Milton Santos - Zona Do Cacau
Milton Santos - Zona Do Cacau
Milton Santos - Zona Do Cacau
*
Cartograma de Otto R . Be11dix
Exemplar 0916
1957
Obra executada nas oficinas da
São Paulo Editora S/ A. - São Paulo, Brasil
BIBLIOTECA P E DAGÓGICA BRASILEIRA
SÉRm 5.ª * B..B...A.SJ L 1 A N A * VoL. 296
MILTON· SANTOS
(l' mfessor da Faculdade Católica d e F ilosofi a da Bahia
e Catedrático d e Geografia cio Colégio Municipa l d e Ilhéus
- Sócio efetivo da Associação d os Geógraf os Brasileiros)
ZONA DO CACAU
Introdução ao Estudo Geográfico
*
2.ª EDIÇÃO
(revista )
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*
Di re itos desta edição reservados à
COMPANHIA EDITORA NACIONAL
Rua dos c;;usmõcs, 639 - São Paulo
Prefácio . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
I - A ZO:" A DO CACAU 9
Região e Zona 14
- O cacau e o clima . . . . . . . . . . . . . . 17
2 - O cacau e ·a Eloresta . .. . .. .. . . . . 19
3 - A flores ta e o solo . . . . . . . . . . . . . . 25
4 - O cacau e o solo 25
1 - Os processos culturais . . . . . . . . . . . 27
2 - Uma grande fazenda de cacau :
A Fazenda li.forro Redondo 30
IV - l'OVOAMENTO E POPULAÇÃO:
l - O povoamen to . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2 - A população . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
V - o "HABITAT" RURAL:
1 - Os portos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
2 - As rodovias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
3 - As ferrovias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
4 - Os aeroportos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
l - O comérc io internacion al 89
2 - O comércio local . . . . . . . . . . . . . . . . 91
REGIÃO E ZONA
l) O CACAU E O CLIMA
2) O CACAU E A FLORESTA
TEMPERATURA UMIDADE
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dezembro . .. .. ... ... 98G,1 25,1 35,5 20,2 35,6 15,4 85,2 100 40
janeiro . . ........... 98(!,2 25,4 32,2 . 20,6 37,8 17,0 85,0 100 40
fevereiro ... . ... . .... 985,9 25,3 31,7 20,5 37,2 16,0 85,5 100 42
- - - - - - - - - - - - - - -·
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VERÃO .. . .. .. .•.. . . . 986,1 31,8 25,3
20,4 37,8 15,4 85,2 100 40
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março .. : . . ..... .... 985,9 25,3 31,9 20,7 36,4 17,0 86,3 100 46
abril. .. .. . .. .... .. . 987,2 24 ,4 30,5 20,5 3G ,8
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16,7 87,9 100
maio .; .. ... .... . ... ~88,9 23 ,0 28,9 18,9 35,2 14,2 87,7 100 /.
