Apostila de Teoria Musical
Apostila de Teoria Musical
Apostila de Teoria Musical
Núcleo de Pós-Graduação
Teoria da Voz
Apresentação.
O uso da música se dava apenas para reproduzir práticas, que muitas vezes já
conheciam, mas sem entender o seu significado.
A MÚSICA NO BRASIL
A ligação dos índios com os jesuítas ficou mais estreita por meio da
música que os padres usavam para catequizá-los. Logo após sua chegada, os jesuítas
construíram aldeamentos que chamavam Missões ou Reduções, esses locais serviam
para levarem sua fé aos índios e para se manter com certa tranquilidade no Brasil
Colonial. Davidoff (1994, p.42) caracterizou como eram estruturadas as Reduções
jesuítas: “O armazém geral, a casa de hóspedes e a casa das moças eram mais
pobres e os alojamentos indígenas consistiam de longos edifícios de pau-a-pique ou
adobe, abertos para uma varanda coberta".
A partir do século XVII, a música popular ganha força no Brasil, principalmente o lundo
ou landu, inicialmente uma dança africana, assim descrita por Mário de Andrade
(1980). No período colonial e primeiro império chegam ao Brasil as valsas, polcas,
tangos e outras diversas manifestações musicais estrangeiras, que nos Brasil achavam
veículo de expressão. Em relação a isso, Renato Almeida expressa em seu livro A
História da Música Brasileira (1926,p.108):
Aos africanos trazidos, como escravo ao Brasil, deve-se boa parte da formação da
nossa música popular. Foi, certamente, o contato com o povo africano que enriqueceu
a parte rítmica da música feita no Brasil e nos levou a nossa riqueza musical.
Já no fim século XIX e início do XX, com o fim da escravidão em 1888, são abertas
novas fronteiras para a vinda de imigrantes europeus, para o trabalho nas lavouras de
café e algodão. Esses chegam com diversos ritmos de sua terra natal, como a
mazurca, que acaba sendo abrasileirada (sic.) e transformada no maxixe. Essa
transformação de ritmo dá origem ao choro. Mas, uma música popular brasileira só se
formaria mesmo com o carnaval carioca e a chegada do gramofone ao Brasil na
década de 1930 do século XX. Apareceria então o samba urbano, o ritmo mais famoso
do Brasil. Depois disso, com o rádio, a televisão e a indústria fonográfica a música
popular se consolida e chega à variedade gigantesca que hoje encontramos.
Essa breve história da música no Brasil mostra como ela chega por aqui pelos povos
africanos, os padres jesuítas, imigrantes europeus e a que já se fazia presente antes
da colonização com os povos indígenas. A música é uma forte presença no povo
brasileiro em todas as suas classes sociais, Mário de Andrade (1980, p.163) diz: “[...] o
estudo científico da música popular brasileira ainda está por fazer. Não há sobre ela
senão sínteses mais ou menos fáceis, derivadas da necessidade pedagógica de
mostrar aos estudantes a evolução histórica da música brasileira”. Então, é preciso
antes de tudo estudá-la e entendê-la, para levar à música a escola com propriedade.
Só em 1854, por decreto real é regulamentado o ensino de música no Brasil, mas não
havia formação compatível, por parte dos professores, e a música era usada para o
controle dos alunos. Loureiro (2003) explica que nessa fase era dada pouca ênfase aos
aspectos musicais pela escola. A visão de trabalhar na educação musical os aspectos
culturais dos alunos, seu meio e a música como elemento de interação entre as outras
disciplinas escolares, apareceria em nossa história a partir da metade do século XX,
junto à evolução da educação infantil como instituição educativa.
Na história da Educação no Brasil, cuidar das crianças surge como ideia pouco
relevante na sociedade, e ainda permaneceria assim por muitos anos, com algumas
mudanças acontecendo gradualmente, mas a ênfase era manter a ordem em sala de
aula como diz Loureiro (2003) que para a escola, o que importava era utilizar o canto
como forma de controle e integração dos alunos, desse modo, pouca ênfase era dada
aos aspectos musicais na perspectiva pedagógica.
Leis e normas que regulariam a educação infantil apresentam de forma clara como a
criança foi tratada em nossa educação. Apenas com a nova LDBEN (Brasil, 1996)
instituída como lei nº 9.394, se contemplaria o ensino de artes no seu Art. 26, da
seguinte forma: “componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma que promova desenvolvimento cultural dos alunos”. A partir daí a
música passa a ser uma linguagem possível na educação infantil já que faz parte da
educação básica. A construção de uma metodologia para trabalhar a música na
educação infantil está legalmente aberta.
