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Um Panorama Sobre Os Estudos Da Linguagem

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TÓPICO

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Módulo: Teorias de Língua e de Segunda Língua
AULA 6a
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Um panorama sobre os estudos da linguagem

Nos estudos da linguagem, a tarefa que parece ser mais difícil é a delimitação do
objeto de estudo. Ao contrário do que acontece nas outras ciências, o objeto de estudo da
Linguística pode ser focalizado sob vários aspectos, de pontos de vista diferentes, já que a
linguagem tem natureza complexa e variável.
Visando a descrição de um objeto delimitado, Saussure (1995) separou da linguagem
os conceitos de língua e fala, sendo que, do seu ponto de vista, a língua seria o verdadeiro
objeto da Linguística. O estudioso acreditava que, com esse procedimento, poderia isolar o
estudo da linguagem de outras disciplinas, e conferir-lhe o status de ciência autônoma, o que
era, de certa forma, desejável perante a comunidade científica da época, que se embasava em
paradigmas metodológicos positivistas.
Para conseguir delimitar a língua como objeto de estudos da Linguística e, assim,
descrevê-lo, Saussure a idealizou, ao mesmo tempo em que a criou, já que propôs a separação
do que é geral e social (língua) daquilo que é particular e individual (fala), partindo do
pressuposto de que “é o ponto de vista que cria o objeto” (Saussure, op.cit.).
Essa dicotomia língua e fala, de certa forma, perpetua-se pelo gerativismo, ainda que o
ponto de vista de investigação deste não seja o mesmo. Chomsky (1973) propõe o estudo da
estrutura sintática e, para isso, sua proposta é de que a língua seja a expressão do pensamento
de um falante ideal, situado numa comunidade linguística também ideal e homogênea.
Conforme essa concepção, fatores externos (como desvios de atenção, de interesse, pressões
de tempo), cognitivos (como falha de memória), ou fatores psicológicos (como nervosismo)
não interferem na produção linguística, pois ao preocupar-se com essas interferências, o
linguista está investigando o que chamou de desempenho (correspondente ao que Saussure
chamou de fala). O que realmente interessa ao autor é a competência linguística do falante
(correspondente ao que Saussure chamou de língua).
A competência linguística definida por Chomsky (op.cit.) compreende a gramática
internalizada, que consiste em um conjunto de regras linguísticas universais na mente do seres
humanos. Desse ponto de vista, todos seriam capazes de produzir uma determinada língua, já
que, biologicamente, estariam equipados com um dispositivo cerebral para a aquisição da
linguagem. As regras linguísticas universais, ou princípios universais, seriam internalizados.
Bastaria, então, por meio da exposição ao meio em que vivem, adquirirem as regras da língua
específica de sua comunidade, chamadas de parâmetros.

Texto extraído de: SILVA, Andréia Turolo da. Idealização e realização na sala de aula de língua inglesa:
foco na construção da interação. Dissertação de Mestrado. São José do Rio Preto: Unesp, 2003.
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Um panorama sobre os estudos da linguagem

Ambas as teorias, a estruturalista de Saussure e a gerativista de Chomsky, são dois


marcos na história dos estudos da linguagem, como diz Camacho (1994), já que, até nos dias
de hoje, muitos linguistas são adeptos delas. Porém, as práticas mais atuais nos estudos da
linguagem partem de duas hipóteses fundamentais: 1) a forma linguística deriva-se de seu uso
no processo real de comunicação; e 2) a estrutura gramatical é dependente das regularidades
das situações de fala.
Esse pensamento moderno sobre o objeto da Linguística se fortaleceu com as idéias de
Bakhtin (1979)1 sobre o paradigma formalista. Segundo este filósofo da linguagem, a
idealização do objeto de estudos como sistema estável de formas normativamente idênticas é
apenas uma abstração científica que não explica a realidade concreta do uso, já que a
linguagem se realiza através da interação social dos interlocutores conforme tentam se
comunicar.
Tanto o estruturalismo quanto o gerativismo não concebem a língua como um sistema
dependente do contexto social em que se manifesta. Apesar de Bakhtin referir-se somente ao
estruturalismo de Saussure, vale lembrar que, naquele momento de sua produção científica,
Chomsky ainda não havia entrado no cenário dos estudos linguísticos, já que este é
historicamente mais recente que Bakhtin. Porém, ao me referir ao movimento linguístico
formalista, incluirei tanto o estruturalismo quanto o gerativismo, por terem ambas as práticas
idealizado um objeto de estudo que não corresponde ao uso real da língua no contexto social.
Compartilho com Bakhtin as idéias de que as tentativas realizadas pelo movimento
formalista de delimitar o objeto de estudo da Linguística como algo compacto, concreto, bem
definido e estável, na verdade, leva à perda da própria essência do objeto estudado, sua
natureza semiótica e ideológica, já que se entendido como sistema de formas normativas, a
realidade linguística não é pode ser entendida como social, mas sim, repousa na consciência
individual:

O sistema sincrônico da língua só existe do ponto de vista da consciência


subjetiva do locutor de uma dada comunidade lingüística num dado
momento da história (Bakhtin, 1979. p 91).

1
As referências bibliográficas de Saussure (1995), Bakhtin (1979) e Chomsky (1973) referem-se às
publicações consultadas para este estudo. Porém, julgo importante mencionar que a primeira edição do
Curso de lingüística geral, de Saussure, é de 1916; a primeira publicação de Bakhtin, Marxismo e
filosofia da linguagem, em russo, é de 1924; e Estruturas sintáticas, marco inicial da obra de Chomsky,
foi primeiramente publicado em 1957, desfazendo-se possíveis confusões devido à ordem cronológica.

Texto extraído de: SILVA, Andréia Turolo da. Idealização e realização na sala de aula de língua inglesa:
foco na construção da interação. Dissertação de Mestrado. São José do Rio Preto: Unesp, 2003.
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Um panorama sobre os estudos da linguagem

Para observarmos o fenômeno da linguagem, faz-se necessário enxergarmos o


contexto de seu uso e sua constituição por elementos da situação de fala - o que a Lingüística
formalista sempre deixou para que outras disciplinas estudassem com o objetivo de garantir
ao campo da Linguística o status de ciência autônoma. Todavia, ao enxergarmos a natureza
complexa da linguagem em uso, a complexidade dos fenômenos linguísticos e a multiplicidade
dos fatores que a caracterizam, vemos a necessidade da contribuição interdisciplinar, e isso
ocorreu naturalmente no decorrer da história. Ao verificarem que o paradigma formalista por
si só não era suficiente para o estudo desses fenômenos, cientistas concorreram para a sua
superação.
Com a aceitação da contribuição de outras disciplinas, como a Sociologia, Psicologia,
Psicanálise, Antropologia etc, foram oportunos a aceitação e o resgate de tendências
divergentes, como por exemplo: a Gramática de Casos, a Semântica Gerativa, o Funcionalismo,
a Sociolingüística Laboviana, a Linguística Textual, a Análise da Conversação, a Análise do
Discurso etc. (Camacho, 1994).
Essas tendências, agora aceitas pelo atual paradigma científico como áreas legítimas
de pesquisa linguística, têm em comum as mesmas idéias de Bakhtin de que:

é indispensável que o locutor e o ouvinte pertençam à mesma comunidade


linguística, a uma sociedade claramente organizada. E mais, é indispensável
que estes dois indivíduos estejam integrados na unicidade da situação social
imediata, quer dizer, que tenham uma relação de pessoa para pessoa sobre
um terreno bem definido... Portanto, a unicidade do meio social e a do
contexto social imediato são condições absolutamente indispensáveis para
que o complexo físico-psíquico-fisiológico que definimos possa ser vinculado
à língua, à fala, possa tornar-se um fato de linguagem (Bakhtin, 1979, p70).

