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Bruxas Da Serra

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RESUHO

BRUXAS DA SERRA

Estudo numa comunidade beirã

Seminário de Investigação

Licenciatura de Antropologia

F.C . S.H. - U. N. L.

Lisboa, Outubro de 1984

Clara Afonso de Azevedo de Carvalho


1.

O r efer en te "b r uxa'· é uti li zado em Ant r opologi a pa ra designa r ser es , r e a is ou 1ma
ginã r ios, com o poder ou o s abe r de control a rem forças imate r i a is que lhe permitem
in t e r vir e / ou a t acar pessoas pr óximas . Aplic ado ao contexto europeu, e st e t e rmo
tem uma na tureza pol i s sémica, pois desi gna três f i gura s di st i ntas: a "bruxa" p rod~
tora de mau-olh ado , a "b r uxa " sabáti c a, geralmen t e a s s oc iada a o demónio e com os
poderes de se t ornar invisíve l e de voar de no ite, e a "bruxa''- curande i ra.

Na comuni dade estudada, pequena aldei a de 81 habitantes situada nas faldas da serra
do Caramu lo , traba l ham cinco pessoas como "bruxas"-curandeiras. O objectivo deste
trabalh o e o estud o do discurso e métodos utilizados por essas "bruxas " e das ra-
zoes qu e os tornam pausíveis e pertinentes para os restantes membros da comunidade .
Quatro delas assumem o poder de comunicar com os espíritos: são as chamadas "espí-
r i tas " ou "med ias ". Uma outra mulher trabalha como car t omante e exorcista, pois l ê
em cartas o futur o e a causa dos problemas e conhece os encantamentos para expulsar
os es pÍritos que assombram pessoas, animais ou casas. Pela análise do processo per-
corrido por essas pessoas até se tornarem "bruxas ", do seu discurso, dos ritos efec
tuados nas sessÕes que realizam, dos casos que lhes são apresentados e das soluções
apontadas para esses problemas, cheguei às seguintes conclusÕes, que apresento con-
cisamente :

a ) Estas pessoas tornaram-se "bruxas" depois de passarem por um longo e doloroso


process o , iniciad o no momento em que ficam com a "morada aberta", podendo ser
pos s uída s por qualquer espírito que delas se abeire . Este processo termina qua~
do sobre elas " desce" um guia, sendo este habitualmente o espírito de um santo.
Os estados de possessão passam a ser controlados pelo guia que assume a função
de mediador entre a "média" e os espíritos em geral . No caso da cartomante e
exorcista, esta pretende ter passad o por um processo semelhante, tendo- lhe sido
atribuÍd o S. Cipriano como guia; no livro deste sant o aprendeu a ler nas cart as
e a expulsar os espíritos. Todo este processo pode ser encarado como um "rito
de passagem", tal como é defenido desde Van Gennep , e justifica perante a comu
nid ade o novo poder e estatuto atribuÍdos a estas "bruxas"- curandeiras .

b) Os habitantes desta comunidade e pessoas do exterior começam a consultá-las des


de o momento em que ''desce " o guia , apresentando- lhes os seus problemas pessoais
para os quais as "bruxas " -curandei ras deverão encontrar explicação e s olução. A
qua l quer dos prob l emas deste conj unto aparentemente heterogéneo é sistematicame~
t e apon t ada uma de dua s causas: ass ombramento por espíritos , geralmente de pare~

tes mor t os , ou inveja dos viz i nhos .

c) Tan to os métodos de cura u tilizad os ou pres c ritos pe l as "bruxas"-curandeiras, c~

mo as causas que apontam para o infortúnio, se r elacionam com o discurs o da t-ledi


c ina 'Popular" ( assim definida por oposição ã Medicina " Cient í fic a" ou " Oficia l " ) .
2.

Os pr ocessos de cu ra passam pe la reali z ação de encan tame nt os e defumadoi r os que


são conhec i dos a o ní vel doméstico e inse r em- se no saber da Hedic i na "Popula r " .
Por out r o l ado a explicaçã o do info r túnio como sendo causado pela inveja dos Vl

zinhos ou ass ombramento dos esp í ritos é também coincidente com o di scu r so da Ne
dic in a "Popular" .

d) Es ta expli cação causal i nse r e -s e num sistema con cep tua l que considera poderem
os vizinhos atacar-se entre s i apenas por o dese j arem, l ançand o-se pragas, mau-
- olhado e "mal de inveja" . Este ataque efectua-se sob a forma de um roubo da
ener gia vital dos membros de uma casa ( à qual corresponde habitualmente um gr~
po d oméstico cujos membros estão ligados por laços d e parentesco em 19 grau ) ou
dos seus animais. Neste s i stema conceptual insere-se igualmente uma visão esca
t o lÕgica segundo a qua l todos os que sofreram uma "mã-morte" - morreram longe
da f amília, sem terem pago as dÍvidas ou resolvido os seus contenciosos, ou sem
que os ritos funerários tenham sid o devidamente cumpridos ou ainda aque l es que
mataram, roubaram ou rea l izaram partilhas desiguais pelos seus herdeiros - vo l
tam ã Terra e assombram os vivos, especialmente os que lhes eram mais chegados:
os parentes próximos.

e ) Como na maioria dos assombramentos por espíritos sao acusados os parentes (mor-
tos ) que realizaram mãs partilhas, podemos inferir que nesta sociedade se consi
dera que o infortúnio individual pode ter a sua origem em relaçÕes sociais defel
tuosas. Nesta comunidade, o círculo de sociabilidade onde as relaçÕes são mais
i ntensas é o grupo domé s ti c o , caracterizada por relaçÕes de reciprocidade genera
lizada (definição de Sahlins ) . Os outros círculos de sociabi l idade mais densa sao
de l imitados pelas relaçÕes entre parentes até ao 39 grau e entre vizinhos. Em
qualquer destes grupos as re l ações são caracterizadas pela reciprocidade equili
brada. As causas do infortúnio apontadas anteriormente relacionam-se com os po~
tos de ruptura destes círculos de sociabilidade: o momento da divisão da casa ori
ginal pelos herdeiros ou a possibilidade dos grupos domésticos vizinhos se ataca-
rem entre si, recusando-s e a manter as relaçÕes de cooperação e solidariedade que
mantêm esta comunidade. As "bruxas"-curandeiras relacionam o infortúnio individual
com os pontos estruturais de tensão social.

f ) Raramente estas "bruxas"-curandeiras acusam um actor social de ser o causador do


infortÚni o . Limitam-se a criar a imagem do vizinho invejoso ou a designar um ser
cuj a relação com o paci ente es tã med iatizad a pela morte, mas que com ele terã e s
tabel e ci do uma relaçã o de proximid ade exce s siva , traduzi d a no assombramen t o . Nos
r i tuai s realizados por estas pes s oas, o infortúnio individual é relacionad o com
o ma l e sta r virtual da socied ade e/ou c om uma de sordem cósmic a - a relaçã o de pr~
ximiciade excessiva entre mort:os e vivos . A "bruxa" - cur andeira reali za um ri t ual
em que e restaur ada simbÓlicamente a ordem social ou cósmica, e consequentement:e
3.

sera restabelecido o bem estar individual, numa sociedade que o conceptualiza


como sendo dependente daquela.

g) 1\ote-se que apesar das "bruxas"-curandeiras apresentarem urna explicação e uma


solução para o infortúnio, elas são apenas ~ dos meios à disposição dos actores
sociais. Com efeito estes podem igualmente recorrer à Medicina ou à Religião.
O recurso ã "bruxa"-curanàeira só é efectuado quando se considera que um deter
minado tipo de infortúnio é causado por uma relação social (ou com os mortos)
perigosa e defeituosa.
BRUXAS DA SERRA

ESTUDO NUMA CCMUNIDADE BEIRÃ

Trabalho realizado por


Clara Afonso de Azevedo de Carvalho
para a cadeira de Semin~io de Investigação
do 4(.) ano da Licenciatura de Antropologia
F.C.S.H. - U.N.L.

Lisboa, Setembro de 1984


Este trabalho nunca teria sido possível
sem a colaboraç~o de todos os habitantes
de Calhandra e de seis lisboetas: Celsa
e Valentim, Maria, Jo~o, Manuel Jo~o e
luis.

A todos eles, muito obrigada.


INDICE

I. In trodução •.••.••..•.•..••.••..••• Pág~-

2. Cuid~r-se entre si •••••••••••••••• Pág ~.

J. Do poder das "adivinhoas" •••••••••• Pág 3~

4. Da inveja dos v izin hos aos


esp fri tos dos parentes •••••••••••• Pág b~ .

5. Conclusões .. . . . . .. . ............. .. Pág loõ .

Apêndice 1: DaJos conole 1entares


sobre Mortágua e Calhandra . Pág 11~.

Apêndice I I: Orações e'risponsosq ••••· P~g 13~

Apêndice I I I: Orações realizadas


pela exorcista ••••••••• P~g lq~.

Apêndice IV: Sessões da média ldcia •• Pág 15~~


1.

1 . INTRODUÇÃO
2.

O tema deste trabalho é o estudo das manifestações do discurso da bruxaria


numa pequena comunidade beirã situada nas faldas da serra do Caramulo.
Nesta aldeia trabalham como " bruxas" cinco dos seus habitantes . Com este
trabalho pretendi descrever os métodos utilizados por essas cinco pessoas
e os mecanismos que levam a restante população a utilizar esse discurso .
Não se trata aqui de um levantamento e análise das diversas figuras desig-
nadas pelo termo "bruxa" , tal como foi realizado por LisÓn - Tollosana
no contexto galego (Tollosana , 1979 b)~. Tão pouco pretendi proceder à aná
lise exaustiva do simbolismo expresso nos objectos, termos e ritos utili-
zados pelas "bruxas".

O referente "bruxa" é utilizado em Antropologia para designar seres,


reais ou imaginários, com poder ou conhecimento que lhes permite atacar
outras pessoas por controlarem forças imateriais . Marwick dá a seguinte
definição dos sistemas de bruxaria e feitiçaria:

" "Witchcraft " and "sorcery" are terms referring to closely


related systems of belief of wide distribution among
human societies . Common to the two systems, wich often exist
side by side in the same society, is the cardinal belief
that certain members of the community harm their fellows
illicitly by supernatural means." (Marwick, 1982: 11)
3.

As cinco "bruxas" da aldeia utilizam "supernatural means" não :para atacar


os seus vizinhos mas para os defender. A sua actuação é sancionada pela
comunidade e considerada benéfica. Neste sentido estes profissionais inse-
rem-se na categoria mais vasta de "mágico", uma vez que se caracterizam
por dominarem forças imateriais mas não por serem considerados perigosos
para a sociedade . (l). Defini-los com "bruxas" é não só incorrecto segundo
a terminologia antropolÓgica como segundo as designações locais. O termo
"bruxa" é conotado negativamente pelo que o preteri a favor da designação
local de " adivinhoas", utilizada de u m modo mais neutro. Das cinco
"adivinhoas" uma é homem_,mas mantenl-.o a designação feminina pois assim é
utilizada na comunidade .

Quatro destas pessoas assumem o poder de comunicar com os espÍritos e os


fazer falar através deles: são os chamados "espÍr:il.t as" ou "médias".
Uma das mulheres lê o futuro e a causa dos problemas em cartas e expulsa
os espÍritos que assombram pessoas, animais ou casas. Trabalha portanto
como cartomante e exorcista.

(1) Marwick faz a seguinte definição sintética de "magia" e "mágico":

"This (magic) is a morally neutral term in the sense that


magic may be used with ou without social approval. It
refere to the activities or craft of the magician, a person
who, suitably prepared, performs rituals aimed at controlling
impersonal supernatural forces held responsible for the
sucession of events. ln these rituals, the magician
manipulates material objecta and substances, often having
characteristics or origina symbolically related to the
objectives desired while reciting an appropriate verbal
formula" (id. ibidem: 12)
4.

Os dados aqui apresentados foram ob t idos durante 9 - 10 semanas de


trabalho de campo , entre Abril de 1983 e Junho de 1984. Além de
reunir diversos elementos de carácter geral , privilegiei a recolha
de dados relativos aos processos caseiros de cura de doenças e
'as crenças e actos relacionados com a morte . No que respeita ao
discurso da bruxaria utilizo aqui dados de três fontes : os que
obtive junto das "bruxas " , sobre o seu discurso e a sua actuação ;
as descrições das diversas sessões a que assisti e nas quais par-
ticipavam maioritariamente pessoas estranhas à aldeia; e , ainda
os relatos que os prÓprios habitantes da povoação me fizeram de
situações em que recorreram à " bruxa" (1) . Estes Últimos dados
exigem um pequeno reparo : nem sempre é fácil f alar com as popu-
lações locais sobre os motivos que os levaram a recorrer à
"bruxa" . Se os a s suntos que ai as levaram eram pouco importantes ,
tendem a ser esquecidos . No caso contrário , mais usual , as solu-
ções apontadas pela bruxa envolvem dramas familiares e conflitos
entre vizinhos que se pretendem esconder . Por outro lado o prÓprio
discurso da bruxaria se condena ao ostracismo : em numerosas ocasiões
ouvi comentar que "Quanto mais se anda por esses caminhos pior é . O
melhor é nem falar disso que atrai a desgraça" . Além disso todos
têm a noção que o discurso da bruxaria é ridicularizado no exterior,
especialmente nos meios urbanos e letrados .

(1) O mesmo método foi seguido ~or J . Favret- Saada ~a sua estadia
de 30 meses no Bocage frances , onde estudou fenomenos de bru-
xaria e feitiçaria . (Favret- Saada, 1977)
5.

As condições para poder referir o assunto nas conversas com os


habitantes da aldeia passavam por estabelecer um pacto de amizade
e confiança e por declarar que participava do mesmo sistema de
crenças . Por estas razões os dados que aqui apresento relativamente
à população são significativos , mas não exaustivos .
Um Último grupo de dados foi obtido no exterior da povoação , quer
contactando com alguns padres que me foram referidos como exorcistas ,
quer junto de pessoas que consultavam habitualmente outras "bruxas"
da região e que me descreveram os métodos utilizados pelas Últimas .

À povoação onde foi realizado este estudo dei o nome fict{cio de


" Calhandra" por respeito para com os seus habitantes e porque tal me
foi pedido expressamente pelas "adivinhoas" . Modifiquei igualmente o
nome de algumas das povoações vizinhas e o da sede de freguesia .
Calhandra situa-se nos contrafortes do Caramulo , a poucos quilÓmetros
do local em que esta serra dá lugar às planuras da Bairrada. Pertence
à freguesia de Pinhais e situa- se no extremo noroeste do concelho de
Mortágua , no limite sudoeste do distrito de Viseu . Neste concelho
demarcam- se duas zonas distintas : o vale , zona de maior densidade
populacional , explorações agricolas de pequena e média dimensão e uma
nitida estratificação social; e a zona de serra cujas povoações , com
menor área de regadio , variam entre os dez e os trinta fogos , e onde só
se encontra a pequena propriedade . Calhandra é uma povoação da serra
de 81 habitantes distribuÍdos por 23 fogos que sobem ao longo duma en-
costa de acentuado declive . Ao fundo aglomeram- se as casas e os cur-
rais velhos , na sua maioria desocupados; a meia encoota estão as
construções de pátio fechado com quinze a trinta anos ; ao cimo espalham-
-se as casas recentes já com quintal circundante .
6.

Possui electricidade desde Julho de 1983, diversos fontanários e


um lavadouro pÚblico . ~ abastecida regularmente por um peixeiro e dois
merceeiros ambulantes , mas todos estes bens se podem obter na povoação
vizinha de Linhares , a 1, 5 quilÓmetros de distância. Também nesta povoa-
ção se encontra o telefone pÚblico e a escola primaria e a{ é feita a
distribuição do correio . A igual distância de Calhandra , e desde 1975,
passa uma estrada nacional onde os estudantes do ciclo apanham di~riamente
o transporte escolar . A restante população só pode utilizar a camioneta
que os leva à feira quinzenal junto a Mortágua. Tanto a vila , onde se
encontram diversos serviços especializados e bens diferenciados, como a
sede de freguesia , Pinhais , distam 12 quilÓmetros por estrada , mas existe
um caminho de 6 quilÓmetros em terra batida que liga Calhandra a Pinhais .
Aqui se encontram a junta de freguesia , a igreja paroquial e o cemitério .
Há meia dÚzia de anos que não reside um padre na parÓquia, sendo os servi-
ços religiosos assegurados por um sacerdote do concelho ou por leigos . O
ensino religioso é dado na escola primária de Linhares , mas a assistência
à missa é bastante reduzida tanto em Calhandra como nas povoações vizinhas ,
igualmente distantes de Pinhais . Embora Calhandra, como as restantes povoa-
ções da serra , se encontra numa posição de relativa marginalidade em rela-
ção aos locais centrais de que está dependente (a sede de concelho e de
freguesia) , nela se fazem sentir os principais factores de mudança que
afectar am toda a região : a florestação , a industrialização e a emigração .
Actualmente em todas as casas pelo menos um dos seus membros trabalha ou
trabalhou na indÚstria de abate de árvores . São os chamados madeireiros ,
pessoas que se dedicam ao corte , descasque e transporte dos pinheiros e
eucaliptos que invadiram os antigos baldios . A maioria das empresas de
madeireiros são dotadas de uma organização extremamente simples e podem- se
limitar a possuir os moto- serras se não se encarregarem do transporte da
madeira . A quantidade de produção e o carácter familiar destas empresas
explica o seu rápido desenvolvimento . Também a emigração e a industriali-
zação afectaram esta povoação e actualmente três dos seus membros trabalham
em indÚstrias prÓximas , enquanto que dois são migrantes e 14 emigraram
para a Venezuela , Luxemburgo ou França (destes três são crianças que
foram com os pais) .
1-.

A agricultura domina a economia local . As 21 casas usualmente habitadas


dedicam- se à produção agrÍcola de autosubsistência 1 caracterizada pela
policultura . Os excedentes provêm da venda de animais (gado bovino ,
caprino ou ovino) , ou de madeira de pinheiro ou ainda de feijão em quanti-
dades insignificantes (20 a 30 quilogramas anuais por casa). A cada casa
corresponde habitualmente uma famÍlia nuclearJ mas em alguns casos comporta
também um elemento ascendente (progenitor viÚvo) ou um casal descendente
que ainda não construiu casa prÓpria. A casa funciona como uma unidade
de produção e consumo , realizando a maioria das tarefas agrícolas s ozinha.
A propriedade é pequena e extremamente fragmentada : a maioria das casas
declararam possuir entre 7 e 30 terras de semeadura. Estes números não são
em si significativos : as parcelas de terreno podem ter 3 e 4 metros qua-
drados , como acontece com as terras de horta . Na realidade 6 casas neces-
sitam de arrendar terras para proverem às suas necessidades , e apenas duas
têm terrenos arrendados . Além das terras de semeadura, todas as casas pos -
suem pinhais e eucaliptais vulgarmente designados por "sortes" . Sendo a
madeira a principal fonte de excedentes desta zona , a riqueza real de
cada casa é melhor expressa pela quantidade e tamanho de " sortes" que possui.
As terras de semeadura dividem- se em terrenos de regadio e de sequeiro . Os
primeiros encontram- se nos dois fundos vales que rodeiam a elevação onde
se situa a povoação e , a! crescem , alternadamente , milho e forragem .
Nos terrenos de sequeiro , mais altos e batidos pelo sol , semeiam- se batatas
e cereais de sequeiro : aveia , centeio e milharada. Junto à povoação encon-
tram- se as hortas e as árvores de fruto . O produto principal desta econo-
mia é o milho , base da alimentação humana e animal, logo seguido da batata
e da forragem . Tanto esta como os cereais de sequeiro são destinados à
alimentação animal . Todos estes produtos são cuidadas quase exclusivamente
pelos membros da casa que em certas ocasiões do ciclo agrÍcola pedem ajuda
aos vizinhos : esse é o caso das sementeiras , das ceifas , do arrancar das
batatas e das espiFas de milho, das desfolhadas , bem como das vindimas .
~.

Cada povoação é organizada como um conjunto discreto de casas que possui


um nome prÓprio e um territÓrio reconhecido pelos seus habitantes , que
têm um sentimento de pertença a essa comunidade , chamando - se entre si de
" vizinhos " e estabelecendo relações de cooperação padronizadas . As povoa-
ções não possuem uma identidade polÍtico - administrativa : perante a lei
o Órgão autárquico de base é a assembleia de freguesia que elege a
respectiva junta - e em cada freguesia estã o incluÍdas diversas povoa-
ções . ApÓs o 25 de Abril de 1974 a assembleia é eleita por sufrágio direc -
to , tendo em conta o total populacional da freguesia e a representação
partidária mas não a representação dos aglomerados que a compõem .
Calhandra , como acontece com outras povoações , não tem representação na
junta nem possui qualquer Órgão polÍtico - administrativo interno .

A identidade de cada povoação , apesar de não ser marcada a nível polÍtico ,


é - o a nÍvel religioso , uma vez que cada aldeia possui uma capela , um santo
patrono e uma festa prÓpria. A comissão da festa (1) é também o Único or-
ganismo administrativo interno estável . Calhandra é uma excepção a esta
regra pois a sua capela é comum a Linhares , Maçãs de Cima , Maçãs de Baixo
e Santo Amaro . A capela, cuja fundação data do inÍcio do milénio (2) ,
situa- se nesta Última povoação e é dedicada ao santo do mesmo nome .

(1) Composta por diversos mordomas e presidida por um juiz , cabe- lhe
organizar as festividades e tomar conta da capela durante o ano .

(2) Ver Apêndice I


~.

Em Santo Amaro existe também uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora
do Rosário , que é festejada no primeiro domingo de Outubro , embora com
menos pompa que o santo patrono a 15 de Janeiro . Esta Última festa reúne
caracterÍsticas das festas comunais e das romarias que se fazem a capelas
isoladas . Tal como no caso das Últimas , dura dois dias , ambos com missa ,
baile e arraial , e a ela acorrem numerosas pessoas exteriores ao concelho,
a pagar promessas . Mas , tal como qualquer festa patronal , é organizada por
uma comissão onde estão incluÍdos jovens das cinco povoações referidas .
~ ocasião para em cada casa destas aldeias se realizar uma refeição ceri-
moniosa (cujo custo orça, actualmente , entre 15 a 20 mil escudos) para a
qual se convidam todos os parentes em segundo grau e alguns amigos . Esta
é a Única festa em que se convidam pessoas externas à aldeia. Todos os
restantes momentos do calendário festivo (Natal , Reis , Carnaval , Páscoa ,
dia de Nossa Senhora do Rosário e dia de Todos os Santos) são festejados
na intimidade da famÍlia. SÓ os jovens de cada aldeia se costumam reunir
ou para realizarem uma refeição comum (dia de Reis) ou para as partidas
carnavalescas ou ainda para os "tradicionais" jogos de futebol. Para
além do momento da festa patronal ou, eventualmente , da cerimÓnia do
" rito de passagem" de um dos seus membros , Calhandra vive entre si .
í
.-10.

s
I

1:-•be-~ra e zonôl
Je 1?eaadto
.,__._

~rte nova

. . . casas ~b.tad~~
D ·ca!laS é}b:mdo~/palhelr!>!>

, · L~Jq ( espíntsl)
2 • 'Prãz.ere.s (esrín~)
3 ·C..dene (~n~)
4 • NatAl~ (e.Jcorc.ts~;~...tomaV\te.)

*fovo~ção de. CaI bandl"o -(planta) ~


/11.

Os cinco "profissionais" que actuam em Calhandra definem os


casos que lhe s~o postos como " problemas de amor , sa6de e
dinheiro".' ais espec Íf i ca•nente s~o casos de doenças humanas
e animais, ou mal definidas - "perder as forças", "ficar
prostrado", crianças que não "medram" ou que recusam os a-
I i mentos - ou graves e oers i stentes; casos de comportamentos
estranhos, como seja por exemplo o de pessoas que se torna -
ram subitamente agressivas ou que começaram a ter medos no-
cturnos; casos de mortes repetidas de animais domésticos;
casos de problemas conjugais ou amorosos; casos de oeg6-
cios e e~oreendimentos individuais que correm mal e aindade
apreensão Çare aesses mesmos empreendimentos futuros co~o

seja , por exemplo, a realização duma longa viagem, o que é


vulgar nesta zona de emigração . São pois apresentados às
adivinhoas os casos em que se introduziu u~a alteração neg~

tiva no decurso esperado e considerado norma l da vida, ou


ainda os casos de grande expectativa face a um acontecimen-
to , expectativa geradora de ang6stia . Estes problemas são
encarados co'llo t ratando-se "má-sorte" , a " má-fortuna", o i n-
fort~nio . Numa primeira aproximação poderfamos dizer que se
recorre à "adivinhoa" em casos de infort6nio, seja para re-
solver o problema em si ou a ang~stia e apreensão por ele
provocada . No entanto em CaI handra como em qua I quer soe i e -
dade camponesa, que por definição se encontra integrada nu-
ma cultura e sociedade mais vastas , encontram-se outros
meios de resolver os problemas de "sa~J~ ·· , amor e dinheiro".
Vejamos o que acontece nesta povoaç~o . Actualmente as doen-
ças humanas podem ser tratadas por um médico da vi la , seja
a nfvel particular , seja através da Caixa de Previdência .
-12.

Mortágua possui um hospital concelhio , e as consultas da esp!


cial idade que ar não se encontram s5o ministradas em Coimbra,
cidade cujo acesso sempre foi faci I itado pela existê~cia do
caminho de ferro que passa tanto na sede do concelho como na
sede da freguesia , Pinhais.

Na vi la têm constantemente residido um ou mais médicos desde


o século passado os quais , em caso de necessidade , subiam ~s

a I de i as da serra pam atender os pacientes. Os habitantes ma 1s


ve I hos de CaI handra referem que sempre recorreram aos serv1ços
do médico, embora a melhoria dos meios de comunicação e as fa
cil idades de pagamento através da Caixa de PrevidOncia tenham
provocado um grande aumento na procura e utilização dos serv1
ços médicos .

As mesmas fac i I idades não se encontram ao procurar os ser v iço s


veterinários . Desde a década de 50 que um veterinário sedes-
loca três vezes por semana~ vila concelhia , podendo ser cha -
mado ~s casas de particulares . Mas os seus serviços s6 na ul-
tima década têm sido mais requesitados pelas populações da
serra . f hábito desde há gerações recorrer aos "capadores"
em caso de doença no gado . Estes homens são negociantes lo-
cais em gado lanfgero e capr1no e possuem um saber emp fr ico
sobre as formas de tratamento das doenças de gado mais vulga -
res, conhecimento esse que vão passando de pai para fi lho. Se
a sua actividade corno negociantes deca fu desde que os rebanhos
desapareceram por a zona de pastos ter sido transformada em
floresta , os seus serviços de veterinária continuam a ser mais
re~uesitados do que os do especialista .
13 ,

A so l ução para o inFort~nio pode ser procurada a um outro n r-


vel , o da rei igião, representada pela figura do padre . Junto
deste as populações acorrem em busca de apoio moral e rei igi~
soe em busca de conselhos em momentos especiais da sua vida.
Em Calhandra a assist~ncia do pároco não é quotidiana , uma vez
que a sede da sua paróquia dista de 6 quilómetros . Devido à
distancia a assist~ncia à missa por par te das populações da
serra é bastante reduzida. Salvo no dia de Todos os Santos ou
na Quinta - Feira da Ascençã~cm que se realizam as comunhões
das crianças da catequese , ou ainda n~ dias em que haj am ~issas

por intenç5o das almas dos fami I iares mortos ou ainda em dias
de baptizados , casamentos ou funerais, estas populações rara-
mente vão~ missa. Nos ~ltimos anos a assistência r ei igiosa
tornou-se mais diffcil pelo facto de P in hais já não ter páro-
co residente e os serviços rei igiosos terem de ser prestados
por um padre de outra freguesia. Mas apesar destas dificulda-
des persiste a imagem do padre como um conse l heiro e um con-
fessor , como um dos poss fv eis apoios em caso de contrari edade .
Recorrer ao padre insere-se na busca duma soluç3o para o in-
fortónio que passa por pedir a intervenç3o divina . Mais ainda
do que os padres são os santos encarados como intermédios pa -
ra se obter uma protecç3o . Ao longo de toda a vida e l es são
recorrentemente invocados em Calhandra , e são-lhes feitas nu -
merosas promessas, algumas das quais implicam uma importante
despesa monet6ria . Muitas vezes os indivfduos escrevem as su -
as promessas , que podem ser irrisórias mas deverão todas ser
cumpridas . "Antes deixar a ladr3o que dever a santo" diz o
ditado , referindo-se ao facto de se crer que os santos nunca
esquecem o não cumprimento de uma promessa. As orações, a par
1 '-t.

t i.c i paç3o cm ro~ar i as e m r ssas , as promessas a santos , são


meios Jp pe~ir a intervenç5o divina para solucionar os casos
de infort6n i o . Face ao infort6nio esta populaç~o pode també1
recorrer aos meios da chamada Mc d i cin~ "Popular", os quars
são conhecidos da maioria dos h<lbitantcs desta comunidade . A
Medicina "Popular" inclui desde processos de cura baseados no
em prego de infusões até aquc I es qu ~ nsercm n (ti damente no do
rn f nio dos processos mágicos . Aproxi ma-se do discurso da Medi-
cina "Oficial" por ser o meio tradicional de resolver alguns
dos problemas tratados por aquela. Por outro lado I iga - se ao
discurso das "adivinhoas" por utilizar algumas categori~s de
causal idade cornuns (o infortanio causado pela inveja dos vi-
zinhos ou pelo esp f rito dos ~ortos) c ainda por a~bos os dis
cursos recorreram a procedi mentos mágicos . Tanto a Medicina
"Popular" como as "adivinhoas" utilizam um discurso tradicio
nal sobre as causas do infort6nio cm geral e da Joença em
particular. Por essa razão incluf neste estud o uma descrição
dos meios de Medicina " Popular " conhecidos em Ca l hand r a .

Verifica - se que a definição do recurso bs "adivinhoas" como


um meio de resolver o infort6nio 6 manifestamente insufici-
en t e . Esta pop ulaçSo te m ao seu dispôr outros discursos al-
t enaat i vos~q á1s I he fornecem uma exp I i c ação clo ma I e apontam
uma soluç3o : A Me d icina e a Rei igiao. Se as "adivinhoas" do
minam apenas um do s discursos uti I izados para explicar e so
lucionar os casos de infort6nio, entdo qual é o seu carnpo
de acção espec f fico? Co~o se ca r acteriza o seu discurso?
15.

Porque é o seu discurso p l aus f vel e pe r tinente par a os seus


pacientes? Qual ~ a import~ncia das " ad i vinhoas " para esta
comunidade? São estas as questões a que procu r a r ei r esponder
neste trabalho .
1 G.

2 . CUIDAR- SE ENTRE SI
11-.

Os estudos actuais sobre o modo como as pessoas resolvem os seus pro~lemas

de sa~de revelam que estes s~o maioritariamente solucionados ao n!vel dom~s­

tico. ~ a zona do chamado "self- care", ou seja, dos cuidados de salide efec-
tuados em casa e segundo os conhecimentos do pr~prio ou de pessoas pr~ximas

(Serrano, 1984: 4). Esta designação refere implÍcitamente os analg~sicos,

calmantes, anti-inflamat~rios, antibi~ticos e outros medicamentos que s~o

utilizados sem se consultar prtfviamente o m~dico . Mas muitas vezes as receitas


empregues não implicam a utilização de medicamentos . Ao co1.junto de conheci-
mentos tradicionais em que elas se inserem podemos designar por Medicina
"Popular" . Ao contr~io da Medicina 11 0ficial","cient:!fica", a Hedicina
"Popular" l geralmente encarada como um saber empírico e ineficaz.

Na realidade enquanto a Medicina "Oficial" priveligia os m~todos de efic~cia

material, os conhecimentos tradicionais referem sobretudo meios de efic~cia

simb~lica. No entanto o aspecto simb~lico de muitas actuaçô'es m~dicas ~


hoje reconhecido e recorrentemente empregue, nomeadamente em Psiquiatria.
Por outro lado a Hedicina "Popular" prescreve a utilização de numerosas
infusões e de unguentos cujo poder curativo ~ actualmente reconhecido •

...; ...
1~.

Os tratamentos efectuados a nível doméstico em Calhandra lnserem-se no contexto


de Medicina "Popular". Estas prescriçô'es são conhecidas na maioria das casas e
aprendidas junto de vizinhos ou famillares quando delas se tem necessidade.
A sua apresentação pode ser felta em três grupos :

- os tratamentos que se referem especÍficamente a doenças infantis;


os que visam resolver as doenças de aclultos em geral;
os que se referem a "maleitas" cuja causa pode ser atribuída ao
''mau-olhado" e ao "mal de inveja" .

