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Nivel Sintatico I

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O nível sintático I

Nesta aula, o objetivo é fornecer fundamentos sintáticos que contri-


buam para a atuação de tradutores e intérpretes da Libras, bem como
para a compreensão dos interessados em questões linguísticas sobre as
regras de estruturação da gramática dessa língua. Para tanto, discute-se
a visão de sintaxe subjacente ao trabalho de Quadros e Karnopp (2004),
obra-base para a explanação aqui elaborada sobre a estrutura sintática da
Libras. Além disso, você vai poder refletir sobre diferentes abordagens de
análise linguística. Tenha em mente, durante tal reflexão, que não existe
uma abordagem mais correta do que a outra, mas apenas explicações
mais adequadas conforme os objetivos que se tem em mente. Você verá,
por exemplo, que se a intenção for respeitar a norma culta de uma dada
língua, a Gramática Tradicional serve muito bem, no entanto, se o objeti-
vo for saber por que determinadas ordenações sintáticas são possíveis e
outras não, então ela não pode ajudar.

O que é sintaxe?
Na visão da Gramática Tradicional, conforme Berlinck, Augusto e Scher
(2003), o termo sintaxe remete à parte da gramática dedicada à descri-
ção do modo como as palavras são combinadas para compor sentenças,
sendo essa descrição organizada sob a forma de regras. Estas são obtidas
por meio do arrolamento de um grande número de autores consagrados,
a partir dos quais são listadas, sob a denominação de regras, as formas
empregadas por eles para combinar e organizar as palavras em sentenças
e as sentenças em texto. Algumas dessas regras, inclusive, são bem co-
nhecidas. Pense no caso da regra que estabelece a ordem direta (sujeito-
-verbo-complementos) para a organização dos constituintes da sentença.

Contudo, essa visão de sintaxe – entendida como regra do bem falar e


do bem escrever – para os propósitos desta aula, não interessa. Na verda-
de, interessa à discussão a ser empreendida aqui uma visão de sintaxe que
não é “uma”, mas duas. Isso porque definir o que vem a ser sintaxe varia do
ponto teórico sobre o qual o pesquisador se posiciona em relação a como
concebe as noções de linguagem e língua.
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O nível sintático I

Duas grandes correntes pelas quais as análises seguem são o formalismo e


o funcionalismo. A abordagem formalista se dedica a questões relacionadas à
estrutura linguística (natureza de seus constituintes e relação entre eles), sem
dar atenção às relações entre a língua e o contexto no qual está inserida, uma
vez que considera a língua como um objeto de estudo em si mesmo, autônomo
e autossuficiente. Por tal razão, nessa abordagem, toda análise linguística é feita
considerando-se e enfatizando-se a sentença. No funcionalismo, a língua, ou
melhor, a linguagem, é vista como um sistema não autônomo, nascido da neces-
sidade de comunicação entre os membros de uma comunidade. Em virtude de
a comunicação ser, na visão funcionalista, uma função essencial da linguagem,
determina o modo como a língua é estruturada. Por isso, nessa abordagem, a
análise da língua deve considerar tanto o falante quanto o ouvinte e as necessi-
dades da comunidade linguística.

Cada pesquisador, ao se debruçar sobre o estudo de uma dada língua, trilhará


um caminho ou outro. Em relação à Língua Brasileira de Sinais, a publicação mais
conhecida sobre sua estruturação, referência para muitos outros pesquisadores
desta língua e para a elaboração de cursos de Libras – inclusive de graduação
e pós-graduação –, é o Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos, de Ronice
Müller de Quadros e Lodenir Becker Karnopp. As autoras trabalham numa pers-
pectiva formalista, mais especificamente na linha da Gramática Gerativa. Portan-
to, muito do que será abordado nesta aula deriva da leitura das autoras, que, não
se pode esquecer, olham para a Libras de um ponto de vista formal, procurando,
a partir do estudo de sentenças dela – e este é um conceito que deverá ser re-
tomado –, estabelecer quais são os constituintes desta língua e como eles se
organizam. Antes de proceder à exposição da sintaxe da Libras, é necessário que
você, estudante, familiarize-se com o programa gerativista.

