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Novoa - As Organizações Escolares em Análise - P. 13-43

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c o o R D E N A ç Ã O D E

ANTÓNIO NÓVOA

DEDALUS - Acervo - FE

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20500017473

AS ORGANIZAÇÕES ESCOLARES
E M' A N Á L I S E

TEXTOS DE
Roell. Bosker • Luc Brunet • Rui Canário. Ron Glatter
Thomas L. Good • Walo Hutmacher- Antonio Nóvoa
Jaap Scheerens • Rhona S. Weinstein

Tradução de
Cândida Hespanha • Maria Isabel- Castro Pereira
José António Sousa Tavares

2.' edição

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE


INSTITUTO DE INOVAÇÃO EDUCACIONAL
L I S B O A 1 9 __ ..2_.....i ~.. ~< ••••• I
i ri' ~ l' I I r- r- f 1 !"'" r-
No decurso dos últimos vinte e cinco anos, a investigação educacional demonstrou de
forma inequívoca a impossibilidade de isolar a acção pedagógica dos universos sociais que
a envolvem. A sociologia da educação construiu um conjunto de respostas consistentes à
pergunta sobre o modo como a escola produz desigualdades nas aprendizagens escolares,
pondo radicalmente em causa as explicações baseadas em factores individuais. Os estudos
clássicos de Bourdieu e Passeron (1964, 1967), bem como as investigações conduzi das por
Coleman (1966), revelaram de que forma as variáveis sociais, culturais e familiares inter-
ferem no sucesso dos alunos. Os sociólogos dos anos 70 prolongaram estas reflexões, subli-
nhando que as diferenças entre as crianças que iniciam a escolaridade só se transformam
em desigualdades devido à estrutura e ao funcionamento do sistema educativo.
Apesar do-seu importante contributo científico, estes estudos subestimaram a influên-
cia das variáveis escolares e dos processos internos aos estabelecimentos de ensino. A emer-
gência recente de uma sociologia das organizações escolares, situada entre uma aborda-
gem centrada
, na sala de aula e as perspectivas sócio-institucionais focalizadas no sistema
educativo, é uma das realidades mais interessantes da nova investigação em Ciências da
Educação. Trata-se de procurar escapar ao vaivém tradicional entre uma percepção micro
e um olhar macro, privilegiando um nível mesa de compreensão e de intervenção. As ins-
tituições escolares adquirem uma dimensão própria, enquanto espaço organizacional onde
também se tomam importantes decisões educativas, curriculares e pedagógicas.
Encontramo-nos perante um movimento de renovação científica e de mudança das polí-
ticas educativas, que tem sido olhado com alguma desconfiança no universo pedagógico, sus-
Antônio Nóvoa é professor de Psicologia c de Ciências da Educação da Universidade citando duas grandes zonas de resistência: a primeira exprime-se numa critica de teor huma-
de Lisboa. nista e na recusa de importar para o campo educativo as categorias de análise e de acção do
16/ ANTÓNIO NÓVOA
PARA UM.". ANÁLlSI· DAS INSTITlII(:<)t:S I·:SCOLARLS I 17

mundo económico e empresarial; a segunda reage contra a adopção de uma perspectiva teeno-
-se a génesc da escola COII/O obiecui de estudo das Cit;lIcias da Educaçào, mostrando que
crática e o esvaziamento das dimensões politicas e ideológicas do ensino e da educação.
se trata de um problema propriamente pedagógico: a segunda parte é dcdicada a urna des-
Na verdade, a presença destas «resistências» é fundamental para dificultar uma trans-
crição das caractensticas organizccionui» e a uma abordagcm da cultura de escola: a ter-
ferência acrítica e redutora das perspectivas organizacionais para o espaço escolar. As
ceira parte é ccntrada no proiecto de escola. que é olhado sob o prisma da participação
escolas são instituições de um tipo muito particular, que não podem ser pensadas como
dos diferentes actores educaiivos c da uvaliação instituiiona! das escolas.
uma qualquer fábrica ou oficina: a educação não tolera a simplificação do humano (das
suas experiências, relações e valores), que a cultura da racional idade empresarial sempre
transporta. E, no entanto, a afirmação da cspccificidade radical da acção educativa não
pode justificar um alheamento face a novos campos de saber e de intervenção. Mais do
A ESCOLA COMO OBJECTO DE ESTUDO DAS CIÊl\\CIAS DA EDUCAÇÃO
que nunca, os processos de mudança e de inovação educacional passam pela compreen-
são das instituições escolares em toda a sua complexidade técnica, científica e humana.
A escola como objecto autônomo de estudo das Ciências da Educação e como espaço
A identificação das margens da mudança possivel implica a comextualização social c
privilegiado de inovação educacional é um fenômeno relativamente recente. Trata-se de
política das instituições escolares, bem como a apropriação ad intra dos seus mecanismos
um domínio do saber que se encontra em fase de estruturação e, por isso, é importante
de tomada de decisão e das suas relações de poder. As escolas constituem uma temtoria- aproximá-to com o máximo de precauções teóricas e conccptuais.
!idade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos actores educativos internos e exter-
nos; por isso, a sua análise só tem verdadeiro sentido se conseguir mobilizar todas as
dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e Cinco níveis de análise da instituição escolar:
a acção educativa a perspectivas técnicas, de gestão ou de eficácia stricto sensu. o sentido actual de uma «pedagogia centrada na escola»
O presente texto I procura não encerrar a análise das instituições escolares em para-
digmas de investigação redutores, sublinhando de que forma é possível articular a refle- A modernização do sistema cducativo passa pela sua descentralizaçào e por um inves-
xão sobre as escolas com a acção nas escolas. A argumentação desenvolve-se num equi- timento das escolas como lugares de formação, na accpcão forte do termo. As escolas
líbrio instável entre a análise e a intervenção nas organizações escolares, não pretendendo têm de adquirir uma grande mobilidade e flexibilidade, incompatível com a inércia buro-
ir além de uma apresentação genérica deste campo de trabalho: na primeira parte evoca- crática e administrativa que as tem caracterizado. O poder de decisão deve estar mais
próximo dos centros de intervenção, responsabilizando dircctamcntc os actores educativos.
, Este texto é uma versão bastante reduzida do relatório A/lei"s!' da I/lSllfl/lrÚo Escolar. que redigi em 1990 no ,imo'I,'
do concurso para Professor Associado da Faculdade de PSICologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. A reivindicação contemporânea da dcsceniralização do ensino é fundamentalmente dis-
O indice da terceira parte deste relatório permite identificar os aspectos que são agora retomados: tinta da perspectiva «administrativa» veiculada nos projectos reformadores de 1878 e de 1911
L A escola como objecto de estudo das (',e/lC/as da Educação e da visão «corporativa» contida no projccto das juntas escolares; por outro lado, este movi-
I. Breve abordagem sócio-histórica da instituição escolar: da consolidação do modelo escolar ao 1110\ ,-

mcnro insutucronalisra. 111. :f escola como comunidade cdunniv«


~. Cinco nivers de análise da instituiçào escolar: o sentido actual de uma «pedagogia (entrada na I O clima social da escola
escola». 2. A cultura orgaruzacional da escola.
l A autonomia das escolas: conceitos e realidades. 3 Os actorcs SOCial> na instuu.ção escolar.
11. Teorias modelos de orgom:arúo cscnla! IV.
t'
A dirt!cçcio li li avultoçãa das escolas ao \"t"1"fÇO til' 11m ",'oiel to cducouvo
I. Modelos de organização escolar. I. Direcçào e gestão das instituições escolares
2. Evolução da análise da instituição escolar: da «medição dos efeitos» à «excelência das escolas» 2. (Autojanálise e avaliação das escolas
3. Estrutura e características organizacionais dos estabelecimentos de ensino. 3. Projecto de escola e inovação educacional.
PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇOES ESCOLARES / 19
IX / ANTONIO NOVOA

