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Psicologia A Ciência Do Bem-Estar

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Camila Alves de Cremo
Luiza Alves Batista
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Shutterstock Copyright © Atena Editora
Edição de Arte Copyright do Texto © 2021 Os autores
Luiza Alves Batista Copyright da Edição © 2021 Atena Editora
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Prof. Dr. Paulo Inada – Universidade Estadual de Maringá
Prof. Dr. Rafael Henrique Silva – Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande
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Ciências Exatas e da Terra e Engenharias


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Tecnologia de Goiás
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Prof. Dr. Eloi Rufato Junior – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
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Profª Drª Luciana do Nascimento Mendes – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Marcelo Marques – Universidade Estadual de Maringá
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Profª Drª Neiva Maria de Almeida – Universidade Federal da Paraíba
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Profª Drª Priscila Tessmer Scaglioni – Universidade Federal de Pelotas
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Linguística, Letras e Artes


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Missões
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do Paraná
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do Itajaí
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Prof. Me. André Flávio Gonçalves Silva – Universidade Federal do Maranhão
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Profª Drª Cláudia Taís Siqueira Cagliari – Centro Universitário Dinâmica das Cataratas
Prof. Me. Clécio Danilo Dias da Silva – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Me. Daniel da Silva Miranda – Universidade Federal do Pará
Profª Ma. Daniela da Silva Rodrigues – Universidade de Brasília
Profª Ma. Daniela Remião de Macedo – Universidade de Lisboa
Profª Ma. Dayane de Melo Barros – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Me. Douglas Santos Mezacas – Universidade Estadual de Goiás
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Prof. Dr. Guilherme Renato Gomes – Universidade Norte do Paraná
Prof. Me. Gustavo Krahl – Universidade do Oeste de Santa Catarina
Prof. Me. Helton Rangel Coutinho Junior – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Profª Ma. Isabelle Cerqueira Sousa – Universidade de Fortaleza
Profª Ma. Jaqueline Oliveira Rezende – Universidade Federal de Uberlândia
Prof. Me. Javier Antonio Albornoz – University of Miami and Miami Dade College
Prof. Me. Jhonatan da Silva Lima – Universidade Federal do Pará
Prof. Dr. José Carlos da Silva Mendes – Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento
Humano e Social
Prof. Me. Jose Elyton Batista dos Santos – Universidade Federal de Sergipe
Prof. Me. José Luiz Leonardo de Araujo Pimenta – Instituto Nacional de Investigación
Agropecuaria Uruguay
Prof. Me. José Messias Ribeiro Júnior – Instituto Federal de Educação Tecnológica de
Pernambuco
Profª Drª Juliana Santana de Curcio – Universidade Federal de Goiás
Profª Ma. Juliana Thaisa Rodrigues Pacheco – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Kamilly Souza do Vale – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas/UFPA
Prof. Dr. Kárpio Márcio de Siqueira – Universidade do Estado da Bahia
Profª Drª Karina de Araújo Dias – Prefeitura Municipal de Florianópolis
 
Prof. Dr. Lázaro Castro Silva Nascimento – Laboratório de Fenomenologia &
Subjetividade/UFPR
Prof. Me. Leonardo Tullio – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Ma. Lilian Coelho de Freitas – Instituto Federal do Pará
Profª Ma. Liliani Aparecida Sereno Fontes de Medeiros – Consórcio CEDERJ
Profª Drª Lívia do Carmo Silva – Universidade Federal de Goiás
Prof. Dr. Lucio Marques Vieira Souza – Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da
Cultura de Sergipe
Prof. Dr. Luan Vinicius Bernardelli – Universidade Estadual do Paraná
Profª Ma. Luana Ferreira dos Santos – Universidade Estadual de Santa Cruz
Profª Ma. Luana Vieira Toledo – Universidade Federal de Viçosa
Prof. Me. Luis Henrique Almeida Castro – Universidade Federal da Grande Dourados
Profª Ma. Luma Sarai de Oliveira – Universidade Estadual de Campinas
Prof. Dr. Michel da Costa – Universidade Metropolitana de Santos
Prof. Me. Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva – Governo do Estado do Espírito Santo
Prof. Dr. Marcelo Máximo Purificação – Fundação Integrada Municipal de Ensino Superior
Prof. Me. Marcos Aurelio Alves e Silva – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo
Profª Ma. Maria Elanny Damasceno Silva – Universidade Federal do Ceará
Profª Ma. Marileila Marques Toledo – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri
Prof. Me. Pedro Panhoca da Silva – Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª Drª Poliana Arruda Fajardo – Universidade Federal de São Carlos
Prof. Me. Ricardo Sérgio da Silva – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Me. Renato Faria da Gama – Instituto Gama – Medicina Personalizada e Integrativa
Profª Ma. Renata Luciane Polsaque Young Blood – UniSecal
Prof. Me. Robson Lucas Soares da Silva – Universidade Federal da Paraíba
Prof. Me. Sebastião André Barbosa Junior – Universidade Federal Rural de Pernambuco
Profª Ma. Silene Ribeiro Miranda Barbosa – Consultoria Brasileira de Ensino, Pesquisa e
Extensão
Profª Ma. Solange Aparecida de Souza Monteiro – Instituto Federal de São Paulo
Profª Ma. Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Prof. Me. Tallys Newton Fernandes de Matos – Faculdade Regional Jaguaribana
Profª Ma. Thatianny Jasmine Castro Martins de Carvalho – Universidade Federal do Piauí
Prof. Me. Tiago Silvio Dedoné – Colégio ECEL Positivo
Prof. Dr. Welleson Feitosa Gazel – Universidade Paulista
 
Psicologia: a ciência do bem-estar
 

Editora Chefe: Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira


Bibliotecária: Janaina Ramos
Diagramação: Luiza Alves Batista
Correção: Vanessa Mottin de Oliveira Batista
Edição de Arte: Luiza Alves Batista
Revisão: Os Autores
Organizador: Ezequiel Martins Ferreira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P974 Psicologia: a ciência do bem-estar / Organizador Ezequiel


Martins Ferreira. – Ponta Grossa - PR: Atena, 2021.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5706-760-4
DOI 10.22533/at.ed.604212801

1. Psicologia. I. Ferreira, Ezequiel Martins


(Organizador). II. Título.
CDD 150
Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

Atena Editora
Ponta Grossa – Paraná – Brasil
Telefone: +55 (42) 3323-5493
www.atenaeditora.com.br
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DECLARAÇÃO DOS AUTORES

Os autores desta obra: 1. Atestam não possuir qualquer interesse comercial que constitua um
conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; 2. Declaram que participaram
ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: a) Concepção
do estudo, e/ou aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; b) Elaboração do
artigo ou revisão com vistas a tornar o material intelectualmente relevante; c) Aprovação final
do manuscrito para submissão.; 3. Certificam que os artigos científicos publicados estão
completamente isentos de dados e/ou resultados fraudulentos; 4. Confirmam a citação e a
referência correta de todos os dados e de interpretações de dados de outras pesquisas; 5.
Reconhecem terem informado todas as fontes de financiamento recebidas para a consecução
da pesquisa. 

 
APRESENTAÇÃO

A definição de saúde pela Organização Mundial da Saúde se apresenta como


um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Dentro dessa perspectiva a
Psicologia, como uma ciência do psiquismo, se estrutura em torno da ideia de promover,
nos mais variados modos de atuação, um estado de saú8 a de no indivíduo e na sociedade.
A Coleção Psicologia: A Ciência do Bem-Estar conta com 26 artigos nos quais os
autores abordam diversas contribuições da Psicologia à saúde mental e social do sujeito
humano.
Nos Capítulos 1 ao 4 os autores discorrem a partir da criação freudiana uma análise
do supereu em personagens cinematográficos; discutem a questão do apagamento da
mulher lésbica que a estrutura patriarcal e heteronormativa impõe; abordam a causa de
algumas marcas que resultam em sofrimento psíquico como a depressão, a drogadição
e a autolesão; e evidenciam o estado da sociedade brasileira tomando o cenário atual do
Coronavírus (COVID-19) pela marca do desamparo e negacionismo.
Nos Capítulos 5 ao 7 as práticas do atendimento psicológico são levadas à reflexão.
Diante do isolamento, se coloca em questão o atendimento online que apresenta muito
desafios, além da própria relação médico-paciente nessa modalidade de telemedicina.
Retomando o habitual, tem-se a discussão do diagnóstico numa perspectiva mais
humanista.
O social entra em questão nos Capítulos 8 ao 14. As discussões abordam a
criminalização e uma espécie de contraviolência dirigida à figura do bandido; a proposta
de clínica ampliada como medida social de reintegração à população em situação de rua;
a discussão sobre os possíveis efeitos do aborto à saúde mental da mulher; a percepção
da adolescência pela família, nas questões de iniciação sexual, autolesão, sobrepeso; as
contribuições da psicologia na avaliação quanto ao porte de arma; e o impacto subjetivo do
diagnóstico do diabetes mellitus gestacional.
Nos Capítulos 15 ao 20 é a infância que é tomada como objeto. As pesquisas vão ao
encontro das questões do desenvolvimento humano, desde a possibilidade de reabilitação
neuropsicológica em crianças com o Transtorno do Espectro do Autismo; a relação de
hierarquia da parentalidade; a importância da ludicidade no desenvolvimento infantil; o
manejo dos Trasntornos de Neurodesenvolvimento; a relação das crianças na construção
do espaço que vivem; e os fatores de risco para o desenvolvimento de Personalidade
Antissocial.
Os últimos Capítulos, do 21 ao 26, são agrupados os trabalhos que abordam
técnicas e perspectivas para a promoção do bem-estar. Tem-se a Perspectiva Temporal e a
Regulação Emocional; o Colóquio Relacional e o Genograma; o trabalho com a resiliência e
o autocuidado; a busca da felicidade pelo autoconhecimento; o aconselhamento psicológico;
e o método restaurativo na saúde mental.
Uma boa leitura!

Ezequiel Martins Ferreira


SUMÁRIO
CAPÍTULO 1.................................................................................................................. 1
UM ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE AS DIMENSÕES DO SUPEREU EM TRÊS
PERSONALIDADES FÍLMICAS
Débora dos Santos Silva
DOI 10.22533/at.ed.6042128011

CAPÍTULO 2................................................................................................................12
PATRIARCADO, HETERONORMATIVIDADE E TABU: O APAGAMENTO SOCIAL DA
MULHER LÉSBICA
Ingrid Freitas da Silva
Raquel Lisboa Tinoco Braga
Erika Conceição Gelenske Cunha
DOI 10.22533/at.ed.6042128012

CAPÍTULO 3................................................................................................................26
A ETIOLOGIA PSÍQUICA DAS FORMAS DE SOFRIMENTO PSÍQUICO CONTEMPORÂNEO:
DEPRESSÃO, RECURSO À DROGA E AUTOLESÃO
Claudia Henschel de Lima
Julia da Silva Cunha
Maria Stela Costa Vliese Zichtl Campos
Thalles Cavalcanti dos Santos Mendonça Sampaio
DOI 10.22533/at.ed.6042128013

CAPÍTULO 4................................................................................................................39
PSICANÁLISE E POLÍTICA: ANÁLISE DO DESAMPARO E O NEGACIONISMO NO
CENÁRIO DO CORONAVÍRUS (COVID-19)
Everaldo dos Santos Mendes
Amanda Marques Pimenta
Alex Junio Duarte Costa
DOI 10.22533/at.ed.6042128014
CAPÍTULO 5................................................................................................................56
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO ONLINE: PERSPECTIVAS E DESAFIOS ATUAIS DA
PSICOTERAPIA
Adriana Barbosa Ribeiro
Luciane Patrícia Dias da Silva Eliane
Patrícia Ulkovski
DOI 10.22533/at.ed.6042128015
CAPÍTULO 6................................................................................................................65
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE: PRINCÍPIOS ÉTICOS E SITUAÇÕES-PROBLEMA
Rafael Nogueira Furtado
Isabela Maria Oliveira Souza
DOI 10.22533/at.ed.6042128016

SUMÁRIO
CAPÍTULO 7................................................................................................................74
O OLHAR DA GESTALT-TERAPIA SOBRE O DIAGNÓSTICO
Ana Paula de Souza Ferreira Esquivel
Renato Martins Ribeiro
Erika Gelenske
DOI 10.22533/at.ed.6042128017

CAPÍTULO 8................................................................................................................92
O QUE O ÓDIO AO(À) ‘BANDIDO(A)’ TEM A DIZER SOBRE A SOCIEDADE BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
Gabriela Araújo Fornari
Sylvia Mara Pires de Freitas
DOI 10.22533/at.ed.6042128018
CAPÍTULO 9..............................................................................................................103
GRUPO DE APOIO NA CLÍNICA AMPLIADA PARA OS USUÁRIOS DO CENTRO POP
Karine da Cunha Leou
Marcos Moraes de Mendonça
Kelly Cristina Borges da Silva
Andressa Maria de Oliveira
Fabiana Cabral Gonçalves
Meire Perpétua Vieira Pinto
DOI 10.22533/at.ed.6042128019
CAPÍTULO 10............................................................................................................ 116
OS POSSÍVEIS EFEITOS DO ABORTO NA SAÚDE MENTAL DA MULHER BRASILEIRA
E O PAPEL DA PSICOLOGIA
Erika Conceição Gelenske Cunha
Karina Nunes Tavares Martins
Simone Langano Figueredo
DOI 10.22533/at.ed.60421280110

CAPÍTULO 11............................................................................................................127
AVALIAÇÃO PARA CIRURGIA BARIÁTRICA EM ADOLESCENTE COM SOBREPRESO
Fernanda Gonçalves da Silva
Rosicleide Araujo
Natália Nunes
Joice Barbosa
Joice Reis
DOI 10.22533/at.ed.60421280111

CAPÍTULO 12............................................................................................................138
A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO PARA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA AO PORTE E
POSSE DE ARMA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Marcela Vieira de Freitas
Michele Francisca Anteportam dos Santos
DOI 10.22533/at.ed.60421280112

SUMÁRIO
CAPÍTULO 13............................................................................................................160
IMPACTO SUBJETIVO DO DIAGNÓSTICO DO DIABETES MELLITUS GESTACIONAL
Mariana da Silva Pereira Reis
DOI 10.22533/at.ed.60421280113

CAPÍTULO 14............................................................................................................184
REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA – TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO
(TEA) COM COMORBIDADE DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL (DI)
Juliana Corrêa da Silva
Jessica Layanne Sousa Lima
Thais de Lima Alves Corrêa
DOI 10.22533/at.ed.60421280114
CAPÍTULO 15............................................................................................................197
HIERARQUIA DA PARENTALIDADE E POSSÍVEIS IMPACTOS NO DESENVOLVIMENTO
PSÍQUICO
Glauce Fonseca Bragança
Erika Conceição Gelenske Cunha
DOI 10.22533/at.ed.60421280115
CAPÍTULO 16............................................................................................................210
A IMPORTÂNCIA DO ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO NO TRATAMENTO DE
DOENÇAS CRÔNICAS
Daniele Amarilha Vioto
Thalía Zadroski
DOI 10.22533/at.ed.60421280116
CAPÍTULO 17............................................................................................................214
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL PARA O MANEJO
DOS TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO
Rafael Nogueira Furtado
Juliana Aparecida de Oliveira Camilo
DOI 10.22533/at.ed.60421280117

CAPÍTULO 18............................................................................................................221
CRIANÇAS E SUAS INFÂNCIAS: TECENDO EXPERIÊNCIAS NO ESPAÇO DO BAIRRO
Zuleica Pretto
Letícia Teles de Sousa Renata
Polidoro Aguiar
Tatiane Garceis dos Santos
DOI 10.22533/at.ed.60421280118
CAPÍTULO 19............................................................................................................236
“DE QUEM É A CULPA?” FATORES DE RISCOS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA PARA
O DESENVOLVIMENTO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL
Yloma Fernanda de Oliveira Rocha
Élida da Costa Monção

SUMÁRIO
Ruth Raquel Soares de Farias
DOI 10.22533/at.ed.60421280119

CAPÍTULO 20............................................................................................................253
PERSPECTIVA TEMPORAL E REGULAÇÃO EMOCIONAL DE ESTUDANTES
UNIVERSITÁRIOS
Carlos Eduardo Nórte
Richard dos Santos Ferreira
Luan Felipe de Sousa Dantas
DOI 10.22533/at.ed.60421280120
CAPÍTULO 21............................................................................................................263
DO COLÓQUIO RELACIONAL E O GENOGRAMA: INSTRUMENTOS PARA UMA
ENTREVISTA CLÍNICA
Emilio-Ricci
DOI 10.22533/at.ed.60421280121

CAPÍTULO 22............................................................................................................277
RESILIENCIA Y AUTOCUIDADO: MIRADA Y ESTRATEGIA PARA UNA VIDA PLENA
Nestor Reyes Rubio
DOI 10.22533/at.ed.60421280122

CAPÍTULO 23............................................................................................................281
CONHECE-TE A TI MESMO E SÊ FELIZ!
Carlos Fernando Barboza da Silva
DOI 10.22533/at.ed.60421280123

CAPÍTULO 24............................................................................................................292
A IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA FORMAÇÃO HUMANA
Ezequiel Martins Ferreira
DOI 10.22533/at.ed.60421280124

CAPÍTULO 25............................................................................................................303
MÉTODO RESTAURATIVO E SAÚDE MENTAL: TEMPO, TOQUE, AFETO E DIÁLOGO
EM GRUPOS COM DE FADIGA DE EMPATIA
Miila Derzett
Felipe Brognoli
DOI 10.22533/at.ed.60421280125

SOBRE O ORGANIZADOR......................................................................................318

ÍNDICE REMISSIVO..................................................................................................319

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
doi
UM ESTUDO PSICANALÍTICO SOBRE
AS DIMENSÕES DO SUPEREU EM TRÊS
PERSONALIDADES FÍLMICAS

Data de aceite: 01/02/2021 pulsional e conflito entre instâncias psíquicas


podem emergir na realidade e as possibilidades
de análise e interpretação destas dinâmicas
do aparelho mental através da virtualidade da
Débora dos Santos Silva
sétima arte: o cinema.
Psicóloga (CRP11/07381). Psicologia pelo
PALAVRAS-CHAVE: Supereu, Pulsão de Morte,
Centro Universitário Dr. Leão Sampaio
(2011). Educação Inclusiva com ênfase em Estruturas Clínicas, Personalidades fílmicas.
Atendimento Educacional Especializado (2014)
e Prática Docente do Ensino Superior (2015) ABSTRACT: This research was undertaken with
pela FIP - Faculdades Integradas de Patos the aim of bring up to discussion the Freudian
Psicoterapeuta na HapClínica Padre Cícero concepts related to the second topography of
Juazeiro do Norte/CE psychic functioning (Id, Ego, and Superego
specifically Ego and Superego) in search for
investigate on the disjunction between the life
drive and the death drive and about the questions
RESUMO: Esta pesquisa foi empreendida no
that involve the unconscious feeling of guilt
intuito de trazer à baila os conceitos freudianos
nowadays. Feeling that lead some people to the
em torno da segunda tópica do funcionamento
verge of suicide, in many cases they succeed in
psíquico (Eu, Isso e Supereu, especificamente
the first try to put an end to their lives, in hope
Eu e Supereu) em busca de lançar um olhar
of relieve the suffering of anguish nothing fleeting
sobre a disjunção entre pulsão de vida e pulsão
and always growing: an anguish of death. We
de morte e acerca das questões que envolvem o
sought to analyze, from the Freudian texts and
sentimento inconsciente de culpa na atualidade.
searching for current thinkers, the placing of the
Sentimento que leva certos sujeitos a beirarem
superego and the way he acts on the subjects
o suicídio, quando não a experimentarem êxito
according their clinical structure. Subsequently,
na primeira tentativa de colocar termo à vida,
we mention three main personalities from three
no tentame de aplacar o sofrimento de uma
movies which are used in this research as a
angústia nada passageira e sempre crescente:
tool to understanding how those pathological
uma angústia de morte. Buscou-se analisar, a
behaviors between the drive disjunction and the
partir dos textos freudianos e navegando por
conflict in the psychic instances can emerge in
pensadores da atualidade, o modo de instalação
the reality and the possibilities of analysis and
do Supereu e como ele opera sobre o sujeito
interpretation of those dynamics of the mental
a depender de sua estruturação clínica. Em
apparatus through the virtuality of seventh art:
seguida, foi feito menção a três personalidades
the cinema.
principais de três filmes utilizados na pesquisa
KEYWORDS: Superego, Death Drive, Clinical
enquanto ferramentas para o percebimento de
como estas condutas patológicas entre disjunção Structures, Movie Personalities.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 1


1 | INTRODUÇÃO
A partir da leitura do texto Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho analítico
(FREUD, [1916] 1996), especificamente os dois últimos tipos descritos naquele texto, a
saber: Os arruinados pelo êxito e Criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa,
percebeu-se casos curiosos que desafiam a compreensão, num primeiro momento, onde
os sujeitos se autosabotavam inconscientemente.
Estes casos mencionados por Freud produz no leitor um sentimento de familiaridade
e estranhamento. Familiaridade, na medida em que é possível observar em vários
personagens da história atual casos semelhantes, tais como: acidentes recorrentes
experimentados por uma mesma pessoa; doenças que se manifestam logo após a realização
de um desejo há muito acalentado; envolvimentos em situações sexuais ou sociais onde a
vergonha e a humilhação poderão emergir como consequência da ação empreendida. E,
estranhamento, pois que muitas vezes o histórico de vida e a situação contemporânea dos
sujeitos não conseguem explicar o motivo da utilização destes comportamentos destrutivos
e compulsivos.
Nesta lógica, existem relatos na literatura especializada e em comunicações
jornalísticas de casos que desafiam o entendimento científico acerca de como possibilitar
uma melhoria na condição daqueles que padecem de males como a depressão, depressão
esta que, segundo Birman (2006), figura entre os três grandes males da atualidade, os
outros dois sendo as toxicomanias e o pânico. Sendo que, dentre estas, as depressões e
as toxicomanias parecem estar relacionadas às problemáticas concernentes ao Supereu
se apropriando da energia destrutiva da pulsão de morte e assumindo características
inconscientes de crítica e de culpa direcionadas ao Eu. Proporcionando com isso um
curto-circuito no aparelho psíquico. Curto-circuito que termina por provocar a anulação do
registro do desejo e a incursão no registro da mera necessidade (toxicomania) ou da falta
de necessidade (depressões).
Esta pesquisa, assim, foi empreendida no intuito de trazer à baila os conceitos
freudianos em torno da segunda tópica do funcionamento psíquico (especificamente Eu e
Supereu) em busca de lançar um olhar acerca das questões que envolvem o sentimento
inconsciente de culpa na atualidade. Sentimento que leva certos sujeitos a beirarem ou a
atingirem as portas do suicídio, no tentame de aplacar o sofrimento de uma atroz angústia
de morte.

2 | PROBLEMA DE PESQUISA E MARCO TEÓRICO


À medida que avançávamos nos estudos psicanalíticos pudemos constatar que os
casos descritos na literatura do início do século XX, acerca das patologias do Eu relacionadas
a autoacusações, sentimento inconsciente de culpa, embotamento da vontade de viver
e sobreposição da vontade de morrer também se apresentam de maneira recorrente na

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 2


atualidade e com tanta intensidade que, costuma-se falar que a depressão (e o sentimento
de culpa e vazio que ela acarreta) é um dos grandes males da atualidade (BIRMAN, 2006).
Contudo, acredita-se que a despossessão de si, denunciada por Birman (2006),
enquanto produtora do espectro depressivo na contemporaneidade é a pura manifestação
do conflito psíquico que termina por colocar o sujeito numa posição de desistência
diante das possibilidades que se lhe apresentam a existência. Pensamos, pois, que as
depressões assim como as demais psicopatologias, retratam e ilustram a sempre batalha
entre as instâncias psíquicas que o Eu, não raro, em vão tenta apaziguar. E neste sentido,
representam, também, o conflito existente entre a pulsão de vida e a pulsão de morte.
Logo, a segunda tópica introduz uma lógica entre as pulsões (Eros e Thanatos)
assinalando uma tensão estrutural, na medida em que há algo obscuro que impossibilita a
satisfação e origina a compulsão à repetição (CRUXÊN, 2004). Assim, para além do princípio
de prazer atuando enquanto fundamento do psiquismo, estaria evidente a presença de um
conjunto de situações em que o sujeito possui a tendência de repetir momentos que lhe
foram desprazerosos (CHAVES; SILVA, S/d).
Neste sentido, com o desenvolvimento da compreensão freudiana sobre a formação
dos mecanismos e das patologias do Eu (com o surgimento do conceito de narcisismo),
tornou-se imperioso a compreensão e a inserção de uma nova tópica, a saber: Eu, Isso
e Supereu, de modo a trazer luz à sombra dos sentimentos inconscientes de culpa, da
necessidade de punição e da repetição nos sonhos de cenas traumáticas ocorridas durante
a vigília. É assim que, na segunda tópica, o Isso é percebido como a energia inconsciente
provinda da libido e da pulsão de morte. O Supereu é descrito como a instância crítica. O
Eu continuaria como agente conciliador e adaptador, mas agora referido como aquele que
está ameaçado por toda a parte (MANNONI,1994).
Haveria, pois, em funcionamento no aparato psíquico algo muito mais complexo e
sombrio do que as questões envolvendo recalque, sexualidade e neuroses transferenciais,
pois pari passu com a pulsão de vida caminharia a pulsão de morte. Sendo que, segundo
Freud ([1923] 1996), a pulsão de morte pode se manifestar de diversas formas. Pode estar
fusionada com os elementos eróticos, pode ser investida em parte no mundo externo em
forma de agressividade, mas a maior parte mantém sua atividade interna.
Em Além do princípio do prazer, Freud ([1920] 1996), investigando os eventos que
contrariam a noção de que o aparelho psíquico trabalha em busca de evitar o desprazer
e assim produzir prazer, termina por se deparar com situações denotadoras do que vai
chamar de compulsão à repetição.
Esta compulsão está relacionada a eventos traumáticos e sofríveis a que o sujeito
está a-sujeitado a repetir. E parece não poder, portanto, interferir ou agir conforme sua
vontade consciente (MEDEIROS, 2001). É assim que estas repetições, que surgem na
vida como derrotas e frustrações, quando vistas apenas com base nos princípios de prazer
e realidade, deixam um rastro de incompreensão, causadas pela própria dificuldade de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 3


justificar tal compulsão. (MANNONI, 1994). Com base nisso, Freud ([1920] 1996) irá
reconhecer a existência de uma pulsão de morte que busca assim como a pulsão de vida,
cada uma a sua maneira, o retorno a um estado antigo, o estado inorgânico.
Porém, segundo Garcia-Roza (2004), Freud só irá definir realmente o verdadeiro
além do princípio do prazer no texto que versa sobre o mal-estar na civilização onde será
encontrado “[...] a afirmação da plena autonomia da pulsão de morte entendida como
pulsão de destruição [...]” (GARCIA-ROZA, 2004, p.133).
Com efeito, é no texto O mal-estar na civilização, de 1930, que Freud menciona a
existência de ações humanas que demonstram a real crueza da pulsão de morte manifesta
na agressividade para com os objetos externos, tais como: direcionar a agressividade
nos outros, explorar a energia alheia sem ressarcimento, usar os outros sexualmente
ou se apropriar de seus bens sem seu consentimento, humilhando, infligindo sofrimento,
torturando ou matando (FREUD, [1930] 1996).
No entanto, o trabalho da civilização consistiria justamente em domar tanto a
sexualidade quanto a agressividade, tornando-as inibidas em seus objetivos ou sublimadas
como diria Freud ([1920] 1996), a fim de concorrerem para a ampliação da cultura e da
organização entre os homens. Sendo justamente a tendência agressiva que dificulta o
desenvolvimento das luzes, atrapalhando as interações sociais e obrigando a civilização a
uma alta carga de energia psíquica (FREUD, [1930] 1996).
Entretanto, “A pulsão de morte deve ser entendida como uma vontade de destruição
direta, o que não significa tampouco agressividade (esta seria um efeito), mas sim vontade
de destruição, vontade de recomeçar com novos custos. Vontade de Outra-coisa...”
(GARCIA-ROZA, 2004, p.131). Porém esta possibilidade de recomeçar, esta vontade de
Outra coisa caminharia na contramão tanto da civilização quanto da pulsão de vida em sua
vontade sempre crescente de união e de conjunção entre as coisas. É aí que a pulsão de
morte pode ser convertida em patologia, na medida em que, encontrando sua expressão
barrada pela cultura moralizadora e opressora existente no mundo externo e até introjetada
pelo processo de identificação, termina por favorecer a desfusão pulsional.
Em O Ego e o Id ([1923] 1996), especificamente no capítulo III: O ego e o superego
(ideal do ego), Freud diz que o Supereu não é apenas o herdeiro do complexo de Édipo, no
sentido de substituir e ser resíduo da antiga identificação com os objetos primevos de amor
e respeito. Na verdade, ele é também uma formação reativa contra o desejo fortemente
sentido de destruir o pai e desposar a mãe.
O Supereu de uma pessoa não está exclusivamente associado com a real educação
e repressão das pulsões empregadas por pais e educadores, mas, também está relacionado
com a quantidade de energia no passado utilizada para fantasiar tais acontecimentos
(parricídio e incesto) e que, aí sim, na medida em que a criança vai se deparando com as
exigências da civilização, vão sendo reprimidas. E, quanto mais intenso tiver sido o desejo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 4


acalentado, mais força terá o ideal do eu, em sua formação, estruturação e funcionamento,
para punir o Eu em sua mera intenção de realização de desejo.
Neste prisma, Lacan (1998) chamará a função do ideal do eu (Supereu) de
apaziguadora, já que existiria uma “[...] conexão de sua normatividade libidinal com uma
normatividade cultural, ligada desde o alvorecer da história da imago do pai [na medida
que funda no] [...] assassinato do pai, a dimensão subjetiva que lhe dá sentido, a culpa”
(LACAN, 1998, pp. 119-20).
À parte as características do ideal de Eu referentes à interditação do livre curso dos
desejos parricidas (agressivos) e incestuosos que pululam os horizontes do funcionar do
Isso, Freud ([1923] 1996) faz referência a uma característica peculiar que o Supereu pode
assumir em suas atividades de observação e delegação de ordens ao Eu. Característica
esta que se manifesta através de uma crítica mordaz exacerbada. Exemplos podem ser
vistos em descompensações de três tipos clínicos, a saber: neurose obsessiva, paranoia
e melancolia. Sendo que neste último, o grau de manifestação da instância crítica se dá a
nível consciente e o Eu se entrega às admoestações de seu tirano: o Supereu, na medida
em que este esteja sendo influenciado pela pura cultura da pulsão de morte que pode,
assim, levar o eu à aniquilação, desde que este não possa fazer frente ao seu tirano.
(FREUD, [1923] 1996).
Nesta perspectiva, pode-se dizer que a pesquisa se fundamenta (tomando-se
por base a análise de três filmes: Veronika decide morrer, O operário e As horas) pela
necessidade de um estudo aprofundado sobre como a instância psíquica do ideal do eu
(Supereu) pode se manifestar enquanto detentora da energia destrutiva da pulsão de
morte, e assumir um caráter extremamente crítico e severo frente ao Eu. Assim, a pesquisa
visou enfocar as situações em que o Supereu enquanto instância crítica que passa a se
alimentar da desfusão provocada pelas identificações e sublimações (FREUD, [1923]1996)
do sujeito, termina por fortalecer a energia destrutiva e ao mesmo tempo renovadora da
pulsão de morte a fim de provocar a queda deste sujeito em sua condição desejante.
Com base no referencial psicanalítico buscou-se desenvolver uma análise dos
filmes citados, pois revelam, nas personagens principais, as características comentadas
acerca do Supereu enquanto instância não só crítica, porém, também, cruel e carrasca
que, investida da energia desfusionada de Thanatos pode levar o Eu às cercanias do
adoecimento psíquico e mesmo à morte, dependendo do tipo de estruturação psíquica e de
sua relação com o contexto social em que o sujeito esteja inserido.
Assim, a intenção foi perceber e pincelar, através de três personalidades fílmicas1,
quais as saídas utilizadas pelo Eu no intuito de fugir ou reagir às críticas e admoestações
do Supereu em sua versão de carrasco. Neste sentido, acredita-se que as personagens
presentes nestes filmes, por mais que representem a encarnação de papeis fictícios,
se colocam como excelentes objetos de análise para melhor vislumbrar os conceitos
psicanalíticos abordados.
1. Termo adaptado de uma expressão de Costa (2009) que fala de paisagens fílmicas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 5


