos ininterruptos
dos contratos escritos seja de cinco
anos;
III - o locatário esteja explorando seu
comércio, no mesmo ramo, pelo prazo
PROTEÇÃO AO PONTO EMPRESARIAL. mínimo e ininterrupto de três anos.
1º O direito assegurado neste artigo
poderá ser exercido pelos cessionários
ou sucessores da locação; no caso de
O ponto empresarial é o local em que o estabelecimento está situado sublocação total do imóvel, o direito a
renovação somente poderá ser exercido
- sua situação geográfica, o que implica atentar para as relações entre pelo sublocatário.
o estabelecimento empresarial e sua vizinhança. Sua proteção parte da 2º Quando o contrato autorizar que o
locatário utilize o imóvel para as ativi-
constatação de que essa localização possui relevância para a atuação e dades de sociedade de que faça parte e
que a esta passe a pertencer o fundo de
para o sucesso empresarial163, daí o empresário ou sociedade empresária comércio, o direito a renovação poderá
ser exercido pelo locatário ou pela so-
ter prioridade na utilização do imóvel onde exerce sua atividade. O ponto ciedade.
produz uma força de atração da clientela e da freguesia e, por essa razão, 3º Dissolvida a sociedade comercial
por morte de um dos sócios, o sócio so-
merece proteção. brevivente fica sub - rogado no direito
a renovação, desde que continue no
mesmo ramo.
Normalmente, o imóvel onde se situa e ocorre a atividade empresarial é 4º O direito a renovação do contrato
estende - se às locações celebradas por
alugado. Por meio da Lei n.º 8245/1991, que regula a locação imobiliária indústrias e sociedades civis com fim
urbana, confere-se proteção especial ao “ponto empresarial”, impedindo lucrativo, regularmente constituídas,
desde que ocorrentes os pressupostos
que o locador se beneficie da valorização do “ponto”, fruto do adequado previstos neste artigo.
5º Do direito a renovação decai aquele
desempenho empresarial do locatário. que não propuser a ação no interregno
de um ano, no máximo, até seis meses,
no mínimo, anteriores à data da finali-
Em seu art. 51164, a Lei n.º 8245/1991 garante ao locatário o direito zação do prazo do contrato em vigor.

de renovação compulsória do contrato de locação empresarial (não 165


Da Ação Renovatória - Art. 71. Além
dos demais requisitos exigidos no art.
residencial) destinada ao comércio. Os requisitos dispostos nos incisos 282 do Código de Processo Civil, a pe-
tição inicial da ação renovatória deverá
do art. 51 se repetem como condições da Ação Renovatória, cumulado ser instruída com:
com outros no art. 71165 da referida Lei. Na falta de um deles, a renovação I - prova do preenchimento dos requisi-
tos dos incisos I, II e III do art. 51;
não poderá ser feita, eis que são requisitos materiais. (...)

FGV DIREITO RIO 96


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Como consequências dessa proteção especial ao “ponto”, a renovação


compulsória garante ao locatário-empresário a permanência no local
explorando sua atividade por meio da clientela e freguesia que conquistou,
dos direitos que adquiriu, dos serviços que tratou (luz, água, esgoto,
comunicações, entre outros), da logística que desenvolveu etc., além do
interesse do Estado na preservação da empresa, na manutenção da unidade
produtiva em virtude de sua função social (vide Aula 02).

Não obstante a proteção ao ponto empresarial conferida pela lei, o


direito de propriedade é constitucionalmente garantido (art. 5.°, XXII da
Constituição Federal) ao locador, que poderá retomar o imóvel objeto de
locação empresarial (não-residencial) que lhe pertence. Todavia, as hipóteses
são dispostas de forma restritiva no art. 52, I e II e art. 72, III da Lei n.º
8.245/1991166, que devem ser interpretadas, repita-se, restritivamente.

O art. 52, § 3º da Lei n.º 8.245/1991, confere ao locatário o direito à


indenização por lucros cessantes e para ressarcimento dos prejuízos que tiver de
arcar com a mudança, perda do “ponto” e desvalorização do estabelecimento,
se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores
condições, ou se o locador, no prazo de 03 (três) meses da entrega do imóvel,
não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder
público ou que declarou pretender realizar.

O Código Civil, como Lei geral, não é aplicado quando a matéria tratada
for locação, isto porque o art. 2.036 ressalta que a Lei de Locações (Lei n.º
8245/1991), que é Lei especial, permanece em vigor. No entanto, quando a
lei especial é omissa, a matéria deve ser tratada pela lei geral.

Entretanto, a Lei de Locações é omissa no que tange ao regramento


da relação locatícia quando da transferência do estabelecimento. Assim,
recorrendo ao Código Civil (regra geral), encontraremos no art. 1.148 a regra 166
Art. 52. O locador não estará obriga-
da sub-rogação dos contratos sem natureza pessoal – na presente hipótese, o do a renovar o contrato se:
I - por determinação do Poder Público,
contrato de locação é contrato real (e não pessoal). Excepcionando a regra, o tiver que realizar no imóvel obras que
importarem na sua radical transfor-
artigo permite ajuste em contrário, o que possibilita a inserção de cláusula de mação; ou para fazer modificações de
rescisão do contrato de locação nas hipóteses de alienação do estabelecimento, tal natureza que aumente o valor do
negócio ou da propriedade;
falência, inadimplência, entre outras. II - o imóvel vier a ser utilizado por ele
próprio ou para transferência de fundo
de comércio existente há mais de um
Assim, é possível o contrato de locação empresarial (não-residencial) conter ano, sendo detentor da maioria do
capital o locador, seu cônjuge, ascen-
uma cláusula dispondo que a alienação do estabelecimento acarretará na rescisão dente ou descendente.
Art. 72. A contestação do locador, além
do contrato, impedindo que o estabelecimento seja alienado; cláusula esta que da defesa de direito que possa caber, fi-
deve ser encarada como “regra de ouro”, pois, na prática, acaba por engessar, cará adstrita, quanto à matéria de fato,
ao seguinte:
sobremaneira, a alienação do estabelecimento, restando, apenas, a possibilidade (...)
III - ter proposta de terceiro para a loca-
de negociação do novo adquirente com o proprietário do imóvel (antigo locador). ção, em condições melhores; (...)

FGV DIREITO RIO 97


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Na prática, seguindo a orientação do Enunciado n.º 234 do CCJ167, de


que o imóvel locado não integra o Contrato de Trespasse, o adquirente do
estabelecimento precisará negociar a compra do fundo de empresa com o
locatário-empresário e o uso e gozo do bem imóvel, ou seja, o contrato de
locação, com o proprietário-locador, sem o que não terá como praticar sua
atividade naquele local – por isso trata-se, como dito, de uma “regra de ouro”.

JURISPRUDÊNCIA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANO MATERIAL E MORAL.
CONTRATO DE TRESPASSE. AUSÊNCIA DE REGISTRO.
INEFICÁCIA PERANTE TERCEIRO. REPONSABILIDADE PELOS
DÉBITOS. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. TRANSFERÊNCIA DO
NOME EMPRESARIAL. VEDAÇÃO LEGAL. DANO MORAL.
INEXISTÊNCIA. 1. De acordo com o artigo 1.144 do Código Civil,
para que o contrato de trespasse produza eficácia perante terceiros,
é necessário que seja registrado na junta comercial e posteriormente
publicado em diário oficial. Dessa forma, não observada a exigência legal
do registro e da publicação, o empresário que aliena o estabelecimento
comercial continua responsável pelos débitos contraídos em nome da
empresa após a alienação. Nada obsta, contudo, que, em ação própria,
pleiteie dos adquirentes o ressarcimento dos valores, desde que comprove
que realizou o pagamento dos débitos. 2. Segundo o disposto no artigo
1.164 do Código Civil, o nome empresarial não pode ser objeto de
alienação. 3. O descumprimento contratual não dá azo ao dano moral,
haja vista este ser autônomo em relação aos contratos e deles não
depender. 4. Apelação cível conhecida e não provida. (TJ-DF Processo:
00079658620168070005. Rel. GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA,
28/06/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO.


ALIENAÇÃO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL.
EFICÁCIA. INDÍCIOS DE SUCESSÃO EMPRESARIAL
IRREGULAR. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DE BENS 167
Enunciado 234 - Art. 1.148: Quan-
SEM MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DA SUPOSTA SOCIEDADE do do trespasse do estabelecimento
empresarial, o contrato de locação do
EMPRESÁRIA SUCESSORA. INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO respectivo ponto não se transmite au-
tomaticamente ao adquirente. (Autor:
DA DEMANDA. 1. Hipótese em que o Juízo singular indeferiu o Marcelo Andrade Feres, Professor de
Direito Comercial do Centro Universitá-
requerimento formulado pelo agravante para reconhecer eventual sucessão rio de Brasília – CEUB).

FGV DIREITO RIO 98


TEORIA GERAL DA EMPRESA

empresarial ocorrida entre as agravadas e incluir a suposta sucessora no


polo passivo da ação de execução. 2. A alienação de estabelecimento
empresarial somente produz efeitos perante terceiros depois de o negócio
ser averbado na Junta Comercial e publicado na imprensa oficial, nos
termos do art. 1.144 do código civil. 3. O fato de duas sociedades
empresárias exercerem atividade econômica semelhante, estarem inscritas
e situadas no mesmo endereço e utilizarem o mesmo número de telefone,
indicam a possibilidade de ocorrência de sucessão empresarial irregular. 4.
Diante do risco de interferências indevidas no exercício de sua atividade
empresarial e de constrição de bens, deve-se incluir a suposta sociedade
empresária sucessora no polo passivo da relação jurídica processual, com
sua regular citação. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-
DF 0714375-66.2018.8.07.0000 DF. Rel. Alvaro Ciarlini, 08/11/2018)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E


PROCESSUAL CIVIL.
OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TRESPASSE DO
ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL. DÍVIDAS ANTERIORES.
RESPONSABILIDADE. SÚMULA 5 E 7 DO STJ. 1. (...) 2. A Corte de
origem, soberana na análise dos fatos e das provas, consignou que a simples
alienação do estabelecimento não desobriga o alienante da quitação do
seu passivo, sendo certo que, no caso dos autos, não houve comprovação
da existência de assunção de dívida ou de sucessão empresarial. Derruir a
conclusão a que chegou o Tribunal a quo demandaria, necessariamente,
interpretação de cláusulas contratuais, bem como novo exame do conjunto
fático-probatório acostado aos autos, o que é vedado pelas Súmulas 5
e 7 do STJ. 3. O suporte fático normativo previsto no art. 1.146 do
Código Civil, impõe outros requisitos além da mera transferência do
estabelecimento comercial para a cristalização da solidariedade entre
alienante e adquirente, notadamente a exigência de regular contabilização
dos débitos anteriores à alienação, circunstância que não foi sequer alvo de
argumentação da parte em sede recursal. 4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1457672/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 25/09/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO


ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES PRESCRITOS.
SUCESSÃO EMPRESARIAL. TRESPASSE. INCLUSÃO DA EMPRESA
ADQUIRENTE NO POLO PASSIVO DA LIDE. REFORMA DA
DECISÃO HOSTILIZADA. Hipótese em que restou configurada

FGV DIREITO RIO 99


TEORIA GERAL DA EMPRESA

a sucessão empresarial - instituto previsto, em nosso ordenamento


jurídico, no art. 133 do CTN -, uma vez que a empresa adquirente do
estabelecimento comercial manteve o objeto social da empresa alienante,
permaneceu instalada no mesmo endereço, incorporou todo o maquinário
e instrumentos necessários ao desenvolvimento da atividade e, ainda,
permaneceu utilizando o mesmo nome fantasia. Não obstante, incidente
a regra contida no art. 1.146 do diploma civil, nos termos do qual “o
adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos
anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados (...)”,
porquanto inexistem, ao menos no presente momento processual, indícios
de que a dívida sub judice não se encontrava contabilizada. Presunção
de que, no momento da aquisição do estabelecimento comercial, tenha
havido a análise da situação econômica da empresa alienante. A cláusula
do contrato de alienação do estabelecimento que prevê expressamente a
responsabilidade da alienante pelo passivo pendente possui efeitos inter
partes, sob pena de, se aplicada em face de terceiros (credores), violar
a regra contida no referido artigo de lei. Tendo havido a dissolução e
liquidação da empresa adquirente, no entanto, impõe-se que a inclusão
no polo passivo da lide ocorra em face da ex-sócia que, no distrato da
sociedade, ficou responsável por eventuais débitos posteriormente
imputados à empresa. Dado parcial provimento ao agravo, em decisão
monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70064975956, Vigésima
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos
Pereira, Julgado em 28/05/2015)

Contrato de cessão dos direitos relativos a estabelecimento comercial,


englobando o ponto comercial e móveis integrantes do mesmo. Salão
de beleza. Adiantamento de parte do valor avençado, sendo o restante
pago através de 04 (quatro) cheques. Não apresentação pelo cedente da
documentação respectiva, uma vez que não se tratava de comerciante
regular, fato que o cessionário desconhecia. Sustação dos cheques.
Pretensão de restituição do valor pago a título de adiantamento, bem
como danos materiais e morais. Alegação do cedente no sentido de que o
contrato configuraria mera compra e venda de bens móveis.
1 - In casu, os termos do contrato induzem à conclusão de configuração de
um trespasse transferência - de estabelecimento comercial (empresarial),
posto que se refere à venda do Ponto comercial (empresarial), que é um
dos elementos incorpóreos do estabelecimento, englobando, também, os
móveis que o guarneciam.

FGV DIREITO RIO 100


TEORIA GERAL DA EMPRESA

2 - Ao negociar a cessão dos direitos relativos ao estabelecimento


prestador de serviços, englobando o ponto e os móveis, dessume-se que
o autor efetivamente pretendeu adquirir um estabelecimento comercial
regularmente constituído. A descoberta posterior da inexistência de
registro no Registro Público de Empresas Mercantis (artigo 967 do NCC),
ou seja, de que se tratava a ré de empresária individual irregular, é fato
apto à procedência do pedido de restituição do valor já despendido, assim
como no que tange aos aluguéis pagos pelo autor, referentes ao imóvel
onde instalado o salão de beleza. 3 - Dano moral. Não configuração.
Fatos que, não obstante terem causado aborrecimentos, não chegaram a
macular a honra e dignidade da parte. 4 - Provimento parcial da apelação.
(2004.001.30761 - APELACAO CIVEL. Des. Helda Lima Meireles -
Julgamento: 05/04/2005 - Décima Sexta Câmara Cível do TJ/RJ).

EMBARGOS - SUCESSÃO TRABALHISTA. BANCO BANORTE E


BANCO BANDEIRANTES S/A. A sucessão trabalhista opera-se sempre
que a pessoa do empregador é substituída na exploração do negócio,
com transferência de bens e sem ruptura na continuidade da atividade
empresarial, sendo certo que a responsabilidade do sucessor abrange todos
os débitos decorrentes dos contratos de trabalho vigentes ou não à época
da efetivação da sucessão, consoante disposto nos artigos 10 e 448 da CLT.
(TST-E-RR-415.043/98, SBDI1, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen
Peduzzi, DJ 15.02.2002).

BELGO MINEIRA PARTICIPAÇÃO INDÚSTRIA E COMÉRCIO


LTDA. SUCESSÃO TRABALHISTA. ARRENDAMENTO.
INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS ARTIGOS 10 E 448 DA CLT.
Os direitos adquiridos pelo empregado junto ao antigo empregador
permanecem íntegros, independentemente da transformação subjetiva
que possa ter ocorrido na estrutura jurídica da empresa ou de sua
organização produtiva, de forma que o novo explorador da atividade
econômica se torna responsável por todos os encargos decorrentes da
relação de emprego. Trata-se, na verdade, da aplicação do princípio
da despersonalização do empregador, onde a empresa, como objeto de
direito, representa a garantia de cumprimento das obrigações trabalhistas,
independentemente de qualquer alteração ou modificação que possa
ocorrer em sua propriedade ou estrutura orgânica. Essa é a orientação
dos artigos 10 e 448 da CLT.
(TST-E-RR-379.332/97, SBDI1, Rel. Min. Milton de Moura França,
DJ 08.02.2002)

FGV DIREITO RIO 101


TEORIA GERAL DA EMPRESA

SUCESSÃO DE EMPREGADORES - BANCO BANORTE E BANCO


BANDEIRANTES. Opera-se a sucessão de empregadores, com a
conseqüente sub-rogação do sucessor na relação de emprego, quando
da transferência de estabelecimento como organização produtiva, cujo
conceito é unitário, envolvendo todos os diversos fatores de produção
utilizados no desenvolvimento da atividade econômica, inclusive o
trabalho. O negócio jurídico realizado entre o Banco Banorte e o Banco
Bandeirantes, consistente na aquisição por este último da organização
produtiva e econômica daquele, implica típica sucessão trabalhista, de
forma que os direitos adquiridos dos empregados permanecem íntegros
e passíveis de exigibilidade junto ao sucessor, nos exatos termos dos arts.
10 e 448 da CLT. Recurso de embargos não conhecido.
(TST- E-RR-466.439/1998.4 - AC. SBDI1 - Relator: Min. Milton de
Moura França). DJ 23/02/2001. p. 637).

TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.


SUCESSÃO. AQUISIÇÃO DE FUNDO DE COMÉRCIO OU
DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ART. 133 CTN.
TRANSFERÊNCIA DE MULTA. 1. A responsabilidade tributária
dos sucessores de pessoa natural ou jurídica (CTN, art. 133) estende-
se às multas devidas pelo sucedido, sejam elas de caráter moratório ou
punitivo. Precedentes. 2. Recurso especial provido.
(REsp 544.265/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,
jul. 16.11.2004, DJ 21.02.2005 p.110).

TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. NÃO


OCORRÊNCIA. A responsabilidade prevista no artigo 133 do Código
Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou
jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento
comercial, industrial ou profissional; a circunstância de que tenha se
instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio
a ocupá-lo posteriormente, também por força de locação, em sucessor
para os efeitos tributários. Recurso especial não conhecido.
(REsp 108.873/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Segunda Turma, jul.
04.03.1999, DJ 12.04.1999 p. 111).

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA


DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE
MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA
INCORPORADORA. SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
DO SUCESSOR. MULTA. ARTS. 132 E 133 DO CTN. PRECEDENTES.

FGV DIREITO RIO 102


TEORIA GERAL DA EMPRESA

1. Recurso especial oposto contra acórdão que, ao apreciar embargos


de terceiro aviados por adquirente de estabelecimento comercial, em
face da alegada responsabilidade tributária por sucessão, asseverou que,
“frustrada a penhora de bens da alienante-executada, admite-se que a
constrição judicial recaia sobre valores da adquirente-sucessora, por
medida de economia processual, assim como que a inexistência de bens
penhoráveis que equivale à insolvência”.
2. Argumentos da decisão a quo que são claros e nítidos. Não dão lugar a
omissões, obscuridades, contradições ou ausência de motivação. O não-
acatamento das teses contidas no recurso não implica cerceamento de
defesa. Ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que ele
entender atinente à lide. Não está obrigado o magistrado a julgar a
questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas
sim com o seu livre convencimento (art.131 do CPC), utilizando-se dos
fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação
que entender aplicável ao caso. Não obstante a oposição de embargos
declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o ingresso na
instância especial, se não há omissão a ser suprida. Inexiste ofensa ao
art. 535 do CPC quando a matéria enfocada é devidamente abordada no
aresto a quo.
3. Os arts. 132 e 133 do CTN impõem ao sucessor a responsabilidade
integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa
decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada
antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo
ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido
permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer
distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente
do não-pagamento do tributo na época do vencimento.
4. Na expressão “créditos tributários” estão incluídas as multas
moratórias. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora
tributária, é responsável pelo tributo declarado pela sucedida e não pago
no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória.
5. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas desta Corte Superior e do colendo
STF.
6. Recurso especial provido.
(REsp 745.007/SP, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma,
jul.19.05.2005, DJ 27.06.2005 p. 299)

APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DA


SENTENÇA. Decisão de rejeição da impugnação e extinção da fase executiva.

FGV DIREITO RIO 103


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Natureza de sentença. Cabimento de apelação. Condenação ao pagamento


de verba a título de dano moral. Redirecionamento da execução por força
de sucessão empresarial. Preliminar de ilegitimidade passiva, fundada na
ocupação das lojas a título precário. Pessoas jurídicas atuantes no comércio
varejista de produtos farmacêuticos. Celebração de ¿contrato de compra e
venda de móveis e utensílios. Alienação de elementos corpóreos e incorpóreos
do estabelecimento, incluída a integralidade das instalações físicas e dos pontos
de negócio. Exploração de idêntica atividade empresarial com aproveitamento
dos atributos do aviamento e da clientela. Sucessão empresarial configurada.
Responsabilidade do adquirente. Direito litigioso transmitido a sucessor, que
o vincula na forma do art. 42, §3°, do CPC de 1973. Excesso de execução
inocorrente. Multa e verba honorária devidas. Recurso desprovido. (TJ-RJ.
0015701-65.2006.8.19.0202 – APELAÇÃO. Des(a). CARLOS EDUARDO
DA ROSA DA FONSECA PASSOS - Julgamento: 18/07/2018 - DÉCIMA
OITAVA CÂMARA CÍVEL)

PROCESSO CIVIL. COMERCIAL. FUNDO DE COMÉRCIO.


ALIENAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO VERBAL.
BOA-FÉ. VIOLAÇÃO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO
ANTE. POSSIBILIDADE. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Conforme dicção do art. 1.142, do Código Civil, o estabelecimento
comercial é todo o complexo de bens organizado para exercício da empresa,
seja por empresário, seja por sociedade empresária, sem o qual não é possível
exercer a atividade empresarial. 2. O fundo de comércio resume o valor
agregado às universalidades que formam o estabelecimento comercial. 3.
A boa-fé dirige-se não só ao estado psicológico dos contratantes desde a
negociação até a execução do pacto, mas também às suas condutas, ou
seja, as partes deverão agir de forma a cooperar com o negócio jurídico
e com lealdade. 4. Não é dado aos litigantes alegar exceção de contrato
não cumprido, pois cada qual, a sua maneira, deixou de cumprir o ajuste
verbal. 5. As partes devem retornar ao status quo ante, malgrado o tempo
decorrido. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF -
Processo: 00224380820158070007. Rel. Leila Arlanch. 05/09/2018)

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE APURAÇÃO


DE HAVERES. COISA JULGADA NÃO IDENTIFICADA.
PREQUESTIONAMENTO DEFICIENTE. CRITÉRIO DE
LEVANTAMENTO PATRIMONIAL. DECRETO N. 3.708/1919,
ART. 15. EXEGESE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
CARACTERIZADA. I. Não se configura coisa julgada se na ação anterior o

FGV DIREITO RIO 104


TEORIA GERAL DA EMPRESA

sócio excluído buscava a anulação do ato que o excluiu, apenas apreciando-


se tal tema desfavoravelmente ao mesmo, e na presente demanda,
tornado irreversível o seu afastamento da sociedade, discute-se o critério
de apuração dos seus haveres. II. Deficiência de prequestionamento a
impedir o exame do especial em toda a sua extensão. III. Afastado o sócio
minoritário por desavenças com os demais, admite-se que a apuração dos
haveres se faça pelo levantamento concreto do patrimônio empresarial,
incluído o fundo de comércio, e não, exclusivamente, com base no último
balanço patrimonial aprovado antes da ruptura social.
IV. Dissídio não configurado. V. Recurso especial não conhecido.
(REsp 130.617/AM, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
julgado em 18.10.2005, DJ 14.11.2005 p. 324). (grifamos)

FGV DIREITO RIO 105


TEORIA GERAL DA EMPRESA

10. DIREITO SOCIETÁRIO

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São Paulo:


Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

MONTEIRO, Newton Lucca Rogério; SANTOS, J. A. Penalva; SANTOS,


Paulo Penalva. Comentários ao Código Civil Brasileiro. Do Direito de
Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Forense: Rio de Janeiro/2005.
Páginas 131 a 151.

ARMOUR, John; HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier. “What


is Corporate Law?”. In: KRAAKMAN, Reinier; ARMOUR, John;
HANSMANN, Henry; et al. The Anatomy of Corporate Law: A
Comparative and Functional Approach, pp. 01-28. 3ª Edição. New
York: Oxford University Press, 2017. 

BNa aula passada, aprendemos que o trespasse ocorre quando o estabelecimento


deixa de integrar o patrimônio do empresário ou sociedade empresária e passa a
ser objeto de direito de propriedade de outro.

Nas palavras de Oscar Barreto Filho:

deve-se falar de trespasse do estabelecimento somente


quando o negócio se refere ao complexo unitário
de bens instrumentais que servem à atividade
empresarial, necessariamente caracterizada pela
existência do aviamento subjetivo. O princípio geral
que inspira toda a disciplina jurídica do trespasse,
como vem expressa nas várias legislações, é sempre o
de resguardar a integridade do aviamento, por ocasião 168
in Teoria do Estabelecimento – Fun-
do de Comércio ou Fazenda Mercantil,
da mudança da titularidade da casa comercial.168 Ed. Max Lemonad, São Paulo/1969.

FGV DIREITO RIO 106


TEORIA GERAL DA EMPRESA

REGIME JURÍDICO DE DIREITO PRIVADO.

Ao analisarmos o art. 966 do Código Civil, na Aula 06, aprendemos que


empresário é a pessoa que organiza uma atividade econômica a fim de fazer
produzir ou circular, bens ou serviços. Como tal pessoa pode ser natural
ou jurídica, temos que o ATO DE EMPRESA poderá ser praticado por
essas duas pessoas: o EMPRESÁRIO INDIVIDUAL (pessoa natural) e a
SOCIEDADE EMPRESÁRIA (pessoa jurídica).

No caso de uma sociedade empresária, quem pratica o ATO DE EMPRESA é,


sempre, a sociedade e não seu administrador ou sócio. Portanto, com a constituição
da personalidade jurídica, a sociedade assume a capacidade legal para adquirir
direitos e contrair obrigações, tornando-se pessoa distinta de seus sócios.

Se as pessoas naturais Caio, Mário e Tício constituem a pessoa jurídica


C. M. T. Sociedade Ltda, não serão seus sócios (Caio, Mário e Tício) sujeitos
de direitos e obrigações pelos negócios realizados pela Sociedade, e sim ela
própria (C. M. T. Sociedade Ltda).

Aproveitando o exemplo acima, é possível, ainda, que Caio contrate com


a C. M. T. Sociedade Ltda, como pessoa distinta da Sociedade. É o caso de um
acionista da LIGHT que, mensalmente, paga sua conta de luz residencial169.

O Código Civil de 2002 nos artigos 45 – que trata do registro das pessoas
jurídicas em geral, e 985 – que trata da personalidade jurídica da sociedade
(pessoa jurídica de direito privado), repete a mesma regra do artigo 18 do
Código Civil de 1916170.

De acordo com os artigos supra, a existência da pessoa jurídica de direito


privado começa com o registro de seus atos constitutivos (contrato social ou
estatuto) em cartório competente171, que, no caso das sociedades simples será
o Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e, no caso das sociedades 169
Neste exemplo temos duas pessoas
distintas: Caio consumidor da energia
empresárias, as Juntas Comerciais. elétrica fornecida pela LIGHT e Caio
acionista da Companhia (LIGHT).
170
“Art. 18. Começa a existência legal
Como pessoas jurídicas, a partir do registro, as sociedades empresariais: das pessoas jurídicas de direito priva-
do com a inscrição dos seus contratos,
atos constitutivos, estatutos ou com-
(...) têm capacidade de agir para defesa dos seus fins, promissos no seu registro peculiar,
regulado por lei especial, ou com a
recorrendo a indivíduos, que são os seus órgãos; autorização ou aprovação do Governo,
possuem patrimônio autônomo dos patrimônios quando precisa”.
Neste sentido, José Edwaldo Tavares
dos sócios, são capazes de assumir obrigações ativas e
171

Borba, Rubens Requião, Fran Martins,


passivas em seu próprio nome, podem estar em juízo Ricardo Negrão e outros.

como autores ou rés, têm nome próprio, domicílio 172


MARTINS, Fran in Curso de Direito
Comercial. FORENSE. Rio de Janei-
certo e nacionalidade, como as pessoas físicas.172 ro/2002. pg.150.

FGV DIREITO RIO 107


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Assumindo um posicionamento isolado, Sérgio Campinho entende


que a sociedade tem sua personalidade jurídica criada antes mesmo de
levar seu ato constitutivo a registro, o que se daria no momento em que as
partes começam a praticar atos que são preparatórios para a constituição
da pessoa jurídica v.g. “...contratação de advogado para elaboração dos
atos constitutivos, de contador para providenciar os livros comerciais,
contratação da compra ou aluguel da sede etc.” 173. Para o autor, bastam as
partes (futuros sócios) se associarem para nascer a personalidade jurídica
da sociedade. Ele cita como exemplo a sociedade em comum174 – art.
986, e justifica:

Anota-se aqui uma impropriedade: se a sociedade


empresária irregular não tem personalidade
jurídica, não se justifica a responsabilidade
subsidiária. Com efeito, todos os sócios, e não só
aquele que contratou pela sociedade, deveriam ter
uma responsabilidade pessoal direta, ou seja, que
pode ser exigida independentemente da exaustão
do patrimônio social.175. 173
MAMEDE, Gladston in Direito Socie-
tário: Sociedades Simples e Empresá-
rias. ATLAS. São Paulo/2004. pg. 42.
174
“Enquanto não efetuado o arquiva-
EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. mento dos atos constitutivos na Junta
Comercial, ditas sociedades ficam
desprovidas de personalidade jurí-
Da mesma forma, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia dica, consideradas, portanto, pelo
Código, como sociedades não perso-
Mista também são regidas pelo Direito Privado, são pessoas jurídicas de nificadas”. in O Direito de Empresa
à luz do Novo Código Civil. 5ª edição
Direito Privado. Renovar/2005. Pg.76.
Op.cit. pg. 77.
175

Os incisos II e III, do art. 5º, do DL 200/67 , dispõem, expressamente,


176 176
“Art. 5º Para os fins desta lei, consi-
dera-se:
que a Empresa Pública e a Sociedade de Economia Mista são pessoas (...)
II - Empresa Pública - a entidade dotada
jurídicas de direito privado. No mesmo sentido, preceitua o art. 173, §1º, de personalidade jurídica de direito pri-
II da Constituição Federal de 1988 que teve seu dispositivo modificado vado, com patrimônio próprio e capital
exclusivo da União, criado por lei para
pela Emenda Constitucional nº 19/98. a exploração de atividade econômica
que o Governo seja levado a exercer por
força de contingência ou de conveniên-
cia administrativa podendo revestir-se
Assim, quando o Estado praticar atividade empresária, receberá o de qualquer das formas admitidas em
direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei
mesmo tratamento conferido ao particular, porque ambos são pessoas nº 900, de 1969)
jurídicas de direito privado, somente se diferenciando em virtude de III - Sociedade de Economia Mista - a
entidade dotada de personalidade ju-
obrigatoriedades estipuladas ao Estado pela própria Constituição Federal, rídica de direito privado, criada por lei
para a exploração de atividade econô-
como a obrigatoriedade de realização de concurso público, licitação etc. mica, sob a forma de sociedade anô-
nima, cujas ações com direito a voto
pertençam em sua maioria à União ou
A Emenda Constitucional nº 19/98, que tratou da reforma a entidade da Administração Indireta.
(Redação dada pelo Decreto-Lei nº
administrativa, também: 900, de 1969)”.

FGV DIREITO RIO 108


TEORIA GERAL DA EMPRESA

corrigiu uma falha do artigo 37, XIX, da Constituição,


que exigia lei específica para a criação de empresa
pública, sociedade de economia mista, autarquia ou
fundação. O dispositivo era criticado porque, em
se tratando de entidades de direito privado, como
a sociedade de economia mista, a empresa pública
e a fundação, a lei não cria a entidade, tal como o
faz com a autarquia, mas apenas autoriza a criação,
que se processa por atos constitutivos do Poder
Executivo e transcrição no Registro Público. Com a
nova redação, a distinção foi feita, estabelecendo o
referido dispositivo que ‘somente por lei específica
poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição
de empresa pública, de sociedade de economia mista
e de fundação, cabendo à lei complementar, neste
último caso, definir as áreas de sua atuação.177

Com a alteração na redação do art. 37, XIX da Constituição Federal de


1988178, temos que a Lei autoriza a criação das empresas públicas e sociedades
de economia mista, todavia, as pessoas jurídicas em questão ainda não estão
criadas, sendo necessário “o cumprimento das formalidades previstas no direito
privado, que variam de acordo com a forma societária”,179 que será adotada.
Sendo certo que a sociedade de economia mista se constitui mediante a
Lei n.º 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) e as empresas públicas
mediante qualquer forma societária em direito admitida.

Como já visto anteriormente, sendo pessoa jurídica, a empresa pública


e a sociedade de economia mista têm um patrimônio próprio, embora
tenham que se utilizar, muitas vezes, de bens públicos propriamente ditos
(pertencentes à pessoa pública política), de uso especial, integrados no
patrimônio do ente político e afetados à execução de um serviço público –
bens que são inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis.

Assim, os bens que estão afetados à execução do serviço público estarão,


177
DI PIETRO, Maria Sylvia Z. in Direito
em tese, sujeitos ao mesmo regime jurídico aplicável aos bens públicos na Administrativo. 18ª edição. ATLAS. São
Paulo/2005. pg.395.
forma do parágrafo único do art. 99 do Código Civil.
178
“Art. 37, XIX. somente por lei espe-
cífica poderá ser criada autarquia e
De outra forma, os bens que não estão diretamente afetados à execução autorizada a instituição de empresa
pública, de sociedade de economia
do serviço público, onde sua falta não acarretará a paralisação do serviço, mista e de fundação...”.

são bens inteiramente sujeitos ao regime de direito privado, salvo algumas 179
JUSTEN FILHO, Marçal in Curso
de Direito Administrativo. SARAI-
exigências legais como licitação para sua compra ou alienação. VA/2005. pg. 116.

FGV DIREITO RIO 109


TEORIA GERAL DA EMPRESA

JURISPRUDÊNCIA

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.


SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXTENSÃO DOS
BENEFÍCIOS À FAZENDA PÚBLICA. Constatada a aparente
contrariedade à Súmula nº 170 do TST, dá-se provimento ao agravo
de instrumento para determinar o prosseguimento conhecido e provido.
B) RECURSO DE REVISTA. SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA. EXTENSÃO DOS BENEFÍCIOS À FAZENDA PÚBLICA.
A reclamada, como sociedade de economia mista, está submetida ao
regime próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173, §1º, II,
da Constituição Federal, motivo pelo qual não detém as prerrogativas
da Fazenda Pública, consoante a Súmula nº170/TST. Recurso de revista
conhecido e provido. (TST RR-1036-81.2017.5.13.0006. Rel. Dora
Maria da Costa. 30/10/2018)

FGV DIREITO RIO 110


TEORIA GERAL DA EMPRESA

11. PLURALIDADE DE SÓCIOS. SOCIEDADE UNIPESSOAL

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial. – 16ª Ed. – São


Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial vol I. 31ª edição.


Saraiva. São Paulo/2012.

PLURALIDADE DE SÓCIOS: ELEMENTO ESPECÍFICO DAS SOCIEDADES


EMPRESÁRIAS - EXIGÊNCIA E REGRA SUPLETIVA.

Em razão de a sociedade ter personalidade jurídica própria (de direito


privado), seu patrimônio não se confunde com o de seus sócios. Em
outras palavras, os “direitos da pessoa jurídica não se confundem com os
direitos de um, alguns ou todos os sócios, regra que se aplica igualmente
aos deveres”.180

No Direito brasileiro, a sociedade é formada por, no mínimo, 2


pessoas – art. 981. Assim, para que uma sociedade se constitua como tal,
necessária se torna a pluralidade de sócios, ou seja, não existe sociedade 180
MAMEDE, Gladston in Direito Socie-
tário: Sociedades Simples e Empresá-
constituída de uma só pessoa, salvo disposições previstas em lei, com rias. ATLAS. São Paulo/2004. pg.76.
caráter excepcional. 181
“Art. 1.087. A sociedade dissolve-se,
de pleno direito, por qualquer das cau-
sas previstas no art. 1.044”
No campo legal, o art. 1.087181 do Código Civil de 2002 remete ao art. 182
“Art. 1.044. A sociedade se dissol-
ve de pleno direito por qualquer das
1.044182 que, por sua vez, refere-se ao art. 1.033183 – que em seu inciso causas enumeradas no art. 1.033 e, se
IV inclui como causa para dissolução da sociedade a falta de pluralidade empresária, também pela declaração
da falência.”
dos sócios não reconstituída dentro do prazo de 180 dias, a contar do fato 183
“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade
unipessoalidade. Neste sentido o mandamento legal expressa que, passado quando ocorrer:
(...)
este prazo e não sendo restabelecido o quadro societário, figurando pelo IV - a falta de pluralidade de sócios,
não reconstituída no prazo de cento e
menos dois sócios, será a sociedade dissolvida. oitenta dias;”

FGV DIREITO RIO 111


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Antes da Lei nº 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade


Econômica, tinha-se que, na falta de um instituto, dentro do ordenamento
jurídico brasileiro, que limitasse a responsabilidade como forma de atenuar
os riscos inerentes da atividade empresarial, grande parte das sociedades
limitadas eram constituídas apenas para que fosse possível limitar essa
responsabilidade do empresário. Eram os casos de “sociedades faz-de-
conta”, uma vez que se tinha verdadeiros empresários individuais com a
roupagem de sociedade – são aquelas em que encontramos sócios de palha.

Com a Lei nº 13.874/2019, no entanto, inseriu-se o parágrafo


único do art. 1.052 do Código Civil, prevendo que: “A sociedade
limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em
que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que
couber, as disposições sobre o contrato social.” Dessa forma, em relação
às sociedades limitadas, a falta de pluralidade de sócios não mais será
causa de dissolução da sociedade. Criou-se, assim, a Sociedade Limitada
Unipessoal. Além disso, situações como as acima descritas – “sócios de
palha” – não serão mais comuns, já que a responsabilidade limitada está
garantida para o sócio único.

Conforme já falamos, desde 2011, a legislação brasileira passou a


permitir o exercício da empresa por uma pessoa natural, indo ao encontro
de vários outros países como França, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica,
Países Baixos, Alemanha, Reino Unido, a pioneira Dinamarca e, na
América do Sul, o Chile também conta com a empresa individual de
responsabilidade limitada.

Na Europa, desde 1989, através da XII Diretiva Comunitária dos


Estados Europeus admite-se a sociedade unipessoal com responsabilidade
limitada com a finalidade de facultar às pessoas empreendedoras uma
forma de limitação da sua responsabilidade patrimonial a fim de evitar
a constituição de sociedades fictícias, com ‘sócios de favor’, dando azo a
situações pouco claras no âmbito empresarial. Tal reconhecimento veio
ratificar o que já era admitido em diversos países do velho continente.
Na Alemanha, França, Bélgica, Holanda e Dinamarca, a sociedade
unipessoal já estava incluída em seus ordenamentos jurídicos antes da
aludida Diretiva.

A Itália, apesar de antes da diretiva não aceitar de forma pacífica a


solução societária, tem-se revelado uma das maiores fontes de juristas
defensores da tese, apesar de possuir um sistema jurídico extremamente
contratualista, a exemplo do Brasil.

FGV DIREITO RIO 112


TEORIA GERAL DA EMPRESA

No Direito Brasileiro, o requisito da pluralidade de sócios é previsto na


legislação para as sociedades em geral. Antes de ser promulgada a Lei da Liberdade
Econômica, havia como alternativa à pluralidade de sócios a possibilidade de
se instituir uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI),
criada pela Lei nº 12.441/2011, a qual inseriu o art. 980-A no Código Civil de
2002 ou ser empresário individual, em que pese alguns considerem a EIRELI
uma sociedade empresária, e não um empresário individual.

No entanto, com a alteração trazida à tona pela Lei nº 13.874/2019, que


retirou do artigo 1.052 do CC/02 a necessidade de pluralidade de sócios na
sociedade, entende-se que a tendência, atualmente, é que tal possibilidade
irá reduzir a utilização da EIRELI. Isso porque, dentre outros motivos, a
EIRELI requer, para ser instituída, o aporte de 100 salários mínimos, o que
se traduz em um ônus considerável para o empresário.

No caso da sociedade por ações, a unipessoalidade incidental é retratada no


art. 206, I, “d” da Lei 6404/1976184. O prazo da unipessoalidade temporária
nas sociedades por ações é de até 2 anos. O regime do Código Civil dispõe
que a unipessoalidade deve ser reconstituída em 180 dias (art. 1.033, IV).
Desde 2011, há a possibilidade de transformação da sociedade unipessoal
em EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), nos termos
do p.ú. do art. 1.033; e, desde 2019, há a possibilidade de transformação em
sociedade unipessoal limitada.

A unipessoalidade pode ser permanente - é a hipótese da subsidiária integral


que pode ocorrer numa sociedade por ações (art. 251185 da Lei 6404/76) e
da sociedade unipessoal limitada (art. 1.052, parágrafo único, Código Civil).
A subsidiária integral deve vir na forma de S/A, sendo o único sócio uma
sociedade brasileira. Já a sociedade unipessoal limitada deve vir na forma de
Ltda., não havendo restrição sobre o único sócio, podendo ser ou uma pessoa
física ou uma pessoa jurídica.

Deve-se tomar cuidado com a Empresa Pública, pois pode se apresentar


como único sócio ou acionista um dos entes públicos, desde que haja
autorização legal para a criação da sociedade, capital integralmente público, 184
Art. 206. Dissolve-se a companhia:
adotando uma das modalidades societários disponíveis no direito societário. I - de pleno direito:
(...)
d) pela existência de 1 (um) único acio-
A limitação da responsabilidade patrimonial, verificada na EIRELI e nista, verificada em assembléia-geral
ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não
na sociedade unipessoal limitada, funciona como verdadeiro incentivo ao for reconstituído até à do ano seguinte,
indivíduo que deseja exercer atividade empresária, mas que teme disponibilizar ressalvado o disposto no artigo 251.
SEÇÃO V - Subsidiária Integral
todo o seu patrimônio para tal. Com a extensão da responsabilidade limitada
185

Art. 251. A companhia pode ser cons-


aos empresários individuais há a formação de novas empresas e novos postos tituída, mediante escritura pública,
tendo como único acionista sociedade
de trabalho, gerando riquezas. brasileira.

FGV DIREITO RIO 113


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESPAÇO DISCENTE

LIBERDADE, LIBERDADE, ABRA AS ASAS SOBRE NÓS

Luiza Fernandes
Lucas Germano

CONTEXTO

A Medida Provisória 881/19 (“MP da Liberdade Econômica”), convertida


na Lei 13.874/19, buscou instituir medidas de controle e diminuição do
aparelho burocrático e seus custos de transação186, fortalecendo o princípio
da livre iniciativa previsto no art. 170 da Constituição Federal de modo
a fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas, em especial de
pequenos e médios empreendimentos.

Assim, ao trazer medidas voltadas a garantir a autonomia privada e a


segurança jurídica no exercício da liberdade econômica, apresentou como
seus principais instrumentos: (i) medidas de desburocratização do exercício
da atividade econômica; (ii) medidas para a atualização da legislação brasileira,
no que tange, principalmente, normas de direito empresarial e contratual; e
(iii) orientações para agentes estatais que forem regular ou atuar como parte
em demandas relativas ao exercício da liberdade econômica.

MUDANÇAS

Em tentativa de desburocratizar as atividades econômicas, a Lei da


Liberdade Econômica prevê a dispensa da necessidade de se obter
autorização prévia perante o Estado, a exemplo de licenças, permissões
e alvarás, para desenvolver atividades de baixo risco. O conceito de
atividade de baixo risco ainda depende da edição de norma a nível do
Executivo Federal. O entendimento legal atual é o de que a fiscalização 186
A. Posner, Transaction Costs and
Antitrust Concerns in the Licensing of
deve ser posterior, ou seja, somente caso chegue ao conhecimento do Intellectual Property, 4 J. MARSHALL
REV. INTELL. PROP. L. 325 (2005).
órgão regulador competente infrações ao exercício desse direito é que a Transaction cost must not be confused
with the license fee, or in other words the
liberdade econômica deve ser cerceada. contract price. The fee is a measure of the
value of the transaction; the transaction
cost is the cost of making the transaction
Outra alteração importante nesse sentido foi a estipulação de que, quando and thus realizing the value. The higher
that cost, the less likely the transaction
da solicitação de determinado ato público para que haja a liberação para is to be made. Disponível em: <https://
praticar uma atividade econômica, o particular deve ser informado do prazo repository.jmls.edu/cgi/viewcontent.
cgi?article=1071&context=ripl>.
máximo estipulado pela autoridade para a análise de seu requerimento. Acesso em 29.11.2019.

