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Memorial CNPG

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) MINISTRO(A)

REF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 1.101.937/SP (TEMA 1075) (PAUTA DE


JULGAMENTO DE 25 – 2-0 2021) -RELATOR MINISTRO ALEXANDRE DE
MORAES

MEMORIAIS DO CONSELHO NACIONAL DE


PROCURADORES-GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DOS ESTADOS E DA UNIÃO – CNPG NA QUALIDADE DE
AMICUS CURIAE

1. O CNPG e a experiência do Ministério Público brasileiro na tutela de direitos


metaindividuais

Por meio de decisão proferida em 16 de dezembro de 2020, o Conselho Nacional de


Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União - CNPG foi
admitido a intervir no processo na qualidade de amicus curiae.
O CNPG, criado em 1981, com a finalidade de defender os princípios, prerrogativas e
funções institucionais do Ministério Público, é uma associação, de âmbito nacional, sem
fins lucrativos, integrada pelos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e
da União.
A entidade acompanha, nas esferas dos três Poderes da República, matérias pertinentes à
atuação do Ministério Público em todo o território nacional. O Colegiado do CNPG
deliberou sobre a premente necessidade de ingresso como amicus curiae no RE 1.101.937
(Tema 1075) em razão da representatividade adequada, da relevância da matéria e
repercussão social da controvérsia que afeta a eficácia e extensão dos efeitos da ação civil
pública.
A experiência do Ministério Público – de quatro décadas como protagonista (autor) de
milhares de ações coletivas – qualifica o CNPG para contribuir com o debate concernentes
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aos limites geográficos da decisão proferida em ação civil pública em face do disposto no
art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
2. Síntese do caso
O caso levado ao Supremo Tribunal Federal discute, como matéria de fundo, a
possibilidade de revisão de contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro
Habitacional em razão de reajustes abusivos em suas mensalidades e no saldo devedor.
O que motiva a participação do CNPG é a possibilidade de retrocesso no tocante a tema
pacífico na doutrina e no STJ: decisão proferida em ação coletiva (ação civil pública) de
âmbito nacional tem eficácia em todo território brasileiro.
Em 30 de novembro de 2018, o Min. Alexandre de Moraes, em decisão monocrática,
acolheu recursos extraordinários interpostos por Itaú Unibanco S/A e Caixa Econômica
Federal para afastar entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça 1 que
justamente prestigia a impossibilidade de limitação geográfica de decisão proferida em
ação civil pública movida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC, na
tutela de direitos de mutuários (consumidores) de todo o Brasil.
O RE analisa a (in)constitucionalidade do art. 16 da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública), que trata da extensão da coisa julgada proveniente das ações civis públicas,
especificamente quanto à sua limitação territorial.
As razões para não provimento do RE são inúmeras. Destacam-se, na sequência, os
principais argumentos.
3) O tema é infraconstitucional (Tema 715)
O Superior Tribunal de Justiça, com base no art. 103 do Código de Defesa do Consumidor,
nas normas processuais relativas à coisa julgada (CPC/2015) e nos princípios do processo
civil coletivo, entende ser incabível limitar territorialmente decisão proferida em ação civil
pública. O tema é infraconstitucional.
Em 2014, o Supremo Tribunal Federal decidiu, de modo claro e contundente, que a
delimitação dos efeitos da coisa julgada coletiva não é matéria de jurisdição constitucional
(Tema 715: “Limites territoriais da eficácia prolatada em ação coletiva”).