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ÜUTONO ... ; . ; . . . . . .. 987 ,3 24,2 30,4 20,0 3G,8 14,2 87,3 100
junho .. .... .. ...... 990,9 21 ,8 27,7 17,6 34,0 12,3 88,0 100 43
julho ..... .... ...... 992,G 20,9 26,7 16,9 33,0 11,8 87,4 100 40
agôsto ..... : ........ 99 1,9 21,1 27,4 16,5 32,4 12,6 86,3 100 35 i
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INVERSO ... .. . . . ..•• 991,8 21,3 27,3 17,0 - 11,8 87,2 100
setembro .. . .. . ... . . 990,6 22,0 28,2 17,2 :14 ,2 12,0 86,6 100
outubro .. .. . ... . .. . 988,•1 23,6. 29,8 18,8 35,8 13,8 85,8 100 6
novembro . ... . .. _. ... 986,1 24,5 30,5 10,7 36,I 15,6 85,8 100 7
PRIMAVERA . •. . . . . . . . 988,4 23,4 29,5 18,G 3G,1 12,0 86,6 ' 100 41 '1
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468,3 50 470,2 5,9 E 1,0 10
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Fazen d a R io do
Braço . . .. ... . ... 179,0 8 120,0 7 138,0 4 192,0 8 113,0 7 130,0 18
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93,5 10 126,8 15 14 1,0 6 20,0 4 67,6 2 43,4 5 1.109,4 115
155,2 12 107,7 18 15 1,6 13 50, 2 8 26,2 4 72,5 o 1.498,0 157
124,7 11 89,5 15 101,8 9 62,7 13 61, 7 7 85,4 12 1.165,6 147
122,7 18 113,3 21 151,7 15 54,4 14 09,7 12 130,9 20 1.427, 9 208
3) A FLORESTA E O SOLO
A floresta junta-se ao cacaueiro na sua tarefa de
restituir ao solo boa parte dos p rincípios orgânicos que
dêle retira para sua alimentação. As fôlhas que inces-
santemente vão caindo ao chão, antes de se decomporem
para formação de espêssa camada de matéria orgânica,
formam um "rnulch", que evita a rápida evaporação das
águas de chuva, permitindo que o solo fique permanen-
temente ensopado de umidade, o que tanto reclama a
árvore <lo cacau. Por isso não se deve limpar o solo dessas
fôlhas caídas. Elas representam uma garantia de que
as chuvas não canegarão <la terra os princípios orgânicos:
são uma espé cie de barreira à ação da erosão. Protegem,
juntamente com as raízes das árvores e arbustos, o rico
solo móvel, possível, sem essa alternativa, <le ser levado
pelos rios e desaparecer nas profundezas <lo mar. Pode
dizer-se que o cacaueiro cria o seu solo, ou, pelo menos,
que o conserva ou recria.
4) O CACAU E O SOLO
Se se indagar a um lavrador qualquer quais os ter-
renos _propícios à plantação do cacau, êle, embora desco-
nhecendo os princípios da ciência agronômica e as verda-
deiras exigências da planta, não deixará sem resposta o
seu interlocutor. Dir-lhe-á que são bons os terrenos cober-
tos de mata ou onde sejam numerosas as pedras que aí
estarão como que a protegê-los. A sua resposta, de um
empirismo evidente, tem, entretanto, muita razão de ser.
A presença da mata é garantia de uma boa camada de
terra vegetal, pela devolução de princípios orgânicos atra-
vés das fôlhas que caem. As pedras, por outro lado, de
certo modo, são um obstáculo à erosão, servindo à fixação
do solo. Certas árvores, como o jequitibá, a gameleira e
26 MILTON SANTOS
1) OS PROCESSOS CULTURAIS
Descrição Física
A Fazenda Morro Redondo, que tem a extensão apro-
ximada de 1.500 h ectares está situada n o município de
Ilhéus, em terreno ligeiramente ondulado, de altitude
média mais ou menos de 100 metros, havendo, porém,
algumas elevações mais consideráveis, como o Morro Re-
dondo que lhe empresta o nome e alcança, aproxima-
damente, 230 metros.
As formas de relêvo presentes nessa propriedade n ão
fogem às características gerais da região em que ela se
encontra. São peneplanícies de aspecto tabu lar, de alti-
tude variável entre cem e duzentos metros, de quando
em vez interrompidas por u ma ou outra elevação mais
notável. Mesmo assim, os moradores acham direito cha-
mar de serras às repercussões mais sensíveis, ali, das serras
atlânticas. E' uma denominação localmente aceita, mas
errada geogràficamente.
ZONA DO CACAU 31
As instalações
A Fazenda tem uma bela aparência, apresentando
várias casas de estilo moderno, em número, mais ou me-
nos, de 32. São as moradas das pessoas mais importa ntes
e de vários trabalhadores e, também, de funcionários do
Instituto do Cacau, que, aí, tem uma filial.
As casas de M orro Redondo estão dispostas em ave-
nidas. Na avenida principal ficam as casas dos proprie-
tários e a casa onde estão situadas a capela e a escola.
A "Casa Grande" possui dois andares. Em frente há
um j ardim.
