Almeida 1977
Almeida 1977
Almeida 1977
F. F. M. DE ALMEIDA*
ABSTRACT This paper is an attempt to justify the original concept of the São Francisco Craton
and to defìne its limits. This Craton covered almost the entire State of Bahia and parts of the near
Minas Gerais, Goiás, Pernambuco and Sergipe States during the Brasiliano Cycle. The authol cha-
racterizes the Araçuaí folded belt whose structures correspond to the Macaúbas Group and are dis-
posed on the southern and southeastern borders of the Craton. The nature of the limits of the Craton
with the adjacent folded belts is discussed. A proposal to establish these limits along evident marginal
faults with .justified inferences between them is submitted.
*O termo é aqui aplicado no sentido em que foi definido por Stille em 1940, significando o resta-
belecimento de condições ortogeossinclinais numa região já consolidada
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Figura I-Cráton do São Francisco, com indicação de seus limites prováveis, coberturas e faixas
márginais de dobramentos brasilianos. Localidades referidas no texto: l, Altamira; 2, Araçua7;3,
A,l.o.adoNorte;4,Bocaiíva;5,BomJesusdaLapa;6,BrotasdeMacaúbas;T,caatinga;8,caculé;
9, Carandai;10, casa Nova; 11, Contendas do sincorá; 12, Cordeiros; 13, Curaçâ; 14, Diamantina;
15, Formosa do Rio Preto; 16, Galheiros; 17, Gouveia; lB, Guanambi; 19,
Guapé;20, Iguatama;
21, Itaju da colônia; 22,Itapebi;23, Ituaçu; 24, Jequitai;25,Juazeito;26, Lençóis; 2T,l|J'J'4acarani
Salto da Divisa;
28, Martinho Campos; 29, Pålmas de Monte Alto; 30, Paramirim; 31, Patamuté; 32,
33, Santa Maria da Boa Vista; 34, santa Maria da Vitória; 35, São Domingos; 36, São
Raimundo
Nánato;37,'seabra; 38, Sete Lagoas; 3g, Sítio da Abadia;40, Tremedal;41, Urandi; 42,Yírzea
da Palma
Reaista Brasileira de Geociências Volume 7, 1977 355
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original do cráton deva ser traçada pouco a norte dos trechos fluviais acima referidos,
de tal modo que nele seja situado o Quadrilátero Ferrífero.
nela. As estruturas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, a ela pertencem' pelo menos
em parte.
O Grupo Macaûbas apresenta-se em estreita faixa exposta na zona de falhas que
limita a Seria do Espinhaço a oeste, alcançando proximidades do Quadrilátero Ferrlfero
perto de Altamira. Entretanto só a norte do paralelo de Diamantina tem sua área dé
ãcorrência expandida, estendendo-se em rumo NNE (Moraes 1932a), no norte de Minas
Gerais, para penetrar na Bahia, em direção a Cordeiros, já com rumo NE. Entre essa
cidade e Tremedal, parece orientar-se a faíxa Araçuaí a E-W (veja Mascarenhas, 1973,
Fig. 2), seguindo depois em rumo sE, para Maracaní, Maiquinique, salto da Divisa,
no baixo Rio Jequitinhonha, e ltagimirim) para então se ocultar sob a planíc'ie costeira
do baixo vale do Rio Buranhém (veja a Fig. l, in SíIva Filho, 1974). Alguns granitos são
intrusivos nessa faixa.
o Grupo Macaúbas recobre, em discordância angular, o Grupo Espinhaço, sendo,
por sua vez, também assim recoberto pelo Bambuí, como tem sido referido por alguns
investigadores. Representa a sedimentação geossinclinal de carâter variado, originalmente
constituída de pelitos, arenitos, grauvacas, arcósios e conglomerados, ocorrendo sr¡bor-
dinamente calcârios, itabiritos e produtos vulcânicos básicos. Essas rochas foram diversa-
mente modificadas pelo metamorfismo, que cresce desde facies xisto-verde, nas regiões
próximas ao Espinhaço, a anfibolito, nas regiões dos baixos cursos dos rios Jequitinhonha,
Araçuaí e Pardo.