A música também possibilita a interação com o mundo adulto dos pais, avós e outras
fontes como: televisão e rádio, que rodeiam o dia a dia das crianças, que vem formar
um repertório inicial no seu universo sonoro. Brincando fazem demonstrações
espontâneas, quando em família ou por intervenção do professor na escola,
possibilitando a familiarização da criança com a música. Em muitas situações do seu
convívio social, elas vivem ou entram em contato com a música.
Em relação a isso o RCNEI explica que:
O envolvimento das crianças com a música acontece desde quando são ainda
pequenos. Essa presença desenvolve nelas conhecimentos novos, como vocabulário,
socialização e autonomia o que, infelizmente.
O que precisa ser esclarecido, nesses casos, não é a música ou o que se canta, mas a
forma de repetir as canções de forma mecânica não explicando seus significados aos
alunos, ou pior, forçando-os a somente cantar, tirando deles a oportunidade de se
expressar e de participar do processo ativamente, não só reproduzindo o que é pedido.
Para ser significativa e atingir seus objetivos, a música deve ser trabalhada de
diferentes formas, como por exemplo, com exercícios de pulsação, parâmetros
sonoros, canto, parlendas, brincadeiras cantadas, sonorização de histórias. Pode-se
trabalhar com os alunos ruídos cotidianos, o que parece muito interessante, uma
maneira de explorar os sons ou ruídos de uma forma muito completa. Na educação
infantil, podemos buscar um trabalho que permita o aluno a experimentar sensações e
sentimentos como de tristeza, alegria, e que ele venha a expressar esses sentimentos
através da manipulação dos instrumentos musicais que lhes serão colocados a
disposição pelo professor.
Propor brincadeiras onde os alunos descrevem os sons que emitem quando acordam,
escovam os dentes, comem e colocam suas roupas e sapatos. Eles ainda podem
reproduzir sons de animais, cachorros, cavalos e o som dos carros. BRITO (2003) relata
em especifico que “esses jogos trabalham usando ações dos cotidianos dando base
para desenvolver muito a criatividade e atenção das crianças”.
Snyders (1997, p.30) diz que “resta ao professor situar e não restringir”, situar aqui
segundo as palavras do autor é contextualiza que o docente pode ser um mediador,
orientando seus alunos nas atividades com a música e não minando sua criatividade.
Para que o ensino de música na educação infantil relacione o prático com o
pedagógico, ela deve ser usada como ferramenta educacional e para isso é necessário
explorar diferentes possibilidades nos vários momentos da aula. Temos de lembrar que
trabalhar a música na educação infantil não se restringe ao aspecto musical, mas
também aos aspectos cognitivo e motor, o que promove o desenvolvimento do sujeito
no todo.
O uso ou o trabalho com a música tem como enfoque o desenvolvimento global da criança
na educação infantil, respeitando sua individualidade, seu contexto social, econômico,
cultural, étnico e religioso, entendendo a criança como um ser único com características
próprias, que interage nesse meio com outras crianças e também explora diversas
peculiaridades em todos os aspectos.
O ensino de música não tem o objetivo de formar músicos, a ela cabe incentivar a
criatividade, já que algumas vezes a escola deixa pouco espaço para a criança criar e a
música pode ser um caminho muito fértil para essa prática. Em relação a isso,
Bellochio (2001, p.46) explica:
Na prática escolar, o ensino de música deve ter atenção prioritária, já que falar em
ensinar música ou musicalizar é falar em educar pela música, contribuir na formação do
indivíduo, como um todo, lhe dando oportunidade de imergir em um imenso universo
cultural, enriquecendo sua inteligência através de sua sensibilidade musical.
Nogueira (2003) diz que a música deve ser vista além de uma “arma” pedagógica,
também como uma das mais importantes formas de comunicação do nosso tempo. No
texto a autora ainda cita Snyders (1997), o qual contribui expressando que uma
geração nunca viveu mais a música que a nossa, mas o autor ainda ressalta que para
entendermos o processo de desenvolvimento de uma criança, temos de ir muito além
de seus aspectos físicos ou intelectuais, é um processo que envolve uma grande rede
de questões, questões que são uma complexidade muito além às da maturação
biológica.