T ransversal a essa aven ida estão as casas dos traba-
lhadores e as barcaças que são em número de 17: estas
têm a forma retangular, servindo a sua parte superior
para a seeagem de cacau e a inferior para a moradia de
empregados. Nos dois lados opostos da parte superior
estão colocados dois trilhos que se alongam e são susten-
tados por pilares, comparando-se com o que é observado
na grande maioria das propriedades da região.
Há, também, aí, uma grande estufa que, por meio de
calor do fogo de lenha, exerce, com mais brevidade, a
função cometida às barcaças. A estufa prepara o cacau
com mais rapidez e sua utilização não depende do sol,
o que a torna utilíssimà nos meses de chuva. Há, tam-
bém, um armazém, um açougue, uma barbearia, uma
alfaiataria, um bazar, 7 garagens, uma carpintaria, uma
oficina de ferreiro. Alguns prédios estão em construção,
como sejam uma fábrica, para aproveitamento industrial
do cacau, uma igreja e u m cinema. No interior da plan-
tação existem 40 casas feitas de taipa ou esteio.
O fornecimento de água à fazenda é feito por meio
de cisterna, sendo que para a sede é canal izada, existindo,
porém, um projeto de canalização para tôda a fazenda.
ZONA DO CACAU 33
A Vida na Fazenda
Pode d izer-se, entretanto, que Morro R edondo tem
viela quase incle penclen te ela maior parte dos centros acima
citad os, pois ali se enco ntram tôdas as u tilidades neces-
sárias à vida <los seus trabalhadores. O seu armazém
p ode ser considerado um modêlo entre as casas do
gênero. As vendas são feitas a dinheiro aos moradores
de outras faze ndas, mas aos seus própri~ podem ser feitas
a prazo de 8 a 30 d ias, isto é, q uanclo os mesmos traba-
lhadores recebem a féria pelo tra balho dado.
Vende-se, também, por grosso e a retalho, exclusiva-
mente a dinheiro, não deixando de haver também
conta-corrente para as pessoas já creditadas, que têm seus
depósitos em outros pon tos pertencen tes à fazenda ou,
por vêzes, a o utras.
O armazém ele "Morro R edondo" é moderno, sendo
as secções de vendas, distintam ente sep aradas (tecidos,
fer ragens, farmácia, sêcos e molhados, etc.). Nêle há
um bem montado escritório, e um serviço de telefone,
para os mais próximos centros urbanos, llhéus e Itabuna
Os Moradores
E' numerosa a população d a Fazenda Morro Re-
dondo, aproximadamen te, d e 300 pesso<ls, na sede, sen<lo
a m aioria, como é normal n a zona, do sexo masculino,
cêrca de 60 por cento. Calcula-se que morem na Fazenda
cêrca ele 200 famí lias sendo 30 na sede e 170 no interior.
Vê-se por a í qu e é disperso o povoamento, graças
ao grande n úm ero de roças que constituem o extenso
domínio dessa plantação. Voltaremos ao assu nto qu ando
falarmos do "habi ta t" ru ral.
Assim encontramos, dentro da Fazenda, além do
povoado principal q ue, além de tomar-lhe o nome, lhe
ZO A DO CACAU 35
serve de sede, tanto social como comercial, vários ajunta-
mentos de casas, formando pequenos núcleos, aos quais
estão ligados nomes interessantes como: Traíras, Limoei-
ro, Santa Rita, Boqueirãozinho, Berimbau, Mosquito.
tste último, tem uma· referência particular quanto ao
seu nome, assim se chamando pelo fato de os seus primi-
tivos donos terem sido de pequena estatura. í.sses nomes
lembram as roças e fazendas menores que foram sendo
incorporadas, no decorrer da vida da "plantation" e a
presença de tais pequenos núcleos atesta a sua grande
extensão e produção.
A movimentação de trabalhadores é reduzida, haven-
do até um, que aí vive há 30 anos, ou seja, desde quando
a Fazenda foi fundada. A maioria dos trabalhadores tem
idade variável entre 20 a 50 anos. São na sua totalidade
brasileiros, sendo que o Estado melhor representado entre
êles é o de Sergipe, cujo contingente é o maior.
