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Enquadramento A Abordagem Do Enquadramento Nos Estudos Do Jornalismo

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ARTIGOS CALEIDOSCÓPIO

A ABORDAGEM DO ENQUADRAMENTO
NOS ESTUDOS DO JORNALISMO

Os estudos do enquadramento, mais


conhecidos na pesquisa em comunicação como
abordagem do framing1, representam um dos
paradigmas mais expressivos que a investi-
gação do jornalismo conheceu nos últimos
tempos. Esta abordagem tem como ponto de
partida a utilização da noção de frame como
conceito analítico do discurso jornalístico e dos
seus mecanismos de produção de sentido nas
sociedades contemporâneas. Apesar de contar
já mais de duas décadas de evolução, conta-
bilizando a partir dos trabalhos pioneiros de
Gaye Tuchmann (1978) e Todd Gitlin (1980),
não conhecemos na investigação nacional
algum esforço teórico e/ou empírico que
possamos considerar um exemplo desta corren-
te. Existem, é certo, referências mais ou menos
vagas à noção de «frame», mas não
encontramos nenhum estudo que se aproprie do
conceito como ponto de referência para definir
o quadro conceptual de uma investigação.
Tentamos, neste artigo, através da revisão
de trabalhos desenvolvidos no âmbito do
«framing», conhecer as origens e evolução
desta abordagem nos estudos do jornalismo,
demonstrando os diferentes sentidos com que o
seu conceito central tem vindo a ser aplicado,
com contributos importantes tanto no quadro
das Teorias da Notícia como no das Teorias dos
Efeitos. Pensamos, assim, poder contribuir para
uma maior divulgação desta corrente e oferecer
algumas referências de base para estimular
futuros estudos nela inspirados.
1 Traduzimos os termos «framing» e «frame» por «enqua-
Telmo Gonçalves dramento», mas mantemos no texto em alguns casos os
Escola Superior de Comunicação Social termos originais do inglês por uma questão de variedade.

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TELMO GONÇALVES

Origens de um conceito

Deve-se ao antropólogo e epistemólogo da comunicação anglo-americano Gregory Bateson a


introdução da noção de «frame» nas ciências sociais e humanas. Num dos seus mais célebres
papers, «A Theory of Play and Fantasy» (1954; 1972), Bateson analisa os «paradoxos de
abstracção da comunicação verbal» (1972: 177), a nível metalinguístico e metacomunicativo,
utilizando o termo «frame» como conceito psicológico que relaciona com a noção de «contexto».
Para este autor, enquadrar significa delimitar um conjunto de mensagens (ou acções significativas)
que adquirem sentido na situação partilhada pelos interlocutores. É o enquadramento que nos
permite, por exemplo, distinguir simulação de realidade; distinguir o jogo do seu referente real.
A noção de «frame» apresenta-se, assim, como conceito central da possibilidade de abstracção
da comunicação, operando ao nível da metacomunicação: é o enquadramento da situação que
organiza a estrutura de sentidos das mensagens e acções. «Qualquer mensagem que explícita ou
implicitamente defina um enquadramento – explica Bateson – ipso facto dá ao destinatário
instruções ou ajudas na sua tentativa de perceber as mensagens inseridas no enquadramento.
O inverso também é verdade. Toda a mensagem metacomunicativa ou metalinguística define,
explícita ou implicitamente, o conjunto de mensagens sobre as quais comunica, i.e., toda a mensa-
gem metacomunicativa é ou define um enquadramento psicológico» (1972: 188).
Quando numa conversa com um amigo lhe dizemos «é mentira», depois de lhe termos
apresentado uma situação drástica ou dramática, estamos, simultaneamente, a verbalizar e a definir
o enquadramento que lhe vai permitir interpretar todas as mensagens anteriores como falsas. As
mensagens vêem, neste caso, o seu sentido reconfigurado através da explicitação verbal de um
enquadramento fornecido a posteriori.
Os enquadramentos psicológicos são – e esta vai ser uma ideia fundamental na aplicação do
conceito nos estudos do jornalismo (Tuchmann, 1978; Entman, 1993) –, simultaneamente, exclusi-
vistas e inclusivos, pois, da mesma forma que incluem determinadas mensagens (ou acções significa-
tivas), excluem outras. Bateson sugere uma analogia com a moldura de uma fotografia: «A moldura
à volta de uma imagem, se a considerarmos como uma mensagem para dar ordem ou organizar a
percepção do observador, diz: «Toma atenção àquilo que está dentro e não tomes atenção àquilo que
está fora». (...) A moldura diz ao observador que na interpretação da imagem não está a utilizar o
mesmo tipo de pensamento que usa na interpretação do papel de parede» (1972: 187).
É esta dimensão do conceito como organizador e definidor da percepção da realidade que vai
inspirar Erving Goffman na obra Frame Analysis (1974), onde o sociólogo pretende analisar a
organização da experiência individual na interacção social do quotidiano. «[A definição de uma]
situação é construída em concordância com princípios de organização, os quais governam os
acontecimentos – pelo menos os sociais – e o nosso envolvimento subjectivo neles; “frame” é a
palavra que utilizo para me referir a tais elementos básicos...», explica Goffman (1974: 10 e 11).
Os enquadramentos funcionam como princípios básicos de organização das nossas experiências.
Definem não só a forma como interpretamos as situações, mas também como interagimos com os
outros. Estruturam, em síntese, a nossa experiência da realidade.
Apresentando-se como conceito com potencial de análise dos processos cognitivos nas mais
diversas situações, a frame analysis torna-se uma prática transversal às ciências sociais e humanas,
com aplicações em diferentes domínios disciplinares: psicologia, sociologia, linguística, musicologia,