Embora a maioria das doenças de crianças sejam idênticas às dos adultos, são
consideradas específicas deste grupo et~io un conjunto de "maleitas" normal-
mente atribuídas ao comportamento de um tipo de lombrigas que s6 se desenvolvem
em corpos infantis . Estes seres encontram- se normalmente nos intestinos, tal
como as lombrigas vulgares, mas ao contrlrio de stas ültimas são pequenas e ne-
gras e podem- se passear por todo o organismo causando diversos dist6rbios.

Os tratamentos utllizados para doen~as atribuídas às lombrigas visam obrig~­

-las a permanecer no lugar que lhes é atribuído e impedi-las de se desenvol-


verem. Considera- se que elas mordem o cérebro das crianças provocando- lhes
dores de cabeça, as quais se curam esfregando a testa do paciente com alcool
e alhoJpois o cheiro afasta-as. Se picarem a garganta provocam tosse e d~-se

mel às crianças para acalmar as lombrigas. Quando as crianças sofrem de dores


de barriga diz-se que trazem lombrigas no estômago. Neste caso devem usar um
colar feito com alhos e folhas de lírio até a dor passar . O alho é utilizado
porque o seu cheiro forte afasta os "blchos" mas a sua acção prolongada pode
provocar febre contra a qual o lírio é empregue como antídoto. As pr6prias
lombrigas podem originar ataques de febre, especialmente nas "mudanças de
lua" (lua nova). Contra a febre provocada por lombrigas sabe uma das mulheres
da aldeia uma oração secreta que não dever~ ser transmitida a mais de três
pessoas sob o risco de perder a efic~cia. Essa oração é dita em silêncio e
no fim são escritas umas palavras, igualmente secretas, num papel que as
crianças trarão ao pescoço até "sararem", sendo queimado de seguida .

. . .I . . .
Um outro m~todo para curar a febre provocada pelas lombrigas consistia em reci-
tar uma oração que as faria aparecer nas costas do doente sob a forma de mlfiti-
plos pontos negros, seguidamente cortados com uma faca (1). Este mê·todo era do
conhecimento exclusivo de uma habitante das redondezas;j~ falecida.

As doenças de adultos mais usuais são as constipações, febre, tosse, dores de


ventre, indisposição, infecções cutâneas. O seu tratamento inclui diversas
infusões, geralmente de ervas de definição popular (2) .

Contra a constipação, febre e tosse utiliza- se uma infusão de erva terrestre,


de erva molarinha, de erva "perna de perdiz" ou de flor de sabugueiro. Pode- se
ainda dar ao paciente ~gua com mel, pôr- lhe avenca sobre o peito ou banh~-lo

dos ~s aos joelhos em ~gua a escaldar.

Para as "doenças de dentro", designando este tenno todas as doenças que se


manifestem por dores de ventre, utiliza-se uma infusão de rosas de Santa Maria •

...I .. .

(1) Ehtre os "Vaqueros de Alzada" nas Astt1rias, o "mal de lombrigas" ~


atribuído a uns seres semelhantes aos que descrevi que se introduzem en-
tre a pele e a carne de crianças ati aos tres anos. A inveja e o mau-
-olhado são consideradas as causas para a criança ter lombrigas .
São cortadas com uma faca depois de com uma reza especial as terem feito
surgir à superfície da pele . (Tomas, 1976) .

(2) A utilização do tenno "popular" remete-nos habitualmente para a oposição


"popular" I "erudito" ou "popular" / "citadino" .
Utilizo-o aqui para referir os termos empregues tradicionalmente e não
oficialmente.
20.

Quando é especificado tratar-se a "doen<(a de dentro" de una indisposiçã:o de


estômago dá- se chá de marcelas apanhadas em dia de S. Pedro. Caso se des-
confie de doença de fígado são empregues infusões de marcela ou de carqueja.
Quanto às feridas, saram mais rapidamente quando lavadas em água de alecrim,
de eucalipto ou de alcM.ia. Qualquer destes tratamentos continua a persistir
ao lado dos analgésicos e outros medicamentos vulgarizados nos tfitimos anos.

Algunas doenças de sintomatologia mais complexa também têm tratamento especí-


fico . l o caso do "tresourelho" ou papeira que se curava passando gordura de
galinha derretida - designada localmente por "enxunda" - nas partes magoadas .
Este tratamento deixou de ser utilizado desde que se vulgarizaram as consul-
tas médicas.

A urticária é ainda hoje em dia tratada passando- se azeite pela zona inflama-
da, vestindo o paciente uma camisa de homem e descansando.
Um outro tipo de infecção cutânea são erupções designadas por "cobrêlo" pois
são atribuídas à peçonha deixada por uma cobra, sapo ou aranha nas roupas da
pessoa afectada. No seu tratamento é utilizado azeite aquecido no qual se
misturam cinzas de palhas de alho queimadas. Com una pena de galinha negra
vai- se passando este preparado em círculo sobre as zonas afectadas enquanto
se diz:

11 Se és cobra ou cobrêlo, sapo ou capêlo,


aranho ou aranhêlo, eu te corto a cabeça.
Se és cobra ou cobrêlo, sapo ou sapêlo,
aranho ou aranhêlo, eu te corto o meiêlho
Se és cobra ou cobrêl o, sapo ou sapêlo,
aranho ou aranhêlo, eu te corto o rabo"

Entre cada frase reza-se um Pai Nosso e uma Avé Maria .


Esta operação repete-se até as borbulhas secarem, durante um nómero de dias
:ímpar .

. .. I . . .
2i.

Outra doença cutânea é a "zerpela" ou "feridas que não saram" . No dicionúio


(Dicionúio de Língua Portuguesa, Porto Editora - 5ª edição) a erisipela é
definida como uma "d oença muito contagiosa que se manifesta por inflamação
na pele, provocada por uma infecção estretoc6cica e designada também por
"fogo de santo Antão" . Cura- se com azeite amornado que se vai passando em
torno da ferida com uma pena de galinha enquanto se diz:

11
- Donde vens S . Julião?
- Venho de Roma
- Que novidades por 1~ h~?

- Muitas zerpelas e muitos zerpelô'e s e


muitas coisas ruins .
- Com que é que são cortadas?
Com azeite de oliva e penas de galinha viva".

No fim cobre- se a ferid a com o resto do azeite, reza- se um Pai Nosso, uma
Avé l-1aria e una Salvé- Raínha em louvor de Nossa Senhora da Ehcarnação.
Tal como acontecia para o 11 cobrelo", esta operação repete- se un n6mero de
dias ímpar até a ferida sarar.

A "tr! zia", doença definida localmente como sendo uma hepatite mas que o
dicionúio traduz por icterícia, manifesta- se com os sintomas de perca de
apetite e um tom amarelado nos olhos . Cura- se com três pontas de alecrim que
se vão passando, una a uma, sobre a cara de paciente, em cruz, enquanto se
repete :

" - O que é que tem?


Tenho tr!zia
- Corto tr!zia e aro todos os ares
e malo todos os males 11

.../ ...
21.

No final reza-se um Pai Nosso, uma Avé Maria e uma Salvé Ra!nha e diz-se:

"Eln louvor de Nossa Senhora da Encarnação,


que o teu corpo fique são . 11

Uma outra doença, designada por "espinhela caída", aproxima-se pelos seus sin-
tomas das doenças psicossom~ticas. Detecta-se quando o paciente fica sem
forças para trabalhar e é atribuída ao facto de os ossos terem saído do seu
sítio. Para a curar repete-se um dos dois encantamentos seguintes - ou ambos.

No primeiro caso o paciente deve dizer três vezes sem parar:

"Assim como o padre se veste e reveste e


vai para o altar, assim a minha espinhela
h~-de voltar para o seu lugar"

A segunda opção deve ser dita por outra pessoa:

" Assim como F . . . tem a e spinhela ca!da,


ou o ventre entrevalado,
ou o braço ou perna deslocado,
ou as veias forçadas do seu sítio,
assim como todos os rios e fontes correm para o mar
assim as veias do seu corpo
hão-de voltar ao seu lugar"

En qualquer dos casos reza-se no fim um Pai Nosso, una Avé Haria e uma Salvé
Ra!nha em louvor de Nossa Senhora da Encarnação.
13.

O elemento comum a este conjunto de doenças é a sua origem orgânica ou causada


pelo contacto nefasto com um animal (lombrigas negras e animais "peçonhentos") .
Pelo contrário, considera- se que as doenças expostas de seguida são causadas
pelo ataque (si.mb6lico) de outra pessoa, o qual pode ser voluntário ou não.
Os sintomas das ''maleitas" inseridas neste grupo são geralmente mal definidas
e assemelham- se aos das doenças de origem psicossom~tica. As doenças referidas
são o "quebranto", o "aguado" e todas aquelas que são atribuídas ao "mau-
-olhado" ou ao "mal de inveja".

Designa- se por "ter o quebranto" às dore s de cabeça repentinas que podem asso-
lar qualquer pessoa (embora se considere serem as raparigas jovens mais susce~
t.!veis de o apanhar). O "quebranto" é sempre "lançado" por um terceiro que pode
ser ou um animal "peçonhento " com o qual o paciente se tenha cruzado, ou una
pessoa que "lance" o ''mau-olhado 11 •

De signa- se por "mau-olhado" o dom, ou a capacidade, de causar distúrbios aos


outros apenas por os olhar. Pode tratar-se de um dom, inato e involuntário,
ou de uma capacidade desenvolvida por pessoas caracterizadas como quezilentas
e invejosas. Neste último caso insere- se na categoria mais vasta do ''mal de
inveja" que ser~ descrito mais tarde. As pessoas inseridas na primeira ela~

sifica ção são caracterizadas por terem "a vista forte demais" e podem por
vezes ser reconhecidas por uma mancha ocular com a fonna da pata de um gato .
Estas pessoas podem, com o olhar, causar os seguintes dist6rbios:

adoecer os animais
impedir as crianças de crescerem
"lançar quebranto", especialmente às crianças e
raparigas jovens.
2~.

Considera-se no entanto que quem tem "a vista forte demai s" consegue controlar
o efeito nefasto do seu olhar se não trouxer "inveja no coração". Mas como
ninguém pode estar absolutamente seguro de não atingir involuntariamente \.111

ser mais frágil, deve-se sempre repetir a frase "Benza-te Deus 11 quando se vai
visitar o filho pequeno ou o novo animal de un vizinho, como fónnula profilá.Q
tica.

Quando o mal já actuou e se de sconfia deverem- se as dores de cabeça {e por


vezes de ventre) ao quebranto, utiliza-se o seguinte processo: pega- se n\.llla
colher cheia de azeite, num prato de água e benzem- se , bem como ao paciente.
De seguida diz-se:

11 Deus te fez,
Deus te criou,
Deus te tire todo o mal que para ti entrou".

Verte-se o azeite sobre a água: se este se espalhar por toda a superfície, o


paciente tem quebranto e o mesmo processo ~ repetido nove vezes para lho r0-
tirar.

Outro processo, utilizado sobretudo em crianças e animais, consiste em repetir


o seguinte encantamento:

" Tens quebranto,


dois to deram,
três to tirarão,
é a Nossa Senhora e o Nosso Senhor e o
milagroso São João"

Simultaneamente vão-se fazendo cruzes com a mão nas costas do ser atacado ou
no lombo do animal. Esta operação repete-se três vezes durante três dias cons~

cutivos . .Eln cada dia, no final, reza-se um Pai-Nosso, uma Avé Maria e \.llla
Salvé- Ra!nha e termina-se dizendo: "Eu peço à Nossa Senhora da Encarnação,
por toda a morte de paixão, que isto sej a o rem~dio para o teu corpo ficar são" .
2 5.

Tanto o mau-olhado como o 1'mal de inveja." podem tornar as crianças ou os ani-


mais "aguados" . Diz-se que 11
aguou 11 un ser que deixa de comer e começa a defi-
nhar. Uma maneira de curar o 11 aguado 11 é repetir :

11 Deus te desague, vai para quem te aguou;


Deus te desinveje, vai para quem te invejou;
Deus te desacanhe, vai para quem te acanhou 11

Entretanto faz-se três vezes o sinal da cruz nas costas da criança ou no lombo
do animal .

Um outro meio é roubar 3, 5 ou 7 folhas nas hortas de igual número de vizi-


nhos . Essas folhas são cozidas e passa-se a ~gua sobre a criança ou o animal,
recitando o seguinte :

11 Se est~s aguado eu te curo do aguamento,


em louvor de Nossa Senhora e do Santíssimo Sacramento".

Deixam- se as folhas cozidas sobre a borralha da lareira: em secando est~ a


criança ou o animal curado. No final de qualquer uma das recitaçffes reza- se,
como habitualmente, um Pai-Nosso, uma Avé Maria e uma Salvé-Ra.!nha em louvor
de Nossa Senhora da Encarnação .

Em ambos os processos encontramos referências às relaç5es negativizadas entre


vizinhos. Na última estas são implicitamente expressas pelo acto de se roubar
uma folha de couve a cada vizinho . Na primeira, h~ uma referência explicita à
pessoa estranha que teria aguado, ou acanhado, ou invejado o ser doente.
As relaç5es de inveja entre vizinhos são quotidianamente referidas em Calhan-
dra: é frequente que em família e nos encontros de mulheres nos fontan~ios
e no lavadouro p1fulico a conversa subitamente baixe de tom para declararem que
um terceiro {agr .. gado familiar ou mulher) ~ "invejoso" ou "lança pragas peço-
nhentas" . Considera- se que una pessoa invejosa {"que traga muita inveja e
ganância no coração") e em especial com o dom de lançar pragas pode, s6 por o
desejar "do coração", atacar os vizinhos . Esses ataques traduzem- se nos pro-
blemas que vão surgindo em casa da vítima: o gado adoe ce, as pessoas perdem
vitalidade, em especial as mulheres gr.ividas e as crianças, a produção estra-
ga- se . São particularmente sensíveis à inveja dos vizinhos (ou seja, são mais
facilmente empeç.iveis 11 ) as pessoas ''mais bondosas", "com o coração mais
11

fraco, o espírito d6i- Thes mais". Trata- se de pessoas generosas e caridosas


para com os pobres, de pessoas que não podem ver sangue ou que se impressionam
com a vista dos mortos . As crianças e as mulheres gr.ividas, são particular-
mente vulner.iveis (1) . A esta categoria de pessoas, com as suas característi-
cas positivas de bondade e negativas de vulnerabilidade op5em- se as pessoas
de "espírito forte", mais "afoitas", sem receio de andarem pelas ruas de noite,
de matar animais, de se aproximarem dos mortos, mas que podem ter caracterís-
ticas agressivas para com os vizinhos . Este tipo de classificação não l, obvi~

mente, empregue na caracterização de cada vizinho mas l explícitamente expres-


sa no discurso dos habitantes de Calhandra.

(1) A vulnerabilidade de crianças e mulheres gr.ividas ~ explicitamente apon-


tada em casos de "aguamento" e mau-olhado . All m disso existem algunas
proibiç5es relacionadas com os mortos aplicadas apenas a estas pessoas.
Considera- se que nenhuma pessoa, e specialmente as cri.anças, de ve estar
deitada quando a urna contendo o corpo do defunto ~ levada para fora de
casa, pois podem adoecer . As mulheres greividas não devem participar em
vel6rios, ver pessoas mortas e entrar em cemitlrios pois o seu futuro
filho poderei nascer com "ar de defunto", ou seja, ter un tom amarelado
e não crescer. Neste caso as mães devem- se esconder junto ao caminho
onde vai passar um cortejo fdnebre, e segurando a criança no alto dos
seus braços repetirem três vezes :

"Baribundo (o morto) leva todo o mal do meu menino


para o outro mundo".

·.
Podemos perceber que, segundo esta classificação, a inveja entre vizinhos i
vista como un ataque do.::J 11
invejoS)I.S 11 e 11
fortes 11 aos "bondosos", 11 honestos 11
e "fracos 11 • (1)
Este ataque i encarado como um rou1o, geralmente um roubo de energia vital.
As duas f6nnulas utilizadas na cura do "aguado 11 fazem referência a un contra-
-ataque simb61ico a esse roubo. Na primeira reenvia-se o mal a quem o provo-
cou com a ajuda divina, a qual vem sancionar um acto anterionnente consider~

do nefasto. Na segunda responde-se a um roubo {de força vital) com t1111 outro
roubo (de folhas de couve). Os elementos roubados são muito pouco valóriza-
dos nesta comunidade, pelo que o acto não pode ser conotado negativamente.
Trata-se de um contra-ataque simbólico que, tal como no primeiro caso, i
feito com as mesmas 11
annas 11 •

Este procecl:i.mcnto (contra-ataque simb6lico) é igualmente explícito nos en-


canta::n~::ntos e defunadoiro-s utilizadas contra o "mal de inveja" en: geral .
As recitaçô'es, que devem ser ditas junto da pessoa ou animal "atacado"
enquanto se faz o sinal da cruz, são as seguintes:

(1) Os aspectos de ordem sociológica do problema da inveja entre vizinhos


serão referidos posterionnente.
28.

11 O sol nasce na serra e põe-se no mar,


que de onde este mal veio para l.i torne a voltar.
Tens mau-olhado, eu to tirarei,
com as três pessoas da Santíssima Trindade.
Assim como elas querem e elas podem,
que de onde este mal veio para lá torne.
Assim como Nossa Senhora benzeu o seu amado filho,
também te benzo para retirar o mal de inveja,
e pragas rogadas e tudo quanto é mau para retirar
e tudo h.i-de sarar. Amén".

Ou ainda:

11 Se est.is invejado, Deus te desinveje;


Se estás amarrado, Deus te desamarre;
Se estás enleado, Deus te desenleie.
Que te deixem comer, que te deixem beber,
que te deixem medrar,
e que me deixem a minha vida governar.
O mal que te botaram à mesma pessoa há-de voltar,
com a graça de Deus e da Virgem Maria.
Pelo divino amor do Deus, Pai-Nosso e
Avé-Maria".

O único defumadoiro que é especÍficamente contra o mal de inveja efectua-se


do seguinte modo: num qualquer recipiente não inflamável colocam-se c.inco
brasas em cruz e sobre elas cinco pontas de alecrim, de oliveira, de ruda,
de mostarda, de mirra, de incenso, e cinco pedras de sal virgem . Sobre isto
espalha-se um fio de azeite e com o preparado percorre-se a casa ou o cur-
ral dizendo simultaneamente:
11
Benza-te Deus, benza-te Deus, benza-te Deus,
e Jesus, e o santo nome de Jesus.
Onde eu puser as minhas mãos (1)
que eu ponha a minha d.ivina virtude.
As pessoas da Santíssima Trindade são três,
assim como elas querem e elas podem,
que de onde este mal veio para lá torne,
e tem que tornar.
Nossa Senhora no Egipto passou,
e três pernadinhas de alecrim cortou,
e o seu bendito filho defumou,
defumou-o em cruz para cheirar.
Também eu te de fumo
para todo o mal de inveja de aqui retirar
Regista magista, regista magista, regista magista,
S. Pedro e S. Paulo e S. João Baptista,
que nos guarde de noite e de dia,
e quanto à volta de minha casa avista.
Amén 11

Ap6s isto rezam-se três Pai-Nossos, três Avé-Marias e uma Salvé- Raínha.
As cinzas do defumadoiro devem ser lançadas em água corrente.
Os defumadoiros são também, e sobretudo, utilizados quando a causa do infortmuo
é atribuída à acção nefasta do espírito dos mortos. Nesse caso faz-se o mesmo
defumadoiro (ou uma variante can menos elementos: o que importa é que sejam
em mÊlero !mpar) utilizando-se a segu.i.l•1.e recitação:

(1) colocam-se as mãos sobre o ser atacado


" Eln nome de Deus e do Santíssimo Sacramento do altar,
a minha casa vou benzer e defumar,
para todo o mal que nela. andar se afastar
em nome de Deus e do Santíssimo Sacramento do altar 11

Com o defumadoiro vai-se fazendo o sinal da cruz, enquanto esta recitação


~ repetida três vezes em cada aposento. No final reza-se três vezes o Credo.
No final deste defumadoiro, e para incrementar a sua efic~cia esconjuradora,
pode-se repetir três vezes o seguinte dito:

11 Reco eterno, l!doni édonis, ~s perpétuo e liss<Sdis.


N6s rezamos e esconjuramos se não saíres daqui.
Credo, Abren6ncio, Santo Nome de Tesus 11

Este conjunto de processos corresponde â globalidade do s tratamentos basea-


dos na Medicina "Popular" e utilizados a nível dom~stico em Calhandra. As
doenças a que se referem tem uma definição tradicional, o mesmo acontecendo
com as causas que lhes s~o apontadas. No que respeita âs explicaç8es cau-
sais delineam-se três grandes grupos .

Um grupo de doenças, de sintomas bem especificados, a que são atribuidas


causas orgânicas: ~ o caso das constipaç~es, tosse, febre, dores de barriga
em geral {tamb~m designadas por "doenças de dentro"), feridas, urtic~ia,
11 tr!zia" ou icterícia, sarampo, "tresourelho" ou papeira, a "espinhela caída".
Neste grupo os processos de cura v~o do s meios que possuem uma efic~cia ao
nível fisiol<Sgico ou agem como placebos (as diversas infus6es; a utilização
de gordcras aquecidas) at~ â utilizaç~o de uma efic~cia de ordem simb<Slica,
expressa no recurso a meios conotados com uma certa força (o cobertor verme-
lho contra as borbulhas do sarampo ; a camisa de homem, que apela â força
masculina, contra a urtic~ia) e das diversas recitaç~es.
3~.

A mesma variância no tipo de efic~cia dos meios de cura encontra-se ao nível


dum segundo grupo de doenças, aquelas a que é atribuída como causa a acção
nociva dum animal: as lombrigas negras no caso das doenças de crianças, os
animais 11peçonhentos" no caso do cobrelo. Um terceiro grupo de doenças,
todas com sintomas pouco definidos e bastante latos, são atribuídas à ac-
ção nefasta seja de vizinhos seja dos espíritos dos mortos; neste dltimo
grupo são utilizados predominantemente meios de efic~cia simb6lica.

A maioria destes processos implicam a cria~o dum pequeno ritual, no sentido


em que por interm~dio duma s~rie de actos e de uma pequena recitação se
isola um determinado dado da experiência - o mal de que o paciente sofre -,
se refere a causa apontada desse mal e se tenta modificar o estado do pa-
ciente. Esta s~rie de actos incluem sempre uma ou mais referências religio-
sas (acto de realizar o sinal da cruz com o alecrim, no caso da trízia; com
os defumadoiros, ou com a mão, quando a causa do infort~o ~ atribuída à
inveja dos vizinhos; invocação directa do nome de Deus, da Virgem, de Cristo
ou de um santo; realização sistem~tica das oraç5es mais usuais, as chamadas
"rezas da catequese", dedicadas a Nossa Senhora da Encarnação, no final deste
conjunto de actos). Numa sociedade em que a influência da religião cat6lica
se sente quotidianamente, onde em qualquer casa existem imagens religiosas
e em algumas ainda se pede a benção divina para o comer quotidiano, onde os
grandes momentos da vida de cada um são marcados religiosamente (o baptiza-
do, a primeira comunhão, o casamento, o funeral), a invocação da protecção
e intervenção divina confere um car~cter sagrado a este conjunto de actos .
Assegura-lhes a credibilidade que em parte j~ lhes ~ concedida por se trat~

rem de processos sancionados pela tradição. O paciente ter~ tanto mais ten-
dência a acreditar no processo quanto, para além de saber que j~ se revelou
eficaz com um seu familiar ou vizinho, ao longo do ritual ~ pedida a protec-
ção divina.

Apesar das mdltiplas referências a divindades catllicas estes rituais não


são sancionado.s pela religião oficial e seus representantes.
As suas características de busca de efic.icia imediata atravis do apelo duma
força imaterial que se pretende que produza efeitos materiais inserem-nos
no conjnnto de actos a que desde 1-iauss se chamam de actos m.igicos
(Mauss, 1974). Vejamos, mais detalhadamente, qual~ a fonma destas recita-
çô'es. No caso da "tr.ízia" e do "cobrelo" hei uma descriç~o do acto que se
pretende realizar, e esse poder i atribuído à pessoa que cuida do paciente.
Contra a 11 erisipela 11 i invocado S. ]uJi~o para sancionar o acto simultâneo,
de passar azeite sobre as feridas. A esta descrição junta-se a compara~ ou
com os actos do padre ou com o trajecto da .igua dos rios e fontes no caso da
"espinhela caída".

Na primeira recitaç~ contra o aguado i directamente invocado o poder divino


para retirar o mal e contra-atacar o ser causador. Tambim nos ditos utiliza-
dos em caso de quebranto é invocado o poder de Deus, ou ainda o da Vir~m,

de Cristo e de um santo adjectivado de ''milagroso". O mesmo acontece na segun


da recitaç~o contra o "mal de inveja". Os outros ditos contra o mesmo mal
incluem, al~ da de scriç~o do acto a realizar e invocaç~ do poder divino,
uma comparaç~o com o trajecto do sol e com os actos de Nossa Senhora.
No caso da recitação que é feita conjnntamente com um defumadoiro é utiliza-
da a express~o "regista mag:i.sta". Tal como as expressô'es utilizadas como es-
conjuramento tratam-se de expressô'es latinas defor-madas, provavelmente reti-
radas da liturgia cat6lica pr~-conciliar.

Estas mesmas categorias fonmais do discurso foram encontradas por Tzvetan


Todorov na sua an.ilise das f6nmulas m.igicas do folclore franc~s recolhidas
por Arnold Van Gennep. Considera que o ennnciado m.igico cont~ três partes
distintas: a invocação, que contém toda a infor-mação sobre o acto m.igico
a realizar, a que correspondem a descri~ do acto e a invocaç~o do poder
religioso das f6rmulas aqui apresentadas : a comparaç~, que como a desig-
naç~ indica compara o acontecimento presente com outro mítico, ou, neste
caso, com fen6menos naturais e imut.iveis (o trajecto do sol e das .iguas de
rios e fontes); e finalmente a encantaç~o ou proposiç~ aparentemente incom
33.

preensí vel composta de nomes latinos de formados (1) que aqui aparecem em dois
casos . Note- se que segundo esta divisão das grandes categorias formais que
se encontram no texto dos encantamentos, estas são tanto mais elaboradas
quanto as causas apontadas para o mal não são naturais ou orgânicas mas do
domínio das relações sociais: o mau-olhado, a inveja.

Todos os processos aqui descritos são conhecidos e utilizados a nivel domis-


tico, inserindo- se como tal na categoria dos "ritos m~gicos que podem ser
Cl.lllpridos pvr não-especialistas" referidos por Mauss . Este autor especificou
que tais ritos consistem em " ( • •• ) as receitas da benzedeira na medicina m~
gica, e todas aquelas pr~ticas do campo que podem ser executadas no curso da
vida agrí cola; igualmente, os ritos de caça ou de pesca, de modo geral,
parecem estar ao alcance de qualquer pessoa." (Hauss, 1974 : 55)
No entanto o pr<Sprio autor refere que nem todos os individuos conhecem e pra-
ticam estes ritos, sendo especialmente indicadas para tais funções os chefes
de família e as donas de casa.

(1) A utilização, por parte dos m~gicos, de uma linguagem diferente, incom-
preensível, de uma não- linguagem, foi assinalada por Hauss:
11 Os encantamentos são feitos numa linguagem especi al, que 6 a lingua-
gem dos deuses, dos espí ritos, da magia. ( • • • ).
A magia falou em sânscrito na lndia dos pr~critos, em egípcio e
hebreu no mundo grego, em grego no mundo latino e em latim entre n<Ss .
Eln toda a parte ele procura o arcaísmo, os termos estranhos, incom-
preensí veis . " (Mauss, 1974: 87)
34.

Em Calhandra este é um saber exclusivamente feminino, reservado em especial âs


mulheres mais velhas. As receitas passam de mã:e para filha ou são obtidas jun-
to dum familiar ou vizinha quando necess~io fôr .

Este tipo de pr~ticas podem ser consideradas uma extensão das suas responsabi-
lidades domésticas. Al~ de fazer a comida, cuidar da roupa da família, cuidar
da casa, tratar dos filhos, ir buscar erva ou palha para os animais, "fazer a
panela aos porcos", sã:o ainda elas quem cuida dos doentes e que vão, amorta-
lhadas ou de vela na mão, cumprir promessas pela sartde dos seus â capela dos
santos . São pois as mulheres as respons~veis pelos cuidados quotidianos para
com a família, na saúde ou na doença, e que como tal deverão conhecer as re-
ceitas e f~nnulas a utilizar para solucionar os pequenos infortrtnios.

No entanto esta explicação não d~ conta de todos os aspectos da preferência por


figuras femininas, em especial de mulheres mais velhas como deposit~ias

deste saber • .T~ l-tauss apontava as mulheres como un dos grupos de pessoas que
mais facilmente podiam encarnar a figura do m~gico devido aos "sentúnentos
sociais de que são objecto":

11 Os per! odos cr! ticos de sua vida provocam


espanto e apreens~es que lhes conferem uma
posição especial. Ora, é precisamente na altura
da nubilidade, durante as regras, quando
da gestação e do parto, a~s a menopausa, que as
virtudes m~gicas das mulheres atingem maior intensidade .
1.: sobretudo então que se julga que elas facilitam
meios de acção para a magia ou que sejam as
agentes propriamente ditas . As velhas são feiticeiras;
as jovens são auxiliares preciosas; o sangue das
menstruaç~es e outros produtos são especificidades
geralmente utilizadas ( •• • ) Has, mesmo fora das
épocas cr!ticas, que tomam uma parte tão grande
da existência delas, as mulheres são objecto
ou de supersti~es, ou de prescri~es

jur!dicas e religiosas que marcam claramente que


elas formam uma classe interior da sociedade 11

(Mauss, 1974: 58)


35.

Eln Calhandra todas as mulheres conhecem e utilizam as mezinhas e pequenas


receitas que expus, mas para os processos que implicam o recitar de llll en-
cantamento recorre- se preferencialmente a três mulheres que apresentam
cer~s traços diferenciais . São duas mães solteiras com 55 e 60 anos, e
uma mulher casada de 68 anos . Qualquer de stas mulheY·es manifestou j~ crises
histiricas, todas consultam vulgannente as "adi~" . Uma ~ filha de uma
mulher, j~ falecida, que passou sete anos paralisada no seu leito. Outra~

filha de um homicida.
São estas as mulheres deposit~ias do conhecimento sobre encantamentos (1)
e sobretudo aquelas a quem se recorre preferencialmente para 0s realizarem
mesmo que o pr6prio os conheça. Considera-se que elas são mais eficazes
pois "t&i mais f~". As suas caracter!stic<J.s de mulheres mais velhas e que
não se casaram ou que manifestam comportamentos hist~ricos, bem como o
facto de consultarem frequentemente as "ad.ivinhoas" (mesmo anterionnente â
existência destas na aldeia), conferem- lhes una aura de mistirio, de margi-
nalidade . Esta imagem contribui para que sejam elas as de posit~ias e exe-
cutantes pre ferenciais dos encantamentos em que abundam referências não s6
religiosa~ como â vontade e poder de quem as executa (são ditas na primeira
pessoa do singular). Quando as f6nnulas de stes processos implicam a invocação
de sere s divinos, de forças imateriais, como principais agentes na resolu-
ção do infort~o procura- se uma pessoa com maior aptidão para as realizar.

Devem-se referir, por dltimo, as oraç6es que são utilizadas, e sporádicamente,


a nível dom~ stico .

(1) Se exceptuannos as "ad.ivinhoas"


O conjunto das oraçffe~ que são apresentadas cm apêndice , caracteriza- se por
todas elas serem consideradas como um meio para atingir um fim especí fico .
Hais do que um meio de comunicar com a divindade elas são um instrunento
para invocar os santos para realizarem um detenni.nado acto. São pois utili-
zadas como encantamentos . Estas oraçffes são dedicadas a S . Justo ju!z de
Nazari, para interceder e proteger em casos de justiça; a Santo Ant6nio
para se achar objectos perdidos ou roubados; e a São Bartolomeu e a S. Cus-
t6dio invocando protecção nas ocasiffes em que se teme algo, pois ambos os
santos, segundo a lenda, venceram o Diabo.
3?.

3. DO PODER DAS 11 ADIVINHOAS n


Quando os meios da medicina e mag i a caseira falham ou quando
o infort6nio é julgado duma gravidade que os ult r apassa , a
procura duma solução ultrapassa o n f vel do "self-car e" e r e -
corre-se aos profissionais : o médico , o padre e a~dlvinhoa ".