Noções preliminares sobre a Gramática Gerativa


Em primeiro lugar, deve ficar claro que a Teoria Gerativa se preocupa em ex-
plicar o que chama de competência linguística do falante em oposição ao que
chama de desempenho linguístico. Isso significa, em termos bastante simplis-
tas, que o gerativismo está preocupado com a língua enquanto representação
mental, algo que está na mente do falante. Algo esse que possibilita o desem-
penho, mas é de natureza diferente da competência. O desempenho está para o
uso, para a fala, e a competência para a capacidade mental que possibilita o uso,
capacidade essa que é inata. Assim, do ponto de vista gerativista, “[o] falante de

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qualquer língua natural tem um conhecimento inato sobre como os itens lexi-
cais de sua língua se organizam para formar expressões mais e mais complexas,
até chegar ao nível da sentença” (NEGRÃO; SCHER; VIOTTI, 2007b, p. 81). É nesse
conhecimento inato, como ele se organiza e como organiza a língua, que o ge-
rativismo está interessado.

Na Teoria Gerativa, argumenta-se que todas as crianças nascem com um


dispositivo chamado de faculdade da linguagem que lhes possibilita adquirir
qualquer língua, durante o período crítico de aprendizagem1. Essa faculdade da
linguagem é uniforme para todas as crianças. Quando nascem, todas elas apre-
sentam a mesma capacidade, partem do mesmo estado inicial de aquisição da
linguagem, possuindo os mesmos mecanismos, não importa se no futuro fala-
rão Libras, chinês ou português. Somente ao serem expostas a uma dada língua,
as crianças passam a desenvolver um conhecimento específico sobre ela, conhe-
cimento esse que é fruto “da interação da informação genética que ela traz no
estado inicial de sua faculdade da linguagem com os dados linguísticos a que é
exposta” (NEGRÃO; SCHER; VIOTTI, 2007a, p. 96).

O estado inicial de que se falou acima também é conhecido como Gramá-


tica Universal, já que é entendido como o conjunto de princípios linguísticos
universais à disposição de todas as crianças via determinação genética. Alguns
desses princípios são invariáveis, se mantêm os mesmos desde o nascimento até
a etapa final de aquisição linguística, outros são flexíveis, chamados de parâme-
tros, vão se moldando conforme o input (o que ela ouve ou vê do uso da língua
das pessoas que a rodeiam) recebido pela criança. Isso tem a ver com o Modelo
de Princípios e Parâmetros, forma como a Gramática Gerativa concebe a língua e
que a leva a estudar, como seus objetivos centrais:

 a descrição do conhecimento linguístico atingido por qualquer falante de


qualquer língua;

 a caracterização da Gramática Universal; e

 a explicação dos processos que levam uma criança da Gramática Universal


para o conhecimento de sua língua (NEGRÃO; SCHER; VIOTTI, 2007a, p. 97).

Dessa forma, nas seções a seguir, você acompanhará a proposta de descrição,


elaborada por Quadros e Karnopp (2004), do conhecimento linguístico atingido pelos
1
Não há um consenso quanto à idade crítica, isto é, o limite, para que a criança adquira sua língua materna. Porém, muitos linguistas e psicolinguis-
tas indicam que há sim um período, ainda que não se possa precisar exatamente, em que a capacidade de aquisição de linguagem da criança estaria
em pleno funcionamento. Se durante tal período a criança não for exposta a uma língua (imagina-se que a idade limite esteja entre 4 e 6 anos),
vindo a entrar em contato com uma língua muito depois, ela corre o risco de nunca adquirir de modo pleno e satisfatório essa língua, apresentando
características de uma linguagem primitiva, sem complexidade.

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usuários da Libras, ou seja, a descrição da capacidade linguística dos mesmos


sobre a constituição lexical de sua língua e de como ela se organiza em estrutu-
ras complexas para formar sentenças.