1
“1. No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) n.º 1.243.887/PR, Rel.
Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no
art. 16 da Lei n.º 7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de
decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. 2.
Embargos de divergência acolhidos para restabelecer o acórdão de fls. 2.418-2.425 (volume 11), no ponto
em que afastou a limitação territorial prevista no art. 16 da Lei n.º 7.347/85. (EREsp 1134957/SP, Rel.
Min. Laurita Vaz, CORTE ESPECIAL, julgado em 24/10/2016, DJe 30/11/2016).
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No julgamento do ARE 796473, Rel. Min Gilmar Mendes, foi corretamente assentado:
“Processual civil. Ação Civil Pública. Limites territoriais da coisa julgada. alegação de
violação aos artigos 18 e 125 da Constituição Federal. Interpretação de normas
infraconstitucionais. Impossibilidade. Repercussão geral rejeitada.”
Em seu voto, o Min. Gilmar Mendes destaca: “Verifico que a controvérsia em exame
discute questão atinente à limitação territorial da eficácia da decisão proferida em ação
coletiva, questão que se restringe ao âmbito infraconstitucional (Lei de Ação Civil Pública
e Código de Processo Civil). A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que
configura ofensa reflexa ao texto constitucional mera alegação de ofensa a dispositivos
constitucionais quando a controvérsia se cingir à interpretação ou aplicação de normas
infraconstitucionais, o que inviabiliza o prosseguimento do recurso extraordinário”.
Ao final, conclui-se: “diante da manifesta natureza infraconstitucional da matéria, rejeito
a repercussão geral”.
Com a devida vênia, não tem sentido, sete anos depois, sem qualquer mudança do texto
constitucional, ignorar o referido precedente.

4) Não há precedente do STF que prestigia a limitação de decisão proferia em ação


coletiva
Na decisão que acolhe o RE, são feitas referências a dois julgados do STF: 1) RE 612.043;
2) ADI 1.576. Em nenhum dos dois precedentes, se analisa o disposto no art. 16 da Lei
7347/85.
Por ocasião do julgamento do RE 612.043/PR, distinguiu-se a decisão decorrente de ação
ajuizada por entidade na defesa dos associados (art. 8º, III, e art. 5°, XXI da CF) da
sentença proferida em ação coletiva, baseada na Lei 7.347/85 e Lei 8.078/90, ou seja, que
tutela direitos metaindividuais.
Na ocasião, destacou-se justamente a importância de diferenciar a tutela de direitos
metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) da possibilidade de
associações e sindicatos defenderem direitos dos associados/filiados, o que foi
denominado pelo STF de “ação coletiva sob rito ordinário”.2

2
Na ocasião, a Suprema Corte definiu que, em ações coletivas de servidores públicos relacionadas a
aumentos salariais, a sentença da “ação coletiva sob o rito ordinário” estaria limitada territorialmente e se
aplicaria apenas aos associados que se filiaram antes do ajuizamento da demanda. No entanto, o Plenário
deixou evidente que tais limitações não alcançam as ações coletivas regidas pela Lei 7.347/85 e Lei
8.078/90, ao julgar e acolher os embargos declaratório opostos pelo Idec. Por ocasião do julgamento, o
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Com relação à ADI 1.576, o STF, ao contrário do afirmado, não declarou a
constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/85. A leitura do acórdão, publicado no DJ em
24/04/1999, indica que houve suspensão temporal da vigência do art. 2º da MP 1.570, de
26/03/97, o qual justamente deu nova redação ao art. 16 para estabelecer a limitação
geográfica.
Posteriormente, em razão de falta de aditamento à inicial, o Min. Marco Aurélio, Relator,
declarou prejudicada a ADI e negou-lhe seguimento. A decisão foi publicada no DJ n.
150, em 07/08/1997.
Trata-se de ação de inconstitucionalidade que perdeu o objeto e – destaque-se – mesmo
se fosse julgada no sentido de declarar a constitucionalidade da atual redação do art. 16
da Lei 7.347/85, não se afastaria com o julgamento pela Suprema Corte a interpretação
conferida ao dispositivo pelo Superior Tribunal de Justiça – que decorre de análise
sistemática de diplomas infraconstitucionais.
Em resumo, nenhum dos precedentes citados (RE 612.043 e Medida Cautelar na ADI
1576) é capaz de afetar a jurisprudência firmada recentemente pelos Superior Tribunal de
Justiça quanto à eficácia nacional de decisão proferida em ação civil pública (ação
coletiva) na tutela de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais
homogêneos).

5) Acerto da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que prestigia, em ação


de âmbito nacional, a eficácia da decisão para todo o País
A competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da
sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da
lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474,
CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.
A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo
singular e, também, como mais razão, não pode se dar no processo coletivo, sob pena de
desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.
O Superior Tribunal de Justiça, após mais de década de debate, pacificou o entendimento
– sem qualquer discussão sobre constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/85 – que,
definida a competência do Juízo, a decisão proferida em ação civil pública (ação coletiva)
possui eficácia em todo território nacional.

Ministro Relator (Marco Aurélio Mello) debateu a questão com os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz
Fux.