3 | METODOLOGIA
Para desenvolver a pesquisa, utilizou-se o método bibliográfico. Procurou-se
empregar os conceitos de pulsão de morte, desfusão pulsional, Supereu e patologias do
eu presentes na bibliografia consultada a fim de compreender o funcionamento destes
conceitos metapsicológicos na atualidade, a partir da referência a três casos retirados de
filmes.
Utilizou-se, desse modo, o estudo de caso instrumental que, segundo Oliveira
(2008), se define enquanto embasado em um modelo ou paradigma teórico pré-estabelecido
possibilitando o direcionamento do olhar no que se refere ao objeto de estudo. Olhar
mediado pelo referencial psicanalítico aqui abordado.
Logo, para a realização dos estudos de casos, foram selecionados três filmes
contemporâneos, quais sejam: Veronika decide morrer, de 2009; O operário, de 2004; e,
As horas, de 2002, no intuito de debruçar-se sobre as problemáticas existentes na vida das
três personagens principais: Veronika, Trevor Reznik e Laura Brown (respectivamente),
para promover um maior entendimento sobre os conflitos entre Supereu e Eu nestas
três personagens, e, além disso, perceber como o Eu se posiciona frente às exigências
intransigentes do ideal do eu (Supereu).
Os três filmes foram utilizados aqui enquanto ferramentas para o percebimento de
como estas condutas patológicas podem emergir na realidade e serem também tratados e
interpretados através da virtualidade da sétima arte: o cinema, pois que, concorda-se com
Costa (2009) quando afirma que,

O cinema tem sido crescentemente explorado e valorizado como instrumento


analítico na contemporaneidade. O enfoque no contexto cinemático como
representação e suporte para a análise dos grupos culturais e do cotidiano
dos indivíduos participantes desses grupos nos espaços urbanos tornou-
se primordial para o entendimento dos modos, da coerência e do sentido
pelos quais vivências, comportamentos, identidades, subjetividades e
práticas socioculturais vêm sendo constituídos, entendidos e reelaborados
espacialmente e subjetivamente [...] (COSTA, 2009, p.110)

4 | RESULTADO E DISCUSSÕES
A partir da análise das personagens principais dos filmes: Veronika decide Morrer, O
Operário e As Horas, foi possível chegar às seguintes reflexões:
Nos três filmes o que está em pauta é a problemática da culpa inconsciente que
assola cada um dos protagonistas. Nesse prisma, dá para perceber que cada uma das
personagens vivia a culpa e conseguiu dar um destino a ela de modo diferenciado.
Porque isso aconteceu? Essa pergunta só poderá ser respondida se procurarmos
estudar cada um deles a partir da suposição de que estão situados numa posição clínica
estrutural diferente e esse fato, talvez, permita compreender como cada um lidou com os

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 6


ditames e críticas de seu Supereu e com a energia destrutiva a que ele se ligou no intuito
de promover uma espécie de obnubilação do desejo e da vida dos sujeitos em pauta.
Para melhor perceber o que está sendo dito, nas próximas linhas descrever-se-á a
história e personalidade de cada protagonista.
O filme Veronika decide Morrer (2009), direção de Emily Young, é baseado num
livro de Paulo Coelho. Estrelado por Sarah Michelle Guellar que representa uma jovem de
vinte e oito anos chamada Veronika. Ela tem emprego, um apartamento e vive em Nova
York uma vida, aparentemente, confortável. Mas, está sempre triste e com a sensação de
vazio. Então, decide dar cabo da própria vida através da overdose de calmantes. Porém o
suicídio não foi consumado, e, algum tempo depois ela acorda numa clínica psiquiátrica.
Lá, ela é informada que os inúmeros calmantes causaram um grande dano em seu coração
e que sua morte pode ocorrer a qualquer momento, sendo provável que lhe reste apenas
uma semana de vida. E, assim, diante do sentido que a palavra morte lhe trouxe, ela tenta
aproveitar cada segundo restante. De repente, se vê apaixonada por Edward (personagem
de Jonathan Tucker), também paciente no hospital.
E, imersa nessa paixão que lhe devolve o desejo de viver, Veronika consegue
ultrapassar as expectativas dadas acerca de seu tempo de existência. E, só depois, é
avisada pela equipe médica, que, na verdade, seu coração não havia sofrido nenhum dano,
porém, aquela notícia tinha sido um recurso utilizado para fazê-la perceber e valorizar os
dias que compunham sua vida.
Provavelmente Veronika padecia de algum tipo de neurose em que o mecanismo
do recalque retorna em forma de sintoma e de angústia e atinge uma grande catexia
energética que, por sua vez, redunda em vontade de autodestruição. A tentativa de suicídio
aqui talvez refletisse uma impossibilidade libidinal profunda. E o Superego só assinalava
a falta em que havia caído: o crime de ceder de seu próprio desejo2. Tanto que ao investir
sua energia libidinal num objeto externo, toda aquela carga de culpa, de vazio e de tristeza
se dissiparam e a vontade de morrer também.
O filme O Operário (2004), direção de Brad Anderson, trata da história de Trevor
Reznik (Cristian Bale), um maquinista insone a cerca de quase um ano. A insônia vai
consumindo sua energia física, causando magreza severa, irritação e, uma espécie de
paranoia termina por se instalar. Ele começa a se perceber olhado e julgado por todos os
lados.
Certo dia, ele se envolve num acidente de trabalho onde seu colega sofre uma
grande lesão física, por distração de sua parte. Esse fato piora seus sintomas, ele passa a
ficar mais e mais angustiado e a se julgar perseguido por seus colegas de trabalho e, mais
precisamente, por um cara chamado Ivan, que depois o telespectador fica sabendo que era
uma projeção de sua própria personalidade.

2. Nesse sentido, é interessante ressaltar a tese sustentada por Lacan de que a única falta a que um sujeito pode se
culpar é a de ter cedido de seu próprio desejo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 7


Apesar de extremamente solitário, Trevor tem um relacionamento com uma prostituta
chamada Stevie (personagem de Jennifer Jason Leigh). A moça claramente gosta dele,
tanto que não cobra pelas noites que passa ao seu lado, apesar dele sempre querer pagar.
E, também mantem contato com uma garçonete que trabalha numa cafeteria de aeroporto.
Sendo que, ao poucos ele vai completando as lacunas da memória. A garçonete
do aeroporto nunca existiu, o Ivan era uma projeção dele mesmo, e toda a sua culpa dizia
respeito a um crime de trânsito que havia cometido. Atropelou uma criança. Parou. Mas ao
ver a situação da vítima e o desespero da mãe (que era a garçonete que ele havia criado
e que sempre conversava com ele), não teve coragem de descer e prestar socorro. Toda
a culpa que ele carregava: a voz do Supereu que o julgava e o condenava de fora (sob a
vestimenta de Ivan), se dissipou quando ele refez as lacunas da memória e se entregou à
polícia. Só assim, o Supereu punidor o deixou dormir.
Esse é um filme intrigante. Foi bastante simplificado nessa análise, pois só pretendeu-
se demonstrar o quanto um acontecimento, a depender da estruturação clínica do sujeito,
pode ocasionar resultados inesperados, como é o caso de Trevor, que provavelmente tinha
uma estruturação psicótica, e que entrou em descompensação, fragmentação paranoica
quando se envolveu no acidente de trânsito. Mas o Supereu começou a persegui-lo e a
puni-lo com a incapacidade de dormir, de comer e de viver.
O filme As Horas (2002), direção de Stephen Daldry, conta três recortes de histórias.
A história de Virginia Woolf, nos anos 1820, que escreve o romance Mrs. Dolloway e ao
mesmo tempo tenta lidar com os sintomas melancólicos. Neste ínterim, existe um lapso de
século, e em 1950 e também nos anos dois mil, a história do livro afeta a vida de outras
duas mulheres. Essas três mulheres lutam com insatisfações e impossibilidades, cada uma
a sua maneira, de vivenciar seus desejos. Uma delas cede aos imperativos do Supereu
tirânico e comete suicídio na tentativa de aplacar a dor. Essa é a realidade da vida de
Virginia. Muito teríamos que considerar a respeito de sua vida para chegar a uma ideia das
problemáticas egoicas e superegoicas da escritora.
Porém, aqui, nos deteremos na história de Laura Brown (personagem de julianne
Moore). Laura vive um casamento infeliz (apesar de seu marido tentar, de tudo, para
fazê-la feliz), nos anos 1950, tem um filho pequeno e está grávida de outro filho. Vive
constantemente a ideia de matar-se, pois a vida que levava não fazia sentido para ela.
Não gostava da vida de dona de casa. Certo dia, depois de muito pensar, deixa o filho na
casa de uma amiga e vai para um hotel a fim de colocar em prática seu plano de suicídio.
Mas, não consegue concluir seu intento. Depois que o segundo filho nasce, ela abandona
os três: marido e filhos, e vai viver a vida que tanto desejou sem mais sentimento de
culpa, nem ressentimento. Ela não percebe que, aquela sua atitude, determinou um destino
infausto para os outros três membros da família.
Foi assim que Laura Brown resolveu lidar com seu vazio fundamental, e com a culpa
que sentia por não viver uma existência verdadeiramente plena, segundo sua perspectiva.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 8


Logo, solucionou seus conflitos com uma decisão que culminou na sua alegria mesmo que
à custa da tristeza de outras pessoas. Isso é interessante, pois, confirma o que a psicanálise
lacaniana já salientava, a saber: que, se existe uma culpa a que o sujeito sempre vai ser
lembrado é a de ceder de seu próprio desejo.
Isto não implica dizer, entretanto, que é justificável não se responsabilizar por suas
próprias escolhas. Pois, por nossa condição de sujeitos, Lacan dirá, sempre seremos
responsáveis.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Garcia-Roza (2004), haveria um aspecto positivo presente na pulsão de
morte quando revestida em vontade de destruição, na medida em que se mostra enquanto
destruidora daquilo que está instituído, e, ao mesmo tempo, renovadora já que produz
disjunções e diferenciações imprescindíveis para o progresso da civilização. Como diria
uma citação bastante conhecida de Pablo Picasso: “todo ato de criação é, antes de tudo, um
ato de destruição”. Diferente disso é a pulsão sexual, que seria conservadora e produtora
de uniões, homogeneizações e até fixações em modos arcaicos de enfrentamento ante a
realidade.
Nos três exemplos de personalidades fílmicas citadas, houve uma tentativa de
destruição de algo para a reconstrução de outra coisa. Nem sempre essas tentativas
tiveram o efeito desejado, pois o próprio Supereu se interpôs e impossibilitou esse tipo de
utilização da energia destrutiva da pulsão de morte.
Ou seja, parece existir uma impossibilidade, provocada pelo princípio de prazer
(ao se transmutar em princípio de realidade, em consequência das interdições paternas
e sociais encarnadas na educação, na contenção libidinal e agressiva e na sublimação
destas tendências) de responder a esse imperativo da pulsão de morte, lançada no mundo
enquanto vontade de destruição do que está instituído externamente, vontade esta que
pressiona sempre à renovação, à mudança. O que acaba gerando um conflito, já que o Eu
enquanto sintetizador/conciliador e as pulsões sexuais enquanto produtoras de uniões e
homogeneizações não suportariam a tendência da pulsão de morte, em sua eterna busca
por mudança. Essa “[...] agressividade pode não conseguir encontrar satisfação no mundo
externo, porque se defronta com obstáculos reais. Se isto acontece, talvez ela se retraia
e aumente a quantidade de autodestrutividade reinante no interior [...]”. (FREUD, [1932]
1933/1996, p. 107).
O Supereu, por conseguinte, terminaria por se apropriar da energia destrutiva tornada
livre no aparato psíquico em virtude da não possibilidade de descarga no mundo externo,
para lançar críticas, admoestar e até castigar o Eu, assim como acontece na melancolia
e na paranoia que se caracterizam como os principais exemplos, ao lado da neurose
obsessiva, das manifestações escancaradas desta instância observadora e proibidora.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 9


Portanto, de posse do cabedal teórico e ético da Psicanálise buscou-se estudar
as questões referentes às distinções entre estruturas e dinâmicas psíquicas, e promover
uma tentativa de deciframento acerca de como (?) e por que (?) certos sujeitos ficam
esvaziados, empobrecidos libidinalmente como Naves e Féres-Carneiro (2007) dizem
a respeito da melancolia, sendo que, tal empobrecimento libidinal não é característica
apenas do adoecimento narcísico ou psicótico, muitos neuróticos e perversos também
podem apresentar tal empobrecimento, traduzido em tristeza, luto e culpa.
Assim, se existiria um empobrecimento, um esvaziamento da libido objetal em
contrapartida pode-se produzir uma inflação, um aumento da energia oposta, a saber: a
destrutiva, subordinada aos ditames superegoicos a dilacerar o Eu seja por desejar, seja
por renunciar ao desejo.
Estes são apenas apontamentos sobre a força do Supereu e a importância de
analisá-lo e considerá-lo como um dos principais causadores de adoecimento psíquico em
sujeitos que deveriam estar pulando de alegria por terem conquistado um grande projeto,
ou naqueles que se entregam a um sombrio sofrimento seja por terem perdido um grande
ideal ou um objeto de amor.
Longe de querer dizer tudo acerca do Supereu, pretendeu-se isto sim, levantar
alguma discussão em torno do tema e induzir os leitores a pensarem e até pesquisarem
sobre essa instância tão enigmática do aparato mental.

REFERÊNCIAS
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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 10


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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 1 11


CAPÍTULO 2
doi
PATRIARCADO, HETERONORMATIVIDADE E TABU:
O APAGAMENTO SOCIAL DA MULHER LÉSBICA

Data de aceite: 01/02/2021 ABSTRACT: The article seeks to understand,


through a view of psychoanalysis and analytical
psychology, the relation between the patriarchal
and heteronormative structure and the social
Ingrid Freitas da Silva
erasure of lesbian woman, analyzing how the
ID Lattes: 7775342114164688
roles assigned to woman and man were created
Raquel Lisboa Tinoco Braga socially with the sole objective of maintain
ID Lattes: 1363079302235093 male dominance over woman, structuring the
entire society from a heterosexual perspective.
Erika Conceição Gelenske Cunha
Therefore, as lesbianity contradicts the patriarchal
ID Lattes: 6452483820695747
and heteronormative system, threatening its
perpetuation, the lesbian experience comes to be
considered wrong and exposed as a social stigma
RESUMO: O artigo busca compreender, através and, as result, they end up being neglected by
de um olhar da psicanálise e da psicologia public policy services and being victims of physical
analítica, a relação entre a estrutura patriarcal e and symbolic violence. Thereby evidencing that,
heteronormativa e o apagamento social da mulher when subjected to social invisibility, the lack of
lésbica, analisando como os papéis designados representativeness in different areas becomes a
à mulher e ao homem foram criados socialmente constant threat to the lesbian existence.
com o único objetivo de manter a dominação KEYWORDS: Patriarchy, heteronormativity,
masculina em relação às mulheres, estruturando compulsory heterosexuality, lesbianity, lesbian
a sociedade inteira a partir da perspectiva erasure.
heterossexual. Assim, como a lesbianidade
contradiz o sistema patriarcal e heteronormativo, 1 | INTRODUÇÃO
ameaçando sua perpetuação, a vivência lésbica
vem a ser considerada errada e exposta como O sistema patriarcal, advindo da época
um estigma social e, em consequência disso, da colonização, dava ao homem o direito
acabam sendo negligenciadas pelos serviços de de posse e controle sobre a vida da mulher,
políticas públicas e sendo vítimas de violências decidindo quais papéis seriam designados
físicas e simbólicas. Evidenciando assim, que ao à ela. Enquanto o homem era encarregado
serem submetidas à invisibilidade social, a falta
de trabalhar e sustentar a família, era dever
de representatividade em diversos âmbitos vem
da mulher cuidar da casa, educar os filhos e
a ser uma ameaça constante à existência lésbica.
PALAVRAS-CHAVE: Patriarcado, estar à disposição de seu marido (BORIS E
heteronormatividade, heterossexualidade CESÍDIO 2007). Segundo Fischer (2001) citado
compulsória, lesbianidade, apagamento lésbico. por Boris e Cesídio (2007, p.8): “o processo de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 12


socialização impunha a disposição da mulher a obedecer, o conhecimento claro do que era
certo e do que era errado, bem como a capacidade de se conter”.
Desse modo, como aponta Rich (2010), torna-se inevitável a ideia de que o
casamento e a sexualidade devem se voltar ao homem. A heterossexualidade é imposta
e reforçada com o objetivo de garantir o acesso masculino não somente à esfera de
poder físico, mas também aos aspectos emocionais, econômicos, políticos e culturais das
mulheres. Assim, Wittig (1992/2006), Rich (2010) e Soares e Costa (2014) consideram a
heterossexualidade um regime político que visa manter a relação de domínio dos homens
em relação às mulheres. Uma das formas de reforçar a heterossexualidade obrigatória é
apagar e invisibilizar a possibilidade lésbica (RICH 2010).
Em uma análise do contexto sócio-histórico acerca da heteronormatividade e do
apagamento lésbico, Rich (2010) nos chama a atenção para a atual dinâmica política,
evidenciando que tal cenário hostil e insalubre se mostra em ascensão e traz consigo
a busca pela retomada e manutenção de valores e princípios conservadores que visam
um perpetuamento da estigmatização da mulher e de sua liberdade sexual. Surge então
a reflexão de que assumir-se lésbica perante o contexto do atual e cíclico cenário sócio-
político que se baseia em princípios patriarcais, impondo e reforçando ao feminino a
heteronormatividade como uma única via de direcionamento sexual e afetivo, vem a ser,
também, um ato político que marca a existência lésbica como uma força contrária de
resistência ao sistema. (MONGROVEJO, 2010, p. 163 apud SOARES e COSTA, 2014).
A partir das questões apresentadas, o presente artigo traz como problemática a
contribuição do patriarcado e da heteronormatividade para o apagamento social da
mulher lésbica, tendo como objetivo geral compreender à luz da psicologia (psicanalítica
e analítica) como o patriarcado e a heteronormatividade contribuem para o apagamento
social da mulher lésbica. Com isso, foram definidos os seguintes objetivos específicos:
I. Analisar a construção patriarcal e heteronormativa na história e nos dias
atuais.
II. Investigar, pela perspectiva psicanalítica, como o patriarcado e a
heterossexualidade compulsória geram e perpetuam tabus através da
vivência da mulher.
III. Estabelecer, pela ótica da psicologia analítica, a relação entre a sombra
coletiva e a sociedade patriarcal.
IV. Discutir as causas e efeitos do apagamento social da mulher lésbica.
Segundo Peres, Soares e Dias (2018), o número registrado de mortes de lésbicas no
Brasil está aumentando a cada ano, tanto por assassinatos como por suicídios, o que revela
que os direitos básicos de saúde, segurança, dignidade e existência estão gravemente
ameaçados. No entanto, os dados registrados ainda estão longe de representarem a
quantidade real de óbitos de mulheres lésbicas, visto que:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 13


A questão da orientação sexual das mulheres assassinadas no Brasil
não consta como um dado fundamental na maioria dos estudos atuais do
feminicidio, o que demonstra uma falta de dados sobre lesbofobia e também
um aspecto da lesbofobia institucional e da invisibilidade lésbica (PERES,
SOARES e DIAS 2018, p. 21).

Com isso, este artigo justifica-se pela necessidade de romper com esse sistema
que visa o constante apagamento da lesbianidade, tendo em conta que para lutar contra as
estatísticas de violência é preciso primeiro sair da invisibilidade (LIMA 2018).
A pesquisa ocorrerá de forma bibliográfica, a partir de revisões de literaturas
clássicas, tendo como base as abordagens psicológicas da psicanálise de Freud e da
psicologia analítica de Jung, e também através de livros e artigos científicos atuais de
diversos autores, como Adrienne Rich, Monique Wittig, Naomi Wolf, entre outros. A pesquisa
apresenta caráter descritivo e qualitativo, visando compreender de modo interpretativo os
assuntos que serão abordados.

2 | A CONSTRUÇÃO PATRIARCAL E HETERONORMATIVA NA HISTÓRIA E


NOS DIAS ATUAIS
No período pós-colonial, as mulheres não eram consideradas indivíduos de
consciência própria, mas sim propriedades individuais, do pai ou do marido, e coletivas,
vistas sempre como disponíveis para a satisfação e posse dos homens (WITTIG 1992/2006).
Como ressaltam Boris e Cesídio (2007), as mulheres e as crianças eram julgadas como não
tendo nenhuma importância, não podendo demonstrar suas opiniões nem agir conforme
suas vontades, deviam somente acatar as normas estabelecidas pelo patriarca. Ao assinar
um contrato matrimonial, a mulher deixava de ser uma cidadã resguardada pela lei e passava
a ser uma propriedade de seu marido (WITTIG 1992/2006). Além disso, no período de 1890
à 1930, os médicos acreditavam que no organismo da mulher existia uma ligação entre o
útero e o sistema nervoso central, pressupondo então que durante a gravidez se a mulher
realizasse atividades intelectuais, o feto poderia ficar doente ou ter uma má formação,
com isso as funções intelectuais eram designadas somente aos homens, já que eles não
corriam esse perigo (ANGELI, 2004 apud BORIS e CESÍDIO, 2007).
A partir disto, Wittig (1992/2006) e Bourdieu (2020) apontam que a ideia da
diferença dos sexos, a diferença dos papéis sociais do homem e da mulher, tem como
justificativa um discurso biológico, naturalista, mas não passam de constructos sociais e
políticos que visam legitimar e manter a dominação masculina à custa da exploração das
mulheres. Wittig (1992/2006) aponta que o conceito de mulher é na verdade um mito que
foi criado socialmente e perpetuado através da cultura com a finalidade de deixar clara
a diferenciação entre os sexos mantendo sempre um controle em relação ao corpo da
mulher. Adotar um discurso naturalista, assumindo que a diferença entre os sexos é apenas
biológica, é naturalizar todas essas opressões impostas às mulheres, impossibilitando

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 14


qualquer modificação (WITTIG 1992/2006). Desse modo, a força da dominação masculina
se mantém constante pelo simples fato de não precisar de justificativa, uma vez que: “a
visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em
discursos que visem a legitimá-la” (BOURDIEU 2020, p.24).
O surgimento dos movimentos feministas trouxe à tona em seus discursos, de forma
crítica, a problemática da falácia que sustentava e fortalecia o discurso da desigualdade
de gênero, questionando não apenas o saber biológico de caráter dogmático que nos era
imposto, mas também acerca das relações que se ramificavam nas esferas sociais que
atribuíam às mulheres um papel de subordinação em relação aos homens. Em consequência
disso, tais reinvindicações surtiram em conquistas que asseguraram às mulheres o direito
de exercer sua cidadania política e social e, também, a ocupar espaço no mercado de
trabalho (OTTO 2004).
Entretanto, conforme as mulheres foram conquistando novos locais, introduzindo
novos costumes, novas possibilidades, os espaços e instituições controladas por homens,
que se beneficiavam da dominação masculina, se sentiram ameaçados pela independência
das mulheres, passando então a atacar a imagem das feministas, caracterizando-as como
feias, masculinizadas, defeituosas, desagradáveis, lésbicas, com o objetivo de desviar a
atenção das questões abordadas e deslegitimar o movimento (WOLF 2020). Assim, as
conquistas feministas são provenientes de um contexto sociopolítico impermeabilizado
por princípios patriarcais em que, de acordo com Saltman (1992) citado por Facio e Fries
(2005), vem a ser explícito que as relações ainda desempenham uma performance pautada
na hierarquia de gênero, desfavorecendo mulheres e empregando à elas uma posição
subalterna, tanto no âmbito político quanto no econômico. Dessa forma, Mackinnon (1979)
citada por Rich (2010) acentua que as mulheres não são selecionadas para o trabalho
por terem qualificações na área, mas sim por serem vistas como atrativos sexuais para
os homens, sendo o assédio sexual algo inerente ao ambiente de trabalho, restando às
mulheres aceitarem e se adaptarem à tal cenário hostil se quiserem manter-se empregadas.
Conforme Wolf (2020) destaca, a beleza é designada como obrigatória para as mulheres,
sendo tal beleza considerada uma moeda que serve à um propósito político de manter uma
dependência econômica, física e cultural das mulheres, assim:

Ao atribuir valor às mulheres numa hierarquia vertical, de acordo com um


padrão físico imposto culturalmente, ele expressa relações de poder segundo
as quais as mulheres precisam competir de forma antinatural por recursos dos
quais os homens se apropriaram (WOLF 2020, p. 29).

A partir disso, Wittig (1992/2006) enfatiza que essa estrutura fundada envolta da
ideia da diferença natural dos sexos, cria a sociedade de modo heterossexual, fazendo
com que as mulheres sejam submetidas à uma heterossexualidade compulsória. Segundo
Butler (2008) citado por Soares e Costa (2014, p.5): “A heteronormatividade baseia-se na
naturalidade e na associação obrigatória entre sexo e reprodução, criando um sistema de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 15


reforço desta na base da reprodução social”. A partir do momento em que uma mulher tenta
seguir em direção contraria à heteronormatividade, uma das formas de manipulação mental
que visa impedir a lesbianidade é retratá-la nos meios midiáticos, literários e científicos
como uma mulher que nega o homem como objeto de desejo por consequência de uma
desilusão e, assim, atribuindo às mulheres lésbicas uma característica de amargurada ou
rejeitada (LESSING, 1962 apud RICH, 2010). Com base nesse discurso, Soares e Costa
(2014) explanam que as tentativas de inviabilizar tanto o feminismo quanto a lesbianidade
provém de um mesmo núcleo estereotipado que visa atribuir vínculo entre ambas por via
da marginalização de que ser lésbica ou feminista acarretariam as consequências de um
perigo iminente de aniquilação da feminilidade, tornando assim a heteronormatividade
compulsória cada vez mais atrativa e mitificada, explorando e induzindo a performance
de feminilidade massiva como um dos atributos mais importantes para uma mulher na
tentativa de que tais discursos vingassem para que o poder de emancipação da mulher
perante uma sociedade patriarcal perdesse sua força.