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A ABORDAGEM DO ENQUADRAMENTO NOS ESTUDOS...

filmologia, estudos literários... A generalização do uso trouxe uma imensa e variada literatura, que
naturalmente redundou em aplicações da noção de «frame» com sentidos distintos e até
incompatíveis (Fisher, 1997). O conceito assumiu uma «conceptualização difusa», como refere
Robert Entman (1993: 51); o uso comum a que se presta a palavra também não ajuda à consistência
conceptual. A transposição para os estudos do jornalismo não vai constituir uma excepção (Entman:
1993; Scheufele: 1999).

«Frame» nos estudos do jornalismo

No seu estudo clássico das notícias como construção social de realidade, Gaye Tuchmann traz
a noção de enquadramento para o estudo do jornalismo. «[As notícias são] uma janela para o
mundo», descreve Tuchmann, que «pretendem dar-nos aquilo que queremos saber, necessitamos de
saber e devemos saber» (1978: 1). A metáfora concentra em si a forma como a socióloga utiliza o
conceito. As notícias são o próprio enquadramento, pois é através delas que construímos grande
parte da nossa percepção do mundo e da nossa relação com ele.
As notícias produzem um «corte» artificial na realidade que passa, elevando ao estatuto de
conhecimentos públicos apenas pequenas partes da multiplicidade de ocorrências do quotidiano social
(1978: 7). São a «moldura» de Bateson; dizem-nos: «Toma atenção no que está dentro, porque é aquilo
que precisas de saber e deves saber sobre o teu mundo». «Mas, como qualquer enquadramento que
delimita o mundo – escreve Tuchmann –, o enquadramento das notícias pode ser problemático. A vista
através de uma janela depende de a janela ser grande ou pequena, ter muitas ou poucas vidraças, de
o vidro ser opaco ou transparente, de estar virada para a rua ou para as traseiras» (1978:1).
Este estudo de Tuchmann não tem como objectivo central explicar de que forma a realidade é
enquadrada pelas notícias, ou como é que a nossa percepção da realidade pode ser definida pelas
notícias. Orienta-se num sentido diferente, ainda que complementar: a abordagem etnometodológica
da autora pretende explicar-nos as influências estruturais – das organizações, das rotinas de
produção e da ideologia dos jornalistas – sobre a selecção e construção de notícias, ou seja, sobre
a definição dos seus enquadramentos. Demonstra, por exemplo, de que forma a rede montada para
garantir o processo de produção de notícias constitui um elemento determinante na construção
social da realidade. «A rede de notícias – conclui a socióloga – impõe ordem no mundo social pois
permite que os acontecimentos noticiosos ocorram em determinados locais, mas não noutros»
(1978: 23). Trata-se essencialmente de uma perspectiva de análise estrutural da produção de
enquadramentos, procurando explicações nos mecanismos institucionalizados no seio de um grupo
profissional com valores e rotinas próprios da «acção de fazer notícias» (Tuchmann, 1978: 12).
Todd Gitlin, na sua obra The Whole World is Watching (1980), vai inspirar-se na noção de
enquadramento de Tuchmann para analisar como é que uma realidade histórica concreta – o
movimento estudantil da «nova esquerda» norte-americana nos anos 60 – foi influenciada pela
acção dos media. Utiliza o conceito para perceber como é que os principais media reagiram à
emergência do movimento; para compreender que acontecimentos, retóricas, temas e tons foram
considerados merecedores de noticiabilidade ao longo dos tempos, e por que razões; para saber de
que forma o próprio movimento se modificou (na sua estrutura, liderança, política, estratégia e
táctica) devido à interacção com os media (Gitlin, 1980:13).

