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BARBOSA, Warllison

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Práticas musicais indígenas: do esquecimento às contribuições para educação


musical

Warllison de Souza Barbosa


warllison_barbosa@hotmail.com
UFAM

Márcio Lima de Aguiar


marcio_guitar9@hotmail.com
UFAM

Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa que tem o objetivo de avaliar as práticas musicais indígenas e
como elas podem contribuir para ao ensino de música no Brasil, primeiramente analisando o percurso da música
indígena no Brasil através dos pesquisadores que estudam o assunto, revisando bibliografias que tratam do
assunto. Analisamos onde essas práticas se relacionam com o método ativo de educação musical proposto por
Dalcroze, bem como a possibilidade de incluir características das práticas indígenas como ferramentas na
educação musical.

Palavras-chave: Música indígena. Educação Musical. Diálogo.

Abstract: This article is part of a research that aims to evaluate the indigenous musical practices and how they
can contribute to music education in Brazil , first analyzing the route of indigenous music in Brazil by researchers
who study the subject , reviewing bibliographies studying the subject. We analyze where indigenous practices
relate to the active method of music education proposed by Dalcroze, as well as the possibility to include
characteristics indigenous of practices as tools for music education.

Keywords: Indian music. Musical education. Dialougue.

Introdução

Para Vasconcelos e Sanchez (2013) a música carrega um valor inestimável para estudarmos o sistema
cultural de seus compositores e autores, sendo um campo privilegiado para entender os símbolos da cultura
imaterial. Nesse sentido concordamos que, tanto para educação musical como para outros campos de
conhecimento, a música indígena se faz uma ferramenta de grande valor para a produção de conhecimento, fato
que justifica esta pesquisa e sua finalidade.

O interesse por esta pesquisa surgiu durante as aulas de história da música popular brasileira, quando
se discutia música indígena no Brasil. Depois de conhecer algumas práticas musicais indígenas, percebeu-se a
possibilidade de analisar os elementos dessas práticas e pesquisar sobre como esses elementos podem contribuir
para educação musical.

É montado inicialmente um breve percurso da música indígena do período colonial no Brasil para
mostrar a supressão dessas práticas, tornando necessário trazer ao conhecimento dos alunos da atualidade esse
conhecimento pouco difundido pela cultura dominante da época da colonização (europeia) que posteriormente
excluiu aquilo que não tinha utilidade ou do não fez sentido manter em sua cultura. Em seguida, vemos as

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possibilidades de trazer a música indígena para o lado da música urbana, mostrando também a possibilidades de
aplicação na escola como ferramenta de ensino, visto que tais práticas têm muitas semelhanças com os métodos
que utilizamos na educação musical.

Reconhecendo o valor de uma cultura esquecida

A ação colonizadora dos jesuítas no Brasil fomentada pelos portugueses interferiu em diversos
aspectos da cultura indígena, transformando-a completamente. Em relação à música, Abreu (2001) explica que o
índio não contribuiu para a formação de nossa música atual, em função do desuso de sua música primitiva pelos
jesuítas. Para Menezes (2006) a música denominada brasileira seria marcada então pelo ritmo vindo do negro, a
melodia dos brancos e sobre o índio nada nela continha, levando a acreditar que ela não seria compatível para a
mistura com a música existente no momento.

Interessados em dominar e utilizando a igreja como ferramenta de manipulação, o discurso


doutrinário da evangelização dos gentios envolvia combate, conquista e dominação dos “bárbaros infiéis”. Para
essa tarefa, os jesuítas usaram várias maneiras de “educar” os índios “primitivos” e com isso introduziram a
cultura europeia na nova terra.

Nos “colégios de meninos”, os curumins eram educados através da música sacra e de práticas
litúrgicas, utilizando os jesuítas instrumentos pedagógicos como catecismos, vocabulários e
gramáticas elaboradas com o auxílio de intérpretes (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 47).

Com os novos conhecimentos que recebiam, os índios foram, aos poucos, aprendendo os costumes
europeus, absorvendo a cultura estrangeira e ignorando a própria cultura. Segundo Barros (2006) desde o
primeiro momento de contato com o homem europeu, o índio foi lançado no processo de “aculturação”, onde é
levado a esquecer de si mesmo, dissolver sua cultura na do homem branco e silenciar sua música para escutar um
rádio de pilha.