não-directivas da década de 60. Então, as vivências escolares são assumidas como o fac-
mento não pode ser confundido com uma dinâmica que se limite a reproduzir ao nível regio-
tor preponderante da intervenção pedagógica, o que provoca uma certa desvalorização dos
nal as lógicas burocráticas e administrativas do poder central. acrescentando novos espaços
saberes escolares. Durante os ANOS 50/60 celebra-se o hic et nunc da formação: o que se
de regulação e de controlo. Agora, trata-se de erigir as escolas (e os agrupamentos de escolas)
passa numa saia de aula é mais importante do que as aprendizagens que aí se fazem.
em espaços de autonomia pedagógica, curricular e profissional. o que implica um esforço de
A comunicação, a partilha, o diálogo, o trabalho em comum, a cooperação: eis os verda-
compreensão do papel dos estabelecimentos de ensino como organizações, funcionando numa
deiros «saberes» que importa aprender numa escola. As técnicas de animação e de expres-
tensão dinâmica entre a produção e a reprodução, entre a liberdade e a responsabilidade. são adquiriram uma dimensão muito significativa na produção pedagógica deste período.
A este propósito vale a pena lembrar a reflexão de M ichael Apple:
- Quando, em plena década de 60, os sociólogos da reprodução desmistificaram as cren-
«Nas últimas duas décadas fizeram-se grandes progressos na explicitação das relações entre ças ingénuas nas potencial idades transformadoras da acção educativa gerou-se alguma
os currículos, a pedagogia e a avaliação nas escolas básicas c secundárias e as estruturas confusão no seio do professorado. Os ANOS 60170 vão assistir à emergência da peda-
desiguais da sociedade em geral Todavia, faltou um elemento central em muitos estudos gogia institucional, da educação permanente e da desescolarizaçao da sociedade, movi-
sobre o papel cultural. politico e económico das instituições formais de educação. Refiro- mentos distintos, mas onde é possível destrinçar denominadores comuns: a crítica às
-me à tendência para ignorar, ou para tratar C0l110 um epifenómeno, o trabalho interno das instituições escolares existentes, a projecção da pedagogia para fora dos muros da escola,
escolas como organizações» (1986. p. IX) a diversificação dos papéis dos professores, etc. O discurso pedagógico vai privilegiar
uma dimensão institucional na análise da educação, claramente centrada no nível do
No seu trabalho Education et Politique (1977), Jacqucs Ardoino aborda os cinco níveis sistema educativo, com o recurso a metodologias de análise política e de intervenção

de análise dos conjuntos humanos estruturados, evocando-os num percurso de complexi- social

dade crescente: os indivíduos, as interacções, o grupo, a organização e a instituição. Outras


- A reacção a estes movimentos não se fez esperar e, no princípio da década de 70, verí-
correntes teóricas. como por exemplo a abordagem sistérnica. propuseram categorizações
fica-se um novo incremento das correntes pedagógicas preocupadas com a racionalização
idênticas, tendo como extremos o aluno e o sistema educativo. Adaptando de forma livre e a eficácia do ensino. A investigação educacional desenvolve a análise do processo ensino-
estas teses, parece-me possível sugerir a seguinte evolução das ideias sobre educação ao aprendizagem no quadro do paradigma conhecido por «processo-produto». O regresso à
longo das últimas cinco décadas: sala de aula e às questões da didáctica dá-se em paralelo com a tentativa de elaboração de
uma pedagogia científica e objectiva. Durante os ANOS 70/80 a produção de ideias e de
_ ATÉ AOS ANOS 50, a pedagogia esteve fundamentalmente centrada nos alunos, enca- práticas pedagógicas voltou a centrar-se na turma-sala de aula, com a utilização de meto-
rados numa óptica individual Sofrendo grande influência da psicologia, o discurso e as dologias de observação e um novo incremento do desenvolvimento curricular.
práticas pedagógicas assentavam numa perspectiva pedocêntrica, ainda que aqui e ali mati-
zada por uma abordagem sociológica, à maneira de um John Dewey ou de um Adolfo - Nos ANOS 80/90, a renovação da investigação educacional tem-se feito a partir de um
Lima. A componente central da intervenção educativa era, no entanto, o indivíduo-aluno esforço de construção de uma pedagogia centrada na escola. A valorização da escola-orga-
na sua tripla dimensão: cognitiva, afectiva e motora. O recurso eventual a actividades de nização implica a elaboração de uma nova teoria curricular e o investimento dos estabele-
grupo era feito numa perspectiva de animação (ou de meio pedagógico), e não num inves- cimentos de ensino como lugares dotados de margens de autonomia, como espaços de for-
timento do grupo como objecto próprio e entidade autónoma. O discurso pedagógico con- mação e de auto-formação participada, como centros de investigação e de experimentação,
cedia uma atenção privilegiada às metodologias de ensino. enfim, como núcleos de interacção social e de intervenção comunitária. Verifica-se a impor-
tância acrescida, por um lado, de metodologias ligadas ao domínio organizacional (gestão,
_ Os movimentos ligados à dinâmica de grupos, que se desenvolveram no pós-Guerra, vão auditoria, avaliação, etc.) e, por outro lado, de práticas de investigação mais próximas dos
acentuar a importância das interacções no processo educativo, conduzindo às pedagogias processos de mudança nas escolas (investigação-acção, investigação-formação, etc.).
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Esta «arrumação», sem dúvida demasiado simplista, rompe com um continuum entre Educação. Nos anos 80 foram publicados dois estudos de síntese e de revisão biblio-
o aluno e o sistema educativo, procurando compreender a evolução das idcias educativas gráfica, que ainda hoje constituem uma referência importante para a análise das ins-
no último meio século. A nova atenção concedida às organizações escolares não é apenas tituições escolares.
uma reivindicação política ou ideológica, nem unicamente uma necessidade técnica ou Thomas Good e Jere Brophy publicaram, em 1986, uma revisão das investigações mais
administrativa. mas também uma questão científica e pedagógica. Num certo sentido, é significativas levadas a cabo neste domínio: Klitgaard e Hall (1974), Weber (1971),
no âmbito do espaço escolar que todos os outros níveis dc análise c de intervenção devem Brookover (1979), Rutter (1979), Purkey e Smith (1983), Cohen (1983), Hall (1983),
ser cquacionados. Nesta perspectiva, o olhar ccntrado nas organizações escolares não deve Dwyer (1982), etc. Assinalando claramente os limites deste tipo de investigação, origina-
servir para excluir, mas antes para contextualizar todas as instâncias c dimensões presen- dos em grande medida por uma definição restritiva do conceito de eficácia escolar, e suge-
tes no acto educativo. É esta capacidade integradora que pode conceder à análise das orga- rindo novas pistas de pesquisa, estes autores sublinham duas ideias:
nizações escolares um papel crítico e estimulante, evitando uma assimilação tecnocrática
ou um esvaziamento cultural e simbólico. «Em primeiro lugar, constata-se que os processos internos às escolas estão relacionados
A escola-organização assume-se como uma espécie de entre-dois onde se exprime o com o sucesso dos alunos, o que sugere a existência de mecanismos que permitem a cer-
debate educativo e se realiza a acção pedagógica. Apesar de conterem visões parcelares tas escolas obter melhores resultados do que outras com idênticos inputs. Uma segunda
descoberta importante refere-se à identi Reação de processos que caracterizam de modo
da realidade, é evidente que tanto as teorias macroscopicas como os estudos microscópi-
consistente escolas que têm mais ou menos sucesso. [...] A última década Constituiuum
cos produziram um conhecimento útil e pertinente do ponto de vista do pensamento e da
importante ponto de partida. A investigação e os dados demonstram que a variância entre
acção pedagógica. Hoje, emerge no universo das Ciências da Educação uma meso-abor-
as escolas representa uma dimensão importante que pode ser influenciada pela escolha das
âagem, que procura colmatar certas lacunas das investigações precedentes. Trata-se de um
acções e dos recursos mais adequados» (1986, pp. 598-599).
enfoque particular sobre a realidade educativa que valoriza as dimensões contextuais e
ecológicas, procurando que as perspectivas mais gerais e mais particulares sejam vistas
Utilizando uma estratégia complementar, Jean-Louis Derouet produziu, em 1987, uma
pelo prisma do trabalho interno das organizações escolares.
nota de síntese na qual põe em relevo as dificuldades de construção de um novo objecto
A escola é encarada como uma instituição dotada de uma autonomia relativa, como
científico, comparando as investigações levadas a cabo nos Estados Unidos da América,
um território intermédio de decisão no domínio educativo, que não se limita a reproduzir
no Reino Unido e em França. Focando uma série de aspectos tais como o «efeito do esta-
as normas e os valores do macro-sistema, mas que também não pode ser exclusivamente
belecimento de ensino», o «clima de escola», a «etnografia da escola», a «sociologia da
investida como um mirro-universo dependente do jogo dos actores sociais em presença.
organização escolar» e a «comunidade escolar», este autor conclui que falta a estes estu-
A investigação tem que integrar todas as instâncias de análise das organizações: mitica,
dos uma teoria da construção do social que permita passar da escala das situações à da
social-histórica, institucional, organizacional (ou estrutural), grupal, individual e pulsio-
formação social intermediária que constitui o estabelecimento de ensino:
nal (Enriquez, 1992). É neste sentido lato, e não num sentido estrutural estrito, que o tra-
balho de pensar as escolas é útil e estimulante.
«Percorrendo o estado da investigação internacional, tem-se a impressão que o estabele-
cimento de ensino se situa num nível de estudo que se depara com grandes dificuldades
para conquistar uma autonomia própria face, por um lado, à observação das interacções
As instituições escolares: um novo objecto científico?
ao nível mais fino da sala de aula e, por outro lado, à tradição dos estudos comunitários
que não consideram o estabelecimento de ensino como uma unidade particularmente rele-
As reflexões anteriores revelam a génese de uma nova problemática, que tem vindo vante. É verdade que as investigações já demonstraram a importância do efeito de estabe-
progressivamente a construir um novo objecto científico na área das Ciências da lecimento de ensino, mas ainda não conseguiram encontrar um método que permita estu-
22 I ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUiÇÕES ESCOLARES 123