Pelo que pude obse r var o padre é se~pre um 61timo recurso : a


maioria dos p r ob l emas s~o apresentados ao médico , .~ "adi -
vinhoa" , ou a ambos . Muitas vezes confirma - se junto da
"adivinhoa" o diagn6stico do ~édico ou procura - se que ela
d~ uma previsão sobre a evolução da doença quando o médico
a tal se recusou . Ou então recorre - se prime i ro~ " adivinhoa"
para que esta Jescubr a a causa de um infort6nio que se mani -
festou por um qua l quer mal estar f f sico , e s6 no caso de es -
ta afirmar tratar - se de "doença de médico" se pr ocura o pro-
fissional de sa6de . O pr oblema que aqut se coloca é de defi -
nir quem s~o as "adivinhoas" , como actuam e que tipo de sabe r,
ou poder , possuem, que lhes permita r esolver situações de in
fort6nio.

A exist~ncia de "adivinhoas" na região não é recente nem se


I imita apenas a Ca l handr a , Os seus métodos de t r abalho tam-
bém são diversificados como veremos . Na I ista segui nte s~o
indicadas todas as "adivinhoas" que em alguma ~poca foram co-
nhecidas dos habitantes de Calhand~a (1).

Trabalharam como espfritas, ou seja, co~o pessoas que t~m o po


der de contactar co~ os espfritos dos mortos e fazê-los falar
por seu interm~dio, cinco ~ulheres e um homem, as pr1me1ras no
lorvão, em Vale de Boi ~nadia), em Janardo (Paredes de Guardão)
em Caparrosinha (Mortágua) e na P6voa do Salgueiro. O homem
trabalhava no lombo de Deus, junto a Coimbra. Actualmente en-
contram-se mulheres que exercem como espfritas ou "médias" (c~
.mo s3o designadas localmente) em Boialvo (Anadia), em Treixedo,
junto ao Carregal do Sal, na Gestosa e em Pinheiro, local idades
pr6~imas de Santa Comba Dão; em Sequins e na Siesta (Anadia) e

ainda no Castelo, junto a Mogofores, em Horta (Mealhada) e na


Póvoa de Salgueiros. Trabalham lendo ou o futuro ou a causa do
infortanio em cartas e ainda realizando encantamentos para afa~

tar o mal, uma mulher na Pampilhosa, analfabeta, que considera


que nasceu co~ esse dom e outra na Lameira do Luso, que aprendeu
com a av6. Deste modo trabalhou um homem que residia na Cerca,
perto de Avelãs do Caminho. Além destes foram referenciados er-
vanârios (homens) em Coimbra, ~toimenta da Beira e no Carregal
do Sal, e ainda pessoas cujo método de trabalho não foi espe-
cificado em Aradas~e em TreixedÓ~ Foi referida uma exorcista
de perto de Aveiro e duas mulheres que sabiam adivinhar o futu

(I) Note-se que algumas das pessoas apontadas são do sexo mas-
cu! ino sendo nesse caso designados por "bruxos" ou por'~m
homem que trabalha nessas coisas". Co~o não hã nenhuma de-
signação no plural para d esig~ar estas pessoas e a maioria
são mulheres, mantenho o termo "adivinhoas" para designar
o conjunto.

COt•Cf' lho ele


Lfo.

ro e o mal vendo-os num copo de água em Mo(nhos (Penacova) e


em Chêlo, no mesmo concelho. Ou seja J encontramos um total de
21 pessoas que tlé.i)e l.n . o poder de adivinhar a causa do i n For-
t6nio e de três ervanários todos residentes num raio de 50
ki 16metros em relação a Calhandra.

Nesta povoaç3o exercem actualmente 1 cinco espfritas (quatro ~u­


lheres e um homem) e uma cartomante que trabalha simult3nea-
mente como exorcista. Note-se que na I ista apresentada 19 pes-
soas trabalhavam segundo um destes três métodos, pelo que as
"adivinhoas" de Calhandra se podem considerar representativas
I. ~
das ~ulheres- e homens - ~de virtude desta zona do centro do
Pafs. Além disso algumas das pessoas referidas nesta I ista, já
falecidas, exerciam a sua actividade há mais de 60 anos segun-
do as referências que me foram dadas, o que é um facto signifl
cativo do enraizamento que este discurso tem na zona. AI iás as
médias sa'o pessoas que Ficapam possessas pelos espfritos dos
mortos e por c uja boca estes vê m falar sempre que interpeladas
e inserem-se na categória dos "corpos abertos" ou "moradas aber
tas" referidas por Leite de Vascon c elos para várias regiões do
Pafs (Vasconcelos: 1980) e por Lisón Tol losana no contexto gal~
go (Tol losana: 1979) co~o "corpo aberto" ou "corpo santo"
o

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0 re.t-omO h Cldt v/ "~0as N
Subjacente ~ definição de espfrito ou "corpo-aberto" está a
crença na possibi I idade de intervenção das almas dos mortos
junto dos vivos (I). Considera-se que qualquer criança, de~
de a sua concepção, possui uma al~a ou espfrito (2). Duran-
te a sua passagem pela terra os espfritos realizam um certo
n6~ero de pecados que começam logo no acto de mamar o leite
da mge (3). Após a morte os espfritos podem ir para o lnfer
no, Purgatório ou C~u consoante os pecados que cometeram.
As almas do Inferno são os "espfritos maus" que por vezes
"sobem~ terra" e se 'encostam" de I i beradnmente aos' v i vos I evandg
-os a perder o contrôle sobre as suas acções e a cometerem
suicfdios, honicfdios, ou a serem responsáveis por desastres
mortais de via. Tudo o que os vivos devem fazer quando impo~

tunados por um "esp r r i to mau" é exorc i 1 á- I o ou através du'Ti dos


defumadoiros que já descrevf ou recorrendo a um exorcista,
sendo esta solução dotada de maior eficácia.

A maioria das almas têm de ficar a penar no Purgatório o que


equivale a andarem errantes sobre a Terra até lhes ser conce
dida a ascenção ao C~u. S3o estes os espfritos que geralmente

(I) Leite de Vasconcelos define "morada aberta" como "A alma


duma pessoa que norreu sem su~prir certas promessas rei i-
giosas entra no corpo duma pessoa fraca" (Vasconcelos,198~
450). Ver a propósito deste conceito de "pessoa fraca", a
definição local de pessoas "fracas" e "fortes" que apre-
sentei no capftulo anterior

(2) Os sonhos s~o dados como prova de qualquer pessoa possuir


uma alma pois considera-se que são os passeios que o espf-
rito dá enquanto o corpo dor~e.

(3) Para a Igreja Católica o acto de mamar n3o é pecaminoso.


se encostam aos vtvos ou porque se sentem melhor ou porque lhes
querem pedir perdão por algum acto realizado em vida (ver Anexo
I I I). São os espfritos dos suicidas, dos homicidas, dos ladrões,
dos que mudaram marcas (I), sendo estes considerados os crimes
mais graves, em que não é claramente definido se os espfritos
t~~ ou não salvação, ou seja, se vão para o Inferno ou para o
Purgat6rio. Outros "crimes" são o ter favorecido u~(s) herdei-

ro(s) em detrimento dos outros; ter deixado dfvidas para saldar;


pro~essas a santos para pagar; não ter perdoado ou não ter sido
perdoado por pessoas com quem se mantinha um contencioso nos 61-
timos tempos de vida. Este tipo de ideias sobre o pecado relacio
nam-se com uma concepção da "boa" e da "má" morte, segundo a qual
morrer bem é falecer em casa, rodeado pela famfl ia (que deverá
providenciar um enterro condigno e cat61 ico, mandar rezar missas
pela alma do falecido, lembrá-lo nas suas orações e cuidar-lhe da
campa) depois de ter saldado todas as dfvidas a vivos e a santos
e de ter perdoado e ter sido perdoado por qualquer pessoa com quem
mantivesse um contencioso. De acordo com esta concepção são tam-
bé~ correntes as refer~ncias a aparições a almas dos que tiveram
uma ~á morte, dos que ~orreram longe da famfl ia, especialmente
de desastre e que deixaram alguma dfvida por saldar ou alguma co~

tenda por resolver. Estas almas podem ser afastadas da casa ou dos
currais com um defumadoiro,mas se o infort6nio que a sua presença
causa persistir deve-se procurar saber, através duma espfrita, o

(I) A import~ncia do acto de ~udar as marcas que dei imitam os te~


renos de cada proprietário é recorrente em diversas zonas de
minir6ndio . onde se considera que estas pessoas se transformam
depois da morte, em almas penadas que ficam sobre a Terra para
pedir perdão pelo acto realizado. Este caso é referido por Pa-
trfcia Goldey para o contexto minhoto (Goldey, ), por Lis6n
Tol losana para o contexto galego (Tol losana, 1979) e por Maria
Catedra To~as nas Ast6rias (Tomas, 1976)
que pr etendem . Geralmente v~m pedir ou o perd ã o dos vivos e/ ou
m1ssas por sua intenç3o ou ainda dedicadas a um santo a q uem de -
viam promessas ; o que lhes permitirá ascenderem mais rapidamente
ao Céu e ao descanso ete r no . Em troca , estes eso f r i tos vão pr o -
teger a pessoa que por elas inte r viu dos " ataques " dos "esp fr i -
tos maus" . Quanto ~s almas que j~ se encontr am no C~u , estas só
inte r v~m junto dos v i vos para os pr oteger, em especia l aos seus
fami l ia r es .

Esta deFinição da a l ma e da v i da depois da morte aproxima - se do


que é consignado pela Igreja Cató l ica mas não lhe corresponde
totalmente . Segundo a rei igião católica , qualquer pessoa possui
uma alma desde o momento da sua concepção.

Logo após a morte as almas comparecem perante Deus , ou seja , s3o


ilum i nadas e inteiradas do seu destino . O i nferno~ o desespero
de se ser eternamente privado da visão de Deus depois de O ter
conhecido após a morte . O Purgatório é o desesper o pela p ri vação
te~porária dessa visão . Essa privação será maior ou menor conso-
ante os pecados co~etidos em vida , ou seja , ~ um te~po de casti-
go e purif i cação .

As almas do Pu r gatóri o são passivas e só os v1vos podem real i zar


actos que reduzam o seu tempo de privação . Esses actos consistem
em · esmolas , realização de missas por i ntenção e oração . Uma vez
no Céu , ou seja , privando no espaço dos santos , as almas podem
interceder junto de Deus pelos vivos .

Por definição Céu , Purgatório ou Inferno não correspondem a ne -


nhum espaço f f s i co , e essa noção só ~ introduzida com valor me -
tafórico . As intervenções das almas junto dos vivos realizam-
-se Je dois modos: ou quando as almas do Céu intercedem junto
de Deus ou por intervenção directa dos demónios . Est as 61timas
J

intervenções são astuciosas , muito complexas e raras , não cor-


r espondendo ao que na visão popular é conside r ado estado de
possessão (I) .

Ma• segundo a concepção predom i nante em Calhand r a , as a l ~as do


Pu r gatório e os "esp f ritos maus" encontr am - se a penar sobr e a
Ter ra e podem intervir junto dos vivos . ~a maior ia dos casos
"encostam- se" a pessoas e animais causando -l hes dist6r bios •g r !
ves .

Há mo~entos espéc f ficos em que os i ndiv f duos são mais vu l ner á -


veis (ou por atravessa r em uma crise de vida , ou por se encon -
trar em enfraquec i dos fis i camente ou ainda por ter em um sobr es -
salto nocturno sem causa apar ente) e os espT r itos podem " entra r "
neles , aniquilando - lhes tenpor ar i amente a consciência . Este es-
tado é conhecido por "Ficar com a morada aberta ". Uma pessoa
nestas condições fica possessa de qualquer esp f rito que de l a se
" abeire" , seja e l'e " bom" ou "mau ". Enquanto s e r possesso pode
man i festar u m Jos seguintes compor tamentos : tentativas de ho,icf
dio , crises histéricas e "desmaios espirituais" {2) • Nestas si -

(I) Segundo informação do pr i or de Mortágua.

(2) São ass i m designados os estados de prostação .


4~.

tuações as pessoas são levadas a um{a) exorcista ou a um padre


para que lhes retire o espfrito e lhes "feche a morada". Mas
aqueles "que t8m o destino de trabalhar" (I) ningu~m lhes con-
segue "fechar a morada" e s6 encontrarão sossego quando deles
se apossar um espfrito bom que se tornará o seu "guia". Nesta
ocasião essas pessoas tornam-se espfritas.

Em Calhandra, entre 8 a 9 anos atrás, três mulheres passaram


por este processo e tornaram-se m~dias. São elas uma rapariga
de uma famfl ia considerada rica segundo os padr8es locais, que
tinha nessa altura 19 anos; uma mulher que acabava de enviuvar,
co~ pouco mais de 50 anos de idade; a nora desta, mulher jovem
e com filhos pequenos. A famfl ia destas duas 6ltimas mulheres
é considerada "honesta", ou seja, situa-se no nfvel intermédio
do padrão de riqueza. Há três anos uma outra mulher, uma das
mais pobres da aldeia e que enviuvou cedo, passou pelo mesmo
processo e tomou co~o guia S. Cipriano pelo que aprendeu no I 1

vro do dito a ler nas cartas e a realizar exorcismos. No pri~

cfpio da sua actividade tratou um homem de cinquenta anos, re-


tornado, originário do CaramuJo, con quem vive actual~ente. E!
se homem começou a trabalhar co~o esp(rita desde 1983. Vejamos
mais detalhadamente como ocorreu esta transformação. Em 1975 a
primeira pessoa a ter a "~orada aberta", nessa altura uma jo~em

de 19 anos, andava a enxertar videiras con a sua famfl ia quando


perdeu a visão e desmaiou. O médico diagnosticou a cólera, de
que houve um surto end~ ~mico nesse ano. A rapariga Ficou algum

(I) Trabalhar como "adivinhoas"


tempo na cama recusando-se a ingerir qualquer ai imento e a to-
mar os medicamentos porque, segundo a interpretação que hoje
faz, os espfritos maus que a possufam tal não a deixavam fazer.
Os pais levaram-na ~ espfrita de Boialvo, local idade que dista
cerca de 15 quil6metros de Ca lhandra e cuja média~ originária
desta povoação. Af a gu1a, Santa Maria Adelaide (I), declarou
que a rapariga tinha a "morada aberta" e seria necessário fa-
zer-1 he umas "rezas' ( 2) para a fechar. Ma I chegou a casa v o I tou
a ficar prostrada, ou seja, novamente com a "morada aberta" e
possessa pelos espfritos. Este processo repetiu-se várias vezes
mas a rapariga, sistematicamente, tornava a ficar possessa, ora
não dando acorJo de si, ora manifestando uma força e poderes
desconhecidos. Conta como exemplo que um seu cunhado, emigrante,
a levou de ca rro ao Santuário de Fátima. Possufda por um espfri-
to "mau" ela não queria af chegar e bastou-lhe desejá-lo para
que o carro se avariasse.

Na impossibi I idade de a trata~ a espfrita de Boialvo levou-a u ma


outra média em Sequins, cuja guia, Santa Teresinha, lhe declarou
que ela teria de trabalhar como média. Começou então o longo pr~
cesso de "cultivar a morada" e que consiste em conseguir contro-
lar os estados de possessão, na impossibi I idade de~echar a moradd~

(I) Não se trata efectivamente de u~a santa pois não foi canoniza
da pela Igreja mas~ alvo da devo~ão popular e realizam-se
nu·nerosas peregrinações ao seu t<.i .nu I o.

(2) Os encantamentos, do género dos que foram expostos no capftu-


lo anterior, são designados localmente por "rezas".
4 '3.

F i cou a residir com a esp fr ita de Boialvo , a qual lhe ensi n ou


algumas "rezas" que a fariam sentir - se melhor e com quem fazia
a "descarga" cada vez que os esp f ritos a atacava~ . "Fazer des-
carga " consiste em passar o(s) esp f rito(s) que atormentam uma
pessoa com a "mor ada abe r ta" pa r a outra com a " mor ada cultiva-
da " que , como tal , os poderá env i a r embora . Quando vo l tou par a
casa falou pela boca o esp f rito de um i r mão falecido num aciden
te da guer r a co l on i al , que dec l a r ou que a i r mã se ir ia cu r a r e
que ele a protegia . Como em qua l quer outra ocasião em que está
em estado de possessão , o que equiva l e a que a sua alma e o seu
estado de consciência sejam tempor ariamente aniquiladas pelo es
p f rito , a r apar iga não se lembr a de nada do que se passou . A ai
ma deste i rmgo falecido assumiu - se como o seu pr imeiro gu i a , e -
vitando que ela fosse possu f da por esp fr itos e r rantes a não ser
quando os chamasse . Uma esp fr ita possu i sempr e um gu i a e s 6 a
ele consegue chamar. Esse guia se r ve de mediador que depois tra
r á qua l quer esp f rito com que se deseje comunicar , o que imp li ca
que desde o momento em que " o gu i a desce" os ataques de posses-
s3o cessam quase totalmente . Nessa altu r a a rapar1ga voltou a
Boialvo para completar a sua in i ciação . Res i d iu a f d ur ante tr~s

meses , colaborando nas sessões da esp fr ita local . Quando voltou


trazia como gu1as o " i r mão soldado" (ass i m l he chama) e Sa nta
Maria Adelaide , e começou então a dar consultas .

O p r ocesso, ou cr1se - po i s é v i vido pe l os pr otagonistas como


uma cr1se de vida - a tr avessado por esta rapariga até se tornar
"~édia" é muito seme l hante ao que foi seguido pelas r estantes
adivinhoas de Calhandr a . Estas óltimas apresentam contudo a l gu-
mas va ri antes a mais significat i va das quais é o facto de apon-
tarem uma explicação causal para o facto de terem ficado co~ a
"morada abertQ". u~a Qtribui o facto a um susto nocturno que
apanhou quando, já v i lJVQ, scnt i u uma presença ( i 'nag i n~r i a) no
seu leito. Nesse sobressalto os espfritos "entraram" nela e
ficou com a "morada aberta". As restantes apontam co~o causa
o estado de enfraquecimento em que se encontravam na altura ,
poes uma acabara de perder a filha ainda adolescente e a ou-
tra começara a sofrer de graves ataques de asma. Começou en-
tão o tempo de crise que todas descrevem como de grande so-
Frimento, como uma verdadeira luta de viJa ou de morte travada
com os diversos espfritos que as assomavam . Contam, e os vizi-
nhos confirmam, que rastejavam pelos caminhos, ensaguentadas
e sem sentir a dor; que gritavam como loucas e batiam em quem
delas se aproximasse quando possufdas por um espfrito. Uma não
se podia aproximar de poços , cursos de água ou fogueiras sem
se agarrar a qualquer coisa pois os espfritos Jo mal impeliam-
-na a atirar-se. Outra Ficava "tolhida co~o uma velha de 80
anos" sem poder mexer nenhum membro e inclusivé não podendo
falar quando queria invocar Nossa Senhora para vir em seu au-
xfl io. Outra ainda , conta que os táxis em que se deslocava
para consultar exorcistas eram sistematicamente avariados pe-
los espfritos.

Durante este perfodo todas recorreram a esp fri ta~ exorcistas


e padres pedindo-lhes que lhes exorcisassem os espfritos e
I hes "fechassem a morada". Nem mesmo os padres foram eFicazes (I)

(I) O recurso aos padres nesta aldeia s6 é feito em caso de lJI-


ti~a necessidade quando as "adivinhoas" se mostraram inefi-
cazes. São ai iás muitas vezes aconselhados pelas espfritas •
. . . I . ..
50.

e os espfritos voltavam a asso~á-l~depois de um breve perfodo


de afastamento. A todas foi anunciado, através do guia de uma
média, que teriam de trabalhar na "vida espiritual", e o seu
pr6prio guia "desceu" num curto espaço de tempo. Desde o m~men

to em que recebeu a protecção de um guia as crises de possessão


incontrolada e involunt~ria cessam de imediato. Começa~ a aten-
der pessoas que desejam comunicar com os espfritos de mortos e
simultaneamente retomam os seus afazeres quotidianos!que as fr!
quentes crises de possessão e as viagens que realizaram para
consultar"adivinhoas" não lhes davam disponibilidade para se
ocuparem •

... / ...
Actualmente a igreja s6 autoriza exorcismos em casos de pos-
sessão devidamente comprovadas por um prelado que reside na
c~ria episcopal da cada diocese, e para os quais~ necess~ria
a autorizaçgo do bispo . Qualquer outro exorcis~o é veemente-
mente condenado . No entanto estas disposições eclesiásticas
datam deste século e os padres, não s6 por tradiç~o como pe-
lo carácter sagrado das funções que exercem continuam a ser
considerados co~o exorcistas preferenciais. Isto coloca os
padres interpelados perante a escolha/ dei icada e~-
tre recusarem a ajuda pedida pelas pessoas verdadeiramente
angustiadas que a eles recorrem ou serem colaborantes num tl.
pode discurso que é condenado pela Igreja. ~:uitos recusam-
-se imediatamente, outros aceitam rezar com as pessoas e como
as orações e acções realizadas por um padre são sempre con-
sideradas sagradas, mesmo que eles se recusem a fazer um e-
xorcismo qualquer acto que realizarem ser~ eficaz . Outros
ainda aceitam participar no discurso das espfritas, arrisca~
do-se a serem desobrigados das suas funções sacerdotais pelo
bispo. O n6mero de padres que recebe~ pessoas que se declara~
possessas ou atormentadas por espfritos ~ bastante 1 imitado,
mas esses s5o geralmente muito procurados e famosos , como p~
de observar junto de três sacerdotes com Fama de exorcistas
- fama essa que recusaram -da diocese de Aveiro.
5i.

Os guias são sempre os espfritos ou de santas ou de pessoas .


popu I armente const. d era d as santas.
(I) Nesta povoação os espfri-

tos t~m por guias Santa Maria Adelaide, a Rainha Santa Isabel,
Santa Terezinha e o Padre Cruz.

A cartomante considera que o seu guia é São Cipriano, o qual


lhe ensinou, através do seu I ivro, como ler nas cartas e quais
as orações a dizer para rea I i zar um exorcismo~) A I ém destes
guias podem invocar a protecção de um fami I i ar já falecido cu-
ja alma est~,supostamente, no Céu. Estão neste caso inclufdas
a média mais jovem, protegida pelo espfrito do seu "irmão sol-
dado" e a cartomante que refere a comunicação feita em sonhos,
em diversas ocasiões, com o espfrito da fi lha falecida na ado-
lescência.

As médias podem invocar o seu espfrito-guia em qualquer ocasião


que o desejem. Para tal basta-lhes rezarem orações do formulá-
rio da catequese e concentrarem-se oo seu desejo de co~unicarem

com o guia. Quando este desce o seu estado de consciência é ani


quilado e elas tornam-se no vefculo de comunicação com o guia,
por cuja boca os espfritos falam. Nesta ocasião é necess~ria a
presença de um interlocutor para expôr ao guia o seu problema.

(I) Foram-me referidas médias da região de Aveiro que tomavam


por guias os espfritos de antigos médicos.

(2) As outras cartomantes da zona, residentes no lameiro do luso


e na Pampilhosa, não invocam a protecção deu~ guia que jus-
tifique o seu saber e poder. Uma aprendeu a ler nas cartas
com a av6 e a outra considera que nasceu com esse dom.
52.

O espfrito do santo expõe a causa do infort~nio e, no caso


de se tratar de espfritos que desejam comunicar com os v1vos,
trá-los a falarem por intermédio da média. No final do diálogo
estabelecido entre o espfrito e o seu interlocutor o guia ~esce d
novamente para se despedir e a méJia recobra a consciência.

O poder das médias vem-lhes da capacidade de comunicaç~o com o


guia. Esta comunicação efectua-se por meio da aniquilação tem-
porária da personalidade da média que assume nesse ~omento as
caracterfsticas do seu espfrito guia (1). Este pode, por sua
vez, invocar qualquer outro espfrito e trazê-lo b presença dos
vivos através da ~édia. Ao contrário do que acontecia durante
os estados de possessão sofridos pela média antes de "cultivar
a morada", este novo tipo de possessão pelos espfritos não é
perigoso pois está subjacente o controle e a protecção do guia.

A média não tem o poder de controlar os espfrito~mas apenas o


de com eles comunicar. A espfrita pode-se definir como uma pos-
sufda que consegue controlar esse estado de possessão . Ela tem
a função de ser um vefculo de comunicação entre os vivos e o es
pfrito de um santo - o seu guia protector - e , através deste,
entre os vivos e os espfritos dos mortos em geral. Si~pl ificad~

mente esta relação pode-se exprimir pela seguinte imagem:

r Mundo dos~· ~édia1f


VIVOS

(I) "Em geral todo o indivfduo com poder de soltar a sua alma é
um mágico; não se conhece excepção a esta regra"(Mauss, 1974:
6s).
Todo o poder das médias lhes vem de servtrem de meio de comu-
nicação co~ o guia - diz-se habitualmente que um determinado
facto foi revelado por um santo "que falou na F ••• " e n~o que
a média o revelou - e da protecção desse espfrito santo. Esta
protecção justifica que os encantamentos proferidos pelas mé-
dias sejam con~iderados mais eficazes do que quando efectuados
por outra pessoa.

Tornar-se média é adquirir um novo poder e um novo estatuto.


O processo que esta sofre entre o momento de "abertura da nora-
da" e a descida do guia tem a função de um rito de passagem e
como tal é encarado tanto pelas médias como pela restante comu-
nidade, apesar de nenhuma cerimónia assinalar esta transforma-
ção. Podemos organizar a sequ~ncia deste processo em tr~s mome~

tos correspondentes aos três estádios dos ritos de passagem


classificados· por Van Gennep (Van Gennep, 1977).

O mo~ento em que ficam com a "morada aberta" Funciona como um


rito de separação. A partir de af estas mulheres encontram-se
num estado marginal em relaç3o ~ sociedade: são incapazes de
cumprtr as suas tarefas domésticas, têm comportamentos profun-
da~ente estranhas, estão possessas por espfritos do mal e não
são mais responsáveis pelos seus actos. Enquanto seres possufdos
e sem controle sobre si elas são pertgosas para si mesmas e para
1
os outros. Todas encara~, ai iás, esta fase co~o sendo a mais do-
lorosa e perigosa crise que alguma vez atravessaram, caracterf~

ticas estas apontadas por Mary Douglas co~o recorrentes nas si-
tuações marginais dos estaJos de transição entre dois estatutos
sociais: "( ••• ) mais KGennep, qui, avec une pénétration plus so-
ciologique, comparait la société à une maison avec des chambres
et des corridors- et aPfirmait que le passage de I 'un à I 'autre
était dangereux. C'est clone pendant les états de transition que
réside le danger, pour la si~ple raison que toute transition est
entre un ~tat et un autre et est ind~finissable. Tout individu
f l'ha)'\t>
qui passe de I 'un b I 'autre est en danger , et le danger de sa
personne. Le r"te exorcise le danger, en ce sens qu'il sépare
I ' individu de son ancient statut et I 'isole pendant un temps
pour le faire entrer ensuite publ iquement dans le cadre de sa
nouvel le condition . Non seulement la transition ele-m~me est
dangereuse , ma1s aussi les rites de s~grégation . constituent
la phase la plus dangereuse du rite . " (Douglas, 1981 :I 13)

Este perfodo de marginal idade adquire também as caracterfsticas


de um perfodo de iniciação pois as adivinhoas a quem estas mulhe
res recorreram enquanto possessas tornaram-se suas mestras . O
discurso acerca dos espfr i tos e acerca dos seus •ne i os de i nter-
venção, tal como o discurso sobre as bruxarias malignas efectu!
das entre vizinhos 6 sempre melhor dominado pelas "adivinhoas"
do que pela restante população. Este discurso foi enriquecido
empfricamcnte durante as sessões que rrequentaram quando posse~
sas . Além disso, desde que lhes foi anunciado que teriam de se
tornar espfritas , houve sempre uma outra média que lhes ensinou
alguns encantamentos para sua própria protecção .

Com a descida do guia começa o processo de agregação à sociedade .


Fina l izam a sua iniciação junto de outra média realizando algumas
sessões na sua presença . Começam a dar as primeiras consultas ,
ss.

_ geralmente a fami I iares. Quando começam a ser procuradas por


vizinhos e pessoas de fora a sua iniciação está terminada: os
seus estados de possessão são agora controlados, o seu novo
poder e estatuto reconhecidos socialmente. O doloroso proces-
so que atravessaram além de marcar a sua mudança de estatuto
justifica, tanto perante a comunidade como na visão das pró-
prias espfritas, o novo poder que adquiriram.

Esta etapa de transição e mudança é extremamente angustiante


para as futuras "adivinhoas" e para os seus familiares. A mu-
dança radical no seu comportamento, os estados de descontrole ,
a interpretação desses co~portamentos como sendo de um ser pos-
sesso, de um "corpo aberto", tudo concorria para que se pudesse
temer pela sua vida. O conceito de que um "corpo-aberto" se po-
derá tornar espfrita é aceite pela comunidad~ pois insere-se
no seu sistema cognitivo ( u.n "corpo aberto" é, ta I como a mé-
dia u~ ser através do qual os espfritos dos mortos falam)mas
estas transformações s~o raras. Não era conhecido nenhum gru-
po de pessoas que tivessem passado por tal processo e que pu-
desse servir de modelo. O facto de no espaço de um ano, três
dos seus habitantes se terem transformado em médias veio ori-
ginar uma certa co"rrvu I são soe i a I • IM cerca de ~ anos e durante
4 ou 5 meses as três novas médias faziam sessões p6bl icas jun-
to ~ capela privada d a aldeia. ta~ assistir quase todos habita~

tes da povoação e diversas pessoas de aldeias vizinhas, re-


zando todas em conjunto. Durante estas sessões falavam através
56.

das médias diversos esp fri tos , alguns dos quais de familiares
dos presentes o que veio originar contenciosos . As sessões
transformaram-se no palco de lutas individuais e inter-famia-
res, pelo que deixaram de se realizar. Mes~o actualmente a
sua referência e recordaç3o é evitada . Mas durante a sua curta
duraçgo estas sessões provaram perante todos o poder que õs no
vos espfritas agora possufam e espalhou a farna da aldeia. A sua
aceitação pela comunidade como médias tornou-se completa , e o
seu poder confirmadoJquando os vizinhos passaram a consultá-
-l as sistematicamente sempre que alguma situaç3o de infort6nio
se lhes deparava.

As sessões efectuadas pelas espfritas assemelham-se entre s•.


Realizam-se na sala de visitas a qual, em qualquer casa, se
situa junto ~ porta principal e é mobilada com um ou dois ar-
mários de louça, uma mesa e cadeiras colocadas ao centro , e o
ba6 que conteve o enxoval da dona da casa . As paredes são in-
variavelmente decoradas com fotografias de familiares e imagens
de santos. Esta divisgo s6 é utilizada para receber a visita
Pascal e nas refeições cerimoniais; é ainda af que são coloca-
dos os defuntos durante o vel6rio. Nas salas das espfritas en-
contra-se uma maior profusgo de imagens de santos , geralmente
oferecidas por quem as consulta , e sobre a mesa encontram - se
geralmente um terço, um crucifixo e algumas figuras de santos .