Diante desse quadro, a música indígena passa a ser suprimida, tornando a música europeia a maior
referência a música nacional brasileira, misturada com a rítmica da música dos africanos que chegariam
posteriormente ao Brasil. Entretanto, os jesuítas não conseguiram “desaculturar” todos os índios e a música dos
não civilizados (ou dos que se afastaram do contato com a civilização ocidental) conservou, ao longo do tempo,
as suas características fundamentais. “Porém, esta música, que ainda hoje está sendo recolhida e estudada, não
pertence mais a ‘música brasileira’” (KIEFER, 1976, p. 13).

Mesmo com sua pouca participação na construção da música que conhecemos hoje como popular
brasileira, vemos o grande valor da música indígena para nossa cultura, o que nos traz a necessidade de buscar
conhecer essa sonoridade de forma mais detalhada, integrando esta a nação brasileira para que seja cantada e
tocada como música popular brasileira, e não apenas um objeto de estudo que não pertence ao Brasil como
propõe Kiefer (1976).

A música europeia por ser elemento da cultura dominante, se sobrepôs a música indígena, mas
isso não significa dizer que esta foi subjugada por ser inferior. Ela apenas tem atributos diferentes, se

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contrapondo aos padrões musicais da música ocidental. “Uma introdução à escuta da música indígena deve
principiar por um desmontar de preconceitos auditivos, (...) de concepções estéticas congeladas e consideradas
como únicas, de ilusões de evolucionismo cultural.” (BARROS, 2006, p. 160). Vale ressaltar ainda não temos até
aqui características de músicas indígenas relacionadas a tribos ou comunidades específicas, por essa razão ainda
estamos tratando as características da música indígena de forma geral, com uma visão mais ampla de sua
estrutura em acordo com as referências analisadas.

Destacamos ainda que talvez não seja interessante a realização de uma análise desta música através de
conceitos europeus, pois sua criação não surge pela mesma lógica do sistema musical ocidental, o que nos leva a
ter dificuldade em compreendê-la. “Involuntariamente, o pesquisador pautado tradição ocidental projeta um
parâmetro de análise tonal em uma cultura musical que desconhece a tonalidade, e impõe uma rítmica específica
a uma prática musical que pode trazer no seu íntimo outras soluções, que não as nossas, para a organização do
espaço sonoro.” (BARROS, 2006, p. 158).

Ainda assim, analisando os registros feitos em 1817 pelos pesquisadores austríacos Spix e Martinus,
(BARROS, 2006) nos traz um panorama da estrutura da música indígena. Ele explica que a melódica indígena
contenta-se na verdade em extrair a sua riqueza musical de umas poucas notas e que dificilmente ultrapassa a
oitava, e, habitualmente, restringe-se a âmbitos ainda menores. A grande maioria das melodias indígenas utiliza-se
de recursos melódicos relativamente simples que, vistos a partir do olhar ocidental, remetem ao uso de
cromatismo. Ressalta ainda que ocorre, em algumas oportunidades, a prática da repetição variada de uma mesma
melodia, notando-se ainda exemplos de diálogos entre vozes masculinas e femininas que repetem motivos
temáticos a alturas diversificadas.

Entretanto, devemos observar que termos como oitava, cromatismo e motivos temáticos são usados
nesta análise para tentar explicar o que os índios fazem na sua música. Não é apropriado considerar que os índios
pensem em um sistema heptatônico onde se deve repetir sons a partir da oitava nota ou reiniciar uma escala.
Nem tampouco afirmar com segurança que o som produzido pela sua voz é cromático, já que para o índio não
existe a ideia de sons fixos que os europeus consideram afinados. Ainda que os termos não se apliquem ou não
sejam capazes de definir os elementos da música do índio, para fins de análise emprestamos esses termos
utilizados na música ocidental para tentar analisar o que os índios fazem em sua música, para saber quais
elementos utilizam e como seria possível reproduzir sua música.

Pensando nesse aspecto dentro da educação musical, vale ressaltar que a metodologia utilizada na
musicalização muito se assemelha com essa característica da música indígena, visto que as regras e os termos
técnicos mais específicos são ensinados depois do processo de iniciação musical, onde vemos os conteúdos
musicais serem ensinados de forma livre. No processo de musicalização esta metodologia se faz necessária para
que a música, como uma linguagem, possa ser apreendida e socialmente acessível conforme orienta PENNA
(2012). E para ser acessível, se faz necessário uma abordagem inicial menos teórica, colocando os conteúdos em
termos populares acessíveis para que os alunos assimilem o que está sendo ensinado.