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TELMO GONÇALVES

«Os enquadramentos são princípios de selecção, ênfase, e de apresentação – define Gitlin –


compostos por pequenas teorias tácitas sobre o que existe, o que ocorre e o que é relevante. (...)
Os enquadramentos mediáticos são padrões persistentes de cognição, interpretação e
apresentação, selecção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos
organizam rotineiramente o discurso, seja verbal ou visual» (1980: 6 e 7). Apresentam-se com uma
dupla função: organizar o mundo para os jornalistas que o reportam – são eles que permitem aos
jornalistas operacionalizar o processamento de grandes quantidades de informação – e para as
audiências.
Uma das orientações substantivas do estudo de Gitlin concentra-se naquilo que designaríamos
por enquadramento temático da realidade, ou seja, a análise dos temas mais destacados pelos media
na cobertura de uma dada problemática, que se oferece aos jornalistas sempre com diferentes
hipóteses de «selecção, ênfase e apresentação». Analisando a cobertura mediática das acções de
protesto do Students for a Democractic Society (SDS), Gitlin explica a longa caminhada deste
movimento até ser considerado merecedor de noticiabilidade, o que sucede cinco anos após a sua
criação, com a organização da grande Marcha sobre Washington contra a guerra do Vietname, a
17 de Abril de 1965. Conquistar a atenção da agenda jornalística não significou, no entanto, uma
maior legitimação social do movimento, pois os enquadramentos temáticos iniciais reflectiram de
perto as concepções da ideologia dominante sobre a contestação social em curso (Gitlin, 1980:
pp. 21-31). A tese de Gitlin demonstra como o enquadramento da realidade nos media não se
processa de forma ideologicamente neutra, como sugerem as concepções profissionais da acção
jornalística (Cf. Traquina, 2002).
No estudo de Tuchmann sobressai uma análise das notícias, elas próprias, enquanto construção
social. No estudo de Gitlin, sobressai uma análise da influência das notícias na construção social de
uma realidade histórica. São operacionalizações complementares do mesmo conceito, mas que nos
ajudam ambas a compreender por que razões «as notícias são como são», redundando em
importantes contributos para o domínio específico das Teorias da Notícia (Cf. Sousa, 2000).

Um paradigma para o estudo dos efeitos

A história da investigação sobre a problemática dos efeitos dos media é caracterizada por
profundas alterações paradigmáticas. Na sua obra monumental sobre as teorias da comunicação,
Denis McQuail dá início ao capítulo dedicado à questão dos efeitos sublinhando, precisamente, a
controvérsia que a problemática suscita na investigação e a contradição entre as percepções do
senso comum com alguns postulados teóricos de determinadas correntes de investigação. «Todo o
estudo da comunicação de massas assenta na premissa de que os media têm efeitos significativos»,
afirma McQuail, «apesar de existir pouco consenso sobre a sua natureza e extensão. Esta incerteza
é tanto mais surpreendente quanto a experiência de todos os dias providencia exemplos numerosos,
mesmo se menores, da existência de influência» (2003: 422).
O autor identifica quatro etapas de evolução da pesquisa sobre os efeitos dos media. A primeira,
desde o início do século XX até finais dos anos 30, muito influenciada pela experiência da propa-
ganda da Primeira Grande Guerra, desenvolve-se sobre um modelo que atribui uma capacidade
ilimitada de influência dos media sobre as opiniões, as atitudes e os comportamentos. É o período