A sintaxe espacial
Ao tratar da análise linguística da sintaxe da Libras, Quadros e Karnopp (2004,
p. 127) advertem que para cumprir tal tarefa é preciso que o interessado “enxer-
gue” “esse sistema que é visual-espacial e não oral-auditivo.” Em relação a isso, as
autoras argumentam: “[d]e certa forma, tal desafio apresenta certo grau de difi-
culdade aos linguistas; no entanto, abre portas para as investigações no campo
da Teoria da Gramática enquanto manifestação possível da capacidade da lin-
guagem humana” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 127).

Por ser uma língua espaço-visual, a Libras “monta” suas sentenças distribuin-
do os constituintes (sinais) de uma determinada maneira no espaço, sendo que
relações espaciais específicas são empregadas para desempenhar variados
papéis gramaticais. Um exemplo é o de identificação de referentes no discurso.
Na Libras, os referentes (eu, ele, você, nós, eles, relações anafóricas etc.), presen-
tes fisicamente ou não, são identificados por sua associação a uma localização
no espaço, sendo que diferentes recursos podem ser empregados. A seguir, são
ilustradas as possibilidades apresentadas pelas autoras:

 fazer o sinal em um local particular (nesse caso, o sinal é produzido no


local estabelecido para o referente com o qual estabelece relação);
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CASA (do João). CASA (do Pedro).

 direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma locali-


zação particular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou com
a apontação para o substantivo;
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CASA. IX (Casa).

 usar a apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico (por


exemplo, apontar para um ponto “a” associando esta apontação com o si-
nal de CASA; assim o ponto “a” passa a referir casa);

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IX (Casa).

 usar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular


quando a referência for óbvia2;
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X (Casa) NOVA.
2
Provavelmente, por óbvia as autoras querem significar que a referência é do conhecimento dos envolvidos na situação de comunicação, isto é, faz
parte do conhecimento compartilhado dos indivíduos em interação.

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 usar um classificador (que representa aquele referente) em uma localiza-


ção particular;

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CARRO CL (carro passou um pelo outro).

 usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referen-


tes previamente introduzidos no espaço (QUADROS; KARNOPP, 2004,
p. 126-129).

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(eu) IR (casa).

Na Libras, expressões faciais, além de sinais manuais, também podem desem-


penhar papéis gramaticais, marcando construções sintáticas específicas, sendo
chamadas de marcações não manuais. Também com base na obra de Quadros e
Karnopp (2004, p. 132), são apresentadas a seguir algumas marcações não manuais,
o papel gramatical que desempenham e o sistema de notação para elas:

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 Marca de concordância verbal por meio da direção dos olhos – notação < >do.

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< > do.

 Marca de construções com foco – notação < >mc.

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< > mc.

 Marca para negação – notação < >n.


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< > n.
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 Marca de construções com tópico por meio da elevação da sobrancelha –


notação < >t.

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< > t.

 Marca de interrogativa do tipo QU3 – notação < >qu.

IESDE Brasil S.A.

< > qu.

3
Diz respeito às perguntas feitas com pronome interrogativo (que, quem, quando e onde), por exemplo: “O que João comprou?”, “Quem não foi
para a aula ontem?” e “Onde estão meus livros?”.

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 Marca de interrogativa do tipo S/N (cuja resposta só pode ser sim ou não)
– notação < >sn.

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< > sn.

Agora que você já conhece um pouco mais do uso do espaço e outros recur-
sos para estabelecer relações sintáticas na Libras, pode se dedicar, com menos
dificuldade, à compreensão da ordem sintática nessa língua, tema da próxima
seção.

A ordem sintática na Libras


Por ordem sintática, deve-se ter em mente os possíveis arranjos que os cons-
tituintes tomam dentro de uma determinada sentença. Em outras palavras, isso
significa que a ordem das palavras pode variar dentro de uma sentença. Consi-
dere os exemplos abaixo:

(1) Eu encontrei a pessoa que você procurava por acaso. (S-V-O-Adj)

(1a) Eu, por acaso, encontrei a pessoa que você procurava. (S-Adj-V-O)

(1b) Por acaso, eu encontrei a pessoa que você procurava. (Adj-S-V-O)