Ao salientar atividades que trabalham gestos, dança, os sons do meio ambiente e dos
animais, estimula-se a criatividade, as crianças ganham noções de altura, podem
observar o próprio corpo em movimento, atentar-se ao meio onde vivem, prestar
atenção nele e explorar a criatividade, já que ela tira base de qualquer ambiente em
que a professora e seus alunos estejam. Snyders (1997, p.27) diz que:
“os métodos modernos da pedagogia musical estão absolutamente
corretos ao propor atividades de escuta ativa, não somente para evitar
que os alunos, se não tiverem nada de preciso a fazer, conversem ou
se evadam da aula através de devaneios, mas por que faz parte da
natureza da obra musical despertar uma admiração ativa: o objetivo da
escuta ativa não é chegar a uma espécie de êxtase teológico, mas
despertar emoções controladas, que integrem a alegria ao conjunto da
pessoa, tanto na sua sensibilidade quanto na sua compreensão”.
Então é preciso mostrar e entender a prática de como a música pode ser usada na
escola, ou seja, apresentar atividades com música que contribuam no desenvolvimento
das crianças da educação infantil, bem como atividades musicais que possam
contribuir no trabalho com o aluno e como pode ser usada.
A música pode ser usada de forma constante nas salas de aula, como por exemplo,
para cantar canções e quem as crianças digam seus nomes e os nomes de seus
colegas, possibilitando uma interação muito interessante entre os alunos.
Outra forma de se trabalhar a música são os jogos musicais, que podem ser realizados
na educação infantil para trabalhar os sons. Um exemplo apresentado pelo
pesquisador, compositor e educador francês François Delalande (1979) se relaciona à
atividades lúdicas infantis proposta por Jean Piaget e propõe três dimensões para a
música: 1) jogo sensório-motor, ligado a exploração de sons e gestos. Jean Piaget diz
que o estágio pré-verbal se configura aproximadamente nos primeiros 18 meses da
criança. Nesta fase Delalande (1979) entende que é construída a noção temporal como
sucessão, aqui as crianças ouvem, percebem o som, manuseiam instrumentos
musicais; 2) jogo simbólico, ligado ao valor expressivo da linguagem musical. Nesta
fase o jogo acompanha a construção do pensamento representativo; 3) jogo com
regras proposto por Piaget está relacionado com a estruturação da linguagem musical.
O trabalho proposto por Delalande (1979) pode ser iniciado utilizando os sons corporais
da criança, ela pode bater em sua barriga, seus braços, pernas, encher suas
bochechas com ar e bater em sua boca etc. Todas essas ações emitem sons graves
(som mais grosso) e agudos (mais fino). Esses sons podem ser trabalhados em jogos
ou até com os sons que emitimos ao pronunciarmos as letras do alfabeto, como, por
exemplo, se uma letra tem o som mais grave ou o som mais agudo, e comparar com o
som que foi emitido por determinada região do corpo, fazendo ligação direta daquela
atividade com os sons e o aprendizado das letras do alfabeto.
Delalande (1979) ainda trás que a noção de ritmo também é muito importante e
para isso usamos alguns instrumentos musicais, que podem ser adquiridos
(comprados) e também construídos, como chocalhos, ocarinas (instrumento de sopro
que emite sons graves e agudos), apitos e pandeiros, o que vai desenvolver na criança
sua noção rítmica, alguns vão ter essa noção naturalmente, outros, vão desenvolvê-la
com essas atividades. E caso o professor domine algum instrumento, como violão ou
piano, ele pode acompanhar percussivamente a ação das crianças, ou pode cantar
alguma canção, pois qualquer pessoa é capaz e tem conhecimento para fazê-lo.
É possível trabalhar também os sons da boca e para tal Jeandot (1997) nos mostra
algumas experiências, como vibrar os lábios com os dedos, estalar a língua, bater nas
bochechas cheias de ar, e depois dessa atividade perguntar à criança o que ele achou
de cada som, qual ele mais gostou de ouvir e fazer, de como se sentiu fazendo esse
som. A autora também apresenta a possibilidade de se emitir som com os pés, é uma
atividade livre onde as crianças ouvem uma música, e batem os pés no ritmo dela,
podem pular correr etc., essa atividade pode ser feita com as crianças descalças ou
calçadas, o jogo possibilita diversas movimentações com os pés e o reconhecimento
corporal e auditivo.