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marcado pela teoria hipodérmica, que vai buscar fundamentos teóricos à psicologia behaviorista e
à teoria da sociedade de massa (Esteves, 2002; Wolf, 1992). No início dos anos 40, inicia-se um
período de revisão dos pressupostos da teoria dos efeitos ilimitados, cuja evolução resulta no «para-
digma dominante» do estudo dos efeitos até aos anos 60 (Cf. Gitlin, 1978; Noelle-Neumann: 1983).
O «novo paradigma» valoriza o papel da influência pessoal e do complexo de relações sociais na
mudança das opiniões e atitudes dos indivíduos, limitando a influência dos media à produção de um
efeito de reforço das predisposições individuais. É a fase marcada pela teoria dos efeitos limitados,
consubstanciada no famoso modelo «two-step flow of communication» de Paul Lazarsfeld e Elihu
Katz (Cf. Katz: 1957). A terceira etapa caracteriza-se pela procura de outros tipos de efeitos sociais
dos media, os efeitos cognitivos a longo prazo (Cf. Saperas: 2000). Nesta fase destacam-se as
abordagens da Teoria da Espiral do Silêncio (Noelle-Neumann, 1973) e da Teoria do Agendamento
(McCombs e Shaw, 1972), que recuperam a noção dos media todo-poderosos. No início dos anos
80, inicia-se uma nova etapa, que McQuail apelida de «construtivismo social», com abordagens que
combinam as duas perspectivas, reconhecendo, simultaneamente, capacidades limitadas e
poderosas nos efeitos dos media.
A abordagem do enquadramento vai inserir-se nesse paradigma emergente do estudo dos efeitos
(Gamson e Modigliani: 1989). Sustenta, por um lado, que os media exercem a sua influência como
entidades centrais na construção social da realidade nas sociedades contemporâneas, pela definição
dos enquadramentos através dos quais as imagens da realidade são interpretadas pelos indivíduos;
mas ressalva, por outro, que os efeitos são «mediados» na interacção entre os media e os indivíduos
e que as mensagens não podem ser consideradas como estímulos com a possibilidade de obter
reacções universais e homogéneas. Sugere-se, em síntese, uma noção de «influência negociada»
dos media, como observa McQuail:
«Este paradigma emergente dos efeitos tem dois aspectos principais. Primeiro, os media “constroem”
formações sociais e mesmo a própria história, ao fixarem imagens da realidade (na ficção como nas notícias) de
formas previsíveis e padronizadas. Em segundo lugar, as pessoas nas audiências constroem para si próprias a
sua visão da realidade social e o seu lugar nela, em interacção com as construções simbólicas oferecidas pelos
media.» (2003: 427)

Os indivíduos não estão absolutamente expostos à influência dos media. Eles mobilizam para o
processamento e interpretação da realidade social a sua experiência directa, a interacção com os
seus pares e desenvolvem interpretações selectivas das mensagens dos media. Os enquadramentos
mediáticos são apenas parte do processo através do qual os indivíduos constroem a sua percepção
da realidade social (Gamnson e Modigliani, 1989: 2). A produção de efeitos resulta de uma relação
recíproca entre os enquadramentos mediáticos – cuja definição também é resultado da interacção
dos jornalistas com os promotores e fontes das notícias –, e os enquadramentos ou esquemas de
pensamento das audiências (Entman, 1991: 7).
Podemos ver nesta abordagem a síntese de alguns frutos de 100 anos de estudo sobre a
problemática dos efeitos, com aquisições conceptuais importadas tanto dos modelos que
desvalorizam a influência dos media como daqueles que tendem a valorizá-la. Identificamos
facilmente, por exemplo, a incorporação do conceito de exposição selectiva herdado dos estudos da
persuasão e da teoria dos efeitos limitados; ou o conceito de transferência de relevância proposto
pela teoria do agendamento como fórmula explicativa do primeiro nível de efeitos do agenda-setting.