(1c) Eu encontrei, por acaso, a pessoa que você procurava. (S-V-Adj-O)

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(1d) A pessoa que você procurava eu encontrei por acaso. (O-S-V-Adj)


(1e) Por acaso, a pessoa que você procurava eu encontrei. (Adj-O-S-V)
Essas são algumas possibilidades de variação da ordem dos constituintes na
língua portuguesa, considerada uma língua com pouca mobilidade se compa-
rada a línguas como o latim, alemão e a própria Libras, que mostra uma flexibili-
dade considerável na ordem das palavras. É preciso ter em mente que os consti-
tuintes citados dizem respeito ao sujeito (S), verbo (V) e objeto (O) das sentenças,
sendo que os adjuntos (Adj) não são considerados constituintes obrigatórios da
estrutura sintática. Contudo, em algumas línguas, o português por exemplo, os
adjuntos apresentam maior mobilidade, podendo ocorrer na posição inicial e
final da sentença, entre o sujeito e o verbo e entre o verbo e o objeto. Em outras,
como a Libras, essa mobilidade é um tanto limitada, os advérbios de tempo e
frequência, por exemplo, aparecem somente nas posições iniciais e finais.
A verdade é que no plano da expressão, do desempenho linguístico, cada
língua escolhe uma única ordem de palavras como dominante, que é a conside-
rada básica ou canônica em tal língua, a qual convive com outras possibilidades
de organização. Tanto no português como na Libras as sentenças SVO são muito
naturais, sendo que exemplos com essa ordem são considerados sempre grama-
ticais. Estudos (FELIPE, 1989; FERREIRA-BRITO, 1995 e QUADROS, 1999) apontam
que a ordem básica da Libras é a SVO, sendo que a variabilidade da ordem não
é aleatória. Geralmente, ela é motivada pela interação de diferentes fenômenos
sintáticos. A seguir, são apresentadas algumas das possibilidades de ordenação
diferentes da SVO encontradas em Quadros e Karnopp (2004):
 A presença de concordância verbal e marcas não manuais pode acarretar
as ordens OSV e SOV;

<TVb>do <IXa>do4 <aASSISTIRb>do (OSV)


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4
O símbolo IX representa a incorporação do referente no espaço, significa, então, que um referente como “ele” foi sinalizado pelo recurso de esta-
belecer um ponto específico no espaço para fazer menção a esse referente.

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<IXa>do <TVb>do <aASSISTIRb>do (SOV)

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FUTEBOL <IX>do <GOSTAR>do (OSV)

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<IX>do FUTEBOL <GOSTAR>do (SOV)

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 O uso de tópico altera a ordem da sentença, gerando uma estrutura OSV;

<FUTEBOL>t <JOÃO GOSTAR NÃO>n

IESDE Brasil S.A.


 O uso de construções com foco, incluindo verbos sem concordância, po-
dem gerar a ordem SOV;

EU LIVRO <PERDER>mc
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 Elevação do objeto nas construções contendo verbos com concordância


também pode gerar a ordem SOV;

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JOÃOa MARIAb aDARb LIVRO NÃO5

João não deu o livro para Maria.

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 O emprego de foco contrastivo gera a ordem VOS.

QUEM COMPRAR CARRO JOÃO OU MARIA?

IESDE Brasil S.A.

5
Nesse caso, um dos objetos internos da sentença (Maria) foi movido para antes do verbo, motivo pelo qual as autoras identificam essa estrutura
como SOV.
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COMPRAR CARRO <JOÃO>foco

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A próxima seção se ocupa em detalhar um pouco mais o comportamento
dos constituintes de sentenças que apresentam verbos com concordância e de
sentenças com verbos sem concordância.

A repercussão dos tipos de verbo na estrutura sintática


Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos na Língua Brasileira de Sinais
se dividem em pelo menos duas classes:

a) Verbos sem concordância: não se flexionam em pessoa e número, são,


portanto, verbos que exigem argumentos (sujeito e objeto) explícitos, já
que não há marcas no verbo que possam identificar os argumentos da
frase. Exemplos desse tipo de verbo são: conhecer, amar, aprender, saber,
inventar e gostar. Veja como fica uma frase com um desses verbos e seus
respectivos argumentos:
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MARIA CONHECER CURITIBA.