Rosa (1990) também apresenta exemplos de atividades que trabalham os sons, como
por exemplo, usar uma parte de mangueira de jardim para as crianças aos pares
conversarem com a boca nos orifícios das extremidades da mangueira. Elas vão notar
como o som de suas vozes se propaga pelo ar da mangueira, ou ainda, que a criança
fale consigo mesma, colocando um orifício da mangueira na boca e outra em no seu
ouvido. A autora dá o exemplo do uso de um sarrafo de madeira colocado junto a um
relógio, uma extremidade no relógio e outra encostada no ouvido da criança, desta
forma ela vai sentir a vibração do som em seus ouvidos. Chiarelli (2005, p.4) explica a
importância de realizar um trabalho em que haja a participação do aluno em conjunto
com o professor e apresenta como sugestão:
O pau no ga-tô-tô!
Silva (2001, p.140) propõe uma atividade muito interessante e muito simples que tem
como finalidade trabalhar o ritmo com as crianças da seguinte forma: uma ao lado da
outra, levantam uma perna podendo começar com a esquerda ou direita e ao levantar
tirando a perna do chão ele conta 1, depois colocam as pernas juntas voltando ao
normal e conta 2 isso seguindo um ritmo ditado pela professora. Uma variação dessa
atividade seria levar a perna a frente, ora a esquerda ora a direita e contando 1 e 2
como na anterior, a última forma levantando e abaixando, contando 1 e 2, dobrando os
joelhos e se erguendo, sempre seguindo um ritmo na voz ao contar os números 1 e 2.
Também é possível trabalhar uma canção bem popular: A cobrinha, como uma
proposta interdisciplinar.
No pezinho de limão
Vai se enrolando,
Outra canção que pode colaborar é a dos indiozinhos, onde podemos trabalhar os
números de 1 até 9, ou apenas contando os números usando objetos para simbolizar a
contagem, não é necessário usar instrumentos para tocar e cantar, mas se o professor
tocar violão, ou utilizar instrumentos de percussão, pode enriquecer a atividades.
Segue a letra da canção:
1,2,3, indiozinhos.
4,5,6, indiozinhos.
7,8,9, indiozinhos.
10, num pequeno bote.
A criança e a música
A criança, por meio da brincadeira, relaciona-se com o mundo que descobre a cada
dia e é dessa forma que faz música: brincando. Sempre receptiva e curiosa, ela
pesquisa materiais sonoros, inventa melodias e ouve com prazer a música de
diferentes povos e lugares. (p. 116).
Por meio das brincadeiras de explorar como: brincar com os objetos sonoros que estão ao
seu alcance, experimentar as possibilidades da sua voz e imitar o que ouve, a criança
começa a categorizar e a dar significado aos sons que antes estavam isolados, agrupando-
os de forma que comecem a fazer sentido para ela. Pensando na importância que essa
experiência pode proporcionar para a criança Maffioletti (2007) escreve que: “É isso que
fará dela um ser humano capaz de compreender os sons de sua cultura [...]” (p. 130). Por
meio desse contato o ser humano começa e desenvolver uma identidade a música que
está a sua volta. É por isso que ela assume significados diferenciados em cada cultura,
pois segundo Penna (2008) devido a ela ser:
[...] uma linguagem cultural, consideramos familiar aquele tipo de música que faz
parte de nossa vivência; justamente porque o fazer parte de nossa vivência permite
que nós nos familiarizemos com os seus princípios de organização sonora, o que
torna uma música significativa para nós. (p. 21).
Dessa maneira acabamos nos acostumando com esses padrões de organização o que nos
permite estabelecer vínculos com as pessoas, com os costumes e tradições do local onde
vivemos. Ainda de acordo com a autora, dessa forma:
Para o autor é importante que a criança consiga compreender a música, dessa forma ela
poderá estabelecer vínculos com os gêneros e estilos que mais tenham significado para
ela. Mas como podemos trabalhar com o ensino musical com crianças pequenas?
Aproximando-as desse universo, sensibilizando as mesmas para que elas possam se
apropriar desse conhecimento?
Outro ponto que pode ser desenvolvido está ligado à diversidade de estilos e gêneros
musicais existentes no mundo. Dessa maneira o aluno passa a ter contato com obras não
só de seu país, mas também de outras localidades o que pode resultar com que o mesmo
consiga fazer comparações entre produções de diferentes épocas e lugares. Como
resultado dessa comparação o mesmo pode verificar como cada grupo social constrói sua
música e identifica diferenças entre os instrumentos utilizados, a organização do som, a
forma musical entre outros.
Como podemos observar a forma com que utilizamos a música pode ser diversificada, e
assim é possível verificar que a prática musical é apenas uma possibilidade dentre várias.