FGV DIREITO RIO 114


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Esgotado tal prazo, haverá a aprovação tácita da solicitação. Quanto ao


arquivamento dos atos de constituição de sociedades anônimas, por
exemplo, a nova Lei dispõe que o pedido deve ser decidido em até 5 (cinco)
dias úteis, sob pena de os atos serem considerados arquivados. Trata-se de
medida em linha da tentativa de incentivar a formação de empreendimentos,
que muitas vezes se tornam reféns dos órgãos de registro para sua formação
e desconstituição.

Nesse mesmo sentido, a MP agora convertida em Lei alterou


o regramento dos Registros Públicos, prevendo expressamente a
possibilidade de que estes sejam escriturados, publicados e conservados
em meio eletrônico. Isto permitirá maior integração dos sistemas
públicos de informação. Esta integração, por sua vez, vai de encontro
com a nova previsão legal de que, para registrar nas Juntas Comerciais
atos, documentos e declarações que contenham informações meramente
cadastrais, o registro deve se dar automaticamente se puderem ser obtidos
de outras bases de dados disponíveis em órgãos públicos. Ainda, o rigor
formal do procedimento de autenticação perante o cartório foi abrandado.
Com a nova Lei, a autenticidade de um documento pode ser verificada
pelo servidor competente apenas comparando o documento original e a
sua cópia, ou mesmo mediante declaração do advogado ou do contador
da parte interessada.

Somado à essa tentativa de reduzir a burocracia e os rigores formais


para a criação, o funcionamento e a extinção de empreendimentos, a Lei
13.874/19 trouxe certas alterações em regramentos legais trabalhistas,
empresariais e cíveis.

Seguindo a tendência de digitalização dos atos processuais, previu-se que


a Carteira de Trabalho passará a ser emitida pelo Ministério da Economia
eletronicamente como regra, identificando-se o trabalhador por seu número
de CPF. É, também, agora direito do cidadão desenvolver atividade econômica
em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem cobranças ou
encargos adicionais, desde que respeitadas as normas ambientais, de conduta
pública, trabalhistas e contratuais respectivas.

Já a anotação do horário de entrada e saída dos funcionários mediante


sistema de ponto deixou de ser obrigatória para estabelecimentos com mais
de 10 (dez) trabalhadores, alargando-se o critério de exigência legal para
mais de 20 (vinte). Mediante acordo individual ou acordo ou convenção
coletivos é possível pactuar a utilização do sistema de ponto como exceção
à jornada de trabalho regular.

FGV DIREITO RIO 115


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Tais flexibilizações contribuíram para que alguns cunhassem a Lei de


Liberdade Econômica de “Minirreforma Trabalhista”.

No campo da legislação empresarial, a nova Lei inova ao buscar delimitar


os conceitos de desvio de finalidade e de confusão patrimonial, requisitos
legais para que haja a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade
e a responsabilização perante o patrimônio de seus sócios. Ainda, estabelece
que a existência de grupo econômico por si só não gera a aplicação automática
da desconsideração. No mesmo sentido, estipularam-se regras para o
funcionamento dos fundos de investimento. As medidas buscam reforçar o
regime de separação patrimonial entre a pessoa física e a pessoa jurídica de
modo a conferir maior segurança aos negócios.

Já quanto às disposições civis, merece destaque a previsão de que as partes


em um negócio jurídico são livres para acordar regras de interpretação diversas
daquelas previstas em lei. Visa-se, em última instância, criar incentivos para
reduzir a litigiosidade, conferindo aos contratantes maior discricionariedade
para pactuar os termos do negócio de acordo com seus interesses.

Por fim, quanto às alterações destinadas aos órgãos estatais, merece


destaque a vanguarda trazida pela nova Lei no sentido de instituir como dever
do Poder Público, no exercício de seu poder de regulamentar as disposições
da Lei, evitar o chamado “abuso de poder regulatório”. Neste ponto, o
legislador objetivou listar condutas que caracterizariam uma tentativa da
Administração Pública de minar a autonomia privada, alterando a dinâmica
de mercado ao impor exigências e condições para a atuação dos particulares,
inclusive visando favorecer determinado grupo econômico ou profissional
em detrimento de outros.

Nesse sentido, inclui-se a previsão da obrigatoriedade da realização de


Análises de Impacto Regulatório (AIRs) em relação a propostas de edição e
de alteração de atos normativos de interesse geral ou de usuários dos serviços
prestados, a serem editadas pela Administração Pública Federal. Dessa
forma, o poder regulatório estatal é restringido, inclusive sendo mandatório
justificar a razoabilidade do impacto econômico de determinada medida
mediante informações quanto aos possíveis efeitos da norma.

Quanto à administração dos tributos, foi estipulada a criação de


Comitê a nível da Administração Federal que será competente para
editar súmulas de modo a uniformizar os entendimentos nessa esfera.
Enquanto que o objetivo neste caso é reduzir o número de casos a serem
ajuizados, a Lei também preocupou-se em reduzir os gastos envolvendo
defesas e recursos em processos pendentes que seriam desnecessários.

FGV DIREITO RIO 116


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Para isso, prevê que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional fica


dispensada de contestar e recorrer de demandas judiciais ou administrativas
que contrariem súmulas ou temas já consolidados em decisões vinculantes,
desde que este seja seu único fundamento relevante.

As referidas limitações inserem-se no contexto delimitado pela Declaração


de Direitos de Liberdade Econômica instituída pela Lei. Tais direitos
reforçam a prevalência da vontade das partes e do livre funcionamento da
dinâmica do mercado em respeito aos princípios: a) de que a liberdade é
uma garantia no exercício de atividades econômicas; b) de que a presunção
é de que o particular age de boa-fé perante o Poder Público; e c) de que o
Estado deve intervir somente subsidiária e excepcionalmente nas atividades
econômicas. A vulnerabilidade do particular perante o Estado não é mais
conceito absoluto, mas sim pilar que, segundo a Lei 13.874/19, pode ser
afastado em caso de má-fé, hipossuficiência ou reincidência.

CONCLUSÃO

Em face de todo o exposto, nota-se que a MP da liberdade econômica se


propõe ir de encontro à ineficiência econômica gerada pela burocratização do
Estado, trazendo em sua pauta mecanismos que incentivam maior fluidez na
dinâmica mercantil.

Assim, não que tais instrumentos sejam suficientes por si mesmos, mas
que, no bojo da realidade econômica brasileira e diante do todo o histórico
de ineficiência do aparelho estatal, referido institutos visam trazer nova
sistemática para a economia, com uma pauta mais comprometida com a
liberdade econômica.

FGV DIREITO RIO 117


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASOS

CASO 1

Pedro e Theo são médicos e sócios de uma sociedade limitada, desde 1965,
cujo objeto é a exploração de uma clínica médica de atendimento popular.
A divisão das quotas é a seguinte: Pedro (75%) e Theo (25%). Com o passar
dos anos, o filho de Theo, João, que desde os 16 anos trabalhava no auxílio de
funções administrativas e, muito “querido” por todos, obtém graduação em
medicina. João, a partir de então, passa a clinicar e assumir a administração
da sociedade. Passados 20 anos, o quadro fático na clínica era o seguinte:
João (45) clinicava e administrava todos os negócios da clínica, estando seu
pai “aposentado”. O outro sócio (majoritário – Pedro) continuava a trabalhar
na clínica com os poucos clientes que lhe procuravam, mas muito satisfeito
com a atuação de João, apesar do descontentamento de sua família – vários
familiares trabalhavam na clínica, alguns como médicos e outros em diversas
funções. O falecimento de Pedro ocorre e João fica impedido, pelo segurança
da clínica, de ingressar no recinto, sob o argumento de que “tinha ordem de
não o deixar entrar, pois ele não era sócio”. Procurado por João, qual deve
ser a consulta jurídica?

CASO 2

Em 1979, José e sua mãe constituíram a sociedade XYZ Ltda. O contrato


social da sociedade estabelecia, em sua cláusula 8ª, a possibilidade de
continuidade da sociedade com o sócio remanescente em caso de falecimento
de um dos sócios. Esta cláusula estabelecia ainda que: “Na data do evento será
levantado um Balanço Especial para apuração da efetiva situação econômica
da sociedade e qual o montante dos haveres na sociedade do falecido ou
declarado incapaz”. O §1º da referida cláusula, por sua vez, assim afirmava:
“O total apurado e devido em razão da participação social do falecido ou
declarado incapaz será pago, em dinheiro, aos herdeiros, sucessores ou
representantes, em seis (06) parcelas mensais, cujos vencimentos iniciar-se-
ão trinta (30) dias após a data do óbito ou da declaração de incapacidade,
e as demais a cada trinta (30) dias sucessivamente”. Em 2007, ocorre o
falecimento da mãe de José e, para dar continuidade à sociedade e para que
não houvesse uma sociedade unipessoal, José convida Rene para ingressar
na sociedade. Rene ingressa sem promover integralização do capital social.

FGV DIREITO RIO 118


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A divisão das quotas ficou assim: José (99,99%) e Rene (0,01%). Em 22 de


junho de 2014, José vem a falecer e em dezembro do mesmo ano, seu filho
João ajuíza ação de dissolução de sociedade e apuração de haveres, noticiando
o falecimento do sócio José, seu pai. Sem avisar ao herdeiro do sócio falecido,
Rene transformou a sociedade em uma EIRELI e vendeu 2/3 do único imóvel
da sociedade, que pertencia à razão de 99,99% ao espólio do sócio falecido.
Rene afirma que os herdeiros não se tornaram sócios da sociedade e que não
cabe a extinção da pessoa jurídica. Argumenta que a Cláusula 8ª do contrato
social possibilita a continuidade da sociedade com o sócio remanescente em
caso de falecimento, noticiando que a sociedade foi transformada em empresa
individual de responsabilidade limitada (EIRELI), descabendo a pretendida
dissolução da sociedade. Diante desta situação, João te procura. Qual deve
ser a consulta jurídica?

FGV DIREITO RIO 119


TEORIA GERAL DA EMPRESA

12. CAPITAL SOCIAL E PATRIMÔNIO

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY FILHO, Alfredo (Coordenadores).


Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2ª Edição,
2017. Pp. 143-154, 989-996 e 1060-1086.

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo


Vieira von. A Proteção aos Credores e aos Acionistas em Aumento
de Capital. Revista do Advogado, v. 96, 2008. Pp. 32-40.

Leitura Complementar

ROSMAN, Luiz Alberto Colonna. Incompatibilidade de regras do


IFRS sobre a apuração do lucro distribuível com o princípio da
intangibilidade do capital social. em VENANCIO FILHO, Alberto,
LOBO, Carlos Augusto da Silveira e ROSMAN, Luiz Alberto
Colonna (Coordenadores) Lei das S.A. em seus 40 anos. Rio de
Janeiro: Forense, 2017. Pp. 365-410.

Nas últimas aulas, vimos que em situações específicas é possível


a desconsideração da autonomia conferida por lei à pessoa jurídica,
para poder alcançar os bens particulares dos sócios e vinculá-los às
responsabilidades assumidas com credores e terceiros.

Com isso, aprendemos que a desconsideração da personalidade jurídica


“apenas suspende a eficácia do ato constitutivo, no episódio sobre o qual recai
o julgamento, sem invalidá-lo”, o que demonstra a preocupação da lei
com a preservação da sociedade “que não será atingida por ato fraudulento
de um de seus sócios, resguardando-se, desta forma, os demais interesses 187
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. Vol. 1. 23ª ed. – revisada,
que gravitam ao seu redor, como o dos empregados, dos demais sócios, da atualizada e ampliada. Thompson
Reuters – Revista dos Tribunais: Rio de
comunidade etc.”187. Janeiro, 2019, pg. 114.

FGV DIREITO RIO 120


TEORIA GERAL DA EMPRESA

CAPITAL SOCIAL.

Já foi visto que a constituição do capital social é elemento formador do


contrato social, juntamente com a “pluralidade de sócios”, a affectio societatis
e a “participação nos lucros e nas perdas”.

Conforme clássica lição de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira,
os “direitos dos acionistas estão organizados em conjuntos padronizados de
direitos e obrigações” (i.e., as ações) nas companhias. As ações são os valores
mobiliários em que se subdivide o capital social.

CONCEITO.

Segundo aponta José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho, o Capital
Social é compreendido como “a cifra, fixada no estatuto social, do montante
das contribuições prometidas pelos sócios para formação da companhia que
a lei submete a regime cogente, cujo fim é proteger os credores sociais”.188

Nesse sentido, conforme aponta Waldemar Ferreira:

Cumpre aos organizadores da sociedade calcular,


ao menos aproximadamente, o montante do capital
de que ela necessitará para exercer sua atividade e
produzir os lucros, que constituem o objetivo de
quantos dela co-participarem, e para o qual tenha
cada sócio possibilidade financeira de contribuir.189

Com efeito, “Os fundadores (na constituição da companhia) e os órgãos


sociais (durante a vida da sociedade) estipulam no estatuto o valor do capital
social, que somente pode ser modificado com observância das normas
legais.”190

A ORIGEM DO CAPITAL SOCIAL. 188


PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY
FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito
das Companhias. Rio de Janeiro: Edito-
O capital social surgiu como ficção jurídica capaz de separar o patrimônio ra Forense. 2ª Edição, 2017.
dos sócios e da sociedade, em resposta à necessidade de investimentos, 189
FERREIRA, Waldemar. Tratado de
Direito Comercial – vol.3. Saraiva. São
cada vez maiores à medida que o capitalismo mercantil e industrial foi se Paulo/1961. pg.123.
consolidando. Isso porque, como vimos, antigamente, os sócios respondiam 190
PEDREIRA, José Luiz Bulhões e LAMY
com seus bens pessoais pelas obrigações da sociedade. O conceito de separação FILHO, Alfredo (Coordenadores). Direito
das Companhias. Rio de Janeiro: Edito-
patrimonial decorreu, em grande parte, da noção de capital social. ra Forense. 2ª Edição, 2017.

FGV DIREITO RIO 121


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Assim, o capital social seria capaz de, idealmente, corresponder aos


valores do ativo da sociedade, constituindo-se em verdadeira garantia de
credores. Contudo, será que é de fato uma garantia para os credores?

Na verdade, a garantia de um credor é a capacidade de solvência da


empresa. Tal capacidade não pode ser observada com o capital social,
mas com o patrimônio líquido da sociedade. Referido patrimônio, ao
contrário do capital social, varia de acordo com as variações do mercado.

NOÇÕES JURÍDICA E CONTÁBIL.

Conforme já assinalado, o capital social é uma “cifra convencional


fixa”, diferentemente do patrimônio social, que é mutável. Isto é, tem
existência de direito, diferentemente do patrimônio social, que tem
existência fática.

Assim, é fixado no ato de constituição da sociedade e pode ser


aumentado ou reduzido ao longo de sua vida, uma vez cumpridas as
formalidades legais para tanto. Deve ser inscrita no lado passivo do
balanço patrimonial da sociedade, por tratar-se de “cifra de retenção”.

Traduz-se, portanto, em uma noção jurídica e contábil capaz de,


idealmente, corresponder aos valores do ativo da sociedade, constituindo-
se em verdadeira garantia de credores. Senão, vejamos as palavras de
Bulhões Pedreira:

Se os sócios tivessem liberdade ilimitada de


promover a transferência de bens da sociedade
para seus patrimônios, inclusive em prejuízo dos
credores sociais, o regime de responsabilidade
patrimonial deixaria de ser eficaz nas sociedades.
Daí as disposições sobre responsabilidade solidária
dos sócios de alguns tipos de sociedade, e sobre
o capital social – como mecanismo de garantia
dos credores – nos tipos de sociedade em que a
responsabilidade de todos os sócios é limitada.191

Assim, há uma série de princípios que regem o instituto do Capital 191


BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Fi-
Social e que o tornam um conceito jurídico complexo, cujo estudo é de nanças e Demonstrações Financeiras da
Companhia: Conceitos e Fundamentos.
grande importância para o direito societário, conforme veremos adiante. Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 419.

FGV DIREITO RIO 122


TEORIA GERAL DA EMPRESA

PRINCÍPIOS DO CAPITAL SOCIAL.

Explicam e condicionam as funções exercidas pelo capital social no


mecanismo das sociedades anônimas.

• UNIDADE: toda sociedade deve ter apenas um capital social, mesmo


que tenha diversos estabelecimentos e/ou filiais.

• FIXIDEZ: o capital social estipulado no estatuto é fixo, somente


podendo ser alterado por ato solene, nos casos previstos em lei e com
observância das normas legais. Visa a proteger os credores contra a
redução do capital pelos acionistas.

• IRREVOGABILIDADE: o capital social constitui fundo perpétuo


e, por isso, não pode ser devolvido aos sócios, total ou parcialmente,
antes de pagos todos os credores, mesmo na hipótese de liquidação da
sociedade (arts. 206-219, LSA).

• REALIDADE: o capital social fixado no estatuto social deve


efetivamente existir no ativo da companhia, a partir das contribuições
dos subscritores das ações. Há necessidade de efetiva correspondência
entre a cifra representativa do capital e o total subscrito e o valor real
das prestações a que se obrigaram os sócios. Exemplos de corolários:
art. 80, I, LSA (subscrição integral do capital para a constituição da
sociedade); e art. 8º, LSA (avaliação dos bens para incorporação ao
capital social).

• INTANGIBILIDADE: o capital social deve permanecer intangível,


isto é, insuscetível de apropriação, enquanto a sociedade continuasse
operando e seus credores não tivessem sido pagos. Uma das funções do
capital social é garantir a proteção dos credores contra atos dos acionistas
e administradores que resultem na transferência de bens do ativo para o
patrimônio dos acionistas, em prejuízo da solvência da companhia.

CAPITAL SOCIAL - QUOTAS OU AÇÕES.

O capital social é dividido em partes, denominadas quotas ou, no caso


das sociedades anônimas, ações. Cumpre assinalar que elementos como
quantidade, valor, igualdade ou desigualdade das quotas192 são definidas com 192
Código Civil. Art. 1.055. O capital
liberdade pelo contrato social, sendo certo que o somatório do valor das quotas, social divide-se em quotas, iguais ou
desiguais, cabendo uma ou diversas a
obrigatoriamente, será igual ao valor do capital social estipulado no contrato. cada sócio.

FGV DIREITO RIO 123


TEORIA GERAL DA EMPRESA

FUNDO SOCIAL E PATRIMÔNIO.

O capital social é o fundo originário e essencial da sociedade fixado


através da soma da contribuição dos sócios - é uma expressão numérica. O
patrimônio social é o patrimônio da sociedade no sentido econômico, isto é,
o conjunto de bens (dinheiro e outros), compreendendo não apenas o capital
social, mas tudo o que a sociedade possui e venha a possuir durante a sua
existência, incluindo-se as dívidas (passivo).

Sobre a diferenciação entre capital social e patrimônio, esclarece Ascarelli:

Temos, pois, de um lado, o conjunto dos bens da


sociedade, isto é, o seu patrimônio; o valor real
desses bens muda necessariamente com as oscilações
do mercado e com o andamento dos negócios; a sua
avaliação, juntamente com a indicação do passivo, é
fixada nos balanços sociais; de outro lado, o capital
social, resultante não só dos balanços, mas do estatuto
social, e que não pode ser modificado a não ser que
observadas as normas a respeito. Se os sócios tivessem
liberdade ilimitada de promover a transferência de
bens da sociedade para seus patrimônios, inclusive
em prejuízo dos credores sociais, o regime de
responsabilidade patrimonial deixaria de ser eficaz nas
sociedades. Daí as disposições sobre responsabilidade
solidária dos sócios de alguns tipos de sociedade, e
sobre o capital social – como mecanismo de garantia
dos credores – nos tipos de sociedade em que a
responsabilidade de todos os sócios é limitada.193

Quando a sociedade inicia suas atividades, é comum que o único item


encontrado em seu patrimônio (ativo, passivo e patrimônio líquido) seja o
capital social. Com o início das atividades, tanto o ativo quanto o passivo
começam a se modificar.

Ainda, o capital social pode ser integralizado ou subscrito, conforme será


aprofundado em tópicos a seguir. Mas, vale ressaltar que, ao integralizar194 o 193
ASCARELLI, Tullio. Problemas das
capital social, os sócios pagam à vista pelas quotas ou ações; quando subscrevem Sociedades Anônimas e Direito Compa-
rado. São Paulo: Quorum, 2008. P. 469.
(i. e., promessa de integralização) os sócios assumem o compromisso com a 194
Principal obrigação do sócio, a in-
sociedade de adquirir, em determinado prazo, um certo número de quotas tegralização é o pagamento feito pelo
sócio à sociedade. Integralizar é ato de
ou ações para constituição do capital social. alienação; é o mesmo que pagar.

FGV DIREITO RIO 124


TEORIA GERAL DA EMPRESA

SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES (ART. 7º DA LSA).

Aplicável tanto na formação do capital social, por ocasião da constituição


da companhia, quanto no seu aumento posterior. Subscrever o capital é
prometer o aporte de capital. A subscrição já permite que a empresa possa
cobrar o aporte (caso nunca integralize, torna-se sócio remisso). A subscrição
pode se dar em dinheiro ou em bens.

A) EM DINHEIRO:

Feita a subscrição por meio de contribuição em dinheiro, deve ser


equivalente ao valor nominal da ação ou, caso não haja, ao preço de emissão
ou a parte dele destinada à formação do capital social. Se o preço de emissão
for maior do que a contribuição para o capital, a diferença constitui reserva
de capital.

Deve ser prestada no ato da subscrição, salvo estipulada integralização


a prazo (art. 106, LSA), quando devem ser pagos ao menos 10% do preço
de emissão da ação (art. 80, II e art. 170,§ 6º, LSA), estando o acionista
obrigado a realizar o saldo nas condições previstas no estatuto ou no boletim
de subscrição (art. 106, LSA).

B) EM BENS:

Realizada, de outro lado, por meio de bens (ou seja, tudo o mais que não
seja dinheiro), deve-se ter em mente a dificuldade de mensuração do valor
do bem subscrito – o que pode colocar em risco a realidade do capital social,
afetando acionistas e terceiros que contratem com a companhia.