O crescimento da Fazenda
A fazenda Morro Redondo é um a das mais novas
d e tôda a região. Os seus atuais proprietários, quando
ali chegaram, em 1919, encontraram quase que somente
a mata, p ois a plantação de cacaueiros era muito reduzida.
A sua p rimeira colheita foi ele quinhentas arrôbas,
insignificante se levarmos em conta a produção atual de
quase quarenta mil.
A fazenda S. Jorge, era êste o seu primitivo n ome,
quando foi comprada, tinha 10 hectares de superfície.
Hoje, porém devido à agregação, por compra, de roças
que lhe eram vizinhas, mediante quase 500 escrituras de
compra e venda, ocupa cêrca de 1 . 500.
A herdade possui hoje perto de 150 trabalhadores,
cuja maior parte tem família constituída, mas, nos seus
primeiros tempos e ram apenas 5 os operários.
ZONA DO CACAU 37
A fazenda está se preparando para passar de um
período puramente agrícola para a sua fase agro-indus-
trial, pois já se encontra concluído o edifício em que se
instalará a fábrica de geléia de cacau.
A fazenda possui, h oj e, cêrca de 17 barcaças desti-
nadas à secagem do cacau e que, ao mesmo tempo,
desempenham a função de moradia, razoável até, do
trabalhador braçal. Os irmãos Maron, seus proprietá-
rios, constituem exceção à regra do "absenteísmo". São
presentes à sua fazenda.
IV - POVOAMENTO E POPULAÇÃO
1) O POVOAM;ENTO
O papel do cacau
A marcha ascensional do su l d o Estado começara
quando se incorporaram Ilhéus e Pôrto Seguro à admi-
nistração ce ntral d a Bahia .
.Já agora, os cuidados da Metrópole, aliados às inci-
pientes atividades econômi cas que, ali, se encetavam, ha-
ver iam de obrigar as comunicações entre o sul e a
Bahia, intensificando o desenvolvimento econômico da
região.
Foi o arroz o primeiro produto valioso para a eco-
nomia local.
O que, no entanto, vai dar à zona su l da Bahia
um novo aspecto, deslocando, para ali, grande massa de
colon os, não só dêste Estado, como de outros, é o cacau,
cuja introdução ali se atribui a Luiz Frederico W arneaux
que "em 1746, trazendo do Pará sementes de cacau, as
dera a Antônio Dias Ribeiro, qu e as p lantou no Cubículo,
à m argem direita do rio Pardo, hoje município de Cana-
vieiras, então Capitania de S. Jorge <los Ilhéus".
Não foi notável o comêço dessa cultura, tanto yue
os cronistas de então a ela se referem sem detença , apenas
de passagem. O sr. Gregório Bondar diz q ue "de modesto
início. . . a pouco e pouco vencendo óbices, des tronando
culturas antigas, gradatiyamente crescendo, progredindo
sem cessar e definitivamente vencendo, êste produto é
um exe mplo de quanto podem a constância e a perse-
verança ainda mesmo esquecida e desajudada".
Em l 783, a lavoura cacaueira já era importante e
j á se si tuava n a região de Ilhéus. Os administradores
provisórios da Bahia, num rela tório escrito nesse ano,
n ão escondem o seu entu siasmo pelo desenvolvimento
que as culmras de arroz e de caca u, do qual já havia
mais de quatrocentos mil pés, de que se começa já a ver
fruto, traziam para o progresso da região e exdamam:
ZONA DO CACAU 45
2) A P O P U LAÇÃO
2) OS TIPOS DE CASAS
Quem percorrer a região cacaueira há de observar
a variedade de tipos de habitaçã.o ali reinante.
Na costa ou nas suas proximi dades, residência dos
pescadores e dos agregados ou empregados das fazendas
de côco e, às vêzes, elo seu proprietário, a maioria d as
casas é construída de pau a pique, ou de p alha de pal-
meira, cober tas quase sempre com êste último material.