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A tradução para o meio urbano

A tradução da música indígena para nosso sistema musical é algo que também interfere na
preservação da música do índio. Os primeiros homens urbanos que se interessaram por essa música eram
extremamente familiarizados com a música ocidental e “por mais bem intencionados que sejam esses registros
sobre a música indígena, há algo que se perde ao ser filtrado pelo padrão de escuta ocidental ou pelos seus
parâmetros estéticos.” (BARROS, 2006, p. 158). Um possível caminho para os futuros pesquisadores lidarem
com essa questão da tradução é proposto por Oliveira (2013) quando diz que:

A tradução assemelha-se a um conjunto de lentes que filtram o real e, cada uma a seu modo,
efetuam leituras e projeções diferentes da realidade. Dessas lentes advém, por exemplo, o
processo de domesticação, através do uso de determinadas lentes ajustadas de acordo com a
ideia de totalidade que, em si é completa em suas partes e perfeito em sua ordem. Contudo [...]
o caráter de totalidade não conseguiu cumprir cabalmente aquilo que se propunha, ou seja, dar
conta da diversidade sociocultural do mundo. [...] Desta forma, abre-se oportunidade para o
uso de outras no processo de leitura do real. (OLIVEIRA, 2013, p. 132-133).

Para compreender a música indígena sem deturpá-la, devemos primeiramente trocar as lentes que
usamos em nossas leituras atuais de música por outras que nos permitam fazer uma nova leitura musical. Só
assim poderemos assimilar a música “diferente” pelo que ela realmente é não pelo que projetamos dela.
“Transformar o distante em próximo, o estranho em familiar, orientado pelo desejo de diálogo com o objeto da
reflexão [...] entender que, num diálogo entre culturas, as trocas ocorrem em meio a diferentes universos de
sentidos” (OLIVEIRA, 2013, p. 130).

Depois desse processo de compreensão da música indígena em sua realidade como arte e elemento de
nossa cultura, teremos a possibilidade de incorporar os elementos de sua música em nosso sistema de ensino,
trazendo o índio para dentro de nossa cultura e tornando nosso ensino de música mais livre e aberto para novas
possibilidades. Por esse mesmo viés percebemos que suas práticas musicais também se tornam produtoras de
conhecimento. Uma vez que analisamos e percebemos as possibilidades que essas práticas musicais
proporcionam, veremos nelas uma ferramenta de grande auxílio para educação musical.

Pontos de semelhança e contribuições

Visando fazer um diálogo entre tais culturas, veremos onde ambas as práticas musicais se relacionam
segundo as leituras feitas por pesquisadores que observaram comunidades indígenas no momento de suas
práticas musicais, e as demais leituras que retratam os métodos ativos na educação musical. Dentro dessas
práticas, observamos as semelhanças que existem no fazer musical indígena e no ensino de música urbano, na
tentativa de criar um diálogo entre elas que permita ampliar as possibilidades de ensinar música.

Desta forma, podemos tomar como referência a proposta pedagógica de Emile Jaques Dalcroze
(1865-1950), que traz uma modelo de educação musical baseada na interação entre a escuta e o movimento
corporal, visando também uma proposta de ensino para o coletivo. Tal pedagogo suíço é responsável pela
introdução da ginástica rítmica, método pelo qual através dele uma criança aprenderia música transformando o
seu próprio corpo em um instrumento rítmico.

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Participação coletiva

Uma das características muito marcantes da música indígena apontada por Barros (2006) é que ela
está quase sempre ligada a uma festa, um canto de trabalho, uma incitação à guerra, um ritual de passagem, um
encantamento, um exercício de memória coletiva, uma dramatização mitológica ou qualquer evento coletivo ou
função social importante para a comunidade. O fazer musical do índio traz consigo o costume de ter todos da
comunidade participando, estando diretamente envolvidos. “Apenas os observadores europeus, habituados às
relações típicas das salas de concerto, as encaram como espetáculo, já que do ponto de vista dos nativos todos
estão diretamente integrados à música, participando como produtores e fruidores.” (BARROS, 2006, p. 162).
Isso mostra que esta prática não é desenvolvida para ser assistida ou apreciada.