As sessões são sempre - antecedi das por uma conversa i n for-


s~.

mal (I) enquanto os participantes se distribuem e~ tor no da


mesa . A esp fri ta coloca as imagens rei igiosas voltadas para
si , concentra - se mur~u r ando uma o r ação de olhos fechados , e!
trenece , coloca as mãos na posiç5o de oração e começa a Fa l a r
com a voz alterada : " desceu o guia" , é agora o espt ri to que
fala por sua boca . Este começa sempre com a mesma expr essão :
Santa ~aari a Adelaide diz , através da sua ~édia -trans~issora (2~
"Eu vim em no~e de Deus e da nossa mãe Maria Sant f ssima . Dizei
irmãos ••• ", o Padre Cruz guia de dois esp fri tas da aldeia , uma
mulher e um homem , r epete a seguinte Fr ase : " Em nome do Pa i, e
do Filho , e do Esp fri to Santo . Deus vos abençoe (e faz com a
mão o sinal da Cruz). Ao que vindes ir mãos?" Os restantes pre-
sentes exp8em o seu problema ao guia o qual lhes explica a ca~

sa do infort6nio: uma bruxaria , 1nal de inveja , assombramento


de esp tri tos ou ainda "doença de médicos" . Neste 61timo caso
as pessoas procuram habitualmente saber se deverão consu l ta r o
seu médico assistente ou outro, onde se localiza o mal e se
terá, ou não , solução . O guia nunca indica o nome de um méd i co
mas por vezes aconselha que se recorra a um especialista ou aos
médicos de Coimbra . Habitualmente descreve , em traços ger ais , o
tipo de doença e a sua evolução futura . No caso de se tratar de
uma bruxaria ou de "mal de inve~a" pode apontar de fo r ma amb f-
gua quem deseja o mal , referindo os laços que I i gam a pessoa

(I) Note-se que a ma i o ri a das pessoas recorrem ~mesma "adivi-


nha" diversas vezes e durante estas conversas transmitem
muita informação sobre si mesmas. Este facto nunéa é r eco-
nhecido pelos pr6prios nas descrições posteriores que fazem
das sessões em que participaram , o que é explicável pelo es
tado de enervamento e ang6stia em que se encontrava~ .
(2) A ~édia L6cia , referida nos apêndices .
58'.

ao Cau.snJor do Wlc"\l, vnas Seh'l ttune.a o nomeay-. Em a I gumes ocasiões con -


firma o nome de uma pessoa apontada pelas vftimas . Estes casos
são raros: na maioria das vezes o guia I imita-se a apontar a cau
sa do mal e indicar cue a média ensinará ~s pessoas um encanta-
mento ou um defumadouro para se defenderem . O mesmo acontece
quando é diagnosticado um assombramento nos animais contra o
qual as pessoas se I i m itarão a fazer um defumadouro e/ ou um e~
cantamento . Se forem as próprias pessoas , ou seus familiares (1),
os "achacados", o guia "vai buscar" o esp fr ito que as assombra .
Este .esp fri €o', que · p nssa a Falar através da méd ia, identifi
ca-se sempre como um pecador que anda "encostado" ~s pessoas cm
causa 1 ou porque isso o conforta ou porque lhes deseja mal . As
pessoas tentam descobrir-lhe a identidade e a relação poss r vel
que teria com elas . O espfrito pode-se definir desde logo co~o
um desconhecido ou como alguém sem nenhuma relação de parentes-
co ou vizinhança com as v f timas as quais lhe ordenam imediata-
mente que não as continue a incomoda r. No caso de ser o esp fri to
de um conhecido que cometeu um crime grave-suic f dio , homic f dio
ou roubo - é geralmente expulso. Pode - se tratar da alma de um co
nhecido o qual pede o perdão aos vivos e o pagamento de uma pro -
messa a santos ou a real izaç~o de u~a missa, o que lhe é sem pre
concedido . Quando o espfrito desaparece o g uia volta a falar , c~

meçando por repetir a expres são introdutória • . Faz uma sfntese


da situaç3o e aconselha as pessoas ou a recorrerem a um exorc•s-
ta, caso se trate de um "espfrito mau ", ou a realizarem algum

(I) Muitas vezes as médias são consultadas pelos proble~as de um


familiar ausente . Neste caso as pessoas trazem sempre ou uma
peça de roupa ou uma fotog rafia da v r tima ausente .
encantamento que lhes será ensinado pela m'dia. Aconselha-as
sempre ou a mandarem d i:er missas por intenção Jas almas do
Purgatório ou a acenderem velas em capelas e igrejas com o
mesmo fim. O guia retira-se c a méd ia recobra a consci~ncia,
inteira-se do que se passou e ensina os encantamentos ou de-
fumadouros que o guia indicou. Pode ainda realizar ela pró-
pria u m encantamento ou dizer uma oração junto da vftima ou
das suas representações (fotografia ou roupa). No final re-
cusa sempre qualquer pagamento: as "adivinhoas" têm por nor-
ma viver da esmola e nunca exigirem dinheiro em troca dos
seus serviços. A safda as pessoas deixam "esquecido" em cima
da mesa algum dinheiro e por vezes uma oferta de bens ai tmen
tares raros ou pequenos objectos (1).

Só as sessões da carto~ante/exorcista difere~ desta descrição.


Em cima da mesa da sua sala encontram-se, al'm dos objectos
atrás re feridos , duas ed ições do I ivro de S. Cipriano (uma da
editora Lal lo & Irmão c outra das edições livros do Brasil),
uma taça com água benta e uma vela. Quando as pessoas preten-
dem saber a causa do infort6nio ela co~eça por disp8r as car-
tas sobre a mesa , em f ilas de cinco, para depois as voltar en-
quanto as coloca em cruz. Simultaneamente vai lendo nelas a
causa do infortdnio que se in sere numa das categorias indicadas
atrás (bruxaria e mal de inveja, assombramento, doença). Indica

(I) Todas as "adivinhoas" da aldeia me lhorara~ substancialmente


o seu nfvel de vida mas nenhuma faz disso motivo de ostenta
ção.
60.

geralmente , em traços largos, qual a relação que existe entre


a v Ftima e quem lhe deseja mal ou com o esp fri to que assombr a .
No fim lê algumas orações , extra f das do I ivro de São Cipriano ,
que p r otegerão a vftima tanto dos ataques dos vi~os como do
assombramento dos mortos . No caso de se trat~r de um animal rca
I iza essas o r ações sobre um punhado dos seus pêlos os quais de-
verão depois ser espalhados pelo curral da besta doente . Sempre
quese trata de um assombramento aconselha as pessoas a encomen -
darem mi ss~s e acenderem veIas rela salvação das al~as do Pur-
gat6rio.

As orações uti I izadas por esta mulher s~o iguais qualquer que
seJa a explicação causal do infor t6nio (ver apêndice IV). Tal
como o m ~ t odo de ler nas cartas tamb~m todo o processo de e -
xercisar o mal vem in dicado no I ivro de S . C i pr i ano • Por sua
iniciativa a exor c i sta escolheu algumas de entre as orações do
I ivro e apenas repete o ss~~ T~mbém por sua iniciativa abenço~

o paciente sempre que , ao longo da recit ~ção , repete o nome de


Jesus Cristo . Repete umas o ra ções sobr e os pêlos do animal as-
sombrado , no seu curral ou cm cada divisão da cas~ , caso todo
o edif f cio esteja assombr~do . Caso se t r ate de pessoas ela po-
derá ter de I hes "fecha r a mor ada" (I) ut i I i zando uma variante
ma1s co~plexa deste processo . Pode rá apenas dizer as o r ações se
se tratar de uma pessoa ausente ou de um pequeno mal . Se o pro -
blema fôr considerado grave , sendo apontado como causa uma b r u -

(I) A exorci st a util izn est e conceito de u~a Forma d i ferente das
esp fri ta s , pois "fecha a morada" aos seus pacientes par a os
proteger \.de· c sp fri t o s que "andem~ sua beira" e dos ataques
... I . ..
61 .

xar i a ou um assombramento , a I ér:1 dessas orações e I a benze uma


pequena chave em aço que coloca ao peito do paciente com are-
comendação de nunca a retirar nem lavar. Repete uma nova ora-
ção e escreve as diversas designações porque é conhecido o
Diabo num papel que queima seguidamente . Neste caso os pacientes
ter~o de voltar dentro de três , cinco ou sete dias - "tem de se
pern~o" isto é, n6mero fmpar - para repetir o processo . Só nes-
sa altura a "morada" estará fechada .

Para as pessoas que se encontram em estado de possess~o, grita~


do ou não reagindo, a exorcista introduz duas novas orações, I-

gualmente extra f das do I ivro de S . Cipriano . O resto do pr ocesso


é ·idêntico ao que foi descri to .

A ma1s interessante das sessões de exorcismo a que assist r rea-


lizou-se em casa dos próprios pacientes , um casal de retornados
de meia -i dade , residentes no concelho de Aveiro . Tinham consulta-
do diversas "adivinhoas", entre as quais esta mulher , pois nem
o seu pequeno comércio cem a vida familiar eram bem sucedidas
desde que voltaram das ex-colónias , e os seus Filhos sofriam
repetidamente pequenos acidentes e contrariedades . A própri a
exorcista dissera-lhes andarem a casa e a loja assombradas, sen -
do pois necessário realizar um exorcismo no local •

. . . I . ..
de bruxaria feitos por vivos. Por def inição em nenhum destes
casos se tem a " morada aberta" pois não se está possufdo pe-
los esp fri tos .
Na sessão colaborou o homem con quem v1ve maritalmente e que
trabalha como espfrita. A sessão começou em torno da mesa da
cozinha onde foram colocados um crucifixo, uma vela e o I i-
vro de S. Cipriano. O guia do espfrita desceu e indicou que
aquela casa andava assombrada por d iversos espfritos pois tl
nha sido construfda sobre um terreno roubado e passado nmui-
ta trafulhicen fora realizada no seu interior (1). Depois
do guta se ter retirado a mulher começou o exorcismo pelos
quartos mais afastados, repetindo em cada um as mesmas ora-
ções. Ao chegar ~ cozinha, onde se encontravam os restantes
presentes, o espfrita começou repentinamente a contorcer-se e
a gemer: estava possufJo por um espfrito mau. Foi imediatamen
te seguro pelo casal de pacientes enquanto a mulher o interp~

lava segurando um crucifixo voltado para ele. Disse ser o es-


~ N
pfrito de um homem mau, muito mau, que ai i andava com os seus
c6mpl ices pois o terreno fora roubado por eles. Afirmou tra-
balhar para o Diabo e não conhecer Deus e declarou que teria
~
ficado para sempre naquela casa se esta bruxa não o tivesse
impedido. A ~ulher ripostou-lhe que era uma nbruxa de Deusne
começou a murmurar orações. As contorções tornaram-se menos
violentas e por fim o espfrita recobrou a consci~ncia queixa~

do-se de dores em todo o corpo. A sessão de exorcis~o continu


ou pelos currais e pela loja e por fim foi novamente invocado
o guia o qual declarou terem sido aqueles espfritos do mal de
finitivamente afastados - embora tivesse deixado em aberto a
hipótese de outros espfritos voltarem a assombrar a casa. A-
firmou que os danos teriam sido maiores se o casal não gozas-
se da protecção de todas as almas boas por quem tinham rezado.

(I) Trata-se de uma casa alugado há poucos anos pelos seus


ocupantes.
G3.

Nesta descriç3o estão ilustradas as principais caracter r sticas


do poder , ou do~ , das"adivinhoa~~ Estas são a capacidade divi -
natória q ue pode ser exercida através do guia ou da leitura
das cartas , e a capacidade de comunicar com o mundo dos esp fri-
tos . A "adivinhoa" pode a i nda assumir o poder de os expulsar
atr avés do exorcis~o . As orações e encantamentos por elas rea-
lizados pertencem ao r eoor t6r io local e foram referidas no ca -
p f tu l o anterior ; conside r a - se que a sua eficácia é incrementada
quando realizadas pelas "adivinhoas" . Note-se que s3o utiliza -
dos profusamente símbolos r ei igiosos : imagens de santas , te r ços ,
crucifixos , velas , água benta . As esp fri tas têm por guia o esp f-
rito de um santo ou de u~a pessoa popular mente considerada san-
ta . A frose repeti da pe I o guia ao introduz i r-se e a pos i ç3o das
mãos da esp fri ta pertencem ao ri tual I it6rgico. As re fer~ncias

rei igiosas s3o constantes no seu discurso e nos encantamentos


que pro ferem .

Numa soc i edad e em que o do~ fni o do sagrado e do r ei i gioso se


confundem , esta util i=ação constante dos s f mbolos e do discur-
so rei igioso por parte das adivinhoas torna válidas as suas
propostas e actos . Por outro lado elas t8~ o poder de contacta r
com o mundo dos mortos , os quais podem causar danos graves aos
vivos . Nas suas sessões efectuam-se muitas vezes lutas ent re o
Bem e o Mal~ de que é um exemplo o exorcismo at rá s descrito . A
exorcista utiliza as o r ações do I ivro de S . Cipriano onde tam-
bém se encontra ~ descritos encantamentos para dominar os actos

e a vi d a de outras pessoas . Este I ivro é considerado perigoso


em si , possu f- lo pode trazer danos , e é de conhecimento geral
que "um 1vro tanto dá para o Bem como para o Mal " ou ainda

, 're ~ . r ..
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r(', ·cl, r c.. 'ta, d SN:Hico V'IO S€1J ed. . do ~ ..'nre ~
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( ~'>-Jr• ' í c; 1F

J\ 'l- ( ( -r o ( f d r r: t C' ' ''l· ~)


"qualquer pessoa pode fazer hruxarias com o livro de S . Cipriano".
A figura das "adivinhoas" 6 sempre conotada co111 uma certa ambigui-
dade relativa ~s suas intenções e à natureza dos poderes que lhes
são atribufdos . Esta ambiguidade transparece nos ter~1os por que
são designados . Quem a elas recorl."e diz que Foi a "essas mulheres"
ou que teve de "andar por esses caminhos" . O termo uadivinhoa" s6
surge na conversa dos seus clientes quando falam com estranhos, es-
pecial~ente com pessoas da vi la ou de longe, face aos quais não
se que rem compro~cter como crentes no poder das "mulheres". O
termo "bruxa" para designar estas pessoas s6 é uti I iz ad o por quem
quer af irmar perante o seu interlocutor que não acredita no saber ,
ou poder , <.las muI heres de v i rtuc.Je. Pode ::. i nda ser ut i I i ::ado dum
modo relativamente jocoso pelas populações das povoações vizinhas
quando se referem a Calhandra co~o "a terra das bruxas" (1 ) . De
facto estes +rês termos (a,iivinhoas, mulheres , bruxas) não se
euivalem embora possam designar o mesmo sujeito . Ao termo "bruxa"
são ainda conotados seres com poderes diab61 icos.

(I) Este tipo de designação , entre o jocoso e o depreciativo ,


é uti I izado por todas as povoações em relação às que lhe
s3o vizinhas . Du~a outra povoação dizem ser terra de gente
invejosa e onde ln,ça. 'llu ito qu,~branto , de outra ainda que
os seus habitante~ "s6 berram" .
65.

As bruxas são , espec(Ficamente , ~ulheres que entram de noite por


casa dos vizinhos, que fazem barulhos e desarrumam os objectos
domésticos , passeiam-se sobre as telhas , emitem pequenas lu=es
~ noite , batem às portas .
Localmente bruxas são definidas co~o "mulheres vivas que trabalham
co~ o demónio" e delas se contam algumas histórias. Uma mulher torn~

-se bruxa se pertencer a uma série de sete ir~5os , a não ser no


caso da rna1s velha baptizar a mais nova (I); ou então se pedir ao
demónio que a aceite e se "espojar" junto a um burro , ou mesmo ,
se~ tal fazer, se o demónio aceitar com ela o pacto . Apesar de se
dizer delas que t~m poderes diabólicos e que "sugam o sangue às
cr~anç0q" , as histórias que correm s5o inofensivas . Conta-se que
um homem as encontrou~ meia-noite ao atravessar uma ponte; outro
jun~o a u~ pequeno valeiro no caminho para Pinhais onde o cortejo
f~nebre costumava parar para se rezar por intenção das almas do
Purgatório ; outras apareceram a um homem sob a forma de animais ,
à noite ; outro homem contou-me que na sua juventude tinha passado
um serão a rir-se de quem acreditava na existência de bruxas. A
safcla recebeu duas bofetadas tendo-lhe uma voz , no escuro , pergun-
tado :

(I) Se nascerem sete rapazos em série e não rar utilizada a


mesma medida profi lática um deles tornar-se-~ lobisomem e
terá de calcorrear sete freguesias numa noite até que alguém
o pique no flanco esquerdo c lhe retire o encantamento .
Diz-se que os lobisomens "são feitos por Deus" , e as bruxas
pelo dcm6nio .
6b.

"Então, h6 bruxas ou não?". Apesar de nestas histórias, que se


conta~ ao serão , nenhum mal ter sido feito aos intervenientes, o
termo "bruxa" é negativa~ente conotado. Em Calhan~ra as "adivinhoas"
sffo si~plesmente designadas por "essas mulheres" 3 as relaç5es
quotidianas !~varam a que elas não sejam mais receadas do que
qualquer outro vizinho , mas no exterior a associação que surge é
entre "adivinhoas" e "bruxa" e são sempre olhadas com estranhe=a e
desconf ia nça .
Confessou - me a fi lha de urna "adivinhoa", empregada cm Anadia , que
evitava a todo o custo que os seus colegas de trabalho soubessem
ser a mãe "bruxa". u~a mulher duma povoação do vale contou-me ter
impedido o namoro do fi lho co~ a mais nova das " aJivinhoas" de
Calhandr a pois nõo queria para nora uma mulher com fama de bruxa,
e cujo poder ela receava. Ou seja , a esta confusão de termos para
designar um ~esmo sujeito também corresponde uma confusão de lei-
turas dessa mesma real idade. O poder , ou o saber , das " adivinhoas "
é s i multaneamente temido e r equisitado .

Ao definirem-se a si mesmas como "servas de Deus" ou "bruxa de


Deus", ao lembrarem sucessivamente os padres a que recorreram
durante a sua transformação e m "adivinhoas", ao utilizarem um
discurso e s f mbolo s rei igiosos estas mulheres - e homem- estão
a justificar a sua actuação e os seus dotes como positivos para

a sociedade .
Justificam por outro lado a eficácia das suas actuaç5es pots pos-
suem um dom que lhes foi dado pela "vontade divina" .
As "adivinhoas" definem-se co11o pessoas co11 dotes divina.tór ·ios
e poder de comunicar com os espfritos, cuja actuação é benéfica
para a comunidade .
O doloroso "rito de passage~" que atravessaram justifica a obtenção
de um poder nág i co . As numerosas refer8nc i as reI ig i asas presentes
tanto no seu discurso como nos rituais que realizam integram-se
na vis~o da Rei igião desta comunidade . Apesar da ambiguidade
inerente b figura dos que manipulam Forças mágicas e sagradas ,
tanto as "adivinhoas" como os seus pacientes consideram que
estas actuam de acordo com a "vontade divina" .
60.

4. DA INVEJA DOS VIZINHOS AOS ESP!RITOS DOS PARENTES


6J.

Apresentei as "adivinhoas " como uma das categorias de profissionais a


quem , nesta zona , se recorre em caso de infortÚnio . Neste capitulo
procurarei definir concretamente para que tipo de problemas elas são con-
sultadas , ou seja , qual é o seu campo especifico de acção . Tentarei igual
mente definir as razões que explicam ser o seu discurso e as soluções por
elas apontadas pertinentes para os seus pacientes .

O conjunto dos problemas postos perante as " adivinhoas" é bastante diver-


sificado e aparentemente heterogéneo . No quadro A apresento os principais
tipos desses infortÚnios segundo um recenseamento obtido junto dos habi -
tantes de Calhandra e nas sessões a que assisti durante a estadia na
aldeia.

Deste conjunto queria referir o grupo dos problemas enumerados no ponto 1 .


Todos estes casos apresentam em comum o facto de as pessoas se queixarem
da ocorrência não de um , mas de diversos infortÚnios . Os casos apresenta-
dos podem ser uma repetição do mesmo infortÚnio [casos 1 . a) e 1 . g)J ou
de infortÚniosde ordem diferente , em que o paciente refere , por exemplo ,
o empreendimento não sucedido , um caso de possessão e dois acidentes de
viação [caso 1. r)]. Em todos estes casos a ênfase é posta na sucessão
dos males e não em cada infortÚnio isoladamente . O mesmo problema é le -
vantado por Jeanne Favret- Saada no seu estudo sobre a feitiçaria na zona
do Bocage francês:

"L'attaque de sorcellerie , elle met en forme le malheur qui se répete et


qui atteint au hasard les personnes et les biens d ' un ménage ensorcelé
( • • • ) Chaque matin , le couple s ' angoisse : "Qu'est-ce qui va 'core
arriver?" ( • •• ) Quand le malheur se présente ainsi en série , le paysan
adresse une double demande aux gens du savoir : demande d ' interprétation
d ' abord ; demande thérapeutique , ensuite .
le m~decin et le v~t~rinaire lui r~pondent en d~niant 1 'exi.stence d 'une
s~rie ( ••• )Mais quelle que soit l'efficacit~ du traitement au coup par
coup, elle est incomplete aux yeux de certains paysans, car elle affecte
la cause et non !'origine de leur maux. L'origine, c'est toujours la
méchanceté d'un ou plusieurs sorciers, afféllliAs du malheur d'autrui,
dont la parole, le regard et le toucher ont une vertu surnaturelle"
{Favret- Saada, 1977: 17)

11 Alors seulement est proposie â ce soufrant la possibilité d 'interpreter


ses maux dans le langage de la sorcellerie . Un ami, ou quiconque s'est
avisé des progrês du malheur et de l'inefficacit~ des savoirs institu~s,

pose le diagnostic décisif: 11 Y en aurait pas, par hasard, qui te


voudraient du mal?

(Id. ibid.:lC3)

Da argumentação da autora deve sobretudo reter-se a ideia de que para explicar


uma sucessão de inforttmios os pacientes levantam a hi~tese de alguém os
querer e poder desgraçar, controlando forças imateriais, 11 dcnt la parole, le
regard et le toucher ont une vertu surnaturelle 11 •

Aplicando esta explicação ao grupo de problemas referidos atr~s percebe-se que


ao apresentarem âs "adivinhoas" uma sucessão de infortdnios os pacientes terão
previamente colocado a hi~tese de estarem a sofrer os efeitos de um ataque
de uma outra pessoa ou espírito {pois, como j~ foi referido no capítulo ante-
rior, os espíritos podem estar na origem dos problemas dos vivos). Cabe à
11 adivinhoa 11 confirmar esta hi~tese e certificar os seus consultantes de que
a sucessão de problemas é fruto de um ataque pessoalizado.
1-1.
QUAD~O A

~WAN-
CASOS rrtlftff CARACiTER t·ST I'CA '
IF===I=============t===t====ll
a) Terreno que por tr~s vezes fora a hasta
p6bl ica sem nunca ser vendido

b) Pessoa co~ dores de garganta e que sofre


ra pequenos acidentes de viação repeti-
dos I
rJ)
o
c) Homem co~ problemas fanil iares que come-
çara súbitamente a sofrer do coração

d) Mulher que ouvia pingos de água a cair em


sua casa sem descobrir a origem do rufdo.
O filho e a nora tinham falecido por a-
Fogamento num poço I

e) Home~ que ameaçara a mulher de ~orte sem


o
raz~o aparente. Na mesma data deste inci- ~ro
rJ)
dente, nos do is meses anter i ores 1 ti nha'n U)
C!)
mor ri d o dois porcos ao casal I ()
::s
C/)

f) Casal a quem o negócio corr•a ma l, CUJa


nora Ficara possessa e cuJa filha sofre-
ra dois acidentes de migração I

g) Emigrante que durante as férias sofrera


2 acidentes na mesma semana I

7
2 a) Problemas de anlmais: vacas ou bezerros
que recusam os ai imentos; porcos que de- Inveja e
pois de capados recusam os ai imentos;ca- mau - olhado
bras ou ovelhas que morrem sucessivaMen-
te 9
QUAN
CASOS TIDADE CARACTERISTICA

2 b) ~ulheres com problemas de gravidez ou


(cont.) Inveja e
e~ cuja famfl ia se sucedem casos de
mau -olhado
gravidez falhada 4

27

3 a) Adultos , geral~ente mulheres JOvens ,


julgados possessos 6

b) Adultos con comportamentos anormais :


um homem que começara subitamente a
agredir a mulhe r e os fi lhos; uma ra
pariga com desmaios frequentes 2 C/)

o
4-'
c) AcL itas com medos repentinos: é o ca-
so de um homem com sobressaltos noc- t.
turnos e dores de cabeça constantes
e de um rapaz, motorista profissional o.
com receio de conduzir 3 C/)

~------------------------------------------------~------~'' ~
d) Adultos com problemas org~nicos: o
caso de uma mulher com dores de os-
sos e no pescoço par a os qua1s os
médicos não encontravam solução; um
homem que ficava subitamente com as
pernas parai izadas e que os médicos
não conseguiam curar 2

13

"Bruxarias" de
4 a) Esposas de homens com amantes 4 mulheres

4
QUAN-
CASOS CARACTERISTICA
illDAD E

5 a) Progn6stico: um casal que ia abrir


um pequeno comércio e desejava sa
ber se tudo iria correr bem

b) Adultos hospitalizados ou com sus-


peita de doenças graves (o caso de
uma mulher com suspeite de cancro)
cujos familiares procuram saber
qual a evolução do mal 5

c) Pessoas que procuram inteirar-seda


sorte dos fatnil i ares ausentes e de
quem não têm recebido notfcias 3
~--------------------------------------------~------,

d) Pessoas que desejam saber se os seus


familiares , recente~ente falecidos,
"estão bem" 3

12

TOTAL . • • 53
Os infort~os referidos no ponto 2. referem casos com os mesmos sintomas
dos males causados pela inveja e pelo mau-olhado: doenças de animais, crianças
que não crescem, estão enfraquecidas ou recusam os alimentos, pessoas com
dores de cabeça ou de ventre, problemas de gravidez. Fhcontra-se um outro grupo
de infortdnios expressos nos casos de doentes hospitalizados, de problemas
orgânicos sem resoluç~o m~dica, de medos inexplic~veis, de casos de histeria,
de alteraçô'e s de comportamento, de desmaios. Todos estes problemas podem
dever-se ao assombramento por espíritos como foi referido anteriormente.
Ambas estas explicaç8'es (inveja dos vivos ou assombramento dos espíritos)
se inserem na concepção de que o infort~o pode originar-se num ataque
pessoalizado.
A 11adivinhoa 11 tem a capacidade de confirmar esta hip6tese, j~ posta "a-priori"
pelos seus consultantes, e ainda de realizar junto dele s os encantamentos e
oraç8'es protectoras. O caso das mulheres que desejam afastar os maridos das
suas eventuais amantes merece uma atenç~o especial pois necessita de ser
explicado à luz da concep~o local sobre as relaç8'es extra-111aritais mascu-
linas. Nunca se considera que um homem mantenha relaçô'es com outra mulher
al~ da sua legítima esposa por raz8'es afectivas. Estas relações s~o sempre
encaradas ccmo fruto de uma bruxaria feita directamente pela amante ou
encomendada junto de uma "adivinhoa" que "trabalhe para o mal". t encarado
como um ataque à sobrevivência do casal, cabendo à mulher legítima procurar
as 11 adivinhoas" para que estas desfaçam a "bruxaria".

No ponto 5. s~o referidos casos com a característica comum de terem sido


apresentados à qadivinhoa para que esta realize um progn6stico e uma oração
protectora, ou ainda que invoque um espírito específico, tornando-se no
meio de comunicaç~o entre vivos e mortos. S6 nestes casos n~o est~ implícita
a acusação de se e star a ser alvo de um ataque de outra pessoa ou ser.
Estes dados caracterizam o campo de acç~o das adivinhoas: este compreende os
casos em que se supffe que o infortánio ~ causado por uma relayOCo pessoal no-
çiva e ainda os casos em que se busca informaç~ sobre a situa~ pessoal de
individues ou esp!ritos ou ainda sobre a evoluç~o de empreendimentos.
Focarei de seguida o problema das soluç5es apresentadas pelas adivinhoas.
Para tal partirei da descriç~o dos casos perante elas expostas por um n~ero

significativo de casõs de Calhandra. Estes casos s~o expostos no quadro B.


1-b.

QUADRO .R

CASOS APRESENTADOS AS "ADIVINHOAS" PELOS HABITANTES DE

CALHANDRA

NOTA I Esta I ista não é exaustiva pois nem sempre con-


segut obter descrições concretas dos casos,de-
vido ~s caracterfsticas fntimas dos problemas e
das soluções apresentadas. Por outro lado um
proble~a pode levar os pacientes a recorrerem
diversas vezes à "adivinhoa". Caso consulte~
um(a) 6nico(a) especialista na drecrição s6 são
descritos o problema e a solução apresentada e
nunca as diversas sessões a que assistiram.

NOTA I I Nesta I ista são referidas por vezes as "adivi-


nhoas" da aldeia às quais atribuf nomes fictr-
cios. São eles:
L6cia, espfrita, tem por guias Santa Maria
Adelaide e o irmao, ~orto na guerra colonial.
- Prazeres, espfrita, tem por guias Santa Tere-
zinha e a Rainha SantaJsabel.
Ci Iene, espfrita, tem por guaa o Padre Cruz
- Natália, cartomante e exorcista. Habita com
ela um homem natural do Caramulo que desde
1983 trabalha co~o espfrita, tendo por guia
o Padre Cruz. A sua inserç~o na aldeia tem
sido problemática pelo que nunca é consultado
pelos seus actuais vizinhos.
--,
r
.~~
CASA I

I Caso a) Recorreram há 45 anos a uma mulher do


lorv3o, espfrita, por u~a criança ho~
pital izada com uma ferida infectada no
braço
I_

Caso b) Recorreram há 23 anos a u~a espfrita em


Aguas Boas por um recém-nascido com pr~
blemas. ~ão me referiram qual a soluç3o
apontada pela espfrita . No entanto o pai
da criança cumpriu a pronessa de erguer
uma capela dedicada a Nossa Senhora da
l Ajuda se o fi lho se salvasse
l

Caso c) Esse mesmo rapaz sofria de grandes dores


de cabeça aos 15 anos. Foi consultada a
méd ia Prazeres que acusou o esp fr ito de
uma tia do avB paterno de assombrar o ra
paz. Essa tia mor reu sem ter fi lhos e
deixou em testamento todos os seus bens,
de raiz ou obtidas por casamento , a alguns
dos seus sobrinhos de sangue. Consid3 ra-se
que ela anda a penar por ter privilcigiado
a sua famfl ia de origem em detrimento dos
herdeiros do marido . Durante a sessão o
espfrito Foi expulso pois os presentes co~
sideraram que não estavam directa~ente en-
volvidos no assunto uma vez que ainda n3o
herdaram esses bens

Caso d) Em 1983 esse mes~o rapaz, teve dois aciden


tes de viaç3o repetidos. Foram consultada;
a espfrita Prazeres e a cartomante Nat ~l ia.

A média acusou o mesm o espfrito do caso an


terior de andar a assombrar o rapaz. Uma
irm3 deste dirigiu-se a Natália com uma p~
ça de roupa interior do paciente para que
0
ela realizasse um exorcismo e lhe fechasse
a morada ''
------ -
~--
-
1õ.

Caso e) Uma rapariga sofria de dores de cabeça . A


esptrita l6cia diagnosticou "quebranto" e
realizou o encantamento r espectivo , des -
crito anteriormente

Caso f) Consultaram a espfrita Prazeres e acarto


mante Natália por uma vaca que se recusa:
va a dar leite ao bezerro . A primeira dia
gnosticou o assombramento por espfritos
a segunda exorcisou o curral .

CASA 11

Caso a) Há 68 anos um b'bé de famfl ia estava " a


morrer , todo negrinho~ Foi então consul -
tado um esp tr ita que residia no lombo de
Deus que acusou o esptrito de um vizinho
de andar a assombrar a criança. Esse v t -
zinho ao morrer deixara pendente uma df -
vida ao pai da crtança e andava a penar
por não ter sido perdoado pelo seu credor.
O pa i da criança perdoou -l he publicamente,
enco~endou missas por alma do seu devedor
e prometeu uma mo l dura em talha dourada a
Nossa Senhora do Rosário.

Caso b) Há 25 anos recorreram a uma m4dia no Lorv3o


para "desligar" uTI homem da fam tl ia da sua
amante. A média declarou que a amante tinha
realizado "uma bruxaria muito be~ fe i ta" P!
ra "prender" o home'1 contra a qua I nada se
~ pod eria fazer .

c_)___H_á__9
lr-------C-a_s_o___ ----~
___a_n_o_s__r_e_c__o_r _r_e_r_a_m___à _s __e_s_p_f_r__i _t _a _s__d_e__B_o__i _a_l__

vo , Sequins e P6voa de Salgueiro par a saber


se o chefe da fam f l ia, recentemente faleci -
do , se encontrava be~ e não necessitava de
ajuda (paga~ento de promessas ou d t vidas ,
real izaç3o de missas).
Caso d) Recorreram diversas vezes ~s "adivinhoas"
da aldeia por vacas ou bezerros doentes
(e consultaram também o veterinário) . Num
dos casos apareceu u~ espfrito que se que~
xava de ter sede e não ver. Foi identifica
do como sendo o espfrito de um parente que
falecera no hospital na sequência de u~ de
sastre onde cegara . Declarara~ que esse h~
~em morrera certa~ente com sede po1s no
hospital não o tratavam bem

CASA III

Caso a) Recorreram ~s "adivinhoas" do Lameiro do


Luso, Vale de Boi e Boialvo por animais doen
tes

Caso b) Há cerca de 10 anos consultaram a ~édia de


Vale de Boi por uma rapariga que desmaiava
frequentemente . Foi acusado o espfrito de
um bisava da paciente que nas heranças pr~
vilegiara alguns dos filhos em detrimento
dos outros. A fam fl ia cumpriu promessas ao
Sant f ssimo Sacramento , encomendou uma missa
~sarda da qua l distribufram esmolas aos p~
bres

Caso c) Pouco te~po depois adoeceu u~ rapaz e repe -


tira~ o processo descrito anteriormente

r--
CASA I V

Caso a) Há cerca de 35 anos um jovem da famfl ia so-


fri a de dores de ventre . Consu I taram a mé -
dia do lorvão . Foi acusada uma mulher de I~
ter feito uma bruxaria para o obrigar a ca-
sar com ela . O rapaz tomou uma purga
()O.