Uma ou outra plantação de cocos terá casas construídas
de tijolos, mas isto constitui uma exceção.
Na região cacau eira propriamente dita, devemos dis-
tinguir as habitações da zona propriamente rural da dos
centros urbanos, ápresentando-se mais prêsas às exigências
da civilização e do confôrto que o dinheiro pode dar.
Na zona rural as casas são, geralmente, defi nitivas.
Quase tôdas acanhadas, precárias, êste seu estado reflete
o nomadismo dos seus moradores, os trabalhadores, que
54. MILTON SANTOS
·~
* *
70 MILTON SANTOS
2) TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO
FUNCIONAL DAS AGLOMERAÇÕES
As unidades de 1. ª ordem
Assim nos parece que, de um ponto de vista fun·
cional, somente pode ser reconhecido como vefdadei·
ramente ci tadino o conjun to formado pelas cid ades de
Il héus e ltabuna, que constituem um todo orgânico, e a
cidade de Jequié. Quanto <'i s duas p rimeiras, o fato
urbano se evidencia pela coalescênci a de funções, requi·
sito considerado indispensável para a autonomia da aglo-
meração. Quanto a Jequié, essa autonomia também é
evid ente. Nessa s aglomerações floresce uma pequena
indústria, nascid a da ativid ade comercial, ex atamente
p ara servir ao meio rural, ao lado das funções adminis-
trativas, educacional, religiosa, hospitalar, recre;:i tiva, etc.
Podem, aliás, surgir algumas dúvidas, quanto a clas-
sificarmos Jequié como cidade da zona do cacau. De fato
essa localidade não se encontra dentro da zona produtora
do cacau. Ela se loca li za à margem dess a regi ão, numa
área de transição p ara a zona criadora e policultora. Por
outro lado, não tem papel saliente no escoamento elas
safras. T odavia, importante centro comercial, Jequié
serve de entrepôsto para uma boa parte da zona cacaueira,
atendendo ao seu abastecimento. Outras funções também
a credenciam como foco de atração para essa mesma área,
ZONA DO CACAU 73
que dela depende ind iscutivelmen te. Assim, apesar dos
argumentos contrários, tais fatos nos autorizam a consi-
derar Jequié como autêntica cidade da zona do cacau.
Assim, enquanto o sistema Ilhéus-Itabuna constitui
a capital regional da zona do cacau, Jequié que é tam-
bém uma capital regional, em relação a outras zonas,
exerce, também, suas funções citadinas, em relação à do
cacau.
Sendo um pôrto de mar, apesar de suas conhecidas
deficiências, Ilhéus pode levar mais longe a sua influ-
ência, graças, também ao frete de retôrno, sempre mais
barato, dos caminhões que vão entregar o cacau, mas,
sob certos aspectos, Jequié, num canto da zona cacaueira,
disputa com o sistema Ilhéus-Itabuna a função de capital
regional. Área que, sob certos aspectos, se prende a
Ilhéus, e sob outros a Jequié, é a parte da zona externa
de ambas as cidades, onde se dá o choque de suas influê n-
cias, uma faixa na qual podemos incluir, entre outras
localidades, a cidade de I pia ú e as vilas de Ibirataia e
Ubatã.
/Pode-se dizer, então, que as cidades cacaueiras são
núcleos voltados para o exterior da zona, seja com o
objetivo de escoar-lhe a produção, seja com o de receber
(ou fabricar) ( 1) e distribuir primàriamente as utilidades
de que a população rural necessita. Porisso é que tais
cidades, colocadas nos limites extremos da zona, são,
ou exercem funções semelhantes às dos portos: Jequié,
"pôrto de terra" e o sistema Ilhéus-Itabuna, "pôrto de
mar". ,
Em 1940
VA LO!\ DA
ESTABE LE- CAl'l'r A L APUCA DO PESSOAL
MUN I CÍl'lOS PIWD. EM
Cll\lE NTOS (Cr$ l.000) E MP .