3 | PATRIARCADO E HETEROSSEXUALIDADE COMPULSÓRIA COMO


INSTRUMENTOS QUE GERAM E PERPETUAM TABUS: UMA VISÃO DA
PSICANÁLISE
No texto Totem e Tabu, ao investigar o significado da palavra ‘tabu’, Freud
(1913/1996), observa a presença de um antagonismo em relação à sua etimologia, por
um lado é atribuído ao tabu o conceito de sagrado e por outro lado, atribui-se o conceito
de profano. A partir de uma análise desde a formulação dos povos originários até a
contemporaneidade, a palavra tabu toma forma e significado principalmente daquilo que é
proibido e obsceno, dessa forma, o termo tabu vem a ser uma das primeiras conjunções de
instauração de leis não registrado, tendo sua origem anterior à criação da religião, embora
tal lei não apresente fundamento, exerce função de algo incontestável e internalizado na
sociedade (WUNDT, 1906 apud FREUD, 1913/1996).
Freud (1913/1996) elucida que o descumprimento de um tabu traria consigo
consequências punitivas sendo elas de origem religiosa ou social, a primeira é embasada
no discurso religioso, no qual o encarregado de punir o infrator seria da ordem divina e, a
posteriori, a punição se daria pela sociedade. Perante a sociedade, o violador de um tabu
torna-se ele mesmo objeto de tabu, uma vez que se torna um modelo atrativo para os
outros indivíduos, o que seria altamente contagioso, desse modo:

Pessoas ou coisas consideradas como tabu podem ser comparadas a objetos


carregados de eletricidade; são a sede de um imenso poder transmissível
por contato e que pode ser liberado com efeito destrutivo se os organismos
que provocam sua descarga são fracos demais para resistir a ele (THOMAS,
1910-1911 apud FREUD, 1913/1996 p. 20).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 16


Segundo Freud (1913/1996) citado por Pombo (2018), o mito do pai da horda em
Totem e Tabu, em síntese, se trata do parricídio original, ou seja, do primeiro assassinato
da figura patriarcal daquela sociedade primitiva. Desse modo, o parricídio, explanado no
mito, aparece ao longo da formação sócio-histórica e cultural sendo perpetuado na medida
em que aparece de forma intrínseca nos ensinamentos passados através do senso comum,
principalmente, dentro dos núcleos familiares (BIRMAN, 2001 apud POMBO, 2018). Sendo
assim, como aponta Freud (1913/1996) citado por Pombo (2018), o pai da horda primitiva
representa então a metáfora psicanalítica da origem do patriarcado como uma instituição
social, do mesmo modo que o ‘tabu’ se apresenta como um instrumento ‘de lei’ do
patriarcado a fim de servir como um regulador da sociedade em prol de uma ‘moralidade’.
Em vista disso, Pombo (2018) ilustra que a partir da figura simbólica que a autoridade
patriarcal, em contexto familiar, exerce simbolicamente ao longo da formação psíquica de
um indivíduo, sendo ela a que castra ao impor leis visando o que seria ‘certo’ ou ‘errado’,
vem a ser a formadora do ‘supereu’, instância do aparelho psíquico cujo funcionamento se
dá através da ancoragem do senso de moralidade relacionado aos preceitos socioculturais.
Desse modo, Lima e Souza (2016) destacam que o ‘supereu’ seria então regido pelo princípio
das interdições morais, desempenhando assim um papel primordial para a manutenção e
internalização de proibições e preconceitos que surgem no âmbito sociocultural no qual o
indivíduo está inserido.
Através destas conjunções ideológicas oriundas do sistema patriarcal, uma das
consequências alcançadas a partir do uso destes instrumentos para controlar a sociedade
seria por via do domínio do direcionamento sexual, atribuindo a heteronormatividade como
um modelo ideal a se seguir, dessa forma, Toledo (2008) citado por Esteca (2016, p. 19)
expõem que: “tudo o que diverge dessa norma é então classificado como imoral, desviante,
aberração, doença, pecado e/ou é invisibilizado”. Sendo assim, vem a ser notório que a
tenacidade desses princípios e mecanismos geradores de preconceitos internalizados
nas esferas políticas, sociais e culturais, advindos da dinâmica patriarcal, são fontes
incessáveis de estigmatização social, seja do indivíduo frente à sociedade ou frente a si
próprio (ESTECA 2016). Posto isto:

A internalização dessa violência manifestada sob a forma de insultos, injurias,


enunciados depreciativos, condenações morais ou compaixão, conduz
muitos homossexuais a lutar contra seus desejos, engendrando, não raro,
graves problemas psicológicos. Culpa, ansiedade, vergonha e depressão
são as principais manifestações desses problemas (BORRILLO, 2001 apud
ESTECA, 2016, p. 15).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 17


4 | RELAÇÃO ENTRE A SOMBRA COLETIVA E A SOCIEDADE PATRIARCAL:
UMA ÓTICA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
A sociedade atual vive uma realidade pautada em um monoteísmo da consciência,
onde considera-se que o ego seja a totalidade da personalidade do indivíduo, quando na
realidade existem diversas outras esferas que constituem a psique humana (informação
verbal1). A partir da cultura, religião, família e grupos de convívio social, o ego é desenvolvido
e moldado com um ideal a ser seguido, com normas que ditam o que é certo e errado e
o que é aceitável ou não (SANFORD 1988). Desse modo, Withmont (1978) citado por
Sanford (1988) expõe que os aspectos da personalidade que vão contra os ideais do ego,
são reprimidos e passam a constituir a sombra.
Segundo Hollis (1997), a sombra contém conteúdos da psique que de certa
forma ameaçam os objetivos do ego por não corresponderem às suas diretrizes, são
conteúdos desconfortáveis, tratados como irrelevantes, que, no entanto, constituem uma
parte fundamental da alma humana. Por tais conteúdos gerarem angústia e por serem
interpretados como algo errado e mal, em vez de tentar compreendê-los, costuma-se agir
como se a sombra não existisse, porém negar a existência da sombra não faz com que ela
desapareça, pelo contrário, faz com que fique cada vez mais forte, fazendo com que essa
parte reprimida da personalidade acabe sendo projetada nos outros (SANFORD 1988).
Desse modo:

Se outras pessoas carregam para nós a projeção do nosso próprio lado


obscuro, que odiamos, reagiremos a elas de modo condizente. Passaremos
então a odiá-las ou temê-las e não as veremos como elas são, com
compreensão e discernimento objetivo, mas iremos encará-las a partir de
nossa sombra menosprezada (SANFORD 1988, p.77).

Grupos de pessoas que compartilham os mesmos valores tendem a manifestar um


mesmo ideal do ego e consequentemente uma mesma sombra coletiva, assim, grupos
religiosos, especialmente os que seguem seus dogmas de forma mais rígida, costumam
projetar suas sombras em grupos que seguem outras religiões ou em pessoas não
religiosas, já que as diferentes opiniões poderiam gerar questionamentos à respeito de
suas crenças (SANFORD 1988). A partir disso, Lima Filho (2002) relata que quanto mais
a pessoa estiver imersa no grupo, mais ela se distancia de si mesma e se assemelha ao
coletivo. Dessa forma: “Quando o consenso coletivo é coeso, o grupo é intolerante para
com os desvios em relação à norma coletiva, podendo puni-los com a expulsão ou mesmo
a morte” (LIMA FILHO 2002, p.52).
Segundo Neumann (1991) citado por Lima Filho (2002), a partir de influências
culturais, sociais, políticas e religiosas, a consciência coletiva vai gradativamente se

1. Informação fornecida por Ajax Salvador e Santina Rodrigues na palestra: “Psicopatologia contemporânea como ima-
gem arquetípica” do congresso: “Mitos e seus reflexos na humanidade” do Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa,
realizado online em Outubro de 2020.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 18


firmando baseada em princípios patriarcais, subjugando as esferas femininas. Como a
sociedade ocidental é baseada em princípios jucaico-cristãos, o ego coletivo é moldado
através dos dogmas da religião, com padrões estabelecidos do que seria considerado
correto, como ser bondoso, compreensivo, sexualmente inativo e do que seria errado, ser
violento, rancoroso e ter impulsos sexuais (SANFORD 1988).
No catolicismo, a imagem representativa do ideal da mulher é a da Virgem Maria,
virgem pura e mãe nutridora, imagem esta que somente retrata uma parcela da completude
que é o feminino, com isso, ao pregar esses princípios de pureza e castidade, qualquer
aspecto que possa manchar essa imagem é rejeitado e reprimido (LÓPEZ-PEDRAZA
2012). Assim, Sanford (1988) afirma que a moral judaico-cristã incentiva a repressão de
impulsos sexuais, já que a sexualidade é retratada como um mal, não sendo de forma
alguma vista como um meio saudável de se demonstrar afeto. Portanto:

Ela deve ser sempre uma licenciosidade, deve ser instigada por satã, e nunca
é permitida, exceto nos confinamentos estritos do casamento, e ainda assim é
uma concessão à fraqueza humana enquanto o caminho mais elevado na vida
seria totalmente sem sexo (SANFORD 1988, p.95).

Desse modo, uma imagem que simboliza precisamente essa dimensão do feminino
renegado é a de Lilith, que conforme Koltuv (2017) explicita, ao negar-se à abrir mão de sua
liberdade para submeter-se à Adão, Lilith sai do Paraíso e vai para um exílio no deserto,
passando a ser considerada um demônio, a serpente que tenta Eva à comer o fruto proibido,
um ser impuro, uma prostituta sedutora que desvia os homens do caminho do bem, tudo
isso porque ela rompe com o sistema de opressão do patriarcado ao escolher: “a separação
diante da coerção ou submissão no interior do ‘abrigo da convicção tradicional’” (KOLTUV
2017, p.49). Sanford (1988) afirma que os indivíduos que não vivem em concordância
com o ideal coletivo são considerados inimigos, sendo despersonalizados e vistos como
objetos de ódio e não mais como seres humanos. Logo, as mulheres que assim como Lilith
reivindicam por igualdade e recusam-se a aceitar o encarceramento do sistema patriarcal,
são despersonalizadas a ponto de serem vistas como demoníacas, sendo suprimidas e
exiladas na sombra coletiva (KOLTUV 2017).
Além disso, Hollis (1997) afirma que a construção social da representação do
masculino é enraizada em um complexo de poder, onde a competição, violência, insegurança
e medo estão sempre presentes. Jung (2013) classifica os complexos como instâncias
energéticas autônomas da psique que ao serem ativadas assimilam e ultrapassam o
controle da consciência, tomando conta da personalidade e retirando a liberdade do ego.
Desse modo, tomados pelo complexo do poder, os homens constantemente oprimem as
mulheres na expectativa de que a partir desse controle sobre elas, consigam também
dominar seus próprios medos, já que: “o homem oprime aquilo que ele teme” (HOLLIS
1997, p. 48). Assim, Hollis (1997) completa que as opressões realizadas contra as mulheres
e contra os homossexuais são resultadas do medo do homem machista de reconhecer o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 19


seu lado feminino. À essa esfera feminina presente na alma do homem, Jung (2014) deu
o nome de Anima, declarando que: “Tudo o que é tocado pela anima torna-se numinoso,
isto é, incondicional, perigoso, tabu, mágico. Ela é a serpente no paraíso do ser humano
inofensivo” (JUNG 2014, p. 36).
Dessa forma, Sanford (1988) conclui que o único modo de se obter uma transformação
tanto pessoal quanto coletiva, é através do reconhecimento da sombra. Somente ao entrar
em contato com a anima e com os aspectos sombrios da psique que será possível romper
com os padrões tirânicos e devoradores do patriarcado (BOECHAT 2009).

5 | CAUSAS E EFEITOS DO APAGAMENTO SOCIAL DA MULHER LÉSBICA


A sociedade foi desenvolvida a partir de uma perspectiva masculina, onde o ponto
de vista patriarcal foi o responsável por moldar a cultura e determinar quem deve ter
visibilidade ou não (WOLF 2020). Assim, conforme foi exposto na primeira sessão, logo
após o surgimento dos movimentos feministas, pessoas contrárias à independência e
libertação das mulheres, começaram a atacar a imagem das feministas, classificando-as
como masculinizadas, lésbicas, como se o feminismo e a feminilidade fossem instâncias
opostas. Desse modo, a ascensão dos movimentos feministas ocorreu em um cenário
dominado pela heterossexualidade, fazendo com que várias integrantes do movimento
evitassem abordar o tema da lesbianidade com receio de serem interpretadas como
lésbicas e não obterem o reconhecimento desejado (OLIVEIRA, 2007 apud SOARES e
COSTA, 2014). Portanto, Soares e Costa (2014, p.43) relatam que: “o medo de perder a
feminilidade revela-se como o calcanhar de Aquiles do feminismo”.
De acordo com Carvalho, Calderaro e Souza (2013), a supremacia dos princípios
heteronormativos que se cristalizou ao longo da construção histórica universal suscitou em
um hiato no que tange a existência da vivência lésbica. A partir disso, o pouco que se sabe
acerca da lesbianidade é resultado do processo de apagamento histórico dos registros
que trazem à luz o conhecimento de tal existência ao longo da formação sociocultural,
este mecanismo invisibilizador seria então produto de criação patriarcal a fim de manter o
domínio da heteronormatividade como uma única opção de direcionamento sexual e afetivo,
censurando assim, toda e qualquer possibilidade de vivência positiva que a lesbianidade
poderia provocar (RICH 2010). Em vista disso:

O silenciamento histórico em que se pautou a experiência feminina da


homossexualidade foi sustentado por uma política do esquecimento, ou seja,
o modelo patriarcal que promoveu visibilidade e ascensão do masculino, além
de renegar o importante papel do feminino neste registro, também obscureceu a
experiência afetivo-sexual que dispensava a presença masculina (NAVARRO-
SWAIN, 2000 apud CARVALHO, CALDERARO E SOUZA, 2013, p.5).

Desse modo, o ato de dizimar os registros da presença da lesbianidade, renegando


à ela o direito de participar ativamente ao longo da construção histórica, faz com que

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 20


toda a sua existência fique à margem do esquecimento social, sendo assim, Navaro-
Swain (2000) citada por Carvalho, Calderaro e Souza (2013, p.5) exemplifica que: “as
mulheres, na Inquisição (em meados do séc. XVII), eram acusadas de serem bruxas por
suas práticas homossexuais e que, na ausência de termo para nomeá-las, eram chamadas
de ‘sodomitas’”, termo pejorativo que era destinado principalmente à homens gays. Em
consequência disso, como aponta Rich (2010), a lesbianidade passa a aparecer, então,
como uma derivação da homossexualidade masculina determinando às mulheres o uso
errôneo da terminologia “gay”, essa não diferenciação coloca à prova, amiúde, o quão a
lesbianidade é assombrada pelos mecanismos patriarcais e heteronormativos de omitir
sua existência. O histórico da lesbianidade então é marcado por invisibilidade e falta de
reconhecimento, já que não tiveram espaço nos movimentos feministas nem no movimento
homossexual, uma vez que este último era pautado em uma perspectiva falocêntrica
favorecida pelo discurso naturalista (SOARES e COSTA 2014).
A cultura patriarcal e heteronormativa tem entranhada a ideia de que os homens
possuem um direito sexual sobre as mulheres (RICH 2010). Assim, como as lésbicas
estão fora desse sistema opressor que exige a submissão da mulher para garantir o direito
dominador do homem, elas passam a ser alvo de ódio e de punições severas (PERES,
SOARES e DIAS 2018). Tendo em vista a realidade da lesbianidade dentro dessa sociedade
completamente heterocêntrica, Peres, Soares e Dias (2018, p.27) explicitam que: “Ser
lésbica é compreender que não existem espaços feitos para você e que sua existência
nunca será validada pelo entorno social”. O preconceito com as lésbicas é constante e
ocorre em diversas esferas, pessoais e coletivas, como na família, no trabalho, na política,
na área da saúde, ainda mais em casos em que se tem um acúmulo de inúmeras opressões,
por ser negra, pobre, ter alguma deficiência ou ser de algum outro grupo marginalizado pela
sociedade, o que ocasiona muitas vezes a privação de direitos básicos que deveriam ser
garantidos à todos (PERES, SOARES e DIAS, 2018).
O processo de silenciamento sócio-histórico sofrido pela vivência lésbica resultou
em sequelas que até hoje se mostram presentes, como por exemplo, na carência de
políticas públicas voltada especificamente para mulheres lésbicas, sendo assim, Carvalho,
Calderaro e Souza (2013) evidenciam que o desamparo político em relação ao aparato de
saúde pública atinge principalmente lésbicas de classe econômica inferior e as que ‘não
performam feminilidade’. Em alusão a isso, as autoras apontam que:

A escassa, ou quase inexistente, produção científica abordando a temática


saúde e homossexualidade feminina no Brasil; a inexistência de políticas de
saúde consistentes para o enfrentamento das dificuldades e necessidades
desta população; o precário conhecimento sobre suas demandas e a ausência
de tecnologias de cuidado à saúde adequadas, aliados à persistência de
pré-noções e preconceitos, convertem-se, no âmbito da saúde pública, por
exemplo, no desperdício de recursos, no constrangimento produzido no atrito
das relações no interior dos serviços de saúde, na assistência inadequada

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 21


(FACCHINI e BARBOSA, 2006 apud CARVALHO, CALDERARO e SOUZA,
2013, p.5-6).

Desse modo, Dinis (2011) elucida que o reflexo da política de silenciamento surte
outro efeito significativo, transparecendo a sua hostilidade, também, no âmbito escolar e
fazendo com que assim a violência física, simbólica e verbal esteja presente desde as
primeiras socializações na vivência lésbica. As opressões constantes vividas em tal cenário
vêm a serem mascaradas por parte dos professores que omitem a ‘justificativa’ da violência
sofrida na tentativa de que outros estudantes não tenham conhecimento de outras formas
de expressões fora da heteronormatividade (LOURO, 1997 apud DINIS, 2011). Parte-se
então do princípio de que o silenciamento também é uma forma de violência, sendo assim:

Existe o medo de que a mera menção da homossexualidade vá encorajar


práticas homossexuais e vá fazer com que os/as jovens se juntem às
comunidades gays e lésbicas. A ideia é que as informações e as pessoas
que as transmitem agem com a finalidade de “recrutar” jovens inocentes. (...)
Também faz parte desse complexo mito a ansiedade de que qualquer pessoa
que ofereça representações gays e lésbicas em termos simpáticos será
provavelmente acusada ou de ser gay ou de promover uma sexualidade fora
da lei. Em ambos os casos, o conhecimento e as pessoas são considerados
perigosos, predatórios e contagiosos. (BRITZMAN, 1996 apud DINIS, 2011,
p.5).

A falta de pertencimento nos espaços públicos, a invisibilidade, a falta de


representatividade, o isolamento, acarretado pela imposição da heterossexualidade às
lésbicas, as tentativas falhas de se enquadrarem nos padrões heteronormativos, muitas
vezes geram uma exaustão psicológica, uma baixa autoestima, podendo levar ao suicídio
(PERES, SOARES e DIAS 2018). Nas mulheres lésbicas, o suicídio pode ocorrer em
qualquer idade, etnia, classe social, todavia é mais comum acontecer em lésbicas jovens
que ‘performam feminilidade’, já que estas só começam a enfrentar maiores adversidades
externas durante a adolescência quando começam a se relacionar com outras mulheres,
a partir desse ponto, espaços que antigamente lhes eram acolhedores, passam a tratar-
lhes de maneira hostilizada, assim, Peres, Soares e Dias (2018) consideram o suicídio
lésbico um crime realizado pela sociedade como um todo, por não proporcionarem o
mínimo necessário para que tenham uma vida digna. Em contrapartida, as lésbicas que
não ‘performam feminilidade’ não apresentam uma taxa de suicídio muito alta, mas são
as que mais são assassinadas, na maioria das vezes por homens, desde familiares até
desconhecidos, que se vêem no dever de manter a imagem idealizada da família patriarcal
heteronormativa, eliminando qualquer pessoa que possa manchar tal imagem, assim, em
relação aos homens da própria família da vítima, Peres, Soares e Dias (2018, p.26) relatam
que:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 22


Esses homens partem de uma premissa fundamentada no patriarcado que
delega aos homens o direito sobre as mulheres da família, como extensão do
seu poder, e sentem-se no direito de gerir a vida e a morte delas de acordo
com seus próprios valores.

Desse modo, Peres, Soares e Dias (2018) expressam que por mais que os
números de assassinatos e suicídios de lésbicas estejam crescendo, o lesbocídio ainda
não é reconhecido como um crime de ódio, contribuindo ainda mais para a manutenção
do apagamento lésbico, devido à escassez de informações relacionadas às mortes de
lésbicas, ainda mais quando são negras ou indígenas. Com isso, Peres, Soares e Dias
(2018, p. 103) explicitam que: “a ausência de informações é demonstrativo de lesbofobia,
de racismo, de machismo, de classismo e de tantos outros preconceitos agregados que
constroem o perfil e o sentido do descaso com estas pessoas no Brasil e no mundo”.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas pesquisas realizadas durante a produção do presente artigo, ficou
claro que o sistema patriarcal e heteronormativo exerce influência direta no apagamento
social da mulher lésbica, visto que a construção da sociedade e da cultura, desde a
antiguidade até os dias atuais, teve como foco a perpetuação dos princípios patriarcais e
heteronormativos, eliminando tudo que fosse contrário aos valores pregados. Sendo assim,
dentro da sociedade patriarcal, o lugar atribuído à mulher é o de submissa ao homem,
devendo sempre estar à disposição das vontades e prazeres masculinos. Desse modo,
simplesmente pelo fato de existirem, as lésbicas contrariam toda essa estrutura sexista,
ameaçando sua continuidade, tornando-se, então, alvo de ódio, de violência, tanto física
quanto psicológica.
Dessa forma, de acordo com a perspectiva psicanalítica apresentada neste artigo,
a marginalização da lesbianidade aparece socialmente como uma existência ‘contagiosa’
atribuindo e impondo a ela característica de um objeto de tabu. Sendo assim, evidencia-se o
papel que a lei do tabu desempenha ao se tornar um mecanismo de controle heteronormativo
e patriarcal que passa a determinar quem torna-se ou não objeto de tabu, sustentando
assim os discursos de ódio de cunho religioso e/ou social contra a lesbianidade.
Conforme exposto na terceira sessão, a consciência coletiva na sociedade
ocidental sofre influências da cultura judaico-cristã, sendo estruturada a partir de princípios
patriarcais, assim, tudo que é contrário à tais princípios é considerado errado, visto como
ameaça e é exilado na sombra coletiva. Com isso, como a imagem ideal da mulher no
patriarcado é de pureza, castidade e devoção ao homem, as mulheres lésbicas, por não
estarem disponíveis à dominação masculina, assim como Lilith, são despersonificadas e
vistas como demoníacas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 23


Tal repulsa à lesbianidade é percebida em diversas esferas sociais, desde
relacionamentos particulares até o descaso na segurança e na saúde pública, evidenciando
que há um enorme negligenciamento com as demandas das mulheres lésbicas,
invisibilizando-as perante a sociedade. Essa invisibilidade também se mostra presente no
âmbito acadêmico, onde nota-se uma escassez de materiais que abordem a realidade
lésbica. Assim, ao expor a construção patriarcal e heteronormativa como fator determinante
para o apagamento lésbico, o presente artigo tem o intuito de romper com a invisibilidade
ao trazer essa pauta para o campo da psicologia, ampliando as possibilidades de pesquisa.

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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 2 25


CAPÍTULO 3
doi
A ETIOLOGIA PSÍQUICA DAS FORMAS DE
SOFRIMENTO PSÍQUICO CONTEMPORÂNEO:
DEPRESSÃO, RECURSO À DROGA E AUTOLESÃO

Data de aceite: 01/02/2021 RESUMO: O presente artigo interroga o


sofrimento humano, tal como ele se apresenta
hoje na experiência da depressão, do recurso à
droga e da autolesão, à luz do destino assumido
Claudia Henschel de Lima
pelo recalcamento no mal-estar contemporâneo.
Programa de Pós- Graduação em Psicologia
Neste sentido, o artigo apresenta os resultados
Universidade Federal do Rio de Janeiro
da pesquisa básica em psicopatologia
Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro –
Rio de Janeiro psicanalítica conduzida no Laboratório de
Programa de Pós-Graduação em Administração Psicopatologia Fundamental em Estudos sobre
Pública – PROFIAP/UFF. Universidade Federal a Subjetividade e Emergências Humanitárias,
Fluminense. Campus de Volta Redonda articulado ao Programa de Pós-Graduação
https://orcid.org/0000-0002-7693-7321 em Psicologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. A pesquisa propõe uma
Julia da Silva Cunha
investigação dos fenômenos psicopatológicos na
Programa de Pós- Graduação em Psicologia
contemporaneidade, com o objetivo de elaborar a
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
hipótese etiológica acerca do desencadeamento
Janeiro – Rio de Janeiro
https://orcid.org/0000-0002-4068-182X de algumas formas de sofrimento psíquico
contemporâneo – mais especificamente, a
Maria Stela Costa Vliese Zichtl Campos depressão, o recurso à droga e a autolesão.
Programa de Pós- Graduação em Psicologia E, com isso, estabelecer alguns critérios de
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de diagnóstico destas formas de sofrimento a
Janeiro – Rio de Janeiro partir da distinção específica da psicopatologia
http://lattes.cnpq.br/8643262397262019
psicanalítica, entre neurose e psicose. A primeira
Thalles Cavalcanti dos Santos Mendonça parte do desenvolvimento do artigo será dedicada
Sampaio a organização da hipótese etiológica a partir das
Programa de Pós- Graduação em Psicologia referências freudianas sobre a constituição da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de fantasia e do sintoma a partir da centralidade da
Janeiro – Rio de Janeiro dinâmica pulsional. A segunda parte do artigo
https://orcid.org/0000-0002-5527-7774 apresentará a especificidade desta hipótese para
a depressão, o recurso à droga e a autolesão.
PALAVRAS-CHAVE: Depressão, recurso à
droga, autolesão, psicanálise, psicopatologia.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 26


THE PSYCHIC ETIOLOGY OF CONTEMPORARY PSYCHIC SUFFERING:
DEPRESSION, USE OF DRUGS AND CUTTING
ABSTRACT: This paper questions human suffering, as it appears today in the experience
of depression, the use of drugs and cutting, in the light of the destiny assumed by the
repression in contemporary malaise. In this sense, the paper presents the results of basic
research in psychoanalytic psychopathology conducted at the Laboratory of Fundamental
Psychopathology in Studies on Subjectivity and Humanitarian Emergencies, linked to the
Graduate Program in Psychology at the Federal University of Rio de Janeiro. The research
proposes an investigation of psychopathological phenomena in contemporary times, with
the objective of elaborating the etiological hypothesis about the triggering of some forms of
contemporary psychological suffering - more specifically, depression, the use of drugs and
cutting. And, with that, to establish some diagnostic criteria of these forms of suffering from the
specific distinction of psychoanalytic psychopathology, between neurosis and psychosis. The
first part of the development of the paper will be dedicated to the organization of the etiological
hypothesis based on Freudian references on the constitution of fantasy and symptoms based
on the centrality of the drive dynamics. The second part of the paper will present the specificity
of this hypothesis for depression, the use of drugs and cutting.
KEYWORDS: Depression, drug use, cutting, psychoanalysis, psychopathology.

1 | INTRODUÇÃO
Desde a sua fundação no final do século XIX a psicanálise permite afirmar que
o ser humano é uma espécie do mal-estar. E na contemporaneidade isso se preserva
como evidência clínica. A fim de apaziguar o sentimento de mal-estar, o ser humano
lança mão de dispositivos diversos – que vão da ciência, da arte, da religião, até o uso de
narcóticos. O presente artigo interroga o sofrimento humano, tal como ele se apresenta
hoje na experiência da depressão, do recurso à droga e da autolesão, à luz do destino
assumido pelo recalcamento no mal-estar contemporâneo. Neste sentido, ele apresenta os
resultados da pesquisa básica em psicopatologia psicanalítica, conduzida no Laboratório de
Psicopatologia Fundamental em Estudos sobre a Subjetividade e Emergências Humanitárias,
articulado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Partindo, então, da preocupação em pensar o sofrimento humano por meio dos
processos de defesa elaborados por Freud para esclarecer a etiologia da neurose e da
psicose, a pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia propõe a
investigação das formas de sofrimento psíquico contemporâneo (mais especificamente, a
depressão, o recurso à droga e a autolesão), com o objetivo de elaborar a hipótese sobre a
etiologia psíquica de seu desencadeamento. E, com isso, estabelecer alguns critérios para
o diagnóstico diferencial destas formas de sofrimento a partir da distinção entre neurose e
psicose.
O artigo está dividido em duas partes. A primeira parte será dedicada a apresentação
da fundamentação conceitual que conduziu a elaboração da hipótese etiológica para essas

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 27


formas de sofrimento sem abrir mão da referência ao funcionamento psíquico. A segunda
parte do artigo apresentará a especificidade desta hipótese para a depressão, o recurso à
droga e a autolesão.
Ao final da leitura do artigo, esperamos oferecer aos estudantes e profissionais da
área de psicologia, saúde mental, psiquiatria e saúde coletiva, mais do que o testemunho
do avanço da pesquisa etiológica no campo da psicopatologia psicanalítica. Esperamos,
também, oferecer aos estudantes e profissionais, um material conceitual de base para o
entendimento das formas de sofrimento psíquico que habitam, atualmente, os serviços de
saúde e desafiam a clínica para seu deciframento.

2 | UMA HIPÓTESE SOBRE O DESENCADEAMENTO DAS FORMAS DE


SOFRIMENTO PSÍQUICO
Apesar de Freud não haver dedicado nenhum escrito específico sobre as formas
de sofrimento psíquico que, atualmente, investigamos no Laboratório de Psicopatologia
Fundamental em Estudos sobre a Subjetividade e Emergências Humanitárias, é possível
localizar referências onde a temática da desregulação do funcionamento pulsional e do
limite dos processos psíquicos de defesa é evidente, possibilitando a sistematização de
uma hipótese psicanalítica que localize a etiologia psíquica de desencadeamento para a
depressão, o recurso à droga e a autolesão. Do conjunto das referências, investigadas pela
pesquisa, destacamos uma amostra de sete textos, que teorizam sobre a constituição do
psiquismo a partir da dinâmica pulsional. A tabela 1 elenca esses textos.

Rascunho B (1893/1987)
Rascunho E- Como se origina a angústia? (1893/1990)
Carta 79 (1897/2006)
A sexualidade na etiologia das neuroses (1898/2015)
Três ensaios sobre a sexualidade (1905/2016)
Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908/2015)
O Recalcamento (1915/2015)

Tabela 1. Amostra de referências em Freud sobre a constituição do psiquismo a partir da


dinâmica pulsional.

No Rascunho B (1893/2006), Freud investiga a etiologia diferencial das neuroses


atuais e das neuropsicoses de defesa, a partir de sua relação com a angústia. E destaca
um traço clínico importante, que permite marcar a distinção entre neurose de angústia e
neurastenia: na primeira há o acúmulo de excitação e, na segunda, há o empobrecimento
de excitação. Ou seja, o fator desencadeante da neurose de angústia é o que será
denominado mais tarde, como sendo a dinâmica pulsional.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 28


No Rascunho E (1893/1990), Freud avança na pesquisa sobre a etiologia da angústia
no vasto campo da distinção entre neuropsicoses de defesa e neuroses atuais e estabelece
uma etiologia sexual para o surgimento da angústia: ou seja, esta seria derivada de uma
vida sexual que denomina como “anormal”, por conta de um acúmulo de tensão sexual. O
passo seguinte se direciona para compreensão da transformação deste acúmulo de tensão
sexual em angústia e, para isto, investiga a excitação endógena e suas particularidades.
Esta tensão só passa a ter significação psíquica após atingir certo limiar que, em um
momento posterior, desencadeia reações específicas empreendidas com a finalidade de
evitar o surgimento de mais excitação e de liberar tal acúmulo de tensão. Nas neuroses em
que a angústia se faz presente, este processo não se verifica da mesma forma. Neste caso,
verifica-se o estabelecimento de uma ligação psíquica insuficiente, o que não permite que
uma significação psíquica se constitua, devido esta falta relacionada aos fatores psíquicos,
“[...] a tensão física aumenta, atinge o nível do limiar em que consegue despertar afeto
psíquico, mas, por algum motivo, a conexão psíquica que lhe é oferecida permanece
insuficiente” (Freud, 1893/1990, p. 273). Esta tensão, não sendo ligada psiquicamente, é
transformada em angústia, sendo esta um afeto livre de representação psíquica. É essa
condição de energia livre de ligação, que será imprescindível para a compreensão da
etiologia de algumas formas de sofrimento.
Definida essa condição de funcionamento do afeto na angústia, temos a Carta 79,
datada de 22 de dezembro de 1897, em que Freud elabora claramente a hipótese entre o
vício em álcool, morfina e tabaco e a masturbação, definindo-a como vício primário (ursucht):
“Comecei a compreender que a masturbação é o grande hábito, o “vício primário”, e que é
somente como sucedâneo e substituto dela que outros vícios - álcool, morfina, tabaco etc.
– adquirem existência”. (Freud, 1897/2006: 323-324). Freud (1897/2006) oferece, então,
uma indicação sobre a etiologia do recurso à droga:
1. A masturbação é o vício primário (ursucht).