dar os respectivos processos. Estamos perante o seguinte dilema: se nos situamos à escala sores em relação ao sucesso dos alunos e a utilização dos resultados dos alunos como base
do estabelecimento, acabamos por apreender fenómenos bastante formais relacionados com de avaliação dos programas.
a organização escolar, negligenciando o conteúdo cultural e pedagógico das interacções;
se, pelo contrário, nos dedicamos a uma observação precisa das situações educativas (na 3" Fase - Intervenção

sala de aula, no recreio, nos corredores, na sala dos professores, etc.), perdemos os meios Na sequência da fase anterior desencadearam-se processos de intervenção efectiva nas
para reconstituir toda esta dispersão e, na melhor das hipóteses, acabamos por nos centrar instituições escolares. Os professores começaram a apropriar-se de alguns dos traba-
no estudo da vida da turma» (1987, p. 104). lhos precedentes e surgiram projectos de melhoria e de criação de escolas eficazes. O
recurso a metodologias de investigação-acção ganha o terreno educativo neste princí-
pio dos anos 80, configurando importantes mudanças ao nível das escolas. De uma
Com estas duas longas referências pretendemos realçar as imensas potencialidades e
forma geral, as conclusões apontam para cinco princípios: considerar as escolas como
os limites heurísticos da investigação centrada nas organizações escolares, bem como a
a unidade estratégica da mudança em educação; desenvolver dinâmicas de participa-
inevitabilidade social do seu desenvolvimento. A evolução do movimento das escolas efi-
ção dos professores e dos restantes actores educativos em torno dos processos de ino-
cazes, desde o final dos anos 60, ilustra bem o percurso intelectual de delimitação e de
vação escolar; perspectivar a melhoria das escolas como um processo, e não como um
desenvolvimento de um campo do saber (Beare et al., 1989; Brunet, Brassard & Corriveau, produto, criando uma cultura da escola que consagre uma atitude de mudança perma-
1991; Lezotte, 1989; Scheerens & Creemers, 1989; Wimpelberg, 1989). nente; produzir sugestões de práticas, de políticas e de procedimentos que contribuam
para a melhoria das escolas; ter consciência do processo de inovação, introduzindo-dis-
Ia Fase -Identificação positivos de regulação e de avaliação (Lezotte, 1989).
A primeira fase, provocada em grande medida pelo Relatório Coleman (1966), consistiu
na identificação do problema, provocando um esforço de medição dos efeitos das escolas, 4" Fase - Contextualização
tendentes a pôr em causa a célebre tese: «Schools make no difference». Neste período ini- Este período caracteriza-se por um desejo de implicação das autoridades locais e das comu-
cial, a literatura científica demonstrou que as escolas obtinham resultados diferentes, nome- nidades nos processos de mudança e de melhoria das escolas. As dinâmicas de contextu-
adamente no que diz respeito ao rendimento escolar e ao sucesso dos alunos. Como afirma alização procuram inserir os estabelecimentos de ensino numa rede social mais vasta que,
Lawrence Lezotte: «Houve críticas numerosas e contundentes à investigação sobre as esco- sem Ihes retirar a identidade própria, facilite o seu desenvolvimento organizacional. É nesta
las eficazes, que se depararam sempre com o facto incontestável de que algumas escolas fase que se alicerça o conceito de autonomia relativa das escolas, procurando enfatizar a
apresentavam resultados notáveis. Enquanto estes lugares existirem, o debate sobre a efi- responsabilidade dos actores em presença nas instituições escolares, sem deixar de apelar
cácia escolar não é uma mera questão teórica, mas um problema de empenhamento e de a outros níveis de participação institucional.
política educativa» (1989, pp. 817-818). É interessante olhar para este período à luz da vaga reformadora dos anos 80, no âmbito
da qual se têm vindo a atribuir novas e acrescidas responsabilidades às escolas: nos paí-
r Fase - Descrição ses de tradição centralizadora (Espanha, França, etc.) esta evolução é evidente, apesar de
O período seguinte caracterizou-se por uma dinâmica de descrição de certas instituições todas as contradições; nos países de tradição descentralizadora (Estados Unidos da América,
escolares, recorrendo-se essencialmente a estudos de caso com base em abordagens etno- Reino Unido, Suíça, etc.) a afirmação é também verdadeira, ainda que se verifiquem ten-
metodológicas. Tratava-se, fundamentalmente, de responder à pergunta: «Quais as dife- dências para diminuir o poder dos níveis intermédios (e/ou regionais) de decisão.
renças que existem entre as escolas eficazes e as restantes escolas?». Data desta ocasião
o trabalho pioneiro de Edmonds (1979), que descreveu cinco factores de eficácia das esco- 5" Fase - Excelência
las, posteriormente sujeitos a grande debate no seio da comunidade científica: a liderança A fase actual de excelência das escolas tende a assumir atitudes críticas e uma dimensão
da escola e a atenção à qualidade do ensino, um enfoque nos aspectos académicos, um cultural, que esteve por vezes ausente como H. Beare (1989) justamente assinala: as esco-
clima de trabalho propício ao ensino e à aprendizagem, expectativas elevadas dos profes- las adoptaram o discurso da excelência no contexto das ideias do mercado, com a impor-
24/ ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUiÇÕES ESCOLARES / 25