1 9~!!)
~
Em 1952
(Sà men te estabelecimen tos com ma is de 5 pessoas)
VALOR DA
NÚMEROS DE P ESSOAS
MUNICÍPIOS PRODUÇÃ.O
ESTAB E LECIMENTOS OCUPADAS
(Cr$ l.OOO)
l ) OS PORTOS
2) AS R OD OV1AS
3) AS FERROVIAS
A zona cacaueira da Bahia é servida por três estradas
de ferro que são a E. F. Ilhéus-Conquista, e E. F. de
Nazaré e a E. F. Bahia a Minas, isto para citá-las na
ordem da sua importância.
Na verdade, a ferrovia que começa em Caravelas
nenhum serviço quase presta ao cacau. A Estrada de
Ferro de Nazaré, que liga o pôrto baiano de S. Roque
à cidade de Jequié e 'só serve ao escoamento da pequena
produção do sudoeste baiano não pode ser especifica-
mente considerada como ferrovia do cacau.
A Estrada de Ferro Ilhéus a Conquista, conquanto
o seu atual traçado não lhe justifique a denominação,
pois, partindo de Ilhéus, alcança apenas as cidades de
Ubaitaba e ltabuna, é a estrada de ferro que bem merece
o nome de estrada do cacau. Compulsando estatísticas
podemos observar que mais de noventa por cento da
ZON A DO CACAU 87
4) OS A E R OPOR TOS
O transporte aéreo tem um lugar de destaque na
vida de relações da zona do cacau. Isso se deve aí não
apenas aos fatôres de ordem geral que conspiram nesse
sentido, mas também a causas par ticulares como adiante
veremos. Além do alto preço do transporte por terra,
feito sob o risco de ficar-se no caminh o ou chegar-se atra-
sado, em vista de não serem boas as estradas, há, também,
a ausência quase co mpleta de navios, de tal sorte que o
tráfego de passageiros tem mesmo que ser feito por
avião. O próprio transporte aéreo se vê paralizado quando
as chuvas torn am impraticáveis os aeroportos, o que só
não acontece em Caravelas que o tem asfa ltado e su cede
com mai s freqü ência em Ilhéus, onde já se iniciaram,
aliás, os trabalhos de pavimentação. Devemos acrescentar
que o próprio transporte de mercadorias é, em boa parte,
feito por via-aé rea o que con tribui para encarecê-las sen-
sivelmente.
A abertura do tráfego do aeroporto de ltabuna fêz
diminuir sensivelmente o movimento de Ilhéus, que con-
tinua, entretanto, a ser o mais importante aeroporto da
zona (ver quadro, fora do texto).
VIII - O COMÉRCIO DO CACAU
1) O COMÉRCIO INTERNACIONAL
IMPORTAÇÃO MUNDIAL
, E:M 1952
(1. 000 ton~
2) O COMÉRCIO LOCAL
O comércio do cacau é exercido, na Bahia, por
quatro categorias de organizações: as casas exportadoras,
as indústrias de transformação primária, as cooperativas
92 MILTON SANT OS
1) O FAZENDEIRO
2) O E XP O R TA D O R
3) O BANQUEI R O
4) O TRABALHADOR
SUPF.R•'ÍCrn DEXSIDADE
MUNICÍPIOS POP U LAÇÃO
(km2 ) (km 2 )
QUAN'l' ID ADE
SAFR AS
(saco 60kg)
VALOR A BORDO
% DO VALOR
ANOS QUANTIDADE TOTAL DA VALOR MÉDIO
NO llRAS!L
(t) EXPORTAÇÃO (Cr$)
(Cr$ 1 000)
BRASILEIRA
Alcobaça . . . .... .
1 943
- -1 500
- =
1944
1382
1945
--- ---
1 mo
1946
1743
1947
4270
1943
105 000
l ll43
138 200
1941
11 2300
19 46
122 010
. 1 94 7
1 366400
Belmonte ....... .
Boa Nova ...... .