2. O recurso aditivo ao álcool, morfina e tabaco seria uma formação substitutiva em


relação ao vício primário da masturbação.
Essa hipótese se esclarecerá com os desenvolvimentos conceituais verificados em
A sexualidade na etiologia das neuroses (1898/2015), Três ensaios sobre a sexualidade
(1905/2015) Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade (1908/2015). Ao
longo dessas referências, Freud define a constituição do psiquismo, pelo processo de
recalcamento originário das pulsões, resultando na soldadura entre pulsão e fantasia e
na formação do sintoma. O marco desta elaboração sobre o psiquismo será o avanço
conceitual em relação a masturbação: o autoerotismo.
O conceito de autoerotismo é definido em Três ensaios sobre a sexualidade
(1905/2015) em relação direta com o funcionamento pulsional: a pulsão se satisfaz no
próprio corpo, sem o investimento nas representações psíquicas de pessoas e coisas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 29


Freud posiciona o autoerotismo sobre o fundo da perda do seio como objeto de satisfação
da fome localizando na sucção no bebê, seu paradigma. Dessa forma, o autoerotismo
designa o momento em que a satisfação pulsional ocorre divorciada da dependência
do objeto da autoconservação e em estreita relação com a experiência alucinatória de
satisfação indicando a coincidência entre objeto pulsional e fonte e a não ligação da pulsão
à representação de pessoas e coisas. A partir dessa formalização do autoerotismo, Freud
(1905/2015) sustentará a dimensão pulsional do recurso à droga pela hipótese de que
a etiologia do alcoolismo estaria localizada na fixação da pulsão na fase oral, ligada ao
autoerotismo.
Sobre essa base conceitual Freud apresenta, em As Fantasias histéricas e sua
relação com a bissexualidade (1908/2015), alguns desenvolvimentos cruciais acerca da
distinção entre autoerotismo e masturbação que esclarecerão o vício primário, definido na
Carta 79 (Freud, 1897/2006). Sobre a base desta distinção destaca-se o funcionamento
da fantasia e do sintoma: enquanto no autoerotismo, vigora a experiência alucinatória de
satisfação sem mediação da fantasia, a masturbação verifica a soldadura do funcionamento
pulsional com a fantasia constituindo-se como um tempo lógico posterior ao autoerotismo:

Originalmente o ato era um processo puramente autoerótico que visava


obter prazer de uma determinada parte do corpo, que pode ser denominada
de erógena. Mais tarde, esse ato fundiu-se a uma ideia plena de desejo
pertencente à esfera do amor objetal, e serviu como realização parcial da
situação em que culminou a fantasia. Quando, posteriormente, o sujeito
renuncia a este tipo de satisfação, composto de masturbação e fantasia, o
ato é abandonado, e a fantasia passa de consciente para inconsciente. (…)
(Freud,1908/2015, p. 239).

A citação evidencia dois tempos de constituição do funcionamento psíquico,


distintos do que se configurou na Carta 79 (Freud, 1897/2006). O funcionamento
autoerótico das pulsões, independente do marco da fantasia, independente da ligação
com a representação psíquica, seria o primeiro tempo. Só em um segundo tempo, as
pulsões se soldariam à fantasia, se soldariam às representações psíquicas (ideias plenas
de desejo), compondo-se de masturbação e fantasia. Essa distinção entre dois tempos
complexifica a hipótese freudiana sobre a constituição do psiquismo e oferece uma pista
importante para a elaboração de uma hipótese mais sistemática sobre a etiologia de formas
de sofrimento psíquico contemporâneo. Retomando as referências até aqui mencionadas,
à luz da hipótese da angústia como resultante da não ligação entre pulsão e representação
psíquica, e considerando as formulações da Carta 79 - o recurso aditivo à droga, como
formação substitutiva ao vício primário da masturbação - podemos interrogar se a etiologia
psíquica dessas formas de sofrimento poderia ser elucidada por meio de uma investigação
mais detida, mais detalhada, sobre a passagem do autoerotismo para a fantasia: não
indicariam a ocorrência de uma perturbação na passagem do funcionamento pulsional mais
desespecificado, conforme ocorre no autoerotismo, para a soldadura com a fantasia?

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 30


Essa teorização ganha aprofundamento com a especificidade do processo de
recalcamento, definido por Freud nos artigos sobre metapsicologia (Freud, 1915/2015).
De fato, a formalização conceitual de um processo de constituição do psiquismo a partir
da centralidade do processo de defesa contra a pulsão, elucida o que Freud denominara
anteriormente como sendo a soldadura da pulsão à fantasia e ao sintoma. Tomando
como referência O Recalcamento (1915/2015), o funcionamento psíquico consistiria,
resumidamente, no processo apresentado na tabela 2.

Tempo 0 Autoerotismo e experiência alucinatória


de satisfação: Desespecificação pulsional/
Funcionamento das pulsões parciais.
Tempo 1 Defesa - Ação do recalcamento originário.
Tempo 2 O autoerotismo se funde à fantasia masturbatória/
formação do sintoma.

Tabela 2. Tempos da constituição do psiquismo.

Considerando As Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade


(1908a/2015), Freud localiza no Tempo 0, um funcionamento autoerótico, alucinatório, não
soldado à fantasia. Fica evidenciado que autoerotismo e funcionamento da fantasia não
ocorrem juntos e que, portanto, entre ambos os tempos 0 e 2, é necessário a ocorrência
de um processo que possibilite uma soldadura, uma fusão. Será por meio da ação do
recalcamento originário, que ocorrerá a fusão do autoerotismo à fantasia e à formação do
sintoma. Retomando, então, a Carta 79 (Freud, 1897/2008) e relendo-a a partir dessas
premissas conceituais, temos as bases para a formulação de uma hipótese provisória
sobre a etiologia psíquica das formas de sofrimento psíquico contemporâneo investigados
pelo Laboratório de Psicopatologia Fundamental em Estudos sobre a Subjetividade e
Emergências Humanitárias: eles prescindem da formação da fantasia, e do sintoma que
lhe é correlato, esgotando-se no funcionamento pulsional não regulado pelo processo de
recalcamento.
A formulação dessa hipótese provisória, permite localizar na base da depressão,
do recurso à droga e da autolesão, o caráter aditivo correspondente à essa perturbação
do funcionamento pulsional. A proposição crítica de Freud (1930[1929]/1976), posterior às
referências aqui abordadas, de que a investigação científica necessita avançar sobre a
dimensão tóxica dos processos psíquicos1, vem reforçando a necessidade de se interrogar
se o traço aditivo revelaria uma condição tóxica de funcionamento do psiquismo, podendo
ser verificada para além do próprio problema do recurso à droga e, consequentemente,
evidenciando uma debilidade dos recursos psíquicos para regular o funcionamento

1. “É extremamente lamentável que até agora esse lado tóxico dos processos mentais tenha escapado ao exame cien-
tífico”.(Freud, 1930 [1929]/1976, p.97)

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 31


pulsional.  Sustentamos que lançar luz sobre esse ponto permitirá avançar a pesquisa
na direção de propor uma clínica diferencial do sofrimento contemporâneo com base na
referência à etiologia psíquica.

3 | AS FORMAS DE SOFRIMENTO PSÍQUICO CONTEMPORÂNEO

3.1 Depressão
Os brasileiros lideram o ranking de ocorrência de ansiedade da Organização
Mundial da Saúde (OMS) e ocupam o quinto lugar entre os países com maior índice de
casos diagnosticados como depressão. Tais dados revelam a importância de se avançar
na pesquisa sobre sua etiologia.
As questões que circundam a depressão a partir das formulações freudianas
dizem respeito a irrupção pulsional no funcionamento psíquico, o que por sua vez tende
a mobilizar a eclosão da angústia. O levantamento das referências freudianas, conduzido
na seção anterior, fundamenta a nossa suspeita de que a depressão seja a manifestação
uma angústia aditiva como defesa contra a irrupção pulsional. Verifica-se nas formas de
expressão da depressão, a retração do investimento objetal, evidenciando uma posição
subjetiva paralisada e resultante do declínio do sentimento de vida. Contudo, a referência
freudiana de Inibição, Sintoma e angústia (1925-1926/1976) tem sido crucial para a
elaboração da hipótese de inibição. Neste texto, a angústia é compreendida enquanto
uma reação egóica a um perigo desconhecido: “(…) a análise tem revelado que se trata
de um perigo pulsional” (Freud, 1925-1926/1976, p.190). Entretanto, o eu aparelha-se de
processos de defesa contra a pulsão, como o recalcamento e o próprio sintoma. Relendo
as referências trabalhadas na seção anterior à luz desta formulação de Inibição, Sintoma
e angústia (1925-1926/1976), sustentamos a hipótese de que a perturbação da soldadura
entre a pulsão e a fantasia, no recalcamento, elucida a irrupção da pulsão no psiquismo. A
angústia advém como reação aditiva e paralisante à essa irrupção pulsional, na ausência
do sintoma.

3.2 Recurso à droga


O transtorno por uso de substâncias é um fenômeno clínico cuja severidade é
confirmada pelos dados do World Drug Report (UNODOC, 2018), que registrou, entre os
anos de 2000 e 2015, um aumento global de 60% e, em 2017, chegou a marca de meio
milhão de mortes no mundo inteiro. Um dado importante se refere a faixa etária de risco
para o desencadeamento do recurso à droga, sugerindo que a adolescência (12-17 anos) é
o momento crítico para o início do uso de substâncias podendo atingir o pico na faixa etária
entre 18 e 25 anos. Tanto a localização da adolescência como fator de risco, como o gênero
e a tipologia do recurso à droga de acordo com o contexto, mostram a complexidade das
variáveis subjetivas e de contexto, envolvidas na investigação do tema.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 32


Ressaltamos o caráter complexo da pesquisa do recurso aditivo à droga, na medida
em que – por afetar o comportamento, o funcionamento do sistema nervos e o funcionamento
subjetivo – pressiona que a pesquisa investigue e debata sobre seus aspectos subjetivos,
políticos, sociais, neurobiológicos e comportamentais. No caso específico da psicanálise,
a descrição de aspectos subjetivos impede generalizações da mesma natureza que as
que encontramos no campo da ciência médica. Retomando as considerações teóricas
realizadas na seção anterior, e especificando em torno das considerações levantadas
por Freud a respeito do recurso à droga e o autoerotismo, trabalhamos com a hipótese
específica da ocorrência, na base do recurso à droga, de uma perturbação no processo de
soldadura da pulsão com a fantasia, e anterior a formação do sintoma – o que nos coloca,
particularmente, diante do problema acerca da relação entre esse recurso e a natureza do
funcionamento psíquico (neurose e psicose).
No que se refere a esse último ponto – a natureza do funcionamento psíquico no
recurso à droga – tendemos à recuperar a clássica categoria freudiana de neuroses atuais
e, mais especificamente, de neurose de angústia, tal como Freud definira no Rascunho
B (1893/1986) e Rascunho E (1894/1986), com a finalidade de isolar certos fatores
etiológicos: a falha do sintoma, a irrupção da angústia, e o recurso à droga. Assim, a partir
desse conjunto de referências, a pesquisa coloca a interrogação sobre a natureza do
funcionamento psíquico no recurso à droga: será que a pregnância do autoerotismo no
recurso à droga nos coloca diante do funcionamento de uma estrutura psicótica ou ela pode
ser explicada por uma neurose de angústia?
A retomada da categoria de neuroses atuais é reforçada por algumas considerações
de Freud, em Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna (1908/2015). Nesse
texto, ele estabelece a distinção diagnóstica entre neurose e neuroses atuais a partir da
referência aos conceitos de inconsciente e pulsão: a neurose é condizente com os efeitos
do recalcamento de conteúdos representacionais inconscientes, e as neuroses atuais,
caracterizam-se por manifestações clínicas que surgem no corpo, mediante um excesso ou
escassez de pulsão. Ou seja, a clínica das neuroses atuais estaria ligada à desestabilização
pulsional e do declínio do funcionamento do inconsciente. No que se refere às neuroses
de angústia, fica nos claro que, atualmente, nos deparamos com sujeitos invadidos por um
sofrimento avassalador, indicando que a angústia sinal, como propõe Freud (1926/2014),
não é suficiente para entender o sofrimento psíquico do sujeito em questão. A experiência
de angústia com que nos deparamos com frequência nos dias de hoje, nos mostra que
essa não se localiza na história do sujeito, não remete a um passado ou a um presente, e
sim, concerne a uma experiência de vazio, tributária daquele desligamento entre a pulsão
e a fantasia, a representação psíquica, verificada nas referências freudianas trabalhadas
na seção anterior.
Alguns testemunhos extraídos da rede social Tumblr, indicam que o caminho
seguido pela pesquisa sobre recurso à droga é consistente e permite elucidar a fragilidade

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 33


do sujeito que recorre à droga diante do afeto de angústia que não se liga à representação
psíquica. A tabela 3 apresenta uma pequena amostra de testemunhos que indicam essa
separação entre pulsão e representação psíquica.

“Como uma pessoa pode estar preenchida de vida e estar vazia? Para onde toda essa vida se esvai?”
(Fighting-Ghosts, Abril de 2018).
“Eu sempre procuro maneiras de lidar com esses pensamentos que vêm a todo minuto, e não importa
o quanto eu tente, as drogas sempre serão a melhor maneira. Eu quero estar entorpecida o tempo
todo.” (nicolethedopefiendqueen, Agosto de 2016).

Tabela 1. Testemunhos do Tumblr – recurso à droga.

Esses testemunhos sugerem que o recurso à droga possa estar associado à


uma perturbação no enquadramento da pulsão pela fantasia. A perturbação nesse
enquadramento elucidaria a pregnância de significantes absolutos intimamente ligados à
prática do uso de drogas (eu sou toxicômano, sou dependente químico), em detrimento do
conflito inconsciente e da formação do sintoma.

3.3 Autolesão
A autolesão representa um problema cuja amplitude ainda não está nítida no Brasil.
O Ministério da Saúde indica que, entre 2011 e 2018 ocorreram 339.730 casos de autolesão
no país. Essa categoria inclui autoagressões, automutilações e tentativas de suicídio. As
ocorrências estão distribuídas na faixa etária de 15 a 29 anos (cerca de 45% dos casos).
Tomando como perspectiva a série histórica, observamos um salto dos números: em 8
anos, os casos passaram de 14.940, em 2011, para 95.061 em 2018.
Ao pensarmos na etiologia da irrupção das Non-Suicidal Self-Injurys (NSSI) e, mais
especificamente, da autolesão, temos, a partir do atendimento de sujeitos adolescentes,
bem como a leitura de testemunhos na rede social Tumbrl, como interrogação a correlação
direta entre sofrimento psíquico e incisão de cortes superficiais na pele com objetos afiados
(lâminas, facas, por exemplo). O problema reside na natureza desta incisão: o que leva o
funcionamento psíquico à recorrer à incisões cortantes no corpo?
A fim de desenhar o desenvolvimento de uma hipótese específica sobre a etiologia
da autolesão - tendo como base conceitual o traço aditivo decorrente da perturbação na
soldadura entre pulsão e fantasia - temos recorrido ao seminário sobre a angústia proferido
por Lacan (1962-1963/ 2005). Seguindo a direção dada por Lacan (1962-1963/2005),
identificamos o desencadeamento permanente, aditivo e parasitário da angústia, no
autolesão, como decorrente da experiência de destituição subjetiva operada no campo do
significante, em que se perde a condição de sujeito com emergência de uma dissimetria
especular muito próxima dos fenômenos tributários do autoerotismo sem, necessariamente,
afirmarmos uma suspeita de psicose. Sobre a dissimetria especular, Lacan (1962-

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 34


1963/2005) esclarece que o corpo aparece em sua intimidade mais obscura destituído do
véu da imagem. Para isso, o autor utiliza os matemas a (para se referir a intimidade mais
obscura) e i(a) (para se referir a imagem corporal). Ter-se-ia, então, a seguinte fórmula:

ɑ/i (ɑ).

Nesses casos, a angústia aditiva indica uma desordem constitutiva do sujeito e da


idéia de si mesmo, e cuja especificidade é a angústia como expressão subjetiva da irrupção
pulsional, da perturbação na soldadura entre pulsão e fantasia e o empuxo a autolesão.
Neste sentido, a autolesão pode, para alguns casos, funcionar como procedimento sobre
o corpo para estabilizar a angústia e a dissimetria corporal que a acompanha. A vinheta
clínica referente a autolesão praticada pela jovem Zoe, de 20 anos, e publicada por
Dartiguelongue (2012, p.217-218) confere relevância a hipótese:

Con los cortes tomo la decisión, no es automático, quiero decir, no es un


impulso. No es para matarme. Es cuando tengo angustia. Necesito sacármela.
La primera vez fue en el verano. Todo empezó cuando elegí mi pareja mujer,
en octubre del año pasado. Después tuve otra pareja. En el verano les conté a
mis papás. Fue difícil. Yo sentía que mis papás, lo poco que les hablaba, no lo
escuchaban, no les importaba. Para mí era difícil y ni me prestaban atención.
No me escuchaban. Ahí me angustiaba mucho. Ahí empecé a cortarme.
Nunca se enteraron. Me agarra con ellos. Nada de mí les interesa realmente.
Con los cortes es como un alivio. Después también me cortaba cuando me
peleaba con mi pareja. Con ella también lo disimulaba. Es que me calma de
esa sensación horrible que no te podés sacar, esa sensación que hasta te
agarra en el cuerpo y que no me banco. Iba a buscar una gillette y listo.

A leitura da vinheta clínica de Zoe, à luz desta formulação, permite localizar o


recuo do significante “(...) tão essencial a todo advento da vida humana quanto tudo que
possamos conceber do unwelt natural” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 179). Foi extraída, da
rede social Tumbrl, uma amostra preliminar, para o desenvolvimento da pesquisa, de 103
testemunhos. Eles foram divididos entre imagens (fotografias, vídeos) e textos escritos,
com indicação (nas notas das postagens) de compartilhamentos e curtidas de outros
usuários variando entre 10 e 3 mil. Para a coleta foi utilizada, como ferramenta de pesquisa
para localizar postagens relacionadas, as hashtags (#): cut, cutting, cuter e corte. E por
meio de uma primeira fase da metodologia de análise de conteúdo (fase de pré-exploração
do material ou leitura flutuante do corpus dos testemunhos e imagens), foi posssível
estabelecer algumas categorias de análise da amostra de testemunhos sobre autolesão. A
tabela 4 representa uma primeira ordenação de 8 testemunhos.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 35


CATEGORIZAÇÃO FLUTUANTE DO
TESTEMUNHOS
CORPUS DO TESTEMUNHO
[...]Eu sinto que estou arquejando por ar O Outro é qualificado como confuso.
Gritando por ajuda A confusão do Outro gera efeitos no
Mas todos apenas me olham sujeito (isso faz eu me sentir louco).
Com faces confusas Invasão da angústia (arquejando por ar).
Imaginando com o que estou sufocando Procedimento de incisão de cortes na
Quando todos eles estão bem pele.
E isso faz eu me sentir louco
O que diabos tem de errado comigo?
(Mãos Proibidas, Outubro de 2016)

Tudo bem. Eu mereço isso. (Cortar e Desejar, junto com O excesso aparece no sujeito.
uma foto de seus braços todos cortados, Outubro de 2016) O sujeito carrega em si a ideia de que
merece o corte.
Procedimento de incisão de cortes na
pele.
Porque você está tão quieto? Eu não sei, talvez porque O Outro é qualificado como quieto.
alguém muito importante me disse que eu sou ‘irritante’ e O excesso aparece no sujeito (sou
que eu ‘falo demais’ quando eu estava apenas tentando irritante, falo demais).
ser eu mesmo e agora eu estou com medo de ser eu Destituição subjetiva.
mesmo perto dos outros. (Apenas um Pouco Triste,
Outubro de 2016)
Mas quem se apaixona por uma garota O sujeito aparece na posição de menos-
Que tem o braço coberto de cicatrizes? valia.
Mas quem se apaixona por uma garota O corte se torna ao mesmo tempo
Cujo sorriso desaparece rapidamente? punição e erro. solução e problema.
Mas quem se apaixona por uma garota
Que não permite a si mesma ser amada?
Exatamente. (Perdendo a Cabeça-Ajuda, Outubro de 2016)

É difícil quando você constantemente se sente indesejado Sentimento de ser indesejado pelo
pra caralho. (Preenchido de Depressão, Outubro de 2016) Outro.

É triste dizer que esse website sabe mais sobre você do O Outro mais próximo é qualificado
que qualquer pessoa.- Triste, mas verdadeiro (Últimas como aquele que sabe menos do sujeito,
Palavras São Superestimadas, Fevereiro de 2017). do que o website.

ESTOU PENSANDO DEMAIS. ME AJUDE. (Canções de Sensação de invasão de pensamento


Ninar Psicóticas, Outubro de 2016) que tende a anteceder os momentos do
corte.
Quando você é um Cutter você nota coisas diferentes. Formação identitária pela autolesão
Você nota como algumas pessoas só usam mangas longas (cutter).
e calças mesmos nos dias mais quentes de verão. Você
nota cortes vermelhos quando braceletes escorregam para
baixo em classe. Você nota os olhos vazios das pessoas e
a forma que elas puxam com força quando alguém agarra
seus braços. E você vislumbra o lugar olhando para os
pulsos das pessoas procurando por cicatrizes como as
suas. (Minha Própria Pequena Guerra, Fevereiro de 2017).

Tabela 4. Categorização Flutuante dos Testemunhos de Autolesão (Cutting).

Esses testemunhos sugerem que a autolesão possa ter valor de estrutura elementar
do significante, exatamente em quadros clínicos em que se verifica o recuo da determinação
do sujeito pelo significante (sou um cutter, por exemplo) e o desencadeamento da angústia.
Assim conforme indica a vinheta clínica e a tabela 1, hipotetiza-se que a autolesão permite

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 36


a localização do sujeito em relação a alguém (um parceiro, os pais, alguém do trabalho ou
da escola) sem, no entanto, ser suficiente para estabilizar a desordem em sua constituição
decorrente do recuo do significante - tão essencial a todo advento da vida humana.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo apresentou o desenvolvimento da pesquisa conduzida pelo
Laboratório de Psicopatologia Fundamental em Estudos sobre a Subjetividade e
Emergências Humanitárias, articulado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nela temos interrogado a etiologia da depressão,
do recurso à droga e da autolesão, à luz da dinâmica pulsional, localizando como hipótese
etiológica a ocorrência de uma perturbação na soldadura da pulsão em torno da fantasia.
Trata-se de uma hipótese no campo da psicopatologia psicanalítica, que possibilita uma
direção de pesquisa que preserva a referência ao psiquismo no entendimento das formas
de sofrimento humano no contemporâneo.

REFERÊNCIAS
Dartiguelongue, J. (2012). La Cobardía Neurótica y un tipo Particular del Uso del Cuerpo. IV
Congreso Internacional de Investigación y Práctica Profesional en Psicología XIX Jornadas
de Investigación. VIII Encuentro de Investigadores en Psicología del MERCOSUR. Facultad de
Psicología. Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires.

Freud, S. (2006). Rascunho B. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. I. (Obra original publicada em 1894).

Freud, S. (2006). Rascunho H. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. I. (Obra original publicada em 1894).

Freud, S. (2006). Carta 79. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
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Freud, S. (2015). A sexualidade na etiologia das neuroses. In: ______. Edição Standard Brasileira
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Freud, S. (2006). Três ensaios sobre a sexualidade. In: ______. Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. VI. (Obra original
publicada em 1905).

Freud, S. (2006). Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade. In: ______. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
v. VIII. (Obra original publicada em 1908).

Freud, S. (2006). Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. In: ______. Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. VIII.
(Obra original publicada em 1908).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 37


Freud, S. (2006). O Recalcamento. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XIV. (Obra original publicada em 1915).

Freud, S. (2006). Sintoma, inibição e angústia In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XX. (Obra original publicada
em 1925-1926).

Lacan, J. (2005) O seminário, livro 10: A Angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (Obra original
publicada em1962-1963).

Sampaio, T., Henschel de Lima, C. (2018). A Psicanálise e a Clínica Diferencial do Cutting na


Anorexia. (Relatório de Pesquisa). Edital PIBIC / CNPq/ UFF 2017/2018. Universidade Federal
Fluminense- UFF, Volta Redonda, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

United Nations. World Drug Report 2018. Acessado em 24 set 2019. https://www.unodc.org/wdr2018/
prelaunch/WDR18_Booklet_1_EXSUM.pdf

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 3 38


CAPÍTULO 4
doi
PSICANÁLISE E POLÍTICA: ANÁLISE DO
DESAMPARO E O NEGACIONISMO NO CENÁRIO
DO CORONAVÍRUS (COVID-19)

Data de aceite: 01/02/2021 RESUMO: Partindo da teoria do desamparo


de Sigmund Freud, objetivamos analisar os
desdobramentos políticos da atual pandemia:
coronavírus (COVID-19). Pelo vínculo de
Everaldo dos Santos Mendes
pertencimento, estabelecemos uma unidade
Instituto Edith Theresa Hedwing Stein —
de espaço: América Latina e Caribe, com o
ISTEIN
olhar fixo no Estado brasileiro. Por conseguinte,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro — PUC-Rio coube-nos eleger uma unidade de ação: os
Pontifícia Universidade Católica de Minas processos de subjetivação de pessoas humanas
Gerais — PUC Minas concretas, que mais têm sofrido com os modos
Amélia Rodrigues — Bahia (Brasil) de dominação impostos pelo capitalismo: os
http://lattes.cnpq.br/6102492484900096 povos indesejados do Sul. Por este caminho, a
nossa pesquisa — qualitativa — delineou-se a
Amanda Marques Pimenta
partir dos seguintes tipos: teórica, bibliográfica
Pontifícia Universidade Católica de Minas
e documental. Nos povos indesejados do
Gerais — PUC Minas
Sul — vítimas de um sofrimento humano
Belo Horizonte — Minas Gerais (Brasil)
http://lattes.cnpq.br/8554574532973252 injusto, perpetuado pela histórica exploração
capitalista, discriminação racial e sexual —
Alex Junio Duarte Costa identificamos um desamparo psicossocial em
Pontifícia Universidade Católica de Minas ato, que assola a existência humana. No Estado
Gerais — PUC Minas brasileiro, três fenômenos políticos reclamam
Belo Horizonte — Minas Gerais (Brasil) para si — em uma perspectiva de urgência e
http://lattes.cnpq.br/8312744960188894
cuidado — investigações da psicanálise na
contemporaneidade: (1) o “lugar psicanalítico”
que o atual chefe de Estado ocupa na psique
Trabalho apresentado ao componente curricular do povo; (2) a escuta do discurso estatal a partir
“Tópicos Especiais II: contribuições freudianas para do “lugar psicanalítico”, que tenciona pôr em
tempos de pandemia” do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
descrédito a cultura ocidental; (3) uma espécie
Minas Gerais — PUC Minas, ministrado pela Profa. de “contágio de massas”, que corresponde — em
Dra. Jacqueline de Oliveira Moreira. seu funcionamento — ao contágio do coronavírus
(COVID-19).
PALAVRAS-CHAVE: Psicanálise, Política.
Pandemia, Desamparo, Povos indesejados do
Sul.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 39


ABSTRACT: In this article we start from Sigmund Freud abandonment theory to analyse the
political developments of the current pandemic: coronavírus (COVID-19). We stablished a
space unit through the bond of belonging: Latin America and Caribbean, with emphasis on the
Brasilian state. Therefore we choose an action unit: the subjective process of concrete human
people who have suffered more with the of domination imponsed by capitalism: the unwanted
south people. In this way our qualitative research had as methodological procedures the
theoretical, bibliographical and documentary research. Between the unwanted south people
who are victims of an unfair human suffering as a result of the historical capitalist exploitation,
racial and sexual discrimination we identified a psychosocial abandonment which plagues
human existence. In the Brazilian state, we noticed three political process that involves
contemporary psychoanalytical investigation: (1) the “psychoanalytic place” that the corrente
head of state occupies in the psyche of the people; (2) listening to state discurse that intends
to disqualify Western culture from psychoanalytical perspective; (3) a kind of “mass contagion”
which envolves as a consequence the coronavirus contagion.
KEYWORDS: Psychoanalysis, Politics, Pandemic, Helplessness, Unwanted peoples of the
South.

1 | INTRODUÇÃO

[...] É incompreensível, afirmei, que a ideia de transitoriedade do belo deva


perturbar a alegria que ele nos proporciona. Quanto à beleza da natureza,
ela sempre volta depois que é destruída pelo inverno, e esse retorno bem
pode ser considerado eterno, em relação ao nosso tempo de vida. Vemos
desaparecer a beleza do rosto e do corpo humano no curso de nossa vida,
mas essa brevidade lhes acrescenta mais um encanto. Se existir uma flor que
floresça apenas uma noite, ela não nos parecerá menos formosa por isso [...]
(FREUD, 2010, p. 249).

Na década de 1980, instalou-se um “permanente estado de crise” mundo afora.


Nas periferias do mundo — de modo singular, América Latina e Caribe —, desvelou-se
este fenômeno econômico-político à medida que o neoliberalismo se impôs como a versão
esmagadora do capitalismo, sujeitando-as à lógica do setor financeiro. No escrito intitulado
A cruel pedagogia do vírus, Boaventura de Sousa Santos — sociólogo português
contemporâneo — reflete que a ideia de “crise permanente” é um oximoro. No sentido
etimológico, a “crise” é excepcional e passageira. Psicossocialmente, a crise constitui a
oportunidade de superação, originando um melhor estado de coisas (SANTOS, 2020).
No eixo do mundo, o objetivo — [a]político — da “crise permanente” é não desejar
ser resolvida; o propósito deste objetivo é legitimar a escandalosa concentração de riquezas
e boicotar medidas eficazes para impedir a iminente catástrofe ecológica (SANTOS, 2020).
No século XXI, revela-se decisiva a voz profética — outrora ecoada da teologia
latino-americana da libertação — de Dom Hélder Câmara:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 40


[...] Não tenhamos ilusões: o mundo conhece muito bem o escândalo. São
cristãos, aos menos de origem, aqueles vinte por cento da humanidade que
têm em suas mãos os oitenta por cento dos recursos da terra. Que fizemos
da Eucaristia? Como conciliá-la com a injustiça, filha do egoísmo? (CÂMERA,
2014, p. 184).