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TELMO GONÇALVES

A noção de «influência negociada» sugerida pelo modelo interaccionista não deve, no entanto,
ser entendida como posição relativista do poder dos media. A abordagem do «framing» parte do
postulado de que os enquadramentos dos textos comunicativos (notícias, discursos, romances...)
podem exercer uma forte influência sobre as opiniões, atitudes e decisões dos indivíduos (Entman,
1993: 51). Um dos exemplos mais utilizados pelos teóricos desta corrente para demonstrar o poder
do enquadramento vem da psicologia cognitiva, duma experiência realizada por Daniel Kahneman e
Amos Tversky (1984), na qual os dois investigadores confrontaram os seus inquiridos com a
resolução do seguinte problema (Cf. Iyengar, 1991: 12; Entman, 1993: 53):
«Imagine que os Estados Unidos estão a preparar-se para a emergência de uma epidemia asiática rara, que
se espera que venha a matar 600 pessoas. São propostos dois programas alternativos para combater a epidemia.
Assuma que estimativas científicas exactas apontam as seguintes consequências:
Se o programa A for adoptado, 200 pessoas serão salvas.
Se o Programa B for adoptado, há um terço de probabilidade das 600 pessoas serem salvas e dois terços
de probabilidade de nenhuma pessoa ser salva.
A qual dos dois programas será favorável?»

Neste teste, 72 por cento dos indivíduos escolhem o Programa A; 28 por cento escolhem o
Programa B. Numa experiência seguinte com outros inquiridos, são colocadas opções idênticas para
solucionar a mesma situação, mas verbalmente enquadradas em termos de mortes prováveis e não
de vidas salvas:
«Se o programa C for adoptado, 400 pessoas morrerão.
Se o Programa D for adoptado, há um terço de probabilidade de ninguém morrer e dois terços de
probabilidade de 600 pessoas morrerem.»

As percentagens invertem-se: o Programa C foi escolhido por 22 por cento dos indivíduos,
enquanto o Programa A tinha sido escolhido por 72 por cento; o Programa D recolheu a preferência
de 78 por cento dos inquiridos, enquanto o idêntico Programa B recebeu apenas 28 por cento.
Este exemplo demonstra como o enquadramento pode influenciar as formas como a maioria das
pessoas percepciona, compreende e memoriza um problema, bem como o avalia e escolhe agir sobre
ele. «A noção de “framing” – conclui Entman – implica que o “frame” tem um efeito comum em
largas proporções junto da audiência destinatária, apesar de não provocar um efeito universal»
(1993: 54).

O modelo interaccionista

Para termos uma noção do modelo interaccionista de produção de efeitos, seguimos a proposta
de Robert Entman (1993), que parte da seguinte definição do conceito de enquadramento:
«O framing essencialmente envolve selecção e saliência. Enquadrar é seleccionar alguns aspectos de uma
realidade percebida e torná-los mais salientes num texto comunicativo, de forma a promover uma definição
particular de um problema, uma interpretação causal, avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento
para o item descrito.» (Entman, 1993: 52)

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A ABORDAGEM DO ENQUADRAMENTO NOS ESTUDOS...