150000
10000
105 331
10000
150000
3963
154 l!8
4200
109420 54 600000
12 750 720 000-
10 954 424
ººº ºººººº
15 475 500
33 723 300 5 1 4 16458
840 000 6 120000
Cachoeira ...... .
Camamu .... . .. . 30000
50
50000
50 90
50000 52650
80
50000
- 5 000
2 760000
720
ººº
6 000
10800 12000 -
5 000 6000000 14 742 000 20000000
Cana vici rn.s ..... 160 080 13 2845 134 351 168 500 155000 17 465916 15 569 434 16202731 13 143000 G9 750000
Ilhéus .... . .. . ... 680 700 075398 79.5 000 619 624 745 490 70 ll 2 100 53 !13 299 95 400 720 72 948331 298 196000
lpiaú .... .. .....
Itabuna. . ........
121428
404 881
72 264 50000 72 000 57 318 10 078524
31 8208 353 087 380000 300000 40 892 981
5 549 875 5 200 coo 10 800 ººº 3 1 728
32 520858 35308 700 38 000000 5 1500000
ººº
Itacaré .......... 113 584 137 5 12 115654 121342 131500 11358400 12 307 324 13 878 480 14 561 040 8 1"530 000
Itu berá .. .. ..... 66 424 00 890 47 867 49658 40565 5147 8GO 5517 816 5 744 0·10 5 462 380 24·209 1!}2
J aguaquara . .. .. . J 809 1 700 2013 1 4 17 1480 180 900 113 l! O 211 069 2 12 550 518000
J equié . . . . .. . .. . 50 626 69990 42000 6 1200 41 650 2430 048 5 281 734 3 360000 9 180 000 22 491000
J iq uiriçií ... , .... 2 10 360 340 370 360 178W 28800 37 100 33 300 187200
Lagc .. .... . .. .. .
Mare.ú . ... ... ....
6 16
3076 1
380
37203
555
24 676
750
37 42 1
750
36 750
44 352
3 199 144
27360
3 8G9 ll2
56984
35533H
138 ººº 326 000
4 935432 20 515 900
M ucu ri .... . . ... . 11 162 20 166 13 800 17 000 li 000 1339 44 0 2 419 920 110~ 000 1386000 4380 000
Mutuipc .. ... ... 3640 5 439 1000 6415 7 000 262 080 482 432 352000 878700 2 188000
Nilo P cçan ha . . . 12 f,00 15102 15000 14 100 16 400 1008 000 1 239 874 1 500 000 846000 1968000
P oçõe, ...... .... 547 250 138 14 ICO 13100 42666 20400 11730 4 0 16 103 6 288 000
P órt o Seguro .... 7 890 5 450 6408 7 660 fi600 725 880 523 200 6033ii2 1225 600 2 Olfl 000
Prado . .. . . .. .. ..
12 ººº 10 370 10010 12 334 l~ 379 l 200 000 622 200 1 OOJ GOO 2466 800 7 689500
S. Cr uz C11lm\lin
Santa ln l?z ......
2 4 18
28::!
2 418
499
666
110
1 000
214 l 180 ººº
45080
24816
145080
39920
39 ur.o
8oao
120 000
10050
40000 o
63 000
Taperon . ...... ..
Ubaira .... . . . ...
3 000
480
2123
433
3 100
841
3200
880
3 400
900
2·10
25 440
ººº 111 458
24 985
272 800
70429
307 200
158 400
1 360 ººº
, 41400 o
Ubaitaba . ..... . . 530('0 63156 14250 14 50(1 30000 5 605600 6 568 224 1 5-14700 1740000 14400000
Una . . .. .. . . . .... 59980 61000 66068 73771 39 000 7 197600 7 520 000 7 928160 10 512 368 11 700000
Valença. ····· .. 2300 2 500 1600 29 00 2 900 207 000 204 750 148 DOO 638000 638000
EaTA DO., ... 2893 468 1862 419 1906 789 1 893 147 1 839 162 237 141 67 7 170 459 796 215 173 780 243 164 567 733 358 65 o
•
F o><n: : Departamento E stad ual d e Estnt lst!ca - Divisão d e Estatlstica Econômica - E s tado da Bahia .