Diante disso, a lei prescreveu diversas formalidades, destinadas a coibir


fraudes e assegurar, da melhor maneira possível, que o bem corresponda à
sua avaliação.

Exemplos de normas criadas com esse fim são:

a. avaliação isenta do bem por três peritos (art. 8º e 170, § 3º, LSA)
escolhidos pelos subscritores ou acionistas;

b. laudo fundamentado, com indicação de critérios e elementos de


comparação adotados (art. 8º, § 1º, LSA);

FGV DIREITO RIO 125


TEORIA GERAL DA EMPRESA

c. subscritor que confere bens não pode votar o laudo de avaliação (art.
115, § 1º, LSA);

d. responsabilidade civil e penal dos avaliadores e subscritores perante a


companhia, acionistas e terceiros, pelos danos causados por culpa ou
dolo na avaliação dos bens (art. 8º, § 6º, LSA); e

e. bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por


valor superior ao de avaliação.

A integralização do capital já é um segundo momento em que há


efetivamente o aporte do capital. Para integralização do capital social,
admitem-se quaisquer bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, em
conformidade com o artigo 7º da LSA.

A lógica da integralização do capital se altera dependendo se é uma empresa


S.A. ou Ltda. Nas limitadas, se 1 sócio não integralizou, os outros sócios
respondem solidariamente pelo capital não integralizado. Já nas S.A., caso 1
sócio não integralize os outros não respondem pelo capital não integralizado;
respondem apenas ao limite do seu aporte.

CAPITALIZAÇÃO DE RECURSOS JÁ EXISTENTES NO PATRIMÔNIO DA


EMPRESA.

Na companhia em funcionamento, o capital social pode ser formado com


a capitalização de recursos financeiros que já existem no ativo patrimonial
da sociedade. Essa modalidade é chamada de “incorporação ao capital
social” e há apenas a troca do regime jurídico a que estão submetidos o
dinheiro ou os bens incorporados. Exemplos: incorporação de lucros ou de
reserva de capital.

CAPITAL SOCIAL MÍNIMO: BRASIL.

Alguns países estabeleceram, em suas respectivas legislações societárias, que há


um limite mínimo de capital social necessário à constituição e/ou à manutenção
de uma sociedade anônima (i.e., requisito de capital social mínimo).

A legislação brasileira não prescreve essa exigência, no pressuposto de


que muitas companhias apenas conseguiram sucesso porque, tendo sido
constituídas anônimas, lhes foi mais fácil captar recursos para a expansão.

FGV DIREITO RIO 126


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Existe, contudo, a possibilidade de que certas atividades econômicas,


quando estiverem em setores regulados, possuam conjuntos específicos de
regras para que as companhias possam ser elegíveis à concessão. Temos, como
exemplo, o caso das companhias aéreas, que são obrigadas pelo art. 181, II
do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) a ter pelo menos 4/5
de seu capital com direito a voto pertencente a brasileiros, mantendo essa
proporção após aumento de capital.

AUMENTO E REDUÇÃO DO CAPITAL SOCIAL.

Vimos que o capital “é a expressão, em moeda corrente, dos contingentes


trazidos pelos sócios para a formação da arca communis, ou seja, do acervo
de bens indispensáveis ao exercício da atividade mercantil (sic) ... da
sociedade”.195 Por se tratar de uma cifra, é possível estipular-se um valor
maior ou menor como suficiente para que a sociedade continue realizando
seus fins.

O art. 1.081 do Código Civil dispõe sobre a possibilidade do capital social


ser aumentado. Este aumento pode concretizar-se através de aporte de novos
valores como o desembolso por parte dos sócios ou mesmo por terceiros.

Já a redução do capital social, está prevista no art. 1.082 do Código Civil


que afirma ser possível descapitalizar a sociedade quando o capital social for
excessivo em relação ao objeto social.

Em ambos os casos (aumento ou redução), o capital social deve estar


totalmente integralizado mediante a correspondente modificação do contrato.

CAPITAL AUTORIZADO.

Desde que haja previsão expressa no estatuto, poderá haver aumento do


capital social dentro do limite autorizado mediante capitalização de reserva
de lucros ou de capital. Neste caso, diz-se que a companhia tem capital
autorizado.

Previsto no art. 168 da LSA, o capital autorizado tem sido uma importante
ferramenta de capitalização de recursos, conferindo maior agilidade às
companhias, pois permite que a decisão sobre aumento de capital mediante
emissão de ações ocorra por decisão do conselho de administração, sem a 195
FERREIRA, Waldemar in Tratado de
Direito Comercial – vol.3. Saraiva. São
necessidade de deliberação assemblear e alteração estatutária. Paulo/1961. pg.122.

FGV DIREITO RIO 127


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Dispensando a realização de assembleia geral (com todas as formalidades


inerentes à realização dela), reduz-se o prazo verificado entre a decisão de
aumentar o capital e a efetiva emissão de ações, possibilitando à companhia
aproveitar o momento mais apropriado do mercado de capitais.

Registre-se, entretanto, que o conselho de administração poderá


deliberar sobre aumento de capital, desde que haja previsão estatutária.

O capital social, por deliberação da assembleia geral ou do conselho


de administração, poderá ser majorado sucessivamente até alcançar o teto
previsto no estatuto social. Alcançado o limite do capital autorizado, caso
a companhia tenha interesse em continuar usando essa ferramenta, será
necessária alteração do estatuto, para que se estabeleça novo limite.

AÇÃO DE INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL PARA COBRANÇA DO


SÓCIO REMISSO.

Quando os sócios assinam o contrato social para constituição da


sociedade, subscrevem as quotas de capital com as quais participarão do
negócio e assumem a obrigação de integralizá-las, ou seja, contribuir com
recursos para o capital da sociedade.

Assim, temos que é obrigação fundamental e indispensável de cada


sócio a integralização da sua quota de capital, porém, esta obrigação
não precisa ser realizada imediatamente (à vista). É recomendável que
no contrato social haja uma cláusula fixando o tempo e a forma para a
realização desse pagamento (a prazo). Neste sentido, temos os seguintes
artigos do Código Civil:

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante


contrato escrito, particular ou público, que, além
de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
(...) IV - a quota de cada sócio no capital social, e
o modo de realizá-la;

Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e


prazo previstos, às contribuições estabelecidas no
contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo,
nos trinta dias seguintes ao da notificação pela
sociedade, responderá perante esta pelo dano
emergente da mora.

FGV DIREITO RIO 128


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade


de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização
do capital social.

O sócio que não cumpre com a obrigação de integralizar sua quota (ou
quotas) dentro do prazo, é chamado de sócio remisso e, na forma do art.
1.004 do Código Civil responderá, perante a sociedade, pelo dano emergente
da mora.

A sociedade (e não os sócios) poderá cobrar em juízo o que for devido pelo
sócio remisso, ou expulsá-lo196, sendo certo que para essa última hipótese
necessária se fará a presença de justa causa, não podendo ser utilizada a
inadimplência como via oblíqua para afastar sócios indesejáveis (esse tema
será objeto da próxima aula).

Vimos então que a efetiva responsabilidade de cada sócio é pela


integralização de sua quota, entretanto, em se tratando de uma sociedade
limitada, responderá de forma solidária com os demais, na hipótese de algum
sócio não cumprir com sua integralização.

Portanto, caso o capital social esteja totalmente integralizado, em regra,


o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade.
Porém, em existindo parte do capital social ainda não integralizada, os
sócios responderão solidariamente pela quantia que falta para completar o
capital social, cabendo ação de regresso contra o sócio que efetivamente não
integralizou sua parte.

196
Código Civil. Art. 1.058. Não inte-
gralizada a quota de sócio remisso,
os outros sócios podem, sem preju-
ízo do disposto no art. 1.004 e seu
parágrafo único, tomá-la para si ou
transferi-la a terceiros, excluindo o
primitivo titular e devolvendo-lhe o
que houver pago, deduzidos os juros
da mora, as prestações estabelecidas
no contrato mais as despesas

FGV DIREITO RIO 129


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASO

BERNARDO’S EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA.

Os amigos de longa data Padilha, Izan e Fabião, resolvem constituir


uma sociedade limitada denominada de Bernardo’s Empreendimentos e
Participações Ltda., cujo objeto será a prestação de serviços de consultoria
empresarial para empreendimentos na área de T.I. (tecnologia da informação).
Para tanto, Padilha diz ser o proprietário de uma sala que servirá de escritório
para o desenvolvimento da empresa, pretendendo integralizar sua parte no
capital social com o referido bem imóvel. Os sócios concordam com o preço,
indicado por Padilha, para imóvel, todavia, para fins de precaução, receosos
com o a regra inserta no art. 1.055, §1° do Código Civil, lhe procuram com
as seguintes questões:

a) Qual deve ser a forma de integralização do capital com o bem imóvel?

b) É necessária a realização de escritura pública?

c) O instrumento que efetivar a integralização deve ser levado ao Registro


Imobiliário?

d) Sendo Padilha casado, é necessário a outorga conjugal?

e) É devido o imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI)?

Os sócios Izan e Fabião efetuaram a subscrição de suas quotas para


integralização em 6 meses. Ultrapassado esse prazo, ausente a integralização,
qual deve ser a medida adotada?

FGV DIREITO RIO 130


TEORIA GERAL DA EMPRESA

JURISPRUDÊNCIA

RECURSO FUNDADO NO NOVO CPC/15. TRIBUTÁRIO. AGRAVO


INTERNO. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE
LIMITADA. ALTERAÇÃO DE CLÁUSULA ESTATUTÁRIA PARA
AUMENTO DE CAPITAL MEDIANTE O APORTE DE BENS
IMÓVEIS PELOS SÓCIOS. SÓCIOS QUE SE OMITEM EM
PROMOVER O REGISTRO DESSA ALTERAÇÃO NO CARTÓRIO
DE IMÓVEIS. EXECUÇÃO FISCAL DIRECIONADA CONTRA
A SOCIEDADE. PENHORA INCIDENTE SOBRE OS IMÓVEIS
OBJETO DO ALUDIDO AUMENTO DE CAPITAL. EMBARGOS
DE TERCEIRO OPOSTOS PELOS SÓCIOS SOB O ARGUMENTO
DE AINDA SEREM OS PROPRIETÁRIOS DOS BENS. BOA FÉ
DO FISCO EXEQUENTE. PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA
FACTUM PROPRIUM. VALIDADE DA PENHORA CONTESTADA.
1. Controverte-se, no âmbito de embargos de terceiros, acerca da validade
de penhora incidente sobre imóveis entregues por sócios para aumento
de capital de sociedade limitada, quando não registrada no cartório de
imóveis a respectiva alteração contratual, cumprindo realçar que a conexa
execução fiscal foi proposta exclusivamente contra a sociedade devedora.
2. É verdade que, nos termos do § 1º do art. 1.245 do CC, “Enquanto não
se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como
dono do imóvel”. O caso concreto, porém, reveste-se de peculiaridades que
impõem o afastamento da literalidade desse regramento. 3. Com efeito, a
empresa devedora/executada, como referido, é uma sociedade por quotas
de responsabilidade limitada, regida pelo vetusto Decreto 3.708/1919
(ainda em vigor) e, mais recentemente, também pelas regras previstas no
Código Civil de 2002 (arts. 1.052/1.087). 4. Nos termos do art. 18 do
Decreto 3.708/1919, “Serão observadas quanto à sociedade por quotas,
de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social,
e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas”. 5. Já a
Lei 6.604/1976 (Lei das Sociedades Anônimas), por seu art. 98, estipula
que, “Arquivados os documentos relativos à constituição da companhia,
os seus administradores providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes,
a publicação deles, bem como a de certidão do arquivamento, em órgão
oficial do local de sua sede”, estabelecendo seu § 2º que “A certidão dos
atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em
que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por
transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor
tiver contribuído para a formação do capital social”; de outra parte, o §

FGV DIREITO RIO 131


TEORIA GERAL DA EMPRESA

1º do art. 135 dessa mesma Lei das S/A’s prevê que “Os atos relativos
a reformas do estatuto, para valerem contra terceiros, ficam sujeitos às
formalidades de arquivamento e publicação, não podendo, todavia, a
falta de cumprimento dessas formalidades ser oposta, pela companhia ou
por seus acionistas, a terceiros de boa-fé”. Por extensão, tais regramentos
mostram-se aplicáveis às hipóteses de aumento de capital decorrente da
incorporação de imóveis pelos sócios, inclusive quando inocorrente o
respectivo registro imobiliário. 6. Em tal cenário, tendo o aumento de
capital (mediante o aporte de imóveis pelos sócios) sido regularmente
formalizado perante a junta comercial, válida se revela a penhora levada
a cabo sobre tais bens de raiz, no âmbito da reportada execução fiscal
movida contra a sociedade, ainda que ausente o posterior registro
da respectiva alteração contratual no cartório de registro de imóveis,
porquanto presente a boa-fé do Fisco exequente. 7. Permitir-se que a
alteração do contrato social (repita-se, regularmente registrada na junta
comercial) pudesse ser desconsiderada em sede de embargos de terceiros,
após efetivada a penhora dos imóveis na execução fiscal movida contra a
pessoa jurídica, equivaleria a ignorar a proibição do venire contra factum
proprium, em benefício de sócios relapsos e em prejuízo da Fazenda de
boa-fé. 8. Por fim, caso os sócios, ora agravados, desejassem recuar do
intento de consolidar a incorporação dos imóveis entregues à sociedade
para aumento de capital, dispunham da possibilidade de promover nova
e tempestiva alteração do contrato social, desta feita para implementar a
redução de capital, com a exclusão dos mesmos imóveis antes entregues
para o seu aumento, cuja providência, entretanto, não chegaram a adotar.
9. Agravo interno provido. (STJ AgInt no AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL Nº 126.003 – RS; Rel. MINISTRO NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO; 29/06/2017)

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. PRETENSÃO


DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA, NA CONDIÇÃO DE TERCEIRA,
DE AFASTAR A CONSTRIÇÃO JUDICIAL DETERMINADA
EM AÇÃO EXECUTIVA QUE RECAIU SOBRE TRÊS IMÓVEIS,
OBJETO DE INTEGRALIZAÇÃO DE SEU CAPITAL SOCIAL.
AUSÊNCIA DE REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO
CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS EM RELAÇÃO A DOIS
IMÓVEIS. BENS QUE NÃO FORAM INCORPORADOS AO
PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA E TAMPOUCO
ENCONTRAM-SE EM SUA POSSE. ILEGITIMIDADE ATIVA AD
CAUSAM. RECONHECIMENTO. TRANSFERÊNCIA DE UM DOS

FGV DIREITO RIO 132


TEORIA GERAL DA EMPRESA

IMÓVEIS APÓS A AVERBAÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA. FRAUDE À


EXECUÇÃO. OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital
social por meio de imóvel indicado pelo sócio, por si, não opera a
transferência de propriedade do bem à sociedade empresarial. De igual
modo, a inscrição do ato constitutivo com tal disposição contratual, no
Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias,
não se presta a tal finalidade. 1.1 A integralização do capital social
da empresa pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens
— móveis ou imóveis —, havendo de se observar, necessariamente, o
modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual. Em
se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação
do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os
ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre
vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis. 1.2 O registro do título translativo no Registro de Imóveis,
como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem
imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco
pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na
Junta Comercial, como sugere a insurgente. 1.3 A inscrição do contrato
social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas
Comercias, destina-se, primordialmente, à constituição formal da
sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria,
absolutamente distinta dos sócios dela integrantes. 2. Explicitado, nesses
termos, as finalidades dos registros em comento, pode-se concluir que o
contrato social, que estabelece a integralização do capital social por meio
de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no Registro Público
de Empresas Mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade;
constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da
propriedade, mediante registro, perante o Cartório de Registro de Imóveis
em que se encontra registrada a matrícula do imóvel. 3. Os embargos de
terceiro consubstanciam a via processual adequada àquele que, não sendo
parte no processo, tenha por propósito afastar a contrição judicial que
recaia sobre o bem do qual seja titular ou que exerça a correlata posse.
Especificamente em relação aos imóveis, objeto das Matrículas n. 90.219
e 90.220, a recorrente não ostenta a qualidade de proprietário, tampouco
de possuidor, conforme expressamente consignou o Tribunal de origem,
o que evidencia sua ilegitimidade ativa ad causam. 4. A transferência da
propriedade de bem imóvel rural (de Matrícula n. 1.129) à sociedade
empresária recorrente deu-se em momento posterior à averbação da

FGV DIREITO RIO 133


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ação executiva no Registro de Imóveis, de que trata o art. 615-A, do


CPC/1973, a ensejar a presunção absoluta de que tal alienação deu-se
em fraude à execução, afigurando-se de toda inapta à produção de efeitos
em relação ao credor/exequente. 5. Recurso especial improvido. (STJ
RECURSO ESPECIAL Nº 1.743.088 – PR; Rel. MINISTRO MARCO
AURÉLIO BELLIZZE; 22/03/2019)

Agravo de instrumento. Arrolamento de bens de sociedade. Nomeação


de sócio como fiel depositário. Possibilidade. O fato de terem os sócios
integralizado o capital social no momento da constituição da sociedade,
torna os bens adquiridos para tal finalidade econômica de propriedade
da sociedade. O fato do contrato de compra e venda dos bens encontrar-
se em nome da, agravante não a torna proprietária exclusiva dos bens se
estes foram empregados na sociedade e se o capital social foi totalmente
integralizado. Agravo que se conhece, mas a que, se nega provimento.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 2005.002.07916. DES.
HENRIQUE MAGALHAES DE ALMEIDA - Julgamento: 13/09/2005
- DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL)

FGV DIREITO RIO 134


TEORIA GERAL DA EMPRESA

13. PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES. SOCIEDADES


PERSONIFICADAS. SOCIEDADES NÃO PERSONIFICADAS.
LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa.


16ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Leitura Complementar

ARMOUR, John; HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier.


“Agency Problems and Legal Strategies”. In: KRAAKMAN, Reinier;
ARMOUR, John; HANSMANN, Henry; et al. The Anatomy of
Corporate Law: A Comparative and Functional Approach, pp. 29-
48. 3ª Edição. New York: Oxford University Press, 2017; e 

JENSEN, Michael C.; MECKLING, William H.; Theory of The Firm:


Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure.
University of Rochester. Rochester: Journal of Financial Economics
III, 1976, pp. 305-360.

PERSONALIDADE JURÍDICA.

A sociedade empresária adquire sua personalidade jurídica após a


respectiva inscrição de seus atos constitutivos, consoante se extrai de
uma leitura combinada entre o disposto nos artigos 45 e 985 do Código
Civil de 2002.

Veja-se que o aludido art. 985, CC/02, estabelece que a personalidade


jurídica de uma sociedade empresária somente é regularmente adquirida
após a sua inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos
constitutivos.

FGV DIREITO RIO 135


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Some-se a este dispositivo que a existência legal das pessoas jurídicas


de direito privado somente começa “com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou
aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações
por que passar o ato constitutivo” (art. 45, CC/02).

Contudo, cite-se que:

a sociedade obtém condição de empresária a partir


da exploração efetiva e de forma profissional de
atividade econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens ou serviços. É o exercício da
atividade e não o registro do seu contrato social que lhe
confere a qualidade, visto ser o registro declaratório
e não constitutivo da condição de empresário. O
registro se apresenta como pressuposto do exercício
regular da atividade.197

Realizado seu arquivamento perante a Junta Comercial, a sociedade


empresária, agora detentora de personalidade jurídica, passa a ser um sujeito
de direitos e deveres, com existência distinta da dos membros que a compõem.

Assim, dentre os efeitos da personificação da sociedade, pode-se citar


que ela passa a ter: (i) patrimônio; (ii) nome; (iii) nacionalidade; e (iv)
domicílio próprios.198

Com autonomia patrimonial, passa-se a haver distinção entre o que é dos


membros da sociedade e o que é dela, o que se traduz em uma limitação das
respectivas responsabilidades de cada uma das pessoas, inclusive da sociedade.
Nesse sentido, “É o patrimônio da sociedade, seja qual for o tipo por ela
adotado, que irá responder pelas suas obrigações.” Ou seja, “a sociedade irá
responder pelo seu passivo com todas as forças do seu ativo”199.

Em alguns casos, os sócios poderão responder subsidiária e ilimitadamente


pelas dívidas contraídas pela sociedade, conforme dispõe o art. 10-A da 197
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando fixa: ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
2019, p. 73.
198
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao 2019, p. 73-74.
período em que figurou como sócio, somente em ações 199
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
do contrato, observada a seguinte ordem de preferência 2019, p. 74.

FGV DIREITO RIO 136


TEORIA GERAL DA EMPRESA

I - a empresa devedora;
II - os sócios atuais; e
III - os sócios retirantes.

Nota-se, portanto, que, em que pese a regra seja a separação patrimonial


entre o que é da sociedade e o que é do sócio, existem casos em que
tal separação pode ser mitigada para alcançar outras pessoas por trás da
sociedade. Contudo, cumpre ressaltar que “haverá sempre o benefício
de ordem em favor do sócio, visto que primeiro deve, ser excutidos os
bens da pessoa jurídica. O alcance dos bens particulares dos sócios fica
condicionado à exaustão do patrimônio social”.200

Sobre o nome da sociedade, conforme já visto, compreende-se que “É


sob o nome social, que poderá ser uma firma ou uma denominação, que
a sociedade exercerá direitos e se vinculará a obrigações”.201

Por fim, face à distinção entre a pessoa do sócio e a da sociedade, ela


passa a ter nacionalidades e domicílios próprios, independentemente se
os sócios sejam estrangeiros ou residam em outra localidade. Sobre este
ponto, vale dizer que “O domicílio da sociedade é chamado de sede social
e deverá vir fixado no contrato social ou no estatuto”.202

Feitas estas considerações, note-se que, até aqui, vimos que, para
que uma sociedade adquira sua personalidade jurídica, é necessário que
ela proceda com seu registro e arquivamento na Junta Comercial. Tais
sociedades são chamadas personificadas.

De outro lado, todavia, o Código Civil de 2002 estabeleceu a


possibilidade de existirem as sociedades não personificadas. Nesta linha,
não há distinção entre o que é dos sócios e o que é da sociedade, justamente
porque não há a criação de uma personalidade distinta da dos membros.
O Código estabeleceu como sociedades não personificadas as Sociedades
em Comum e das Sociedades em Conta de Participação.