Em trabalhos recentes, Karfunkel e Karfunkel (1975) e Hettich (1975) descrevem
a estratigrafia do Grupo Macaûbas na região sul de sua área de ocorrência. Por ter sido
o Grupo Bambuí inteiramente destruído pela erosão que se seguiu à inversäo geossinclinal*
(ou ainda não tendo sido identificado um tebtonogrupo geossinclinal que lhe seja equiva-
lente), é impossível determinar a espessura original do Grupo Macaúbas; o meio milhar
de metros indicado por J. Karfunkel e B. Karfunkel e mesmo os pouco mais de I 000 m
medidos por M. Hettich são evidentemente valores mínimos, incompatíveis com o meta-
morfismo de suas rochas. Moraes (1937) atribuiu ao grupo milhares de metros de espessura.
As metagrauvacas seixosas constituem os metassedimentos mais em evidência do
grupo, não só pela facilidade com que se deixam identificar, como pelos problemas gené-
ticos que suscitam. Representam realmente uma fração limitada do grupo, não mais que
200 a 350 metros de espessura, nas áreas investigadas por J. Karfunkel, B, Karfunkel e
M. Hettich. Ocorrem em sua parte inferior, mas não basal. Sua origem glacial, sugerida
por Hartt (1870) e Derby (iz Moraes, 1932a), foi mais firmemente proposta por Moraes
Rego (1930) e Moraes e Guimarães (1930). Os evidentes indícios de ações glaciais sobre
o cráton próximo, representados pela Formaçäo Jequitaí e seu embasamento quartzítico,
estriado e modelado, e menos claramente pela Formação Bebedouro, na Bahia, aliados
à correlação de ambas com o Grupo Macaúbas da faixa de dobramentos, indicam que as
metagrauvacas seixosas constituem o equivalente glácio-marinho, depositado no geos-
sinclíneo, de detritos arrastados pelos gelos provenientes do continente, a oeste (Hettich,
1975). Essa interpretaçäo, todavia, não é unanimemente aceita. F. Renger, em 1970,
supôs ser o Macaúbas molassa da orogênese Minas, idéia aceita por Schöll (1972). Schmidt
Traçado dos limites sul e sudeste O sistema de falhas inversas, mediante as quais os grupos
Espinhaço e Macaúbas foram lançados sobre o Grupo Bambuí, a oeste da Serra do Espi-
nhaço, define claramente a justaposição da borda ocidental da faixa de dobramentos
Araçuaí, à borda do cráton do São Francisco. A sul do paralelo lB'30'S, tais falhas foram
já assinaladas em diversos trabalhos compilados em mapa por pflug e Renger (1973).
A norte, onde ainda não existem trabalhos de detalhe, elas foram observadas, em diversas
seções, por Moraes (1932b, lg37), Cobra (1969) e outros. Ao penetrarem no cráton do
São Francisco, as estruturas da Serra do Espinhaço apresentam a ddlexão de (Irandi, ond,e
as direções dominantes NNE que possuem em Minas Gerais voltam-se para NNW. Nela,
as estruturas brasilianas do espinhaço mineiro cedem lugar às uruaçuanas, do baiano.