(*) Com pn ra.r com c s tntfstlcas mais r ece nte s~ no tex to.
MOVIMENTO NOS úLTIM OS 12 ANOS DOS PORT OS DE SALVADOR E ILHÉUS
1943 ..... . .. .. . . . 441.815 27.262 469.077 302.191 89.285 391.476 744.006 116.547 860.553
1944 . . . ... .. .... . 413.390 29.277 442.6G7 293.8ll 79.050 372.861 707.201 108.327 815.528
1945 . .. ... . .. ' 356.503 31.309 387.812 276.277' 72.919 349.196 612.780 104.228 737.008
1
1946 ... ...... ' . . . 393.310 36.884 430.194 275.584 122.762 398.346 668.894 159.646 828.540
•
1947 .. . .. .... . .. . 371.472 48.933 420.405 217.121 74.035 291.156 588.593 122.968 711.561
1948 . . .. .. . . .... . 397.001 58.773 455'774 223.380 73.339 296.7H! 620.381 132.112 752.493
1949 ... .. . .... ... 449.020 53.791 502.6ll 260.202 135.721 395.923 709.222 189.312 898.534
1950 ....... . ' .... 488.678 68.998 557.676 257.655 127.280 384.935 746.333 196.278 942.611
1951 . . . ...... . .. . 530.582 66.608 597.190 221.357 106.408 327.745 751.919 173.016 924.935
1952 .... . . . . .... . 516.871 46.257 563.128 195.712 68.103 263.815 n2:5s.1 114.360 826.943
1953 ...... ... . .. . 471.649 45.812 517.461 221.897 119.948 341.845 693.546 165.760 859.306
1954 .. .. ... .. . .. .. 494.272 52.533 546.805 308.420 113.206 421.626 802.692 165.739 968.431
1955 ....... ' .... . 482.116 61.482 543.598 364.481 117.297 481. 778 846.597 178.779 1.025.376
TOT A L ••• • Sacos de 60 quilos 1 399 895 1 416 097 1 452 997
Valor com ercin.I (CrS) !)9 09 1 442,30 94 822 57 4,70 144 333 080,20
TONE L ADAS
% n o CACAU
ANOS E DERIVADOS
Cacau e Outros NO T OTAL
Total
derivados produtos
ILHÉUS
AVIÕES PASSAGEIROS CARGA (kg)
ANOS Aterris- Deco- Em bar- Desem- Embar- Desem-
sados lados cados barca dos cados barcados
ITABUNA
AVIÕES PASSAGEIROS CARGA (kg)
ANOS Aterris- Deco- E mbar- Desem- Embar- Desem-
sados lados cados barcados cados barcados
\ .--·- ./
'-· I
'-_.i
.J
CONV ENÇÕ E S
~ MA I S D~ 400 MI L SACOS
~ DE 50 AT É 200 MI L
~ M NOS DE 50 M i l
- ........
·-·-·,., _.,. .___.,.,,,.·-""·
- @
PORTO SEGURO o
., .,
·. . .
' ·-._.,,..-·- -·- ·-·- ·-· - ·- ·/ '
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o
.....
·---·..... ., __ .-.
' _ __ _......-· ......... !'_R A D O
.....
'\
.
-·-·-·- ' ·
F cc. 1 - Caca uei ro frutifi cando.
FJG. 2 - O frut o do ~ncau cola-se, •lireta mcn tc, ao tronco da :'in ·ore.
FIG . 3 - · O frut o do cacau, antes e depois de partido.
Frn. 4 Uma faz end a <le c:-tcau: os es t nbeleci m e n tos (ba r c a ç n e estufa) . em primeiro pla n o ,
ani1nais con duz indo caca u JHl r t i t l o pnra os cocl ~o>t d e r e nne ntnção e , ao f u n do. o c a cau ei r o s on1hrendo
( l "lncl o n h n p r essíio ' l c. 1n nta 11 nt u r :.11.