Em apartada síntese, vejamos o que são tais “sociedades” (que serão 200
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
objeto de estudo na disciplina de Tipos Societários). ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
2019, p. 74.
201
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
As Sociedades em Comum, com base na redação do art. 986, CC/02, to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
são aquelas sociedades que não se apresentam com seus atos constitutivos 2019, p. 74.
inscritos na respectiva Junta Comercial. Assim, enquanto não inscritos 202
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direi-
seus atos constitutivos, reger-se-á a sociedade pelos artigos 987 a 990 e, to Comercial: Direito de Empresa. 16ª
ed. – São Paulo: Saraiva Educação,
supletivamente, pelas as normas da sociedade simples (art. 986, CC/02). 2019, p. 74.

FGV DIREITO RIO 137


TEORIA GERAL DA EMPRESA

São chamadas sociedades em comum, sociedade irregular ou de fato,


porquanto não tenham seu registro na Junta Comercial.

Sobre as Sociedades em Conta de Participação, estas estão reguladas


entre os arts. 991 a 996 do CC/02. Em tal sociedade, existe a figura
de dois tipos de sócios. Primeiro, a do sócio ostensivo, que é aquele
quem arca com todas as obrigações contraídas em nome da sociedade.
Segundo, a do sócio participante (ou oculto), que é aquele quem invente
determinada quantia na sociedade.

Com isso, conforme dispõe o art. 992 do CC/02, a “A constituição da


sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade
e pode provar-se por todos os meios de direito”. Ademais, a redação do
art. 993 do referido Código dispõe que “O contrato social produz efeito
somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em
qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.”

Em face disto, por não estar obrigada a realizar registro. E, em tal


situação, é considerada uma sociedade despersonificada. Consoante
assevera Sérgio Campinho, “Não é (...) uma sociedade, mas sim um
contrato associativo ou de participação”.203

203
CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito
Comercial: Direito de Empresa. 16ª ed.
– São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.
85.

FGV DIREITO RIO 138


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESPAÇO DISCENTE

CRISE DA LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE NO BRASIL

Yago Falcão
Angelo C. Gomes

O fenômeno da limitação da responsabilidade é intrinsecamente ligado


à consideração da personalidade jurídica. Por meio dessa ficção jurídica,
a personalidade jurídica permite a separação entre os bens pertencentes
à essa pessoa e as pessoas naturais que a criaram. Essa diferenciação
patrimonial é a pedra basilar sob a qual se fundamenta a limitação
de responsabilidade. Nela, apenas a pessoa jurídica e seus bens ficam
responsáveis por satisfazer suas dívidas e demais passivos, deixando os
sócios e administradores intocados e sem o alcance de seus bens.

A personalidade jurídica teve origem, alegadamente, no Império


Romano,204 com a formação das primeiras corporações ou universitas.
Ganhou, no entanto, especial força no período das grandes navegações. Nesse
período de exploração, os altos riscos envolvidos com o comércio ultramarino
fizeram com que os envolvidos com esse tipo de atividade tivessem incentivos
para se juntarem em torno da criação de pessoas jurídicas.

Primeiro, para alcançar empreendimentos maiores, com a junção de


investimentos de diversos comerciantes. Segundo, para limitar os riscos
de responsabilização pessoal pelas dívidas decorrentes da atividade. Talvez
o maior exemplo disso tenha sido a criação da Companhia das Índias
Ocidentais, para a exploração de atividades comerciais no atlântico e
também os ímpetos colonizadores.

No entanto, alguns usaram essa limitação de forma abusiva e buscaram


obter vantagens indevidas. A partir disso, conforme o Direito evoluiu,
surgiu o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Tal
instituto permite que a personalidade jurídica, o escudo que protege
as pessoas naturais por detrás dela, seja retirado em caso de mau uso.
Um exemplo clássico é a desconsideração utilizada para alcançar o sócio
que esvazia os bens da sociedade para evitar o pagamento de credores, 204
https://www.conjur.com.br/2016-
cometendo fraude. Nesse caso, os bens do sócio ficam responsáveis por abr-21/olhar-economico-evolucao-
criou-pessoa-juridica-merece-
saldar uma dívida que originalmente eram apenas da sociedade. conhecida

FGV DIREITO RIO 139


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O caso mais famoso de desconsideração da personalidade jurídica foi


o Salomon v Salomon & Co, ocorrido na Inglaterra, no ano de 1897. Em
linhas gerais, trata-se de um caso no qual Aaron Solomon, junto de mais
6 outros sócios, constituiu uma company utilizando-se de bens que faziam
parte de sua atividade como empresário individual. Quando os credores
descobriram que o patrimônio de seu devedor havia se esvaziado em favor
da company recorreram ao judiciário. A corte em primeiro grau decidiu
por desconsiderar a personalidade jurídica da company para alcançar os
bens que Aaron Solomon havia retirado de seu nome e posto no nome
da sociedade. Ainda que a House of Lords tenha revertido a decisão, o caso
ficou mundialmente famoso e é tido como um dos pioneiros do instituto
da desconsideração.

O Brasil apresenta modelos societários de responsabilidade ilimitada e


limitada. Não há o que questionar em relação à responsabilidade ilimitada,
uma vez que o sócio responde com seu próprio patrimônio pelas obrigações
contraídas pela sociedade. A questão está quando tratamos de tipo societário
de responsabilidade limitada, onde a lei visa proteger o patrimônio do
sócio, diferenciando-o do patrimônio da sociedade. Dessa forma, a
responsabilidade sob as obrigações contraídas pela sociedade limitar-se-ia
apenas à sociedade.

A desconsideração da personalidade jurídica, que leva à responsabilização


do sócio, nas sociedades de responsabilidade limitada possui uma lista
taxativa de situações nas quais pode ocorrer. O Código Civil apresenta a
possibilidade no artigo 50, limitando com a possibilidade de desconsideração
em caso de confusão patrimonial ou desvio de finalidade. A CLT admite
responsabilidade solidária dos sócios para obrigações trabalhistas (art. 2º).
A lei de falências também admite possibilidade semelhante ao código de
defesa do consumidor. Além disso, há previsão de desconsideração da
personalidade jurídica na Lei nº 9.605 (meio ambiente).

O Código do consumidor dá ao juiz a discricionariedade para


desconsiderar a pessoa jurídica quando:

(...) em detrimento do consumidor, houver abuso


de direito, excesso de poder, infração da lei, fato
ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada
quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração.

FGV DIREITO RIO 140


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A segunda parte do texto, que trata da má administração é um tanto


vaga. Ora, uma sociedade bem administrada não vai à falência ou entra em
estado de insolvência. O termo “má administração” dá margem para um
entendimento extremamente amplo, e um tanto perigoso. Isso porque a
grande maioria das sociedades no Brasil são micro e pequenas empresas205,
cujo sócio(a) muitas vezes não possuem o ensino básico completo e que
usam suas economias para investir em um negócio próprio, sem orientação
ou ensino sobre gerenciamento de empresas.

A desconsideração deveria limitar-se ao abuso de direito, excesso de


poder, infração ou violação da lei ou do ato constitutivo da sociedade e por
ato ilícito. Porém, a má administração deveria existir a existência de má
gestão. O mesmo deveria valer para a lei trabalhista, de falências e do meio
ambiente, que apresentam hipóteses de desconsideração. Caso contrário,
o sócio é onerado ainda que aja de forma íntegra de boa-fé, além disso o
sistema jurídico não apenas torna os serviços e produtos mais caros por
embutir no preço o risco assumido pelo sócio, que não possui proteção
devida de seus bens, como cria um desincentivo para a criação de novos
negócios no país.

Ora, se a lei permite a desconsideração da personalidade jurídica sempre


que a sociedade vai mal, não há por que haver personalidade jurídica. O
sócio, no fim das contas, possui seu patrimônio alcançado por obrigação
trabalhista, por dano ambiental, ainda que tenha tomado todas as diligências
possíveis, por má administração, ainda que tenha agido de boa-fé, por
ilegalidade e desvio de finalidade. Com exceção das duas últimas, as outras
condições criam um cenário arriscado para o empreendedor, que sabe que
no caso de seu negócio dar errado, perderá, além do patrimônio pessoal
investido para a formação do negócio, parte do patrimônio em processos,
ainda que aja com diligência e boa-fé.

Cabe, portanto, ao poder legislativo reformular as previsões de


desconsideração da personalidade jurídica a fim de resguardar o instituto da
limitação de responsabilidade e de proteger não apenas os sócios íntegros,
que agem de forma correta, como também um ambiente propício para o
surgimento de novos negócios no Brasil.

205
https://www.sebrae.com.br/
sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/
pequenos-negocios-em-numeros,12e8
794363447510VgnVCM1000004c0021
0aRCRD

FGV DIREITO RIO 141


TEORIA GERAL DA EMPRESA

14. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A) MATERIAL DE LEITURA

Leitura Básica

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. –


revisada, atualizada e ampliada. Thompson Reuters – Revista dos
Tribunais: Rio de Janeiro, 2019.

ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA.

Vimos que a sociedade é detentora de personalidade jurídica própria e


que esta autonomia tem como principais efeitos: (i) ser considerada sujeito
de direito, com capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações; (ii)
o patrimônio da sociedade é distinto do patrimônio dos sócios; e (iii) a
existência jurídica independente, uma vez que a sociedade se mantém mesmo
na falta dos sócios.

No cenário jurídico-social, a fraude não é um fenômeno novo. Sempre


houve a tentativa de se fugir à responsabilidade patrimonial mediante inúmeros
artifícios, alcançados pelo instituto da fraude contra credores, disposto no
artigo 106 e seguintes do Código Civil, repisado no Novo Código Civil (arts.
158 e seguintes), como demonstra YUSSEF SAID CAHALI em monografia
sobre o tema206. Verificaremos que a teoria da desconsideração dispõe sobre a
utilização do mecanismo societário para a prática de atos fraudulentos.

A prática de atividade empresária sob a forma de sociedade, para algumas


mentes, acaba por incentivar a realização de atos escusos, se prestando a sociedade
como ser imaterial servidor de abrigo ao fraudador. Nesse sentido, a doutrina e a
jurisprudência desenvolveram mecanismos para descortinar a sociedade, retirando
o véu protetor, viabilizando o alcance daqueles que se camuflam (sócios).

A decisão judicial precursora da teoria da desconsideração da personalidade


jurídica remonta ao ano de 1809, no caso Bank of United States v. Deveaux207,
quando o juiz Marshall manteve a jurisdição das cortes federais sobre as
in Fraude Contra Credores. 3ª ed. São
corporations – a Constituição Americana (art. 3°, seção 2ª) reserva a tais órgãos
206

Paulo: RT, 2002


judiciais as lides entre cidadãos de diferentes Estados. Ao fixar a competência 207
WORMSER, Maurice in “Piercing thei
acabou por desconsiderar a personalidade jurídica, sob o fundamento de que veil of corporate entity”, Columbia Law
Review, Columbia, 12:496-518, 1912,
não se tratava de sociedade, mas sim de sócios contendores. p. 498.

FGV DIREITO RIO 142


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O caso que mais teve repercussão mundial foi o ocorrido na Inglaterra


(Salomon v. Salomon & Co.) que, ao contrário do indigitado, não foi
o pioneiro, datando, portanto, de 1897. De toda sorte, tal julgado
delineou o instituto da desconsideração. Aaron Salomon com mais 6
membros de sua família criou uma company, em que cada sócio era
detentor de uma ação, reservando 20.000 ações a si, integralizando-as
com o seu estabelecimento empresarial, sendo certo que Aaron Salomon
já praticava atividade empresarial sob forma de empresário individual.
Equivalente ao Senado no Brasil.
208

Os credores oriundos de negócios realizados pelo empresário Aaron VERRUCOLI, Piero. in Il Superamento
209

Salomon viram a garantia patrimonial restar abalada em decorrência do della personalità giuridica delle societá
di capitali nella “common law” e nella
esvaziamento de seu patrimônio em prol da company. Com esse quadro, “civil law”, Milano, Giuffré, 1964, ps.
90-2 e p. 103.
o juízo de primeiro grau declarou a fraude com o alcance dos bens do 210
in Abuso de direito e fraude através
sócio Aaron Salomon. Ressalte-se, entretanto, que a House of Lords 208, da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais 410/12.
reconhecendo a diferenciação patrimonial entre a companhia e os sócios, 211
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar
não identificando nenhum vício na sua constituição, reformou a decisão a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do
exarada. Como aponta Piero Verrucoli209, a teoria da desconsideração consumidor, houver abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato
teve sua difusão contida em virtude do efeito vinculante das decisões da ou ato ilícito ou violação dos estatutos
Casa dos Lordes. ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando
houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da
Em razão do berço da teoria (EUA e Inglaterra) alguns termos em pessoa jurídica provocados por má
administração.
língua estrangeira são de comum utilização: disregard of legal entity; § 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos
piercing the corporate veil e lifting the corporate veil. grupos societários e as sociedades
controladas são subsidiariamente
responsáveis pelas obrigações
O desenvolvimento da teoria ganhou força no direito norte- decorrentes deste Código.
§ 3° As sociedades consorciadas são
americano, chegando ao direito brasileiro pela fala de Rubens Requião210, solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.
em palestra proferida na Universidade Federal do Paraná, baseando o § 4° As sociedades coligadas só
responderão por culpa.
raciocínio na fraude e no abuso de direito. § 5° Também poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for,
O direito positivo reconheceu a disregard doctrine na regra inserta no de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados
artigo 28 211 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa e Proteção das Relações aos consumidores.

de Consumo); no artigo 18212 da Lei 8.884/94 (Lei Antitruste), hoje 212


Art. 18. A personalidade jurídica do
responsável por infração da ordem
revogado pelo art. 34 da Lei 12.529/11, mantida a mesma redação; econômica poderá ser desconsiderada
quando houver da parte deste abuso
no artigo 4°213 da Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) e, mais de direito, excesso de poder, infração
da lei, fato ou ato ilícito ou violação
recentemente, no artigo 50 do Código Civil. dos estatutos ou contrato social.
A desconsideração também será
efetivada quando houver falência,
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como estado de insolvência, encerramento
ou inatividade da pessoa jurídica
pressuposto a consideração da personalidade jurídica, com as respectivas provocados por má administração

consequências advindas da separação do sócio e sociedade, v.g., 213


Art. 4º Poderá ser desconsiderada
a pessoa jurídica sempre que sua
diferenciação de nome, nacionalidade, domicílio e, principalmente, personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à
patrimônio. qualidade do meio ambiente.

FGV DIREITO RIO 143


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Os dispositivos do Código Comercial (1850) referentes às sociedades 214


Art. 311 - Quando duas ou mais
pessoas, sendo ao menos uma comer-
davam margem à dúvida sobre a consideração da personalidade jurídica, ao ciante, se associam para fim comercial,
asseverar que dentre os sócios, ao menos um deveria ser comerciante, nos obrigando-se uns como sócios solida-
riamente responsáveis, e sendo outros
termos dos artigos 311214; 315215 e 317216. Em 1916, o Código Civil dirimiu simples prestadores de capitais, com a
condição de não serem obrigados além
qualquer controvérsia ao indicar o nascimento da personalidade jurídica217, dos fundos que forem declarados no
contrato, esta associação tem a nature-
bem como ao asseverar que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos za de sociedade em comandita.
seus membros218. O mesmo caminho foi percorrido pelo Código Civil de Se houver mais de um sócio solidaria-
mente responsável, ou sejam muitos
2002, nos artigos 45219 e 985220. os encarregados da gerência ou um
só, a sociedade será ao mesmo tempo
em nome coletivo para estes, e em
As sociedades em comum terão como consequência restrições, sendo comandita para os sócios prestadores
de capitais.
a mais grave a ausência de limitação da responsabilidade dos sócios221, 215
Art. 315 - Existe sociedade em nome
como acentua José Edwaldo Tavares Borba222, exemplificando: “Constitui, coletivo ou com firma, quando duas
ou mais pessoas, ainda que algumas
portanto, um grande risco participar de sociedade irregular, pois qualquer não sejam comerciantes, se unem para
comerciar em comum, debaixo de uma
que seja a sua espécie, ainda que a da sociedade limitada, a responsabilidade firma social.
dos sócios será ilimitada”. Não podem fazer parte da firma social
nomes de pessoas que não sejam sócios
comerciantes.

Nesse sentido, não terá cabimento a utilização do mecanismo da 216


Art. 317 - Diz-se sociedade de capital
e indústria aquela que se contrai entre
desconsideração da personalidade jurídica para as sociedades em comum, pessoas, que entram por uma parte
com os fundos necessários para uma
isto porque a irregularidade já tem por efeito o alcance indiscriminado negociação comercial em geral, ou
dos sócios.223 para alguma operação mercantil em
particular, e por outra parte com a sua
indústria somente.
O sócio de indústria não pode, salvo
No Direito Brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica passou convenção em contrário, empregar-se
em operação alguma comercial estra-
a ser destaque em livros de renomados autores: nha à sociedade; pena de ser privado
dos lucros daquela, e excluído desta.

Para Sérgio Campinho, a “doutrina da desconsideração da personalidade Art. 18. Começa a existência legal
217

das pessoas jurídicas de direito privado


jurídica” nasceu para coibir a manipulação da pessoa jurídica, por sócios com a inscrição dos seus contratos, atos
constitutivos, estatutos ou compromis-
e administradores inescrupulosos, com vistas à consumação de fraudes ou sos no seu registro peculiar, regulado
por lei especial, ou com a autorização
abusos de direito, cometidos por meio da personalidade jurídica da sociedade ou aprovação do Governo, quando
que lhes serve de anteparo224. precisa.
Art. 20. As pessoas jurídicas tem
218

existência distinta da dos seus mem-


Primeiro jurista a tratar da matéria no Brasil, Rubens Requião ensina que bros.

o propósito da teoria em questão é o “de demonstrar que a personalidade Art. 45. Começa a existência legal
219

das pessoas jurídicas de direito privado


jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando
teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito”225. necessário, de autorização ou aprova-
ção do Poder Executivo, averbando-se
no registro todas as alterações por que
Gladston Mamede explica que a teoria da desconsideração da passar o ato constitutivo.

personalidade jurídica foi desenvolvida pela doutrina e mais tarde acolhida 220
Art. 985. A sociedade adquire per-
sonalidade jurídica com a inscrição, no
pelo legislador para permitir que “os efeitos de obrigações da pessoa registro próprio e na forma da lei, dos
seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
jurídica sejam estendidos àqueles que, de fato ou de direito, sejam seus
Art. 990. Todos os sócios respondem
221
sócios, administradores ou sociedades coligadas” e tenham se utilizado solidária e ilimitadamente pelas obri-
da personalidade jurídica para a prática de atos ilícitos ou fraudatórios, gações sociais, excluído do benefício de
ordem, previsto no art. 1.024, aquele
lesando terceiros em benefício próprio.226 que contratou pela sociedade.

FGV DIREITO RIO 144


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A legislação tributária e a trabalhista permitem a responsabilização pessoal in Direito Societário. 9ª ed. Rio de
222

Janeiro: Renovar, 2004, p. 67.


dos sócios quando a sociedade for utilizada, pelo sócio, para fraudar o fisco 223
Nesse sentido, foi aprovado na III
e o empregado. Neste caso, os bens particulares dos sócios podem vir a ser JORNADA DE DIREITO CIVIL o Enunciado
229: “A responsabilidade ilimitada dos
penhorados a fim de assegurar o pagamento da execução. sócios, pelas deliberações infringentes
da lei ou do contrato, torna desneces-
sária a aplicação da desconsideração
Na esfera trabalhista é onde se dá, de forma mais corriqueira, o afastamento da personalidade jurídica, por não
constituir a autonomia patrimonial da
do efeito da separação patrimonial e autonomia da pessoa jurídica, sendo pessoa jurídica escudo para a responsa-
bilização pessoal e direta”.
alvo de duras críticas. No meio trabalhista, basta que a pessoa jurídica não A responsabilidade ilimitada dos só-
cios, pelas deliberações infringentes da
tenha bens suficientes para satisfação da obrigação trabalhista para que os lei ou do contrato, torna desnecessária
a aplicação da desconsideração da per-
bens de sócios fiquem expostos à constrição judicial. Desconsidera-se a sonalidade jurídica, por não constituir a
limitação da responsabilidade e não se observa qualquer requisito para tanto, autonomia patrimonial da pessoa jurí-
dica escudo para a responsabilização
como a prova do abuso ou fraude do administrador ou do sócio, confusão pessoal e direta.

patrimonial, desvio de finalidade etc. in Curso de Direito Comercial: direito


224

de empresa. 15ª edição. Saraiva Educa-


ção/2018. pg.75.

O art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT determina que in Curso de Direito Comercial vol I.
225

25ª edição. Saraiva. São Paulo/2003.


na execução da sentença trabalhista serão aplicadas as regras que presidem o pg. 378.
executivo fiscal227. Assim, o dispositivo do art. 135, III do Código Tributário In Direito Societário: Sociedades Sim-
226

ples e Empresárias. 11ª edição. Atlas.


