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O Dia em Que Explodiu Mabata-Bata

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São Torne e Príncipe.


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editora atica PARA GOSTAR DE LER


S n.amário

Por um mar ndvegam as mesmas palavras, 7

- - Cu..J.• \1,,c,\c,
Ea• b l::0.1 \\ .:J, .., l O d,a em que explodiu 1\ttabata-bata • Mia Couto, 14
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Wapt 1" ' - ) t / .on,
~ • m t l h h.1m p,c.,s-t0 & hsl.a
As mãos dos pretos • Luís Berna rdo Honwana, 24
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O enterro da bicicleta • Nelson Saú le, 30
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Dil&Jladln 11,.ah.Jll.l i,u,.n
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Dragão e eu • Teixeira de Sousa, -H

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\ltKn.11, B, ~ ti .d r.rJ?IU'~"RauC)u,a Solidão • Albe rti no Bragança, 6-l
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í\ Lebre, o Lobo. o Menino e o Homem do Pote • Odete Costa Semedo 76
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Nós chorámos pelo Cão Tinhoso • Ondjali, 98
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( \t : ~ - Passei por um sonho • José Eôuardo Agualusa, 106
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Gavião veio do ~ui e pum! • Boaventura Cardoso 1 I 2.
Zito 1\ lakoa. da -J! clc1sse • Lua ndino Vieira, 122
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A mesma língua, outro continente, diversos países J >I
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dnc"' Pl'fSO, P"J~G a dtf1.1üo dl cuh.uu, tnarecc os lwro. qut 'IOCf compra.
Olhou a desgraça: o boi poeirado, eco de silêncio, sombra de nada.
"Deve ser foi um re/ampago", pensou. . h
Mas relâmpago não podia. O céu estava liso, ~zu~ sem mane a.
De onde saíra o raio? Ou foi a terra que relampe1ou. .
Odia em que Interrogou o horizonte, por cima das árvores. Talvez o ndlab,
a ave do relâmpago, ainda rodasse os céus. Apontou os o~hos na
explodiu Mabata-bata mon tan ha
em frente. A morada do ndlati era ali, onde se 1untam
O dl ti
os todos rios para nascerem da mesma vontade da água. n .a
\lia Couto vive nas suas quatro cores escondidas e só destapa quando as nu-
vens rugem na rouquidão do céu. É então que o ndlati sobe aos
céus, enlouquecido. Nas alturas se veste _de chamas, e lança o s_eu
voo incendiado sobre os seres da terra. As vezes atira-se no chao,
buracando-<>. Fica na cova e aí deita a sua urina.
Uma vez foi preciso chamar as ciências do velho feiticeiro para
De repente, o boi explocLu. Rebentou sem um múúú. No ca- escavar aquele ninho e retirar os ácidos depósitos. Talvez o Mabata-
pim em volta choveram pedaços e fatias, grãos e folhas de boi. A -bata pisara uma réstia maligna do ndlati. Mas quem podia acrecli-
carne eram já borboletas vem1elhas. Os ossos eram moedas espa- tar? O tio, não. Havia de querer ver o boi falecido, ao menos ser
lhadas. Os chifres ficaram num qualquer ramo, balouçando a imi- apresentado uma prova do desastre. Já conhecia bois relampejados:
tar a vida, no invisível do vento. ficavam corpos queimados, cinzas arrumadas a lembrar o corpo. O
O espanto não cabia em Azarias, o pequeno pastor. Ainda há fogo mastiga, não engole de urna só vez, conforme sucedeu-se.
um instante ele admirava o grande boi malhado, chamado de Reparou em volta: os outros bois, assustados, espalharam-se pelo
Mabata-bata. O bicho pastava mais vagaroso que a preguiça. Era mato. O medo escorregou dos olhos do pequeno pastor.
o maior da manada, régulo da chifraria, e estava destinado como - Não apareças sem um boi, Azarias. Só digo: é melhor nem
prenda de lobolo 1 do tio Raul, dono da criação. Azarias trabalhava apareceres.
para ele desde que ficara órfão. Despegava antes da luz para que os A ameaça do tio soprava-lhe os ouvidos. Aquela angústia comia-
bois comessem o cacimbo2 das primeiras horas. -lhe o ar todo. Que podia fazer? Os pensamentos corriam-lhe como
sombra mas não encontravam saída. Havia uma só solução: era
1 Dote que o noi,'O paga aos fanuliares da noiva para casar-se com d a. fase: , Jlur b-a c111
conta que, a partir do ca~mcnto, a mulher entregará sua força de trabalho a 0 11110 grupo fugir, tentar os caminhos onde não sabia mais nada. Fugir é mor-
familiar A cerimõrna cm que se faz a oferta também é chamada de lobolo (N.E.) rer de um lugar e ele, com os seus calções rotos, um saco velho a
2 Umidade :.emelhante ao orvalho. Também se chama de cacirnbo o período do ano cm que
J tempc:r.itur:i cai e a atmosfera fica mais úmicla, o inverno. (N.E.) tiracolo, que saudade deixava? Maus-tratos, atrás dos bois. Os filhos