ração das imagens correspondentes (prestaçào de serviços aos clientes. maior produtivi- CARACTERÍSTICAS ORGANIZACIONAIS
dade e eficiência. programação orçamental, nichos de qualidade. avaliação por objectivos, E CULTURA DE ESCOLA
gestão estratégica, ctc.), Hoje em dia. regressa-se à construçâo de um discurso próprio que,
sem rejeitar os contributos de outras áreas sociais c econômicas, afirma a espccificidade
Após um percurso pautado pela adopção de modelos racionais. naturais. estruturais.
dos processos educativos.
de recursos humanos e sistémicos, a sociologia das organizações escolares tem-se aberto
Neste sentido. Ulll dos aspectos mais importantes do esforço de criação de escolas efica-
aos modelos políticos e simbólicos (Borrell Felip, 1989).
zes é a co-responsabilizacão dos diferentes actores educativos (professores. alunos. pais.
comunidades). incentivando os espaços de participação e os dispositivos de partenariado
Os modelos políticos introduziram uma série de conceitos (poder. disputa ideológica.
ao nível local. Simultaneamente. procura-se que as escolas integrem funções de concep- conflito, interesses, controlo. regulacão, etc.), que enriqueceram a análise das organiza-
ção. de avaliação e de inovação. assumindo como uma das suas principais tarefas «o tra- ções escolares (Ball, 1987). Os modelos simbolicos vieram pôr a tônica no significado que
balho de pensar o trabalho» (cf Mintzberg. 1983). os diversos actores dão aos acontecimentos e no carácter incerto e irnprevisivel dos pro-
cessos organizacionais mais decisivos.
Os investigadores portugueses não têm estado alheios a esta problemática, no seio da De modos diversos, uns e outros devolveram aos actores educativos o papel de pro-
qual se produziram alguns dos trabalhos mais interessantes no domínio das Ciências da tagonistas, que, a vários títulos. os modelos anteriores lhcs tinham procurado retirar. Reside
Educação: os estudos de Licínio Lima (1988. 1991) sobre a participação na organização aqui todo o seu interesse estratégico. É apelando a um pensamento político c simbólico
escolar e de João Barroso (1988. 1991) sobre a gestão das escolas demonstram-no amplamente. que iremos abordar os pontos seguintes. pois. caso contrário. a descrição das característi-
Na Suíça acaba de ser lançado um importante programa de investigação, «Eficácia dos cas organizacionais e da cultura da escola limitar-se-ia à enumeração funcionalista de um
sistemas de formação». que privilegia como ponto de entrada as questões relacionadas conjunto mais ou menos interessante de aspectos.
com a escola como organização'. Uma das principais linhas de orientação traçadas no
âmbito do America 20()O - AI1 Education Strategv' passa pelo investimento das organiza-
ções escolares como o lugar de referência dos projectos reforrnadores. E poderíamos falar Características organizacionais das escolas
de Espanha, da França, da Suécia, ... de Portugal.
A demonstração é evidente: um dos aspectos mais interessantes (e mais criticos) deste O funcionamento de uma organização escolar é fruto de um compromisso entre a estru-
movimento é a possibilidade de cruzar a reflexão científica com a inovação educacional, tura formal e as interacções que se produzem no seu seio, nomeadamente entre grupos
apelando a que os diferentes actores mobilizem criticamente as suas energias, em vez de com interesses distintos. Os estudos centrados nas características organizacionais das esco-
se refugiarem em teorias defensivas e de justificação. O seu futuro teórico depende, em las tendem a construir-se com base em três grandes áreas:
larga medida, da capacidade de elaborar uma fundamentação mais sólida do ponto de vista
científico e metodológico. O seu futuro no terreno será decidido pelas práticas de auto- - a estruturafisica da escola: dimensão da escola, recursos materiais, número de tur-
nomia e de melhoria das escolas que for configurando. Todas as evoluções estarão depen-
mas, edifício escolar, organização dos espaços, etc.;
dentes da possibilidade de «abrir» a investigação, não decalcando modelos exteriores de - a estrutura administrativa da escola: gestão, direcção, controlo, inspecção, tomada
olhar para as realidades organizacionais. de decisão, pessoal docente, pessoal auxiliar, participação das comunidades, relação
com as autoridades centrais e locais, etc.;
, Trata-se do «Programme national de recherche 33», coordenado por Walo Hutmacher: Efficacité de nos svstémes de
[ormation. Beme: Fonds national suisse de Ia recherche scientifique, t991.
- a estrutura social da escola: relação entre alunos, professores e funcionários, res-
J Trata-se de um conjunto de linhas de orientação, anunciadas em 1991 por George Bush Amerlca 2000 - An Education ponsabilização e participação dos pais, democracia interna, cultura organizacional da
Strategv. Washington: U. S. Department of Education. 1991 escola, clima social, etc.
26 / ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUiÇÕES ESCOLARES / 27

Há uma literatura abundante que procura identificar as características organizacionais Optimização do tempo
que são determinantes para a eficácia das escolas. Tendo como referência a construção de Os alunos devem dispor do máximo de tempo possível para aprender. no sentido mais
uma identidade própria da escola, estes estudos têm bases de consenso bastante alargadas. amplo da palavra. As interrupções. as desarticulações curriculares e pedagógicas, a defi-
ciente organização dos tempos ou dos espaços. são factores que perturbam o funciona-
Partindo de três trabalhos de síntese (Purkey & Smith, 1985; OCDE, 1987; Reid, Hopkins
mento das escolas. A capacidade de optimizar o tempo disponível é uma característica das
& Holly, 1988) esboça-se, de seguida, o retrato de uma escola eficaz. É evidente que esta
escolas de qualidade. É evidente que a gestão do tempo deve respeitar, ao máximo, os rit-
lista não tem qualquer intenção prescritiva, sendo totalmente inadequada uma eventual uti-
mos próprios e o modo de organização interna de cada indivíduo.
lização como guia de acção; no entanto, ela pode ser útil como uma espécie de check-list
de apoio à regulação das organizações escolares e à compreensão das suas características
Estabilidade profissional
dinâmicas.
Um dos aspectos assinalados pela maioria dos estudos diz respeito à estabilidade profis-
sional, sobretudo do corpo docente; de facto, nenhum estabelecimento de ensino pode levar
Autonomia da escola
a cabo projectos coerentes de acção, se o seu pessoal mudar constantemente ou estiver
A autonomia é um dos princípios centrais das políticas educativas dos anos 90. Trata-se
sujeito a situações de instabilidade. Um clima de segurança e de continuidade é uma con-
de dotar as escolas com os meios para responderem de forma útil e atempada aos desafios
dição essencial ao desenvolvimento organizacional das escolas (Carvalho, 1992; Friedman,
quotidianos. A autonomia implica, por um lado, a responsabilização dos actores sociais e
1991). No entanto, esta característica não deve ser confundida com uma espécie de irnu-
profissionais e, por outro, a preocupação de aproximar o centro de decisão da realidade
tabilidade, uma vez que a existência de certas margens de mobilidade pode constituir um
escolar (Brown, 1990). A autonomia é também importante para a criação de uma identi-
facto r de incentivo e de inovação.
dade da escola, de um ethos específico e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos
actores e a elaboração de um projecto próprio.
Formação do pessoal
Uma das pedras-de-toque da eficácia das escolas é a implementação de programas de
Liderança organizacional
formação contínua e profissional do seu pessoal, nomeadamente do pessoal docente.
A coesão e a qualidade de uma escola dependem em larga medida da existência de uma
Esta formação deve estar intimamente articulada com o projecto educativo do estabe-
liderança organizacional efectiva e reconhecida, que promova estratégias concertadas de
lecimento de ensino, no quadro de dinâmicas de formação-acção organizacional e de
actuação e estimule o empenhamento individual e colectivo na realização dos projectos de
incentivo à prática de trabalhos de investigação-acção que dêem um contributo efectivo
trabalho. A liderança organizacional deve ser legitimada por uma tomada de decisão e par-
à melhoria das escolas. Merece também uma referência, a montagem de dispositivos de
ticipação colegiais, envolvendo o conjunto da comunidade educativa na definição e sal-
avaliação dos professores, no âmbito de programas de desenvolvimento profissional
vaguarda dos objectivos próprios do estabelecimento de ensino (Chapman, 1990; Rollin,
(Dean, 1991).
1992).