Vemos, então, que é absolutamente inquestionável o modo como linguagem e


sociedade interagem. A área específica para cuidar dessa relação língua-sociedade é a
Sociolinguística, que nasceu da contribuição interdisciplinar entre as ciências sociais e o que
chamávamos, até então, de Linguística. O objetivo geral das pesquisas em Sociolingüística é
buscar como língua e sociedade se relacionam e se modificam em sua articulação. De uma
maneira simples e direta, o objeto de estudo da Sociolinguística é o estudo da língua falada,
observada, descrita e analisada em seu contexto social.
Qualquer língua falada por qualquer comunidade apresenta variações que são agora
entendidas como qualidade constitutiva do fenômeno lingüístico. Dentre os pesquisadores que

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buscam relacionar a questão da variação linguística a fatores de ordem social, destaca-se


Hymes (1962 apud Ribeiro e Garcez, 1998), o qual interpreta o comportamento linguístico no
contexto social, focalizando as funções da linguagem a partir da observação da fala e das
regras sociais próprias de cada comunidade. Hymes foi um dos precursores da etnografia da
comunicação, que deu origem à linha de pesquisa em Sociolinguística Interacional.
A Sociolinguística Interacional estuda as variações linguísticas como assuntos ligados à
análise do discurso da interação, diferentemente da Sociolinguística Variacionista, que é o
exame da linguagem no contexto social para a solução de problemas próprios da teoria da
linguagem (Camacho, 2001, p. 50), e se preocupa em relacionar os tipos de variações
linguísticas que podemos escolher durante a interação face a face diretamente a categorias
sociolinguísticas. De acordo com Chambers (1996, p. 2), essas categorias são cinco: pessoal,
estilística, social, sociocultural e sociológica. A Sociolingüística Interacional tenta relacionar, a
priori, os tipos de inferências sobre o discurso da interação a fatores ligados à própria
interação, sem negar, é claro, que categorias sociais, pessoais, socioculturais, estilísticas e
sociológicas influenciam nas variações linguísticas do discurso da interação.
Neste texto, concentro-me no estudo da Sociolinguística Interacional, não por
desconsiderar a importância da pesquisa em Sociolinguística Variacionista; pelo contrário, esse
tipo de pesquisa pode também fornecer subsídios teóricos para a análise das interações.
Todavia, as escolhas que uma pessoa faz do estilo de fala/discurso têm valor simbólico e
podem canalizar as interpretações do seu ouvinte/leitor, e que, por sua vez, podem não ser
explicadas somente pela sua relação com categorias contextuais e sociais determinadas
independentemente.
Esse ponto de vista é fruto das afirmações que Gumperz (1992) realizou a partir de
observações detalhadas do discurso oral em interação, as quais revelaram que a escolha de
determinadas variantes pelos falantes, durante as interações, tem valor simbólico e
consequências interpretativas que não podem ser explicadas simplesmente pela sua relação às
categorias acima mencionadas.
Além disso, a Sociolinguística Interacional tem, com grande sucesso, sido amplamente
associada às pesquisas em Linguística Aplicada, no que se refere à análise do discurso
interacional da sala de aula, por ambas as áreas de pesquisa terem como grande preocupação
o estudo do uso da língua e os problemas de seu uso em contextos sociais bem definidos.

Texto extraído de: SILVA, Andréia Turolo da. Idealização e realização na sala de aula de língua inglesa:
foco na construção da interação. Dissertação de Mestrado. São José do Rio Preto: Unesp, 2003.
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Bibliografia

BAKHTIN, M. (Voloshinov) Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.


CAMACHO, R.G. Algumas reflexões sobre as tendências atuais da lingüística. In: Confluência
(Assis), V. esp., 1994.
______, R.G. Sociolingüística (Parte 2). In: MUSSALIM, F. e BENTES, A.C. (orgs.) Introdução à
lingüística 1: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001.
CHAMBERS, J. K. Correlations (Part 1). Sociolinguistics Theory. Oxford/Cambridge: Blackwell,
1996.
CHOMSKY, N. Panorama e rumos atuais da lingüística. In: Tempo brasileiro (Rio de Janeiro),
v.32, 1973.
GUMPERZ. J. J. Discourse Strategies. Cambridge: CUP, 1992.
SAUSSURE, F. [1916]. Curso de Lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

Texto extraído de: SILVA, Andréia Turolo da. Idealização e realização na sala de aula de língua inglesa:
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