O dia em que erp/odru Maba ta -bata


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dos outros- tinham direito da escola. Ele não, não era filho · 0 ser- . boi pertencia daqui.
.
mma esta larde. J<oi· um boi que pisou. Agora, esse
, .iço .,,.,r..,..ncava-o
,.., ccJo da cama e de\'olvia-o ao sono quando de ntro
Outro soldado acrescentou:
dele já não havia resto de infância. Brincar era só con, os animais:
d Stá O pastor dele.
nadar O rio na boleia do ra~o do_~1abata-bata, apostar nas brigas - Q ueremos sa ber on e e d Raul E voei·r,erou..
- O pastor estamos à espera - rcspon eLI .
dos mc1is fortes. Em casa, o ho adiv111ha\'a-lhe o futuro:
_ Malditos bandos! r. •
_ Este. da maneira que vive misturado com a criação há-de ca- r. 1 ele saber como , 0 1 su-
- Quando chegar queremos ,a ar com , 'd
sar com uma vaca. . d t nha Os band1 os
cedido. É bom ninguém sair na parte a mon a .
E todos se riam, sem quererem saber da sua alma pequenina, dos
andaram espalhar minas nesse lado.
seus sonhos maltratados. Por isso, olhou sem pena para o campo que Despediram. Raul fi cou, rodando à volta das suas p_erguntas.
ia deixar. Calculou o dentro do seu saco: uma fisga', frutos do djam- Esse sacana do Azarias onde foi? E os outros bois andanam espa-
balau\ um cani,·ete enferrujado. Tão pouco não pode deixar sauda-
lhados por aí? ,
de. Partiu na direção do rio. Sentia que não fugia: estava apenas a co- - Avó: eu não posso ficar assim. Tenho que ir ver onde ~sta e~se
meçar O seu caminho. Quando chegou ao rio, atravessou a fronteira malandro. Deve ser talvez deixou a manada fugentar-se. E preciso
da água. Na outra margem parou à espera nem sabia de quê.
juntar os bois enquanto é cedo. .
Ao fim da tarde a avó Carolina esperava Raul à porta de casa. - Não podes, Raul. Olha os soldados o que disseram. É pengoso.
Quando chegou ela disparou a aflição: Mas ele d1::souviu e meteu-se pela noite. Mato tem subúrbio? Tem:
- Essas horas e o A.zarias ainda não chegou com os bois. é onde O Azarias conduzia os animais. Raul, rasgando-se nas micaias\
_ O quê? Esse malandro vai apanhar muito bem, quando chegar. aceitou a ciência do miúdo6• Ninguém competia com ele na sabedoria
- Não é que aconteceu uma coisa, Raul? Tenho medo, esses da terra. Calculou que o pequeno pastor escolhera refugiar-se no vale.
bandidos... Chegou ao rio e subiu às grandes pedras. A ,·oz superior, ordenou:
- Aconteceu brincadeiras dele, mais nada. - A.zarias, volta. A.zarias!
Sentaram na esteira e jantaram. Falaram das coisas do lobolo, Só o rio respondia, desenterrando a sua voz corredeira. Nada em
preparação do casamento. De repente, alguém bateu à porta. Raul toda à volta. Mas ele adivinhava a presença oculta do sobrinho.
levantou-se interrogando os olhos da avó Carolina. Abriu a porta: - Apareça lá. não tenhas medo. Não vou-te bater, juro.
eram os soldados, três. Jurava mentiras. Não ia bater: ia matar-lhe de porrada, quando
- Boa noite, precisam alguma coisa? acabasse de juntar os bois. No enquanto escolheu sentar, estátua
- Boa noite. Vimos comunicar o acontecimento: rebentou uma de escuro. Os olhos, habituados à penumbra, desembarcaram na
outra margem. De repente, escutou passos no mato. Ficou alerta.
l Bodoque, Qbl111gue. (N.I::.)
-t fruto de tOrC5' ura, 111u1to uhh,.ado parJ Í3Lcr uma cspét ic de ,111ho. :-lo Bm1l é co11hcudo S,",l\ore 11:111,a dJ AfncJ trop1c-al. coberta de ramos espinhoso, 1N E.\
tomo 1a111clão (l\.E.) 6 C11Jnça. me111no (;-;.E \

Co nt o• a{r1C anos O dra em que explodiu l\l aba t a -btJta


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_ \.::aríus'
. Cl ' "ou-lhl' 3 ,·ol de Carolina.
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_ Sou ci1. R,wl.