Articulação curricular Participação dos pais


Uma boa planificação curricular e uma adequada coordenação dos planos de estudo As escolas com melhores resultados são, normalmente, aquelas que conseguem criar as
são elementos indispensáveis ao correcto funcionamento das instituições escolares. condições propícias a uma colaboração das famílias na vida escolar. É preciso romper, de
A este propósito, vale a pena insistir na opção por modalidades de avaliação forma- uma vez por todas, com a ideia de que as escolas «pertencem» à corporação docente.
tiva, que permitam aos alunos regular o seu percurso escolar. Os investigadores con- Os pais, enquanto grupo interveniente no processo educativo, podem dar um apoio activo
cluíram também pela necessidade de valorizar as aprendizagens académicas (teóricas às escolas e devem participar num conjunto de decisões que lhes dizem directamente res-
e práticas), e não apenas as dimensões sociais e relacionais (Thurler & Perrenoud, peito. Numa perspectiva individual, os pais podem ajudar a motivar e a estimular os seus
1991). filhos, associando-se aos esforços dos profissionais do ensino.
28/ ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUiÇÕES ESCOLARES /29

Reconhecimento público o conceito de cultura organizacionol foi transportado para a área da educação na
A participação activa numa comunidade educativa prende-se. também. com a imagem década de 70, tendo dado origem recentemente a trabalhos de muito interesse (Brunet,
pública da escola. Sem renunciar aos seus próprios valores e ideologias. cada membro da 1988; Erickson, 1987; Lieberman, 1990). É possível distinguir várias utilizações deste
escola deve procurar a identificação a um conjunto de valores comuns que edificam a iden- conceito:
tidade da organização escolar. As escolas são diferentes e o reconhecimento público é um
factor essencial à sua eficácia. É claro que esta característica ganha um novo sentido se
«Um conjunto de pressupostos básicos - inventados. descobertos ou desenvolvidos por um
os pais e os alunos tiverem a possibilidade de escolher a escola que querem frequentar.
dado grupo. ao aprender a lidar com problemas de adaptação externa e de integração interna
- que se revelou suficientemente adequado para ser considerado válido e. portanto. para
Apoio das autoridades ser ensinado aos novos membros como o modo correcto de perceber. de pensar e de sen-
A reivindicação da autonomia não invalida a necessidade de contar com um apoio forte tir os referidos problemas» (Schein, 1985).
das autoridades centrais, regionais e locais, sobretudo nas zonas desfavorecidas. Este apoio
é fundamental, tanto do ponto de vista material e económico, como numa perspectiva de «A cultura de empresa não é mais do que uma aplicação especifica da cultura no mundo
aconselhamento e de consultadoria. As autoridades podem disponibilizar recursos huma- do trabalho. Desempenha o mesmo papel. É um sistema de integração, de diferenciação
nos qualificados que ajudem a desenvolver uma avaliação-regulação (a posteriori) das· e de referência que organiza e dá um sentido à actividade dos seus membros» (Burke,
escolas, que não pode ser confundida com um controlo normativo e prescritivo (a priorii 1987).
Por outro lado. é fundamental que as escolas tenham uma integração harmoniosa no tecido
comunitário e nas redes de relações ao nível local. «As organizações escolares. ainda que estejam integradas num contexto cultural mais amplo.
produzem uma cultura interna que lhes é própria e que exprime os valores (ou os ideais
Neste esboço do retrato de uma escola eficaz estão presentes conceitos como auto- sociais) e as crenças que os membros da organização partilham» (Brunet. 1988)
nomia, ethos, identidade, imagem, valores partilhados, adesão, coesão, projecto, etc. A
cultura de escola é uma das áreas da investigação que permite mobilizar estes conceitos, Estas definições permitem distinguir entre cultura interna (conjunto de significados e
dando-Ihes uma maior consistência teórica e conceptual. de quadros de referência partilhados pelos membros de uma organização) e cultura externa
(variáveis culturais existentes no contexto da organização, que interferem na definição da
sua própria identidade). Ora a cultura, enquanto elemento unificador e diferenciador das
A cultura organizacional da escola práticas da organização, comporta dimensões de integração das várias subculturas dos seus
membros e de adaptação ao meio social envolvente. Como assinala Serge Moscovici (1989),
Jorge Vala, M" Benedita Monteiro e M" Luísa Lima (1988) constatam que, após terem a cultura já não é um sistema de ligações. mas sim uma rede de movimentos; acentuam-
sido vistas como máquinas, como organismos e como cérebros, as organizações tendem se assim aspectos dinâmicos em detrimento de uma visão organicista ou funcionalista, mas
a ser consideradas como culturas. No fundo, trata-se de aplicar às organizações concei- também de uma perspectiva estritamente interaccionista.
tos desenvolvidos pela antropologia, com o objectivo de separar o campo das estruturas As reflexões precedentes sugerem uma separação entre estrutura e cultura organizacio-
organizacionais do campo da cultura organizacional. A crítica a uma visão reificada das nal, bem como a existência de um conjunto de dimensões que dão sentido ao investimento
organizações estimulou um olhar mais plural e' dinâmico, obrigando a recorrer aos facto- que os diversos actores profissionais e sociais fazem numa dada organização. No caso das
res políticos e ideológicos para compreender o quotidiano e os processos organizacionais; escolas, estas dimensões definem campos teóricos, muitas vezes ocupados ainda pela admi-
estimulou também a passagem de uma racional idade técnica, e mesmo de uma racionali- nistração central, que tendem progressivamente a passar para a esfera local e do estabe-
dade organizacional, a uma racionalidade político-cultural. lecimento de ensino.
30/ ANTÓNiO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUiÇÕES ESCOLARES 131

A cultura organizacional é composta por elementos vários, que condicionam tanto a Bases conceptuais e pressupostos invisíveis
sua configuração interna, como o estilo de interacções que estabelece com a comunidade. Este conjunto de elementos integra os valores, as crenças e as ideologias dos membros da
organização. Os valores permitem atribuir um significado às acções sociais e constituem
Definidos numa perspectiva antropológica, estes elementos integram aspectos de ordem
um quadro de referência para as condutas individuais e para os comportamentos grupais.
histórica, ideológica, sociológica e psicológica.
As crenças são um factor decisivo na mobilização dos actores e na qualificação das acti-
Adaptando um esquema de Hedley Beare (1989), é possível visualizar alguns ele-
vidades no seio da escola. As ideologias nos seus aspectos consensuais e conflituais são
mentos da cultura organizacional da escola, sistematizados numa zona de invisibilidade
o componente fundamental para a compreensão social da realidade, isto é, para a possibi-
(bases conceptuais e pressupostos invisíveis) e numa zona de visibilidade (manifesta- lidade de dar um sentido ao jogo dos actores sociais. No essencial, encontram-se nesta
ções verbais e conceptuais; manifestações visuais e simbólicas; manifestações compor- zona de invisibilidade social os elementos-chave das dinâmicas instituintes e dos proces-
tamentais ). sos de institucionalização das mudanças organizacionais.