Com base nesta definição, são identificadas quatro funções do enquadramento: definir problemas,
diagnosticar causas, fazer julgamentos morais e sugerir soluções. Entman defende que uma simples
frase pode desempenhar mais do que uma destas funções de enquadramento, inclusive as quatro,
embora a maioria das frases de um texto não desempenhe nenhuma delas (Entman, 1993: 52).
O enquadramento como processo de interacção social pode ser analisado considerando quatro
instâncias intervenientes na produção de sentido. Os comunicadores, que produzem consciente ou
inconscientemente julgamentos de enquadramento quando decidem aquilo que vão dizer, guiados por
enquadramentos que organizam o seu sistema de crenças. O texto produzido pelos comunicadores,
onde se imprimem os enquadramentos de forma mais ou menos consciente, manifestando-se pela
presença ou ausência de determinadas palavras-chave, imagens estereotipadas, fontes de informa-
ção e frases que promovem o reforço temático de conjuntos de ideias ou de juízos, formando uma
espécie de argumento dos enquadramentos. O receptor, que na interacção com o texto mobiliza os
seus enquadramentos próprios – o resultado pode reflectir ou não os enquadramentos do texto e a
intenção de enquadramento do comunicador. Por último, a cultura, que consiste no «stock» de
enquadramentos comuns invocados nas instâncias anteriores, pois constitui a origem dos
enquadramentos exibidos no discurso e pensamento da maioria dos indivíduos de um determinado
grupo social (Entman, 1993: 53).
O enquadramento desempenha funções semelhantes nas quatro instâncias de interacção. No
caso particular dos enquadramentos mediáticos, será útil distinguir na primeira instância dois tipos
de comunicadores, que representam dois níveis de enquadramento distintos a considerar: os
protagonistas da acção jornalística e os jornalistas, que assumem posições diferentes no processo
de definição de enquadramentos, sendo que os primeiros não só tentam mobilizar os segundos para
a inclusão dos problemas que lhes interessam na agenda jornalística, mas também estruturam o seu
«texto comunicativo» de forma a condicionar ou influenciar os enquadramentos dos segundos (Cf.
Molotch e Lester, 1974). A comunicação política será o domínio onde mais facilmente poderemos
encontrar evidências desta competição pela definição dos enquadramentos mediáticos através dos
mais diversos processos de news management (Bennett, 2001: 113-147).
Embora se trate de uma descrição básica do modelo interaccionista, a sistematização de Entman
permite-nos ter uma primeira noção da amplitude do processo de enquadramento e da diversidade
de níveis a que podemos colocar a sua análise. Prossegui-lo implica cruzar duas dimensões: por um
lado, a análise dos enquadramentos mediáticos e dos seus contextos de produção; por outro, a
análise dos seus efeitos junto das audiências. Identificamos, assim, uma íntima relação com o
modelo codificação e descodificação de Stuart, pois a problemática dos efeitos dos media é pensa-
da como um circuito complexo com diferentes momentos que se interligam numa estrutura de
produção de sentidos. O modelo interaccionista pensa o processo de produção de efeitos como
«complexa estrutura em dominância», como sugere Stuart Hall, «sustentada através da articulação
de práticas conectadas, em que cada qual, no entanto, mantém sua distinção e tem a sua
modalidade específica, suas próprias formas e condições de existência» (1980; 2003: 1).
Podemos encontrar um bom exemplo de aplicação do «framing» como paradigma dos efeitos dos
media no trabalho de Shanto Yengar, um dos investigadores mais destacados desta corrente. Num
estudo sobre o enquadramento mediático dos assuntos políticos pela televisão, o professor da Stanford
University divide a análise das notícias em duas categorias de enquadramento distintas: episódicas
– peças televisivas centradas no acontecimento e seus protagonistas; e temáticas – notícias centradas
na problemática, com maior grau de abstracção e contextualização (Cf. Iyengar, 1994: 14). O objectivo

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TELMO GONÇALVES

central do investigador consiste em tentar demonstrar como é que estes dois tipos de enquadramento
podem influenciar directamente a forma como as audiências tendem a atribuir as responsabilidades dos
problemas políticos. Paralelamente à análise de conteúdo das notícias, Iyengar vai desenvolver
experiências de campo como grupos de foco para estudar os efeitos de notícias com enquadramentos
manipulados, que complementa com uma análise de inquéritos nacionais. Os temas em estudo são o
crime, o terrorismo, a pobreza, o desemprego e as desigualdades raciais.
Iyengar conclui que, embora se registe pouca consistência na forma como os inquiridos
interpretam os diferentes temas, as atribuições de responsabilidade foram sensíveis às duas formas
de enquadramento, excepto no caso do desemprego (Iyengar, 1994: 127). Os enquadramentos
temáticos estimularam mais as atribuições de responsabilidade ao governo e à sociedade, enquanto
as notícias com enquadramentos episódicos suscitaram um maior índice de atribuições de
responsabilidade a factores individuais. Trata-se, assim, de um exemplo que estabelece uma relação
directa entre determinadas propriedades das notícias e os seus efeitos nas audiências, entre os
momentos de codificação e descodificação.

Superação do «paradigma fragmentado»