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Tal entendimento está em absoluta consonância com a melhor doutrina. Renomados
processualistas, considerando a importância e possível retrocesso decorrente do
julgamento do RE, elaboraram manifestação dirigida ao Supremo Tribunal Federal (DOC.
ANEXO).
Em análise sistemática das normas que disciplinam o processo civil coletivo (art. 103 do
CDC) e regras relativas à coisa julgada, o STJ posiciona-se corretamente pela abrangência
nacional de decisão proferida em demanda que tutela dano – efetivo ou potencial – de
âmbito nacional.
Assim, ilustrativamente, ação ajuizada contra companhia aérea por cobrança
indevida dos passageiros tem eficácia em todo território nacional e não apenas no
Estado no qual a ação foi ajuizada.
Também tem eficácia nacional ação contra operadora do plano de saúde que
determine cobertura obrigatória para determinado procedimento de cura de doença.
Qual o sentido racional ou jurídico da decisão beneficiar consumidores que moram
apenas em uma unidade federativa? E se houver mudança de endereço do
consumidor? Como fica?
Caso se prestigie a interpretação isolada e literal do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública,
seria necessário ajuizar outras 26 ações, uma para cada unidade federativa, gerando
incertezas quanto ao resultado, decisões contraditórias, ofensa a isonomia, insegurança
jurídica, custos, o que se traduz em ineficácia da prestação jurisdicional.
6) A limitação territorial propicia incertezas e insegurança jurídica
O processo civil – individual ou coletivo – possui objetivo de solucionar conflitos com
segurança e de modo isonômico.
A ação civil pública é importante instrumento de diminuição de demandas judiciais,
pacificação social e segurança jurídica.
O entendimento de que os efeitos da ação se limitam ao território de determinada unidade
federativa ou região abrangida pelos Tribunais Regionais Federais estimula a repetição de
ações nas diversas unidades, posterga a definição de temas relevantes, propicia a edição
de soluções conflitantes. Em resumo, contraria todo movimento legal, doutrinário e
jurisprudencial de prestígio ao Poder Judiciário, de solução concentrada e mais célere de
conflitos.
7) A Constituição Federal prestigia a eficácia social e tutela processual adequada dos
direitos metaindividuais
Já na década de 1980, era perceptível que o processo civil individual não era capaz de

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atender a litigiosidade inerente à sociedade massificada. A Constituição de 1988 previu e
realçou diversos meios processuais de tutela de interesses metaindividuais.

Além de prever necessidade de proteção material ao meio ambiente, ordem urbanística,


consumidor, patrimônio histórico etc., a Constituição Federal instituiu o mandado de
segurança coletivo (art. 5.º, LXX); ampliou o objeto da ação popular (art. 5.º, LXXIII);
aumentou o número de legitimados para a propositura de ação direta de
inconstitucionalidade; e fez referência expressa à ação civil pública, para a proteção do
“patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”,
cuja promoção é função institucional do Ministério Público, sem exclusão de outros entes
(art. 129, III e § 1.º).

Fica claro, pela análise sistemática do texto constitucional, o propósito de conferir


proteção e eficácia social aos direitos metaindividuais – em sentido amplo –, o que
significa não limitar, por lei infraconstitucional, a efetividade da tutela de tais interesses.

A limitação territorial de decisão proferida em ação civil pública estimula a litigiosidade


de massa e afasta o objetivo constitucional de pacificação social.
Como destacado em Nota Técnica do CNPG: “Não se compatibiliza o artigo 16 da Lei da
Ação Civil Pública com a garantia de amplo acesso à justiça e nem mesmo princípios
constitucionais da isonomia, da segurança jurídica e da eficiência no funcionamento do
sistema de justiça e na atuação do Ministério Púbico de concretizar violação ao bem
jurídico material indivisível que se busca tutelar no processo coletivo, como a proteção ao
meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público e social, às crianças e adolescentes,
à ordem econômica, aos idosos etc., todos com assento constitucional.”
8) Conclusão
Em face dos argumentos apresentados, o CNPG espera que o Recurso Extraordinário não
seja conhecido, por se tratar de tema infraconstitucional. Se conhecido, requer-se seja
negado provimento, com o reconhecimento de inconstitucionalidade, com ou sem redução
de texto, do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública.
Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2021.

ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA


OAB/12.500

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