Há também o canto emitido individualmente, mas que apresenta uma função especifica. Este

conserva funções sociais muito bem definidas sendo emitido em benefício da comunidade [...]
podendo ser o fio condutor de um encantamento utilizado para curar doenças ou evocar a
chuva no benefício de toda a comunidade; ou pode ser a canção que se abre para o registro da
memória coletiva ou para a dramatização de um mito, através de cuja reprodução a
comunidade inteira procura uma forma de autoconhecimento (BARROS, 2006, p. 163).

Percebe-se eficácia no fazer musical em grupo quando analisamos a prática musical indígena, sendo
transmitida através da repetição e imitação ainda que não haja um método de ensino coletivo sendo aplicado nas
tribos como acontece em um ambiente escolar por exemplo. Peggion (2006) em sua pesquisa sobre os rituais
festivos dos índios Tenharim mostra que as danças são animadas e perpassam todos os momentos da festa, onde
todos dançam um pouco. “É também por onde transitam e como ‘participam’ os não índios. Há, aliás, uma
grande satisfação quando alguém que não seja Tenharim dispõe-se a dançar.” (PEGGION 2006, p. 157). Neste
momento, além do momento de confraternização entre índios e homem branco através da dança, percebe-se de
forma indireta uma grande aula, onde nativos e visitantes observam os dançarinos que vão à frente mostrando
com seu corpo os movimentos que devem ser feitos em cada momento da dança, e seguem aprendendo os tais
movimentos seguindo o som das flautas que conduzem as danças e os movimentos corporais de todos
envolvidos nesta prática.

Analisando a prática de música coletiva dentro da educação musical, vemos que esta já é uma
realidade em muitos centros de educação. Dalcroze no início do século XX já se preocupava com o acesso da
música ao povo, sendo de extrema importância para ele o alcance de uma proposta educativa para o coletivo.
Tourinho (2006) justifica este ensino defendendo que o aprendizado ocorre mais rápido por causa do convívio
em grupo e “pela observação de si mesmo e dos outros colegas” (TOURINHO, 2006, p. 89). Para Marques e
Leme Joly (2013) o ambiente de ensino em conjunto acrescenta e potencializa ainda mais o desenvolvimento
humano, sendo este o lugar onde ocorre a troca de experiências, saberes, inclusive do educador, que valoriza,
estimula e respeita as facilidades e dificuldades dos alunos.

Além de se relacionar uns com os outros durante sua prática musical, índios também tem uma relação
muito forte com meio que os cerca, sendo este um fator que influencia sua maneira de fazer música. “A partir do
que ouvem, podem distinguir a diferença do som de um trovão, de um predador ou até mesmo da possibilidade
de caça.” (AGUIAR, 2013, p 20). Assim percebemos que essa relação ecológica entre o homem e os sons que o

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cercam é fundamental para sua existência e para sua compreensão do mundo, seja ele um ser do meio urbano ou
de qualquer outro meio.

Baseado nos exemplos acima citados, vemos que tanto em aldeia como em escolas, vemos o ensino
em coletivo trazer benefícios para o ser humano, uma vez que este facilita o acesso ao conteúdo ensinado e
também aproxima as pessoas, ampliando a percepção que se tem do meio que os cerca. Concordando com este
pensamento, percebe-se nesta perspectiva que ensino coletivo faz que todos percebam as diferenças, sendo
cooperativos e cúmplices na superação e aceitação desta heterogeneidade, formando assim adultos mais humanos
e sociais.

Movimentos corporais

Almeida (2013) analisando um ritual de festa dos índios Bororó nos mostra que o ritmo dos
chocalhos dita os movimentos dos corpos da tribo na hora da dança. O ritmo é proposto “por um chefe de
canto que orienta os movimentos dos participantes por meio do toque dos maracás e de gestos e, desse modo,
desempenha seu papel de protagonista da performance.” (ALMEIDA, 2013, p.79) Os participantes dessa dança
se movimentam com passos curtos ou rápidos, girando ou saltando, em momentos arrastando os pés no chão,
ou fazendo movimentos com a cabeça para esquerda e para direita. “Os dançarinos devem ficar atentos às
alterações do ritmo do toque dos chocalhos, pois este informa como devem se movimentar, se deve haver trocas
de posições ou se está se aproximando o fim da vivência desta prática corporal.” (ALMEIDA, 2013, p. 84)