ELEMENTOS DA CULTURA ORGANIZACIONAL Manifestações verbais e conceptuais


Esta categoria integra um conjunto de elementos conceptuais que têm de ser escritos, tais como
lnteracção com a comunidade
:-----------------------------------------------------------------1 os objectivos organizacionais, o organigrama ou o plano .de estudos. Mas integra também os
I
I
aspectos relacionados com a linguagem utilizada na escola pelos diferentes grupos sociais ou
I BASES CONCEPTUAIS E
I as metáforas que são mobilizadas pela direcção ou pelos professores para justificarem as suas
I PRESSUPOSTOS INViSíVEIS
I
I acções, Nesta categoria compreendem-se, finalmente, os «heróis» e as «histórias»: no primeiro
I
I
I
~ Valores caso, trata-se dos indivíduos que pelas mais variadas razões entraram na história ou na lenda
I
I
I ~ Crenças
do estabelecimento escolar, personificando uma ideia-força organizacional ou um mito na dupla
I
I acepção do termo; no segundo caso, trata-se de histórias ou de narrativas diversas, que mar-
I
I ~ Ideologias
I caram a vida da escola e que frequentemente se tomaram um elemento de referência social.
I I

:
I I
I I

í.
I I
I I Manifestações visuais e simbólicas
I
I
Ir I
I
I I Fazem parte desta categoria todos os elementos que têm uma forma material, passíveis por-
I I
I
I tanto de serem identificados através de uma observação visual. O caso mais evidente diz res-
MANIFESTAÇÕES MANIFESTAÇÕES I
MANIFESTAÇÕES I
peito à arquitectura do edifício escolar e ao modo como ele se apresenta do ponto de vista da
VERBAIS E VISUAIS E I
I
COMPORTAMENTAIS
CONCEPTUAIS SIMBÓLICAS I
I
sua imagem: equipamentos, mobílias, ocupação do espaço, cores, limpeza, conservação, etc.
I
I
I
Um outro elemento desta categoria, particularmente importante em certas escolas, diz respeito
• Fins e objectivos • Arquitectura e • Rituais I

equipamentos • Cerimónias
I ao vestuário dos alunos, dos professores e dos funcionários, sobretudo no que se refere ao uso
• Currículo I
I
• Linguagem • Artefactos e • Ensino e I obrigatório ou facultativo de uniformes e de batas. Finalmente, há a considerar todo o tipo de
I

• Metáforas logotipos aprendizagem I


I
logotipos, de lemas ou de divisas com que a escola se apresenta para o exterior, tanto em even-
I
• «Histórias» • Lemas e divisas • Normas e I
tuais publicações, como no papel utilizado pela direcção ou nas inscrições colocadas nas paredes.
I

• «Heróis» • Uniformes regulamentos I


I
I
• Estruturas • Imagem exterior • Procedimentos I
I Manifestações comportamentais
• etc. • etc. operacionais I
I
I
Na última categoria incluem-se todos os elementos susceptíveis de influenciar o comporta-
• etc. I
I
I
mento dos actores da organização. Referimo-nos, por um lado, às actividades normais da escola
----------------------------------------------------------------~
Interacção com a comunidade
e ao modo como são desempenhadas (prática pedagógica, avaliações, exames, reuniões de pro-
PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES / 33
32 / ANTÓNIO NÓVOA

fessores, escolha da direcção, etc.) e, por outro lado, ao conjunto de normas e de regulamen- matéria educativa). Uma das conquistas do modelo escolar reside, justamente, na deslo-
tos que as orientam, bem como aos procedimentos operacionais impostos ou assumidos pelos calização do espaço de decisão, que deixa de se situar numa escola concreta, para se tor-
membros da organização. Situa-se também nesta categoria a série de rituais e de cerimónias nar assunto das autoridades educativas ou dos corpos docentes.
que fazem parte da vida organizacional: abertura do ano escolar, festas diversas, recepção aos Nesta perspectiva, a intervenção dos pais e das comunidades na esfera educativa sempre
caloiros, acolhimento dos novos professores, etc. Esta categoria remete fortemente para o nível foi encarada como uma espécie de intromissão, na melhor das hipóteses tolerada com alguma
de participação dos actores internos e externos (pais, autoridades locais, etc.) na vida da escola. resignação. A relocalização nas escolas de margens de autonomia cada vez mais alargadas
coloca de novo o problema das diversas legitimidades (e interesses) em jogo no contexto
A totalidade dos elementos da cultura organizacional têm de ser lidos ad intra e ad
escolar. Neste domínio, é fundamental proceder a algumas mudanças radicais, permitindo que
extra as organizações escolares, isto é, têm de ser equacionados na sua «interioridade»,
as famílias e as comunidades tenham capacidade de decisão (e poder) no seio das escolas.
mas também nas inter-relações com a comunidade envolvente. De facto, se a cultura orga-
Devido ao funcionamento burocrático e centralizado do sistema educativo nunca se
nizacional desempenha um importante papel de integração, é também um factor de diferen-
sentiu, de facto, a necessidade de criar dispositivos de avaliação das escolas. A acção das
ciação externa. As modalidades de interacção com o meio social envolvente constituem, sem
autoridades limitava-se a um controlo administrativo, baseado no cumprimento das direc-
dúvida, um dos aspectos centrais na análise da cultura organizacional das escolas.
tivas estatais. É outro assunto que está na ordem do dia, por razões políticas, técnicas.
Expuseram-se algumas ideias sobre a utilização da metáfora cultural, que não esbatem
científicas e pedagógicas.
as limitações conceptuais e metodológicas deste conceito; mas a análise das culturas organiza-
Estas duas questões ilustram bem as consequências da mudança paradigmática que se
cionais encerra potencialidades heuristicas, podendo ajudar a defrnir os contornos de um novo
está a operar na forma de conceber as escolas e a sua articulação no interior do sistema
tipo de saber, o qual assume as organizações escolares como um objecto próprio de análise.
educativo. Em países fortemente centralizados, os projectos de escola podem constituir
Aliás, a escola enquanto instituição que trabalha com a cultura nunca deixou de pri-
uma estratégia de transição para um novo modelo de funcionamento do sistema educa-
vilegiar esta metáfora: a escola transmissora de cultura (E. Durkheim), a escola reprodu-
tivo, porventura desnecessária nos países onde existem rotinas «normais» de funciona-
tora de cultura (P. Bourdieu) ou a acção cultural para a libertação (P. Freire) são olhares
mento autónomo das escolas (Bellard, 1992; Obin & eras, 1991).
diferentes sobre a realidade educativa, que podem ser vistos sob um novo prisma.
Na verdade, é útil que a análise da intervenção dos diferentes actores sociais na ins-
Falar de cultura organizacional é falar dos projectos de escola, pois os estudos mencionados
tituição escolar e da avaliação institucional das escolas se faça tendo como pano de fundo
só são pertinentes no quadro de uma acção educativa que busca novas vias para se exprimir.
a elaboração de projectos educativos, que, sem esquecer os interesses e valores de que os
diversos grupos são portadores, «obriguem» a um esforço de produção de consensos dinâ-
micos em torno de objectivos partilhados.
PROJECTO DE ESCOLA:
ACTORES EDUCATIVOS E AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Três áreas de intervenção:
o sistema educativo português consolidou-se no século XIX, graças à acção do Estado escolar, pedagógica e profissional
que reservou para si a definição dos aspectos básicos do ensino e da formação, delegando
na corporação docente um poder de intervenção pedagógica. Num certo sentido, o apare- De modo algo simplista é possível distinguir três áreas de intervenção nas escolas,
lho escolar edificou-se contra as famílias e às comunidades, que foram marginalizadas, para além dos domínios relacionados com o sistema educativo e a administração do ensino.
ora com o argumento político (a legitimidade do Estado para decidir em matéria educa- Trata-se, num certo sentido, de um exercício artificial, mas que ajuda a clarificar o papel
tiva), ora com o argumento profissional (a competência especializada dos professores em que os diferentes grupos podem desempenhar no interior de um estabelecimento de ensino.
34 / ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES /35

Através de uma figura é possível visualizar as três áreas de intervenção (escolar,peda-