Neste cenário, desvela-se, então, a COVID-19: doença causada pelo coronavírus


SARS-CoV-2, que apresenta um quadro clínico com variações de infecções assintomáticas
a quadros respiratórios graves (BRASIL, 2020).
Historicamente, o novo agente do coronavírus — uma família de vírus que causa
infecções respiratórias — foi descoberto no dia 31 de dezembro de 2019, após casos
registrados na China. Não obstante, os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela
primeira vez em 1937. No ano de 1965, o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência
do perfil na microscopia, parecendo uma coroa. Na verdade, a maioria das pessoas se
infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais
propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Na literatura das ciências da
saúde, evidenciamos que os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha
coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1 (BRASIL, 2020).
Dessarte, novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da pandemia de 2020, é mais
agressivo que todas as formas já vistas de coronavírus e já se tornou o mais desafiador
agravo à saúde pública mundial do século XXI, vindo a trazer a terrífica quantia de um milhão
de pessoas mortas em todo mundo (G1, 2020b). No Estado brasileiro, esta situação revela-
se avassaladora: atualmente, mais de 4,5 milhões de pessoas acometidas pela doença e
mais de 140 mil mortos. Existe também o problema econômico, em que diversas pequenas
e médias empresas fecharam as portas permanentemente e milhares de pessoas ficaram
desempregadas, sendo necessária a intervenção do Governo Federal para amparar e
fornecer assistência financeira àquelas pessoas que perderam renda e garantir o mínimo
existencial caucionado pela Lei neste momento de crise (G1, 2020a; UNA-SUS; 2020).
Não obstante, uma pequena parcela da população brasileira que não é alcançada
pelas políticas socioassistenciais e de enfrentamento do coronavírus. São os chamados
“invisíveis”. Para o Governo, alguns deles sequer existem. Não há um registro formal dos
mesmos. Já outros têm a distinção de possuir um Registro Civil, mas levam o mesmo
adjetivo, por viverem em condições extremas de vulnerabilidade; por não possuírem meios
para serem vistos e requisitarem ajuda junto ao Estado.
Partido da teoria do desamparo de Sigmund Freud, objetivamos analisar os
desdobramentos — políticos — da pandemia [COVID-19], a partir da perspectiva dos
processos de subjetivação de pessoas humanas concretas, que mais têm sofrido com as
formas de dominação do capitalismo: os povos indesejados do Sul. Por este caminho,
coube-nos considerar a influência do discurso do mais alto chefe do executivo brasileiro —
o Presidente da República — na adesão às medidas de contenção do vírus e no processo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 41


de subjetivação do sujeito no afamado “novo normal” (alcunha dada às medidas sanitárias
que deverão perdurar por algum tempo, mesmo após o fim da pandemia). Por esta via, o
desenvolvimento do trabalho abarcou a metodologia de pesquisa teórica, bibliográfica e
documental.
No delineamento de pesquisa qualitativa, a construção da informação não se apoia
na coleta de dados. Pela via teórico-conceitual, segue o curso progressivo e aberto de um
processo de construção e interpretação que acompanha todos os momentos da pesquisa
(GONZÁLEZ REY, 2005).
No que diz respeito à pesquisa teórica, a proposta está de acordo com as
considerações de González Rey (2010) acerca da teoria, que pode ser analisada como
um sistema aberto que, conjuntamente com as representações teóricas mais gerais postas
no marco teórico estabelecido; integra as ideias do pesquisador e elementos do momento
atual de uma pesquisa. Deste modo, estabelece-se uma tensão permanente entre a teoria
inicial apresentada pelo pesquisador e o momento atual de sua pesquisa, o que possibilita
o desenvolvimento do modelo de inteligibilidade usado para a produção de conhecimento
em cada pesquisa concreta. Tal processo permite afirmar que uma teoria geral cresce e
se desenvolve perante os desafios que implicam a produção de novas zonas de sentido.
Na pesquisa bibliográfica, reunimos bibliografias públicas sobre o objeto de
estudo em tela (MARCONI; LAKATOS, 2017). Particularmente, a bibliografia selecionada
ofereceu-nos meios para uma reflexão crítica da práxis histórica em psicanálise, política
e contemporaneidade, como também explorar novas áreas onde os problemas não se
cristalizam de modo suficiente (MANZO, 1971).
Por último, Silva, Damasceno, Martins, Sobral e Farias (2009) referem-se à pesquisa
documental como uma investigação científica que fornece um acesso peculiar ao universo
investigado; não em interação imediata, mas de modo indireto, por meio do estudo e da
pesquisa dos documentos produzidos pelo ser humano. Por este espírito, revelam o seu
modo de ser, viver e compreender um fato social.

2 | O RETORNO DO SUJEITO AO DESAMPARO NO CONTEXTO DA PANDEMIA


O ano de 2020 ficará, certamente, marcado no contexto histórico mundial, como o
ano em que um vírus foi capaz de parar o mundo, promovendo uma ruptura em nossas
certezas, alicerçadas na ciência e na tecnologia, bem como em nosso modo de viver como
um todo.
No contexto brasileiro, neste momento, o coronavírus já adoeceu mais de quatro
milhões de pessoas, além de já ter atingido a impressionante marca de mais de cento
e querenta mil óbitos, tornando-se a primeira causa de morte no país em 2020. Cabe
ressaltar que, como agravante desses elevados números, o Brasil apresenta estatísticas
marcadamente subnotificadas pela insuficiência de testes ou impossibilidade de acesso ao
serviço de saúde.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 42


Em nosso país, a pandemia é agravada por uma intensa desigualdade social. Assim,
conforme afirma Rosana Pinheiro-Machado (2020) em seu artigo para o The intercept Brasil,
é preciso olhar e abordar a pandemia do coronavírus também como uma questão social,
relacionada à opressão e desigualdade em que vivemos, na medida em que a doença
escolhe sim aqueles mais vulneráveis, quando consideramos classe, raça e gênero. Nessa
perspectiva, coloca-se a questão de que por que alguns corpos são selecionados, pela
via de acesso aos recursos sociais e de saúde, para sobreviver, ao passo que outros são
relegados à própria sorte. Tal fato evidencia uma relação da doença tanto com questões de
saúde pública quanto a política econômica, as quais precisam caminhar juntas.
Conforme apontado por Butler (2020), o vírus expõe uma vulnerabilidade global,
na medida em que, ao mesmo tempo em que aponta a vulnerabilidade de ser prejudicado
pelo próprio patógeno ou por outra pessoa em contexto de possibilidades de transmissão e
ausência de imunidade, desvela a condição inalienável de interdependência e porosidade
de nossas vidas, não apenas no sentido físico, mas também social.

Somos entregues desde o início a um mundo de outros que nunca escolhemos


para nos tornarmos seres mais ou menos singulares. Essa dependência não
termina precisamente na idade adulta. Para sobreviver, absorvemos algo.
Somos afetados pelo meio ambiente, pelos mundos sociais e pelo contato
íntimo. Essa suscetibilidade e porosidade definem nossas vidas sociais
corporificadas (BUTLER, 2020, s/p.).

Pensada no contexto de uma vulnerabilidade individual e coletiva, a pandemia nos


remete ao conceito desamparo, ao qual somos relançados nesse ambiente de destituição
de certezas, rupturas das nossas defesas psíquicas e eclosão, para além do âmbito
individual e privado, de um sofrimento profundo com o qual estamos sendo convocados a
nos haver em nosso cotidiano. Atualmente, vivemos e precisamos elaborar uma situação
coletiva, na qual está posta a questão, apontada por Butler (2020), de que

Não é preciso conhecer a pessoa perdida para afirmar que isso era uma vida.
O que se lamenta é a vida interrompida, a vida que deveria ter tido a chance
de viver mais, o valor que a pessoa carrega agora na vida dos outros, a ferida
que transforma permanentemente aqueles que sobrevivem. O sofrimento de
um outro não é o seu próprio, mas a perda que o estranho suporta atravessa
a perda pessoal que sente, potencialmente conectando estranhos em luto
(BUTLER, 2020, s/p.).

Conforme já apontado por Freud no Projeto para uma psicologia científica, o


desamparo é uma experiência primordial que remonta ao apelo ao outro desde às origens
do sujeito. A colocação freudiana está alicerçada na constatação de base biológica de
que “o bebê não sabe se o que lhe falta é alimento, calor, ou se o incômodo é proveniente
de uma dor. A incapacidade de traduzir, de significar e a imaturidade motora colocam o
infans em uma situação de desamparo, tornando, pois, a intervenção do outro essencial e
indispensável (MOREIRA, 2004, p. 114).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 43


O desamparo se apresenta, assim, como uma experiência estrutural para a própria
constituição psíquica do sujeito, na medida em que o impulsiona a se abrir para a alteridade
que se apresenta como via de saída para a sua sobrevivência. Cabe ao outro interpretar
e conter o excesso de excitação que invade o pequeno ser na forma de um incômodo que
não encontra alívio, a não ser pela via de outro ser que se põe a confortá-lo.
Conforme apontado por Birman (1999), para além dessa experiência de satisfação,
essa prematuridade primordial do organismo humano que chega ao mundo incapacitado
para a vida permitiu a Freud, após os anos 1920, elaborar o conceito de pulsão de morte,
reformulando o próprio conceito de desamparo, a partir da concepção de um movimento
primordial para a morte, no sentido de um retorno ao vazio, à quietude.

Na experiência de satisfação, a máquina psíquica do “prematurozinho”,


diante do enchimento dos neurônios, busca o esvaziamento, o nada; tudo
que visa é livrar-se do excesso energético e voltar ao estado anterior de paz
do nada. Esse processo preconiza o conceito de pulsão de morte, que é
revelado como a tendência mais primitiva do organismo. A hipótese inicial
do desamparo é ressignificada a partir do conceito de pulsão de morte e,
assim, o nascimento do sujeito fica condicionado à presença traumatizante
e estruturante do outro, que oferece uma saída alternativa para o excesso
energético, para além da descarga. O conceito de pulsão de morte aponta
para a necessidade fundamental do outro a fim de garantir a vida do sujeito,
modificando o princípio da inércia em direção ao princípio da constância
(MOREIRA, 2004, p. 121).

Dentro desse contexto, segundo Birman (1999), o conceito de desamparo,


reformulado a partir da concepção final da metapsicologia freudiana, pode ser analisado
como análogo da propensão originária da natureza humana para a descarga total de todas
as excitações, na medida em que o ser não dispõe internamente de meios para domínio
dessas. Essa impossibilidade de domínio faz com que as excitações se constituam como
um excesso para o organismo. Dentro desse contexto, o ser humano estaria fadado à
morte e à quietude se não fosse a presença do outro, que com seus recursos permite
construir outros destinos para a força pulsional. Assim, é esse outro que realiza o trabalho
de ligação da força pulsional que o pequeno ser não pode realizar sozinho.
De acordo com Rocha (1999), a expressão Hiljlosigkeit — que designa desamparo
em língua e cultura alemã — é muito significativa, sendo composta do substantivo “Hilfe,”
que remete a auxílio, ajuda, proteção, amparo, do sufixo adverbial modal “losig,” que
indica carência, ausência, falta de, e ainda pela terminação “keit”, cujo correspondente em
português é a terminação “dade”, e indicando, portanto, uma experiência na qual o sujeito
se encontra sem ajuda — hilflos — sem proteção, sem amparo.
Segundo o autor, não é apenas do ponto de vista biológico que a situação do recém-
nascido é emblemática, na medida em que ela também significa uma situação de desamparo
diante do desejo do Outro. Essa constatação parece clara para Freud quando, em Totem
e Tabu, ele anuncia a existência de alguns tabus, criados para proteger culturalmente a
criança e o velho, desamparados diante das ameaças do desejo dos outros.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 44


Segundo Birman (2016), a articulação dos conceitos de desamparo e pulsão de
morte, uma modalidade de pulsão sem representação e que não se inscreve no circuito de
satisfação, caracteriza esse desamparo como insuperável, algo da ordem originária que vai
acompanhar a subjetividade humana para todo o sempre.
Assim, o desamparo ressurge em situações de ruptura, como a que se colocou para
a humanidade a partir da pandemia. Ficamos, assim, novamente diante da experiência do
desamparo a partir da qual, segundo Rocha (1999),

[...] o homem penetra o mais íntimo de sua singularidade e faz, na mais


nua e completa solidão, a descoberta da contingência e da finitude de sua
existência. Difícil imaginar uma forma de solidão maior e mais dolorosa do
que aquela do desamparado. Nela o ser humano encontra-se inteiramente
só. O desamparado sente-se tão só, como o náufrago perdido na imensidão
do mar. A metáfora é uma tentativa de mostrar que a essência do desamparo
é a solidão e o sentimento de impotência, constituídos pela impossibilidade
do sujeito de encontrar sozinho uma saída para a situação em que se
encontra. Mas ela não termina aí, porque, ao mesmo tempo e normalmente,
o desamparo abre para a alteridade. Ele é um grito desesperado de ajuda
lançado na direção do outro. Quando o grito fica sem resposta, o desamparo
torna-se desespero (ROCHA, 1999, p.342).

3 | O CHEFE, A MASSA E O NEGACIONISMO


Em um cenário, em que os cientistas juntamente com as grandes comunidades
acadêmicas mundiais não têm uma posição sólida de como prevenir e cuidar daqueles
que foram acometidos pelo coronavírus (COVID-19), as incertezas pairam no ar e são
cada vez maiores. Na verdade, nossa geração jamais teve a necessidade de lidar com
tal possibilidade de morte e nem com as limitações sociais impostas por um vírus tendo,
portanto, que elaborar subjetivamente aquilo que é estranho à constituição de sua psique.
Por não haver experiência prévia, há a geração de um novo trauma que desorganiza todas
as construções subjetivas existentes e a busca por uma nova organização que desencadeia
certa aflição durante a tentativa de minimizar os danos a sua estrutura psíquica (BIRMAN,
1999; FREUD, 1921/2013).
No território nacional a situação da população se agrava, uma vez que, frente
ao receio do colapso econômico, os governos demonstram, com suas políticas de
enfrentamento voláteis, uma desorientação do poder público, tornando as medidas de
contenção da pandemia desastrosas (FOLHA DE S. PAULO, 2020a; VEJA, 2020). Assim,
hora se apresentam a favor do fechamento total do comércio, noutra fechamento parcial
e abertura (FOLHA DE S. PAULO, 2020a). Ademais, existe uma briga acalorada entre os
entes federativos sobre de quem é o dever, a atribuição e os custos acarretados pelo
fechamento e abertura, sendo necessária, por diversas vezes, a intervenção da justiça
para dar solução provisória aos conflitos (AGÊNCIA BRASIL, 2020; FOLHA DE S. PAULO,
2020a; VEJA, 2020).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 45


Diante dessa volatilidade de enfrentamento ao coronavírus pelo poder público e os
embates políticos que emergem nessa situação, o desalento e as incertezas ficam mais
espessos e tomam conta da população, que já não consegue confiar nas autoridades
nacionais e internacionais (VEJA, 2020; HOJE EM DIA, 2020). Isto posto, o processo de
elaboração individual e social de concepções acerca da pandemia e como se proteger dela
fica mais difícil, já que não existem pareceres consistentes das autoridades competentes
que poderiam contribuir para esse trabalho pessoal, cabendo ao indivíduo e sua comunidade
“digerir” uma enorme quantidade de informações e, a partir daí, criar seu próprio olhar
sobre a situação atual.
Uma das elaborações possíveis e que se vê neste cenário pandêmico com
alguma frequência é a formação de um pensamento coletivo, que tem como um dos
seus principais meios para dar conta da experiência psíquica, o negacionismo. Frente a
isso, o atual Presidente brasileiro emerge nesse cenário, fazendo um papel imprudente,
ao se posicionar de forma alheia ao problema do coronavírus, difundindo informações
com pouca ou nenhuma evidência científica, buscando de forma rotineira desmoralizar
o próprio conhecimento produzido no mundo acadêmico acerca da pandemia, dando
soluções simplórias e culpando as demais autoridades políticas e mídias de notícias pelo
enorme alarde que, segundo ele é sem propósito, além de responsabilizá-las pela recessão
econômica brasileira advinda da paralização da produção e do comércio (FOLHA DE S.
PAULO, 2020b; O GLOBO, 2020).
Destarte, diante do discurso do Presidente do Brasil, figura que representa a mais
alta autoridade executiva do país e é inspiração para milhões de pessoas, diversos cidadãos
brasileiros começaram a banalizar a doença e todo risco que ela pode representar. A
desídia com a própria saúde se tornou comum, afinal, é só “uma gripezinha” – replicando a
fala da Presidência da República em um pronunciamento em rede nacional acerca do tema
- negando os fatos que são constatados dia após dia. Consequentemente, as medidas de
isolamento social que são até então a melhor forma de evitar o contágio e a proliferação da
doença são ignoradas por grande parte dos brasileiros e o país já é o segundo do mundo
com maior número de casos absolutos de acometidos e de mortes. Mas, qual a verdadeira
relação desse discurso do chefe do executivo federal com a inobservância da população
para com as medidas de contenção do coronavírus?
Refletir sobre o impacto do discurso de um chefe no pensamento coletivo é algo
complexo, pois envolve fatores de ontogênese diversificada, tendo características individuais
e coletivas que fazem o grupo se consolidar como um, tomando identificações com o seu
guia (FREUD, 1921/2013; TELLES, 2015). Frente a isso, para compreender os impactos
causados pelas falas do Presidente brasileiro que trivializam a pandemia para seu povo e
o atual cenário brasileiro marcado pela displicência popular, recorre-se ao livro de Freud
intitulado “Psicologia das massas e análise do eu” (1921/2013) que traz uma abordagem da
Psicanálise frente a grupos, buscando avaliar como os indivíduos se comportam nesse e os

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 46


motivos que os levam a renunciar seus instintos mais primitivos de autoproteção em prol de
um pensamento grupal que comungam com um líder que os inspiram, sendo supostamente
capaz de levá-los a um objetivo em comum.
A identificação do grupo com o chefe causa “atos elevados de renúncia” (FREUD,
1921/2013, p. 24), que o indivíduo jamais seria capaz se isolado, sendo que esses atos são
passiveis de levar o sujeito a uma moralização pela massa, negligenciado a sua própria
saúde e vida em prol de um ideal grupal, ofuscando seu narcisismo individual e ódio
constitutivo do outro (FREUD, 1921/2013). Pensar em tais níveis de renúncia das mais
primitivas formas de autopreservação, faz questionar o que mantém a massa coesa em
um pensamento coletivo que, por vezes, pode fazer o indivíduo trazer a violência para si
mesmo, negligenciando a sua própria segurança e saúde.
Freud (1921/2013) fala que nada nas massas é premeditado, obedecem apenas
a impulsos inconscientes e não há espaço para pensamentos bem elaborados, existindo
um imediatismo que é oriundo dos pensamentos de onipotência advindos da força grupal
e, por isto, não há necessidade de esperar ou de temer algo. A dúvida e a incerteza não
existem dentro deste elo, ora pois, são desprovidos de pensamento crítico e apenas agem
sob impulso e na crença da autoridade de um chefe que saberá como os guiarem (FREUD,
1921/2013; TELLES, 2015). Desta forma, Freud (1921/2013) consuma sua obra, afirmando
que é o Eros (amor) o que faz a permanência da coesão grupal em prol dos pensamentos da
massa e do líder, sendo este a forma mais primitiva de amor que, inibida de seus objetivos
sexuais, seria capaz de criar o mecanismo de identificação, o qual por si só garante as
renuncias desmedidas dos membros do grupo.
A ideia de um pensamento coletivo para lidar com problemas que partem da ordem
grupal para a individual faz com que o sujeito se abstenha da elaboração subjetiva de
como conceber e tratar o problema, buscando se poupar do desgaste psíquico acarretado,
cabendo ao líder/chefe pensar por todos (FREUD, 1921/2013; TELLES, 2015). Destarte,
a dissolução do pensamento individual para o compartilhamento de ideias coletivas pode
contribuir para alentar o indivíduo em seu momento de incerteza, e o negacionismo do mais
alto governo executivo brasileiro contagia as massas populacionais que estão movidas pelo
desespero da necessidade de reorganização estrutural psíquica, fazendo com que neguem
a realidade que está posta e questionem as evidências cientificas, o que culmina trazendo
certo alento.
Esse dispositivo de negação aparece remetendo ao desamparo infantil do indivíduo
e faz um contraponto à ciência, na medida em que os dados dela já não são suficientes
para garantir a informação. Assim, o chefe aparece como defensor do coletivo e de toda
a subjetividade desse grupo, encarna o papel do Pai da velha infância, que é aquele
onisciente que tem a verdade absoluta sobre tudo e, portanto, de como devolver a sensação
de segurança e de controle das coisas para seus filhos que o clamam (BIRMAN, 1999;
FREUD, 1921/2013; TELLES, 2015).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 47


A posição preocupante e ao mesmo tempo alentadora do governo federal faz um
duplo papel que, em primeiro momento, dispensa a população de pensar e elaborar sobre
a doença, fazendo a função do Pai-chefe que, dotado de uma autoconfiança, de que tudo
sabe, vai dando soluções simples e fáceis sobre o problema do coronavírus, procurando
confortar os filhos-seguidores, relativiza a gravidade da doença e também outorga certa
liberdade para o indivíduo continuar ignorando a pandemia, criando uma negação da
realidade e, frente a isto, os desobrigando temporariamente a ter que se a verem com o
trauma psíquico da avassaladora doença, deixando também uma aparente sensação de
que se, eventualmente, o indivíduo tenha lidar com as questões oriundas do COVID-19,
esse chefe irá estender-lhe a mão e o auxiliar em todo o processo.
Contudo, em segundo plano, a posição ocupada pelo gestor federativo traz
factualmente uma perigosa renúncia a saúde individual e coletiva dele e de seus seguidores,
o que afeta todo o país onde, por haver uma negação e relativização dos fatos e, por isso,
não temer a quaisquer consequências, adentra-se no “limbo coletivo” batendo recordes
negativos dia após dia frente a Pandemia do Coronavírus.

4 | A OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POVOS INDESEJADOS DO SUL

[...] Hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos para suicidar-
nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó. Eles estão cheios de vida. Quem
vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me?
Será que ele ficou de mal comigo?” (JESUS, 2014, p. 174).

No curso do trabalho psicanalítico, qualquer quarentena é sempre discriminatória.


Do ponto de vista psicossocial, mais dolorosa para uns grupos sociais do que para outros e
impossível para um vasto grupo de cuidadores, cuja missão é possibilitar a quarentena ao
conjunto da população (SANTOS, 2020). Magistralmente, Sigmund Freud reflete:

[...] A vida humana em comum se torna possível apenas quando há uma


maioria que é mais forte que qualquer indivíduo e se conserva diante de
qualquer indivíduo. Então o poder dessa comunidade se estabelece como
“Direito”, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como “força bruta”.
Tal substituição do poder do indivíduo pela comunidade é o passo cultural
decisivo. Sua essência está em que os membros da comunidade se limitam
quanto às possibilidades de gratificação, ao passo que o indivíduo não
conhecia tal limite. Portanto, a exigência cultural seguinte é a da justiça, isto
é, a garantia de que a ordem legal que uma vez se colocou não será violada
em prol de um indivíduo [...] (FREUD, 2011, p. 40).

Psicossocialmente, esta investigação alcançou outros grupos, para os quais a


quarentena do capitalismo revela-se singularmente dolorosa: os pobres — os indesejados
(MENDES, 2020) —, por quem a psicanálise do século XXI pode fazer uma “opção
preferencial” (MARTÍN-BARÓ, 2011). Tais grupos compõem o fenômeno psicossocial a que
Santos (2020) chama de “Sul”:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 48


[...] Na minha concepção, o Sul não designa um espaço geográfico. Designa
um espaço-tempo político, social e cultural. É a metáfora do sofrimento
humano injusto causado pela exploração capitalista, pela discriminação racial
e pela discriminação sexual [...] (SANTOS, 2020, p. 15).

Particularmente, a quarentena ofende mais as mulheres: “as cuidadoras do mundo”


(SANTOS, 2020, p. 15). Profissionalmente, destacam-se em profissões como psicologia,
medicina, enfermagem e serviço social etc., atuando na linha da frente da prestação de
cuidado (cura) e práticas sociais pessoas a doentes e idosas, dentro e fora das instituições:
“[...] São elas também que continuam a ter a seu cargo, exclusiva ou maioritariamente, o
cuidado das famílias [...]” (SANTOS, 2020, p. 16).
No cenário do coronavírus (COVID-19), a violência contra as mulheres tende a
aumentar, destacando-se no espaço doméstico. No dia 26 de março, o jornal francês Le
Figaro noticiou — com base em informações do Ministério do Interior — que as violências
conjugais tinham aumentado 36% em Paris na semana anterior (SANTOS, 2020). Neste
cenário, preocupa-nos ainda a possibilidade de o suicídio aparecer “[...] como um último
recurso para resolução de alguma dificuldade pessoal [...]” (AMARANTE, 2020, p. 16).
Nas periferias do mundo, depois de quarenta anos de ataque aos direitos dos
trabalhadores por parte das políticas neoliberais, o grupo de trabalhadores informais
(autônomos) predomina, apesar das diferenças — significativas — de cada Estado. Não
podemos deixar passar desapercebido que o setor de serviços — onde abundam — será
uma das áreas mais afetadas pela quarentena (SANTOS, 2020).

[...] No dia 23 de março, a Índia declarou a quarentena por três semanas,


envolvendo 1,3 mil milhões de habitantes. Considerando que na Índia entre
65% e 70% dos trabalhadores pertencem à economia informal, calcula-se que
300 milhões de indianos ficaram sem rendimentos. Na América Latina, cerca
de 50% dos trabalhadores empregam-se no sector informal. Do mesmo modo,
no caso do Quénia ou Moçambique, devido aos programas de reajustamento
estrutural dos anos 1980-90, a maioria dos trabalhadores é informal [...]
(SANTOS, 2020, p. 16).

É evidente, pois, que os trabalhadores informais dependem de um salário diário.


Mesmo os que possuem emprego formal gozam de poucos benefícios contratuais. Por
parte da Organização Mundial de Saúde — OMS, a recomendação para trabalhar em home
office parece impraticável, porque obriga os trabalhadores a preferir ganhar o pão diário
a ficar em casa e passar fome. Na opinião de Santos (2020), as recomendações da OMS
parecem ter sido elaboradas para a classe média, que constitui uma pequeníssima fração
da população mundial. “[...] Morrer de vírus ou morrer de fome, eis a opção” (SANTOS,
2020, p. 17).
No caso concreto trabalhadores de rua, um grupo singular dos trabalhadores
informais, o “negócio” — a subsistência — depende exclusivamente da dinâmica da rua,
de quem nela passa e da sua decisão, sempre imprevisível para o vendedor ambulante, de
parar e comprar alguma coisa (SANTOS, 2020).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 49


Nas cidades do mundo, a quarentena assola as pessoas sem-abrigo, que passam
as noites nos viadutos, nas estações de metrô ou de comboio abandonadas, nos túneis de
águas pluviais ou de esgoto. Nos EUA chamam-lhes os tunnel people (SANTOS, 2020).

[...] Segundo dados da ONU Habitat, 1,6 mil milhões de pessoas não tem
habitação adequada e 25% da população mundial vive em bairros informais
sem infraestruturas nem saneamento básico, sem acesso a serviços públicos,
com escassez de água e de eletricidade. Vivem em espaços exíguos onde se
aglomeram famílias numerosas [...] (SANTOS, 2020, p. 18).

Na América Latina e no Caribe, as pessoas habitam na cidade, mas com os direitos


à cidade negados. Perifericamente, vivendo em espaços desurbanizados, não têm acesso
às condições urbanas pressupostas pelo direito à cidade (SANTOS, 2020).
De acordo com os dados das Organização das Nações Unidas — ONU, as pessoas
internadas em campos de internamento para refugiados, imigrantes indocumentados ou
populações deslocadas internamente, somam 70 milhões. No que tange à propagação do
coronavírus, os perigos serão fatais, ainda mais dramáticos do que os que enfrentam as
populações das periferias pobres (SANTOS, 2020).

[...] No Sudão do Sul, onde mais de 1,6 milhão de pessoas estão deslocadas
internamente, são necessárias horas, se não dias, para chegar às unidades
de saúde, e a principal causa de morte é muitas vezes evitável, causada por
doenças para as quais já há remédios: malária e diarreia. No caso dos campos
de internamento às portas da Europa e dos EUA, a quarentena causada pelo
vírus impõe o dever ético humanitário de abrir as portas dos campos de
internamento sempre que não for possível criar neles as mínimas condições
de habitabilidade e de segurança exigidas pela pandemia (SANTOS, 2020,
pp. 19-20).

No século XXI, as pessoas com deficiência têm sido vítimas de outra forma de
dominação, além do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado: o capacitismo. Trata-se
da forma como a sociedade contemporânea as discriminam, não reconhecendo as suas
necessidades especiais, não lhes facilitando acesso à mobilidade e às condições que lhes
permitiriam desfrutar da vida política como qualquer outra pessoa. Na vivência intersubjetiva,
as limitações impostas socialmente fazem com que as pessoas com deficiência se sintam
vivendo em quarentena permanente (SANTOS, 2020).
Particularmente numeroso no Norte global, o grupo das pessoas idosas é, em geral,
um dos grupos mais vulneráveis, mas a vulnerabilidade não é indiscriminada. No caso
concreto do Norte global, as condições de vida prevalecentes levaram a que boa parte
das pessoas idosas fosse depositada em lares, casas de repouso, asilos. Santos (2020)
mostra que, de acordo com as posses próprias ou da família, esses alojamentos podem ir
de cofres de luxo para joias até depósitos de lixo humano. No seio do mundo, a lista dos
indesejados em processo de subjetivação a Sul da quarentena está longe de ser exaustiva.
Não obstante, Rudolf von Ihering diz que o fim do direito é a paz e o meio para atingi-lo é
a luta:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 50


Todo direito existente no mundo foi conquistado mediante a luta. Os mais
importantes postulados do direito tiveram que ser primeiramente extraídos do
combate contra seus oponentes e todo direito — o direito de um povo bem
como aquele de um indivíduo — pressupõe uma disposição contínua para a
luta rumo à sua afirmação. O direito não constitui um simples conceito — é
força viva. Eis a razão porque vemos Justiça segurando numa mão a balança
por meio da qual o direito é pesado e na outra a espada por meio da qual o
direito é defendido [...] (IHERING, 2001, p. 25).