Por meio da música podemos expressar nossas ideias e sentimentos, compreender
valores e significados culturais presentes na sociedade ou no grupo onde ela foi criada. Por
meio do movimento e da dança nós interagimos corporalmente com a mesma, apreciamos
sua beleza ao escutar com atenção uma obra musical. Transmitimos nossas emoções ao
interpretar uma peça seja tocando um instrumento ou cantando. Comunicamos nossos
pensamentos e por meio da composição, trabalhamos com o aspecto cognitivo quando
pensamos e construímos uma obra. Entendemos dessa forma, que a maneira como
alguém se apropria de uma determinada obra simplesmente pelo fato do prazer do ouvir é
diferente da forma como uma outra utiliza os elementos sonoros para fazer uma
composição.
O ensino de música nas escolas tanto de Educação Infantil, pode contribuir não só para a
formação musical dos alunos, mas principalmente como uma ferramenta eficiente de
transformação social, onde o ambiente de ensino e aprendizagem pode proporcionar o
respeito, a amizade, a cooperação e a reflexão tão importantes e necessárias para a
formação humana. Dessa forma, é interessante que ela esteja presente no ambiente
escolar. Na escola, o ensino musical não tem a intenção de formar o músico profissional,
assim como o ensino das ciências não visa à formação de cientistas. Para as educadoras
musicais Hentschke e Del Ben (2003) as funções da música no contexto escolar são:
Por meio da fala das autoras constatamos as finalidades do conteúdo musical no currículo
escolar. Assim sendo, o professor deve ter como proposta colocar os alunos em contato
com uma gama maior de estilos e gêneros, proporcionando a diversidade e expandindo o
universo musical dos mesmos. Dessa forma ele fortalecerá os traços culturais já existentes
e também poderá fazer com que entendam e respeitem os gostos e a cultura de outras
pessoas.
Nas aulas de música em grupo são trabalhados aspectos como, por exemplo, o respeito
pelos colegas, a cooperação que as atividades realizadas em coletivo exigem e a união da
turma na busca de alcançar objetivos que sejam comuns a todos, como por exemplo,
cantar e dançar em roda ao mesmo tempo. Dessa maneira, fortalecemos a ideia de que
este conteúdo específico deve ter seu lugar reservado nas grades curriculares escolares. A
educadora Hentschke (1995) destaca algumas razões que justificam a presença da
educação musical nas escolas:
Entre elas, estão proporcionar à criança: o desenvolvimento das suas habilidades
estéticas e artísticas, o desenvolvimento da imaginação e do potencial criativo, um
sentido histórico da nossa herança cultural, meios de transcender o universo musical
de seu meio social e cultural, o desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor, o
desenvolvimento da comunicação não-verbal. (apud JOLY, 2003, p. 117).
Constatamos que os conteúdos musicais devem ser desenvolvidos nas aulas de música
para crianças, mas outras habilidades como a socialização, a afetividade, a criatividade, a
imaginação, a comunicação entre outros, também estarão sendo trabalhadas
simultaneamente. De acordo com o RCNEI:
Podemos verificar que todas essas características que a linguagem musical pode
proporcionar através da aula de música justificam a sua presença na educação infantil.
Para Guilherme (2006) isso deve-se ao fato de que: “A música é um dos estímulos mais
potentes para ativar os circuitos do cérebro na infância. Os estudos atuais apontam que a
janela de oportunidade musical, ou a inteligência musical, abre-se aos 3 anos e começa a
se fechar aos 10 anos”(p. 158). Assim sendo, essa faixa etária torna-se o momento ideal
para que ocorram os primeiros estudos musicais por meio do processo de musicalização
com as crianças.
O conceito de musicalização
Como podemos verificar por meio das autoras, nesse processo desenvolvem-se a
sensibilidade e a percepção ao som, atribuindo-lhe qualidades. A criança dessa maneira
conseguirá compreender melhor as músicas que a rodeiam e é assim que estas começam
a fazer sentido na vida da mesma. Verificamos que ambas as autoras focam suas
atenções na sensibilização para o som, que faz parte dos conteúdos musicais, mas
existem outros tipos de aprendizagem que podem estar relacionados a essas aulas? Outro
ponto de destaque nos RCNEI diz que a aprendizagem musical é uma forma de
conhecimento e expressão que deve estar ao alcance de bebês e crianças, incluindo as
que apresentem necessidades especiais. Além disso, enfoca que a linguagem musical é
uma importante fonte para o desenvolvimento humano e também uma ferramenta valiosa
de transformação e integração social.