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b) Verbos com concordância: flexionam-se em pessoa e número, apresen-


tando marcações não manuais e movimento direcional. Exemplos dessa
categoria são: dar, enviar, responder, perguntar, dizer e provocar. Agora,
observe a sinalização do exemplo abaixo:

IESDE Brasil S.A.


ONTEM EU DAR DINHEIRO ELA.

É interessante observar, neste ponto, que para análise linguística de uma


sentença a primeira coisa que se deve considerar é a presença do verbo. Iden-
tificando o verbo principal da sentença é possível perceber se os sintagmas em
seu entorno são argumentos ou adjuntos. Tirando o núcleo de um sintagma,
por exemplo, o verbo, considera-se adjunto tudo aquilo que não for argumento.
Observe a seguir a análise6 de uma sentença do português:

(2) Eu encontrei por acaso a pessoa que você procurava.

Para facilitar a análise, já que ela será feita de forma linear, é bom colocar os
constituintes na ordem direta (sujeito, verbo, objeto e adjuntos):

(3) Eu encontrei a pessoa que você procurava por acaso.

Primeiramente, há de se identificar o verbo principal, o que sustenta a sen-


tença como um todo:

6
Aqui se está empregando uma representação da estrutura diferente do sistema de representação arbórea proposto pela Gramática Gerativa, a
intenção é facilitar a sua compreensão, já que para dominar a representação gerativa de uma sentença são requeridos muitos pressupostos teóricos
que não cabem para o momento.

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(4) Eu [encontrei]verbo principal a pessoa que você procurava por acaso.

Encontrado o verbo principal, deve-se procurar por seus argumentos, ou seja,


os constituintes da sentença que saturam as posições argumentais7 do verbo
encontrar, a saber, xsujeito encontrar yobjeto:

(5) [Eu]sujeito encontrei [a pessoa que você procurava]objeto por acaso.


Observe que a posição de objeto é preenchida por uma sentença, a esse
fenômeno de uma sentença ocupar o lugar de um sintagma (algo maior, mais
complexo, fazendo as vezes de algo menor, menos complexo) chamamos subor-
dinação. É possível verificar, no exemplo acima, que restou na estrutura o sin-
tagma por acaso: ele é um adjunto. Cada sintagma pode ainda ser analisado em
constituintes menores, porém, para o que se pretende para esta aula, o que foi
exposto já é suficiente.
Essa digressão se fez necessária para instrumentalizá-lo, estudante, de forma
que você possa acompanhar o objetivo desta seção: analisar os efeitos dos tipos
de verbos (sem concordância e com concordância) sobre a ordem dos consti-
tuintes na estrutura sintática das sentenças em Libras. A partir daqui, são apre-
sentadas as possibilidades de ordenação sintática conforme o tipo de verbo se-
gundo explanação encontrada em Quadros e Karnopp (2004, p. 158-162):

 Verbos com concordância:


 Sentença apresenta mais liberdade na ordenação dos constituintes;
 As marcações não manuais são obrigatórias nos verbos com concor-
dância;
 Apresentam argumentos nulos8;
 A negação (o não) é realizada antes do verbo.

 Verbos sem concordância:


 Sentença apresenta menos liberdade na ordenação dos constituintes;
 As marcações não manuais não são obrigatórias nos verbos sem con-
cordância;
 Não apresentam argumentos nulos;
 A negação (o não) é realizada depois do verbo, no caso de verbo de um
único argumento (sujeito) ou de o objeto ter sido movido para o início
da sentença (tópico). Se o verbo apresentar objeto, o não será realizado
depois do sintagma verbo + objeto.
7
As nomenclaturas usadas também não pertencem todas à Gramática Gerativa. Para aproximar o conteúdo exposto de seu conhecimento prévio,
estudante, a posição de argumento externo está sendo identificada pela nomenclatura de sujeito e a de argumento interno, pela nomenclatura de
objeto. Nem sempre, contudo, tais posições são ocupadas por essas “funções”.
8
Algo equiparado com o que se chama de sujeito oculto na Gramática Tradicional.