SISTEMA EDU CATIVO
gógica e prcfissionaõ com base na identificação dos actores com competência nestas áreas
(Legislação)
e na indicação de algumas actividades.
(Administração)
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A área escolar encarada numa perspectiva organizacional diz respeito ao conjunto das •...o '"
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decisões ligadas ao estabelecimento de ensino e ao seu projecto educativo. É a área privi- ........
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legiada de incidência dos vários actores sociais, parecendo evidente o poder que os pais e '"I:: ~
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as comunidades devem ter em aspectos tais como: o desenvolvimento de opções curricu- '.= (1) ~
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lares ou de áreas de especialização; a construção e utilização dos edificios escolares; a u
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ou de estruturas de compensação; os recursos educativos. É evidente que se trata de maté- •...o '" (psicó- n (b I::
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tras fontes de poder. Inclui-se também aqui a direcção dos estabelecimentos de ensino, na ~ ~g
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qual os pais e as comunidades devem desempenhar um lugar de primeiro plano, bem como ~.~ técnicos o ~
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a avaliação institucional das escolas e dos seus projectos educativos. ~ ao s :;::. (b
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A área pedagógica, no sentido estrito do termo, refere-se fundamentalmente à relação edu- > I:: o.. ~ 3 ~.
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cativa professor-aluno, às interacções didácticas e à gestão curricular. Nalguns destes aspec- ~~"O 15 • Professores Õ (b

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tos a intervenção das famílias pode ser de grande utilidade, mas trata-se inequivocamente vr>
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de um domínio da responsabilidade profissional dos professores. A acção pedagógica, nas Relação educativa e pedagógica na sala (b

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de aula. Interacções didácticas. Gestão do
dimensões individuais, colectivas (grupos e estruturas de coordenação ao nível da escola)
tempo e do espaço pedagógicos. Gestão curricular. (... )
e institucionais, compete aos professores e aos alunos, devendo consagrar regulações pró-
pri.asque tenham em conta esta realidade. Um exemplo paradigmático desta área diz res-
peito à avaliação dos alunos, onde os pais e os próprios alunos devem ter uma palavra a
A realidade interna à organização escolar é, evidentemente, mais complexa do que é
dizer, sem pôr em causa as competências específicas dos professores.
sugerido pela leitura desta figura. A escola tem de ser encarada como uma comunidade
educativa, permitindo mobilizar o conjunto dos actores sociais e dos grupos profissionais
A área profissional, onde se situam as questões do desenvolvimento profissional, da carreira
em tomo de um projecto comum. Para tal é preciso realizar um esforço de demarcação
docente e da organização técnica dos serviços, representa um espaço de autonomia relativa
dos espaços próprios de acção, pois só na clarificação destes limites se pode alicerçar uma
do professorado. O problema da avaliação dos professores, por exemplo, é da responsabili-
dade do colectivo profissional, segundo modalidades a inventar, que não devem excluir a colaboração efectiva. Na verdade, se é inadmissível defender a exclusão das comunida-
consulta (mas não a decisão) de outros actores educativos. Integram-se também nesta área des da vida escolar, é igualmente inadmissível sustentar ambiguidades que ponham em
as questões que se relacionam com a presença de outros técnicos qualificados na escola (psi- causa a autonomia científica e a dignidade profissional do corpo docente.
cólogos' sociólogos, assistentes sociais, animadores culturais, etc.),que deve ser estimulada A participação dos pais e das comunidades na vida escolar encontra toda a sua
de modo a favorecer um processo educativo multidisciplinar e polivalente. Importa evocar, legitimidade numa dimensão social e política. A actividade dos professores e dos outros
finalmente, as questões que se prendem com o pessoal administrativo e auxiliar das escolas. profissionais deve basear-se numa legitimidade técnica e científica. A falta de delimita-
36 I ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES /37

ção entre as zonas onde o partenariado é útil e desejável e as áreas que relevam de uma auto-análise, avaliação e auto-avaliação, auditoria, etc. (Scheerens, 1991; Perez Juste &
competência profissional própria é uma das fontes de conflito no seio das instituições esco- Martinez Aragon, 1989; Lecointe & Rebinguet, 1990). Por ora, interessa-nos situar alguns
lares, que é possível eliminar através de um esforço de compreensão mútua. problemas gerais, não esquecendo que o estudo (e, por maioria de razão, a avaliação) das
Simultaneamente, a profissão docente encontra-se num processo de redefinição e de instituições escolares só tem sentido no quadro de uma mudança e/ou aperfeiçoamento da
diversificação das suas funções no seio das escolas. Doravante, os professores são cha- escola. É uma afirmação banal, mas que justifica a adopção de perspectivas próximas da
mados a desempenhar um conjunto alargado de papéis, numa dinâmica de (re)invenção investigação-acção (Elliott, 1991). Rejeitam-se, portanto, os modelos de avaliação-san-
da profissão de professor. São desafios que se perdem (e se ganham) nesta nova reali- ção ou de avaliação-julgamento, privilegiando-se as dinâmicas de avaliação participativa
dade organizacional e conceptual que é a instituição escolar (Demailly, 1991). A afir- e de avaliação-regulação.
mação da territorialidade pode ajudar os professores a exercerem um maior controlo
sobre a sua profissão, em sintonia com uma política de melhoria do funcionamento das
escolas. Categorias da avaliação institucional
Mas nada disto se decide num vazio social, fora de redes complexas de poderes, que
mergulham em fontes distintas de legitimidade. Por isso, há que inventar formas diversi- De forma extremamente simples, podemos agrupar as diferentes estratégias de avalia-
ficadas de partenariado entre os vários actores sociais que intervêm na instituição escolar, ção, a partir de uma interrogação sobre o porquê, o quem-e o como da avaliação. Por outro
investindo-os com um poder efectivo de regulação das actividades escolares de pilotagem lado, é preciso separar as modalidades de avaliação externa e de avaliação interna, apesar
dos projectos educativos. das necessárias articulações. O cruzamento destas variáveis pode ser visualizado em duas
figuras que apresentaremos e comentaremos de seguida.

(Auto )análise e avaliação das escolas

«A primeira característica chocante no funcionamento actual das escolas é o seu carácter


PORQUÊ DESENVOLVIMENTO CONTROLO

cego. As outras instituições interrogam-se periodicamente sobre elas próprias, reflectindo


coléctivamente em instâncias qualificadas sobre o seu funcionamento. Esta prática é des-
conhecida nos estabelecimentos de ensino. E estamos de tal modo habituados a este fun-
cionamento às cegas, que já nem sequer damos por ele!».
INTERNA Conflitos

A reflexão de Antoine Prost alerta-nos de forma contundente para a ausência de prá-


ticas de avaliação institucional das escolas. De facto, não tinha qualquer sentido incre-
mentar este tipo de práticas em sistemas centralizados e burocratizados de administração
do ensino: bastava a recolha periódica de certos indicadores estatísticos globais e a pro-
Reformas
dução de relatórios de execução das directivas emanadas do poder central. EXTERNA
educativas
As tendências actuais de descentralização do ensino trazem para a ribalta a questão da
avaliação das escolas e dos seus projectos educativos. Não é este o lugar adequado para
definir com minúcia os vários conceitos que atravessam este campo do saber: análise e
PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇOES ESCOLARES / 39
38 / ANTÓNIO NÓVOA

- A avaliação interna tem como motivação principal o acompanhamento dos projectos de I. Interna / Produção de conhecimento
Avaliação conduzi da por professores ou por outros técnicos, no quadro de acções de for-
escola, no quadro de uma dinâmica de desenvolvimento organizacional. No entanto, é pos-
mação contínua, de grupos de formação-acção e de formação participada ou de projectos
sível que se desencadeiem processos internos de avaliação numa perspectiva de controlo
de investigação-acção, tendo como objectivo primordial a produção de conhecimento novo
organizacional, nomeadamente em situações de conflito no seio da escola.
sobre a realidade escolar.
- A avaliação externa é decidida normalmente por razões de ordem instuucional, que se
prendem com necessidades de controlo organizacional ao nível do sistema de ensino. No 2. Interna / Práticas institucionais
Avaliação conduzida pela direcção ou por grupos empenhados na gestão escolar, tendo como
entanto, não se deve excluir a possibilidade da avaliação externa estar ligada a dinâmicas
objectivo a montagem de dispositivos de regulação institucional, a implementação de certas
de desenvolvimento, sobretudo no momento de lançamento de reformas educativas.
inovações educacionais ou o acompanhamento dos projectos do estabelecimento de ensino.