~t;i~Jit.i \clhJ. que ,·iuhJ ali fazer? Trapalhar só. Ainda pisava
. . ,a-se e. pior, estourava com ele também.
, 1111,1.
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_ \ 0
re 1Jt'111 ,1 ,,
/tc1 em casc1. aro.
_ O.-birias rai negar de 011\·i r quando chamares. A mim, há-de

U lJ\ 'l(
r. ,ipl icoll sua confia11çc1. chamando o pastor. Por trás das som-
bra,. urna ~ilhucla deu aparecimento.
_ É~ tu, A::anc1s. Volta comigo, ramos para casa.
- \ 'cio quero. ruu fugir.
o R,iul fo1dc~ccndo. gatinhoso, pronto para saltar e agarrar as
.,ooelJ~ do ~obrin ho.
- \ im fugir para onde, meu filho?
- \cio tenho onde, avó.
_ Es~e gajo· vai roltar nem que eu lhe chamboqueie8 até partír-
·Sli dos hocados - prccipitou-~e a voz rasteira de Raul.
- Cala-te. Raul. Na tua vida nem sabes da miséria. - E vol-
tando-~c: para o pa~tor: - Anda meu filho, s6 vens comigo. Não tens
c-ulpa do hui que morreu. Anda ajudar o teu tio ;untar os animais.
- ,\cio é preciso. Os bois estão aqui, perto comigo.
Raul ergueu-se. desconfiado. O coração batucava-lhe o peito.
- Como é? Os bois estãu a1?
- Sim. estão.
l·.nrosc.-ou-st.: o silêncio. O tio não estava certo da verdade do
\7Jna5.

- l'~w•., , 1111, 11,,111, 11j11 ,e ,,,lx 011 >< 411,· 1111111111, 111d1lfd111J de rcputaç.lo ruam (N I·..)
• < .li,1111lsxpi. ..11 11-.. 11 11 "d1Jn1ho<.u", isl11 e. 11m ped.içn de inadcira p;ar!!cido rom uma
IIIJ! IJU PJIJ ti.ir 11111,1 >1111,1 i \ .E 1

Co nt os rJ/ri ca n o,
- Sobrinho: {1:esfe mesmo? /1111/aste o.~ buis? . d - boa;, Ou preferes no tio,
- \,{! /IS pousar a avó, cd·c~~a ,<lp, :::eten~e como o pai verda-
A J\ Ó \om,1 pensando no fim d;1!> brigas dJquelc:~ 0 ~ <1ois.
. Pro-
1nelc11 11111 prémio e pediu ao 11uüdo que C!>colhessc.
a,, das contas, <1rrepen
t:nal ;, ' oe
deim que morreu-me. . . b ou-a
- () teu tio e~tá muito satisfeito. Escolhe llá-de re,\·pe1far
• . . ·e do fogo se decidisse r\zanas correu e a raç
0 1:. antes que a a\
teu pedido. "ª ,·iagem da rnc1 chama.
Raul achou melhor concordar com tudo' naq11 clc m0111cnto.
Dc:poi!>, emendaria a~ ilmôc~ <lo rapal <: ,oltariam a!> obrigações do
Mia Couto nasceu em 1955, em Beira, Moçam-
,t·rv,ço da, pa~tagcm
bique. António Emílio Leite Couto ganhou O apeli-
- Fala lâ u 5m pedido.
do "Mia" do irmão mais novo. Adotou-o por adorar
- Tio: próximo ,mo pos1>0 ir na escoh1? gatos _ quando criança. ele acreditava ser um
Jáadivi11ha\':.t :\cm pcmar A11tonzar a C!>cola era ficar !>'.:.' tt1 guia. deles. Antes de ser escritor. Mia Couto cursou
para os bois. \las o 1110111e11lo pedia fingimento e ele fa lou de costa~ medicina e jornalismo, formando-se em biologia.
para o pemc1111enlo: Participou ativamente do processo de indepen-
- \ 'ais, rai~. dém:ia de Moçambique e foi um dos composito·
- É verdade, tio? res do hino nacional de seu pais. Tem livros pu-
- Quantas bocas tenho. afinal? blicados no Brasil e em diversos países, dentre
os quais figuram os romances Um rio chamado
- Posw co11tinuar ajudar rws bois. A escola só frequentamos
tempo, uma casa chamada terra, O último voo do
da parte de farde.
flamingo, Terra sonâmbula e o livro de contos Ofio
- Está cerl.o. Ma~tudo isw falamos depois. Anda lá daqui
das missangas.
O pequeno pa~tor sai u da ~ombra e correu ú areal onde O rio
dava pa!>~agem. De súbito, deflagrou 11rn clarão, parecia o meio-dia
da noite. O pequeno pastor engoliu aq11ele todo vermelho, era 0
grito do fogo estoura ndo. Nas migalha5 da noite viu Je5cer o ndlati,
a ,l\ e do relâmpago. Qui5gritar:
- Vens pousar quem, ndlati?
i\1a5 nada 11Jo falou. :'-:ão <.:ra o rio que afu11Java ))Ua\ palavra~:
era 11111 fruto \aza11do de ouvido,, dores e core~. 1-:m volta tudo
fechava, rne) rtlO n no rnicidava !>U;l ág11a, o lllLtndo c1t1brulha\'a o
chão no~fumo\ bra11co5,

,. C:011/tJ't t1/fllllllll\ • 1

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