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Texto complementar

Sintaxe
(LEITE, 2008, p. 28-30)

Os estudos da sintaxe da ASL e das demais LSs do mundo ganharam um


novo impulso a partir da década de 1970. Até então, a maior parte dos pes-
quisadores acreditava que a ordem das sentenças na ASL era basicamente
livre, sem restrições, tendo em vista que, em diferentes contextos discursivos,
os sinais correspondentes a sujeito e objeto apareciam posicionados de di-
ferentes maneiras em relação ao verbo. Essa visão começou a mudar a partir
de estudos que vieram destacar o importante papel dos sinais não manuais,
principalmente relativos ao rosto e à cabeça, na identificação de fenômenos
sintáticos (BAKER, 1978; BAKER; PADDEN, 1978; LIDDELL, 1978).

Em Liddell (1978), uma história repleta de personagens sem nome foi ela-
borada a fim de se verificar como orações relativas eram produzidas na ASL.
Foi solicitado a alguns surdos que lessem e memorizassem a história para, em
seguida, recontá-la em ASL. Ao notar que as expressões faciais dos narradores
pareciam estar desempenhando um papel importante, Liddell tirou fotos da
tela do televisor em cada sinal isolado. Com isso ele pôde constatar que os
sinalizadores mantinham uma expressão facial em uma posição de cabeça
particular durante todo o período em que realizavam os sinais relacionados
à relativa, configuração essa que mudava tão logo um nova predicação era
iniciada, como mostra a figura abaixo – reproduzida de Liddell (2003a, p. 54).
IESDE Brasil S.A.

“O cachorro que há pouco perseguiu o gato veio para casa”

R
RECENTE CACHORR@ PERSEGUIR GAT@ VIR CASA

Figura 1 – Expressão facial marcando e delimitando relativa na ASL.

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No início dos estudos da ASL, Stoke et al. (1965) já haviam destacado o


fato de que algumas expressões faciais desempenhavam um papel impor-
tante, argumentando que, para que questões do tipo sim/não fossem reco-
nhecidas como tais, elas necessariamente precisavam ser acompanhadas de
uma expressão facial e posição de cabeça marcadas. Mais tarde, Bellugi e
Fischer (1973) e Baker (1976) apontaram ainda o papel do balanço da cabeça
de um lado para o outro acompanhado de uma expressão facial não neutra
na realização de orações negativas.

Wilbur (2000) propõe que as regiões superior e inferior do rosto, relativas


aos sinais não manuais, estejam relacionadas a diferentes domínios sintáti-
cos: sinais da parte superior do rosto ou a cabeça (sobrancelha, olhar, po-
sição e movimentos de cabeça) ocorreriam com constituintes maiores, tais
como orações e sentenças; sinais da parte inferior do rosto (boca, língua,
bochechas), diferentemente, se associariam com itens lexicais ou com os sin-
tagmas em que tais itens aparecem, em especial para veiculação de informa-
ções adjetivas ou adverbiais (p. 224-225).

Com o estudo de Liddell (1978) sobre as relativas, então, passa a ganhar


força a proposta de que sinais não manuais, formados principalmente por
determinadas combinações de posição da cabeça e expressão facial, ser-
viriam para delimitar constituintes gramaticais como sintagmas e orações
de maneira geral. Baker e Padden (1978), então, corroborando a relevância
dessa correlação por meio de experimentos com condicionais, argumentam
explicitamente a favor da necessidade de análise dos sinais não manuais em
investigações voltadas à delimitação dos constituintes básicos da ASL.

Tais estudos levaram muitos pesquisadores a rever a questão da ordem


dos constituintes na sentença, até então assumida como livre na ASL. Em
especial, a descoberta de dois sinais não manuais – um específico para a
marcação de tópicos, formado por uma combinação de posição da cabeça
e expressão facial, e outro para marcação de tags questions, formados por
um pronome acompanhado de um aceno de cabeça – levou Liddell a afir-
mar que a ordem da oração principal não seria variável. Ao contrário, a dis-
tribuição de sujeito e objeto seria bastante estrita e a aparente variabilidade
decorreria de dois fatores: os sujeitos e objetos poderiam ser omitidos da
oração principal quando já se mostrassem proeminentes no discurso pre-
cedente; e a oração como um todo poderia ser antecedida por tópicos e/ou
sucedida por tags pronominais quando houvesse necessidade de salientar
certos referentes do discurso (LIDDELL, 1980).