Nacional228 deve ser observado nos processos trabalhistas, limitando-se a São Paulo/2019.
execução direta sobre os bens do dirigente ou administrador da sociedade, Art. 889 - Aos trâmites e incidentes
227

do processo da execução são aplicáveis,


no caso de prova de abuso de poder ou ofensa à lei, ao contrato social naquilo em que não contravierem ao
ou estatutos, por parte do administrador, diretor, gerente, evitando-se a presente Título, os preceitos que regem
o processo dos executivos fiscais para
exposição do sócio, especialmente o minoritário ou administrador, inocente. a cobrança judicial da dívida ativa da
Fazenda Pública Federal.
228
Art. 134. Nos casos de impossibili-
Na prática, é diferente. dade de exigência do cumprimento da
obrigação principal pelo contribuinte,
respondem solidariamente com este
nos atos em que intervierem ou pelas
Trecho de artigo veiculado no Valor Econômico de 06/05/2004 omissões de que forem responsáveis:
intitulado: Executivos são novo alvo de ações contra empresas na Justiça, I - os pais, pelos tributos devidos por
seus filhos menores;
traz como exemplo pessoa “que teve uma pequena participação societária em II - os tutores e curadores, pelos tri-
butos devidos por seus tutelados ou
uma empresa até 1993, na qual não tinha qualquer poder de decisão ou papel curatelados;
III - os administradores de bens de ter-
administrativo. Em 2003, dez anos depois de romper a sociedade, ele foi ceiros, pelos tributos devidos por estes;
surpreendido com o bloqueio de suas contas bancárias por ordem da Justiça IV - o inventariante, pelos tributos devi-
dos pelo espólio;
do Trabalho. A empresa foi condenada em uma ação trabalhista e todos V - o síndico e o comissário, pelos tri-
butos devidos pela massa falida ou pelo
aqueles que fizeram parte da sociedade foram executados”. concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais ser-
ventuários de ofício, pelos tributos de-
vidos sobre os atos praticados por eles,
Trazemos como outro exemplo, uma decisão da Segunda Câmara do ou perante eles, em razão do seu ofício;
Tribunal Regional do Trabalho – TRT de Campinas que trouxe à tona VII - os sócios, no caso de liquidação de
sociedade de pessoas.
a polêmica questão sobre a desconsideração da personalidade jurídica Parágrafo único. O disposto neste arti-
go só se aplica, em matéria de penali-
no direito do trabalho. Na ação mencionada, a Vara do Trabalho de dades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis
Campo Limpo Paulista/SP229, determinou a execução de uma ex-sócia da pelos créditos correspondentes a obriga-
sociedade Fionda Indústria e Comércio, em razão do não pagamento de ções tributárias resultantes de atos pra-
ticados com excesso de poderes ou infra-
uma dívida trabalhista. ção de lei, contrato social ou estatutos:

FGV DIREITO RIO 145


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A ex-sócia recorreu ao TRT e, no exame do recurso, o relator constatou


que a sociedade executada foi desativada, não podendo efetuar a quitação,
e, que o vínculo empregatício ocorreu na época em que a agravante ainda
era sócia, sendo ela parte legítima para quitar a dívida. A Segunda Turma
decidiu que se a empresa e os atuais sócios não têm bens para pagar a dívida,
os sócios que se retiraram da sociedade devem quitá-la com bens pessoais.

A Lei 11.101/05 mantém o sistema legal da limitação da responsabilidade,


estabelecendo em seu art. 82230, que a responsabilidade pessoal dos sócios
de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da
sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio
juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova de sua
insuficiência para cobrir o passivo.

TEORIAS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA -


TEORIA MENOR.

A teoria menor da desconsideração dispensa raciocínio mais acurado


para a incidência do instituto, bastando que a diferenciação patrimonial da
sociedade e do sócio se afigure como obstáculo à satisfação de credores. Todas
as vezes que a pessoa jurídica não tiver bens suficientes em seu patrimônio
para a satisfação do crédito ou até mesmo em razão de sua iliquidez, os sócios
seriam responsabilizados. Em alguns julgados verifica-se até mesmo o alcance I - as pessoas referidas no artigo anterior;
de outra pessoa jurídica não-sócia, só pelo fato de ser detentora da mesma II - os mandatários, prepostos e em-
pregados;
marca; v.g., a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, III - os diretores, gerentes ou representan-
tes de pessoas jurídicas de direito privado.
que o defeito de uma filmadora da marca Panasonic adquirida no exterior
AGRAVO DE PETIÇÃO Nº: 00806-
229
deveria ser suportado pela sociedade nacional somente pelo fato de deter o 2002-105-15-00-6
direito ao uso da marca, como se afere da ementa do acórdão a seguir: Art. 82. A responsabilidade pessoal
230

dos sócios de responsabilidade limita-


da, dos controladores e dos administra-
“DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA dores da sociedade falida, estabelecida
nas respectivas leis, será apurada no
ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA próprio juízo da falência, independen-
temente da realização do ativo e da
MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA prova da sua insuficiência para cobrir
EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA o passivo, observado o procedimento
ordinário previsto no Código de Pro-
(“PANASONIC”). ECONOMIA GLOBALIZADA. cesso Civil.
§ 1o Prescreverá em 2 (dois) anos,
PROPAGANDA.PROTEÇÃOAOCONSUMIDOR. contados do trânsito em julgado da
sentença de encerramento da falência,
PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES a ação de responsabilização prevista no
A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. caput deste artigo.
§ 2o O juiz poderá, de ofício ou me-
NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL diante requerimento das partes inte-
ressadas, ordenar a indisponibilidade
REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE de bens particulares dos réus, em
FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E quantidade compatível com o dano
provocado, até o julgamento da ação
PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. de responsabilização.

FGV DIREITO RIO 146


TEORIA GERAL DA EMPRESA

I - Se a economia globalizada não mais tem


fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre
concorrência, imprescindível que as leis de proteção
ao consumidor ganhem maior expressão em sua
exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as
relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o
fator risco, inerente à competitividade do comércio e
dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala
internacional, em que presentes empresas poderosas,
multinacionais, com filiais em vários países, sem falar
nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico
da informática e no forte mercado consumidor que
representa o nosso País.
II - O mercado consumidor, não há como negar,
vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por
intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição
de produtos, notadamente os sofisticados de
procedência estrangeira, levando em linha de conta
diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a
respeitabilidade da marca.
III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas
mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder
também pelas deficiências dos produtos que anunciam
e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao
consumidor as conseqüências negativas dos negócios
envolvendo objetos defeituosos.
IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos,
ponderar as situações existentes.
V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro
na lei ou nos autos.
(REsp 63.981/SP231, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, Rel. p/ Acórdão
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA,
QUARTA TURMA, julgado em 11.04.2000, DJ
20.11.2000 p. 296).” – grifamos.

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL


E CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE
CONSUMO. EFEITO DEVOLUTIVO DA
APELAÇÃO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO 231
AR 2931/06 julgada, por maioria,
PROCESSO SEM EXAME DE MÉRITO. improcedente (DJU 01.02.06). EInf na
AR 002931 admitido em 31.03.06 –
ART. 515, § 3º, DO CPC/73. APELAÇÃO. aguardando julgamento.

FGV DIREITO RIO 147


TEORIA GERAL DA EMPRESA

CAUSA MADURA. REQUISITOS. PRESENÇA.


REEXAME DE FATOS E PROVAS.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. CONTRADITÓRIO DIFERIDO.
CPC/73. INCIDÊNCIA DO CDC.
FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO.
SÚMULA 283/STF. COOPERATIVA
HABITACIONAL. SÚMULA 602/STJ.
TEORIA MENOR. ART. 28, § 5º, DO CDC.
OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DOS
PREJUÍZOS. SUFICIÊNCIA. 1. Cuida-se de
ação coletiva de consumo, na qual foi decretada
a desconsideração da personalidade jurídica da
cooperativa recorrente para que o patrimônio de
seus dirigentes também responda pelas reparações
dos prejuízos sofridos pelos consumidores na
demora na construção de empreendimentos
imobiliários, nos quais a recorrente teria atuado
como sociedade empresária de incorporação
imobiliária e, portanto, como fornecedora de
produtos. (...) 10. O Código de Defesa do
Consumidor é aplicável aos empreendimentos
habitacionais promovidos pelas sociedades
cooperativas. Súmula 602/STJ 11. De acordo com
a Teoria Menor, a incidência da desconsideração se
justifica: a) pela comprovação da insolvência da pessoa
jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada
à má administração da empresa (art. 28, caput, do
CDC); ou b) pelo mero fato de a personalidade
jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados aos consumidores, nos termos
do § 5º do art. 28 do CDC. 12. Na hipótese em
exame, segundo afirmado pelo acórdão recorrido,
a existência da personalidade jurídica está impedindo
o ressarcimento dos danos causados aos consumidores,
o que é suficiente para a desconsideração da
personalidade jurídica da recorrente, por aplicação
da teoria menor, prevista no art. 28, § 5º, do CDC.
13. Recurso especial parcialmente conhecido e,
nesta parte, desprovido. (STJ REsp 1735004; Rel.
Min. Nancy Andrighi; 26/06/2018)

FGV DIREITO RIO 148


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A aplicação da disregard doctrine não pode se resumir a aspecto tão


superficial, sob pena de abalo da segurança jurídica necessária ao bom
convívio social. As formas de organização societária se apresentam sob
diversas espécies para que o empreendedor possa amoldá-las às suas
necessidades.

Como hipótese para reflexão, vejamos que não se pode conceber que um
acionista de uma grande companhia corra o risco de ver a desconsideração
decretada alcançando-o, violando toda a evolução impressa pela reforma
da lei das sociedades anônimas (Lei 10.303/2001), no sentido da captação
de recursos populares (poupança popular).

Da mesma forma, a insolvência ou falência, pura e simples, não pode


se afigurar como requisito para a desconsideração, apesar de registrada
no artigo 28232 da Lei 8.078/90, devendo estar atrelada ao fato da má
administração, senão a insegurança seria tão intensa que um fator
econômico externo, como a alta desenfreada do dólar, poderia levar à
“quebra” uma sociedade que sempre cumpriu com as suas obrigações,
sem que haja qualquer ingerência sobre a causa, surpreendendo os sócios
honestos que, via de consequência, restariam arredios à realização de
novos investimentos.

Com efeito, a estabilidade dos investidores (rectius: sócios) é de curial


importância para o fortalecimento da economia do país, como observa
Luiz Leonardo Cantidiano ao citar parecer do Deputado Antonio
Kandir233, oferecido à Comissão de Finanças e Tributação, quando da
tramitação do projeto de lei que culminou na Lei 10.303/2001: “Isto
posto, apresenta-se o ensejo para aprimorar as instituições do mercado
de capitais, cuja democratização conduzirá a um maior dinamismo do
capitalismo no país, vez que trata-se de um mercado através do qual o
empresário no Brasil poderá obter capitais a um preço mais acessível,
facilitando o processo de mobilização da poupança pública em atividade
produtiva. Com o incremento desse mercado, poderemos nutrir sólidas 232
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar
expectativas no desenvolvimento das empresas que atuam no pais, a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumi-
consolidando sua competitividade no cenário interno e externo, que se dor, houver abuso de direito, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato
traduzirá em uma maior oferta de empregos e melhor distribuição de ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração
rendas e riquezas.” também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encer-
ramento ou inatividade da pessoa jurí-
O princípio da autonomia patrimonial necessita ser relevado para que dica provocados por má administração.

se alcance os objetivos de crescimento de um país classificado como “em 233


CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Refor-
ma da Lei das S.A.. São Paulo: Renovar,
desenvolvimento”, nos moldes da nossa nação. 2002, p. 11.

FGV DIREITO RIO 149


TEORIA GERAL DA EMPRESA

TEORIAS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA -


TEORIA MAIOR.

A teoria maior se fundamenta em maior apuro e precisão do instituto da


desconsideração da personalidade jurídica, baseando-se em requisitos sólidos
identificadores da fraude - a utilização da couraça protetora para camuflar
atos eivados de fraude pelo sócio com a utilização da sociedade.

A regra é a consideração da personalidade jurídica, prevalecendo,


sobretudo, a diferenciação patrimonial da sociedade e seus sócios, tendo sede,
apenas excepcionalmente, o mecanismo pelo qual se ignora o véu societário,
diante de situações específicas, como acentua Rolf Serick, em monografia
precursora sobre o assunto:

(...) a jurisprudência há de enfrentar-se continuamente


com os casos extremos em que resulta necessário averiguar
quando pode prescindir-se da estrutura formal da pessoa
jurídica para que a decisão penetre até o seu próprio
substrato e afete especialmente a seus membros.234

Rubens Requião trilhou o mesmo raciocínio ao delinear o instituto:

Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da


personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito
de indagar, em seu livre convencimento, se há de
consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva
desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando
em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro
dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.235

Com efeito, a insuficiência patrimonial, a falência, insolvência ou


inadimplência não se apresentam como causas para a desconsideração, como
ressaltado no seguinte aresto:

Agravo de instrumento. Contrato firmado com pessoa


jurídica. Sociedade por cotas de responsabilidade
limitada - para reforma de imóvel, firmado, apenas,
pelo representante legal da construtora. Inexistindo, 234
SERICK, Rolf. Apariencia y realidad
en las sociedades mercantiles, trad.
qualquer situação, dentre as previstas no art. 28 do Jose Puig Brutau, Barcelona, Ariel, 1958

Código de Defesa do Consumidor, não há razão legal 235


Abuso de direito e fraude através
da personalidade jurídica. São Paulo:
para a “desconsideração da personalidade jurídica” da Revista dos Tribunais 410/12. pg 278.
sociedade ré, a autorizar o chamamento dos sócios, 236
Agravo de Instrumento n° 3663/97.
cuja responsabilidade - até para fins tributários - está, 2ª Câmara Cível do TJ/RJ. Rel. Des.
Maria Stella Rodrigues, decisão em
em princípio, limitada à cota social subscrita.236 14/10/97, por unanimidade.

FGV DIREITO RIO 150


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica,


como asseverado, se deu com a Lei 8.078/90, cuja redação foi copiada
pela Lei 8.884/94, possibilitando equívocos, pois há alusão expressa à
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica, provocada por má administração, dando azo à interpretação
literal da incidência. Todavia, os idealizadores das normas que tutelam
as relações de consumo, em obra coletiva, explicitam a adoção da regra:

De todo o exposto, o que se verifica é a tendência


cada vez mais frequente, em nosso Direito, de
desfazer o mito da intangibilidade dessa ficção
conhecida como pessoa jurídica – exacerbada,
ultimamente pela personificação das sociedades
unipessoais – sempre que for usada para acobertar
a fraude à lei ou o abuso das formas jurídicas.237

Assim, necessária se faz a análise do caso específico com fulcro na


existência de má administração, ressaltando que inaptidão para o negócio
ou eventual insucesso não a caracterizam, necessitando o intuito deliberado
de mal administrar, acabando por recair no abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social, consoante disposto na primeira parte do dispositivo.238 237
GRINOVER, Ada e outros. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor
comentado pelos autores do
A regra inserta no §5° do art. 28 da Lei 8.078/90239 merece anteprojeto. 7ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, p. 210.
comentário, sob pena de cair por terra todo o raciocínio desenvolvido 238
Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar
sobre a teoria maior, à medida que parece concretizar a teoria menor da a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do
desconsideração da personalidade jurídica. Zelmo Denari aduz que a consumidor, houver abuso de direito,
eficácia do texto legal foi comprometida em razão do veto presidencial ao excesso de poder, infração da lei, fato
ou ato ilícito ou violação dos estatutos
§1° do indigitado artigo240: “Dando fecho aos comentários desta seção, ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando
resta comentar que o reconhecimento da valia e eficácia normativa do houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da
§5° do art. 28 está condicionado à interpretação que se der às razões de pessoa jurídica provocados por má
administração.
veto opostas pelo presidente da República ao seu §1°. Remetendo-nos 239
Art. 28, § 5º - Também poderá
aos argumentos de fundo aduzidos no subtítulo “Legitimidade Passiva” ser desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for,
(cf. item 4 retro), e admitindo que houve um “equívoco remissivo de alguma forma, obstáculo ao
de redação”, pois as razões de veto foram direcionadas ao §5° do art. ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores.
28, não se pode deixar de reconhecer o comprometimento da eficácia 240
§1° - A pedido da parte interessada,
deste parágrafo, no plano das relações de consumo”. Mesmo que não se o juiz determinará que a efetivação da
responsabilidade da pessoa jurídica
prevaleçam tais argumentos, outro enfoque afigura-se conclusivo, ao se recaia sobre o acionista controlador, o
sócio majoritário, os sócios-gerentes,
encarar a regra de que o parágrafo está ligado ao caput, o qual não pode os administradores societários e, no
caso de grupo societário, as sociedades
ser modificado pelo apêndice. que o integram.

FGV DIREITO RIO 151


TEORIA GERAL DA EMPRESA

O Código Civil adota a teoria da desconsideração da personalidade


jurídica em seu artigo 50241, cuja proposição original foi inspirada por
Rubens Requião242. Conforme o mencionado dispositivo, a extensão da
responsabilidade patrimonial através da desconsideração da personalidade
jurídica pode atingir somente “os bens particulares de administradores ou de
sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Para
que haja a desconsideração, deve haver abuso da personalidade jurídica, sendo 241
Art. 50.   Em caso de abuso da
este ato verificável em casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz,
a requerimento da parte, ou do
Estes requisitos (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) estarão Ministério Público quando lhe couber
configurados quando verificadas as hipóteses previstas no artigo. Assim, de intervir no processo, desconsiderá-
la para que os efeitos de certas e
acordo com o §1º do artigo 50 do Código Civil, estará configurado o desvio determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares
de finalidade quando houver a “utilização dolosa da pessoa jurídica com o de administradores ou de sócios da
pessoa jurídica beneficiados direta ou
propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”. indiretamente pelo abuso.  (Redação
Além disso, o §5º do mesmo dispositivo ressalta que a mera expansão ou a dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º   Para os fins do disposto neste
alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa artigo, desvio de finalidade é a
utilização da pessoa jurídica com o
jurídica não constitui desvio de finalidade. A confusão patrimonial, por sua propósito de lesar credores e para a
vez, conforme o §2º do artigo 50, é a ausência de separação de fato entre prática de atos ilícitos de qualquer
natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874,
os patrimônios da pessoa jurídica e dos sócios, sendo caracterizada por: de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão
(i) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do patrimonial a ausência de separação
de fato entre os patrimônios,
administrador ou vice-versa; (ii) transferência de ativos ou de passivos sem caracterizada por: (Incluído pela Lei nº
efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; 13.874, de 2019)
I - cumprimento repetitivo pela
e (iii) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. sociedade de obrigações do sócio ou do
administrador ou vice-versa;  (Incluído
pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - transferência de ativos ou de
passivos sem efetivas contraprestações,
EFEITOS. exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e  (Incluído pela Lei nº
13.874, de 2019)
III - outros atos de descumprimento da
A aplicação da disregard doctrine terá por consequência o alcance daquele autonomia patrimonial.  (Incluído pela
que se utilizou indevidamente da diferenciação patrimonial – o sócio, seja Lei nº 13.874, de 2019)
§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º
pessoa natural ou jurídica. O descortinamento se dará para o caso concreto e 2º deste artigo também se aplica
à extensão das obrigações de sócios
e de forma momentânea, isto é, retira-se o véu, alcança-se o patrimônio ou de administradores à pessoa
jurídica.  (Incluído pela Lei nº 13.874,
daquele que perpetrou o ato e, novamente, retorna-se o véu à origem para de 2019)
cumprir com seu objetivo de incentivo aos investimentos. Não se pode § 4º   A mera existência de grupo
econômico sem a presença dos
asseverar que determinada sociedade teve a sua desconsideração chancelada requisitos de que trata o  caput  deste
artigo não autoriza a desconsideração
em processo judicial, com decisão transita em julgado, estando, portanto, os da personalidade da pessoa
sócios ao alvedrio de todas as responsabilidades rubricadas, a partir de então, jurídica.  (Incluído pela Lei nº 13.874,
de 2019)
no passivo societário. Em suma, repise-se, a desconsideração é momentânea § 5º  Não constitui desvio de finalidade
a mera expansão ou a alteração
e para o caso concreto. da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa
jurídica.  (Incluído pela Lei nº 13.874,
Não há que se falar em despersonalização, mas sim desconsideração. A de 2019)

despersonalização acarreta o fim da personalidade, o que somente adviria 242


REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. 22ª ed., 1° vol. São Paulo:
com a extinção da sociedade. Saraiva, 1995, p. 279

FGV DIREITO RIO 152


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Rubens Requião indica que: “pretende a doutrina penetrar no âmago


da sociedade, superando ou desconsiderando a personalidade jurídica, para
atingir e vincular a responsabilidade do sócio”, arrematando, adiante: “não se
trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas
de torná-la ineficaz para determinados atos.”243

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - FORMAS DE EFETIVAÇÃO.

As formas de efetivação do instituto da desconsideração da personalidade


jurídica têm sido definidas pela doutrina e jurisprudência, quando inúmeras
questões foram chanceladas pelo crivo jurisdicional.

DESCONSIDERAÇÃO DIRETA. 243


REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito
Comercial. 22ª ed., 1° vol. São Paulo:
Saraiva, 1995, p. 277.
Nas hipóteses em que a fraude for de plano aferida haverá a intenção 244
RESP 150809 / SP. 6ª Turma do STJ.
preliminar de se pugnar pela desconsideração para alcance daquele que Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO.
Decisão em 02/06/1998, por unanimi-
efetivamente praticou o ato lesivo. Situações existem que a utilização do dade.
anteparo protetor é flagrante como, v.g., aluguel de um imóvel em nome da Art. 966 do Código Civil
245

sociedade para ser utilizado como residência de um dos sócios; enfrentado no FILHO, Alfredo Lamy e PEDREIRA,
246

seguinte acórdão: “Responsabilidade. Civil. Locação. Aluguel. Pagamento. José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.. Rio
de Janeiro: Renovar, 1997, p. 255. Ex-
No contrato de locação, o pagamento e a obrigação principal do inquilino, pressão utilizada para designar aqueles
se a avenca foi realizada por pessoa jurídica, fraudulentamente, os bens dos sócios que existem apenas para se al-
cançar a pluralidade, uma vez que o or-
sócios respondem pelo pagamento.”244. denamento jurídico não admite, como
regra, a unipessoalidade societária.
247
Apelação Cível n° 2001.001.27044.
Muito comum também o empresário individual245 se travestir sob a 2ª Câmara Cível do TJ/RJ. Rel. Des. Elisa-
forma de sociedade, apresentando-se no quadro societário com 98% das bete Filizzola. Julgado em 29/05/2002

cotas, sendo os outros 2% de propriedade de um homem de palha246, como 248


Nesse sentido, dispõem as normas
sobre o assunto:
assentou o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Com a teoria Art. 53, III, “e” do Decreto 1.800/96
(regulamenta a Lei 8.934/94 – Registro
da desconsideração da personalidade jurídica visa-se a coibir o uso irregular Público de Empresas Mercantis e Ativi-
da forma societária, geradora da personalidade jurídica, para fins contrários dades Afins).
Art. 53 – Não podem ser arquivados:
ao direito”. A pessoa da sociedade não se confunde com a do sócio, e isso é III – os atos consitutivos e os de trans-
formação de sociedades mercantis,
um princípio jurídico básico, porém, não é uma verdade absoluta, e merece se deles não constarem os seguintes
ser desconsiderada quando a “sociedade” é apenas um “alter ego” de seu requisitos, além de outros exigidos
em lei:
controlador, em verdade comerciante individual”247. e) o nome empresarial, o município da
sede, com endereço completo, e o foro,
bem como os endereços completos da
Como ato corriqueiro também merece registro o abandono do filiais declaradas;
Art. 46, I e Art. 968, IV ambos do Código
estabelecimento. Não se pode, a todo evidente, “quando os negócios Civil.
não estão indo bem, fechar as portas e mudar de ramo”, deixando os Art. 46 - O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o
credores desguarnecidos. A fraude se torna clara quando simplesmente tempo de duração e o fundo social,
quando houver;
são cerradas as portas, deixando credores ao alvedrio da sorte, por ser de Art. 968. A inscrição do empresário
responsabilidade do comerciante (individual ou coletivo, rectius: sociedade) far-se-á mediante requerimento que
contenha:
indicar no registro competente o local em que pode ser encontrado248. IV - o objeto e a sede da empresa.