A segunda figura é um pouco mais complexa, cruzando a avaliação interna e externa


3. Externa / Produção de conhecimento
com a produção de conhecimento novo sobre a escola e com a realização de práticas ins-
Avaliação conduzida por especialistas ou investigadores científicos, desencadeada por ini-
titucionais de análise do seu funcionamento. Em cada uma das quatro categorias identifi- ciativa própria ou na sequência de um pedido formulado pela instituição escolar ou pelas
cam-se os actores da avaliação (quem) e os instrumentos de referência (como). instâncias administrativas, com o objectivo de produzir conhecimento novo a partir de um
olhar exterior.

QUEM PRODUÇÃO DE PRÁTICAS 4 4. Externa / Práticas institucionais


Avaliação conduzi da pela administração central ou regional, no âmbito de acções de ins-
CONHECIMENTO INSTITUCIONAIS
COMO pecção ou de controlo, provocadas pelos mais variados motivos, com a intenção de pro-
ceder à identificação das práticas institucionais e das eventuais mudanças a introduzir.

INTERNA
Funções e critérios da avaliação

Centrando a nossa atenção mais especificamente nos projectos de escola' é importante


que os dispositivos de avaliação respondam eficazmente a quatro junções:

Operatória Orientada para a acção e para a tomada de decisões, revestindo-se de


uma importância estratégica para o aperfeiçoamento das escolas.

Permanente Funcionando ao longo do desenvolvimento do projecto de escola, e


não apenas no final, o que implica a montagem de dispositivos sim-
EXTERNA
ples e eficazes de acompanhamento e de regulação.

4 Adaptação de um texto sobre a avaliação dos projectos de cooperação técnica, redigido por Carlos Castro-Almeida,
Guy Le Boterf e António Nóvoa [no prelo].
PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES.ESCOLARES /41
40 / ANTÓNIO NÓVOA

tanto de inovar, mas de criar as condições organizacionais para que a inovação aconteça,
Participativa Associando o conjunto dos actores às pràticas de avaliação, de forma
para que as experiências pedagógicas não sejam sistematicamente destruí das com argu-
a facilitar a devolução dos resultados aos actores e a permitir a con-
frontação entre grupos com interesses distintos. mentos burocráticos, para que os profissionais do ensino se sintam motivados e gratifica-
Formativa Criando as condições para uma aprendizagem mútua entre os actores dos per participarem em dinâmicas de mudança.
educativos, através do diálogo e da tomada de consciência individual M" Teresa González (1988) argumenta em favor de uma inovação centrada nas escolas:
e colectiva.
«A escola constitui um filtro que modela as mudanças que vêm do exterior, bloqueando-asou dina-
mizando-as.Na organização desenvolvem-sepadrões de relação, cultivam-semodos de acção e pro-
A avaliação das escolas deve basear-se em dispositivos simples e exequíveis, que per-
duz-se uma cultura própria em função da qual os indivíduosdefinem o seu mundo, elaboramjuízos
mitam uma regulação no decurso dos projectos, e não apenas um balanço posterior. É fre- e interpretamas inovações;nesta perspectiva,a organizaçãotem um papel crucial na criação de um
quente a aplicação descontextualizada de processos e de instrumentos de avaliação con- clima de mudança, na resposta às propostas de inovação e na capacidade de auto-renovação. De
duzindo a dissonâncias de diversa ordem: esquemas demasiado «pesados» para os objectivos pouco servirão os esforços isolados dos indivíduos para mudar as suas práticas, se se realizarem à
que se pretendem atingir; processos pouco eficazes ou sem capacidade para apoiar a reso- margem da dinâmica própria da escola».
lução dos problemas; métodos inadequados ou incoerentes; etc. Neste sentido, é impor-
tante que a avaliação respeite critérios de pertinência, de coerência, de eficácia, de eficiência É aqui que quase tudo se decide, nesta capacidade para criar sistemas permanentes de
e de oportunidade. apoio à inovação, para valorizar os grupos portadores de uma perspectiva de mudança.
A diversidade de práticas neste campo é enorme, sendo útil aprofundar as dinâmicas Tendo consciência de que se trata de um processo em permanente (re)elaboração. Nos sis-
que contribuam para fornecer aos actores educa tivos os meios necessários a uma trans- temas de ensino descentralizados o debate sobre os projectos educativos não está na ordem
formação das escolas e a uma mudança inovadora. A este propósito, as perspectivas que do dia: as escolas vivem a sua autonomia, integrando componentes como a gestão e a ava-
têm sido desenvolvidas pela investigação-acção encerram potencialidades que ainda não liação. Mas nos sistemas educativos de tradição centralizadora (Espanha, França, Portugal,
foram devidamente exploradas no terreno institucional; por outro lado, as correntes da etc.) os projectos de escola podem ser uma estratégia adequada para impor as mudanças
auto-avaliação das escolas podem revelar-se de grande utilidade nos próximos anos (Bollen necessárias no campo educativo, levando à prática o conceito de autonomia relativa do
& Hopkins, 1988). Neste contexto, é importante aproveitar as tendências que apontam no estabelecimento de ensino.
sentido da construção de projectos educativos para criar hábitos de avaliação institucio- O futuro tem muitos cenários, mas só um será realizado. Já houve um tempo sem esco-
nal nas escolas. las, e não sabemos se este tempo regressará. Uma coisa é certa: tempos virão em que a
sociedade necessitará de outras escolas. Sabendo que a escola precisa de se articular com
* os outros espaços sociais, políticos e económicos. E sabendo também, como escrevem Ana
* * Benavente e Orlando Garcia (1992), que:

Durante muito tempo a inovação educacional oscilou entre o nível macro do sistema «Quem se situa na Escola como área profissional, e ao mesmo tempo consegue dispor-se
educativo e o nível micro da sala de aula. Produzir inovação era conceber e implementar a intervir, constata que os problemas educativos actuais não encontrarão resposta nos limi-
reformas estruturais do sistema educativo ou desenvolver e aplicar novos métodos e téc- tes dos tempos, dos espaços e das formas directamente escolares. Quem está nessa encru-
nicas pedagógicas na sala de aula. Também aqui não havia entre-dois, não se considerava zilhada tem necessidade de alargar os horizontes: novas lógicas, propostas exploratórias,
a organização escolar como um nível essencial para a abordagem dos fenómenos educativos. outras interrogações, ensaios controlados - quanto ao aprender/saber/fazer/treinar/organi-
Hoje, parece evidente que é justamente no contexto da organização escolar que as ino- zar/intervir, Vai ter que imiscuir-se no real envolvente e vai parar a outros espaços sociais
vações educacionais podem implantar-se e desenvolver-se. Num certo sentido, não se trata e a outras áreas de actividade com outros actores»,
42 / ANTÓNIO NÓVOA PARA UMA ANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES /43

A análise das instituição escolares só tem sentido se for capaz de abrir o pensamento OEROUET, Jean-Louis, «Une sociologie des établissements scolaires: les difficultés de construction d'un nouvel objet
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a outros possíveis, E só tem utilidade se tiver a inteligência de perceber os seus limites,
EDMoNDs, R.R. «Effective schools for the urban POOf». Educational Leadership. 1979, vol. 37, pp. 15-24.
Mas, hoje, não se pode passar ao lado de uma reflexão estratégica, centrada nos estabe- Euiorr. John. Action Research for Educational Change. Milton Keynes: Open University Press, 1991.
lecimentos de ensino e nos seus projectos, porque é aqui que os desafios começam e ENRIQuEz, Eugêne. L 'organisation en analvse. Paris: PUF, 1992.

importa agarrá-los com utopia e realismo; dito de outro modo, é preciso olhar para a escola ERlcKsoN, Frederick. «Conceptions of School Culture: An Overview». Educational Administration Quarterlv, 23 (4),
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como uma topia, isto é, como um tempo e um espaço onde podemos exprimir a nossa
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