FT Aparição Vergilio Ferreira
FT Aparição Vergilio Ferreira
FT Aparição Vergilio Ferreira
Sofia tem uma face jovem, olhos vivos, "corpo intenso e maleável", mãos brancas
e subtis, um maravilhoso olhar. Mas segundo o narrador, "uma beleza demoníaca,
como de uma criança assassina, fulgurava-lhe nos olhos líquidos, na face branca,
na boca ávida e sangrenta" (cap.7). Provocadora e sensual, o seu amor é feito de
entusiasmo, de desespero e de loucura.
Desde criança, se revela difícil, desafiando tudo e todos, as convenções sociais e
morais e a própria vida, tentando o suicídio. A personagem Sofia é aquela que
leva até ao fim as consequências de estar no mundo. Dotada de excessiva
energia, preferia o absoluto da destruição. Isto pode observar-se quando a irmã
parte o braço de uma boneca e ela destrói os brinquedos um a um.
Sofia é uma personagem lunar, nocturna. Tudo nela é enigma, com
comportamentos, muitas vezes, desconcertantes. O próprio canto, em Sofia,
como a sua personalidade, é, simultaneamente, sedutor e violento.
Alberto inicia o seu conhecimento de Sofia pelo relato do Dr Moura (cap. 3).
Começa a dar-lhe lições de Latim. Provocado por ela, envolve-se numa relação
como se fosse "o último amor de dois condenados" (cap.7); mas a relação física
cedo implicou um encontro mais profundo até porque Sofia também descobrira "a
vertigem da vida". Sofia, com quem se envolvera eroticamente representa a
tentação do fracasso e a possível negatividade das suas interrogações. E própria
experiência da paixão, de que deve ser responsável (como pensam os
existencialistas), traz-lhe surpresas que não domina. Os momentos eróticos
vividos resultam de uma atracção impetuosa e vertiginosa, com conotações de
violência e de perigo do ser que se procura. A relação íntima com Alberto Soares
traz para este a quase marginalização não só na sociedade mas também no
próprio liceu.
Depois de umas férias, Alberto toma conhecimento das relações de Sofia com
Carolino. Os ciúmes deste acabam em actos de loucura. Carolino tenta matar
Alberto (cap. 19) e, num acto de amor e de violência, acaba por assassinar Sofia
(cap. 25) por considerá-la superior, enorme, grandiosa. Sofia pagou com vida a
sua ousadia.
Ana, a filha mais velha do Dr. Moura, revela-se, para Alberto, de uma enorme
grandeza. Inquieta, parece, até certo momento, aceitá-lo e compreendê-lo,
embora resista à sua notícia "messiânica". A sua sabedoria seduz o professor.
Ana possui cabelos longos e lisos, face magra, olhar vivo. Está casada com
Alfredo Cerqueira, um homem honesto, prático, mas um pouco grosseiro. Lera
dois livros de Alberto e sentira-se tocada pelas considerações existencialistas que
neles se vislumbram. Parece haver uma intersecção entre a verdade de Ana e a
verdade de Alberto. Alberto chega a considerar que Ana também sabe as palavras
do abismo.
A angústia perante a fragilidade e limitações da condição humana são para a irmã
de Sofia o resultado de uma experiência: sem possibilidade de ter filhos, sente-se
frustrada; e sente-se infeliz e um pouco humilhada por ver que o marido, Alfredo
Cerqueira, gosta de exibir "a sua posse" (cap.9), só tem preocupações de ordem
prática com da herdade e não tem cuidado como se veste ou como fala.
Como não pode ter filhos, Ana revela-se frustrada, transferindo o seu potencial de
amor materno para a Cristina. Com a morte de Cristina, num desastre, transforma
o seu comportamento. Ela representa a angústia metafísica e a integridade, com
o regresso ao equilíbrio interior. Consegue encontrar a paz de espírito quando,
tempos depois, adopta os dois filhos do Bailote, que se suicidara.
Cristina é uma menina de 7 anos, admirável, de cabeleira loura. Tocava o
"Nocturno 20" de Chopin divinamente. Cristina é só arte. É criança e não
questiona ainda a vida, revelando, com a sua música, um mundo maravilhoso de
harmonia. A sua inocência tornará presente "o mundo do prodígio e da grandeza".
Cristina é uma aparição maravilhosa. A sua música tem, para o narrador, o dom
da revelação. Morrerá tragicamente ao regressar de Redondo, mas a sua imagem,
a sua música e o silêncio da morte será para sempre uma amargura, presente na
memória de Alberto.
Cristina, dotada de grande pureza, representa mais alguma coisa para além do
que a feição humana permite. Parece não pertencer ao mundo terreno. Através
da morte vai possibilitar a Alberto a exaltação integral da condição humana, "ter a
evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que
eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer". Cristina e a força
mágica da sua música continuarão vivas na memória de todos. (Cristina, tão
jovem, de 7 anos, consegue executar o "Nocturno 20". Este facto é inspirado num
facto real. Vergílio Ferreira tinha uma afilhada com a idade próxima da de Cristina
que tocava o "Nocturno", Dorinha, a quem ele dedica o romance Aparição.
Quando Vergílio Ferreira completou 77 anos e 50 anos de vida literária, a Dorinha,
num colóquio de homenagem no Porto, foi tocar "Nocturno" que já tocava quando
criança.)
CAROLINO
Carolino, o Bexiguinha, primo do Engenheiro Chico, é também uma personagem
importante nesta acção, quer pelo louco assassinato de Sofia, quer sobretudo
pela sua fascinação pela morte como criação.
CAROLINO
Carolino, o Bexiguinha, primo do Engenheiro Chico, é também uma personagem
importante nesta acção, quer pelo louco assassinato de Sofia, quer sobretudo
pela sua fascinação pela morte como criação.