FGV DIREITO RIO 153


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Tal prática tem recebido severa resposta jurisdicional: “Recusa, por evidente
ocultação, do recebimento do ato citatório para início da execução. A jurisprudência
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro registra alguns acórdãos em que se
tomou em conta a moderna teoria do Superamento da Personalidade Jurídica,
também conhecida como “teoria da penetração”, hoje largamente divulgada nos
Estados Unidos (disregard of legal entity), para reconhecer a responsabilidade dos
sócios de sociedade por quotas de responsabilidade limitada pelas obrigações
sociais decorrentes de ato ilícito ou fraudulento. Desconsideração da pessoa
jurídica; citação na pessoa dos sócios da sociedade limitada.”249.

O abandono do estabelecimento também é destinatário de tratamento


legal repressivo no sistema falimentar, considerado como ato que dá ensejo a
decretação de falência, bem como à propositura de ação revocatória.250

Ademais, mesmo assente a possibilidade em se alcançar diretamente o


patrimônio do sócio, deixando de lado a couraça protetora, não se afigura
aconselhável a propositura de demanda apenas em face deste, sendo mais
eficaz a inclusão da sociedade no polo passivo, sob a forma de litisconsórcio
passivo (facultativo). Isto porque ambos ofertarão preliminar de ilegitimidade
passiva, a qual somente será apreciada quando da análise do mérito251, pois o
acolhimento de uma delas acarretará no pré-julgamento da outra. De forma
incisiva o E. Superior Tribunal de Justiça foi além ao dispor que a presença da
sociedade no polo passivo é imprescindível: “A despersonalização da pessoa
249
Agravo de Instrumento n° 442/96. 4ª
jurídica é efeito da ação contra ela proposta; o credor não pode, previamente, Câmara Cível do TJ/RJ. Rel. Des. Celso
despersonalizá-la, endereçando a ação contra os sócios”252. Guedes, decisão em 23/10/96, por una-
nimidade.
250
Nesse sentido dispõe a Lei
11.101/05:
Art. 94. Será decretada a falência do
DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA. devedor que:
f) ausenta-se sem deixar representante
habilitado e com recursos suficientes
As transformações econômicas mundiais, com destino à globalização e para pagar os credores, abandona es-
tabelecimento ou tenta ocultar-se de
ao rompimento das fronteiras, influenciam diretamente na estrutura do seu domicílio, do local de sua sede ou
mercado que se organiza, em grande maioria, sob a forma de sociedades. de seu principal estabelecimento;ta
ocultar-se de seu domicílio, do local de
A consequência é a reestruturação dos mecanismos de atuação empresarial. sua sede ou de seu principal estabele-
cimento;
Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, ao comentarem a Lei Art. 130. São revogáveis os atos prati-
6.404/76, já trataram desse quadro ressaltando que: cados com a intenção de prejudicar cre-
dores, provando-se o conluio fraudu-
lento entre o devedor e o terceiro que
com ele contratar e o efetivo prejuízo
(...) no seu processo de expansão, a grande empresa sofrido pela massa falida.
levou à criação de constelações de sociedades 251
Não se podendo dizer que a prelimi-
coligadas, controladoras e controladas, ou grupadas nar se confunde com o mérito, porque
senão não seria preliminar.
– o que reclama normas específicas que redefinam, 252
REsp. 282266/RJ; 3ª Turma do STJ.
no interior desses grupamentos, os direitos das Rel. Min. ARI PARGENDLER. Decisão em
18/04/2002, por unanimidade.
minorias, as responsabilidades dos administradores e 253
in A Lei das S.A.. Rio de Janeiro: Re-
as garantias dos credores.253 novar, 1997, p. 253.

FGV DIREITO RIO 154


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A desconsideração da personalidade jurídica para alcançar quem está por


trás dela não se afigura suficiente, pois haverá outra ou outras integrantes
das constelações societárias que também têm por objetivo encobrir
algum fraudador. Marçal Justen Filho acentua o alcance do instituto: “É
a ignorância, para casos concretos e sem retirar validade de ato jurídico
específico, dos efeitos da personificação jurídica validamente reconhecida
a uma ou mais sociedades, a fim evitar um resultado incompatível com a
função da pessoa jurídica”254.

A jurisprudência tem adotado tal posicionamento: “Hipótese em que


o acórdão embargado admitiu a aplicação da doutrina do “disregard of
legal entity”, para impedir a fraude contra credores, considerando válida
penhora sobre bem pertencente a embargante, nos autos de execução
proposta contra a outra sociedade do mesmo grupo econômico.”255. No
mesmo sentido: “Sendo as empresas mera fachada de seu presidente
comum, é de ser aplicado à hipótese a teoria da “disregard”, agasalhada em
nosso ordenamento, pelo art. 28, da Lei 8078/90 (Código de Defesa do
Consumidor)”256.

A vontade da sociedade controlada, subsidiária integral, coligada,


integrante do grupo ou consórcio pode estar maculada pela do controlador
efetivo257, como demostra Daniela Storry Lins: “A nosso ver, tomando
em consideração a concepção em que se funda a desconsideração da
personalidade jurídica, esta se vincula à existência de controle societário, a
partir do momento em que a vontade da empresa muitas vezes identifica-se
com a vontade de seu controlador, que pode, assim, aplica-la abusivamente,
tornando-se imprescindível estabelecer in casu os exatos limites e efeitos da
254
FILHO, Marçal Justen.,
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica”258. Desconsideração da Personalidade
Societária no Direito Brasileiro.São
Paulo: RT, 1987 p. 57.
255
AERESP 86502/SP. 2ª Seção do STJ.
DESCONSIDERAÇÃO INCIDENTAL. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direi-
to, decisão em 14/05/1997, por unani-
midade

A fraude, pela sua estrutura, se apresenta eivada de mácula, portanto, 256


Apelação Cível n ° 3654/1999. 9ª
Câmara Cível do TJ/RJ, Rel. Des. Jorge
sendo de difícil percepção inicial. Assim, é provável que somente com a Magalhães, decisão em 27/04/1999,
por unanimidade.
propositura da demanda em face da sociedade, no desenrolar do curso 257
Não necessariamente o acionista
cognitivo processual, se tenha acesso ao concilium fraudis, momento em controlador, na acepção técnica, mas
aquele que, por alguma forma, delineia
que se pugnará pela desconsideração da personalidade para a retirada do os rumos.
escudo protetor, alcançando aquele que efetivamente é o autor do ato. 258
LINS, Daniela Storry. Aspectos Po-
lêmicos Atuais da Desconsideração da
Nesse contexto surge a discussão sobre a possibilidade de ser decretada a Personalidade Jurídica no Código de
desconsideração no mesmo processo (incidental) ou então se curial se faz a Defesa do Consumidor e na Lei Anti-
truste. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
deflagração de demanda autônoma para tanto. 2002, p. 69.

FGV DIREITO RIO 155


TEORIA GERAL DA EMPRESA

A jurisprudência tem chancelado o posicionamento de que a existência do


contraditório é indispensável, não obstando a possibilidade da materialização
incidental. O E. Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “A desconsideração
da pessoa jurídica é medida excepcional que só pode ser decretada após o
devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo
de forma implícita, passível de anulação”.259 Da mesma forma o E. Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: “Agravo de Instrumento. Medida
cautelar de arresto. Grupo societário. Inclusão do sócio no pólo passivo.
Impossibilidade. Na medida cautelar, seja preparatória, seja incidental,
não se pode admitir a inclusão do sócio do grupo societário supostamente
responsável pelas reparações pleiteadas, sem a prévia desconsideração da
personalidade jurídica desta, em processo de cognição plena. Hipótese de
arresto de percentagem de renda da sócia, em que se impõe o devido processo
legal, que não se confunde com a simples medida cautelar”.260

A preservação do contraditório não afasta a possibilidade da decretação


incidental da desconsideração; o que não é viável é o pedido de disregard,
tendo como consequência uma perfunctória decisão judicial determinando
a constrição de um bem do sócio. A oitiva daquele sobre qual recai a
imputação da fraude e posteriormente o seu alcance, sem olvidar do princípio
constitucional da fundamentação das decisões judiciais261, é de indispensável
relevo.

O Código Civil positiva a teoria em tela, em sua parte geral, na regra


inserta no art. 50, restando patente a possibilidade de sua implementação
incidental, ao indicar que o pedido pode ser formulado pela parte ou pelo
Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo – só há parte ou
atuação do Ministério Público como custos legis quando presente o processo. 259
AGRESP 422583/PR. 1ª Turma do STJ.
Relator: Min. JOSÉ DELGADO, decisão
em 20/06/2002, por unanimidade.
No sentido acima esposado, a 3ª Turma do E. Superior Tribunal de 260
Agravo de Instrumento n° 8173/98,
4ª Câmara Cível do TJ/RJ. Rel. Jair Pon-
Justiça precisou: tes de Almeida, decisão em 17/12/98,
por unanimidade.
261
Art. 93, IX da C.R.F.B. de 1988. –
A aplicação da teoria da desconsideração da “todos os julgamentos dos órgãos
personalidade jurídica dispensa a propositura de do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob
ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos pena de nulidade, podendo a lei, se
o interesse público o exigir, limitar a
de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou
próprio processo de execução (singular ou coletiva), somente a estes;”
levantar o véu da personalidade jurídica para que o 262
ROMS 14168 / SP; 3ª Turma do STJ.
Rel. Min. NANCY ANDRIGHI (1118),
ato de expropriação atinja os bens particulares de decisão em 30/04/2002, por unanimi-
seus sócios, de forma a impedir a concretização de dade. No mesmo sentido e com o mes-
mo teor: RESP 332763 / SP; RECURSO
fraude à lei ou contra terceiros.262 ESPECIAL 2001/0096894-8.

FGV DIREITO RIO 156


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Na mesma linha, no processo falimentar, quando do decreto de quebra


ou até mesmo em decisão futura pode ser implementada a desconsideração,
como acentuou a 3ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça: “Provada a
existência de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da
Pessoa Jurídica a fim de resguardar os interesses dos credores prejudicados”263.
Também assim assertou a 7ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro: “Falência. Sociedade por cotas. Decretação da
indisponibilidade dos bens de ex-sócios. Possibilidade aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade se no curso do processo
apurar-se se houve prática de atos violadores de administração, assegurando-se ao
ex-sócio o direito de ampla defesa”264.

DESCONSIDERAÇÃO “INVERSA”.

A utilização de mecanismos para se furtar à responsabilidade, em virtude


do avançado grau de degradação moral do ser humano, tem dado azo
à utilização da desconsideração da personalidade jurídica para a tutela de
interesses legítimos, invertendo o percurso da sua aplicação original. Em
vez do sócio utilizar-se da sociedade como escudo protetivo, passa a agir
ostensivamente, escondendo seus bens na sociedade, ou seja, o sócio não
mais se esconde, mas sim a sociedade é por ele ocultada.

A terminologia desconsideração “inversa” surge com a possibilidade


vislumbrada de se desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para
o alcance de bens da própria sociedade, contudo, em decorrência de atos
praticados por terceiros – sócios.

Segundo ensinamentos de Marlon Tomazzette, tem-se que:

A par da construção tradicional da desconsideração


da personalidade jurídica, com responsabilização
de sócios ou administradores por obrigações da
sociedade, vem se discutindo a possibilidade
de aplicação da desconsideração no sentido
inverso, isto é, ‘o afastamento do princípio da
autonomia patrimonial da pessoa jurídica para 263
RESP 211619/SP. 3ª Turma do STJ.
responsabilizar a sociedade por obrigação do Rel. Min. Eduardo Ribeiro. Relator p/
Acórdão Min. Waldemar Zveiter, deci-
sócio’. Em outras palavras, ‘a desconsideração são em 16/02/2001, por unanimidade.
inversa da personalidade jurídica caracteriza‐se 264
Agravo de instrumento n°
pelo afastamento da autonomia patrimonial da 2001.002.09655 do TJ/RJ. Rel. Des.
Carlos C. Lavigne de Lemos, decisão em
sociedade, para, contrariamente ao que ocorre na 30/04/2002.

FGV DIREITO RIO 157


TEORIA GERAL DA EMPRESA

desconsideração da personalidade propriamente


dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio
social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica
por obrigações do sócio controlador’. Com
efeito, é possível que o sócio use uma pessoa
jurídica, para esconder o seu patrimônio pessoal
dos credores, transferindo‐o por inteiro à pessoa
jurídica e evitando com isso o acesso dos credores
a seus bens. Em muitos desses casos, será possível
visualizar a fraude (teoria maior subjetiva) ou a
confusão patrimonial (teoria maior objetiva) e, em
razão disso, vem sendo admitida a desconsideração
inversa para responsabilizar a sociedade por
obrigações pessoais do sócio. O mesmo raciocínio
da desconsideração tradicional é usado aqui para
evitar o mau uso da pessoa jurídica. 265

Situação que tem cotidianamente sido concretizada é a do cônjuge que


pretende se separar do outro e se empenha no esvaziamento do patrimônio
do casal, transferindo os bens para uma sociedade; quando do advento do
desfecho do matrimônio a meação do cônjuge enganado será reduzida a
praticamente nada. Nesse desiderato restou decidido:

Separação Judicial. Reconvenção. Desconsideração


da personalidade jurídica. Meação. O abuso de
confiança na utilização do mandato, com desvio
dos bens do patrimônio do casal, representa
injúria grave do cônjuge, tornando-o culpado
pela separação. Inexistindo prova da exagerada
ingestão de bebida alcoólica, improcede a
pretensão reconvencional. É possível a aplicação
da desconsideração da personalidade jurídica,
usada como instrumento de fraude ou abuso à
meação do cônjuge promovente da ação, através
de ação declaratória, para que estes bens sejam
considerados comuns e comunicáveis entre os 265
TOMAZZETTE, Marlon. Curso de di-
cônjuges, sendo objeto de partilha. A exclusão da reito empresarial: teoria geral e direito
societário – volume 1 – 9. ed. – São
meação da mulher em relação às dívidas contraídas Paulo: Saraiva Educação, 2018.

unilateralmente pelo varão, só pode ser reconhecida 266


Apelação Cível n° 1999.001.14506.
TJ/RJ. 8ª Câmara Cível. Rel. Des. Letícia
em ação própria, com ciência dos credores.266 Sardas, julgado em 07/12/1999

FGV DIREITO RIO 158


TEORIA GERAL DA EMPRESA

Outro fato ordinário é o da pessoa natural “dividir seu patrimônio” de


forma bastante interessante: constitui-se uma sociedade para guarnecer o
ativo, ficando o passivo a cargo da própria pessoa (sócio). Os terceiros que
contratam com o sócio (pessoa natural) imaginam, pela teoria da aparência –
reside em endereço nobre, utiliza automóveis de luxo e nutre hábitos apurados,
como o de frequentar excelentes restaurante, degustando vinhos e charutos
de alta qualidade – ser pessoa merecedora de crédito; na verdade, todos os
bens aparentemente do sócio são de propriedade de outra pessoa (jurídica)
– sociedade. Nesse sentido terá sede a desconsideração para se declarar que o
arcabouço jurídico societário serve de escudo aos atos fraudulentos do sócio.

FGV DIREITO RIO 159


TEORIA GERAL DA EMPRESA

ESTUDO DE CASOS

CASO 1

Pedro e Mário eram os únicos sócios da sociedade XPTO Ltda. Em razão


da quebra da affectio societatis, Pedro ajuizou ação de dissolução parcial
da sociedade, cujo pedido foi foi julgado improcedente, admitindo-se a
continuação da sociedade com o sócio remanescente. Mário não consegue
“arrumar” outro sócio e a sociedade não se reconstitui dentro do prazo legal.
Um dos fornecedores da sociedade fica sem receber seu pagamento e ingressa
com ação em face de Mário, com fundamento na teoria da desconsideração
da personalidade jurídica. Pergunta-se:

1) A sociedade unipessoal é admitida no direito brasileiro?

2) Qual a responsabilidade de Mário durante o prazo de recomposição


do quadro societário?

3) O que Mário deveria ter feito findo o prazo legal?

4) A fundamentação alegada pelo credor para imputar responsabilidade


ao sócio remanescente foi correta? Justifique.

CASO 2

Rachel Montila, sócia controladora de Montila’s Asset Management Ltda,


adquire, em nome da sociedade, grande quantidade de produtos importados,
com notas subfaturadas, para pagamento parcelado em 20 meses, a saber:
bolsas, no valor de R$ 20.000,00; relógios, no valor de R$ 30.000,00 e
sapatos, no valor de R$ 10.000,00. Foram pagas apenas as duas primeiras
parcelas. Você, procurado pelo credor, qual será a linha de assessoria jurídica?
E se a falência de Montila’s Asset Management Ltda tivesse sido decretada?

CASO 3

A sociedade limitada Jihad’s Tapetes Ltda. sofre execução fiscal da Fazenda


Nacional, sendo certo que não tem ativos suficientes para honrar a dívida.
Assim, o fisco pretende ingressar no patrimônio pessoal do sócio Jihad, o
qual, imediatamente, procura sua advogada Dr. Camila Noronha, a qual
propõe uma reunião de sócios para o estudo do caso. Qual a solução?

FGV DIREITO RIO 160


TEORIA GERAL DA EMPRESA

CASO 4

“No caso dos autos o agravante pretende alcançar a desconsideração da


personalidade jurídica da agravada (...) alegando que foi infrutífera a sua
tentativa de realizar penhora de bem no CNPJ da pessoa jurídica executada
que, a despeito de encontrar-se no mercado maranhense há 20 anos, não
possui ativos financeiros em suas contas bancárias. Alega, em síntese, que o
fato de não haver ativos financeiros nas contas da pessoa jurídica demandada
caracteriza o abuso e o desvio de finalidade.” Como advogado da agravante,
quais seriam os argumentos cabíveis diante do STJ? Como advogado da
agravada, quais seriam os argumentos cabíveis diante do STJ?

CASO 5

Em processo de separação consensual de um casal, verifica-se que somente


há a partilhar quotas de uma sociedade limitada. Todavia, um dos cônjuges
aduz que algo está errado, pois moravam em um apartamento duplex com
vista para o mar, têm dois carros (uma BMW X5 e uma Range Rover, ambas
2018), além de uma casa em Angra dos Reis, de 2.000 metros quadrados, bem
como um helicóptero que realiza o transporte para Angra. Como proceder?

CASO 6

Padaria Bom Dia Ltda deixou de recolher o ICMS. Proposta execução


fiscal, o oficial de justiça retorna com o mandado de citação negativo indicando
que o local se encontra com aspecto de abandono e que diligenciando na
vizinhança obteve informação de que a padaria deixou o local há 3 anos. O
sócio é citado para pagar o débito fiscal e lhe procura.
Responda:

1) Como deve ser encaminhada a sua defesa, sendo certo que Padaria
Bom Dia Ltda?

2) Qual seria a consulta jurídica, caso a padaria lhe procurasse antes do


fechamento das portas?