Verificamos que embora sejam nos conteúdos musicais que a Educação Musical deva
construir suas justificativas para sua presença não só no contexto escolar (seja ele em que
nível for), mas também na grade curricular escolar, podemos constatar que ela também
pode proporcionar diversos outros tipos de aprendizagens nos alunos. A partir das
reflexões obtidas no decorrer do estudo do referencial teórico, a questão norteadora para a
coleta e análise de dados foi: Quais são as aprendizagens que podem ocorrer em uma
aula de musicalização no contexto escolar de educação infantil? Com a intenção de
responder os questionamentos e as curiosidades levantadas no decorrer do trabalho
buscou-se alcançar o objetivo de observar, descrever e analisar quais foram as
aprendizagens que podem ocorrer nas aulas de musicalização.
[...] se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e
investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma
mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo,
tanto a respeito da prática quanto da própria investigação. (p.445-446).
[...] por certo tem a convicção de que pesquisa e ação podem e devem
caminhar juntas quando se pretende a transformação da prática. No
entanto, a direção, o sentido e a intencionalidade dessa transformação
serão o eixo da caracterização da abordagem da pesquisa-ação. (p. 485).
No contexto escolar, essa metodologia pode beneficiar a prática educativa em sala de aula.
Para Tripp (2005) “A pesquisa-ação educacional é principlamente uma estratégia para o
desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas
pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos” [...]
(p. 445). Percebemos que tanto educador (pesquisador) como educando são beneficiados,
pois por meio da ação podem ser identificados quais aspectos do processo de ensino e
aprendizagem podem ser modificados em busca de aperfeiçoar o ensino em sala de aula.
A reflexão sobre essa ação proporciona ao investigador uma forma de transformar seu
trabalho em busca de melhorias na sua prática educacional.
O canto
O canto esteve presente em todas as aulas por meio de canções, sempre com as
adequações necessárias para se ajustar a tessitura vocal dos alunos. O repertório utilizado
foram músicas infantis, folclóricas e brincadeiras de roda. Para Brito “A cultura popular e,
especialmente, a música da cultura infantil são ricas em produtos musicais que podemos e
devemos trazer para o ambiente de trabalho das creches e pré-escolas”. (BRITO, 2003, p.
94). O meio da fala das crianças “eu conheço essa música!” que essas músicas já estão
presentes no seu cotidiano dentro e fora da escola, mas nas aulas elas puderam ser
trabalhadas de maneira mais criteriosa com cuidados com a afinação e também com a
forma como elas cantam cuidando para que não forcem a voz. De acordo com Fonterrada
“A voz infantil se desenvolve pela prática e a repetição é um fator fundamental. Daí a
importância de que lhe seja oferecido um modelo vocal de qualidade, pois é a partir dele
que sua voz se desenvolverá”. (FONTERRADA, 2005, p. 188). Para Joly se a criança “for
solicitada a cantar, por exemplo, perceberá com alguma orientação e pouca dificuldade, as
diferenças entre cantar e gritar”. (JOLY, 2000, p. 11). Nas aulas buscava-se deixar claro
para elas que cantar forte não é o mesmo que gritar, nesses momentos algumas crianças
comentavam que gritar poderia prejudicar a garganta deixando-as com dores e rouquidão.
Quando uma nova canção era apresentada, primeiramente trabalhávamos a letra com o
ritmo, na sequência era tocada a melodia na flauta doce e por último cantávamos todos
juntos com o acompanhamento harmônico do violão. Como podemos verificar em Granja
(2006):
Cantar um simples “Parabéns pra você”, juntamente com outras pessoas, requer
habilidades de escuta notáveis, que ocorrem de maneira quase inconsciente: a
busca de uma tonalidade comum, a coordenação dos ritmos, a articulação entre a
palavra e a melodia, entre outras. (p. 66).
É certo que música é gesto, movimento, ação. No entanto, é preciso dar às crianças
a possibilidade de desenvolver sua expressão, permitindo que criem gestos, que
observem e imitem os colegas e que, principalmente, concentrem-se na
interpretação da canção, sem a obrigação de fazer gestos comandados durante o
tempo todo [...] (p. 93).
Por diversas vezes, as crianças trocaram e inventaram uma nova letra para a canção,
achando esse processo divertido e engraçado. Outro fato recorrente era o de criar gestos
enquanto cantavam, eles imitavam os gestos dos colegas ou fingiam que estavam tocando
um instrumento musical. Em uma aula um menino relatou que não gostava de cantar, foi
proposto que o mesmo não precisa assim fazer, mas que seria importante que continuasse
na roda com os colegas. Mesmo não cantando como os colegas, ele ficou gesticulando na
canção o que pode ser considerada como uma participação na atividade.