Nas interfaces entre psicanálise e política — tecidas em tempos de coronavírus


(COVID-19) —, consideramos que a espada sem a balança é força bruta, ao passo que a
balança sem a espada é a impotência do direito e do Estado (IHERING, 2001).
Na pena de Aristóteles — “poeta soberano” (ALIGHIERI, D. A Divina Comédia —
Inferno, Canto IV, 88) —, “[...] a justiça é a base da sociedade. Chama-se julgamento a
aplicação do que é justo [...]” (ARISTÓTELES, A política, I, I, § 11).
No século XXI, a questão decisiva para a espécie humana — descortinada no cenário
da COVID-19 — é saber se, em que medida, a sua evolução cultural poderá controlar as
perturbações trazidas à vida intersubjetiva — comunitária — pelos instintos humanos de
agressão e autodestruição (FREUD, 2011).
Nos últimos dias da humanidade, os seres humanos atingiram um tal controle das
forças da natureza, que não lhes é difícil recorrerem a elas para se exterminarem até o
último ser humano, ereto sobre a Terra (FREUD, 2011). “[...] Dei’ stá [...]” (ROSA, 2015,
p. 361), eles sabem do que estamos dizendo. De tudo isto surgem, então: dessossego,
infelicidade, medo — desamparo. Na opinião de Sigmund Freud, cabe agora esperar que
a outra das duas “potências celestiais” — o eterno Eros — empreenda um esforço para
afirmar-se na luta contra o adversário igualmente imortal (FREUD, 2011).

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na vida política, a psicanálise pode descentrar sua atenção de si mesma,
despreocupar-se com seu status científico e social e propor-se a um serviço eficaz para
atender as necessidades dos pobres, psicossocialmente indesejados. No cenário do
coronavírus (COVID-19), a questão mais importante que confrontam as grandes maiorias
latino-americanas e caribenhas é a sua situação de miséria opressiva, sua condição de
dependência absoluta — marginalizante — que lhes impõe uma existência inumana e lhes
arrebata a capacidade para definir a sua vida concreta (MARTÍN-BARÓ, 2011).
No que tange os processos de subjetivação, a COVID-19 agrava uma situação de
crise a que a população mundial tem vindo a ser sujeitada, alcançando — em grande escala,
singularmente na América Latina e no Caribe — os grupos que compõem o fenômeno
psicossocial a que Santos (2020) chama de “Sul”: as mulheres (“as cuidadoras do mundo”);
os trabalhadores precários, informais, ditos autônomos (na América Latina, cerca de 50%

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 51


dos trabalhadores); os trabalhadores de rua ou vendedores ambulantes (camelôs); os
sem-abrigo ou populações de rua (no EUA, tunnel people); os moradores nas periferias
pobres das cidades, favelas, barriadas, slums, caniço etc. (25% da população mundial);
os internados em campos de internamento para refugiados, imigrantes indocumentados ou
populações deslocadas internamente (70 milhões, de acordo com os dados da Organização
das Nações Unidas — ONU); as pessoas com deficiência, singularmente deficiência mental;
as pessoas idosas; as pessoas encarceradas (SANTOS, 2020).
Para os povos indesejados do Sul, diferentemente do que é veiculado pelos media
e pelas organizações internacionais, a quarentena do capitalismo não só os torna mais
visíveis como reforça a injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento psíquico
imerecido (SANTOS, 2020).
No século XXI, a humanidade, sobretudo no que tange às pessoas mais fragilizadas,
encontra-se novamente remetida a uma condição de desamparo, que ultrapassa os limites
do individual, acometendo a sociedade contemporânea como um todo. Trata-se, aqui, não
de um desamparo estrutural, mas de uma condição na qual fomos relançados a partir do
abalamento de nossas certezas e da falta de uma estrutura social coesa capaz de nos guiar
no percurso ainda obscuro desta pandemia. No Brasil, esta situação aparece ainda mais
marcada por uma condição política ainda mais desestabilizadora, na medida em que, por
meio de seu negacionismo, dificulta ainda mais o estabelecimento de laços sociais capazes
de conter esta onda devastadora.
Portanto, no Estado brasileiro, frente as dificuldades financeiras de um país
emergente que já estava em crise antes mesmo da pandemia, a situação é agravada pela
tribulação política, resistências individuais e desídio coletivo ao não admitir a gravidade
da doença, que ganham o reforço do discurso presidencial que banaliza a temática do
coronavírus. Alguns brasileiros relutam em admitir o estado de calamidade da saúde pública
evocando, por vezes, alegações que se referem aos direitos e garantias constitucionais
chegando ao ponto de questionarem os decretos municipais e estaduais de políticas
sanitárias para enfrentamento à pandemia, argumentando que é a federação que deve
versar sobre o tema, chegando ao ponto de virar objeto disputa judicial e, posteriormente,
solucionado pelo Superior Tribunal Federal (STF), o qual declarou que a autonomia dos
entes federativos deve ser respeitada conforme estabelece a Carta Magna brasileira
(AGÊNCIA BRASIL, 2020).
Por fim, tais circunstâncias se tornam acentuadas ao verificar que as medidas
sanitárias de contenção do Estado e o auxílio financeiro emergencial fornecido pelo governo
não atinge a todos que necessitam, alguns sequer têm meios para solicitá-lo, diversas
pessoas em situação de miséria ficam ainda mais vulneráveis já que o distanciamento foi
pensado para as classes médias e não são efetivamente aplicáveis para a faixa mais pobre
da população que encontram dificuldades de conseguir informações e têm a necessidade
de se colocarem em risco para conquistar o alimento diário.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 52


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manutencao-da-quarentena/> Acesso em: 05 out. 2020.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 4 55


CAPÍTULO 5
doi
ATENDIMENTO PSICOLÓGICO ONLINE:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS ATUAIS DA
PSICOTERAPIA

Data de aceite: 01/02/2021 atendimento precisa de estudos e pesquisas


Data de submissão: 17/12/2020 para garantir que seu uso obtenha resultados
que beneficie o seu usuário, ressaltando que
mecanismos necessários para o sucesso
de uma terapia sejam preservados, como o
Adriana Barbosa Ribeiro
estabelecimento do vínculo, advindo da relação
Faculdade Estácio de Macapá, Curso de
terapêutica, assim como as especificidades das
Psicologia
Macapá – Amapá abordagens empregadas na psicoterapia online.
http://lattes.cnpq.br/6728032631021162 Assim, este trabalho visa compreender as novas
perspectivas e desafios atuais da psicoterapia
Luciane Patrícia Dias da Silva online.
Faculdade Estácio de Macapá, Curso de PALAVRAS-CHAVE: Novas tecnologias,
Psicologia Atendimento psicológico, Psicoterapia online,
Macapá - Amapá
Internet.
http://lattes.cnpq.br/1433765995434261D

Eliane Patrícia Ulkovski ONLINE PSYCHOLOGICAL CARE:


Faculdade Estácio de Macapá, Curso de CURRENT PERSPECTIVES AND
Psicologia CHALLENGES OF PSYCHOTHERAPY
Macapá - Amapá
ABSTRACT: In Brazil, online psychotherapy is
http://lattes.cnpq.br/1452426894917655
authorized only within the research, according
to the Federal Council of Psychology, agency
that regulates the practice through resolution n.º
RESUMO: No Brasil a psicoterapia online está 011/2012. The creation of the resolution reinforces
autorizada apenas no âmbito da pesquisa, de a contemporary context, where established
acordo com o Conselho Federal de Psicologia, theories are deconstructed and open place for
órgão que regulamenta essa prática por meio da new knowledge networks, which may result in
resolução nº 011/2012. A criação da resolução changing the practice of clinical psychologist.
reforça um contexto contemporâneo, onde no Hence, there is a psychologist’s commitment
qual teorias já estabelecidas são desconstruídas to discuss and improve their practice, ethically
e abrem lugar para novas redes de conhecimento, and legally, considering that the current debates
o que pode resultar na mudança da prática do are part of the construction of the individual and
psicólogo clínico. Logo, existe um compromisso their relationships. A new type of service need
do psicólogo em debater e aprimorar sua prática studies to ensure that their use get results that
profissional, de forma ética e legal, considerando benefit its users, noting that mechanisms needed
o desenvolvimento tecnológico e comunicacional for a successful therapy are preserved, such as
da atualidade. Uma modalidade nova de the establishment of the bond, resulting from

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 56


therapeutic relationship, as well as specific approaches employed in online psychotherapy.
Thus this work aims to understand the new perspectives and current challenges of online
psychotherapy.
KEYWORDS: New technology, Psychology, Customer service, Online psychotherapy,
Internet.

1 | INTRODUÇÃO
O surgimento de novas formas de comunicação na sociedade contemporânea,
bem como o advento de mecanismos de acesso online, emergem como alternativas para
a ampliação do atendimento psicoterápico. Diante dessas inovações, cada vez mais
profissionais da área da psicologia se deparam com dúvidas tais como o recebimento e
resposta de mensagens, e-mails e comunicações por softwares de comunicação via internet,
a possibilidade de um “encontro virtual” com pacientes, entre outros questionamentos
pertinentes para a prática clínica do psicólogo num novo contexto de comunicação cada
vez mais presente no setting terapêutico. (BARBOSA et al, 2013). Considerando-se as
potências de um novo sujeito, ágil e informatizado, surgem uma série de novas demandas
ao terapeuta: ao corresponder a demanda de agilidade e conectividade dos clientes, seria
atendido o apelo de não desligamento imposto por um mundo tecnológico, ou à fantasia
de onipotência que os pacientes nutrem em relação ao terapeuta, à medida que se lança
mão do uso dos aparatos midiáticos e tecnológicos? Fazer uma sessão via Skype com
um paciente que viaja significa necessariamente estar cedendo à fantasia de onipresença
(dele e do terapeuta)? Ou contém a possibilidade de criação de um campo de uma provável
relação? Estas e outras questões surgem quando se trata do atendimento online.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) regulamenta por meio da
resolução nº 011/2012 os serviços realizados por meios tecnológicos de comunicação à
distância, “desde que pontuais, informativos, focados no tema proposto e que não firam
o disposto no Código de Ética do profissional de psicologia” (CFP, 2012, p. 02). Os meios
pelos quais essa modalidade de atendimento é feita são definidos como todas as interações
por computador com acesso à internet, por meio de televisão a cabo, aparelhos telefônicos,
aparelhos conjugados ou híbridos , ou qualquer outro meio de interação que possa vir a
ser implementado. Para a realização dos seguintes serviços: orientações psicológicas
até 20 atendimentos; os processos preliminares de seleção de pessoal; aplicação de
testes adequadamente regulamentados por resolução pertinente; supervisão do trabalho
de psicólogos realizada de forma ocasional ou complementar ao processo de formação
profissional presencial; atendimento eventual de clientes em deslocamento ou clientes
que momentaneamente se encontrem impossibilitados de comparecer ao atendimento
presencial e orientação psicológica.
Embora no Brasil o atendimento psicoterápico online seja regulamentado apenas
na forma de pesquisa, a intenção desse estudo bibliográfico é refletir sobre esta nova

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 57


modalidade de atendimento, bem como pesquisas acerca do tema, considerando que
em outros países essa modalidade de atendimento encontra-se em expansão e obtém
resultados satisfatórios (SIEGMUND; LISBOA, 2015; PIETA; GOMES, 2014 ). Tão logo a
pretensão deste estudo não é fazer crítica ao atendimento psicoterápico online ou legitimá-
lo, mas sim identificar quais as propostas atuais de atendimento, considerando questões
sobre as abordagens psicológicas utilizadas, como se desenvolve a relação terapêutica
nesse novo setting e suplantar uma reflexão sobre as questões éticas do profissional de
psicologia frente esta nova modalidade de atendimento. Sendo assim, esta revisão de
literatura tem como objetivo compreender as novas perspectivas e desafios atuais no
atendimento psicoterápico online.

2 | PROPOSTAS ATUAIS DE ATENDIMENTO PSICOTERÁPICO ONLINE


Por atendimento psicológico online entende-se aqueles realizado através de
mensagens instantâneas, áudio, vídeo conferência, software de comunicação via
internet,  chat, câmera e e-mail. A utilização desses instrumentos tecnológicos, no caso da
psicoterapia online não exclui a possibilidade da psicoterapia presencial (MACDONALD,
MEAD, BOWER, RICHARD & LOVELL, 2007).
Segundo Suler (2002) a terapia via internet pode acontecer de duas formas de acordo
com a simultaneidade da comunicação: sincrônica e assincrônica. A forma sincrônica
acontece em tempo real, restringindo o tempo de atendimento ao encontro virtual, mesmo
terapeuta e paciente não estando face a face, a disponibilidade de um para o outro é
imediata. Na forma assincrônica terapeuta e paciente teriam uma maior liberdade no que se
refere ao tempo, uma vez que o atendimento não ocorre de forma simultânea, permitindo
que o paciente faça seus relatos no momento em que se sentir mais à vontade, enquanto o
terapeuta tem a vantagem de uma análise mais detida na escrita do paciente.
Para Pinto (2002), a terapia online cria mecanismos mais fáceis de acesso às
pessoas que por algum motivo não conseguem sair de suas casas, seja por dificuldades na
locomoção, por estarem em regiões distantes ou ainda pela saúde, idosos, pessoas com
deficiência física, transtornos que os impossibilitam a continuidade ou início do atendimento
presencial. Figueiredo (2007), defende que os dispositivos tecnológicos atuais são capazes
de oferecer sustentação, continência e possibilidades de transformação da experiência
emocional, corroborando estudos comparativos realizados na Inglaterra por Day e
Schneider (2002). O estudo com 80 pacientes indicou que grupos online apresentaram
maior nível de participação do cliente no que diz respeito ao nível de atividade, iniciativa,
confiança, espontaneidade e desinibição, quando comparado a terapia tradicional. O
sucesso da modalidade de atendimento online sustenta-se na adaptação às necessidades
do sujeito, salientando-se que ao buscar o atendimento online, o paciente denota iniciativa
na busca por ajuda e, portanto, maior responsabilidade por sua própria mudança (MICLEA,
MICLEA, CIUCA, BUDAU; 2010).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 58


Costa, Romão e Di Luccio (2009) apontam algumas condições para que a psicoterapia
online seja realizada de forma adequada. Uma delas seria a de que o paciente e terapeuta
estejam familiarizados com a ferramenta a ser utilizada, sob a pena de que o atendimento
se torne um processo e inviável em seus propósitos. Os autores ainda ressaltam que as
entrevistas ou o atendimento online propriamente dito, podem levar mais tempo que o
correspondente presencial. No entanto, esse tempo é de certa forma compensado, pois
os depoimentos não precisam ser transcritos, além de poderem ser salvos na íntegra,
trazendo assim fidedignidade na escrita sem receios de uma má interpretação.
Algumas objeções a psicoterapia online são colocadas por Pinto (2002) A autora
traz as dificuldades em rastrear pistas não verbais, a entonação da voz (se baixa, alta ou
monótona), perceber os silêncios, as pausas (prolongadas ou breves), além de dificuldades
estruturais, como problemas de conexão com a internet ou, a já mencionada, a falta de
familiaridade com as ferramentas utilizadas.
Em pesquisas realizadas com profissionais de psicologia referente à orientação
online, Fortim e Consentino (2007) avaliam que tais profissionais conseguem atingir os
objetivos propostos na atividade. Em alguns casos, entretanto, a orientação online é
apenas a porta de entrada, no intuito de avaliar e encaminhar a pessoa para o atendimento
presencial, o que também pode ser considerado uma mudança importante na vida do sujeito,
sendo considerada com uma das funções e pontos positivos dessa nova modalidade de
atendimento.

3 | ABORDAGENS PSICOLÓGICAS QUE PODEM VIABILIZAR A


PSICOTERAPIA ONLINE
Conforme, Anderson, Strömgren, Ström, e Lyttkens (2002), as abordagens mais
utilizadas no atendimento online são as de base Cognitiva Comportamental e Psicanalítica.
Embora não se tenha uma precisão de como essas abordagens são trabalhadas no
ambiente virtual, é possível identificar entre elas uma maior efetividade das terapias
cognitivo-comportamentais (TCC) online, que demonstram maior adequação no tratamento
de depressão, ansiedade, transtorno do pânico, fobia, e estresse pós-traumático.
Estudos realizados por de Fishkin, Fishkin, Leli, Katz e Snyder (2011), apontam que
TCCs na modalidade online e na modalidade presencial apresentaram resultados similares,
inclusive nas formas individuais e grupais. TCCs online comparadas com outras terapias
presenciais podem apresentar resultados similares ou até mesmo superiores.
No que se refere à psicanálise, esta tem sido promissora na modalidade de vídeo
conferência (Skype), onde para psicanalistas os parâmetros não diferem significativamente
daqueles do setting tradicional. O processo psicanalítico de atendimento online acontece
quando os analistas voltam sua atenção ao ritmo da fala do paciente, à espontaneidade ou
às interrupções, às qualidades tonais, e identificam a contratransferência escutando seus

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 59


próprios sentimentos, pensamentos e fantasias, como na análise tradicional (FISHKIN et
al.2011).

4 | RELAÇÃO TERAPÊUTICA NO ATENDIMENTO PSICOTERÁPICO ONLINE


Segundo Pinto (2002), o despreparo em relação ao manejo dos computadores,
bem como o desconhecimento dos programas podem ser considerados como relutância.
Entre tais relutâncias, temos que alguns profissionais acreditam na impossibilidade de uma
relação terapêutica fora do encontro face a face, fazendo-os crer que a intermediação
por meio do computador retira a qualidade terapêutica de suas intervenções. Alguns
terapeutas acreditam ser impossível trabalhar com emoções e sentimentos através de
palavras meramente digitadas, outros chegam a afirmar que os fenômenos transferenciais
acontecem apenas por meio de encontros presenciais e não em um ambiente virtual.
Entraves, também foram pontuados sobre o estabelecimento do vínculo em
psicoterapia online, tais como a desconfiança em relação a serviços oferecidos na internet,
a falta de familiaridade com a ferramenta e tecnologia utilizada para atendimento, ou
mesmo a preferência pelo atendimento tradicional.
Contudo, estudos realizados por Pieta e Gomes (2014), referentes à relação
terapêutica, utilizadas em intervenções psicoterápicas, indicam que as terapias online não
diferem significativamente das terapias tradicionais. No que tange ao anonimato, alguns
terapeutas relatam um nível alto de confiança e identificaram-na mais rapidamente do
que os da terapia presencial. Os pacientes expõem com mais facilidade seus problemas,
apresentando dessa forma uma postura mais desinibida comparada a terapia convencional,
expondo mais rapidamente seus problemas.
Siegmund e Lisboa (2015) dizem que o profissional de psicologia é treinado para
a escuta na clínica tradicional. Porém na psicoterapia online faz-se necessária uma nova
forma de escuta, pois do modo como a mensagem é escrita, as palavras e frases utilizadas,
é possível sentir as emoções e sentimentos presentes. O vínculo estabelecido no
atendimento online é um vínculo virtual, vínculo pode existir independente de ser presencial
ou online. No atendimento psicoterápico online a relação empática pode ocorrer com uma
ressalva: é necessário mais atenção ao que se fala e escreve, do que ao que se visualiza,
uma vez que essa visualização nem sempre é clara e precisa.

5 | REFLEXÕES, QUESTÕES PRÁTICAS E ÉTICAS NO CONTEXTO DA


PSICOTERAPIA ONLINE
Magdaleno (2010), pontua que atualmente, o psicólogo deve estar preparado para
receber o outro que lhe é estrangeiro, em suas peculiaridades, assumindo os riscos desse
processo. O sujeito em processo terapêutico carrega consigo as marcas de um mundo
repleto de mudanças rápidas, de valores, modo de ser, moldados pelas transformações

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 60


contemporâneas. Um desafio para os profissionais de psicologia pode ser o fato de não
encontrar pontos de balizamento para fundamentar uma prática clínica satisfatória e
eficiente diante das mudanças observadas.
Segundo Pinto (2002), a emergência no atendimento de certos transtornos, consente
um olhar mais flexível no atendimento psicoterápico online, se esse tipo de atendimento
terapêutico não abarca modificações no estado do paciente, pode proporcionar um amparo
e resposta instantânea, diminuindo a ansiedade e o sofrimento até a possibilidade de
um encontro presencial. Para Goldberg (1992), a psicoterapia online pode proporcionar
comunicação mais eficaz, o que pode facilitar intervenções no comportamento e algumas
recomendações estratégicas como nos casos de esquizofrenia, anorexia, episódios de
estupro, incesto, orientações no enfrentamento de problemas como o alcoolismo, que
evitam ou não agravam o risco de comportamentos suicidas.
Em discussão levantada por Suler (2002), traz-se a reflexão quanto a autorizar
a psicoterapia online, seria assumir que a mesma se equivale a terapia presencial?
Restringir essa prática não seria dificultar o acesso às pessoas que moram em locais
onde não há psicólogos ou que não possuem meios de se locomover até o consultório de
seus terapeutas? O que seria contrário à ética: impossibilitar que os terapeutas realizem
a psicoterapia online por falta de embasamento científico ou desassisti as pessoas que
precisam do atendimento psicológico?
Alguns dos problemas com os quais os profissionais de psicologia podem se
deparar seriam os impactos indiretos sofridos pelos próprios terapeutas, a desorientação,
o preconceito e as dúvidas com relação à eficácia de suas teorias e técnicas para a
compreensão de seus atuais pacientes. Torna-se claro que não se pode eliminar o
valor positivo que as mídias possuem em disseminar informações, recompor contatos
interpessoais, no entanto é viável sim, analisar as alternativas de compreensão e tratamento
inerentes. O importante é reconhecer que no meio desse processo de mudança, emerge
um sujeito diferente com uma configuração psíquica, que a psicologia tem o compromisso
de buscar compreender (COSTA, 2005).
Diante desse novo sujeito que surge moldado pelas novas tecnologias, bem como
o uso das ferramentas informatizadas em várias áreas das atividades humanas, onde
já se insere a própria psicologia, é exigida atenção, em função das implicações éticas e
técnicas das possíveis aplicações no setting terapêutico. Com base nessa nova demanda
apresentada, o próprio CFP demonstrou interesse e abertura frente a esse tema, ao
publicar, a Resolução n.º 012/2005 que regulamentava o atendimento psicoterapêutico
e outros serviços psicológicos mediados por computador. Por conseguinte em 2012, foi
publicada a revisão desta resolução sob n.º 011/2012 que flexibiliza e amplia tais ofertas,
em atendimento às demandas dessa nova realidade e, trata da investigação sobre o tema.
Segundo Pinto (2002), a psicoterapia é o encontro entre duas pessoas, onde um
se dispõe a ajudar ao outro que busca pelo atendimento. Essa dinâmica acaba por afetar

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 61


ambos, pois constrói um espaço de transformação e de mudança. No que se refere à
psicoterapia online pode ser possível que terapeuta e pacientes sejam tomados pelas
emoções e sentimentos, como em uma leitura de um livro, onde o mundo real cede lugar a
fantasia, pois no espaço virtual do romance a leitura pode ser fantasiada e mesclada com
a do autor.
Almeida e Rodrigues (2003), questionam se estar no mesmo espaço físico definiria
a intervenção psicoterápica, ou seria muito mais da percepção do profissional do que
propriamente a teoria estabelecida. Ainda que não seja possível afirmar plenamente
a legitimidade da psicoterapia online, não se deve refutar a ideia dessa modalidade de
atendimento.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo clássico, bem como a prática clínica e individual é, sem dúvida, aquele
que ainda apresenta maior disseminação. No entanto, é seguro afirmar que as novas
tecnologias vieram para ficar. Não é aconselhável a imposição de toda nova tecnologia,
nem de negar toda e qualquer forma de inovação tecnológica, logo se torna necessário
a compreensão e o reconhecimento das mudanças que ocorrem no contexto atual da
psicoterapia.
A manutenção de um modelo fechado da clínica tradicional pode impedir vislumbrar
as novas possibilidades que caminhos não percorridos oferecem. Não é uma imposição a
todos profissionais da psicologia, pois toda prática requer estudo, dedicação e sobre tudo
uma conduta ética. É preciso destacar que a tecnologia está cada vez mais presente no
cotidiano provocando transformações no tecido social. Dessa forma, se para a psicologia o
indivíduo e suas transformações são objetos de estudo, pressupõem-se que merecem uma
melhor compreensão e fundamentação dessa nova modalidade da psicoterapia.
Se a psicoterapia online e as intervenções realizadas neste processo são plenamente
válidas, ainda é impreciso afirmar. Contudo, os estudos citados anteriormente, demonstram
que em alguns casos ela é tão efetiva quanto a presencial, e em alguns momentos até mais
eficaz. No entanto, algumas questões quanto à confiança e estabelecimento de vínculo se
tornam mais difíceis de ser alcançados para alguns pacientes, ainda que possíveis.
Partindo dos argumentos expostos espera-se trazer à reflexão as práticas do
profissional de psicologia na contemporaneidade, mediante as novas modalidades de
atendimento psicoterápico online, acolhendo o sofrimento humano naquilo que pode ser
cuidado e apreendido enquanto vivência subjetiva e reveladora de sentidos dentro de uma
nova perspectiva. E que tais reflexões fomentem novas pesquisas que permitam fornecer
informações relevantes para a construção de uma nova prática de serviço psicológico,
que já se constitui uma área em desenvolvimento e expansão, apesar das restrições
ponderadas pelo CFP. Espera-se, ainda, que tais reflexões contribuam para elaborar e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 62


estruturar um trabalho preocupado com a qualidade e pautado em princípios éticos, em
resposta a um serviço criado a partir de uma demanda social espontânea.
O desafio colocado ao psicólogo não é achar uma nova linguagem para falar com
este novo sujeito, e muito menos tentar impor a ele uma antiga, mas conseguir entrar
em sintonia com seu ritmo, para só então, aos poucos, criar um ambiente que possa ser
aceito por ele e aceitá-lo, criar uma linguagem que faça a intermediação entre o sujeito e
terapeuta, e depois entre ele e o mundo, permitindo a construção de um setting possível
que favoreça a relação entre paciente e terapeuta (MAGDALENO, 2010).
O imaginário se transforma, mas a condição de eleger o outro a quem se dirige e
a quem se questiona e sobre os sintomas permanece. A função simbólica do terapeuta,
portanto, será suplementada por uma função virtual real, ao mesmo tempo simulação de
presença e consolidação da ausência, com que cada um tem sempre de lidar ao longo
da vida, nesse sentido, as mídias de comunicação não precisam ser vistas como uma
ameaça a um “terapeuta analógico”, e sim como mais uma ferramenta possível, até mesmo
necessária e útil num mundo digital (BONAMINIO, 2011).
É possível concluir que as modalidades de atendimento online constituem uma
área promissora, conforme apontam os estudos realizados até o momento, que indicam
ainda algumas fragilidades e transformações, com isto requerem mais pesquisas para este
campo em ascensão.

REFERÊNCIAS
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psicoterápico mediado pelo computador. Psicologia Ciência e Profissão, v. 23 n.3, p. 10-17, 2003.

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serviços psicológicos realizados por meios tecnológicos de comunicação a distância, o atendimento
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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 63


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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 5 64


CAPÍTULO 6
doi
A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE: PRINCÍPIOS
ÉTICOS E SITUAÇÕES-PROBLEMA

Data de aceite: 01/02/2021


THE DOCTOR-PATIENT RELATIONSHIP:
Data de submissão: 07/12/2020
ETHICAL PRINCIPLES AND PROBLEM-
SITUATIONS
ABSTRACT: The doctor-patient relationship can
Rafael Nogueira Furtado be defined as the dynamic interaction between the
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) medical professional (and multidisciplinar teams)
http://lattes.cnpq.br/9761786872182217 and the user of health services. Understanding the
Isabela Maria Oliveira Souza doctor-patient relationship is importante given its
impact on the effectiveness of health care. In this
Universidade de São Paulo (USP)
Ribeirão Preto – SP regard, this chapter aims to elucidate the different
http://lattes.cnpq.br/8326342509295558 aspects of the doctor-patient relationship such
as the psychological aspects of this relationship
and the ethical principles that guide it. It aims to
highlight the implications and challenges of the
RESUMO: Relação médico-paciente pode ser doctor-patient relarionship in different practical
definida como a interação dinâmica entre o contexts of health care, such as breaking bad
profissional médico (e equipes multiprofissionais) News, the doctor-family-patient triangulation,
e o usuário do serviço de saúde. Compreender a and the use of information and communication
relação médico-paciente é importante, dado seu technologies to provide remote health services,
impacto na efetividade do cuidado à saúde. Neste the telemedicine.
sentido, este capítulo tem como objetivo elucidar KEYWORDS: The doctor-patient relationship,
os diferentes aspectos do relacionamento médico- psyhcological aspects, ethical principles, breaking
paciente, tais como os aspectos psicológicos bad News, telemedicine.
desta relação e os princípios éticos que a
norteiam. Busca-se evidenciar as implicações
e desafios da relação médico-paciente, em 1 | INTRODUÇÃO
diferentes contextos práticos da atenção à
Relação médico-paciente pode ser
saúde, como a comunicação de más notícias, a
definida como a interação dinâmica entre o
triangulação médico-família-paciente e o uso de
tecnologias da informação e comunicação para o profissional médico e o usuário do serviço de
fornecimento de serviços de saúde a distância, a saúde. É uma construção conjunta mediada
telemedicina. por contextos institucionais e culturais, estando
PALAVRAS-CHAVE: Relação médico-paciente, sujeita a fenômenos como afetos, expectativas,
aspectos psicológicos, princípios éticos, recursos cognitivos e a experiência prévia dos
comunicação de más notícias, telemedicina.
sujeitos em interação. Esta relação não se

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 65


restringe ao profissional médico, estendendo-se também entre o paciente e às equipes
multiprofissionais.
Compreender a relação médico-paciente é importante, dado seu impacto na
efetividade do cuidado à saúde. Chipidza, Wallwork e Stern (2015) avaliaram os efeitos do
relacionamento médico-paciente, a partir de três parâmetros. Pacientes que se queixavam
da relação apresentaram, quanto ao parâmetro biológico: níveis elevados para pressão
sanguínea, glicemia e triglicérides. Quanto ao parâmetro comportamental: baixa aderência
ao tratamento, faltas às consultas, baixo enfrentamento. No parâmetro subjetivo: relatavam
dor, baixos níveis de informação e satisfação pessoal.
Neste sentido, este capítulo tem como objetivo elucidar os diferentes aspectos do
relacionamento médico-paciente, dando destaque aos princípios éticos que fundamenta
esta relação e às implicações destes princípios para o manejo de determinadas situações-
problema do cuidado em saúde.