No norte de Minas Gerais e na região vizinha da Bahia, como referimos, a faixa
Araçuaí descreve grande arco com concavidade voltada para sul, já observado por Masca-
renhas (1973) e que bem se percebe nas imagens de radar. Os poucos conhecimentos, ora
disponíveis, sobre a geologia da região não permitem apontar a posição da borda cratô-
nica a norte da faixa de dobramentos. Certamente ela se situa a sul do Rio de Contas,
pois que, a norte, já se apresenta a cobertura cratônica em Ituaçu e em Contendas do
Sincorá. O Grupo Rio Pardo (Pedreira et at., lg69) possui características de uma bacia
marginal desenvolvida à borda do cráton, que ali está bem caracterizado pelo magmatismo
360 Reaista Brasileira de Geociências Yoltme 7, 1977
alcalino brasiliano (Fujimori, 1967; Cordani et al., 1974) de Itaju da Colônia e de Poti-
ragúá,,.assim como por idades do Pré-Cambriano Inferior de seu embasamento, rl<'tcr-
minadas por Cordani (1973a). Esse autor indica o falhamento de Itapebi (ou falha de
Planalto, af. Mascarenhas, 1973) como o limite da faixa de dobramentos do Ciclo Brasi-
liano com o Complexo Granulltico de Jequié, embasamento do cráton. Tais considerações
e a certeza que temos de que os dobramentos brasilianos não se estenderam à região do
Espinhaço, na Bahia, levam-nos a propor como limite convencional do cráton, nessa
região, o indicado na Fig. 1. Ele evidentemente carece de melhor definição, que só se
poderá obter com o mapeamento detalhado da região
*Veja Folha n.o 19, do Mapa Hidrogeológico do Nordeste, Departamento de Recursos Minerais,
SUDENE
Reaistø Brasileira de Geociências Yolume 7 , 1977 361
Brito Neves (1975) denominou bacia marginal de Barra Bonita aos depósitos brasi-
lianos, de pouco a nad.a metamór{ìcos, de uma pequena depressão que o Rio São Francisco
atravessa entre Juazeiro e Curaçá. Ela comprova a extensão do cráton à margem esquerda
do rio, bem próximo a sua terminação norte, onde ele se articula com o maciço mediano
Pernambuco-Alagoas, separando-os grande falha que atravessa o rio em Santa Maria da
Boa Vista.
O traçado do limite do cráton com a faixa de dobramentos sergipana oferece poucos
problemas. Tanto em Sergipe como na Bahia, onde a faixa termina no Rio Säo Francisco
próximo a Curaçä, o limite é claramente assinalado por destacadas falhas inversas que
sobrepõem diferentes tectonogrupos, lançando-os em parte sobre a cobertura Bambuí do
cráton, como ocorre em Patamuté. Corundundum, Bendengó, etc.
A faixa de dobramentos, através cla posiçäo de suas estruturas planares, manifesta
acentuada vergência dirigicla para o cráton, a SW (Humphrey e Allard, 1968; Jordan,
1971). Estudo geocronológico (Brito Neves e Cordani, 1973) confirma terem-se realizado, no
Ciclo Brasiliano, o metamor{ismo e a intrusäo de granitóides nessa faixa. O Grupo Estância,
em Sergipe, pouco deformado e não-metamórfico, representa material de natureza molás-
sica que se estende do interior da faixa de dobramentos (Formação Juá), que recobre em
discordância angular, até sobre o cráton.
CONCLUSOES O cráton do São Francisco é uma grande unidade tectônica que com-
preende a maior parte do Estado da Bahia e se estende às regiões vizinhas de Minas Gerais,
Sergipe, Pernambuco e Goiás. Seu embasamento consolidou-se ao término do Ciclo Tran-
samazônico, após o que somente sofreu deformações de nàttreza paratectônica. Sua cober-
tura compreende dois complexos. O mais antigo é correlativo de uma faixa de dobramentos
desenvolvida durante a primeira metade do Pré-Cambriano Superior. O mais novo,
brasiliano, recobre quase metade de sua área, Faixas de dobramentos surgiram durante
a evolução de geossincllneos dispostos às bordas do cráton no Ciclo Brasiliano, na segunda
metade do Pré-Cambriano Superior, Processos de sedimentaçäo, tectogênese, metamor-
fismo e magmatismo em condições comparáveis às dos miogeossinclíneos foram acompa-
nhados, em seu término, pela inversão geossinclinal. Resultaram relevos às bordas do
crâton, cuja erosão destruiu grandes trechos das faixas marginais de dobramentos e causou
o recobrimento, de parte pelo menos do cráton, com depósitos molássicos. A tectogênese
brasiliana desenvolveu, nesses geossinclíneos. doblamentos holomórficos e falhamentos
inversos, denotando acentuada vergência enr rlilt'çio uo antcpaís cratônico, e deformou
as bordas de sua cobertura. Sistemas de falhas marginais e, na falta deles, zonas de tran-
sição dos dobramentos holomórficos para os de natureza plataformal permitem traçar
aproximadamente metade dos limites do cráton. Em outros trechos, nos quais a erosão
destruiu os materiais brasilianos, sem que se observem falhas marginais ou ainda por se
acharem cobertos, esses limites só podem ser aproximadamente indicados,
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