- .;,-

Caso b) Há 30 anos um b6bé de c~)ca de 10 meses


recusava o lei t~ da m~e} Consultaram u~
carto~ante da Cerca o qual declarou que
a criança fora invejada e andava "aguada"
Realizou um encanta~ento ~ ~cia -noit e e o
b6bé voltou a mamar
1-------~---~-- ---
Caso c) Por essa altura os porcos da fa~fl ia que
tinham sido capados, recusavam a comida.
Foi consultado o mesmo cartomante o qual
acusou uma pessoa que tinha ajudado a ca-
par os animais de lhes ter lançado mau-o-
lhado. O homem da Cerca realizou um encan
tamento

Caso d) Uma mu lher tinha problemas durante a sua


primeira gravidez. Recorreram~ média
L6cia (depois de terem consultado o médi
co) que lhes declarou ter sido o casame~
t o da rapari ga muito invejado. A espfri-
t a realizou o encantamento corresponden-
te

CASA V
1:--------- -- ------ --=-=- ---=---================ ======l
Caso a) Por causa ' de uma criançá que sofria com
bronquite, recorreram há 25 anos a u~a
mulher que via a causa do infort6nio num
copo de água, a qual declarou que se tra
' tava da "doença de médicos "

CASA V I
-- _c~

Caso a) H6 cerca de IS anos uma mulher recorreu


~ cartomante da Lameira do Luso por ter
"dores na espinha". Foi acusada uma mu -
lher chamada "Maria" de lhe ter lançado
uma praga. Nesta casa se rvia uma raparl
....__ -
-
(I ) Nesta reg i ~o é vulgar as cr i.anças serem a I e i tadas ao peito
aos dois anos.
ga com tal nome que foi imediatamente des -
pedida (I). ~eceitou -l he ainda uma garrafa
de "I tquido da farmácia" .

Caso b) Recorreram ~ média de Boialvo e ~ cartomante


atrás referida por um rapaz de 10 anos co~
dores de estamago . A carto~ante declarou tra
tar - se de "doença de médicos". O rapaz foi o
perado a u~a úlcera no estômago poucos anos
depois.

CASA V I I

Caso a) Os animais adoecia~ e ~orria~ sucessivamente


pelo que a dona da casa consultou u~a esp frl
ta em Castelo , um padre "para lá do Porto" ,
uma esp r r i ta e ;n Sequ i ns e outra na Giesta ( 2 ).
A espfrita de Castelo receitou-lhe água Je
marcelas para dar aos ani~ais . O padre acusou
um vizinho de lhe ter feito uma bruxaria que
tinha "pegado" nos animais e fez u~ encanta-
mento protector. A es~rrita de Sequins acusou
o espfrito de u~a ~ulher de u~a povoaçgo v1z1
nha que se tinha suicidado . A mulher da Gies:
ta ensinou-lhe um defumadouro e obrigou-a a
vestir sete dias seguidos uma peça de roupa
diferente. Essa roupa foi depois levada à es-
pfrita que a benzeu e lançou a um rto.

(I) As relaç5es com essa serviçal já corriam ~ai antes da a-


cusaçgo ter"sido feita .

(2) Esta ~ulher é filha de um homicida já falecido . Ela re-


ceia que espfrito do pai a asso~bre , pop isso recorreu
a tantas "adivinhoas".
_ _ _ _ .L.

õz.

- ·-
CASA VIII

Caso a) Há 50 anos uma rapariga de 7 anos tinha fr=


quentes desmaios e dores de cabeça c leva-
ra~-na ~ espfrita de Vale de Boi. Não se lc~
bram da causa apontada mas o pai da criança
foi de no i te buscar terrü ao ce.n i tér i o para
que a espfrita real izassc com esta um encan-
tamento

Caso b) Essa mesma raparigo continuava a desmaiar


c a ter cr1ses histéricas durante a sua JU-
ventude . levaram-na a um püdre "para lá do
Porto" e a outro que residia perto da Serra
da Estrela .

Caso c) Há cerca de 14 anos , tendo sofrido novas


cr1ses de histeria , foi consultar a mádia
de Boialvo . Foi acusado o esp fri to de uma
vizinha que se enforcara de andar a assom -
brar a paciente

Caso d) Para exorc1sar esse espfrito consultou uma 1


"adivinhoa" de junto de Aveiro . Essa mulher
foi por tr~s vezes a casa da paciente ~
meia - noite . Desenhava um "cinco seimão"(es-
trela de cinco pontas) no chão , colocava a
paciente no centro e dizia f6rmulas em latim.
No fim levava algumas peças de roupa cla pa -
ciente para as lançar ao mar "e aos esp fri-
tos agarrados a elas"

Caso e) ll:1u1 uno começou a sofrer de uma série cle


problemas orgânicos e por duas vezes foi
hospitalizada . Recorreu então ~ cartomante
Natál iü pura que lhe "fechasse a morada"
Caso f) A mge desta mulher era consiJerada uma pes-
soa muito "achacada" pelos espfritos . Cor-
reu diversas adivinhoas , entre as quais a
cartomante do Lameira do luso . Foi acusada
a mge da paciente de andar a assombrar . A
mulher acusada tinha privilegiado a heran-
ças alguns dos fi lhos em detrimento dos ou-
tros . Tambén a f foi dito que o espfrito de
uma filha da paciente , falecida com cinco
anos , a protegia

Caso g) Este ano um bébé da famfl ia, fi lho de ema-


grantes , adoeceu ao var de férias para Ca -
lhandra . Recorreram a média L~cia e à car-
to~ante Natália . A mie disse serem os paas
da criança muito invejados pédo seu sucesso
económico , pelo que lhes tinham feito uma
bruxaria com terra do cemitério . S6ro mena
no "pegara" a bruxaria por ser o mais fraco .
Uma semana mais tarde os médicos diagnosti-
car__... am um caso de sarampo . Os pais explica-
ram-me que a criança adoecera por anJar en~
fraquecida com a bruxaria que lhe tinha sido
feita e l~varam-na à cartomante para que es
ta lhe "~nchasse a morada"

Caso h) Adoecera m as cabrase recorreram ~ espfrita


Ci Iene . Foi acusada o espfrito de u ma pare~
te de andar a assombrar as cabras . Essa pa-
rente , recentemente falecida queixou-se de
não ter sido enterrada no cemit6rio de sua
freguesia

CASA I X
~ --
Caso a) Um homem com u m pequeno atraso mental , foi
levado pela famfl ia há 30 anos, a uma mulher
no lorvão que via a causa do mal por um copo
de água. A água vinha turva , sinal que algum
'11al afligia o paciente . A fa-nfl ia interpretou
o facto por ele ter engravidado uma rapa-
rt g a solteira, _ com a qual s6 casou obrig~
do pela lei , pots tratava-se de uma menor .

----'==========================================================~~===1
, CASA X

Caso a) Há três anos consultaram a espfrita Prazeres


por um lactente que não mamava. Foi acusado
u.n ti o da criança que enriquecera traba I h a~
do na venda de peixe e no abate de madei ras
e morrera num ac i dente de tractór . O enrique
c i mento s~b ito e a mo rte acidental levaram
a que fosse suspe ito de te r fe ito um pacto
co~ o D i abo , e de não te r perdão. O espfrito
desse t io ped iu que acendessem velas nas ca -
pelas dedicadas a Nossa Senhora .
-- -----------------------------------------1
Caso b) Nesta fam fl ia nasceu um casal de g é meos em
1983 . Todos os problemas de que estas crt-
anças sofr em s 3o s istemat ica me nte atribuídos
ou a assombramento pelo tio ou ~ inveja dos
vizinhos por terem s i do gémeos . A ~ãe das
c rtança s recorr e u ~ cartomante da aldeia pa-
ra lh e exorcisasse a casa e " fechasse a mora
da " -~s filhos , os quats andam se~pre "arma --
dos " com uma chave de aço (I)

(I) Ver a descri ção das sessões desta ca rtomante .


Verificamos, através deste quadro, que as explicaçô'es para o infortt1nio
s~ feitas nas proporçô'es seguintes:
Q U A D R O C (I)

CAUSA 00 lNFORTl'7NIO QUANT.

Assombramento por espírito J.2,

Inveja dos vizinhos 8

Bruxaria de mulher 2

Doença de médico 2

2~

O modo como os espíritos podem assombrar e causar problemas aos vivos j~ foi
descrito anteriormente . Os vizinhos podem causar o mal entre si lançando
pragas "do coração" ou através do mau-olhado, como foi referido. No entanto
podem tamb&l realizar (ou mandar realizar) detenninadas acçô'es de efeitos
nocivos: as chamadas "bruxarias". Considera- se habitualmente que qualquer
pessoa poder~ aprender no livro de S. Cipriano a fazer ela pr6pria os en-
cantamentos nocivos, dos quais o mais referido i cozer-se a boca a um sapo
que se coloca à porta da pessoa que se deseja atacar . A vítima sofrer~ os
mesmos sofrimentos do animal, incluindo a morte simultânea .

( l)
sa:o acusados alguns indivíduos, dos quais ninguém conhece exactamente o nome
e a morada, de realizarem actos de 11 bruxarla11 quando para tal sa:o remunorados.
Un tipo especial destes actos sa:o as designadas "bruxarias de mulher" .
l do consenso geral que qualquer mulher poder~ obrigar um homem a ficar- lhe
"ligado" se lhe der a beber um líquido (qualquer) que contenha "drogas":
sangue menstrual ou dejectos de unhas .
Os ~cos casos em que houve acusaça:o deste tipo de bruxaria foi contra mulheres
que tinham estabelecido uma relaça:o com um homem casado ou raparigas com fama
de estarem "desgraçadas", ou seja, de terem tido relaçô'es sexuais com outros
homens para além do noivo ou namorado .

Através dos dois ccnjuntos de dados apresentados percebe-se que as adivinhoas


sa:o geralmente consultadas por problemas conotados com a intervença:o nociva
de espíritos ou de vizinhos. A explicaça:o que elas da:o para os inforttiD.i.os
que podem ajudar a resolver insere- se numa das seguintes categorias : assombra-
mento dos espí ritos, inveja dos vizinhos ou "bruxaria" de mulheres e "doença
de médico". Alguns destes casos levam a acusaçô'es concretas da pessoa, ou ser,
que causou o infortdnio. Tais acusaçffes sa:o no entanto feitas num contexto
especial. Nos casos em que é diagnosticada uma "bruxaria de mulher" nunca é
a suposta vítima que consulta a 11 adivinhoa 11 mas sim a sua família . Esta
indica sempre a suposta 11 bruxa 11 quer se trate de uma amante de um homem casado
ou da noiva de um membro da sua família, cujo comportamento (da noiva) é
socialmente reprovado. Hesmo que entre a "bruxa" e o "embruxado 11 na:o e:xi.sta
uma relaça:o de nQ....i.vado e:xi.ste sempre uma ligaça:o desaprovada pel a fanúliar es
do 'lfl.timo e que eles mesmos se encarregam de nomear perante a adivinhoa .

Numerosos casos referem a inveja de vizinhos mas as acusaçffes específicas


raramente sa:o feitas. Uma acusaça:o dire cta leva a um corte ostensivo de
relaçô'es e é sempre evitada, s~ se realizando nos casos em que a re.ia~a:o

entre a vítima e o acusado j~ se encontrava muito deteriorada. Dos casos


referidos s~ num foi feita tal acusaça:o .
õ":f.

A relaç1W com a tVsad.a j~ corria mal anteriormente e o afastamento consecutivo


tinha pouca importância para a comunidade uma vez que a rapariga acusada
pertencia a outra aldeia. Na maioria dos casos pressupõe-se que a inveja de
um ou mais vizinhos ~ sempre recorrente, sobretudo em certas ocasiô'es. Atraws
da leitura dos dados apresentados em B) pode-se determinar que a inveja i
activada contra os bons casamentos, os reclm nascidos em geral e particular-
mente se se tratar de gimeos, e o sucesso econ~mico . Ou seja, são particu-
larmente susceptíveis de causar inveja os acontecimentos afort1.mados ligados
ao matrim~nio, ao nascimento e ao enriquecimento.
São, alim disso, mais sensí veis à inveja os animais, as crianças, as mulheres
gr~vidas (1). En qualquer destes casos a explicação do infortdnio como tendo
a sua origem na inveja de um vizinho indeterminado i recorrente, a "adivinhoa"
s~ o vem confirmar .
h~.- tas das explicacô'es do infortdnio remetem para o assombramento por espí-
ritos (U casos em 2.!1), os quais são habitualmente identificados . En dois dos
casos apresentados tratava- se do espírito de um vizinho que sofre ra ou uma
''m~" morte (morrer sem ser perdoado) ou uma morte reprovada (suicida) . Has
a maioria das acusaçô'es recaem sobre um parente que tenha realizado partilhas
11
desiguais dos seus bens, ou sofrido uma m~" morte ou ainda que manifestasse
em vida um comportamento sociaJJnente desaprovado l .J Ul;or;, eM )

(1) Um dos perigos da gravidez i a criança nascer "tocada", com problemas


durante os primeiros tempos de vida, por uma mulher ter invejado o
estado da mãe gr~vida e lhe ter passado a mão pelo ventre - da! a
designação de ser "tocada" .
Oõ·

Atravis destes dados podemos concluir que:

a) São apresentados às "adivi.nhoas" os infortillri.os


que os pacientes atribuem "él priori" a uma
relação pessoal nociva

b) Na maioria dos casos a origem do infortillri.o


~ atribuída ou él inveja dos vizinhos ou ao
assombramento por un parente morto. O
"atacante" insere- se num dos dois círculos
de sociabilidade mais importantes em Calhandra:
parentesco e vizinhança

c) As acusaç~es directas de ataques entre vizinhos


raramente são feitas pois levam a um corte de
relaç~es entre as partes. Só rocaso de se tratar
de uma "bruxaria de mulher" a acusação ~ sempre
realizada.pois o que a famfiia do "atacado"
pretende ~ promover o afastamento entre as partes.

l sempre uma relação entre prox:imos que est~ em causa quando se recorre
él adivinhoa.
A compreensão deste facto passa pela an~ise das principais relaç~es sociais
que os membros desta comunidade estabelecem entre si. Ser~ pois do tipo de
relaç~es que caracteriza os diferentes círculos de sociabilidade que tratarei
em seguida.
O n1vel a que as relaçô'es sociais são mais densas i entre os membros de uma
mesma casa. A cada casa (habitação) corresponde, idealmente, um grupo domés-
tico com os seus bens: animais, alfaias agrícolas e terras (de regadio, de
sequeiro e "sortes" de pinhais) que asseguram a sua subsistência . Segundo este
modelo ideal cada grupo domlstico é constituído por uma família nuclear que
partilha a mesma habitação e funciona como uma unidade de produção e consuno .
O grupo domlstico não é est~tico, vai-se modificando ao longo dum ciclo que l,
idealmente, o seguinte :

a) Constituição da casa realizada em dois momentos.


Quando do casamento, o jovem casal recebe dos pais
as terras de cultivo necess~ias para assegurar a
sua subsistência e constitui uma casa à parte (a
residência l neolocal). Ouando da morte dos pais
recebe as restantes terras nas quais se incluem
as 11 sortes 11 de pinhais, illri.ca fonte de exceden-
tes derivados das terras.

b) Expansão da casa com o nascimento dos filhos

c) Divisão da casa quando os filhos se casam .

Este modelo ideal nem sempre corresponde à realidade. As principais modifica-


ç5e s surgem na sequência da divisão da casa . Se o casal s& tiver um filho(a)
este(a) fica habitualmente a residir com os pais. Neste caso o jovem casal
costuma vender os produtos agrícolas que obtém nas terras que lhe foram atri-
buídos e possui relativa autonomia econ6rnica de que s6 faz uso em caso de
necessidade. Os habitantes da casa continuam a funcionar como um grupo domls-
tico.
Mesmo que o casal tenha diversos filhos, o dltimo a casar pode continuar a
residir em casa (deste caso n~o existe actuabnente nenhum exemplo cm Calhan-
dra, embora tenha ocorrido no passado). Vulgarmente todos os filhos saem de
casa e o casal original mantêm para si algumas terras de cultivo e a totali-
dade das "sortes". Quando se consideram velhos demais para trabalhar no
campo ou quando um dos cônjugues morre costumam entregar a totalidade das suas
terras e optam por uma de duas solu~es: ou passam a residir, durante um pe-
r i odo de tempo estipulado, em casa de cada um dos seu5 filhos; ou recebem de
11
cada um destes uma pens~ 11 e continuam a residir sozinhos .

Uma outra alteraç~o ao modelo ideal situa- se ao nivel da partilha dos bens
herdados entre os inn~s . A herança l divisa e qualquer situa~o em que se
considere que um dos herdeiros foi privilegiado l contestada, levando
usualmente a um corte de relaç8'es entre os herdeiros ou entre os filhos e os
pais . Quando estes morrem ou quando entregam as terras em vida efectua- se o
seguinte processo de partilhas: S chamado um "louvado') que l um habitante da
zona com experiência de avaliar os bens . Este homem deve dividir cada tipo
de bens (habitaç~es, alfaias, terras, gado ) num n6nero de porç5es idênticas
que seja igual ao ndmero de herdeiros . Cada um destes escolhe um papel
fechado do qual n~o conhece o contet1do e que designa quais os bens que lhe
foram atribuidos. Todo este processo visa a que a partilha seja o mais rigo-
rosa e aleat6ria possivel, e n~o se costumam fazer contestaç~es posteriores .
No entanto, caso algun(s) dos herdeiros n~ habite na zona, este costuna
arrendar aos irmãos as terras que lhe couberam nas partilhas. Neste caso
fica o arrendat~io cem o encargo de cumprir a parte das obrigaç8'es para com
os pais (cuidar deles ou dar- lhes a 11 pensão 11 ) que cabia ao irm~o ausente.
A renda dos terrenos arrendados aos irmãos nunca l cobrada .
~1 .

Este processo pennite que as casas com grande n6nero de filhos (1) não dividam
as suas terras ao ponto de inviabilizarem a subsistência dos herdeiros .

As outras alteraç~es ao modelo são os casos em que o jovem casal fica tempo-
t.;a ..... bétm
rariamente a residir com os pais até conseguir constituir casa; élo caso das
mães solteiras, que habitualmente residem sempr~om os pais ou com os
seus filhos, quando estes atingem a idade adulta.

O grupo doméstico implica também uma determinada atitude ética e moral. No seu
interior o ideal é a inter- ajuda, a cooperação e a harmonia . Os bens da casa
são de todos, os seus membros devem colaborar todos em comum, para a manuten-
ção e a prosperidade da casa, devem-se ajudar em qualquer ocasião sem exigir
nenhuma contrapartida. Os laços de solidariedade de qualquer indivíduo são,
em primeiro lugar, para com os outros membros do seu grupo doméstico. Por outro
lado qualquer pessoa é ~ralmente identificada com o grupo doméstico e pode
represent~-lo em certas ocasiões, como seja, funerais e reuni~es ocasionais de
toda a comunidade para discutir um problema comum. Desde que uma pessoa seja
solteira e não possua uma residência pr6pria e uma vida economicamente inde-
pendente e es~vel é considerada membro da sua casa de origem, mesmo que esteja
ausente da comunidade.

(1) Que coincidem com as famílias com maior n&ero de migrantes


O segundo círculo de sociabilidade onde as relaçffes s~o mais intensas ~ o dos
parentes pr6:x::imos, das pessoas que s~ consideradas "família". Estes, s~o, cm
primeiro lugar, os inn~s e os pais para um casal que j1 tenha estabelecido
residência aut6noma. Incluem-se também neste grupo os tios, os av6s e os
"parceiros"- este termo designa os sogros de qualquer dos filhos do casal- ...
Estas relaç5es são sempre intensificadas pela proximidade espacial. Não sendo
muito forte a pr1tica da comensalidade, é h1bito oferecer alimentos aos
membros deste grupo de parentes que residam na aldeia sempre que se faz uma
refei~o melhorada, por ocasi~o da visita de uma pessoa de fora, do s anos de
algt111 dos seus membros ou da matança de um porco. Estas pessoas s~o os parcei-
ros preferenciais para ajudar nas tarefas agrícolas e d~o-se assistência na
doen<(a e na morte. Por vezes possuem m1quinas agr.!colas em comun ou apare-
lham o gado juntos.

No caso destes parentes residirem noutra localidade, s~o sempre conv.:..•lados para
o almoço da festa patronal, sendo habitualmente os ~cos convidados. Costumam
ser as primeiras pessoas exteriores à aldeia chamadas em caso de morte de um
membro do grupo doméstico . Al~ disso , vêm por vezes ajudar às tarefas agrícolas.
Este é o grupo mais alargado de parentes que s~o convidados para a festa de casa-
mento ou que têm a obrigaç~o de colocar luto por um dos seus membros. Por outro
lado é entre estes parentes que s~ habitualmente escollridos os padrinhos de
baptismo das c!'ianças. Note- se que apesar da proximidade geneal6gica as trocas
entre o grupo dcm~stico e o seu grupo de familiares costumam ser dominadas
pela preocupaç~o do equil!brio, sobretudo se entre eles se interpffe a distância
espacial. Os convidados para a festa patronal devem depois retribuir convidando
os anfitriô'es para a sua festa. Se por alguna raz~ estes faltarem à festa, ou
por estarem de luto ou doentes, os membros da casa anfitri~ ~o v~ durante
um ano à festa dos seus convidados. Se s6 um membro da casa convidada faltou,
o membro equivalente da casa anfitri~ (por exemplo, a dona da casa) ~o ir1
por sua vez à festa. A este acto de troca de refeiç5es cerimoniais chama-se
o "convite", termo utilizado noutras ocasiô'es de inter-relaç~o.
'] 3.

Designa-se igualmente por "convite 11 ao dinheiro que se deixa na cabecelra de


um membro da comunidade hospitalizado. A família do doente deve retribuir o
11 convite 11 à casa que o ofereceu logo que un membro desta seja hospitalizado.

Os parentes mais afastados são geralmente apenas nomeados como tal. Atravé's de
diagramas de parentesco relativas a esta aldeia percebemos que quase todas as
casas estão ligadas entre si por uma relação deste tipo~ Esta relação não é'
nomeada nas conversas correntes, apesar de ser conhecida . Entre estes parentes
mais afastados não existe uma relação de "convite 11 nem de interajuda no traba-
lho, a lillica obrigação que mantim entre si é' a assistência aos funerais res-
pectivos.

O círculo de sociabilidade em que é' mais nítida a exigência de uma relação


em que as trocas sejam equivalentes ~ o da vizinhança. As inter-relaçffes entre
vizinhos são constantes : encontram- se quotidianamente, podem pedir emprestados
bens alimentares e alfaias agrícolas, os homens trabalham nas mesmas empresas
de madeireiros ou ainda emigram juntos . Algunas casas lltant~m entre si relaçô'es
preferenciais semelhantes às relaçffes que se estabelecem no interior da 11 fam!-
lia11, exceptuando a obrigação de colocar luto . Habitualmente as relaçffes de
vizinhança são caracterizadas pela interajuda nos trabalhos agrícolas e a as-
sistência no infortlillio. Em certos momentos do ciclo agrícola é' h~ito cada
casa chamar os seus vizinhos para a ajudarem. Em troca os elementos desse
grupo domé'stico irão por sua vez trabalhar para a casa que os ajudou. Este
trabalho não é' contabilizado em tempo mas em tarefas . Por exemplo, se a casa A
ajudou a casa B a semear todas as suas batatas, a casa B dever~ enviar algum
dos seus membros para realizarem a sementeira de batatas da casa A. Nunca
são contados nem os elementos de cada casa que participam nestas tarefas nem
a quantidade de trabalho por eles efectuado.
A ênfase ~ posta no acto de troca, na interajuda, e n~ na quantidade de tra-
balho trocada . Nestes casos a casa que i ajudada deve fornecer uma refeiç~o

melhorada. Com o aumento do rendimento monetch-io destas populaçô'es nos flti-


mos anos começou-se a contratar pessoas para as tarefas agrícolas a troco de
um pagamento em dinheiro. Este procedimento tem sido, no entanto, pouco uti-
lizado.
Os vizinhos devem-se igualmente ajudar na doença e na morte. No primeiro caso
toda a povoação vai visitar o paciente caso a doença seja grave, podendo
inclusiv~ ajudar a família deste. Em caso de morte de um do s s eus habitantes,
cabe aos vizinhos ajudar a lavar o morto, confortar a família, cozinhar para
eles durante os dois primeiros dias e rea.J..i.zar todas as suas tarefas domisti-
cas e agrícolas. Cabe igualmente aos vizinhos participar no vel6rio, junta-
mente com os parentes pr6ximos do falecido. Durante este vel6rio deve estar
presente pelo menos um membro de cada casa. Nenhum vizinho deve comer carne
durante a semana seguinte, n1ro devem fazer festas ou refeiçô'es melhoradas nem
ligar o rllio ou a televis~o . t este o tinico momento em que ~ estipulado por
tradiç~o que a comunidade deve agir como um todo.

Habitualmente s6 os jovens actuam como representantes da povoação, ou quando


s~o escolhidos para mordomos da festa de Santo Amaro, ou quando participam
nos casamentos . Dos três ritos de passagem que assinalam os principais mo-
mentos do ciclo de vida de um indivíduo, o baptismo, casamento e funeral, s6
no fi timo a comunidade i convidada a participar como um todo . Ao baptizado
apenas assistem os membros do grupo domistico e os padrinhos . Nos casamentos,
para além da famfiia dos noivos participam todos os jovens das aldeias respec-
tivas . Os jovens costumam ainda festejar em comum alguns dias do ciclo de
festas: ~ o caso do dia de Reis e do Carnaval . S~o os jovens o dnico grupo que
age habitualmente (1) como um conjunto unido por relações de pertença à mesma
povoação.

(1) Exceptuando os funerais


No interior da aldeia e apesar dos seus membros se considerarem inseridos numa
das três categorias de "ricos", "honestos" e "pobres", não existem diferenças
econ<Smicas entre as casas que levem à criação de grupos est~veis definidos em
termos de riqueza. Nesta zona de minif6ndio a pobreza costumava sobrevir
apenas nos casos de casais com nunerosa prnle que não podiam assegurar a cada
um dos filhos as terras necess~ias à sua sobrevivência. Efectivamente sempre
houve casas relativamente mais abastadas no interior da povoaçã:o, mas esta si-
tuação podia- se inverter no espaço de uma geração .
Esta situação de uma r~t+~ estratificação social baseada na quantidade de
terras que cada casa possui foi hoje em dia anulada por terem surgido novas
fontes de rendimer.to: o trabalho nas madeiras ou na construção civil e a emi-
gração. No entanto ainda prevalecem certas express8es de sanção social carac-
terísticas de sociedades onde as fontes de rendimento são escassas: refiro~e

às acusaç8es de 11
ganância 11 e de 11
pactos ma~nicos 11 • Considera- se que um homem
que enriqueça flagrantemente durante a sua vida pode ter feito um pacto com o
Dem<Snio e ser "maÇ<Snico" . Esta teoria é comprovada se a pessoa em causa morrer
de acidente . Quanto às acusaç8es de ganância, são feitas a todas as pessoas que
nunca procuram ajudar os outros, sobretudo em bens. Nesta zona de miniftmdio
cada casa luta pelos mesmos ideais de prosperidade, não possuindo, em princípio,
muitos meios de aunentar os seus bens de raíz. Cada casa pode fechar-se sobre
si mesma e entrar em concorrência com as outras, recusando- se a agir como um
dos grupos domésticos da comunidade. E" este tipo de comportamento que é cri-
ticado na acusação de 11 ganância 11 (1), pois o ganancioso é aquele que se recusa
a participar com os vizinhos nos actos de interajuda. H~, por outro ladc, o
perigo de esta disjunçlto se maximalizar e os vizinhos se roubarem entre si.

(1) A igreja de Pinhais est~ decorada com diversas pinturas representando·


santos e uma 11nica que expô'e o 11 rico ganancioso 11 sofrendo as chamas do
Inferno
O roubo tradicionalmente referido ~ a mudança dos marcos que delimitam os
extremos das terras de cada um. A inveja tamb~m ~ vista como um roubo que
utiliza forças imateriais para retirar força vital aos vizinhos, sendo os
seres mais fr~geis os mais atacados, como j~ foi referido. Uma comunidade
estruturada com base em unidades quase auto-suficientes aos níveis econ&-
mico e social - os grupos dom~sticos - corre o risco de se desagregar em
mtUtiplas pequenas unidades independentes. As relaçô'es de interajuda esti
puladas tradicionalmente agem como um meio da povoação manter vivos os
seus laços de solidariedade . As acusaçô'es de inveja e ganância são expre_§
são do perigo das casas concorrerem entre si pelos mesmos ideais indivi-
dualistas levando à desagregação do s laço s comunit~ios. Estas acusaçô'es
apontam os comportamentos de características mais negativizadas neste
tipo de sociedade.

O mais alargado campo de relaçô'es em que esta população se insere i o das


designadas 11 gentes das serraipas". As relaçô'es com membros de outras
povoaçô'es estabelecem-se preferencialmente dentro da zona da serra, inde-
pendentemente dos limites de freguesia e mesmo de concelho. Todos os membros
de stas povoaçô'es vizinhas e serranas se conhecem; os jovens de cada aldeia
participam nos bailes de todas estas povoaçô'es; os casamentos são maiorita-
riamente realizados entre estas aldeias; cada grupo dom~stico envia um dos
seus membros a participar nos funerais de outros habitantes da zona; ~ nos
seus limites que se encontram as organizaçô'es de assistência m11tua. Estas
são a "associação dos gados" e a "innandade das almas".
A primeira tem cerca de 30 anos de existência e nela estão inscritas todas
as casas que possuem gado bovino . Estes animais representam o maior investi
mento mone~io que cada casa faz regularmente e são a sua principal fonte
de rendimentos derivados da agricultura . Cada membro da associação paga uma
cota anual com as quais são pagos os prejuízos aos proprietúios cujo gado
morreu sem que eles fossem respons~veis . A esta associação pertencem os
habitantes da zona serrana das fre guesias de Pala e Pinhais . J~ a irmandade
das almas inclui apenas as povoaçô'es serranas da freguesia de Pinhais . Nela
participam apenas os chefes de fanúlia (ou as suas vitivas, no caso deles
falecerem) . Estes comprometem- se a participar nos funerais de todos os mem-
bros da associação, envergando as 11 opas 11 , uma espicie de :C comprido
branco e vermelha, e acompanhando o ca~o com una vela na mã:o. Comprometem-
- se ainda a assistir âs 6o missas que serão ditas por alma do morto . Alguns
membros da irmandade, os chamados 11 davindos", nã:o assistem aos funerais nem
âs missas e pagam uma multa ou 11 finta 11 •
Com esse dinheiro são pagas as despesas fooebres dos "irmãos", das suas mu-
lheres e dos filhos primog~nitos, caso estes faleçam antes de se casarem .
Essas despesas incluem o pagamento do carro fooebre, da deslocação do padre,
do trabalho do coveiro edas 6o missas a serem realizadas . A irmandade possuía
ainda uma festa propria, a 2 de Fevereiro, que deixou de se realizar. Como
os 11 davindos 11 são os habitantes com maior disponibilidade mone~ia compre-
ende- se que esta associação funciona como um seguro, para qualquer membro de
um casal, de que ter~ um .funeral condigno, independentemente da sua condição
econ<Smica.

Através destes dados pode - se compreender que se delimita uma z;~ cuj~s popu-
laçô'es mantêm entre si relaç~es preferenciais.
Os laços de solidariedade no interior desta zona ultrapassam os existentes no
interior da freguesia, o que se explica nã:o s6 pela proximidade espacial e pela
semelhança socio-econ6mica entre as aldeias serranas (1) como pela inexistencia
de laços que unam as povoaçffes da freguesia. A sede de freguesia ~ relativamente
distante das aldeias da serra (são aproximadamente 6 Km aU Calhandra) e as
populaçô'es da zona mais longínqua não costunam assistir regulannente ao serviço
lit'tirgico. Por outro lado nã:o participam em nenhuna festa comunal. Não existe
qualquer acontecimento comunal que pennita avivar os laços de solidariedade
da fre gue sia.

Estes diferentes círculos de sociabilidade podem- se organizar segundo o modelo


proposto por M. Sahlins (Sahlins, 1976), obtido atrav~s da an!lise e tipologia
das relaçffes de troca recíproca em sociedades tribais. Seguindo a tipologia do
autor procurarei definir os principais círculos de sociabilidade (grupo dom~s­
tico, "família", vizinhos) segundo o tipo de relaçffes que prevalecem no seu
interior . No grupo dom~stico as relaç~es são de reciprocidade generalizada, os
dons de comida, de trabalho, a ajuda e a assistência não são contabilizados e
a solidariedade ~ m~a . Todos os seus membros trabalham em comum para manter
a casa.