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Dicas de estudo
 Artigo científico, “O empreendimento Gerativo”, de José Borges Neto, do
livro Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos, de Fernanda
Mussalim e Ana Cristina Bentes. São Paulo: Cortez, 2004. v. 3.

A leitura deste texto é recomendada por apresentar a evolução das bases


teóricas do programa gerativo e suas implicações para a análise linguís-
tica. Além de fornecer um histórico dessa abordagem, a leitura do artigo
possibilita conhecer os pressupostos teóricos por trás das representações
formais elaboradas pela Gramática Gerativa.

 Artigo científico, “O funcionalismo em linguística”, de Erotilde Goreti Pezatti


do livro Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos, de Fernan-
da Mussalim e Ana Cristina Bentes. São Paulo: Cortez, 2004. v. 3.

Recomenda-se a leitura deste artigo para que se conheça, ao menos mi-


nimamente, uma outra abordagem de análise linguística, com suas dife-
rentes soluções para os mesmos problemas e também pelo tratamento de
questões que não interessam a uma abordagem formalista.

Atividades
1. Explane sobre a diferença entre a análise linguística da Gramática Tradicional
e da Gramática Gerativa.

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2. Discuta a abordagem formalista e a funcionalista.

3. De acordo com Leite (2008), estudado no texto complementar, a descober-


ta de qual fenômeno linguístico na ASL (língua de sinais americana) levou
muitos pesquisadores a reverem a questão da ordem dos constituintes na
sentença, até então assumida como livre na ASL? Por que esse fenômeno
motivou tal revisão?

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Referências
BERLINCK, R. de A.; AUGUSTO, M. R. A.; SCHER, A.P. Sintaxe. In: MUSSALIN, Fernan-
da; BENTES, Ana Cristina (Orgs.) Introdução à Linguística: domínios e fronteiras.
3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. v.1.

FELIPE, Tanya Amara. A estrutura frasal na LSCB. In: Anais do IV Encontro Nacio-
nal da ANPOLL, Recife, 1989.

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Gabarito
1. Resposta mínima deve contemplar o fato de que a Gramática Normativa es-
tabelece o que é sintaxe e como se estruturam as sentenças de uma língua a
partir da elaboração de regras do bem falar e do bem escrever com base na
análise de como escritores consagrados empregam as estruturas sintáticas
da língua. A Gramática Gerativa, por sua vez, está interessada na sintaxe en-
quanto representação mental das estruturas linguísticas. Assim, na Gramáti-
ca Gerativa, interessa a análise de estruturas sintáticas tal como se acredita
que elas estejam organizadas na mente do falante.

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O nível sintático I

2. A abordagem formalista olha para a língua e formula sua análise do ponto


de vista de que a língua é autônoma, um objeto de estudo em si mesma, não
dependente do contexto, razão pela qual sua análise se detém apenas den-
tro do limite das sentenças. A visão funcional da linguagem considera que
as formas e estruturas da língua são motivadas pelas necessidades comuni-
cativas do falante. Sob essa perspectiva, a análise sintática deve considerar
o contexto comunicacional e seus participantes para estabelecer como uma
dada língua se estrutura, sendo que nessa abordagem a língua não é vista
como um objeto em si mesma.

3. A descoberta dos sinais não manuais foi o fenômeno que levou à revisão da
ideia de que a ordem dos constituintes das sentenças na ASL seria livre. Isso
ocorreu pois estudos evidenciaram que os sinais não manuais são empre-
gados para marcar estruturas sintáticas e relações entre os constituintes nas
sentenças. Desse modo, o uso de determinados sinais não manuais acarreta
ordens específicas dos constituintes.

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