Essa Terra - Antonio Torres
Essa Terra - Antonio Torres
Essa Terra - Antonio Torres
Nelo é o migrante que, ao deixar sua terra, sua família e sua identidade
para trás, entrega-se à metrópole paulistana e nela se perde, desenraiza-
se e termina derrotado. Ao retornar ao lar paterno, encontra-se doente,
abandonado e desiludido. Não suporta o peso da frustração, ao sentir
que não contemplara as expectativas da família, sobretudo de sua mãe,
que o imaginava rico e vencedor. O suicídio de Nelo é, portanto, o nó do
enredo, síntese do impasse, do desenraizamento e da frustração que
destroem o personagem.
Essa terra tem o toque mágico dos grandes livros, desperta no leitor o
senso de reflexão comiserada acerca do semelhante e a suas condições
de existência, aguça a vontade de compreensão e a solidariedade,
provoca uma visualização mais profunda do ser humano. Este romance
nos faz enxergar mais profundamente a realidade dos excluídos,
reconhecendo-os enquanto sujeitos e pacientes de um drama histórico.
Ao lê-lo sentimos aquele mesmo apelo de Vidas secas, assim como a
marca da hombridade que se capta no sertanejo de Os sertões. Trata-se
de uma escrita densa, de economia formal medida, tecida com a
maestria de um romancista que consegue aliar precisão técnica à ternura
do relato, mantendo, apesar da tensão, uma “camaradagem” equilibrada
com seus personagens.
Dias depois, Totonhim foi chamar Nelo para ir tomar banho no rio e
encontrou-o enforcado, pendurado numa corda, no armador da rede.
Mais um condenado foi para o inferno, pregou o doido Alcino, na porta da
igreja. Alcino era um homem que diziam ter endoidado depois que sua
mulher o abandonara no dia da lua-de-mel. Ela fugira porque se
assustara com o tamanho de seu pênis (os mais maldosos diziam que
ele era filho de jumento, isso porque só transava com jumentas). Mas,
desta vez, todos sabiam que o doido estava falando a verdade. Quem se
mata é um condenado.
A preocupação de Totonhim, agora, era com seus pais. O que diria a
eles? Como explicar que Nelo não lhes fora visitar, se o ônibus de São
Paulo parava primeiro em Feira de Santana?
Seu Zé da Botica o enchia de chás calmantes. Ele pensava no caixão.
Será que o pai, carpinteiro que era, faria o caixão para o filho? O último
que ele fez foi para outro enforcado, um parente nosso que encontramos
pendurado num galho de baraúna.
Enquanto isso, o sargento demorava a liberar o corpo do irmão.
Totonhim já estava nervoso e falava com o defunto: - Você veio aqui só
para fazer isso comigo? Você tinha o Brasil inteiro para fazer isso e veio
escolher logo esta sala? Acorda, filho de uma égua. Avançou sobre o
morto e iria bater nele, se não fosse o Zé da Botica. Começou a chorar.
Quando os dois homens retornaram à sala, um deles me pediu uma
receita médica que Nelo carregava sempre no bolso. Respondi-lhe que
eu nem sequer sabia que ele andava com uma receita médica no bolso.
– Mas eu sei – disse o farmacêutico.
Nelo havia ido até a farmácia comprar remédios – os remédios eram para
sífilis e esquistossomose.
O irmão vai para a venda e lá fica sabendo que um dia, Pedro e Nelo
espancaram um homossexual na rua, por puro preconceito e Pedro pôs a
culpa no amigo. Nelo levou duas surras: uma do pai e outra da mãe.
Ficaram de mal e, agora, Pedro sentia um peso na consciência. O
episódio ficou conhecido como "a noite do veado".
Também o sargento não gostava de Nelo porque um dia, sua mulher o
elogiara; achara Nelo bonito. Eu sei que ele queria matar o meu irmão.
Depois que soube de sua morte, o sargento ficou triste, desanimado. Não
pense mais nisso sargento. Você perdeu apenas a chance de matar um
homem, que já chegou aqui morto, como se verá.
O pai chega até a casa, tira o chapéu, se benze, depois me pergunta
onde estão as tábuas e as ferramentas. Começa a fazer o caixão.