2 | RELAÇÃO PSICOLÓGICA MÉDICO-PACIENTE


Em 1972, Robert Veatch propôs que a relação médico-paciente pode ser classificada
conforme quatro modelos. O primeiro modelo, o Modelo Sacerdotal, caracteriza-se por
uma postura paternalista do médico em relação ao paciente. Decisões são tomadas pelo
médico, ser levar em consideração os desejos, crenças ou opiniões do paciente, o qual
ocupa lugar de passividade na relação.
Em contrapartida, o Modelo Engenheiro coloca todo o poder de decisão no paciente,
ao passo em que o médico se limita a repassar e executar as ações que o paciente propõe.
Já no Modelo Colegial, não se diferenciam os papéis do médico e do paciente. Não existe
a caracterização da autoridade do médico como profissional e o poder é compartilhado de
forma igualitária (VEATCH, 1972).
Por fim, o Modelo Contratualista preserva o papel do médico como detentor de
habilidades técnicas, ao passo em que o paciente também participa ativamente da tomada
de decisões, a partir de seus desejos, crenças e valores. Neste modelo, o relacionamento
médico-paciente é reconhecido e valorizado como decisivo para a qualidade do cuidado à
saúde. Trata-se de uma modalidade de trabalho, em que o paciente é estimulado a envolver-
se no tratamento, compartilhando responsabilidades com o médico (VEATCH, 1972).
A efetividade da comunicação é um fator decisivo para a construção da relação
médico-paciente. Uma comunicação efetiva permite: 1) que o médico colete informações
precisas a respeito do paciente (que auxiliarão no diagnóstico e no planejamento do
tratamento), sensibilizando o profissional para se atente aos pensamentos e sentimentos
do paciente na consulta; 2) contribui para reduzir equívocos de compreensão; 3) auxilia no
engajamento do paciente no tratamento e em seu envolvimento na tomada de decisões.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 66


No entanto, algumas barreiras podem dificultar a comunicação. Por parte do
profissional, configuram barreiras: falta ou excesso de informações fornecidas; rapidez
da fala; uso de jargão médico; não encorajar perguntas e não verificar se houve
entendimento; limitação do tempo de consulta; diferenças culturais; ausência de contato
visual; preocupação com o computador, telefone celular ou registro médico (ABDULAZIZ.;
ABUSHIBS; ABUSHIBS, 2018).
Já por parte do paciente, encontramos como possíveis barreiras: falta de confiança
no médico e de interesse em construir uma parceria; fornecimento de informações
inconsistentes, contraditórias ou desorganizadas; baixa motivação do paciente para o
autocuidado; entre outras barreiras (ABDULAZIZ.; ABUSHIBS; ABUSHIBS, 2018).
Por sua vez, algumas orientações gerais podem ser observadas pelo profissional
como forma de aperfeiçoar habilidades de comunicação, sendo elas: avalie o que o paciente
já sabe; avalie o que ele deseja saber; mantenha a simplicidade; diminua a velocidade; diga
a verdade; observe as reações do paciente e faça contato visual (sinais não verbais são tão
importantes quanto palavras, para a comunicação).
Para além da comunicação, o caráter assumido por uma determinada relação
médico-paciente dependerá está condicionado à expressão de empatia pela profissional
em relação à pessoa atendida. Empatia é um fator decisivo para a construção de uma boa
relação. Empatia significa compreender o que o paciente está pensando e sentindo, a partir
da capacidade do médico colocar-se no lugar da pessoa atendida (DALGALARRONDO,
2019). Empatia contribui para a percepção do paciente de estar sendo acolhido e que
seu problema é levado a sério. Porém, é fundamental que o profissional mantenha a
objetividade, evitando borrar as fronteiras da relação profissional.
Por fim, ao compreendermos as características gerais da relação médico-paciente
devemos considerar um terceiro fator que influencia em sua configuração. A relação
médico-paciente é atravessada por um importante fenômeno psicológico: a transferência e
a contratransferência. A transferência refere-se ao processo pelo qual o paciente revive, na
relação com o médico, protótipos de suas relações passadas. É um processo, em grande
medida, inconsciente, incluindo atitudes positivas (como confiança e carinho) e negativas
(como raiva e hostilidade) (DALGALARRONDO, 2019).
Por outro lado, a contratransferência refere-se ao processo contrário, são os
conteúdos psíquicos que o profissional inconscientemente projeta na figura do paciente,
são sentimentos e protótipos de relações passadas que ele revive na relação. É importante
que o profissional esteja atento a estas trocas transferenciais, lidando com elas de forma
racional e objetiva, de modo a não deixar que comprometam a qualidade do cuidado
prestado (DALGALARRONDO, 2019).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 67


3 | PRINCÍPIOS ÉTICOS
O relacionamento médico-paciente, tal como o exercício da medicina de modo geral,
está fundamentado em determinados princípios éticos. Alguns dos princípios que balizam
esta relação, conforme o Código de Ética Médica (2019), são autonomia e consentimento
informado. Isto é, o profissional deve garantir ao paciente o direito de escolher livremente
sobre práticas diagnósticas e terapêuticas, levando em conta as preferências do paciente
ao decidir sobre procedimentos. Cumpre também obter o consentimento do paciente (ou
seu responsável) acerca de intervenções a serem realizadas, consentimento que deve
estar baseado em informações fornecidas e ser livre de coerções (CONSELHO FEDERAL
DE MEDICINA, 2019).
Encontramos também os princípios da privacidade e confidencialidade: o código
veda ao profissional revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de
sua profissão (salvo por dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente). Pode-
se também mencionar como princípios o respeito e consideração. No âmbito da relação
médico-paciente, é fundamental que não haja qualquer forma de discriminação, seja por
questões de religião, etnia, cor, sexo, orientação sexual, nacionalidade, idade, condição
social, opinião política, deficiência ou de qualquer outra natureza. Prezar pelo respeito e
dignidade humana implica também que o paciente deve ser unicamente tratado segundo
práticas cientificamente reconhecidas (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2019).
Os princípios abordados pelo Código de Ética Médica encontram ressonância
no Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005). O Código estrutura-se em sete
“Princípios Fundamentais” e nas chamadas “Responsabilidades do Psicólogo”. Entre estes
princípios fundamentais, o Código de Ética estabelece, por exemplo, que o psicólogo
baseie seu trabalho “no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e
da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal
dos Direitos Humanos” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, pg. 7).
O psicólogo igualmente trabalhará visando promover “a saúde e a qualidade de
vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, pg. 7). Ademais, cumpre a ele atuar atuará com
responsabilidade social, analisando “crítica e historicamente a realidade política, econômica,
social e cultural”; e, não menos importante, requer-se que o profissional busque o “contínuo
aprimoramento técnico, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo
científico de conhecimento e de prática” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005,
pg. 7).
Ademais, determina o Código de Ética (2005, p. 7) que, ao psicólogo, é vedado
praticar ou ser conivente com atos de “negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade ou opressão”. Em seu Artigo terceiro, o Código fará referência à relação entre

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 68


o psicólogo e as instituições às quais ele se vincula. Conforme o dispositivo, o psicólogo,
para ingressar ou permanecer em uma organização, considerará a “missão, a filosofia, as
políticas, as normas e as práticas nela vigentes e sua compatibilidade com os princípios
e regras deste Código”; e, existindo incompatibilidade, “cabe ao psicólogo recusar-se a
prestar serviços e, se pertinente, apresentar denúncia ao órgão competente” (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, p. 11).
Já entre os Artigos nono e 15 encontramos referência à questão do sigilo. O Código
(2005, p. 13) determina que o psicólogo respeite “o sigilo profissional, confidencialidade
e a intimidade das pessoas, grupos ou organizações a que tenha acesso”. Caso precise
abordar com pais e responsáveis, questões referentes a seu trabalho com crianças
e adolescentes, o psicólogo deve limitar-se a comunicar o estritamente necessário aos
objetivos deste trabalho.
Por fim, há o princípio da humanização que perpassa o Código de Ética Médica
e do Psicólogo e se fundamenta nas políticas públicas de humanização do cuidado em
saúde. Para o desenvolvimento de uma relação médico-paciente humanizada, ao menos
três objetivos fundamentais devem ser buscados, segundo a política de humanização
do sistema público de saúde brasileiro: (A) superar a fragmentação da assistência,
contemplando a saúde do paciente em sua integralidade; (B) evitar a despersonalização
do cuidado, reconhecendo o paciente como sujeito para além de seu quadro clínico; (C)
estimular o protagonismo do paciente em seu tratamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).

4 | SITUAÇÕES-PROBLEMA E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS

4.1 Comunicação de Más Notícias


Cumpre, agora, evidenciar quais as implicações e desafios da relação médico-
paciente, em diferentes contextos práticos da atenção à saúde. Entre os diferentes desafios
está a comunicação de más notícias. Más notícias são aquelas que alteram drasticamente a
perspectiva do paciente quanto a si mesmo e a seu futuro, como por exemplo o diagnóstico
de uma grave doença ou o prognóstico de pacientes terminais.
Pacientes e familiares podem reagir de formas diversas a tais informações. Tais
reações afetam diretamente o relacionamento médico-paciente. Kübler-Ross (2005)
sistematizou as reações de pacientes às perdas em cinco estágios. O primeiro estágio
refere-se ao choque e à negação. Essas são reações que as pessoas podem apresentar
inicialmente, quando informadas que estão morrendo ou que podem sofrer uma perda
importante. Como resultado, as pessoas geralmente não aceitam o diagnóstico, o que pode
ser problemático para a relação médico-paciente, uma vez que tal negação influencia no
início e na adesão aos tratamentos.
No segundo estágio, as pessoas reagem com raiva, irritação, apresentando ira
ao considerar o fato de adoecer. Essa raiva pode ser dirigida a Deus, ao destino ou a

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 69


pessoas próximas, como pais, filhos, parentes, bem como um amigo. Os pacientes podem
transferir sua raiva para os profissionais de saúde que os atendem, culpando a equipe por
sua doença. O profissional que lida com tais indivíduos não deve perceber a expressão da
raiva como um ataque pessoal e estar ciente de que essas reações são recursos de que o
paciente dispõe para enfrentar uma situação entendida como estando fora de seu controle
(KÜBLER-ROSS, 2005).
Já no terceiro estágio, um comportamento comum é a tentativa do paciente de
negociar e barganhar com a equipe profissional, sua família ou amigos, ou mesmo com
Deus. Com essas tentativas, as pessoas esperam conseguir a cura. Para receber a
recompensa da cura, as pessoas fazem promessas, adotam um comportamento pró-social,
doam para instituições de caridade ou realizam rituais religiosos. Por trás da barganha, há
a crença de que se o sujeito for bom, não questionador, o médico se dedicará mais a seu
tratamento (KÜBLER-ROSS, 2005).
No quarto estágio, o paciente pode exibir sinais de depressão clínica (tais como
lentificação psicomotora, distúrbios do sono, desesperança, ou mesmo ideação suicida).
É importante ressaltar que é normal que uma pessoa experimente tristeza diante da
perspectiva de perda importante. Mas, se um transtorno depressivo for estabelecido, as
pessoas devem receber tratamento clínico adequado. Um transtorno depressivo prejudica
a adesão ao tratamento e a observância a instruções médicas (KÜBLER-ROSS, 2005).
O estágio de aceitação (quinto estágio) é definido por Kübler-Ross (2005) como a
compreensão do paciente da inevitabilidade da morte e da perda, e a universalidade de
tal experiência. A gama de sentimentos e reações são diversos neste estágio. As pessoas
podem ser neutras ao aceitar sua finitude, enquanto outras podem se comportar com
euforia. Em circunstâncias ideais, os pacientes podem enfrentar esses sentimentos e lidar
com maturidade com as incertezas trazidas pela morte.
Como forma de orientar profissionais a comunicarem más notícias, Baile e
colaboradores (2000) elaboraram o chamado Protocolo SPIKES. O protocolo tem como
finalidade auxiliar os médicos a cumprir os objetivos da comunicação de más notícias:
a obtenção de informações dos pacientes, a transmissão de informações médicas, o
fornecimento de suporte aos pacientes e a obtenção da colaboração do paciente para a
elaboração de planos de tratamento. Para atingir tais objetivos, o Protocolo descreve seis
passos para a comunicação de más notícias.
O primeiro passo (Setting up) refere-se à preparação do médico, por meio de
ensaios mentais, e do espaço físico, por meio de dicas práticas como cuidar da privacidade,
envolver pessoas significativas para o paciente, sentar-se, conectar-se ao paciente e
manejar restrições de tempo e possíveis interrupções. Em algumas situações, o ambiente
físico pode dificultar a comunicação de más notícias. Por este motivo, deve-se cuidar para
que o mesmo que seja um facilitador (BAILE et al., 2000).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 70


O segundo (Perception) avalia o grau de conhecimento do paciente acerca de seu
estado de saúde. Por meio de perguntas amplas, o médico verifica o grau de informações
que o paciente possui e como ele percebe o seu estado de saúde, corrigindo eventuais
erros e preparando-o para a comunicação da má notícia (BAILE et al., 2000).
Já o terceiro passo (Invitation) consiste em determinar a demanda de conhecimento,
por parte do paciente, a respeito de sua doença. Caso ele não expresse diretamente seu
desejo, é sugerido que o médico pergunte como deseja que os resultados de exames e a
quantidade de informações sejam divulgadas (BAILE et al., 2000).
No quarto passo (Knowledge), trata-se de transmitir as informações em questão.
Algumas recomendações podem ser indicadas: preparar o paciente, dizendo que más
notícias virão; usar vocabulário que seja compreensível; não fazer a comunicação de forma
brusca ou com dados de realidade excessivos; evitar o uso de palavras técnicas e checar a
compreensão do paciente a cada informação nova fornecida (BAILE et al., 2000).
Por sua vez, o quinto passo (Emotions) orienta sobre como ser empático face às
reações e sofrimento do paciente. Este é o passo mais difícil de ser executado e, por este
motivo, o Protocolo sugere etapas específicas. Em primeiro lugar, observar as reações
emocionais do paciente. Em seguida, buscar ter clareza de qual é a emoção vivida pelo
paciente, perguntando-lhe caso seja necessário. Em terceiro lugar, identificar o motivo da
emoção, que, muito provavelmente, estará ligado à comunicação da má notícia. Em quarto
lugar, manifestar empatia, utilizando-se de declarações empáticas, perguntas exploratórias,
caso necessário, e de validações de sentimentos e pensamentos do paciente (BAILE et al.,
2000).
O sexto (Strategy and Summary) refere-se a decisões conjuntas, entre médico e
paciente, relacionadas ao tratamento. Para incluir o paciente na tomada de decisões, o
médico deve partir do segundo passo. A partir da percepção correta de seu estado de
saúde, o paciente torna-se apto a estipular objetivos referentes ao tratamento (por exemplo,
o controle dos sintomas), o que auxiliará na definição da terapêutica mais adequada ao
caso. Trata-se de um passo importante por reduzir a ansiedade do paciente, uma vez que a
ele pode ser apresentado um plano terapêutico e prognóstico (BAILE et al., 2000).
4.2 Triangulação Médico-Família-Paciente
Um importante componente relacional na atenção à saúde é a triangulação médico-
família-paciente. A família faz parte do contexto de adoecimento do paciente, podendo
representar um elemento facilitador ou de dificuldade para o relacionamento médico-
paciente. A doença frequentemente representa uma crise que rompe com o equilíbrio e
funcionamento costumeiro do grupo familiar, suscitando mecanismos defensivos por parte
da família, na tentativa de recuperar a estabilidade perdida.
Deste modo, é necessário que o médico esteja atento ao comportamento familiar
e buscando estabelecer um vínculo e comunicação assertiva com estes indivíduos, os

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 71


quais poderão ser parceiros valiosos no tratamento do paciente. Entre as medidas que o
profissional poderá tomar neste sentido, estão:
Ser empático e humanizado no cuidado; colocar-se disponível para esclarecimentos,
fornecendo tanto informações, quanto apoio emocional; compreender a necessidade de
tempo que pacientes e familiares possam apresentar para adotarem novos hábitos de vida,
em razão da doença; utilizar linguagem de fácil compreensão e respeitar a privacidade do
paciente, transmitindo aos familiares apenas informações estritamente necessárias.

4.3 Telemedicina
Telemedicina (ou mais amplamente, a telessaúde) consiste no uso de tecnologias da
informação e comunicação para o fornecimento de serviços de saúde a distância. O contato
pode ser síncrono (isto é, em tempo real) ou assíncrono e inclui desde ações preventivas
até tratamentos. Manter a qualidade do relacionamento médico-paciente mediante a
telemedicina pode ser um desafio. No contata à distância, a comunicação verbal e não
verbal pode ser distorcida, o encontro tornar-se impessoal, e a impessoalidade dificultar
um bom rapport.
No entanto, a ferramenta tem seu valor ao facilitar o acesso à saúde, por exemplo, para
pessoas vivendo em áreas remotas, com dificuldades de locomoção ou com impedimento
de locomoção. Deste modo, o profissional deve esforçar-se para manter a qualidade da
relação com seu paciente, de modo que prevaleçam os benefícios da telemedicina.

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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 6 73


CAPÍTULO 7
doi
O OLHAR DA GESTALT-TERAPIA SOBRE O
DIAGNÓSTICO

Data de aceite: 01/02/2021 ABSTRACT: The present article aims, through


a bibliographic reference research, to work with
the Gestalt-therapy perspective on diagnostic
comprehension. Understanding therapy as a
Ana Paula de Souza Ferreira Esquivel
dialogical relationship and using the Contact
ID Lattes: 3609279806231659
Cycle theory. This mentioned therapy, using
Renato Martins Ribeiro contact blocks that are clearly explained at work,
ID Lattes: 1654917089069847 allows, within the therapeutic setting, to observe
the client, the symptoms and their potentialities,
Erika Gelenske
within a dialogical relationship, in order to build a
ID Lattes: 6452483820695747
diagnostic understanding. This gestalt diagnosis,
therefore, is not deterministic, rather it is flexible
and changeable, as the human being making
RESUMO: O presente artigo busca através aware of his way of being in the world, starts
de uma pesquisa de referencial bibliográfico towards growth and experiences of not only
abordar o olhar da Gestalt-terapia sobre a individual, but also collective experiences, as it
compreensão diagnóstica. Entendendo a terapia will be addressed in the topic the Gestalt look
como uma relação dialógica e utilizando-se and contemporary challenges.
da teoria do Ciclo de Contato. Teoria essa KEYWORDS: Gestalt therapy, diagnostic
que valendo-se dos bloqueios de contato que understanding, contact cycle.
são explicados de forma clara no trabalho,
permite, dentro do setting terapêutico observar
1 | INTRODUÇÃO
o cliente, os sintomas e suas potencialidades,
dentro de uma relação dialógica, construir uma Segundo Ribeiro (2012), a Gestalt-
compreensão diagnóstica. Esse diagnóstico terapia faz parte das psicoterapias de filosofia
gestáltico, portanto, não é determinista, antes é humanista, compreendendo o homem como
flexível e mutável, pois o ser humano tornando centro de um todo, Universo, valorizando este
aware sua forma de estar no mundo, parte rumo
indivíduo em seus aspectos de crescimento
ao crescimento e vivências de experiencias não
positivos, fazendo-o refletir profundamente
só individuais, mas também coletivas como será
abordado no tópico sobre o olhar da Gestalt e os sobre si próprio e com a possibilidade de gerir
desafios contemporâneos. e regular a sua própria existência. A Gestalt-
PALAVRAS-CHAVE: Gestalt-terapia, terapia também possui um suporte teórico na
compreensão diagnóstica, Ciclo do contato. filosofia existencialista, e analisa o ser humano
em sua singularidade subjetiva como um ser
de potencialidades que se mostra no mundo de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 74


forma concreta e singular. Segundo Perls (1977), a Gestalt-terapia executa um trabalho
no contexto terapêutico apoiado na conscientização (awareness) ativa e presente cliente-
terapeuta daquilo que se mostra fenomenologicamente no aqui e agora, e como isto
é percebido pelo cliente em suas dimensões: corpo, cognição e afeto-emoção, que se
formam em um determinado campo1.
De acordo com Pimentel (2003, p.11) “o diagnóstico psicológico foi uma das
primeiras atividades profissionais do psicólogo e desempenhou um papel importante na
sedimentação dessa profissão.” De acordo com a autora, no início cabia a prática diagnóstica
apenas aplicar testes. Passado o tempo novas teorias como também o desenvolvimento
da própria psicanálise mudou substancialmente a forma de pensar e no agir no que diz
respeito ao psicodiagnóstico. E o crescimento também ocorreu dentro das correntes
humanistas, que com o passar do tempo criticaram a forma de se fazer o diagnóstico,
pois tanto no desenvolvimento quanto no findar do processo diagnóstico, o profissional, de
forma unilateral, após ter obtido informações, analisa e reflete os dados construindo a sua
compreensão sem a menor participação do cliente.
Sendo assim, indaga-se nesse artigo: é possível uma compreensão diagnóstica
dentro da Gestalt-terapia? Acredita-se que existe a possibilidade do olhar da Gestalt-
terapia para o diagnóstico como um ponto de partida, flexível e mutável, para a terapia,
visto que, o indivíduo ao olhar das terapias Existenciais-Humanistas é único e pode ajustar-
se criativamente à vida, apesar do diagnóstico recebido.
Visto o exposto, o objetivo geral deste artigo consiste em pesquisar sobre o olhar
descritivo e fenomenológico da Gestalt-terapia sobre o diagnóstico. Tendo como objetivos
específicos: explicar a abordagem Gestáltica, expor como é o processo de construção da
compreensão diagnóstica e o olhar da Gestalt-terapia nos sintomas contemporâneos.
Rodrigues (2011), analisa de uma forma crítica o modo de pensar racionalista
linear e mecanicista ocidental aplicado pela ciência positivista, pois influencia o modo
de intervenção e métodos de atuações psicoterapêuticas nas diferentes abordagens. O
autor ressalta os métodos aplicados em modelos explicativos, no qual considera uma
visão reducionista do homem, e traz como exemplos a Psicanálise ortodoxa, no qual se
sustenta em uma relação de causa e efeito linear psicodinâmicas dos transtornos mentais e
o Behaviorismo com a sua base em comportamentos observáveis desconsiderando outras
dimensões da complexidade humana. Estas duas abordagens se tornam rígidas em suas
bases epistemológicas, e visão do ser humano.
Assim, busca-se compreender como se dá o diagnóstico segundo olhar humanista,
existencial-fenomenológico e outras teorias de base da própria abordagem gestáltica, no
qual não analisa nenhum transtorno como apenas uma doença isolada e fixa no indivíduo
de maneira estereotipada, objetiva e convencional, classificando-o e limitando-o em
determinados manuais como o DSM-V e CIDs, e assim, pode-se negar o campo singular e
integrativo do sujeito, e seu significado. (FRAZÃO, 2015).

1. Conceito utilizado por Kurt Lewin.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 75


Este artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica que pretende investigar a partir
de referenciais teóricos, no que tange à abordagem gestáltica as questões acerca do
olhar descritivo da Gestalt-terapia sobre o diagnóstico. O artigo não pretende trabalhar
com amostra populacional, visto que se trata de uma pesquisa bibliográfica, onde serão
levantados dados teóricos sobre as questões a serem abordadas, e não uma amostra
específica populacional.
Portanto, serão pesquisados autores como Perls, Ginger e Ginger, Pimentel, Pinto,
Ribeiro, entre outros teóricos de relevância dentro do tema proposto deste artigo. Autores
de destaque tanto na história da abordagem como na sua construção teórica e prática.
As fontes utilizadas abrangerão livros científicos onde cada pesquisador irá contribuir
ativamente com suas pesquisas e fundamentações teóricas. Posteriormente se reunirão
para elaboração do trabalho escrito fazendo as alterações cabíveis.

2 | COMO FUNCIONA A GESTALT-TERAPIA


Um dos principais autores da abordagem gestáltica, Fredrick Salomon Perls nasceu
na Alemanha em 1893, e no ano de 1934 foi para a África do Sul fugindo das guerras e
perseguições que estavam acontecendo em seu país de origem. Em 1946 foi morar em
Nova York frequentando lugares com um movimento intelectual, político e cultural diferente
ao que era estabelecido pela maior parte da sociedade da época. (FRAZÃO,2013)
De acordo com Frazão (2013), o surgimento da Gestalt-terapia surgiu em 1951 com
o lançamento do livro: Gestalt-therapy: excitement and growth in the human personality,
desenvolvido pelos autores Frederick Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline. O Livro foi
fruto de encontros, pesquisas, leituras e estudos de Perls junto com o chamado grupo dos
Sete: Isadore From, Paul Goodman, Paul Weisz, Sylvester Eastman, Elliot Shapiro, Laura
Perls e Richard Kitzler. O encontro aconteceu em uma época pós guerra nos EUA, junto
com o surgimento da terceira força em psicologia, onde Perls e o grupo dos Sete tinham
ideias semelhantes sobre a visão de homem no mundo.
Perls (1977, 2015), menciona que a abordagem exerce a promoção do
desenvolvimento do potencial humano. É uma abordagem psicológica que busca ver
além dos papéis que os clientes representam. O autor relata sobre a representação
social aprendida que pode levar ao bloqueio do crescimento do sujeito, levando-o a uma
excitação ansiosa e assim gerando dúvida de como deveria se comportar: agradando ou
não o meio de acordo com o contexto relacional. No setting terapêutico, o cliente pode se
expressar usando o seu potencial criativo e espontâneo, integrando-se na conexão com a
sua personalidade de uma forma mais totalizante e integrativa, na temporalidade do aqui
e agora. O ser humano é um ser de necessidades que são satisfeitas hierarquicamente
pela relação do organismo em constante interação com o meio, objetivando a adaptação
homeostática. Quando este processo adaptativo de necessidades não é realizado de uma
forma saudável, o organismo adoece, interferindo na autorregulação organísmica.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 76


O artigo atenta-se no desenvolvimento explicativo de algumas teorias (autorregulação
organísmica, psicologia da Gestalt, teoria de campo, ciclo de contato, neurose e bloqueios
de contato) importantes para explicar o funcionamento do diagnóstico processual da
Gestalt-terapia, porém a abordagem gestáltica é muito ampla e complexa em suas filosofias
e teorias de base, e assim, não se limitando apenas a estas teorias citadas.
2.1 Autorregulação organísmica
Goldstein (1995), citado por Lima (2014), define a autorregulação organísmica como
um funcionamento homeostático ativado pela própria sabedoria interna do organismo.
Goldstein explica este equilíbrio orgânico como um impulso da natureza humana de se
atualizar a partir da interação com o meio externo, mantendo uma constância com o meio
interno do corpo. Ou seja, “(...) é a autorregulação que permite que o organismo se organize
para buscar modos eficientes de satisfazer no meio suas necessidades prementes.” (LIMA,
2014 , p. 90). De acordo com a autora, a potência do organismo se dá na relação holística
do ser que visa resolver ou satisfazer alguma necessidade, além de buscar a resolução de
uma experiência ou vivência que promove desequilíbrio, formando gestalten inacabadas.
Portanto, a ação relacional acontece sempre na dinâmica organismo-meio, motivado por
alguma frustração.
Perls (2015), explica e critica a dinâmica humana e uma causa única determinante
que explica alguma disfunção orgânica ou frustração relacionada com algum aspecto
psicológico, estudado pelo o autor a partir da teoria organísmica de Kurt Goldstein.
O que seriam estas causas únicas? Um processo mental dirigido por uma razão, pelo
inconsciente profundo e misterioso, um sistema neurofisiológico etc., ou seja, determinando
e explicando o modo de agir do sujeito. O autor explana sobre a importância de observar
outras faculdades internas deste homem: símbolos, abstrações mentais, pensamentos,
atenção, percepções sensoriais, a conscientização, a vontade, a possibilidade de fantasiar,
imaginar etc. Direciona-se a energia mental para aquilo que deseja, planeja, ou seja, em
um investimento energético menor que a ação física, porém não menos importante, em
uma interação de intensidade do mental e físico constante com o meio, ou seja, não há
separação e movimento isolado da relação físico e mental, os dois interagem em uma
dinâmica de interdependência com o meio.

(...) podemos observar se as atividades física e mental são da mesma ordem,


podemos observar a ambas como manifestação da mesma coisa: o ser do
homem. Nem o paciente nem o terapeuta estão limitados pelo que o paciente
diz e pensa: ambos podem agora levar em consideração o que ele faz. O que
ele faz fornece indícios para o que pensa, assim como o que pensa fornece
indícios para o que faz ou gostaria de fazer... (PERLS, 2015, p.30)

Assim, é o próprio paciente que vai dar sentido e significado para seus sintomas,
imaginação, sensações etc. O Gestalt-terapeuta auxilia a atenção do paciente para aquilo
que se mostra, que fica evidente, mas é o cliente que faz a interpretação da sua própria

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 77


experiência no presente, reintegrando pensamentos, sentimentos, modos de agir em sua
totalidade de ser humano, autorregulando-se. (PERLS, 2015)

2.2 Psicologia da gestalt


Para o Gestalt-terapeuta, faz-se necessário estudar a importância da aplicação
dos princípios da psicologia da gestalt na Gestalt-terapia, compreendendo as diferenças
entre as duas. A primeira, delimita o seu campo de estudos na percepção humana e seu
processo de aprendizagem. Enquanto a segunda é uma abordagem teórica que se apoia
em pressupostos filosóficos e teóricos para descrever a dinâmica complexa e totalizante da
relação do homem no mundo. (RIBEIRO, 2012).
De acordo com Ginger e Ginger (1995), estudiosos da psicologia da gestalt - Max
Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfang Kohler - observaram as relações entre o sistema
fisiológico e psicológico da percepção, e como estes sistemas interagiam com o meio. Eles
ao longo de suas pesquisas estenderam seus estudos: memória, inteligência, expressão,
e finalizaram na personalidade de forma totalizante. E destacaram a correlação que existe
entre a dimensão física e psíquica e as leis que as interferem, e concluíram que todo objeto
em si é uma forma, ou seja, uma Gestalt, que possui uma totalidade, delimitação, estrutura
e significado. Ginger e Ginger comentam:

Todo campo perceptivo se diferencia em um fundo e em uma forma, ou figura.