Um dos problemas que se colocam à abordagem do «framing» como paradigma do estudo dos
efeitos é o seu carácter fragmentado, resultado da amplitude que a problemática pode assumir e,
por consequência, da própria dificuldade em explicar exactamente como é que os enquadramentos
podem gerar efeitos (McQuail, 2003: 460). «Apesar de uma omnipresença transversal às ciências
sociais e humanas – afirma Entman –, não existe uma teorização geral que demonstre exactamente
como é que os enquadramentos se incrustam e se manifestam num texto, ou como é que influenciam
o pensamento» (1993:51). A ausência de um quadro teórico conceptual comum às pesquisas do
«framing» impede, por exemplo, a comparação de resultados empíricos entre diferentes estudos, o
que constitui um obstáculo à progressão do modelo (Scheufele, 1999).
Alguns teóricos do «agenda-setting», por exemplo, consideram o «framing» uma evolução da
teoria do agendamento, que se funde com esta na investigação de um segundo nível de efeitos, que
sugere, além da transferência de relevância (primeiro nível de efeitos: agenda temática), também a
existência de uma outra agenda, que designam por agenda de atributos. Este segundo momento dos
efeitos do «agenda-setting» resultará da transferência de atributos com que os acontecimentos e
protagonistas são apresentados (ou enquadrados) no discurso jornalístico para a forma como os
indivíduos vão processar a informação e, consequentemente, pensar sobre esses objectos noticio-
sos (McCombs e Shaw, 1993). «Tanto a selecção de objectos – sustentam McCombs e Shaw –
para atrair a atenção como a selecção dos enquadramentos para pensar sobre esses objectos são
tarefas poderosas do agendamento» (1993: 131). A evolução da teoria do agendamento, desde o
início dos anos 90, tem sido marcada pela compreensão deste segundo tipo de efeitos do «agenda-
setting». Os estudos do enquadramento podem trazer aqui contributos importantes, e há mesmo
alguns autores que utilizam em conjunto os conceitos de «framing», «agenda-setting» e «priming»
na investigação dos efeitos dos media (Cf. Iyengar, Simon, 1993).
Numa tentativa de organizar e superar a fragmentação conceptual que atravessa a abordagem
do framing, Dietram Scheufele (1999) propõe um modelo metateórico para a sistematização das

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diferentes perspectivas e dos diferentes níveis de análise que podem ser considerados na
prossecução do modelo interaccionista. Uma vez que os enquadramentos mediáticos constituem,
simultaneamente, esquemas para a apresentação e interpretação das notícias, as pesquisas
poderão considerar, a um primeiro nível, duas dimensões diferentes de enquadramento: a) os
enquadramentos mediáticos (media frames), que conferem uma unificação de sentido a um conjunto
de acontecimentos desempenhando as quatro funções identificadas por Entman (1993); e, por outro
lado, b) os enquadramentos individuais (individual frames), constituídos pelos conjuntos de ideias
preexistentes que guiam os indivíduos no processamento da informação.2
A tipologia de Scheufele considera ainda, a um segundo nível, outra perspectiva de orientação
complementar, baseada no estudo dos tipos de factores que influenciam a definição de
enquadramentos. O autor identifica, por um lado, estudos que analisam os enquadramentos como a)
variáveis dependentes e, por outro, estudos que consideram os enquadramentos como b) variáveis
independentes. Tomando como exemplo a análise dos enquadramentos mediáticos, os estudos do
«framing» podem então orientar-se no sentido de identificar de que forma estes dependem de
diversos factores, como os constrangimentos organizacionais, as rotinas produtivas ou a própria
ideologia profissional, ou considerar os enquadramentos mediáticos como variáveis independentes,
orientando-se para a análise da forma como diferentes tipos de enquadramentos mediáticos podem
influenciar a percepção individual dos acontecimentos.3

Tabela 1
Tipologia das Pesquisas do Enquadramento
(segundo Scheufele, 1999)

4 perspectivas complementares de análise dos enquadramentos


Enquadramentos mediáticos Variáveis dependentes
Enquadramentos individuais Variáveis independentes