{1) Na zona de vale encontra- se a m~dia propriedade e uma maior extratificação


social
~ ao nÍvel da "famÍlia" que se encontra a passagem da reciprocidade gene-
ralizada para a equilibrada. Como referi as relações de troca tender~o a
ser tanto mais simétricas quanto maior fÔr a distância espacial. Cada
irmão pertence agora a um grupo doméstico autónomo, que mantém relações
preferenciais com as casas doe outros irmãos , lutando acima de tudo pela
sua prÓpria prosperidade . Mas é no interior do círculo de sociabilidade
de vizinhos que a preocupação em manter uma reciprocidade equilibrada é
mais flagrante. Esta centra-se , no entanto , mais numa equivalência do
acto de trocar do que nos produtos trocados : o aspecto social da troca
subsume os seus aspectos econÓmicos . Mas as partes em presença no acto
da troca têm interesses socio- econÓmicos distintos. Podem recusar- se a
participar nas transacções , ou seja , recusarem- se a estabelecer uma rela-
ção com os outros vizinhos , e mesmo roubá- los . Entramos aqui no domÍnio
das relações marcadas por uma sociabilidade negativa.
São expressão deste tipo de sociabilidade os actos que se consideram ser
inveja de vizinhos ou "bruxaria de mulher" . Esta Última pode ser conside-
rada um roubo , uma vez que elas são acusadas de se terem tentado apossar
de um homem que com elas n~o se devia relacionar . Neste sentido insere- se,
ao lado da inveja , na categoria dos roubos efectuados pelos vivos .
No interior do grupo doméstico e da " famÍlia" tal facto não ocorre , dadas
as características do relacionamento social "ideal " que apontam para a
manutenção da harmonia e da solidariedade máximas . Mas embora tal facto
não ocorra há um fenómeno que lhe é correspondente: o assombramento por
espÍritos . Como foi referido o espÍrito é frequentemente identificado com
um parente prÓximo falecido, parente esse que sofreu uma "má morte " ou
que , na maioria dos casos , realizou partilhas mal feitas. Este Último
facto exprime a importância da fase da divisão da casa para esta socie-
dade .
-1 oo,

Esse é o momento em que o grupo doméstico original se desmembra e cada


um dos seus membros se insere numa nova casa, passando as suas relações
com os irmãos ou outros parentes prÓximos a serem caracterizadas por
um tipo de reciprocidade equilibrada.
Verifica- se portanto que as explicações dadas pelas "adivinhoas" referem
casos relacionados com as zonas de mudança do tipo de relações sociais
que os actores estabelecem entre si . Referem o tipo de problemas que se
levantam no limite dos principais círculos de sociabilidade . ~ por referir
zonas de tensão social que o seu discurso se torna plausível , e pertinen-
te , para os seus pacientes .

O assombramento por espÍritos exprime ainda um facto mais geral : o da im-


portância atribuÍda nesta comunidade à morte . ~ das atitudes face à morte
que tratarei seguidamente.
Atente-se, em primeiro lugar, às consequências para esta comunidade da morte
de um dos seus membros. Ao n!vel do grupo domt!stico a perca de un dos seus
elementos tem significado s diferentes consoante as funções desempenhadas
pelo falecido. Se se tratar de um membro jovem o grupo domt!stico perde um
trabalhador, potencial ou real. Mas se for um cabeça de casal {marido ou
mulher) a sua morte poder~ ainda implicar a transferência efectiva do poder
para os herdeiros e finalizar o processo de divis~o da casa. ~ quando
enviuvam que os membros do casal costunam entregar todos os seus bens aos
filhos. Caso os herdeiros sejam solteiros masJmaiores recebem uma parte do
t<fal da sua herança, pois o progenitor vivo ainda se encontra, habi-
tualmente, em idade activa e mantt!m paPa si os b~ns necess~rios à sua
subsistência e a maioria das 11 sortes 11 • Neste caso o processo de divis~ da
casa inicia-se com a morte de um dos pais, embora habitualmente s6 se efective
quando os herdeiros casam e constituem casa pr6pria, deixando de trabalhar
em comum com os restantes membros da sua fam:Oia de origem as terras que j~

lhes pertenciam por lei.


Mas quer se trate de um cabeça de casal ou de um jovem solteiro... a morte de
um membro do grupo domt!stico representa sempre uma perca afectiva e um choque
emocional para os seus parentes mais pr6x:imos. Nesse momento os membros do
grupo doméstico recebem o apoio dos vizinhos e da 11 fam!lia 11 os quais, como
foi salientado, os acompanham de perto nos dias que se seguem, realizando as
tarefas domt!sticas da casa enojada e respeitando o seu luto.
A morte pode ter como consequências a reestruturaç~o do grupo doméstico e
implica alteraç~o do peso econ6mico da casa enlutada em relaç~o aos restantes
grupos domt!sticos da comunidade, vindo alterar as relações no seu interior.
A morte de um dos seus membros é o acontecimento que pode implicar a ocorrên-
cia de maiores modificações na estrutura desta comunidade .

Para al&l das suas implicações econ6micas e sociais, a morte representa em si o


momento da de sagrega ç~o de um outro ser igual.
102.

O car~cter meramente biol6gico do acontecimento i em qualquer sociedade e4ipsado


pela sua leitura cultural e as suas implicaçô'es sociais. Todas as sociedades
prescrevem uma determinada atitude face à morte relacionada com os seus aspec-
tos sociais e com a sua leitura simb61ica. E esta ati~que procurarei des-
crever através de dois tipos de dados,relativos, por um lado aos ritos fune-
r~ios e, por outro, às crenças relacionadas com a morte.

O falecimento de qualquer pessoa é imediatamente anunciado pelos gritos dos


seus familiares. Acorrem diversos vizinhos que se encarregam dos primeiros
cuidados com o morto: lavam-no, penteiam-no, cortam··lh~ as unhas, fazem- lhe a
barba e "amortalham-no" com as suas melhores roupas.
Colocam-no seguidamente ao centro da sala, com os pés para a porta. Este traba-
lho é sempre realizado pelas pessoas "afoitas" ou 11 fortes 11 (1) enquanto as
outras param todos os rel6gios da casa e retiram os bens alimentares de osten-
tação (fruta, vinho) dos locais visíveis . Durante o dia da morte o falecido é
visitado por diversos membros da "família 11 residentes noutras povoaçô'e s e por
un elemento de cada grupo domistico da comunidade. Cada um dos visitantes
coloca uma vela ou uma candeia de azeite à cabeceira do falecido. São também
estes os participantes no vel6rio, como j~ foi descrito.
No dia seguinte o padre realiza uma oração f~ebre junto do morto antes da urna
ser retirada de casa. Esta era antigamente levada pelos homens do seu grupo
doméstico, pelos jovens da aldeia caso se tratasse de um deles, ou ainda pela
madrinha do falecido se este fosse um "anjinho" (2).

(1) Ver a classificaçro local de pessoas referida anteriormente

(2) As crianças pequenas, designadas de "anjinhos", não têm direito nem a


funeral nem a acompanhamento de padre
A longa caminhada até ao cemitério de Pinhais era feita a ~ pelo chamado
"caminho da Irmandade", rezando todos os parentes no cortejo um Pai Nosso,
uma Avi Maria e uma Salvé-Maria ao passar por encruzilhadas ou pF"...las capelas
de outras povoaçô'es. Hoje em dia o morto é levado no carro fúnebre mas, como
sempre aconteceu, é seguido por um numeroso cortejo no qual se incluem a
maioria dos membros da povoação e da sua fanúlia e ainda os seus parentes
afastados e muitos habitantes da zona da serra (1). Destes dois grupos s~
participam a n!vel individual os amigos !ntimos do falecido. Todos os restantes
vão como representantes de um grupo doméstico. E realizada uma missa de corpo
presente na igreja e a urna segue para o cemitério . Quando é lançada à terra
as mulheres do grupo doméstico do falecido gritam e choram, no que são seguidas
por algumas das vizinhas e das mulheres da 11 fam!lia 11 • Estes gritos j~ se
tinham feito ouvir anteriormente, quando a urna saía de casa. A~s o funeral
o ambiente é coloquial: parentes e conhecidos aproveitam para conversarem
enquanto a família do defunto recolhe a casa. Cabe a estes a obrigação de mandar
rezar a missa do sétimo dia, em que participam os vizinhos e os parentes mais
pr~ximos, e de encomendarem diversas missas pela salvação da alma do defunto.
Tênt ainda a obrigação de cuidar da campa deste, tarefa que realizam semanal-
mente durante o primeiro ano de luto. Deverão ainda lembr~-lo nas suas oraçô'es,
em especial no dia de Finados e domingo de P~scoa.

A este ritual, o mais longo complexo realizado nesta comunidade, corresponde


uma visão da morte que encara esta como o "mais:.; duro golpe" . A morte é
sempre anunciada seja por sonhos, seja por certos animais.

(1) Os cortejos costumam ter ati cerca de mil participantes


Sonhar com flores ou com objectos que se perdem em água corrente ~ sinal de
morte pr<Sx:ima na família, bem como ouvir o gado a meio da no i te ou ver
mochos a rondar a casa.
Para que o defunto na:o tenha d<" "penar" sobre a terra depois de falecido inte-
ressa que todo o ritual seja cumprido como ~ estipulado por tradição para
lhe providenciar uma "boa morte" . Este conceito, descrito anteriormente,
encontra-se noutras zonas do País. Nomeadamente ele ~ referido por Patricia
Goldey para o contexto minhoto • Esta autora fá-lo remontar às concepç5es
medievais sobre a morte :

11 'llie medieval notion of the good death involved


resisting thetemptation to despair of pride,
together with sincere repentance for sins conunitted.
Apart from che metaphysical aspects, there was also
a very praticai side to a good death; dying with
good warning, in bed, enabled one to prepare for
death with the appropriate, tradicional ceremony
and to do a public accounting - forgiving
enemies, blessingfriends and children, and
paying off one 's debts 11 •

(Goldey, 1983: 1/2)

Este conceito, como já foi referido, liga- se à ideia de que a vida ~ una
preparação para a morte c de que todos os pecados cometidos serão resgatados
depois do falecimento.
105..

Os homicidas, os ladr~es, as mulheres que mantiveram relaç~es extra maritais


e todos aqueles que não cumpriram as suas obrigaç~es de solioariedade no
interior do grupo doméstico estão associados à ideia da 1'má morte". Esta
concepção é confirmada se morrerem por acidente. O caso dos suicidas
vem conjugar os dois conceitos sobre a''má morte'.J pois estes não s6 morrem
sem o acompanhamento da família e sem serem perdoados nem terem perdoado
as suas contendas, como o pr6prio acto da sua morte é condenável. Por isso
eles são preferencialmente utilizados como exemplo de almas errantes.

Mesmo não sofrendo uma. "má morte" todos os defuntos terão de passar pelo
Purgat6rio para se purificarem. Durante este tempo necessitam das devo-
ç~es dos vivos,• que os parentes pr6ximos costumam ser os principais accio-
nadores, mantendo activa a relação com os seus defuntos.
Esta ideia integra-se na visão da vida depois da morte já descrita. A ela
correspoL..I.e wna definição do mundo dos espíritos ou almas no qual se integram
também as figuras do s dem6nios e dos santos. Estas duas áltimas categorias
de seres encarnam as figuras do Mal e do Bem. A sua capacidade de intervenção
junto dos vivos é referida por Patricia Goldey: 11 Although the forces of good
are conunonly believed to appear in physical fonn with some regularity in the
Portuguese tradition - miraculous statues, springs, and the apparitions at
Fatima, all with finn credentials from orthodox Catholicism - there is nothing
inconsistent in an equally strong belief in the physical manifestations of
the forces of evil". (ib . ibidem: 7)

Esta intervenção é, simultaneamente, menos constante e mais poderosa do que


a dos restantes espíritos. Os áltimos encontram-se mais pr6xi.mos dos vivos,
especialmente daqueles com quem se relacionaram em vida, do que os santos
e os dem6nios.
106.

Os espÍritos, por seu lado , situam- se numa posição intermédia entre as


forças do Bem e do Mal , sendo somente conotados com estas em casos ex-
tremos . As características de uma força do Mal podem ser atr ibuÍdas aos
espÍritos de certos suicidas , quando se considera que estes se "encos-
tam" aos vivos apenas para os "desgraçarem". No polo oposto encontramos
a figura dos "anjinhos" como exemplo de almas que podem interceder e
proteger os seus familiares. O mundo dos espÍritos é encarado como se
se organizasse em torno de dois eixos , entre o Bem e o Mal , entre a
maior e menor capacidade de comunicação com os vivos .

Para esta comunidade a morte de um dos seus membros é o acontecimento


que maiores modificações poderá introduzir na sua estrutura interna .
Toda a comunidade se integra nos ritos funerários, nos quais participam
igualmente membros dos outros círculos de sociabilidade em que o defun-
to se inseria . De entre os ritos de passagem os relativos à morte são
os mais complexos e aqueles que activam maior nÚmero de relações sociais .
Por ocasião da morte as obrigações rituais de inter-ajuda vêm reafirmar
os laços que ligam os diversos actores sociais entre si . O grupo domésti-
co enlutado é apoiado nesta crise por toda a povoação e pelos seus paren-
tes mais prÓximos , os quais devem esquecer qualquer contencioso que man-
tenham com o morto ou com a sua fam Í lia. O cortejo é acompanhado por ele-
,
mentos do c~rculo de parentes mais alargado do defunto e por diversos
membros das outras povoações serranas . Ao mesmo tempo que se assiste -
- como acontece noutras ocasiões cerimoniosas , nomeadamente nos ritos de
passagem - à reafirmação dos laços recobertos pelos círculos de sociabili
dade dotados de maior densidade - grupo doméstico , "famÍlia" , vizinhança
também são retraçadas e reactivadas as relações sociais mais "lassas",
designadamente as relativas aos parentes mais afastados e aos habitantes
das povoações da serra.
/lo+ .

As obrigaçõe s rituais para com o defunto ultrapassam os limites do funeral .


~ estipulado o tempo de luto que os membros do grupo doméstico e da "fam!-
lia" dever~o manter. Este tempo varia consoante a intensidade da relação
que os " enojados" mantenham com o morto . Os viÚvos devem pÔr luto toda a
vida e durante duas semanas andarem de luto "carregado" : os homens n~o
faz em a barba, as mulheres usam um xaile negro sobre a cabeça e nenhuns se
lavam . O luto pelos pais ou por filhos (1) usa-se " carregado" durante uma
semana e mantém- se durante três anos . O luto por irmãos é de dois anos e
por avós de um ano . SÓ se põe luto por tios se com eles se mantiveram rela-
ções significativas . Estas prescrições do luto são geralmente extensivas
ao c'Ónjugue de "ego" .

Outras obrigações rituais para com o defunto consistem em orações e missas


pela salvação da sua alma. Como já foi referido , estas dizem sobretudo res -
peito aos membros do grupo do méstico . São os parentes mais prÓximos que en-
comendam missas mensais pela alma do defunto durante o ano que s e segue ao
falecimento . São eles que lhe cuidam semanalmente da campa durante esse pe-
r!odo e quem reza quotidianamente pela salvação da alma dos seus defuntos .
No dia de finados acendem velas na campa dos seus parentes defuntos , na
Páscoa lembram- nos em casa. A relação com os parentes continua para além
da morte destes .

Percebe- se , perante estes factos , que os c!rculos de sociabilidade caracte-


rizados por uma maior densidade de relações demarcam a zona de maior interac
ç~o entre vivos e mortos . Esta interacç~o é mantida pelos vivos através
das devoções rituais que realizam pela salvação das almas dos seus . Do lado
dos mortos , são as almas dos parentes mais prÓximos que intervêm pelos
vivos . ~ esta visão da continuação de uma relaç~o preferencial mesmo depois
da morte que justifica que os espÍritos que intervêm junto dos vivos sejam ,
sobretudo , as almas dos seus familiares.

(1) Salvo pelos anjinhos


1 0~ ..

5. CONCLUSÕES
Desde o estudo clássico de Evans - Pritchard sobre os Azande, os antropÓ-
logos têm recorrentemente definido e interpretado a bruxaria como sendo,
fundamentalmente , um sistema explicativo do infortÚnio:

"Néanmoins le concept de sorcellerie leur fournit (au.;c Azandé)


une philosophie naturelle qui explique les rapports des
hommes et les événements malencontreux; il leur fournit aussi
un moyen tout prêt et tout classique de réagir à pareils
événements" (Evans - Pritchard , 1972: 96)

"La sorcellerie est présente à toutes les infortunes : c'est


l'idiome dana lequel les Azandé parlent d ' eux- mêmes et
...
s ' expliquent eux- memes . La sorcellerie est une classification
des malheurs qui , s'ils different entre eux à d'autres égards ,
offrent cet unique caractere commun : ils sont nuisibles à
l ' homme" (id . ibidem . : 97/98) .

Nesta comunidade , como foi referido, a definição do discurso da bruxaria


como meio de resolver o infortÚnio é insuficiente , uma vez que existem
outros discursos que o paciente pode utilizar nesses casos : a Medicina e
a Religião (1) . Todos estes discursos lhe fornecem uma explicação e uma
solução para o infortÚnio , pelo que a definição aponta a função comum dos
três discursos e não o traço distintivo de um entre eles .

(1) Referência capÍtulo I


li C.

Como foi verificado no capítulo anterior, é especÍfico do discurso das


" adivinhoas " uma determinada conceptualização do infor túnio . Esta
expressa preocupações relacionadas com um correcto processamento das
relações no quadro dos dois círculos socialmente mais densos : o do
parentesco e o da vizinhança. Este aspecto é aliás igualmente referido
por Evans - Pritchard. O autor , ao mesmo tempo que define a bruxaria como
um sistema explicativo do infortÚnio , não deixa de fazer referência
aliás contraditÓria com a sua teoria primeira ao peso que nela têm
a estrutura das relações sociais:

"En étudiant la sorcellerie zandé , il nous faut garder deux


choses présentes à l'esprit : premiêrement que cette notion
est une fonction des situations d ' infortune , et deuxiemement ,
que c ' est une fonction des rapports personnels " (id. ibidem: 142)

A preocupação por um correcto processamento das relações sociais , expressa


no discurso da bruxaria , tem sido recorrentemente interpretado , à boa
maneira funcionalista , em termos de controle social . Veja- se a este pro-
pÓsito , e uma vez mais , Evans - Pritchard :

"En autre , les croyances relatives à la sorcellerie renferment


un systême de valeurs régulatrices de la conduite humaine"
(id. ibidem .: 96)

Esta inter pretação da bruxaria como uma forma de contr olo social através
do contributo que este discurso traz à manutenção do sistema de valores
da sociedade está igualmente expresso na interpr etaçã o da feitiçar ia na
sociedade trobriandesa realizada por Malinowski:
li\.

"Na nossa exposição versamos os pontos importantes:


o uso da feitiçaria como meio de coerção ( •• • )"

(Malinowski , 1976 : 109)

" Mas também a!, posto que invariavelmente se coloque ao


lado dos poderosos , ricos , influentes , a bruxaria é um
apoio aos interesses criados; daqui que o seja amplamente
da lei e da ordem . t sempre uma força conservadora e fornece
a fonte principal do saudável recurso ao castigo e à redis-
tribuição , que são indispensáveis em qualquer sociedade
organizada". (id. ibidem. : 118)

O aspecto normativo da bruxaria é referido por Mary Douglas na sua análise


sobre o sistema conceptual característico de sociedades primitivas:

"La seule question d ' actualité qui se pose à eux est celle- ci:
comment organiser les gene et soi-même par rapport à autrui?
( ••• ) Lorsque , dane une telle communauté la··vie sociale
s'est organisée en une forme quelconque mais constante , des
problêmes d'ordre social surgissent dana les domaines mêmes
ou rêgne la tension , ou existent des conflits. Les croyances
relativas au châtiment automatique , au destin, à la vengeance
des fantômes , à la sorcellerie même , font partie des mécanismes
destinés à résoudre ces problemas, et c'est pourquoi elles se
trouvent cristallisées dans les institutions "

(Douglas , 1971 : 108)


/1~.

A tentação de aplicar este tipo de explicação é forte . As prÓprias


verbalizações dos actores sociais apontam nesse sentido. São acusados,
preferencialmente, de lançarem mau-olhado as pessoas (1) que se recusam
ostensivamente a colaborar com os vizinhos, especialmente nas ocasiões
de interajuda nos trabalhos agrÍcolas, e as mulheres que comentam os
assuntos Íntimos dos outros , podendo estas ser acusadas também de
lançar pragas que mais tarde recairão sobre elas . São as pessoas que se
furtam às obrigações de colaboração que unem esta comunidade como um
todo ou aqueles que não respeitam a individualidade dos outros grupos
domésticos os personagens que encarnam preferencialmente a figura do
invejoso . Do mesmo modo qualquer pessoa sabe que uma "má-morte" terá
como consequência ter de penar enquanto espÍrito . Expressão deste temor
com a "má-morte" é o caso da viÚva que procurou saber junto de algumas
"espÍritas" se o seu falecido marido não necessitava que ela lhe pagasse
uma promessa ou uma dÍvida esquecidas (ver Caso II , c) , no capÍtulo an-
terior) ou da filha de um homicida que apÓs a morte deste recorreu a
numerosas "espÍritas" e exorcistas por causa de umas cabras doentes ,
receando estar a ser vÍtima de um assombramento pelo prÓprio pai (Caso
VII, a)) . Dir-se-ia que a bruxaria , nesta comunidade, parece estar
orientada para o desencorajar de determinados actos considerados con-
trários à norma social.

(1) SÓ conheci casos de mulheres


113.

No entanto uma segunda avaliação do material sugere a necessidade de


levar a análise mais longe pois o discurso da bruxaria não é o único
utilizado como forma de controle social . Não é este o traço que a dife-
rencia de um conjunto de outros fenómenos e instituições que podem ser
igualmente tributárias desse lado " funcional" . Dada uma comunidade
provida de uma estrutura e de valores que regulamentam a vida social ,
todas as instituições e fenómenos no seu quadro estão condenadas , a
contribuírem nesse sentido .
O aspecto central deste discurso é, de facto , o que se prende com um
relacionamento social defeituoso no plano em que as relações sociais
se deveriam caracterizar justamente por uma norma baseada na harmonia
e na cooperação . O discurso da bruxaria aponta sistematicamente para
um mal estar sentido ao nível dos círculos de sociabilidade mais densos :
vizinhos e parentes prÓximos . Retomem- se aqui os dados expostos no
capÍtulo sobre Medicina "Popular" . Verificou- se que a doença podia ser
atribuÍda não só a causas orgânicas como à acção nefasta de certos
animais e à inveja e assombramento . O sistema de causalidade utilizado
pelas "adivinhoas" encontra- se já ao nÍvel da definição "popular" de
doença e aponta para um desiquilÍbrio nas relações sociais. Esta concep-
tualização da doença encontra- se noutros lpovos :

"To begin with we are introduced to Zulu notions of health


as the outcome of a balance in the relationship ofr man
to environment , which is thought of not merely as the
geographical and ecological background to social life but
as ambiance of individual and family life charged with
mystical forces and hazards . Within this environment one
is safe; danger comes from the outside . Disease representa
a disturbance of the balance , ao treatment is directed to
restoring it" (M. Fortes, prefácio de Ngubane; 1977 • ix)
114.

Lison - Tollosana dá o exemplo dos Navaho :

" Los navaho conciben en par te la enfermedad como una


falta de armonía entre una persona, sua vecinos y las
fuerzas de la Naturaleza ; restaurando a través de ritual
la armonía cósmica y vecinal curan el cuerpo doliente "
(Tollosana. 1981 : 193)

A doença é sempre concebida como uma desordem . Como uma desordem no


curso normal dos acontecimentos é igualmente concebido o infortÚnio
exposto perante a "adivinhoa": os desastres que se sucedem , os animais
que adoecem , as pessoas com comportamentos estranhos . ImplÍcita no acto
de recorrer à "adivinhoa" está a ideia de que qualquer desordem - orgâ-
nica ou outra - se pode dever a um desiquilÍbrio nas relações sociais .
A "adivinhoa" responde apontando certos actores sociais com os quais o
conflito é virtual .
Com efeito , a menos que exista "à priori " uma relação det i orada cujo
protagonista pos sa ser acusado de causador do mal (Caso VI , a)) a
"adivinhoa" , na maioria doe casos limita- se a apontar a figura nega-
tivizada do vizinho invejoso ou a nomear um espÍrito , cuja relação com
o actor social está mediada pela morte . Os pacientes ao procurarem a
"adivinhoa" julgam estar a ser alvo do ataque (simbÓlico) de um per-
songem que se furtou às suas obrigações de reciprocidade e manu tenção
da relação social : o vizinho que rouba ou o "mal morto" . Este Último é ,
em muitos casos , o suicida, o homicida , o que realizou más partilhas .
Tal como o vizinho invejoso , o "mal morto" é aquele que se furtou às
suas obrigações sociais , que se recusou em algum momento a continuar
a colaborar nos termos de reciprocidade entre acotres sociais que lhe
eram prescritos e nos quais se baseia a sociedade .
1 1s-.

Ao recri ar estas imagens do actor social que se recusa a continuar


a sê- lo , a "adivinhoa" está a designar mais do que os principais
focos de tensão desta estrutura social , pois ela fala dos prÓprios
limites conceptuais da sociedade , que são a imagem das relações
sociais perigosas e impossíveis de manter . Deste modo a nadivinhoa"
liga o mal estar real do indivÍduo ao mal estar virtual da sociedade .
Ao realizar um ritual no qual afasta do indivÍduo esses focos de
perigo ela está, simbolicamente , a restaurar a ordem cósmica (1)
(os " mal - mortos " são afastados dos vivos) e social (os vi zinhos
invejosos contra- atacados) .
A " adivinhoa " faz depender o mal estar individual do mal estar social
(virtual) o que lhe permite, ao restaurar simbolicamente a ordem
social , restaurar igualmente o bem estar individual . O papel da
" adivinhoa " será , segundo esta perspectiva , fazer a ligação simbÓlica
entre o bem- estar individual , a ordem social e a ordem cósmica, numa
sociedade que conceptualiza a primeira como sendo dependente das
Últimas .

(1) Uma vez que a ligação correcta com o mundo dos mortos deve
ser mediada pelo ritual religioso , o a~sombramento , ligação
não mediatizada e que origina o infortÚnio , pode ser encarado
como uma desordem cósmica .
I 1 ~.

APENDICE I

DADOS COMPLEMENTARES SOBRE MORTJ{GUA E CAlliANDRA


11 a".

Calhandra situa-se nos contrafortes do CaramuJo, a poucos qui-


lómetros do local em que esta serra dá lugar ~s planuras da
Bairrada. Pertence à freguesia de Pinhais e situa-se no extremo
noroeste do concelho de Mortágua, no I imite sudoeste do distri-
to de Viseu. Este concelho confina, de norte a oeste, com os de
Agueda, Anadia e Mealhada, distrito de Coimbra; e de este até
norte com Santa Comba-Dão e Tondela, distrito de Viseu.

O concelho apresenta-se como um largo vale rodeado de montes e!


pecialmente acidentadas na zona norte, variando a altitude entre
os 50 e os 769 r.etros. Esta divisão não é só de ordem ffsica mas
igualmente económica e demografica: na zona da serra, ou "serrai
pas" como são conhecidas, situam-se aldeias de pequenas dimen-
sões com terras de cultivo de menores dimensões; as maiores al-
deias, co~ maior zona de cultivo e onde se encontram alguns
~édio-proprietários situam-se todas na zona de vale. A este vale
correspondia, desde o pertodo glaciário, uma bacia lacustre que
segundo se cr@ foi escoada durante a ocupação romana, deixando
em recordaçao as terras fertilizadas e o nome do municfpio:
"Mortágua" vem de "Mortalago", como era conhecida nos séculos
IX e X.

De Mortágua pouco reza a história. Existiu af um castro romano


num monte sobranceiro~ vila aonde hoje se ergue um santuário
Jlg.

etnocêntricamente chamado de "Senhor do Mundo". Sabe-se que foi


conquistada aos árabes em 1108 por O. Fernando Magno; recebeu o
foral que fundou o municfpio, organi~ando a magistratura e a a-
dministração locais, em I 192 no reinado de O. Sancho I. Foram-
-lhe dados novos forais em 1403 e em 1514. Da parte do concelho
que estava sob a jurisdição da Coroa houve um donatário à data
do primeiro foral, voltando depois o concelho para o do~fnio da
Coroa, até que em 1380 foi doado a uma famfl ia Sousa, depois
Condes de Odemira. Manteve-se nesta casa até 1641, tendo sido
então doado aos futuros duques do Cadaval, que foram senhores
da vila até à abolição dos vfnculos. Mas parte do concelho es-
tava sob a jurisdiç~o das ordens eclesiásticas: no século X,
ainda sob o domfnio árabe, o conde Oveco Garciano doou as fre-
guesias de Vale de Remfgio e Pala ao mosteiro de Santa Cru~ de
Coimbra aquando da fundaç3o deste no século XI I; a freguesia
de Cortegaça pertencia ao priorado do Crato; as freguesias de
Pinhais e Trez6i pertenceram originalmente ao mosteiro da Va-
cariça, extinto em 1093 tendo os seus bens revertido para a Sé
de Coimbra, aonde ficaram até 1834. ~ especificado nesta doação
à Sé de Coimbra que está inclufda a capelania de Santo Amaro, e
a esta capela pertence hoje em dia o santo padroeiro de Calhan-
dra. Há uma outra referência directamente relacionada com esta
povoação: no "Cadastro da População do Reino" de 1527 há notf-
cia de que "na vila de Mortágua e seu term~vivem 519 cabeças
de casal; das 93 povoações actualmente existentes são ardes-
criminadas 70, entre as quais Calhandra com I fogo, e diversas
outras povoações das ~erraipas" com 2 a 7 fogos.

Esta zona tem u~ clima ameno, de caracterfsticas mediterr3ni-


cas com influências atl3nticas: ver~o quente e seco, bem mar-
120 ~

cado e inverno ameno e h~mido. Mas a orientação dos ventos e


acidentes de terreno criam zonas microcl im~ticas. Com efeito
as massas de ar frio das áreas de maior altitude movimentam-
-se lentamente junto ao solo , descendo as encostas e circu-
lando ao longo dos vales, com velocidades que dependem do d~

clive deste, da sua ori s~ta ção e revestimento. Quando os vales


são relativa mente fechados podem-se criar "lagos" de ar frio,
responsáveis por uma descida local das te~peraturas mfnimas,
aumento da hu~idade relativa do ar e ocorr@ncia de nevoérios.
Este fenómeno é causador do nevoeiro matinal caracterfstico
de Mortágua e é o principal responsável pelas diferenças cl i-
matéricas que se repercutem nas diferentes aptidões agrfcolas
de povoações serranas que distam entre si 2 a 5 km.

O solo em geral é de origem c~mbrica, derivando quase exclusl


vamente da desagregaç!o de xistos, sendo geralmente alagados,
cascalhentos, pesados e pouco permeáveis. Excepç!o ~ regra:os
solos dos vales, de aluviões recentes, situados nas margens
dos riscos e no extenso vale do centro do concelho. Se o cl i-
ma ameno é propfcio ~actividade agrfcola, os solos do primel
ro tipo só permitem um bom aproveitamento florestal, sendo as
zonas de aluvi3o as indicadas para a agricultura, e correspo~

dendo em geral ~s de regadio. Este concelho tem uma área de


24.560 hectares repartidos como se segue:
Util izaç!o Actual dos Solos
Agrfcola Florestal Incultos e Outros
4 557 - - -13 9Õ3(lT --1-- 6 100

Potencial idade dos Solos


Capacidade [ Capacidade l s· p t . Condicionado ao declive e
1 1 vo-as ore 1
Agrfcola Florestal outros
2 295 20 790 7 12 763
( Unidades: hectares )

A florestação desenvolveu-se em duas fases: nos montes que cir-


cundam a zona mais baixa do concelho e em alguns pontos da ser-
ra esta j~ existia antes de 18 10 co~o confirmam as histórias das
populações que se refugiaram nos pinhais para se esconderem dos
exércitos franceses que por af passaram na sua terceira invas3o
(2). ~graças a ela que se Funda a primeira serração do concelho
em 1902. Na década seguinte começaram as campanhas de apoio ~

florestaç3o dos terrenos da serra. Nesta zona, que inclui Calhan


dra, os terrenos das encostas próximas das povoações eram aprove!
tados para o cultivo de cereais de sequeiro (trigo, aveia, cen-
tei o ) e os restantes montes para o pastoreio de gado caprino. Es-
ta segunda florestaç3o foi realizada na sua maior parte há 40 a
50 anos, incentivada com a venda dos 61timos baldios já compra-

(I) Com uma taxa de arborização, obtida pela relação entre a ca-
pacidade e a utilização florestal do solo, de 70,6% a mais
elevada do distrito só sendo ultrapassada ' no continente pela
da Marinha Grande. Calcula-se que nesta região dois terço s
da floresta sejam de pinheiro bravo e o restante de eucalip-
ta I.