Dalcroze organizava sua metodologia em movimentos e atividades destinados atitudes corporais


básicas, apontadas como necessárias a conduta musical. “Buscava-se trabalhar a escuta ativa, a sensibilidade
motora, o sentido rítmico e a expressão.” (FONTERRADA, 2008. p. 135) De maneira livre ou seguindo
determinado ritmo, em suas aulas de música era propostos movimentos simples como saltar, pular, galopar,
correr, agachar para que houvesse um melhor resultado na execução na prática instrumental. De acordo com a
necessidade de seus alunos, o autor citado buscou uma solução e a encontrou nos movimentos corporais. Essa
prática ainda é amplamente utilizada por professores de educação musical, uma vez que estes adaptam para sua
realidade o princípio que Dalcroze trouxe para educação musical.

Em ambas práticas musicais, nota-se a figura de um guia que propõe aos seus seguidores um ritmo
para que este seja interpretado como movimento corporal. E ao longo desta prática, sua execução está sujeito há
alterações de acordo com a mudança de ritmo ou movimento corporal do instrutor. Percebemos então que
processos de transmissão oral, repetição, imitação, improvisação e corporalidade são elementos que fazem parte
das práticas musicais dos indígenas, também é parte da metodologia de Dalcroze para ensino de música.

Conclusão

Inicialmente vemos que apesar de toda negação e esquecimento que a música indígena viveu em
quinhentos anos de história, é possível concluir que ela ainda sobrevive. Sendo o índio nosso ancestral e um
elemento de nossa cultura ainda presente nos dias de hoje, percebe-se a necessidade de levar sua cultura para o

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meio urbano, e também para as nossas escolas de forma mais explícita, para que haja um conhecimento mais
proveitoso sobre sua história, sua música e sua cultura em geral.

Na região norte do Brasil, vemos ela se misturarem cada vez mais com a música urbana através de
iniciativas de grupos que visam trazer a sonoridade das matas e dos índios. Vasconcelos e Sanchez (2013) em
suas pesquisas sobre sonoridade indígena recolheram gravações audiovisuais da vida cotidiana e das
manifestações artísticas e culturais dos povos indígenas da região do Alto Rio Negro, trazendo para a música
sonoridades ainda não exploradas para o homem urbano. Andrade (1972) afirma que o populario musical
brasileiro é desconhecido até de nós mesmos, parecendo mais rico e bonito do que a gente imagina, e sobre tudo
mais complexo. Surge então a necessidade de rever conceitos e buscar conhecer e compreender os novos
caminhos que a música tem tomado, procurando não desprezar antecipadamente aquilo que não se conhece

Tendo em vista o parágrafo 2º do artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que afirma
que o conteúdo programático de história e cultura afro-brasileira e indígena deve abordar “o índio na formação
da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes a
história do Brasil.” (LDB, 2007 p 20) Diante disso, se faz necessário pensar na possibilidade de trazer a música
indígena pra perto do ensino de música nas escolas, não apenas para conhecimento da música do índio, mas
também para conhecimento da cultura do indígena como personagem de nossa história. As práticas musicais
com certeza podem ser parte das muitas contribuições dos índios que devemos resgatar para o Brasil, visto que
estas servem de referência tanto para composição como para educação musical, uma vez que vemos em meio aos
processos de ensino de suas práticas musicais, muitas semelhanças com a metodologia de Dalcroze. Através das
fontes pesquisadas, podemos então destacar que a maneira como a música indígena é estruturada e a transmissão
de um índio para outro se relaciona com o método de ensino musical proposto Dalcroze, mostrando que esta
pode trazer novas possibilidades para a música urbana e para o ensino de música. E para além disso, pode se
tornar uma ferramenta de grande valor para educação em geral.

Em resumo, esta pesquisa propõe uma abordagem diferente para guiar a educação musical. Assim
como índios aprendem a seguir ritmos ditados por instrumentos musicais como flautas ou maracás de forma
livre dentro de um ritual festivo, sugere-se que as crianças urbanas aprendam música sob o mesmo prisma: de
forma livre e em meio a um ambiente festivo. Dalcroze através de sua metodologia nos mostra uma maneira de
sentir ritmos musicais através do movimento do corpo, e com os índios aprendemos que podemos fazer isso de
forma alegre, como em um ritual festivo, podendo ainda ter um aprendizado ainda mais eficiente quando este é
posto durante o contato com outros indivíduos.

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