O Repertório
As crianças em um repertório que não estava presente na escola. Entre as obras do
repertório escolhido podemos destacar o “Andantino Op. 139 nº 1” do compositor
Mauro Giuliani e o “Adágio” do compositor Johann Kaspar Mertz ambos tocados no
violão, a “Sagração da Primavera” do compositor Igor Stravinsky (CD), “Tontinha” do
grupo Anima (CD), “Gavota Choro” e o “Trenzinho do Caipira” do compositor Heitor
Villa Lobos (CD). Dessa forma foram trabalhadas músicas de diferentes estilos e
gêneros entre eles podemos destacar o estilo Clássico, o Romântico e o
Contemporâneo e gêneros populares como o Baião e o Choro. Como podemos
constatar em Fonterrada, para o educador Rao “a criança deve ser posta em contato
desde cedo com a literatura musical, pois somente assim sua musicalidade se
desenvolverá com tranqüilidade e sem sobressaltos”. (FONTERRADA, 2005, p.
188). Verificamos a importância dessas audições para o ensino musical da criança,
além disso, é importante destacar que a mesma começa a ter contato com um
repertório diferenciado se compararmos com as canções da cultura infantil que ela
normalmente tem acesso. Segundo Joly (2000):
A expressão Corporal
[...] o professor de música está inserido num ambiente privilegiado, à medida que tem
um contato constante com obras-primas de grandes mestres da música, com
manifestações folclóricas e culturais de seu povo, e contato com as expressões
musicais do mundo contemporâneo, de forma que possa criar boas oportunidades de
desenvolvimento cultural de seu aprendiz. (p. 69).
Por meio desse repertório variado foi proporcionado para a turma um momento de
enriquecimento cultural, onde puderam conhecer por meio da escuta outras formas de
produção musical. As conversas sobre as impressões das crianças foram realizadas
sempre que o som terminava, nessas discussões elas falavam sobre os instrumentos que
executavam na obra e o que sentiam durante a escuta como, por exemplo, medo, alegria e
tranquilidade.
No Adágio do compositor Johann Kaspar Mertz , elas também dançaram de forma bem
expressiva, essa música possuía um andamento mais lento do que a anterior. Algumas
meninas da turma perguntaram se a música era de “bailarina”, foi respondido que não, mas
que combinava devido a esse caráter lento e bem expressivo. Essas alunas fazem aulas
de ballet, assim a dança torna-se uma forte referência para as mesmas.
Na música “A volta da Asa Branca” de Gilberto Gil onde foi utilizado o recurso do rádio e
CD, as crianças deveriam andar livremente se movimentando (dançando) pela sala quando
ouviam a voz do cantor, quando tocava a parte instrumental elas deveriam se movimentar
(dançando) paradas no local. Os objetivos da atividade eram: desenvolver a percepção da
música com e sem a presença da voz, desenvolver a concentração e a expressão corporal
de forma livre. As crianças demonstraram euforia ao se movimentar expressando o caráter
alegre e contagiante do som que escutavam, dançaram em pequenos grupos e aos poucos
foram entendendo o momento correto onde deveriam andar e parar. Como ressalta
Fonterrada para Dalcroze
Nessa parte são apresentados outros tipos de aprendizagens que ocorrerão nas aulas de
musicalização, entre elas estão as regras, o convívio com os colegas, o respeito e a
afetividade, que poderão contribuir para a formação humana das crianças. Para que as
aulas pudessem acontecer e o planejamento pudesse ser colocado em prática, fez-se
necessário o estabelecimento de algumas regras que nos ajudaram a atingir tais objetivos.
De acordo com Chateau “A regra é a ordem posta em nossos atos”. (CHATEAU, 1987, p.
62). Para que possamos conviver de maneira pacifica na sociedade é importante o
cumprimento de regras que são estabelecidas nas nossas relações com o outro. Ainda
segundo o autor “obedecendo à regra, a criança procura ainda afirmar o seu eu. [...] a
submissão à regra social é um dos meios de que a afirmação do eu pode se utilizar para
sua realização. A regra é o instrumento da personalidade”. (CHATEAU, 1987, p. 55). Por
meio dela a criança se compreende no mundo em que vive e entende como funcionam as
relações sociais presentes na sua vida.