2 A pensar na aplicação do modelo nos estudos de comunicação política, Scheufele sugere ainda, dentro dos enquadramentos
individuais, uma subcategorização, considerando dois enquadramentos de referência distintos no processamento da informação: b’)
opiniões políticas gerais de longo prazo (long-term political views), resultantes de determinadas características da personalidade dos
indivíduos, que exercem uma influência limitada na percepção e interpretação dos problemas quotidianos; e b’’) enquadramentos
temáticos específicos (issue-related frames), relacionados com os temas específicos que constituem opiniões políticas de curto
prazo, mas que podem exercer uma influência significativa na construção de sentido e na resposta à informação (Scheufele, 1999).
3 Dietram Scheufele sugere para a análise dos enquadramentos como variáveis dependentes e independentes as seguintes questões
de orientação, que poderão ajudar a uma melhor compreensão dos conceitos:
«Enquadramentos mediáticos como variáveis dependentes:
Q1: Que factores influenciam a forma como os jornalistas ou outros grupos sociais definem o enquadramento de determinados assuntos?
Q2: Como é que este processo funciona e, como resultado, quais são os enquadramentos que os jornalistas utilizam?
Enquadramentos mediáticos como variáveis independentes:
Q3: Que tipos de enquadramentos mediáticos influenciam a percepção das audiências em relação a determinados assuntos e como
é que este processo funciona?
Enquadramentos individuais como variáveis dependentes
Q4: Quais os factores que influenciam a criação de enquadramentos individuais de referência, ou os enquadramentos individuais
são simples replicações dos enquadramentos mediáticos?
Q5: Como é que os membros da audiência podem desempenhar um papel activo na construção de sentido ou na resistência aos
enquadramentos mediáticos?
Enquadramentos individuais como variáveis independentes:
Q6: Como é que os enquadramentos individuais influenciam a percepção individual dos assuntos?» (Scheufele, 1999: 108).

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TELMO GONÇALVES

«Classificar e avaliar estudos do enquadramento baseados nesta tipologia não é tarefa fácil»,
adverte o autor; «certos estudos podem cair em mais de uma célula» (Scheufele, 199: 109). As
abordagens do framing tendem a focalizar-se num destes níveis de enquadramento, embora também
possam combinar diferentes perspectivas, conferindo através de análises multinível uma maior
consistência ao estudo no âmbito de uma teoria dos efeitos.

Discussão

Os estudos de Tuchmann (1978) e Gitlin (1980), seguindo a tipologia de Scheufele, não


suscitam grandes dúvidas de classificação. São claramente abordagens dos enquadramentos
mediáticos enquanto variáveis dependentes. Os dois autores assumem pressupostos fortes sobre o
«poder dos media», reconhecendo-lhes uma influência decisiva na forma como construímos a
experiência do mundo que está além das nossas vivências directas, mas não têm como missão
explicar como é que esse processo de influência ocorre; como é que os enquadramentos mediáticos
podem influenciar directamente as nossas formas de processar e pensar a realidade. Gitlin
desvaloriza mesmo a pesquisa sobre os «efeitos», numa posição similar à da abordagem
funcionalista das comunicações de massa de finais dos anos 40 (Cf. Lazarsfeld e Merton, 1948),
interrogando-se sobre se é possível medir o impacto de uma força social omnipresente em toda a
vida social e que desempenha um papel central na sua constituição (1980: 9).
A proposta de Scheufele tem o mérito inquestionável de nos fornecer uma perspectiva global
sobre os estudos do enquadramento, mapeando o terreno de investigação da corrente e os
diferentes sentidos de pesquisa em que podemos seguir. A dúvida que levantamos reside apenas em
saber se esta perspectiva global, motivada pela busca de uma maior consistência teórica, mas
também de legitimação e afirmação de uma corrente, não correrá o risco de se tornar
excessivamente integradora. Ao tentar organizar a abordagem do «framing» segundo a óptica da
problemática dos efeitos, pode-se estar a confundir abordagens teóricas diferentes – ainda que
nalguns pontos possam ser complementares –, cujas aquisições deverão ser lidas em função das
suas orientações específicas.
Na abordagem do «framing», identificamos, por um lado, estudos orientados para a explicação
sociológica do funcionamento do campo jornalístico e dos seus mecanismos de produção de sentido.
E, por outro, estudos que têm uma orientação determinada pela explicação dos efeitos dos media
noticiosos. Embora sejam abordagens complementares, com algumas hipóteses de cruzamento, os
primeiros têm de ser lidos no contexto das Teorias da Notícia, enquanto os segundos no domínio
específico das Teorias dos Efeitos.
Apesar de todas as discussões em torno dos estudos do «framing», mais de 20 anos de
investigação demonstram as virtudes teóricas e analíticas desta abordagem, com contributos
importantes para a evolução do nosso conhecimento sobre as notícias e seus efeitos sociais. Sem
querer sugerir qualquer espécie de hegemonia paradigmática, pensamos que podemos encontrar
nesta corrente um bom ponto de apoio para informar muitos dos estudos empíricos que hoje se
fazem em Portugal.

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A ABORDAGEM DO ENQUADRAMENTO NOS ESTUDOS...

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