FGV DIREITO RIO 161


TEORIA GERAL DA EMPRESA

JURISPRUDÊNCIA

CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. RESPONSABILIDADE DE EX-SÓCIO. OBRIGAÇÃO
EMPRESARIAL ASSUMIDA ANTES DE DECORRIDOS DOIS
ANOS DA RETIRADA DO QUADRO SOCIETÁRIO. REEXAME
DA PROVA. SÚMULA N° 7/STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. É
cabível a responsabilização de ex-sócio que se retirou da sociedade por
obrigações configuradas até dois anos depois de averbada a modificação
social, não sendo prazo limitativo do procedimento de desconsideração
da personalidade jurídica, que proporciona a inclusão do ex-sócio em
demanda executiva. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria
fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. Agravo interno a que se nega
provimento. (STJ AgInt no AREsp 1290976 SP AGRAVO INTERNO
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0109075-0; Rel. Min.
Maria Isabel Gallotti; 28/03/2019)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 1.042 DO NCPC)


– EXECUÇÃO DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO
AO RECLAMO PARA AFASTAR A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA. INSURGÊNCIA DO
EXEQUENTE. 1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica,
medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe
a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do desvio de finalidade
ou da demonstração de confusão patrimonial. 2. A mera inexistência
de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades
da empresa não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. 3.
Manutenção da decisão monocrática que, ante a ausência dos requisitos
previstos no art. 50 do CC/2002, afastou a desconsideração
da personalidade jurídica. 4. Agravo interno desprovido. (STJ AgInt no
AREsp 1018483 / SP. Rel. Min. MARCO BUZZI; 12/12/2017)

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INCIDENTE DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
AUSÊNCIA DE REQUISITOS. DECISÃO MANTIDA. 1. Para que seja
desconsiderada a personalidade jurídica de empresa devedora é necessário

FGV DIREITO RIO 162


TEORIA GERAL DA EMPRESA

provar o abuso de personalidade, seja pelo desvio de finalidade, seja pela


confusão patrimonial. 2. A mera possibilidade da não satisfação do crédito
e a ausência de bens penhoráveis são circunstâncias insuficientes a ensejar
a desconsideração da personalidade jurídica. 3. Agravo de Instrumento
conhecido, mas não provido. Unânime.
(TJ-DF Acórdão n.1164264, 07201401820188070000, Relator:
FÁTIMA RAFAEL 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 10/04/2019,
Publicado no DJE: 15/04/2019)

PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE


SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO. REQUISITOS PRESENTES.
DECISÃO MANTIDA. 1. O dinheiro está posicionado em primeiro na
ordem de preferência estabelecida no art. 835 do Código de Processo
Civil, de modo que o credor não pode ser compelido a aceitar a indicação
à penhora de imóvel pertencente a outra empresa do grupo econômico.
2. Na ausência de bens penhoráveis da executada, a constrição pode
recair sobre bens e valores pertencentes a outra empresa do mesmo grupo
econômico, aplicando-se a teoria da despersonalização da personalidade
jurídica, em razão da solidariedade dos seus integrantes. 3. Agravo de
Instrumento conhecido, mas não provido. Unânime.
(TJ-DF Acórdão n.1164271, 07186419620188070000, Relator:
FÁTIMA RAFAEL 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 10/04/2019,
Publicado no DJE: 15/04/2019)

DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS
EM CONFRONTO. SÚMULA 168/STJ. AGRAVO INTERNO
DESPROVIDO. I - Trata-se de agravo interno interposto contra decisão
monocrática de indeferimento liminar dos embargos de divergência,
diante da ausência de similitude fática entre o acórdão embargado e os
julgados paradigmas e incidência da súmula 168 do STJ. II – A ausência
de similitude fática impede o comparativo entre acórdão embargado e
paradigma de modo a obstar a configuração do dissídio jurisprudencial
supostamente alegado pela parte. III - A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que, “a irregularidade no
encerramento das atividades ou dissolução da sociedade não é causa
suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos
do artigo 50 do Código Civil, devendo ser demonstrada a ocorrência de

FGV DIREITO RIO 163


TEORIA GERAL DA EMPRESA

caso extremo, como a utilização da pessoa jurídica para fins fraudulentos


(desvio de finalidade institucional ou confusão patrimonial).”
Precedentes. IV Incidência, in casu, da súmula 168/STJ, que preconiza
não caber “embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal
se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”. Agravo Interno
desprovido. (STJ AgInt nos EAREsp 139597/RJ; Rel. Min. Felix Fischer;
26/03/2019)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


EMBARGOS À EXECUÇÃO.1. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIO MINORITÁRIO.
INDIFERENÇA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS.
REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 2. EX-SÓCIO.
INAPLICÁVEIS AS REGRAS DOS ARTS. 1.003 E 1.032 DO CC.
SÚMULA 83/STJ. 3. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da
jurisprudência desta Corte Superior, não há distinção entre os sócios da
sociedade empresária no que diz respeito à disregard doctrine, de forma
que todos eles serão alcançados. Assim, tendo o acórdão a quo
asseverado estarem preenchidos os requisitos para a desconsideração
da personalidade jurídica, torna-se inviável infirmar tais conclusões
sem que se esbarre no óbice da Súmula 7/STJ. 2. Não se aplicam
os arts. 1.003 e 1.032 do CC para os casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a qual tem como fundamento o abuso de
direito efetivado quando a parte ainda integrava o quadro societário
da pessoa jurídica alvo da execução. Acórdão recorrido em harmonia com
a jurisprudência desta Corte Superior, atraindo a incidência da Súmula
83/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (STJ AgInt no AREsp 1347243 /
SP; Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE; 18/03/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.


INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. TEORIA MAIOR. ART. 50 CC. MUDANÇA DE
ENDEREÇO SEM INFORMAÇÃO NOS CADASTROS SOCIAIS.
ENCERRAMENTO IRREGULAR. DESVIO DE FINALIDADE.
CONFUSÃO PATRIMONIAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
CARACTERIZADORES. Os requisitos necessários à desconsideração
da personalidade jurídica estão previstos no art. 50 do Código Civil, que
adota a teoria maior da desconsideração. O encerramento irregular e a
não localização de bens passíveis de penhora não caracterizam, por si
só, abuso da personalidade jurídica, devendo tal fato ser corroborado

FGV DIREITO RIO 164


TEORIA GERAL DA EMPRESA

por outras situações que demonstrem desvio de finalidade e/ou confusão


patrimonial, a autorizar a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
(TJ-DF Acórdão n.1164069, 07009495020198070000, Relator:
CARMELITA BRASIL 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 10/04/2019,
Publicado no DJE: 15/04/2019)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO.


ALTERAÇÃO NO CONTRATO SOCIAL. TRANSFERÊNCIA DE
BENS E COTAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. ENUNCIADO
N. 7 DA SÚMULA/STJ. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA
PESSOA JURÍDICA. APLICAÇÃO. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL.
RECURSO DESACOLHIDO.
I - O acórdão impugnado, examinando as circunstâncias dos autos,
decidiu que as alterações contratuais realizadas inviabilizam a execução,
caracterizando fraude. Afirmou, ademais, que não há notícia da existência
de bens de propriedade da devedora, para fins de penhora. Nesse passo, o
recurso especial encontra óbice no enunciado n. 7 da súmula/STJ.
II - Comprovada a existência de fraude de execução, mostra-se possível
a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade Jurídica para
assegurar a eficácia do processo de execução.
(REsp 476.713/DF, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20.03.2003, DJ 01.03.2004
p. 186)

FGV DIREITO RIO 165


TEORIA GERAL DA EMPRESA

TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL –


AÇÃO CONDENATÓRIA - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
- DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
RECLAMO. INSURGÊNCIA DO AUTOR.
1. Esta Corte Superior firmou posicionamento no sentido de que,
nas relações civis-comerciais, aplica-se a Teoria Maior da
desconsideração da personalidade jurídica segundo a qual é
necessária a comprovação do abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial,
não sendo suficiente para tanto a ausência de bens penhoráveis ou a
dissolução da sociedade. Precedentes. 1.1. No caso em tela, a Corte de
origem entendeu que a ausência de bens penhoráveis não demonstra
abuso capaz de ensejar a desconsideração da personalidade da empresa
demandada. Incidência das Súmulas 83/STJ e 7/STJ.
2. Agravo interno desprovido. (STJ AgInt no AREsp 1254372; Rel. Min.
MARCO BUZZI; 25/09/2018)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO


MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO DE ROMPIMENTO CONTRATUAL E
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FASE DE
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO.
AUSÊNCIA DE ATIVOS FINANCEIROS DA EMPRESA
EXECUTADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, II, DO NCPC. NÃO
CONFIGURADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
ART. 28, § 5.º, DO CDC (TEORIA MENOR) QUE NÃO EXIGE
A PRÁTICA DE ATOS FRAUDULENTOS, MAS NÃO POSSUI A
HIPÓTESE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ADMINISTRADOR.
ART. 50 DO CC (TEORIA MAIOR) QUE PERMITE A
RESPONSABILIZAÇÃO DO ADMINISTRADOR NÃO-SÓCIO,
MAS EXIGE QUE AS OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS TENHAM
SIDO REALIZADAS COM EXCESSO DE PODER OU DESVIO
DO OBJETO SOCIAL. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE NÃO
INDICOU NENHUMA PRÁTICA DE ATO IRREGULAR OU
FRAUDULENTO PELO ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO.
RESPONSABILIZAÇÃO INDEVIDA. RECURSO ESPECIAL
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

FGV DIREITO RIO 166


TEORIA GERAL DA EMPRESA

(...) 3. Esta Corte já consolidou o entendimento de que nas relações


jurídicas de natureza civil-empresarial, adota-se a teoria maior, segundo
a qual a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional
que permite sejam atingidos os bens das pessoas naturais (sócios ou
administradores), de modo a responsabilizá-las pelos prejuízos que,
em fraude ou abuso, causaram a terceiros, nos termos do art. 50 do CC.
4. É possível atribuir responsabilidade ao administrador não-sócio, por
expressa previsão legal. Contudo, tal responsabilização decorre de atos
praticados pelo administrador em relação as obrigações contraídas com
excesso de poder ou desvio do objeto social. 5. A responsabilidade dos
administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, e depende da prática
do ato abusivo ou fraudulento. No caso dos autos, não foi consignada
nenhuma prática de ato irregular ou fraudulento do administrador.
6. O art. 50 do CC, que adota a teoria maior e permite a
responsabilização do administrador não-sócio, não pode ser analisado em
conjunto com o parágrafo 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria
menor, pois este exclui a necessidade de preenchimento dos
requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC permitindo
a desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, pelo simples
inadimplemento ou pela ausência de bens suficientes para a
satisfação do débito. Microssistemas independentes. 7. As premissas
adotadas pelo Tribunal de origem não indicaram nenhuma prática de
ato irregular ou fraudulento pelo administrador não-sócio. 8. Assim,
não havendo previsão expressa no código consumeirista quanto à
possibilidade de se atingir os bens do administrador não-sócio, pelo
simples inadimplemento da pessoa jurídica (ausência de bens) ou
mesmo pela baixa registral da empresa executada, é forçoso reconhecer
a impossibilidade de atribuição dos efeitos da desconsideração da
personalidade jurídica ao administrador não-sócio. 9. Recurso especial
conhecido e parcialmente provido.

RESPONSABILIDADE CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR.


RECURSO ESPECIAL. SHOPPING CENTER DE OSASCO-SP.
EXPLOSÃO. CONSUMIDORES. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA
JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. TEORIA MAIOR E TEORIA
MENOR. LIMITE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REQUISITOS.
OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS CAUSADOS
AOS CONSUMIDORES. ART. 28, § 5º.

FGV DIREITO RIO 167


TEORIA GERAL DA EMPRESA

- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem


econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em
defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes
de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico
brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-
se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio
de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de
confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento
jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito
Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica
para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência
de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas
não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica,
mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem
conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer
prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos
sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo
está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto
a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos
requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de
causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento
de prejuízos causados aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.
(REsp 279.273/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
04.12.2003, DJ 29.03.2004 p. 230)

FGV DIREITO RIO 168


TEORIA GERAL DA EMPRESA

SIMPLES INADIMPLEMENTO
NÃO JUSTIFICA DESCONSIDERAÇÃO

EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR. SOCIEDADE


EMPRESÁRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. MEDIDA EXCEPCIONAL. INADIMPLEMENTO E
AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO PENHORÁVEL. INSUFICIÊNCIA
PARA A PRETENDIDA DESPERSONIFICAÇÃO. O instituto da
desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcionalíssima, que
só tem lugar quando demonstrada fraude ou abuso de direito relacionado
à sua autonomia patrimonial. Assim, apenas se comprovado cabalmente
o desvio no uso da pessoa jurídica é que cabe falar em desconsideração, e,
consequentemente, no sacrifício do patrimônio dos sócios. Logo, não basta
o inadimplemento de uma obrigação por parte da pessoa jurídica ou a
ausência de bens passíveis de penhora, é necessário que tal descumprimento
decorra do desvirtuamento da função da mesma. A personificação é
um instrumento legítimo de destaque patrimonial, e eventualmente de
limitação de responsabilidade, que só pode ser descartado caso o uso da
pessoa afaste-se dos fins para os quais o direito a criou.
(TJ-MG Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.11.216900-8/001; Rel.
Des.(a) Otávio Portes; 27/10/2016)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO


FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES.
ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.
1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem,
em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A
responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor
ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade
ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente.
2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que
responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não
respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade,
mas respondem para com esta e para com terceiros, solidária e ilimitadamente,
pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou
da lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76).
3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores,
gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição,
pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de
ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social
ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

FGV DIREITO RIO 169


TEORIA GERAL DA EMPRESA

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo


prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de
contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária
do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de
responsabilidade tributária do ex-sócio.
5. Precedentes desta Corte Superior.
6. Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp 260.107/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 10.03.2004, DJ 19.04.2004 p. 149)

FGV DIREITO RIO 170


TEORIA GERAL DA EMPRESA

GRUPO ECONÔMICO
DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC. CONFUSÃO
PATRIMONIAL CARACTERIZADA. Preliminar de nulidade pela
ausência de instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica nos moldes do art. 133 e seguintes do CPC rejeitada, por
ausência de prejuízo. Respeitado o contraditório, com a citação da parte
contraria, inclusive para se manifestar acerca das provas que pretendia
produzir, não há nulidade pelo fato de o juiz ter resolvido o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica nos próprios autos. A partir
do momento em que se visualiza o abuso de direito caracterizado pela
fraude imposta a terceiros através do véu protetivo da pessoa jurídica,
seja com o desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, mostra-
se viável desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para atingir
bens dos sócios para satisfazer a obrigação que não pode ser atendida
pelo patrimônio da empresa, o mesmo valendo para a desconsideração
inversa e indireta da personalidade jurídica, como no caso dos autos.
Hipótese em que, a luz dos documentos juntados aos autos, evidencia-
se a confusão patrimonial entre as empresas envolvidas, caracterizada
pela formação de grupo econômico familiar, com endereços similares
e mesmo ramo de atividade, suficiente para permitir a desconsideração
da personalidade jurídica da agravada, possibilitando o ingresso,
no polo passivo da execução, das sociedades que compõe o grupo
retrorreferido. AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME” (...) Portanto, à
luz dos documentos que formam o instrumento, evidencia-se o abuso
na utilização da personalidade jurídica da empresa Marco Projetos e
Construções Ltda., caracterizado pela confusão patrimonial (= formação
de grupo econômico familiar, endereços similares e mesmo ramo de
atividade), o que autoriza a desconsideração indireta pretendida, aos
efeitos de possibilitar a inclusão, no polo passivo da execução, das
empresas Engeplus e Magna Engenharia” (STJ RECURSO ESPECIAL
Nº 1.788.204 – RS; Rel. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA; 26/04/2019)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

FGV DIREITO RIO 171


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA DA PERSONALIDADE


JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUNAL A QUO ENTENDEU
PELA INEXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO. REEXAME DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/
STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O eg. Tribunal a quo, soberano na
análise do acervo fático-probatório, concluiu inexistirem provas quanto
à relação de controle ou coligação entre as pessoas jurídicas. Pretensão
de revisar tal entendimento demandaria revolvimento fático-probatório,
inviável em sede de recurso especial, conforme Súmula 7/STJ. 2. Agravo
interno a que se nega provimento. (STJ AgInt no AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL Nº 1.089.206 – SP; Rel. MINISTRO LÁZARO
GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª
REGIÃO); 06/03/2018)

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE,


CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO
A QUO. EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. GRUPO DE
SOCIEDADES COM ESTRUTURA MERAMENTE FORMAL.
PRECEDENTE.
1. Recurso especial contra acórdão que manteve decisão que,
desconsiderando a personalidade jurídica da recorrente, deferiu o aresto
do valor obtido com a alienação de imóvel.
2. Argumentos da decisão a quo que são claros e nítidos, sem haver
omissões, obscuridades, contradições ou ausência de fundamentação. O
não-acatamento das teses contidas no recurso não implica cerceamento
de defesa. Ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que
entender atinente à lide. Não está obrigado a julgar a questão conforme
o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art.
131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos
pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero
expediente para forçar o ingresso na instância especial, se não há omissão
a ser suprida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando a matéria
enfocada é devidamente abordada no aresto a quo.
3. “A desconsideração da pessoa jurídica, mesmo no caso de grupo
econômicos, deve ser reconhecida em situações excepcionais, onde se
visualiza a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé
com prejuízo a credores. No caso sub judice, impedir a desconsideração
da personalidade jurídica da agravante implicaria em possível fraude

FGV DIREITO RIO 172


TEORIA GERAL DA EMPRESA

aos credores. Separação societária, de índole apenas formal, legitima a


irradiação dos efeitos ao patrimônio da agravante com vistas a garantir
a execução fiscal da empresa que se encontra sob o controle de mesmo
grupo econômico” (Acórdão a quo).
4. “Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e
com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas
jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral
e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica
da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais
sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica
nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. A
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa
a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de
sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de
execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica
para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a
impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (RMS nº
12872/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002).
5. Recurso não-provido.
(REsp 767.021/RJ, Rel. MIN. JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 16.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 258)

FGV DIREITO RIO 173


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DESCONSIDERAÇÃO INVERSA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.


DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. EXECUÇÃO CONTRA EMPRESA PERTENCENTE
A CONGLOMERADO, CUJO SÓCIO MAJORITÁRIO OU
ADMINISTRADOR ALIENOU A QUASE TOTALIDADE DAS
COTAS SOCIAIS DA PRINCIPAL EMPRESA DO GRUPO PARA SUA
ESPOSA. FRAUDE À EXECUÇÃO. ABUSO DA PERSONALIDADE.
CONFUSÃO PATRIMONIAL. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE
DA JUSTIÇA. TENTATIVA DE FRUSTRAR A EXECUÇÃO.
RISCO DE INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. NECESSIDADE DE
PERSEGUIÇÃO DE NOVAS GARANTIAS. 1. Controvérsia em
torno da legalidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica
em relação à empresa recorrente no curso de execução movida contra
uma das empresas integrantes do mesmo grupo econômico, mas sem
patrimônio para garantia do juízo, em face da transferência pelo sócio
majoritário da quase totalidade de suas cotas sociais para sua esposa,
ficando somente com a participação de 0,59% na empresa recorrente. 2.
A alienação maliciosa para a esposa da quase totalidade de sua participação
societária pelo sócio-controlador, co-executado na qualidade de avalista,
de empresa-jóia de conglomerado de empresas, integrado pela empresa
co-executada, sem patrimônio, em fraude à execução, caracteriza abuso
de personalidade jurídica. 3. Legalidade da desconsideração inversa da
personalidade jurídica, autorizada pelo art. 50 do Código Civil, que
abrange, conforme a jurisprudência desta Corte, as hipóteses de ocultação
ou mescla de bens no patrimônio de seus sócios ou administradores. 4.
A teoria da “disregard doctrine” surgiu como mecanismo para coibir o
uso abusivo da autonomia da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos
em detrimento dos direitos daqueles que com ela se relacionam. 5. A
comprovação de que a personalidade jurídica da empresa está servindo
como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios, deve ser
severamente reprimida. 6. Utilização, no caso, de uma das empresas,
a mais importante, do conglomerado de empresas pertencentes ao
devedor, integrado pela empresa co-devedora sem patrimônio, para
ocultar bens, prejudicando os credores. 7. Caracterização do abuso de
personalidade jurídica, autorizando a medida excepcional. Precedentes
do STJ. 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ RECURSO
ESPECIAL Nº 1.721.239 – SP; Rel. MINISTRO PAULO DE TARSO
SANSEVERINO; 06/12/2018)

FGV DIREITO RIO 174


TEORIA GERAL DA EMPRESA

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE


SEGURANÇA. PESSOA JURÍDICA. DÍVIDA EM NOME DE
SÓCIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO.
I - A possibilidade das dívidas particulares contraídas pelo sócio serem
saldadas com a penhora das cotas sociais a este pertencentes, não tem o
condão de transformar a própria sociedade em devedora.
II - A pessoa jurídica tem existência distinta dos seus membros, de forma
que, resguardadas hipóteses excepcionais não verificadas no caso, um não
responde pelas dívidas contraídas pelo outro, sendo, portanto, devida a
expedição da Certidão Negativa de Débito em nome da sociedade.
Recurso Especial a que se nega provimento.
(REsp 117.359/ES, Rel. Min.. NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA
TURMA, julgado em 15.08.2000, DJ 11.09.2000 p. 235)

FGV DIREITO RIO 175


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA INCIDENTAL

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO


DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. DECRETAÇÃO INCIDENTAL.
POSSIBILIDADE. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AÇÃO AUTÔNOMA.
COGNIÇÃO AMPLA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALEGAÇÃO.
POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. ART. 472 DO CPC/1973.
NÃO CONFIGURAÇÃO. PRECLUSÃO. ART. 473 DO CPC/1973.
NÃO OCORRÊNCIA. ART. 50 DO CC/2002. REQUISITOS.
COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA.
CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão
publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados
Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O ato que determina a desconsideração
da personalidade jurídica em caráter incidental no curso de processo
de execução não faz coisa julgada, por possuir natureza de decisão
interlocutória. Decisões interlocutórias sujeitam-se à preclusão, o que
impede a rediscussão da matéria no mesmo processo, pelas mesmas partes
(art. 473 do CPC/1973). Precedentes. 3. O trânsito em julgado da decisão
que desconsidera a personalidade jurídica torna a matéria preclusa apenas
com relação às partes que integravam aquela relação processual, não sendo
possível estender os mesmos efeitos aos sócios, que apenas posteriormente
foram citados para responderem pelo débito. 4. A jurisprudência do STJ
admite a desconsideração da personalidade jurídica de forma incidental
no âmbito de execução, dispensando a citação prévia dos sócios, tendo
em vista que estes poderão exercer seus direitos ao contraditório e à ampla
defesa posteriormente, por meio dos instrumentos processuais adequados
(embargos à execução, impugnação ao cumprimento de sentença ou
exceção de pré-executividade). Precedentes. 5. Para aplicação da teoria
maior da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002),
exige-se a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade
(ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou confusão
patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de dissolução
irregular ou de insolvência da sociedade empresária. Precedentes. 6.
Afastada a preclusão indevidamente aplicada na origem, deve ser garantida
aos sócios a possibilidade de produzirem prova apta, ao menos em tese,
a demonstrar a ausência de conduta abusiva ou fraudulenta no uso da
personalidade jurídica, sob pena de indevido cerceamento de defesa. 7.
Recurso especial provido”. (REsp 1.572.655/RJ, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018,

FGV DIREITO RIO 176


TEORIA GERAL DA EMPRESA

DJe 26/03/2018

Processo civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Falência.


Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administração
sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsideração da
personalidade jurídica da falida. Extensão do decreto falencial às demais
sociedades do grupo. Possibilidade. Terceiros alcançados pelos efeitos
da falência. Legitimidade recursal. - Pertencendo a falida a grupo de
sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o
que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas
atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a
desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do
decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo.
- Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese
implica prestigiar a fraude à lei ou contra credores.
- A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os
pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no
próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da
personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens
particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude
à lei ou contra terceiros.
- Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica
da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio Juízo Falimentar,
os recursos tidos por cabíveis, visando à defesa de seus direitos.
Decisão por unanimidade.
ROMS 14168/SP; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 30/04/2002, DJ:05/08/2002. p.323).
No mesmo sentido, com o mesmo teor: RESP 332763/SP.

FGV DIREITO RIO 177


TEORIA GERAL DA EMPRESA

JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO


Professor de Direito Empresarial da FGV Direito Rio. Doutorando e
Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP). Pós-Graduado em Direito Empresarial, com
concentração em Direito Societário e Mercado de Capitais, pela FGV
Direito Rio. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio). Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo.

FGV DIREITO RIO 178


TEORIA GERAL DA EMPRESA

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

FGV DIREITO RIO


Sérgio Guerra
DIRETOR
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO

FGV DIREITO RIO 179

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