(2) Vidé Fonseca, Tomaz: 1949


dos com esse propósito. Na zona da Calhandra ela deve ter come-
çado há 40 ou 50 anos , segundo os seus habitantes, levando a uma
mudança profunda na sua economia . Hoje em dia a economia concelhia
caracteriza-se como se segue:

Composição do PIB: (total 148.947)

--
Agrfcola lnd~stria

Produtos Produtos Produtos Total Transfor- Constru- Total


Vegetais Animais Florestais % madora ções %
22 698 46 000 26 790 105 438 17 077 5 925 23 002
(70,8%) (I 5, 5% ~
-

Unidade: 1.000 escudos

Repartição da população activa:


-
Sector Sector Sector Total
Total
Prim6rio Secundário Terci6r lO Populaçâ'o

2 495 880 885 4 230 12 255


I (59%) (20,8%) (20,21 )
-
( 36, 4%)

O grande peso da produção animal ve~ da suinicultura e da avicu!


tura para venda e representa um n6mero mfnimo de explorações. Com
efeito, em 90,6% das explorações a maior parte da produção agrfco
la é destinada ao auto-consumo. Além disso e~ 51% das explorações
o maior rendimento vem da produção florestal, que é o caso da zo-
na de serra.
A propriedade é pequena -para a zona dos concelhos de Mortágua,
Santa Comba Dão, Carrega! do Sal, Tábua, Penacova e Arganil, co~

caracterfsticas semelhantes, a percentagem de explorações co~ m!


nos de dois hectares é superior a 70% - e extremamente fragment~
da, eco~ uma média de 17 prédios por exploração neste concelho.
A média propriedade é minoritária e os seus proprietários vivem
actualmente na vila ou fora do concelho.

A industria transfor~adora que é constitufda por diversas serra-


ções, uma fábrica de fiação e duas de ceramica~desenvolveu-se na
primeira metade deste século, criando novos postos de trabalho.
Depois, só o desenvolvimento da construç3o durante a década de
70 veio criar empregos. As fábricas de celulo~e e as serrações
levam a que muitos homens se dediquem ao abate, descasque e trans
porte de árvores - s3o os chamados madeireiros, trabalhando por
conta própria ou em pequenas empresas, geralmente fami I iares. As
populações do norte do concelho tinham ainda a hipótese de encon-
trar trabalho nas f~bricas do concelho de Agueda. Os restantes só
pela emigração conseguiam obter rendimentos I fquidos.

Em 1960 a população residente era de 13.024 habitantes, o que re-


presentava um aumento de 36% desde o infcio do século; a taxa de
crescimento natural, na década anterior, fora de 15,6%. Na década
de 60 a populaç3o decresce 20,1 %, sendo 16,2% pela emigraç3o le-
gal e o restante pela emigração i legal e migração interna; a ta-
xa de crescimento natural desce para 9,9%. A população só voltará
a aumentar depois de 1976 - a variação na década de 70 roi de
+5,4% - devido em parte às restrições feitas à emigração pelos pa!
ses de acolhimento, em parte pela criação de empregos na constru-
12 ~.

ç3o e no abate de árvores.

Na vi l a de Mortágua estão centralizados os serviços administra-


tivos, o cart6rio , os bancos , o comércio mais especialmente
incluindo a cooperativa agrfcola que compra e vende desses p r o-
dutos , os serviços , os serviços de sa6de , a escola que desde há
10 anos tem escolaridade até ao 9º ano. Possui um hospital cone!
lhio e desde o princfpio do século que af residem um a dois ~édi

cos . Actualmente tem oito médicos - faltam quatro par a cobrir as


necessidades que s3o calculadas na razão de I médico para cada
700 eleitores - e especialistas de cardiologia , esto~atologia ,

ginecologia, oftalmologia , ortopedia e otorrinologia que ar se


deslocam uma vez por semana . Desde há 35 anos que um veterinário
contratado pela c~mara ar se desloca três vezes por semana, indo
atender ~s povoações sempre que chamado. Este serviço é pago pe-
los pr6prios.

Junto a Mortágua realiza-se duas vezes por m~s uma feira na qual
a maioria dos habitantes das povoações se abastecem e vendem os
seus produtos .
Os quadros apresentados ilustram algumas das afirmações

sobre Calhandra fritas ao longo do texto .

O primeiro refere a estrutra etário e sexual da povoação .

No segundo são classificados os grupos domésticos desta

aldeia.

Por Último marco as zonas onde se estabelecem preferen-


cialmente trocas matrimoniais .

Os d djramilS de c.la mafor1a


dos ~rupos dornéstt'cos las~ c.le
ra\"M~€Sto
90

3 2 1 5 6 7 8 9

UIIIl ~~de.nte-!> pe..rnanen~

D t'\r~ran'teó e errllca-rqnt~ C..Ohl cas~ em c.a\~aY'\d'(ô


I. :. 1Sl
121.

CLASSIFICAÇ{O DOS GRUPOS DO~fSTICOS


DE
CAUIANDRA

Ci:\TEGOR I AS CLASSES NOTAS

I . I so I ados I . a . vi6vas I
l.b. solteiras 2
3

2 . Agregados 2 . a . irmãos
não 2 . b. outros parentes
fam i I i ares 2 . c . sem parentesco
o

3. Agregados 3 . a . casal 3
fam i I i ares 3 . b . casal com fi I hos 8
simples 3.c. vi6vo "
, ," -
3.d. vi~va I
12

4. Agregados 4.a . alargarnento ascendente


,
5
familiares 4 . b. descendente I
alargados 4.c . " lateral -
4.d. 4.a . + 4 . c . I
. 7

s. Agregados s . a . unida~e secundária ascendente -


fam i I i a r es S. b . " " descendente I
16ltiplos S . c . todas as unidades num nfvel -
S . cl . "Frén~che" -
I
23

NOTA: Este quadro foi organizado segun~o a tipologia - proposta por


P. Laslett (Laslett , 197Q)
128

Mapa r lacalf2il~ elos ca5il~e~~~tc:JS dos ~cfG\es de Ct.IC..~d~


COM ida.d es C.Q'\'\~V'e~d.-das e11\~e. ~-o e 9o ~o.s

Calhand~a - lf
~e.s da~~ - 2'1
l>ovo ll<Pe<.> d<:J cc~celho - 6
Co"'ce\\...o ele A~d;a - s
Lefna. - 2..

\orAL - 4!

Mara :![": Tcleh-1 1 pct~c3 ~ll~...es co~ rclaJes to..,..,preekcl,.Jas e~~


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o res~denlQ5 Vlt> exterior
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(t) os doi~ c~IS e5i.á'z> eh·ufirados e ait>da ~ fê!'n Ca5ZI prc ria fv.J
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133 .

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APENDICE II

11
ORAÇÕES E ' RISPONSOS
ORAÇÃO A S. JUSTO JUIZ DE NAZARt

11 SÃO JUSTO JUIZ DE NAZARl

Eu entrego F •. .
1 a S.J .J .N.,
filho da Virgem l-faria,
que em Bel~m
foste nascido,
entre indo lá três 2
Eu vos peço Senhor, pelo vosso sexto dia,
que o nosso corpo não seja preso nas mãos da justiça nem dos Inimigos
Envolta past~com, past~com, past~com .

Nosso Senhor jesus Cristo assim disse aos seus discípulos:


Se os inimigos vierem para nos prender,
terão olhar não nos verão,
terão ouvidos não ouvirão,
terão boca não falarão •
Com as armas de S. Jorge seremos armados;
com as espadas de Abraão seremos guardados;
com o l11to de Maria Santíssima seremos borrifados;
com o sangue de Nosso Senhor jesus Cristo seremos baptizados;
e na arca de No~ seremos arcadados;
e com as chaves de S. Pedro seremos fechados,
adonde não nos possam ver, nem ferir, nem matar,
nem arrastar, nem sangue do nosso corpo tirar.
Tamb~m vos peço Senhor,
por aqueles três cálices abertos,
por aqueles três pares revestidos,
por aquelas três h6stias consagradas, que consagraste ao terceiro dia,

...I ...
1 ou "eu me entrego"
2 ou "entre os idolatras"
1J:t.

desde a santa Porta de Bel~m até Jerusalém,


com prazer e alegria que n6s sejamos guardados,
tanto de noite como de dla
Deus adiante paz na guia,
Deus nos dê companhia,
como Deus nosso Senhor andou no ventre da Virgem Haria.
E desde a santa Casa de Belém até Jerusalém,
Deus ~ nosso pai,
Maria Santí ssima~ nossa mãe .
Com as armas de S. Jorge seremos armados,
com as espadas de Santiago seremos guardados,
para sempre e Am~n"

NOTA: Esta oração ~ extraída do Livro de S . Cipriano.


Utiliza- se geralmente em casos de justiça.
ORAÇÃO A SANTO ANTONIO - SERVE DE RESPONSO PARA ACHAR O PERDIDO OU O ROUBADO

"Santo Ant<Snio se levantou, se vestiu e se calçou,


e o senhor lhe perguntou:
- Onde vais Santo Ant<Snio?
- Senhor, convosco vou .
- Tu comigo não irás, tu na terra ficarás, o
perdido acharás e o esquecimento lembrarás.

Com a graça de Deus e da Virgem Maria e


pelo Anjo da Guarda e padre Santo Ant<Snio,
que nos guarde de noite e de dia, Pai NOsso
e Avé Maria".

Reza-se um Pai Nosso e uma Avé Maria .

NOTA: Esta oração foi vendida por um cego na feira local·


1J9.

ORAÇÃO A S. DARTOL<J.fEU

"Eu te entrego a S. Bartolomeu,


com S. Bartolomeu falei e ele me disse que dormisse
e descansasse e que nenhum medo tomasse,
que ele me livrava de má onda e de má ronda,
e daquela malvadada e do perro pesadelo.
Ele tem una m~o furada, uma unha retorcida,
quatro anjos no nosso peito,
quatro anjos no nosso leito,
quatro anjos nos a guardar,
para o inimigo n~o nos empeçar,
nem de noite nem de dia,
Pai Nosso e Avé Maria."

Reza-se um Pai-Nosso e uma Avé Maria.

NOTA: Esta oraç~o é utilizada contra o medo.


ORAÇÃO PARA DIZER A NOITE, CONTRA O HEDO

"Com Deus me deito, com Deus me levanto,


ao divino Espirito Santo,
Nossa Senhora cobri-me com o seu manto,
se eu bem coberta for não terei medo nem temor,
se eu morrer alumiai-me,
se eu viver acordai-me,
com as três pessoas da Santissima Trindade'!

Reza-se um Pai NOsso, uma Avé Maria e uma Salvé- Ra!nha.


I Lf I.

AS 12 PALAVRAS DITAS E RP~IT~~

" - Cust6dio amigo meu.


Custódio sim, amigo teu n~o.

- Diz-me lá a primeira.
- A primeira é a casa Santa de Jerusalém onde morreu Cristo por n6s Amén
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não.
- Disseste-me a primeira, diz-me as duas.
- As duas são as duas tabuinhas de Hoisés onde Jesus Cristo botou os seus
sagrados pés e a primeira é a casa Santa de Jerusalém onde morreu Cristo
por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo tet:. não •
-Disseste-me as duas, diz-me as três.
- As três são as três exéquias, as duas são as duas tabuinhas de Hoisés
onde Jesus Cristo botou os seus sagrados pés e a primeira é a casa Santa
de Jerusalém onde morreu Cristo por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não.
Disseste-me as três, diz-me as quatro •
- As quatro são os quatro "englistas" (evangelistas), as três são as três
exéquias, as duas s~o as duas tabuinhas de Moisés onde Jesus Cristo botou
os seus sagrados pés e a primeira é a casa Santa de Jerusalém onde morreu
Cristo por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não .
Disseste-me as quatro, diz-me as cinco .
- As cinco são os cinco mandamentos, as quatro são os quatro 11 englistas 11 , as
três são as três exéquias, as duas são as duas tabuinhas de Moisés onde
Jesus Cristo botou os seus sagrados pés e a primeira é a casa Santa de Je-
rusalém onde morreu Cristo por n6s Amén.

. .. I ...
1~2.

Cust6dio amigo meu.


Cust6dio sim, amigo teu não.
- Disseste~e as cinco; diz~e as seis.
As seis são os seis servientes, as cinco são os cinco mandamentos, as quatro
são os quatro "englistas", as três são as três ex~quias, as duas são as duas
tabuinhas de Moisés onde Jesus Cristo botou os seus sagrados pés e a primei-
ra é a casa Santa de Jerusalém onde morreu Cristo por n6s Amén .
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não.
Disseste~e as seis, diz-me as sete.
As sete são os sete sacramentos, as seis são os seis servientes, as cinco
são os cinco mandamentos, as quatro são os quatro "englistas", as três sllo
as três exéquias, as duas são as duas tabuinhas de Moisés onde Jesus Cristo
botou os seus sagrados pés e a primeira é a casa Santa de Jerusal~ cnde mor.
reu Cristo por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não.
- Disseste~e as sete, diz~e as oito.
As oito são os oito "cordângelos", as sete são os sete !'"acramentos, as seis
são os seis servientes, as cinco são os cinco mandamentos, as quatro são os
quatro 11 englistas", as três sãc as três exéquias, as duas são as duas tabuí-
nhas de Moisés onde Jesus Cristo botou os seus sagrados pés e a primeira é
a casa Santa de Jerusalém onde morreu Cristo por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo te~ não.
- Disseste~e as oito, diz~e as nove •
As nove são os nove templos (ou tempos), as oito são os oito "cordângelos",
as sete são os sete sacramentos, as seis são os seis servientes, as cinco
são os cinco mandamentos, as quatro são os quatro "englistas", as três são
as três exéquias, as duas são as duas tabu!nhas de Moisés onde Jesus Cristo
botou os seus sagrados pés e a primeira é a casa Santa de Jerusalém onde mor-
reu Cristo por n6s Amén •

. ..; ...
Cust6dlo amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não.
- Disseste~e as nove, diz-me as dez.
As dez são os dez mandamentos, as nove são os nove templos, as oito são os
oito 11 cordângelos 11 , as sete são os sete sacramentos, as seis são os seis
servientes, as cinco são os cinco mandamentos, as quatro são os quatro
11 englistas 11 , as três são as três ext$quias;; as duas são as duas tabuinhas
de Moisés onde Jesus Cristo botou os seus sagrados pts e a primeira t$ a
casa Santa de Terusalt$m .onde morreu Cristo por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não ·
Disseste-me as dez, diz-me as onze.
As onze são os onze 11empires 11 , as dez são os dez mandamentos, as nove são
os nove templos, as oito são os oito 11 cordângelos 11 , as sete são os sete
sacramentos, as seis são os seis servientes, as cinco são os cinco manda-
mentos, as quatro são os quatro 11englistas 11 , as três são as três exéquias,
as duas são as duas tabuinhas de Moist$s onde Jesus Cristo botou os seus
sagrados ~s e a primeira é a casa Santa de Jerusalt$m onde morreu Cristo
por n6s Amén.
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu não .
Disseste-me as onze, diz-me as doze •
As doze são os doze ap6stolos, as onze são os onze 11empires 11 , as dez são
os dez mandamentos, as nove são os nove templos, as oito são os oito 11 cor-
dângelos11, as sete são os sete sacramentos, as seis são os seis servientes,
as cinco são os cinco mandamentos, as quatro são os quatro 11
englistas 11 , as
três são as três exéquias,; as duas são as duas tabuinhas de Moist$s onde
Jesus Cristo botou os seus sagrados pés e a primeira t$ a casa Santa de
Jerusalém onde morreu Cristo por n6s Amén •

. ..; ...
Cust6dio amigo meu.
Cust6dio sim, amigo teu n~o

Disseste~e as doze, diz~e as treze •


Treze raios tem o sol, treze raios tem-na lua arrebenta Diabo que esta
alma é de Deus n~o é tua."

NOTA: Esta oração é utilizada contra o medo pois S. Crist6vão venceu o Diabo.
14S.

APENDICE III

ORAÇÕES REALIZADAS PELA EXORCISTA

[Extraídas de "O Grande Livro de S . Cipriano" (anónimo , 1976 )]


la ORAÇÃO

11 Eu, como criatura de Deus feita à Sua semelhanqa e remida com o Seu Santíssimo
Sangue, vos ponhqopreceito, Dem6nio ou dem6nios, para que cessem os vossos deli-
rios, para qu~ esta criatura não seja jamais por v6s atonnentada com as vossas
f~ias infernais.

Pois o nome do Senhor ~ forte e poderoso, por quem eu vos cito e notifico que
vos ausenteis deste lugar para fora. Eu vos ligo eternamente no lugar que Deus
Nosso Senhor vos destinar: porque com o nome de jesus vos piso e rebato e vos
aborreço mesmo do meu pensamento para fora. O Senhor seja comigo e com todos
n6s, ausentes e presentes, para que tu, Dem6nio, não possas jamais atonnentar as
criaturas do Senhor. Fugi, fugi, partes contr~ias, que venceu o leão de Tudá e
a raqa de David.

Amarro-vos com as cadeias de S. Paulo e com a toalha que limpou o santo rosto de
jesus Cristo para que jamais não possais atonnentar os viventes."

"{Faça-se o acto de contrição). 11

2ª ORAÇÃO '

11 Eu, Cipriano, servo de Deus, a quem amo de todo o meu coraç[o, corpo e alma,
pesa~e por Vos não amar desde o dia em que me destes o ser. Porém, V6s, meu
Deus e meu Senhor, sempre Vos lembrastes um dia deste Vosso servo Cipriano.

Agradeço-Vos, meu Deus e meu Senhor, de todo o meu coração, os benefícios que
de V6s estou recebendo, pois, a gora, ó Deus das Alturas, dai~e for ça e f~ para
que eu possa de sligar tudo quanto teLho ligado, para o que invocarei sempre o
Vosso Santíssimo Nome. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém •

. . .I ...
V6s que viveis e reinais por todos os séculos dos séculos. Amém. ~ certo, Nosso
Deus, que agora sou Vosso servo Cipriano, agora dizendo-Vos: Deus Forte e Pode-
roso que morais no grande cume que é o Céu onde existe o Deus Forte e Santo,
louvado sejais para sempre !

V6s que vistes as malícias deste Vosso servo Cipriano! E tais malícias pelas
quais eu fui metido debaixo do poder do Diabo! Mas eu não conhecia o Vosso Santo
Nome : ligava as mulheres, ligava as nuvens do céu, ligava as águas do mar para
que os pescadores não pudessem navegar para não pescarem o peixe para sustento
dos homens! Pois eu, pelas minhas malícias, minhas grandes maldades, ligava as
mulheres prenhes para que não pudessem parir, e todas estas coisas eu fazia em
nome do Dem6nio. Agora, meu Deus e meu Senhor, conheço o Vosso Nome e o invoco
e torno a invocar para que sejam desfeitas e desligadas as bruxarias e feitiça-
rias da máquina ou do corpo desta criatura (fulano). Pois Vos chamo, ó Deus Pod~
roso, para que rompais todos os ligamentos dos homens e mulheres . Caia a chuva
sobre a face da terra para que dê seu fruto; as mulheres tenham seus filhos;
livre de qualquer ligamento que lhe tenha feito, desligue o mar para que os pes-
cadores possam pescar. Livre de qualquer perigo desligue tudo quanto está ligado
nesta criatura do Senhor; seja desatada, desligada de qualquer forma que o este-
ja: eu a desligo, desalfineto, rasgo, calço e desfaço tudo, boneco ou boneca ~ue

esteja nalgum poço ou levada, para secar esta criatura (fulano), pois todo o
maldito diabo e tudo seja livre do mal e de todos os males ou maus feitos, fei-
tiços, encantamentos ou superstiçffes, artes diabólicas. O Senhor tudo destruiu
e aniquilou; o Deus dos Altos Céus seja glorificado no Céu e na Terra, assim
cerno por Emanuel, que é o nome de Deus Poderoso. Assim como a pedra seca se
abriu e lançou água de que beberam os filhos de Israel, assim o Senhor muito Po-
deroso, com a mão-cheia de graça, livre este servo {fulano) de todos os malefí-
cios, feitiços, ligamentos e encantos em parte e tudo que seja feito pelo Diabo
ou seus servos, e assim que tiver esta oração sobre si e a trouxer consigo ou
tiver em casa, seja com ela diante do paraíso terreal do qual saíram quatro rios,
cinquenta e seis tigres eufrates, pelos quais mandastes deitar água a todo o
mundo, por cujos Vos suplico, Senhor meu Jesus Cristo, Filho de l-faria Santíssima,
a quem entristecer ou maltratar pelo mnldito maligno espírito, nenhun encanha-
mento nem maus feitos não façam nem movam coisa alguma má contra este Vosso servo

... / ...
(fulano), mas todas as coisas aqui mencionadas sejam obtidas e anuladas, para o
qual eu invoco as setenta e duas línguas que estão repartidas por todo o mundo e
qualquer dos seus contrários, sejam aniquiladas as suas pesquisas, pelos Anjos
seja absolvido este Vosso servo (fulano), com toda a sua casa e coisas que nela
estão, sejam todos livres de todos os malefícios e feitiços pelo nome de Deus
Padre que nasceu sobre Terusalém, por todos os mais Anjos e Santos e por todos
os que servem diante do Paraíso ou na presença do alto Deus Padre Todo-Poderoso,
para que o maldito Diabo não tenha poder de empecer a pessoa alguna. Oualquer
pessoa que esta oraç~o trouxer consigo ou lhe for lida ou onde estiver algum si-
nal do Diabo de dia ou de noite por Deus, Tiago e Jacob, o inimigo maldito seja
expulso para fora; invoco a comunhão dos Santos Ap6stolos, de N. S. J. C.,
S. Paulo; pelas oraçô'es das religiosas, pela limpeza e fonnosura de Eva, pelo
sacrifício de Abel, por Deus unido a Jesus, seu eterno Pai, pela castidade dos
fiéis; pela bondade deles, pela fé em Abraão, pela obediência de Nossa Senhora
quando Ela livrou a Deus, pela oração de Madalena, pela paciência de Hoisés,
sirva a oração de S. José para desfazer os encantamentos, Santos e Anjos valei-
-me; pelo sac~ifício de Jonas, pelas l~grimas de Jeremias, pela oraç~o de Zaca-
rias, pela profecia e por aqueles que não dormem de noite e estão sonhando com
Deus Nosso Senhor J. C., pelo profeta Daniel, pelas palavras dos Evangelistas,
pela coroa que deu a Moisés em línguas de fogo, pelos sennô'es que fizeram os
Ap6stolos, pelo nascimento de N. S . J. C., pelo Seu santo baptismo, pela voz
que foi ouvida do Padre Eterno, dizendo: 11 Este é meu Filho escolhido, meu amado;
deve-me muito apreço porque toda a gente o teme e porque faz abandonar o mar e
faz dar frutos à terra!', pelos milagres dos Anjos que juntos a Ele est~o, pelas
virtudes dos Ap6stolos, pela vinda do Espírito Santo que baixou sobre eles,
pelas virtudes e nomes que nesta oraç~o estão, pelo louvor de Deus que fez todas
as coisas pelo Pai , pelo Filho , pelo Espírito Santo (fulano), se te est~
feita alguma feiti~aria nos cabelos da cabeça, roupa do corpo, ou da cama, ou
no· calçado, ou em algod~o, seda, linho, ou lã, ou em cabelo de crist~o, ou de
mouros ou de hereges, ou em ossos de criatura hunana, de aves ou de qualquer
outro animal; ou em madeira, ou em livros, ou em sepulturas de crist~os ou em
sepulturas de mouros, ou em fonte ou ponte, ou altar, ou rio, ou em casa, ou em
paredes de cal, ou em campo, ou em lugares solitários, ou dentro das igrejas, ou
repartimentos de rios, em casa feita de cera ou m~ore, ou em figuras feitas de
fazenda ou em sapo ou dentro das igrejas, ou repartimentos de rio ou de lameiro,

... I ...
ou em comidas ou bebldas, ou em terra do pé esquerdo ou direito, ou em qualquer
coisa que se possa fazer feitiços •..

Todas estas coisas sejam desfeitas e desligadas deste servo (fulano) do Senhor,
tanto as que eu Cipriano tenho feito, como as que têm feito essas bruxas servas
do Dem6nio; isto tudo seja tornado ao seu pr6prio ser que dantes tinha, ou em
sua pr6pria figura, ou em que Deus a criou.

Santo Agostinho e todos os Santos e Santas, por santos nomes, que façam que
todas as criaturas sejam livres do Dem6nio. Amém. 11

3ª ORAÇÃO

''oRAÇOES PARA PEDIR A DEUS PELOS :OONS ESP!RITOS QUE \1&1 A ESTE HUNOO BUSCAR ORA-
ÇÕES PARA SEREM PURIFICADOS DO HAL QUE FIZERAM NESTE MUNOO, E RESTITUIR ALGUMA
D!VIDA OU ROUBO.\.'

11 Sai, alma cristã, deste mundo, em nome do Deus Padre Todo-Poderoso, que te
criou; em nome de jesus, Espírito Filho do Deus Vivo, que por ti padeceu; em nome
do Espírito Santo, que copiosamente se te comunicou. Aparta-te deste corpo ou
lugar em que estás, porque o Senhor te recebe no Seu reino; jesus, ouve a mi"ha
oração e sê amparo como és amparo dos Santos, Anjos e Arcanjos; dos Tronos e
Dominaçffes: dos Querubins e Serafins; dos Profetas, dos Santos Ap6stolos e dos
Evangelistas: dos Santos I-lru-tires, Confessores, l-tanges, Religiosos e Eremitas;
das Santas Virgens e esposas de jesus Cristo e de todos os Santos e Santas de
Deus, o qual se digne dar-te lugar de descanso, e gozo da paz eterna na cidade
santa da celestial Sião, onde O louves por todos os séculos. Amém.~

I(
No final reza-se um acto de contricção. 11
4ª ORAÇÃO E l1LTIMA PARTE DA SESSÃO

•'!>tOOO CCMO SE H!-DE FECHAR A MORADA '"

~Tome-se uma chave de aço, em ponto pequeno, e deite-se-lhe a bênção da forma


seguinte :

11 0 Senhor lance sobre ti a Sua santí ssima bênção e o Seu santíssimo poder para
que te dê a virtude eficaz, para que toda a morada ou porta por onde entra Sat.s:
nás por ti seja fechada, jamais o Dem6nio ou seus aliados por ela possam entrar,
pois, abençoada seja em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Jesus seja contigo.''''

(Deita-se ~gua benta em cruz sobre a chave)

IJ PALAVRAS SANT!SSIHAS QUE O RELIGIOSO DEVE DIZER QUANDO ESTIVER A FECHAR A HORADA''

4 (A chave deve estar sobre o peito do enfermo, como se estivessem a fechar a


porta.)\\

ti ~ Deus <Enipotente, que do seio do Eterno Pai viestes ao mundo para salvação
dos homens, dignai-vo s, pois, Senhor, pôr preceito ao Dem6nio ou dem6nios,
para que eles não tenham mais o poder e atrevimento de entrar nesta morada.
Seja fechada a sua porta, assim como Pedro fecha as po1 ·tas do C~u às almas que
l~·quercm entrar sem que primeiro expiem as suas faltas. ~'

., (O religioso finge que est~ a fechar una porta no peito do enfermo)'"

... I . ..
ôl.

Dignai-vos~ Senhor, permitir que Pedro venha do Céu à Terra fechar a morada
onde os malditos dem6nios querem entrar quando muito bem lhes parece.

Pois eu (fulano)~ em Vosso Santíssimo Nome, ponho preceito a esses espíritos


do mal~ para que desde hoje para o futuro nã:o possam mais fazer morada no
corpo de (fulano)~ que lhe será: fechada esta porta perpetuamente, assim como
lhe é fechada a do reino dos espíritos puros. Am~.

No fim da oração que fica dita, escrevam num papel o nome de Satanás e queimem-
-no, dizendo :

Vai- te, Sataná:s, desaparece assim como o fumo da chaminé".


PRIMEIRA ESCONJURAÇÃO

11 Esta esconjuração deve ser feita pelo religioso com todo o respeito e fé~ e
quando veja que o enfermo está aflito e o Dem6nio ou mau espirito não quer
sair~ deve-lhe tornar a ler o preceito que está no capítulo IV~ no fim da
ladainha~ ou o que est~ em latim.

Eu~ Cipriano~ digo eu (fulano)~ da parte de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo~
absolvo o corpo de (fulano) de todos os meus feiti~os~ encantos~ encanhos~ em-
pates que fazem e requerem homens e mulheres em nume de Jesus N. S. J. C .~ Deus
de Abraão~ Deus muito grande e poderoso! Glorificado seja~ para sempre sejam
em seu Santíssimo Nome destruídos~ desfeitos~ desligados~ reduzidos ao nada~

todos os males de que padece este Vosso servo (fulano); venha Deus com seus
bons auxílios por amor de miserirordia que tais homens ou mulheres que são cau-
sadores destes males que sejam j~ tocados no coração para que não continuem com
esta maldita vida!

Sejam comigo os Anjos do Céu~ principalmente S. Miguel~ S . Gabriel, S. Rafael


e todos os Santos~ Santas e Anjos do Senhor, e os Ap6stolos do Senhor~ S. Jo~o

Baptista, S. Pedro, S. Paulo, Santo André, S. Tiago, S. Matias, S . Lucas,


S . Filipe, S. Marcos, S. Sim~~ Santo Anastácio~ Santo Agostinho e por todas as
ordens dos Santos Evangelistas: Jo~, Lucas, Marcos~ Hateus, e por todos os
Querubins e Miguéis~ criados por obra e graça do Divino Espirito Santo. Pelas
setenta e duas línguas que est~ repartidas pelo mundo e por esta absol,rição
e pela voz que deu quando chamou IÁzaro do sepulcro, por todas estas virtudes
seja tornado tudo ao seu pr6prio ser que dantes tinha ou à sua pr6pria sa~de que
gozava antes de ser arrebatado pelos dem6nios~ pois eu~ em nome de Todo-Poderoso~

mando que tudo cesse do seu desconcerto sobrenatural .

. .. / ...
Ainda mais pela virtude daquelas santíss:im.as palavras por que Jesus Cristo
chamou : Adão, Adão, Adão, onde estás? Por estas santíssimas palavras absolva-
mos, por esta virtude de quando Jesus Cristo disse a un enfermo: "levanta-te
e vai para tua casa e não queiras mais pecar", de cuja enfermidade havia de
estar três anos, pois absolva- te Deus que criou o Céu e a Terra e Ele tenha
compaixão de ti criatura (fulano), pelo profeta Daniel, pela santidade de
Israel, e por todos os Santos e Santas de Deus, absolvei este vosso servo ou
serva (fulano) e abençoai toda a sua casa e todas as mais coisas sejam livres
do poder dos dem6nio s por Elnanuel, pois Deus seja com todos n6s . Amém.

Pelo Santíssimo Nome de Deus N. S. J. C. e todas as coisas aqui nor.teadas sejam


desligadas, desenfeitiçadas, desalfinetadas de todos os empates que sejam
formados por arte do Dem6nio ou seus companheiros, seja tudo destruído; que o
mando eu da parte do Omnipotente, para que já, sem apelaç~~, sejam desligados
e se desliguem todos os maus feitiços e ligamentos e toda a má ventura por
Cristo Senhor Nosso . Am&i."
A t1LTD1A ORAÇÃO UTTI.IZADA EM CASOS DE POSSESSÃO POR ESP!RITOS

11
EXORCISt-fO PARA EXPULSAR O DIABO DO CORPO

Este exorcismo foi encontrado num livro muito antigo, escrito por Frei Bento
do Rosário, religioso descalço da Ordem de Santo Agostinho.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Em nome de S. Bartolomeu, de


Santo Agostinho, de S. Caetano, de Santo Andrl Avelino, eu te arrenego, Anjo
}~u, que pretendes introduzir-te em mim e perverter~e. Pelo poder da Cruz de

Cristo, pelo poder das Suas divinas chagas, eu te esconjuro, maldito, para
que não possas tentar a minha alma sossegada. Amlm.