Combinamos algumas dessas regras que deveriam ser respeitadas para que a aula
pudesse ser desenvolvida, entre elas podemos destacar: a permanência na roda mesmo
para as crianças que diziam não gostar de música (nos momentos em que fosse
necessário), fazer silêncio quando era solicitado (as mãos fechadas representavam essa
regra) e nas atividades com movimento ou locomoção pelo ambiente elas não deveriam
agarrar os amigos e ficar caindo no chão (nesse último muitas vezes elas caiam e outros
colegas tropeçavam ou pisoteavam que estava no chão).
Nas aulas foi constatado que a prática musical em grupo contribuiu para o
desenvolvimento de uma união do mesmo, nos momentos em que deveriam trabalhar em
equipe como, por exemplo: no canto coletivo, essa colaboração se fez presente. Para Brito
quando cantamos coletivamente “desenvolvemos também aspectos da personalidade,
como atenção, concentração, cooperação e espírito de coletividade”. (BRITO, 2003, p. 93).
Percebemos que a partir do desenvolvimento da própria concentração a criança começa
também a utilizá-la em benefício do grupo, trabalhando para a realização do combinado.
Em certa ocasião, as crianças chamaram um aluno que havia saído da roda para voltar,
esse menino não demonstrava muito interesse nas aulas. Por diversas ocasiões ele foi
solicitado a participar das atividades, suas participações eram sempre elogiadas, mas por
diversas vezes ausentava-se por vontade própria. Demonstrávamos satisfação em vê-lo
participar das atividades, mas nessa aula foram as crianças que apresentaram essa
necessidade de estarem juntos. Como ressalta Chateau “O homem atrai o homem, é um
fato. Tudo se passa como se, em cada um de nós, houvesse uma espécie de pré
conhecimento e como uma necessidade do outro. O sorriso, primeira reação social, é a
melhor prova disso”. (1987, p. 44). Ainda sobre essas relações humanas, Granja afirma
que “ninguém se constitui sozinho no mundo. Cada pessoa se constitui como um nó de
uma complexa rede de relações sociais e, dessa forma, sempre depende do outro”.
(GRANJA, 2006, p. 103). Podemos verificar a necessidade do ser humano de se
relacionar, assim as crianças sentiram falta da presença do colega, pois era importante
para eles que o mesmo estivesse presente com o grupo na brincadeira.
Para terminar as aulas que ocorriam no período da tarde cantávamos a canção “Com a
música sou mais feliz”, na parte final a letra dizia: “com a música sou mais feliz”, em uma
aula duas alunas se abraçaram e sorriram, foi um belo gesto de carinho por parte delas.
Podemos destacar aqui a construção e manutenção dos laços afetivos presentes na vida
das crianças.
CONDERAÇÕES FINAIS
Apontar a maneira que a música pode ser trabalhada nas salas de aula da educação
infantil e entender o significado da música enquanto ferramenta pedagógica também
foram destacadas neste estudo. Com esta pesquisa verificar se que a música deve ser
trabalhada com brincadeiras e canções, aqui compreendidas como atividade de canto
liderado pelo educador e acompanhadas pelas crianças de forma criativa.
É com base no dia a dia com a música na sala de aula, com as atividades
desenvolvidas pelos professores no cotidiano da educação infantil e das experiências
pessoais com a música, que nascerá uma prática pedagógica que contemple a música
como elemento importante que venha a colaborar com o trabalho e o desenvolvimento
da criança.
Sendo assim para que seja repensado o papel da música na educação infantil, não só
criticando os professores, mas revendo sua formação, os recursos que eles tem a sua
disposição, e tentando ressignificar a música na educação infantil, mostrando que é
possível uma prática consistente com a música na educação infantil. Acredito ser
importante que as professoras tenham essa consciência, mas ainda são necessárias
politicas que envolvam a formação dos professores para atuação com música e
melhores recursos para seu trabalho em sala.
REFERENCIAS
FELINTO, Marilene. Do que você gosta de brincar? . Folha de São Paulo. 500
Brincadeiras. São Paulo, 16 de Abril, 2000.
FRANÇA, Eurico Nogueira. A música no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional, 1953.
KRAMER, Sônia. A Política do pré escolar no Brasil: A arte do disfarce. 7. ed. São
Paulo: Cortez . 2003.
SILVA, Patrícia, A Canção na Pré Escola. São Paulo: Paulinas, 6 ed, 2001.
ROSA, Nereide Schilaro Santa. Educação Musical para Pré-Escola. Rio de Janeiro:
Libador, 1990.