(Deve ser dita três vezes, e outras tantas fazer-se o sinal da Cruz sobre
o peito)"
APENDICE IV

SESSÕES DA MEDIA LUCIA


Este texto consiste na transcrição de gravações de sessões
realizadas junto de uma das médias de Calhandra a quem desl
gnei por "L6cia". A mulher que a foi consultar, senhora Aida,
trabalhou em sessões de espiritismo em Lourenço Marques, ci-
dade aonde residiu até 1974. Actualmente reside no concelho
de Anadia aonde diversas pessoas lhe v3o exp&r os seus pro-
blemas que ela depois apresenta b espfrita.

Nestas transcrições utilizo as seguintes abreviaturas:


A - Aida
E - Esptrito
S.~.A. -Santa Maria Adelaide, a guia da média.
Voz -Outro participante nas sessões.
SESSOES COM A MfDIA L~CIA E A SRA. AIDA

I I de Dezembro de 1983

A -Ontem aconteceu uma co1sa esquisita ( ••• ) Perdf uns


desenhos de Jesus que estavam dentro desta revista,
e desapareceram os desenhos.

S .M. A. Eles est3o lá em casa, irmã.

A- Aonde? Não me podes dar assim um ••• só um sftío aonde


eu possa ir procurar?

S ..M•.A; - ·Não. Se tu procurares, está lá. Quando tu andares a


procurar, eu vou-te ajudar, que eles est!o lá em casa.

A- Sim? Que eu não queria perder aquilo por nada. Mas ent3o
quem mo tirou daqui?

S.M.A. - Tu procura que eu depois ajudo-te. Não está perdido.

2ª Sessão

A - Agora, este pequeno que eu te trouxe noutro dia estava


aguado. Tu fizeste a reza do aguado. Mas ele está tão
franzino~ Em lugar de crescer ele diminuí .

S.M.A. - Pois é irmã, ele por ele próprio não é de muitas comi-
das. Ele há-de ser sempre assim, miudinho. Deixa-o andar,
não te preocupes •
lJo ·

3ª Sessâ'o

A - Ah! Este sente p1ngar em casa como se chovesse. A nora


atirou-se a um poço e o fi lho atirou-se lá dentro para
a salvar e morreram os dois. E o marido dela morreu há
28 anos. Agora tens aqui a fotografia, vê o que é que
se passa com esta pobre mu lher, que ela está sempre a-
fi ita e a sentir-se mal .

S.M.A. Pois é, é um espfrito que anda aqui em volta dela .

A -Podemos doutriná-lo?

S.M.A. - Já af vem

E - (Suspiro)

A- O que foi, o que é que aconteceu ar nessa barriga?

E - (Suspiro)
A ~ água não é? Ah! Não é prec1so, não é prec1so que isto
passa tudo . Sabes , eu tiro-te já essa aflição. Pronto eu
tiro-te isso (passa-lhe as mãos pela barriga). Pronto já
passou !

E - (Suspiro)

A - Como é que te chamas?

E - Sou mulher.
/

A - ~ a fi I ha, não é? Como é que te chamas?

E - Tive uma morte tão triste ···

A - E o teu ~arido, também af est~?

E- Eu não é por mal mas •••


A - ... e o teu marido?

E - Ele anda aqui mais eu.

A - Os 2 juntos? Então os do i s juntos andam por esta casa?


I
E -~ para matar saudades .
~

A ~ stm , e ninguém te está a culpar! Olha lá, eu vim - te


aqui culpar? N~o! Sabes o que é que eu vim-te cá fazer?
Vim-te ajudar! Quer es que te ajude? Que r es?

E - Sim.

A -Olha lá, agora aqui lo que tu caiste lá dentro , foste tu


que te atiraste ou escorregaste ·

E - Andava atentada.
A -Andavas atentada! Quer dizer: foste tu que te ati r aste .
Não foi?

E - Eu não andava boa .

A - N!o andavas boa! Isso sei eu. Mas fizeste ~ai por que
sabes , a vida que é nossa , não é nossa! A vida que é
nossa é de Deus.

E - Nunca pensei em o meu marido te r morrido também .

A Nunca pensaste , pots. Mas olha , n6s nunca podemos tirar


a nossa vida , porque ela é de Deus . E o teu marido foi
foi para te salvar e ficou também . Esse é que tem gl6-
ria porque foi para te salvar . Entretanto tu foste cau -
sadora também da morte do teu narido : foram duas mortes .

E - Pois fui • Fiz ma I~ ...

A - Mas olha: tu estás mesmo arrependida, ou é s6 da boca?


16 0 .

E -Não, eu estou muito arrependida. Eu não andava boa

A- Bom, então vamos fazer uma coisa •••

E - ... Deus me perdoe ,

A - Ah! Deus há-de te perdoar se tu estiveres mesmo arre


pendida. E o teu marido também. Ele está aqui contigo?

E - N~o, ele agora não está aqui!

A Bom, então olha: tu agora fazes uma cotsa. Vamos falar


com Deus, está bem? Vais pedir perdão a Deus. Mas tam-
bém deves saber perdoar a todos aqueles que ••• que te
aborreciam .

E- Está bem? Perdoo a todos.

A Queres mandar algum recado? Diz alguma coisa à tua mãe


para e I a ficar mais acaute I ada .

E - Não mando nada ~

A - Então não mandas nada à tua mãe?

E- Dei-lhe tantos desgostos!

A - Então pede perdão à tua mãe, que uma m~e perdoa sempre

E - Perdoa-me mãe, perdoa-me da minha falta .

A - Ela vai perdoar, que tu ficas contente. E eu, em nome


dela, perdoo -te já. Agora vamos ao resto. Agora vamos
falar com Deus, que ele é o nosso grande

E - ... é que n~o tenha medo, que era eu que ia v is i tar .•.

A ... e aqueles ptngos de água o que é que era?

E- Era eu, que tinha uma tão grande mágoa ••• ela ~s vezes
16/.

sonhava comigo e eu não quero que ela se aflija. fiz


aqui lo para que ela perdesse a le~brança ~

A - Está bem. Eu vou trazer a mãe para ouvir Isso. Agora


vamos falar com Deus. Diz comigo: "Meu Deus/ Eu fui
uma grande pecadora/ Porque me matei a mim/ Tirei a
vida que era tua/ E ainda para mais/ fui causa da mor
te do meu marido/ Porque ele era tão bom/ Que me quiz
salvar/ E ficou também ••• "

E - ••• Tinha-me amor mesmo ~


,
A ~ verdade. Bom, agora: "Perdoa-me meu Pai/ Que eu se1

que tu és bom e que me vais perdoar/ Porque estou mu1


to arrependida". E agora vamos dizer. "Meu Deus/ Eu
quero perdoar a todos aqueles/ Que me magoaram/ Aqui
na Terra~ E agora falamos a Jesus. Diz "Jesus/ Mande
alguém buscar-me/ Que eu quero 1r ao pé de tf" Agora
olha, olha para a tua frente. Quem é que vem? Diz-me1
Diz-~e!

E - ~
~o meu mar1'd o .I

A Pois, ele está em bom lugar! Vês? Vai, vai c~m ele e
que Deus te acompanhe .

S.M.A. - Eu vim em nome de Deus e da nossa Mãe Maria Santfssi~a.


Pois é irmã, o espfrito andava muito baixo, e o outro
irmão é que a veio puxar e ficou muito contente .
162.

28/3/84- Iª Sessão

E "Grava o qu3, não gravo nada. Não quero essa merda .

A -Pronto, eu desgravo ·

E - N3o está, eu quero .. •

A -Mas diz-me, que na outra vez trago .

E - i ele !

A - Af é? Tu gostas dele?

E - Eu mo r r f no v a •

A - E gostavas de v~-lo?

E- Gostava .

A Mas tu já vieste aqui uma vez, parece, a falar comtgo.

E Gostava muito dele. Eu matei-me por mtm pr6pria .

A Ainda por ctma. E com qu~?

E - Pronto chateava-me. E agora queria estar ao pé qele .

A - Mas tu és de . lá de ao pé dele, lá de Amoreira da G~n­

dara? Es de I onge .
I
E - Não .

A - E como te chamas para eu lhe dizer a ele que tens sau-


dades? Ou C0'110 é que lhe digo .

E - Ele não precisa de VIr ter comigo, eu resolvo o probl~


I
ma mais e I e. Não é preCISO tu dizeres nada ·
l-b3.

A -Agora diz-me 1~: tu não tens corpo, e o que é que vais


fazer com ele?

E - Ele é bom, ele é um borrachinho bom !

A - N~o tem corpo, tu o que é que te serve •••

E -Mas ao pé dele já fico satisfeita.

A- Ai, que ilusão •••

E - NSo quero mais nada. Por causa da ilusão é que eu me


matei. Pois foi ~

A - E porque é que te mataste?

E - Sabes, eu era casada. Mas era nova, andava com este e com
aquele, e depois meu amigo antes que descobrissem, cat~a­

puz !

A -Pois é. Mas mataste-te com qu~? Com veneno foi?

E Primeiro tomei uma dose, de co~primidos,e depois foi aqui-


lo, aquela coisa do escaravelho. Mas tomei aquilo várias
vezes .

A -Pensa um bocado. Vamos Falar muito a sério. Sabes que eu


gosto de ajudar a todos. Tenho pena de tf. Eu quero aju-
dar a todos aqueles que sofrem .

E - Mas ele é bo~

A Tá bom, é bom mas n~o é para tr !

E Então não posso andar mais ele, n3o é?

A Ah, então por isso é que ele n3o anda bem, n3o é?

E - (Suspiro) Agora há dias cheguei-me a ele e ele Fugiu-me.


/~,

la a ver se me agarrava a ele, ele parece que se des-


graç~ todo (gargalhadas)·

A
A - Ele não te sente, ele não te ve, como ê que o podias
assustar? Ele n3o te vA!

E -Ele n3o me vê? Mas eu estava lá no aparelho, agarrava-


-me a ele .

A -No aparelho? Ouer dizer na televisão?

E - Eh n3o caralho! Caramba da mulher!

A Enfim. Vamos c~. Vamos cá. Vamos cá minha amiga. Isto


não me parece duma mulher a falar assim .

E Eu era assim. Dizia o asneiredo que podia (ri-se).

A - Ai era? Então é por 1sso que ele anda sempre com dores
de cabeça, anda •••

E -Pois é. Eu também as trazia sempre .

A -Mas tu, não há muito tempo, não estavas lá. Como é 1sso

E- Não estava lá, mas agora já lá estav.a .


A - fntão agora já vieste, n3o é?

E - J~ (longe). Então não me deixas andar mais ele?

A -Olha, eu deixo-te, mas ele queria ficar melhorzinho !

E - E ele começa a dizer assim nEntão mas que merda é estan.


(Ri-se)

A -Minha boa amiga. Amiga, Anda cá. Eu não estou aqui para
brincar, sabes. Eu estou para te ajudar
E - Ah, mas é que eu sempre fui brincalhona !

A Está bem, está certo, eu não estou contra 1sso mas esta-
mos a perder o nosso tempo e tu tens o tempo marcado, e
poJes ser muito feliz hoje. V3 lá tu, repara s6 nisto: tu
não v3s o que eu te puz aqui na tua frente .

E - Pois não, pois eu estou no Purgat6rio ·•·

A -Pois então v3s? Vale a pena viver assim espiritualmente?


Não vale! Vale a pena é veres, ser feliz, encontrares os
teus queridos do outro lado ••• e, sabe-se lá até outros
que namoraste .

E - E tu arranjas-me uma conpanhia?

A Arranjo-te. Vem-te buscar a-q-u-i. A-g-o-r-a. E tu vais


ficar contente em ires co~ essa companhia !

E- Não tenho cá nenhum para mim •••

A - Não tens qu3? Homens? Não é preciso homens.

E- Eu quero um rapaz !

A - Queres um rapaz. Bem há-de ser o que Deus mandar, sabes


que Deus •••

E - ... mas pede um rapaz !

A - Peço um rapaz? Bem, Ele está a ouv1r, Jesus está a ouvar.


6 depois vamos ver que é que ele manda. Mas ouve cá, não
vamos falar em tolices agora.

E -Mas eu era ass1m

A- Mas agora, neste momento, estamos a falar a sério !


E -Agor a ent3o é que r ao . Agora vamos falar a sério.

A - Olha , agor a é um assunto muito impor tante . Ouve: se c~

vier um velho buscar -te , não quer dizer que l á não ha -


ja novos . Há lá muitos , porque são os novos que se ma -
tam .

A - Bem , tu I~ vais depois encontra r. Quem te vem buscar é


quem Jesos mandar , par a te mostrar o cam i nho , estás a
pe r ceber? Mas quando lá chegar vaas ver I~ muitos , até
teus familiares, quem tu amas , quem tu amaste cá na ter -
ra , vais I~ encontr a r .
I
E - Tá bem·

A Vais ver que eu n3o minto . E tu vais - me d iz e r a mim de -


poas . Quem é que te vem buscar a t i, porque eu depois
é que não vejo . Estou como tu agor a que não vês . Mas
agora , daqua. a uns ~anu
. t os , va .as ve r.I

E - Tá bem '·

A - Estás contente?

E - Estou!

A Estás a ver que não vale a pena anda r ai i na casa . Pois


há coisas muito melhores . E foi isso que eu vi~ cá fa -
zer.

E- ••• T~s a ver , ele que me perdoe q u e eu andava e r a •••

A- ... Pois está bem . Hoje ~ noite vou-lhe dizer . Ele vai -
- te perdoar e ela também , está bem?
/~ 1.

E - Pois é isso •••

A - Está certo . Logo vamos pedi r para eles perdoarem , e


eles perdoam , eu sei que per doam . E por mim estás pe~

doada e por n6s . Portanto , vamos a~ora fala r co~ Deus ,


está bem? Diz : " Meu Deus~/ Eu fui uma pecador a cá na
Terra/ E estou muito a r rependida/ E ma i s ainda de
tudo/ Em ti r a r a minha vida / Que n~o é minha mas s1m
tua / Por tanto meu Deus / Perdoai todas as minhas fal
tas/ Porque estou muito arrependida/ Se estivesse
hoje aqui / N~o fazia assim ~ Dizes do f u ndo do teu co

ração , dizes?

A - Agora vamos fa l a r com Jesus para E l e te mandar a l guém .


Depois , quando e l e te mandar, dizes-me quem é
"Jesus/ Eu q uero ir para ao pé de t f / Mas eu n~o se• o
caminho/ Manda a f algu é m busca r-me"
Olha na tua f r ente . Começas já a ve r. Já j á, vais ver
já!

E -Vem lá uma tia minha .

A- Vês , ela leva - te com ela . Vai . Que Deus te ilumine.

(Começa de imediato a 2~ sessão com a voz su-


mida de Santa M. Adela i de . A voz desta mulher
era grossa).

S . M. A.- Venho em nome de Deus e da nossa M~e Maria Sant f ssima .


Pois é i r m~ . Encontrava-sc:;,es'te esp f r i to sobr e essa i r -

*O esp f rito vai repetindo as f r ases.


m~. E é preciso ma1s alguma coisa é?

28/3/84 - 2ª sessão

A -Este meu netito que1xa-se muito de dor de cabeça. E


neste momento até está em casa, doente.

S.M.A. - ~ gripe irm~.

A - f gripe? E não tem nada assim? Porque ele tem safdas as


sim esquis i tas .

S.i•... A;- Pois, mas agora é gr1pe irmã'. f gr1pe que está a atacar
um bocadito.

A - N~o sei, acho-o p~l ido, acho .

S • M• A • - Nã o, é g r i pe ·

A - Não h~ mais nada, não?

S.M.A. -Não, é s6 isso.

A Pronto. Agora temos aqui outra co1sa,

(f apresentada uma fotografia do paciente)

A -Agora há um problema aqui que muito me preocupa. A mi-


nha filha escreveu-me ••• este é o 12 marido dela. O 12.
E agora anda convencido que está perseguido pelo espfrl
to da mãe• f verdade? Vê lá se consegues ver que o esp!
r i to da m~e não o I arga .
S.M. A . N3o irmã , é impressão...

A - N3o anda ninguém em volta dele? Absolutamente ninguém?


Vê 16 bem . Ele está em Joanesburgo .

S . M. A. - Não digo que n3o andasse , mas agora é i~pressão .

A- Enfim . Mas ele disse à minha fi l ha que sonha hor rf veis


sonhos e que a mãe l he diz que está aborrecida com a
minha filha porque a minha filha fa l ou mal dela . Isso
não é ver dade . Agora , que é que tu dizes a isso . E ele
que está a inventar ou sonha assim duma manei r a?

S.M.A. - Ele sonha, ir mã . O sonhar é verdade . Ele tem sonhado.

A - Mas a mãe está-lhe a dizer isso?

S . M. A. - Irmã , pois , já se sabe o que é , é a ideia de l e .

A - A ideia dele!
S . M. A. - Aquela coisa , quer dizer, ele gosta dela . E o pr azer
.ISSO .I r -
dele era ir para o pé dela e e l a aceitá -l o . f
mã.

A - Quem? Este 12 marido? Não

S . M. A. - Não , mas olha que ele , j á teve ideias n1sso . Po r 1sso ,


irmã, tu não o ener ves . Ele pensa nisso a toda a hora
e a todo o instante . Por isso ir~ã tu n3o o ene r ves.

A - Mas asso dela ter dito mal da mãe de l e , olha que não é
verdade . E o esp f rito dela já tu aqu i disseste que está
em bom I ugar.

S .M. A. - Pois é irmã , mas ele pensa nela . Mas tu concor das irmã,
não andes a ••• a chateá - lo .
110.

A - Ah n3o , mas a minha filha está aflita . Por que e l e está


mesmo aborrecido com ela por causa disto . Por que aquilo
está mesmo metido na cabeça dele , q u e já o conheço, não
é . Está mesmo encaixado lá que a mãe o está a per segui r
e essa coisa toda .

S.~ . A . - Não penses nada nisso . Não irmã , a pessoa tem de de i tar
isso par a trás das costas.

A - E aquele outro encontro já se deu , com a minha f i lha e


o 2º marido , ou ainda não? Ele ainda não Foi lá?

S . M. A. - Ainda está assim . Sabes o que faz isso irmã? f ce r tos


ci~:nes ...

A - Ci~mes?

S . M. A. - Ci~mes . A pessoa começa a pensar, a pensar , e co:neça a .


imaginar que isto é aquilo.

A -Oxalá que não faça lá algum disparate , hem!

S . M. A. - Oh não ! Está um bocado esmor ecido , mas não é caso disso

A -Não? Bem , é a 6nica coisa !

S . M. A. -Não era mais nada , não?

A - Não .

16/4/84 - Iª sessão

A - Agora tenho aqui isto que é d um se n hor que sofre mu i to


da garganta , sente barulhos em casa e tem tido desastres .
S . M.A . - Aqu i anda um espfcito !
I 1l I .

A - Anda? Então vamos lá tirar esse espfrito . Ao menos este


tem remédio.

E - (Suspi l"o)

A - Então amigo , o que é?

E - (Suspil"o) Ai t i ve tanta maçada.

A - Ent3o porquê?

E - Por desastl"e ·

A - Desastl"e? De quê?

E - [)e tr acto!" .

A - De tl"actol" , coitado . E como é que tu te chamas 7


E - De i xa-me andai".

A - Eu deixo - te andai" , até te dou um lugar' melhor' pal" a anda-


l"es , o que é que quel"es mais?

E - Chamo- me Am t lcal"·

A Olha amigo Am f lcal" , como vês somos am i gos , hem? Eu


gosto tanto de ajudar todos aqueles como tu sofl"em e que
andam agal" l" ados assim a um i l" mão •••

E - ••• e u el"a novo.

A - El"as novo . Mas podes estai" tão feliz , tão feliz , até
mesmo mais feliz do que estavas aqui na Tel"ra . Não achas
que 1sso n3o é nada mau?

E - Era bom !

A - Era . Então para 1sso tu tens de fazer uma co1sa . Sabes


que n6s so~os pecadores , não sabes?
\tl.

E Pois se•, eu també~ o era .

A Pois, quem não é? S6 Jesus é que não era, não é?!

E- Fazia muita crftica ·

A Muita crftica. Co isa muito má, sabes, 1sso é ~uito mau.


Bem, mas sabes que o nosso Pai, Deus •••

E- ••• sabes o que é que eu dizia? que a gente morria e


que acabava tudo, que isto era tudo mu ito I indo. E
agora estou convencido que não .

A -Pois não, n3o é. Mas podes ser muito fel 1z, muito fel 1z
a i nda .

E Ai, eu queria ....


A -Queres? Então, primeiro de tudo tens de estar ~uito ar-
rependido das tuas fa ltas.

E - Estou, estou, muito arrependido.

A -Muito arrependido. Segundo, tens de saber perdoar a to-


dos aqueles que te fizeram mal.

E - Ah, pois perdoo. E que eles me perdoem a m1m

A - Ent3o vamos a isso. E depois, tu hás-de-me contar quem é


que te vem buscar, está bem?

E - Está bem .

A - Pronto. Diz assim:


" Meu Deus/ Eu fui pecador cá na Terra/ E hoje estou arre
pendido/ De tudo aqui lo que eu fiz/ E peço-te perd3o/ Tu
és bom/ Misericordioso/ E vais-~e perdoar/ E ao mesmo
113.

tempo/ Quero perdoar a todos aqueles/ Oue me fizeram


sofrer a mim".

Agora vamos falar com Jesus. Diz assim:


"Jesus/ Eu quero ir ao pé de tr/ Mas não sei o caminho/
Manda alguém buscar-me~

Olha na tua parte. Vê lá. Vê lá. Vem lá alguém buscar-te?


Vê lá.

E - Vem lá um rapaz

A - Era teu amigo?

E - Era meu amigo.

A - Ora vês? Ele é que te vai levar a um sftio bonito .

E - Obrigada ,

A - Vai. com Deus~

S.M.A. - Eu vim em nome de Deus e da nossa Mãe Maria Santfssima.


Pois é, irmã, este espfrito andava muito sobre este ir-
m:!o, a importuná-lo bastante .

A - E achas que vai ficar bom .

S.M . A - Vai irmã. S6 o que é que andava muito sobre ele. E agora
vai me I h orar .

2ª Sessão

A - Agora, lembras-te outro dia daquele nosso ir~ão que mor-


reu? Tens aqu1 as mc1as dele. Já estarás um pouco mais
acordado?
S .~ . A . - Não irmã , ainda est~ muito •••
A- ... mas a mulher outro dia estava com uma familiar e
essa familiar entrou assim num transe , e desconfia - se
que era ele , afl ito •

S . M.A . -Sim , irmã , neste momento ainda não desceu .

A - Pois, mas terá sido ele naquela altur a aflito?

S.M . A. - Sim ir mã , era ele , mas levantou e neste mo~ento ainda


n~o desce . Terá de ser noutra altu r a

A - Noutra a I tura? Pronto , está bem .

3ª Sessão
---------
A - E quando é que vem essa outra mulher ? Aque l a que t u
dizes que está muito mal da barriga . Desconfia-se que
é um cancr o

S.M.A. -~este momento até já está melhorzinha .

A - Está melhorzinha? Achas que ela escapa? Pode te r lá


um tumor , uma coisa qualquer •••

S.M.A~ - lrm~ , já se sabe que pode anu l ar , não digo que não se-
ja grave , mas neste momento está melhorzinha ·

4!! Sessão

A- E a minha filha que tal vai? Eu não tenho not f cias de


la , eu não sei nada.
1($.

S.M.A. - Não irmã, está bem.

A Mas não v1ra para o marido, nem nada?

S . M.A. - Não irmã, não tem ideias disso·

A -Não tem ideias disso? E ela que se está a sacrificar


para as fi lhas e as filhas um dia viram-lhe as costas.

S.M.A.- foque está mais sujeito, irmã·

A- f isto a vida. A mãe, para salvar as filhas deixa o ~a

r i do •••

S . M.A. - ••• deixa lá irmã. f prec1so ter coragem. Não te enerves.


O mais que te peço é que não te enerves .

A- Pois é. Mas não v3s que á os filhos, é os netos •••

S . M.A. - ••• Pois é, mas não ralhes com ninguém que a tua carrel
ra está perto. Fiqueis com Deus e que o Senhor vos acom-
panhe .

A - Obrigada S.M.A., que Deus te abençoe .

A - Esta roupa é dum irmão nosso conhecido chamado Ant6nio.


Vê I á .

S .M.A. - Pois anda cá um espfrito, realmente .

A - Vamos tratar disso ~


(respiração profunda.Tosse)

A- Oh amigo, is so dá para tossir? Apanhaste frio?


/7-6.

E - Não, ~ do tabaco •

A - Era do tabaco, pois era. Esse tabaco .

E - De i xas-me andar ~

A -Deixo andar aonde?

E- Eu era amigo dele ·

A - Eras amigo de aonde? Eras lá da terra?

E - Era.

A - Como~ que te chamas,amigo?

E Eu era amigo dele. ~ão lhe sou nada de famfl ia! Sou
Joaquim.

Voz - Joaquim quê?

E -Eu não quero que tu me descubras .

A - Eu quero-te é ajudar!

E -Mas tu n3o me conheces! (para a Aida) Então tu não ne


conheces? Pensa bem . (para avo~) .

Voz - Joaquim ••• s6 se for o pai do Ant6nio. ~?

E - Eu ando mais ele, n3o ~ por mal que lhe queira. Sinto-
-me bem mais ele!

Voz Mas ele anda tão mauzinho assim .

E- Pois é, eu se1 que o tenho perturbado.

Voz- E faz muita malvadeira a m1m e aos filhos .

E - Ent~o (suspiro) eu vou deixá-lo

A - Vais, mas eu vou-te dar um sftio bom, está bem? ~ a


I:;-:;-.

recompensa por o deixares, eu vou-te guiar para u~ sr -


tio muito bom, que vais ser muito feliz .

E -Aceito porque eu já ando a chateá-lo há muito tempo e


ela não I igava nada!

Voz -Eu ••• pois. Eu não podia fazer nada!

E Pois, mas não I igavas nada. 96 dizias que ele que era
este, que era aquele!

A Coitadinha , se até a minha casa ele n3o a deixava v1r .

E - Pois é por ele, bem: aqui lo não era ele. Era eu que não
o deixava. Eu andava sempre ma is ele e depois a gente
puxava-o sempre para trás .

Voz - Então não eras s6 tu?

E - Nada! Anda cá outro

A - Então esse outro, a gente também tem que falar com ele,
não achas?

E - Pois é, ele também aqui está!

A Então, vamos primeiro tratar de ti, amtgo Joaqui~.

Sabe quem ele é, não sabe?

Voz- Eu não sei, mas se ele diz que é o pa1, será o pat mes-
mo? O Sr. Joaquim?

E - Sou .

A - Bom, ent3o vamos lá tratar disto. Tu quando andavas cá


na te rra sabias que eras pecador, não sabias?

E - Sabia ·

A -E temos de pedir perdão a Deus. Mas ouve cá uma coisa:


tu estás realmente arrependido?

E - Estou .

A - Mas é do coraç3o ou da boca?

E - Do coração·

A - Bom! Mas também deves saber que tens de perdoar a todos


aqueles que te magoaram a ti.

E - Eu perdoo ·

A Então vamos lá a isso. Dizes "Meu Deus/ Eu fui um peca-


dor cá na Terra/ E agora ••• "

E- Andei a perturbar muito o meu filho •••


Andava com ideias de o levar para o p~ de mim.
Meu Deus perdoa-me.

Voz - Eu n!o lhe disse que ele se tentou matar, v~ ele tentou
-se matar!

A - Pois ~' mas v1u, ele confessou .


Portanto Deus vai perdoar porque Deus ~ pai, ama as seus
filhos e quando v3 que~ . seus filhos estão arrependidos
de verdade ••• hem?

E - Pois eu estou.

A E se estivesses agora aqu1, fazias isso?

E-Nl!o ·

A - Ent!o vamos. Diz: "Meu Deus/ Perdoai-me as minhas fal-


tas/ Não só aquelas que eu pratiquei em vida/ Como es-
tas agora de eu andar atrás do ~eu filho/ E agora quero
tamb'm perdoar/ a todos aqueles que me fizera~ mal" Agora
vamos falar com Jesus. Diz: "Jesus/ Eu quero ir ao p' de
ti/ Mas não set o caminho/ Manda algué~ buscar-me"

Agora olha: diz-me quem ' que vem ar. Olha be~ para a
frente.

E Vem lá um amigo neu. Eu vou com ele .

A Pois vai com ele.

E Perdoa-me, 6 rapariga.

Voz Perdoo-o, pots.

A - Qeus te abençoe ·

(ouve-se um suspiro)

A -Agora ' outro. Então amigo, tamb'm estás aqut connosco.


Quem 's tu, agora?

E - Já af bem? Já af bem?

A - O que ' que af vem?

E - O comboio .

A - Então tu queres 1r de comboio?

E - Eu matei-me debaixo do comboio.


Ah! Então •••
... então isso vai andar ou não? Eu já puxet para ele
fazer o mesmo .

A -Ai sim? E depois tinhas de esconder isso perante Deus •••

E- ••• dá o quê! ~ s6 fechar os olhos e aquilo passa num ins-


tante .
loO.

A -Ai á? E agora andas a f a penar .

E -Agora ando aqui por que eu n3o era mau, mas fiz o que fiz .
N~o me devia ter matado •••

A - Pois n~o , a i nda bem que o sabes .

E - ••• mas andava tão ar r e l iado na minha vida que fiz

A - Julgavas que a gente matando - se acabava tudo .

E - Pois era . Fazia cr f tica dos que diziam que não .

A - Pois , e depois é que v~ .

E - E a g ora estou arrependido .

A - Ainda bem que estás arrependido . Então olha: queres que


eu te dê um bom lugar .

E -Queria ·

A Vais ter um bom lugar . Então olha : va i s pedir pe r dão a


Deus das tuas faltas .

E Mas eu não sei rezar .

A -Não interessa . Eu é que indico o que tu va1s dizer. Mas


olha : também tens alguém cá na Terra que te fizeram mal ,
a quem tens de perdoar .

E -Pois tenho . E também tenho de pedir per dão .


1\ m inha mu l her, principa l mente, que a incomodei muito ·

A - Então vês . Vamos então falar com Deus . Diz : "Meu Deus/
Eu fui um grande pecador cá na Terra/ Ti r ei a minha vi-
da / Que ela não era minha mas sim tua/ Peço-te perdão
meu Deus/ Porqu~ e u estou muito arr epend i do/ Se fosse
131.

hoje eu n3o fazia isso/ E além disso meu Deus/ Peço-te


também perdão/ Por andar a perturbar estes irmãos/ Por-
tanto meu bom Pai/ Perdoai-me~

Agora vamos ta~bém saber perdoar aos outros. Diz "Meu


Deus/ t.:as eu também quero perdoar/ A todos aque I es que
me fizeram ma I~'

Agora vamos também falar com Jesus. Diz "Jesus/ Eu que-


ro ir ao pé de ti/ Mas eu n3o sei o caminho/ Manda ai-
guém buscar-me~

Olha para a tua f rente. Quem é que tu vAs?


Vê I~ diz-me.
/

E - f a minha mãe!
A- Ai a mãe , que bom! a mãe vem buscar o seu filho! Que
Deus te abençoe.

S.M . A. - Eu vim em nome de Deus e da nossa Mãe, Maria Santfssima.


Dizei irmãs. Aqui sobre o nosso irmão andaram 2 espfri-
tos. Andava muito carregada . A nos sa irmã que faça as re
zas, mas este nosso irmão tem corrente. Pode andar um
bocado nervoso durante uns tempos , mas depois passa-lhe,
o que é ••• pode-lhe voltar a vir , porque tem corrente.

A - Podem-lhe vir outros, não é?

S . M.A. - Pois é irmã, durante toda a vida, ele tem corrente


Pois é, o mal é I SSO •

Portanto minha
...
1rma, d~-lhe a mão ( I ) e pergunte de SI

o que é que se passa 1 ~

(I)~ espfrita
Voz- Estes são os filhos, n3o ~? f um maior e outro ~ais

pequeno. O que se passa com eles?

S.M.A. - Eles estão bem·

A Est3o bem? O espfrito não andava sobre eles l

S.M.A.- Não, não andava.

A - Pronto.

JD Sessão

A- Agora vamos ver os pêlos desta minha vaca.

S.M.A. -Pois~ irmã, aqui anda um espfrito dum homem. Mas j~

I evantou .

A - Já levantou?

S .M .A. - Já. Desde que safste de casa ele fugiu.

A - Quando eu saf da minha casa? A.'


I • E é capaz de voltar lá?

S.M.A. - Pode ser que não,


...
arma. Pode ser que não vo I te. Esta ar-
m3 faz a reza aos pêlos .

A - Faz a reza. E mais nada?

S.M.A. -Mais nada. Levas os pêlos e deitas no curral

• • • • oCo ••••
183.

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