A forma é fechada, estruturada. É a ela que o contorno parece pertencer. Não
podemos distinguir a figura sem um fundo: a Gestalt se interessa por ambos,
mas sobretudo, por sua inter-relação. (GINGER e GINGER, 1995, p.38)

Os trabalhos laboratoriais que os gestaltistas estudaram, atacando as ideias da


época relacionadas à objetividade da ciência, provaram que a configuração do objeto
possui uma relação de dependência com as necessidades do indivíduo, e vice e versa.
A necessidade do indivíduo em relação ao objeto é recíproca. Para uma compreensão
mais detalhada é analisado o princípio figura e fundo da Psicologia da Gestalt. (GINGER
e GINGER,1995)
Segundo Ribeiro (2012), a expressão figura e fundo foi utilizada por Robin em 1912
explicando que a figura ressalta de um objeto totalizante, enquanto o fundo retrocede e
fica disforme do objeto. Figura-fundo é um conceito de destaque na Gestalt-terapia, para a
compreensão de como um objeto se organiza, e a formação de novas gestalten. O mesmo
autor descreve um exemplo de um triângulo dentro de um retângulo, mostrando que a figura
maior (retângulo) continua existindo mesmo com a presença da figura menor (triângulo),
onde a primeira figura representa uma parte da totalidade de um campo simultaneamente
com a outra figura, realizando uma dupla representação no campo ambiente do sujeito,
sendo o próprio triângulo e em outros momentos parte do retângulo. Esse exemplo expressa
uma análise do ponto de vista existencial humano, onde as necessidades e demandas não
são analisadas de forma isolada. Se um problema se torna figura, existe no fundo algo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 78


maior e mais complexo relacionado. O desafio do Gestalt-terapeuta é perceber o que é
figura e fundo no discurso estruturado do cliente.
Ribeiro (2012) diz que no contexto clínico o cliente é a figura e o psicólogo é o fundo,
pois o cliente é que vai levar uma demanda dentro da configuração formada no setting
terapêutico, além de comunicar algo direcionando o trabalho clínico. Segundo Ribeiro
(2012, p.112), “Na hipótese em que o setting psicoterapêutico esteja organizado, de modo
que a realidade psicoterapeuta-paciente funcione como um todo, seus contornos e limites
obedecerão à formação de leis diferentes de um para com o outro, (...)”. Observa-se que
a interação figura-fundo do cliente segue um fluxo dinâmico, alterando a sua organização,
influenciando o Gestalt-terapeuta a uma postura de fluidez dialógica eu-tu, e a partir deste
encontro a transformação acontece.

2.3 Teoria de campo


Yontef (1998) menciona que a teoria de campo de Lewin é uma abordagem de
teoria pós-moderna, que integra de uma maneira ampla temas e contextos relacionados
à inteligência, ao social, à cultura, à política etc. A Gestalt-terapia tem como necessidade
primordial o “despertar” consciencial do cliente, através do processo de conscientização
(insight, dar-se conta) que acontece no campo subjetivo do cliente em interação com o
psicoterapeuta, que também possui o seu próprio campo. A teoria de campo está inserida
na forma como o sujeito dá sentidos e significados na sua interação subjetiva com o mundo.
Ribeiro (2012), faz analogia do conceito de campo com a presença total singular
do cliente, que chega ao consultório com suas roupas, forma de expressão, falar e idade
constituem forças deste campo que influencia o campo perceptivo do terapeuta. A teoria de
campo de Lewin mostra a relação estrutural amplificada da relação pessoa/meio – parte/
todo. E assim, aspectos psicológicos, familiares, sociais, comportamentais, existenciais
fazem parte do campo vital do cliente que chega ao consultório com a sua queixa/problema,
e cabe ao Gestalt-terapeuta compreender estes aspectos e sua relação com o sujeito
queixoso, visando a aproximação do entendimento integrado de um comportamento não
saudável.
Na Gestalt-terapia a teoria de campo é utilizada para compreender como se organiza
um campo organismo/meio do indivíduo, como se movimenta as energias de suas ações
em seu processo de crescimento, dando ênfase em como o cliente descreve os fenômenos
que surgem, a partir do método fenomenológico, externalizando emoções através do corpo
e não apenas falar delas etc., confiando a Gestalt que emerge, e dar menos importância a
conceitos estáticos, rígidos e racionais. (YONTEF,1998)
Segundo Perls (1977), o estado saudável do indivíduo ocorre quando seu sistema
orgânico está em equilíbrio, dentro de um campo, satisfazendo alguma necessidade
(fisiológica, social, emocional etc.) alcançando a autorregulação organísmica. Quando
uma questão ou demanda surge se tornando figura prevalece sobre qualquer outra

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 79


questão. Um exemplo, citado pelo autor, seria de um ambiente que inicia um incêndio,
tornando uma necessidade primordial a auto conservação (figura) sair daquele local, e
assim, interrompendo qualquer outra necessidade (fundo) naquele instante da experiência
presente, iniciando o ciclo de contato e finalizando até a satisfação da necessidade, saindo
do local do incêndio com vida.

3 | O OLHAR DA GESTALT-TERAPIA NOS SINTOMAS CONTEMPORÂNEOS


De acordo com Silva, Baptista e Alvim (2015), a possibilidade da abertura, do
contato pleno, da awareness parece estar em falência na contemporaneidade. E é nesse
momento que os autores consideram que a Gestalt-terapia pode auxiliar, através de um
olhar crítico, os fenômenos, que vem acontecendo na atualidade. Reafirmam a posição
gestáltica dialógica e relacional que abole o individualismo do psicologismo trazendo para
a relação a consideração do fenômeno humano.
A pressa desenfreada da contemporaneidade tem feito com que o ser humano de
distancie do que é da ordem da experiência. A pressa, o isolamento, a competição afastam
a pessoa de se encontrar com o outro e assim as relações de intimidade e diálogo genuíno
inexistem. (SILVA, BAPTISTA, ALVIM, 2015). De acordo com os autores, na tentativa de
se sentirem aceitos, inclusos e amados, o homem tem perdido a dimensão genuína da
relação que é a de entrega e abertura, pois lidam como o outro como se fosse um objeto
que pode ser controlado. Portanto, a Gestalt-terapia traz à contemporaneidade um olhar
que visa reconectar o homem com as relações íntimas e mais amplas, numa travessia
que restaura sua própria humanidade. Dessa travessia pode vir tanto o júbilo quanto o
sofrimento. Há uma possibilidade da pessoa religar-se a si mesma e ao outro através da
relação terapêutica.

3.1 O Ciclo de Contato e a Função Self


O ciclo de contato e seus respectivos bloqueios ou interrupções é uma teoria
elaborada por diferentes autores, e atenta-se neste artigo a descrição feita pelos seguintes
atores: Perls, Ribeiro, Ginger e Ginger, Pinto e Zinker, com o objetivo de relacionar e
pontuar semelhanças e diferenças no modo de pensar de cada autor sobre a mesma teoria
e sua importância na produção do diagnóstico.
Segundo Ribeiro (2019), o ciclo de contato representa uma configuração, hierarquia
de necessidades acabadas ou inacabadas (gestalten) que possuem relação com modelos
e formas existenciais, e as suas etapas estão se movimentando fluidamente. É utilizada
pelo Gestalt-terapeuta para perceber e observar como os sintomas são construídos,
na produção de um psicodiagnóstico e prognóstico não determinista, e sim processual,
sinalizando novas possibilidades de existir, ou seja, promovendo mudanças e a cura do
sujeito. As etapas são: fluidez, sensação, awareness, mobilização, ação, interação, contato

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 80


final, satisfação e retirada. E que cada etapa se relaciona dinamicamente com o self e suas
funções em um ambiente que sempre é relacional.
Já Ginger e Ginger (1995) relatam sobre a teoria do ciclo de contato, como um
conceito fundamental na Gestalt-terapia para compreender a relação única, individual do
sujeito e a satisfação de suas necessidades em predomínio, em vários níveis (fisiológico,
cognitivo, afetivo, emocional, motor, social e espiritual), no campo relacional em que se
encontra. O autor descreve que o ciclo de contato possui várias fases, com a finalidade de
orientar o Gestalt-terapeuta em relação a etapa do ciclo que foi interrompida pelo o cliente,
as gestalten inacabadas (formas de funcionamento/configuração). O autor desenvolve as
etapas do ciclo de contato que são: pré-contato, contato, contato final e pós-contato. Em
seguida os bloqueios de contato, que são: confluência, introjeção, projeção, retroflexão,
deflexão, proflexão e egotismo.
Ribeiro (2015) menciona outras etapas e noves bloqueios de contato acrescentando
mais dois: fixação e dessensibilização. Todos eles são fundamentais para o entendimento
do diagnóstico processual do cliente, em relação a sua queixa(s) e demanda(s). (GINGER
e GINGER,1995). Zinker (2007), descreve as interrupções e fases que ocorrem no ciclo de
contato e que tem uma relação próxima com as psicopatologias, de acordo com o manual
psiquiátrico. Zinker estrutura as fases ou etapas do ciclo de contato da seguinte maneira:
retração-sensação, awareness-mobilização de energia, ação-contato e finaliza na retração.
A função self processual do cliente se expressa a cada etapa do ciclo, em uma forma
e interesse subjetivo no qual a percepção é dirigida para uma nova figura (Gestalt) que surge
do fundo e fixa a atenção. A fase de pré-contato (fixação, retração, sensação e awareness)
está relacionada com as sensações e tensões corporais/fisiológicas, ativando a função id
do self. Exemplo: o indivíduo se aproxima da pessoa que está apaixonado, e o seu coração
acelera; o coração é a figura e o corpo é o fundo. Na fase do contato (awareness, mobilização
de energia, ação e interação) , o sujeito se coloca de forma aware, mobilizando a energia
no meio, interagindo de forma corporal, emocional e afetiva com o objeto de interesse, e
o self é ativado no modo “eu”, possibilitando fazer escolhas responsáveis conscientes de
assimilação ou rejeição. Já no contato pleno ou final (interação, contato final, satisfação
ou retirada), o self é ativado no modo “personalidade”, e ocorre a confluência funcional, ou
seja, o indivíduo não discrimina o “eu” e o outro, proporcionando movimentos de abertura
permeável, desconstruindo barreiras na fronteira de contato, levando-o ao pós contato,
retirada ou satisfação: a relação sujeito-objeto é estabelecida a partir da assimilação
consciente, proporcionando crescimento, ou seja, elaboração daquilo que foi experenciado,
em um processo de integração do vivido, proporcionando o relaxamento da necessidade
satisfeita (fechamento de um ciclo), levando-o a disponibilidade de entrar em contato com
uma nova Gestalt, um novo ciclo surge. Cada ciclo se forma a partir de uma necessidade
predominante, dentro de uma hierarquia de necessidades, que se torna figura. (GINGER e
GINGER, 1995) e (RIBEIRO,2019)

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 81


3.2 Neurose
Perls (2015) menciona que a Gestalt-terapia enfatiza o sujeito em sua constante
relação campo-organismo-meio, e que o seu comportamento é uma expressão desta
dinâmica relacional, lembrando que este campo está em constante transformação e
mudança, e o sujeito saudável é aquele que consegue satisfazer as suas necessidades,
de acordo com o ciclo de contato, e se ajustar com fluidez e dinamismo no campo. Quando
esta forma de interagir se torna desatualizada e enrijecida, ocorre a neurose.

Quando o indivíduo se torna incapaz de alterar suas técnicas de manipulação


e interação é que surge a neurose. Quando o indivíduo está cristalizado num
modo de atuar obsoleto, fica menos capaz de ir ao encontro de qualquer
de suas necessidades de sobrevivência, inclusive das necessidades sociais.
(PERLS, 2015, p.40)

O autor esclarece que o neurótico tem dificuldades de perceber modos e formas


mais funcionais para a satisfação de suas necessidades, e diferenciar o que é seu e o que
é do outro, ou seja, literalmente é um indivíduo que é “engolido” pela sociedade. Ou seja, o
neurótico se vê menor e a sociedade é sempre maior que ele. Perls (2015), considera que
tais disfunções de comportamentos é o resultado de buscas de necessidades diferentes ao
mesmo tempo na relação indivíduo com o grupo social (família, relações sociais, trabalho,
estado, etc), e também quando este mesmo sujeito não consegue identificar qual a sua
necessidade dominante, e portanto não ocorre um contato funcional, que pode resultar em
assimilação ou fuga, afetando-o de alguma forma e o meio em relação. E segundo Perls
(2015), a neurose é um distúrbio que impede o indivíduo de enxergar novas possibilidades,
e co-criar novas formas de existir. Os mecanismos neuróticos podem surgir também de
experiências traumáticas, e outros processos de sobrevivência grupal, levando o sujeito se
ajustar de uma maneira confusa, e adoecida na expressão de sua função self e na relação
com o outro.

4 | O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA


De acordo com Pinto (2015), o diagnóstico em Gestalt-terapia não é fixo e sim
processual, levando o Gestalt-terapeuta a ficar alerta em relação a configuração mutável
figura-fundo que o cliente apresenta quando expressa uma vivência, uma queixa, um sintoma
etc., na relação psicólogo-cliente (Eu-tu) a partir de uma necessidade predominante que
emerge relacionada diretamente no ciclo de contato, e seu respectivo bloqueio de contato.
O método fenomenológico é utilizado nesta relação, influenciando diretamente a dinâmica
aberta e processual do diagnóstico. Ou seja, cada encontro clínico psicoterapêutico é único
e diferenciado de acordo com o fenômeno que se mostra no contato dialógico presente. A
interação dialógica Eu-Tu é um conceito e técnica utilizada na Gestalt-terapia, baseada no
pensamento do filósofo Martin Buber, no livro Eu e Tu, introduzido e comentado por Newton
Aquiles Von Zuben:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 82


Para Buber a palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e atualizadora
do ser do homem. Ela é um ato do homem através do qual ele se faz homem
e se situa no mundo com os outros. A intenção de Buber é desvendar o
sentido existencial da palavra que pela intencionalidade que a anima, é o
princípio ontológico do homem como ser dia-logal e dia-pessoal... são duas
intencionalidades dinâmicas que instauram uma direção entre dois pólos,
entre duas consciências vividas. (ZUBEN, 2001, p.28)

Pimentel (2003) menciona que o diagnóstico em Gestalt-terapia se dá de forma


compreensiva na interação e participação ativa do cliente, diferenciando do modelo de
diagnóstico explicativo, conforme mencionado anteriormente. Ou seja, o psicólogo Gestalt-
terapeuta não adota uma postura de apenas observar e anotar os dados levados, e sim
através da relação dialógica, mostrar o que observa - suas impressões, sensações, gestos,
olhares e sentimentos, para o cliente -, a partir do fenômeno que vai surgindo, comunicando
e evidenciando ao cliente o seu próprio processo dinâmico de desenvolvimento, das
situações inacabadas, dos bloqueios rígidos de contato e da fluidez que se dá, ajudando-o
na sua própria compreensão e sentido.
Para Joyce e Sills (2017), a Gestalt-terapia, na avaliação diagnóstica, valoriza
primordialmente a ampliação da consciência na fase do ciclo em que se encontra a
interrupção de contato neurótico, e o contato dialógico de relação autêntica no momento
presente, no qual contribuem positivamente e suficiente para um tratamento psicológico
relacional criativo, descritivo e compreensivo, que promove mudanças significativas no
cliente, levando-o a formação de novas gestalten saudáveis.
Dois manuais muito utilizados na medicina psiquiátrica e na psicologia que
segue a linha mais normativa são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-V. 2014) e o livro Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais
(DALGALARRONDO, 2008). A proposta do DSM é servir com um guia que seja prático e
flexível gerando a possibilidade de organizar informações que irão auxiliar precisamente
o diagnóstico trazendo a possibilidade de tratamento dos transtornos mentais. (DSM-V,
2014). Ainda de Acordo com o DSM-V (2014, p.21) “os critérios diagnósticos são oferecidos
como diretrizes para a realização de diagnósticos, e seu uso deve se basear no julgamento
clínico.” Ou seja, um julgamento específico onde há um limite a ser seguido.
Dalgalarrondo (2008, p.40) afirma que existe uma relação dialética no processo
diagnóstico entre o que é particular e individual e o geral e universal. De acordo com
isso não se pode esquecer que os diagnósticos são ideias que ajudam nos construtos do
trabalho científico, “mas não são objetos reais e concretos”. Ou seja, o diagnóstico à vista
desse teórico é um ponto de partida para algo que vai além do que se pode ver.
Pinto (2015) descreve que alguns Gestalt-terapeutas usam o DSM (atualmente
DSM-V), como base para algumas tipologias. E ele mesmo afirma ter usado durante muitos
anos o DSM como referência, mas que foi percebendo aos poucos que tinha no Ciclo de
Contato, mencionado anteriormente, um ponto que possibilitava um diálogo da Gestalt com

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 83


o DSM, pois esse diálogo estabelecido e facilitado pelo ciclo de contato entre a abordagem
e o DSM encontra-se, entre outros, no fato de que o Manual é composto nas diversas
versões de descrições. Descrições estas que não estão preocupadas em fazer inferências,
mas que possibilitam um olhar fenomenológico para o Manual. O autor ainda afirma que o
fato do Manual ser bem descritivo permite o diálogo das variadas abordagens psicológicas
com a psiquiatria. O Gestalt-terapeuta pode utilizar a ferramenta do ciclo de contato e seus
respectivos bloqueios para realizar a construção diagnóstica.

4.1 Bloqueios de Contato


Segundo Pinto (2015), cada bloqueio de contato, que interage dinamicamente
com as fases do ciclo, tem uma função estrutural no processo do Self, e que pode ser
manifestado como um modo de defesa do indivíduo, em dada circunstância, proporcionando
a sua autopreservação. O patológico se dá quando estas descontinuidades de contato se
tornam cristalizadas, impedindo outras possibilidades de ajustamento criativo funcional.
Portanto, o bloqueio de contato se torna patológico, quando o sujeito repete sempre um
padrão descontínuo no ciclo de contato, cristalizando-o, gerando um sintoma, e o autor faz
uma comparação com as definições descritas no DSM. O autor, utiliza o termo: estilos de
personalidade, para explicar as formas do indivíduo estar no mundo, e que são sustentados
pelos bloqueios ou descontinuações de contato. Todos os estilos, segundo o autor, possuem
um bloqueio de contato oposto e que se complementam. Por exemplo: o dessensibilizador
se opõe ao defletor, o introjetor ao projetor, o profletor ao retrofletor, o egotista ao confluente.
Ribeiro (2019) menciona que cada fase do ciclo de contato evidencia a relação polarizada
saúde e doença nas interrupções de contato, e que os bloqueios sinalizam formas e
movimentos criativos funcionais ou disfuncionais, e que podem se modificar a partir do
momento que os clientes se tornam awareness de suas formas existenciais
No presente artigo busca-se atentar para as interrupções de contato cristalizados,
disfuncionais e neuróticos. Ênio Brito Pinto, esclarece:

O apontar de caminhos que se pode depreender do estilo de personalidade


de cada cliente é feito grosso modo, devendo ser especificado cuidadosa e
continuamente para cada cliente em cada momento do processo terapêutico.
Vale repetir que não se podem enquadrar os indivíduos em um estilo “puro”
de personalidade, embora sempre haja um modo de ser prevalente. (PINTO,
2015, posição.868)

Portanto, as características descritas por cada autor, servem como uma “bússola”,
um norte na construção do diagnóstico processual que acontece fenomenologicamente em
cada encontro no setting terapêutico. Pinto (2015) observou em seus atendimentos, que
os clientes costumam expressar dois estilos de personalidade, um que predomina e outro
auxiliando em proximidade (conforme relatado no parágrafo anterior). As características
de personalidade descritas por Pinto revelam uma configuração ajustada pela fronteira de
contato do cliente, com seus valores, crenças, regras, experiências de vida, modos de ser,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 84


constructos cognitivos (organização de pensamentos e reflexões), corpo, relação socio-
cultural, etc em constante relação com o meio. E no contexto terapêutico isso é percebido
pelo Gestalt-terapeuta na relação dialógica, presentificado pelo aqui e agora, estabelecida
pelas diferentes fronteiras (terapeuta e cliente) que se encontram.
Pinto (2015), não elabora um desenvolvimento teórico de personalidade sobre
o bloqueio fixação, que segundo Ribeiro (2019) faz parte do início do ciclo de contato,
caracterizando-se como um apego excessivo sobre crenças, valores e pessoas,
ocasionando rigidez ao novo, e com medo excessivo de correr risco ao lidar com mudanças.
Este bloqueio ocorre na função id do self, e na fase fluidez do ciclo de contato.
De acordo com Pinto (2015) o ciclo se inicia com o bloqueio dessensibilização,
e tem proximidade com as personalidades esquizoide e esquizotípica do DSM. São
pessoas que possuem como característica tendenciosa ficarem isoladas como uma forma
de buscar um bem estar, e se satisfazem com um número reduzido de relações afetivas,
no meio profissional etc. No aspecto cognitivo são mais concretos e menos abstratos em
suas reflexões, e quando deprimidos os dessensibilizados apresentam uma intensidade na
ironia, e muitas vezes de forma sarcástica e se incomodam com elogios. Ribeiro (2019),
descreve a dessensibilização ocorrendo na função id do self, e na fase sensação do ciclo
de contato. É um processo em que o cliente tem dificuldades de se conscientizar das
sensações corporais, não discriminando o que é interno e externo, e não se motivando por
novas sensações de maior intensidade.
Pinto (2015), fala que no setting terapêutico, este cliente costuma apresentar como
queixa a ansiedade e o incomodo de sentir desejo em ficar sozinho. São clientes que
falam mais de si mesmo centrados em um discurso mais generalista e se distanciando de
um contato afetivo e produtivo com o Gestalt-terapeuta. Na verdade, são indivíduos que
usam de suas defesas discursivas para não entrar em contato com as suas fragilidades
emocionais, e assim exige do terapeuta muito cuidado para não ser muito invasivo
emocionalmente. O trabalho terapêutico deve ser direcionado para a conscientização do
contato corporal e proprioceptivo, utilizando as funções de contato (tato, paladar, olfato
e visão), mas sempre com muita delicadeza no manejo terapêutico. E também trabalhar
terapeuticamente a forma como expressam o humor em suas relações através da avaliação
reflexiva e crítica construtiva, atualizando novas formas de estar no mundo.
No segundo bloqueio, Ribeiro (2019), descreve a deflexão que ocorre na função
id do self, e na fase awareness no ciclo de contato. É um processo de estar em contato
de forma superficial, generalista e distante, a energia do Self é investida sem objetivo e
aprofundamento na relação. O sujeito se sente perdido, não compreendido e sem valor na
vida de forma geral.
Pinto (2015) define a deflexão como um modo de funcionamento de alta sensibilização
que o indivíduo sofre do ambiente. O autor faz uma relação próxima com a personalidade
histriônica descrito no DSM, em que este sujeito necessita de uma forte presença de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 85


socialização que acontece em um nível horizontal, ou seja, superficial. De acordo com
Pinto (2015, posição: 996) “Os defletores tendem ser ativos e a ter grande contato com
as sensações de prazer e de dor, vivenciando-as com intensidade”, e usam do contato
sexual para passar algum tipo de afeto, utilizando da sedução e controle. Na conexão com
o Gestalt-terapeuta, estes clientes expressam:

(...) imprevisibilidade do contato na terapia e da facilidade dessas


pessoas para defletir nos momentos mais decisivos e carregados de
energia das sessões, desviando-se para situações aparentemente inócuas,
desconsiderando a dedicação e a presença do terapeuta naquele momento,
depois de abrir Gestalten cujo fechamento procurarão evitar a todo custo.
(PINTO, 2015, posição 1043)

E assim, nos ajustes deflexivos neuróticos, o cliente possui uma dificuldade de


ampliar a awareness de mudanças profundas mais saudáveis na relação interpessoal e
intrapessoal. O desafio do Terapeuta é ajudá-lo a voltar a sua percepção mais para si e
diminuir a sua tendência de direcionar a atenção para o outro e o ambiente, alcançando
novas formas de atuação, transformando figuras obsoletas em experiências mais profundas
e funcionais, reconfigurando-se, e realizando suas necessidades de forma mais satisfatória
e saudável. (PINTO, 2015)
Ribeiro (2019) define o terceiro bloqueio: introjeção que acontece na função eu do
self e na fase de mobilização dentro do ciclo de contato. É um processo onde o sujeito
recebe normas, regras, ideias, conceitos recebidos pelo meio sem fazer algum tipo de
reflexão subjetiva, por medo da energia agressiva de si mesmo e do outro. Existe o desejo
de mudança, mas teme enfrentá-la.
Segundo Pinto (2015), o estilo introjetor tem semelhança à personalidade esquiva,
de acordo com o DSM, com características ansiosas e de paralisação. O autor, descreve
uma característica central deste bloqueio a fuga como um processo de se afastar de seus
contatos, pois tem receio de ser sofrer algum tipo de humilhação, e sustentam a crença de
negativar tudo que lhe possam acontecer, esperando sempre um acontecimento ruim no
meio em que se encontram. Perls (2015), relata que o introjetor apresenta dificuldades de
desenvolver o crescimento da sua própria personalidade, pois de alguma forma sustentam
algo (normas, crenças, regras, etc) que recebeu do meio, e que se tornou estranho e está
alojado em seu sistema, e não ocorreu a digestão psicológica. Pinto (2015), descreve
que são pessoas que tem medo da rejeição, possuem baixa autoestima, pessimismo e
um autoconceito corporal depreciativo, valorizando mais a dor que o prazer. Na relação
terapêutica, são pessoas que temem o contato físico, e ficam atentas e ansiosas por
uma possível rejeição por parte do terapeuta. O profissional Gestalt-terapeuta, necessita
ficar alerta aos medos que são expressados na relação dialógica, e buscar um manejo
interventivo com o objetivo do cliente se observar e se conhecer, auxiliando-o na tolerância
das dores existenciais e ansiedades que surgem, desenvolvendo uma segurança em lidar

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 86


com elas, através da reflexão dos introjetos acumulados e trabalhando crenças positivas
sobre si mesmo.
A próxima interrupção de contato é a projeção. De acordo com Ribeiro (2019), o
bloqueio acontece na função eu do self, e na fase da ação no ciclo de contato. O indivíduo
concede a outrem modos de ser e características pessoais que de alguma maneira o
incomodam. Segundo Perls (2015), na projeção o sujeito busca responsabilizar o meio o
que se encontra em seu próprio modo de ser, hipotetizando situações embasadas em suas
fantasias neuróticas.
Pinto (2015) faz uma relação do projetor com a personalidade paranoide no DSM,
tendo como característica predominante o enrijecimento do comportamento marcado pela
desconfiança, e se tornam pessoas muito vigilantes na atitude dos outros. Consideram a
relação de estar no mundo como algo perigoso, e se colocam em uma postura defensiva
para encarar algum tipo de estímulo hostil provocado pelo meio. E isto afeta diretamente na
percepção corporal, que está na maior parte do tempo tensionada pela postura luta e fuga.
Seus contatos se apresentam de forma mais cognitiva do que afetiva. Os estilos projetores
possuem uma dinâmica social muito restrita, e com dificuldades de estabelecer vínculos
duradouros, pois tendem a manifestar irritação, inveja e ciúme em suas relações.
O próximo bloqueio de contato é o profletor, e de acordo com Ponciano (2019), o
profletor está interrompido na função eu do self, e na fase de interação no ciclo de contato.
Este bloqueio de contato é caracterizado como o sujeito que manipula o outro, tornando-o
objeto de seu desejo e nutrição, e sempre com o objetivo de receber algo em troca desta
relação de manipulação. Há uma necessidade de ser reconhecido por este outro. O profletor
apresenta dificuldades de perceber a sua própria fonte de nutrição individual. Segundo Pinto
(2015), o estilo de personalidade profletor, de acordo com os critérios do DSM, assemelha-
se com o perfil borderline. Pois algumas características presentes no border encontram-
se presentes na personalidade profletor. Como por exemplo impulsividade e instabilidade
emocional. Além disso vivem um sentimento de abandono de forma muito acentuada e
todas essas demandas do perfil geram perigo tanto à pessoa como aos que a cercam. “As
palavras-chave aqui são ‘impulsividade’, abandono’ e ‘temeridade’.” (PINTO, 2015, p.100)
No estilo de personalidade profletor, questões que abrangem a identidade têm um
grande peso, ainda mais quando a confusão entre o outro e o próprio “eu” é acentuada.
Devido a isso, Pinto (2015) afirma que uma das grandes dificuldades do estilo de
personalidade profletor é a convivência.
O sexto estilo de personalidade é o retrofletor, e Perls (2015) descreve como uma
pessoa que utiliza e energia recebida do meio e não elabora, guarda para si, tratando a
si mesma como desejaria tratar a outrem. De acordo com Pinto (2015, p.108, 109) é “a
capacidade de se conter a fim de se portar de modo adequado”, isso porque faz parte
dessa personalidade a tendência a segurar-se, ou seja, o muito pensar, ruminar ideias,
dificuldade de relaxar. Está sempre alerta, pois entende que sempre pode fazer o que já

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 87


fez de uma forma melhor. São pessoas disciplinadas e atentas, mas essa atenção não é
às pessoas; diz respeito à sua autodisciplina. Pode lembrar a personalidade egotistas, mas
são diferentes, pois os egotistas querem provar sua superioridade e os de personalidade
retrofletora querem apenar provar que podem se superar.
Ribeiro (2019) menciona que o retrofletor apresenta o bloqueio na função
personalidade do self, e na fase contato final do ciclo de contato. E apresenta como
característica principal o modo de ocupar sempre o seu tempo de forma isolada, e no
envolvimento afetivo com alguém tem medo de se machucar emocionalmente ou fazer isso
com alguém. Tornando-se inimigo de si mesmo.
Pinto (2015) afirma que nos retrofletores a cognição está sempre em voga e é um
elemento confiável. São extremamente racionais, por isso experiências místicas nesse
perfil de personalidade é muito raro. É comum o retrofletor procurar a psicoterapia. São
clientes assíduos, cujos assuntos costumam girar sempre em torno de um mesmo tema.
Um cuidado que o terapeuta precisa tomar é que no fim das contas, para esse estilo de
personalidade, a terapia passa a ser apenas mais uma tarefa que precisam cumprir com
eficácia. Pagam em dia e acabam achando desnecessária e um desperdício de dinheiro,
embora raramente faltem.
Outro estilo de personalidade é o egotista, que tem como característica marcante
o fato de ser antissocial e narcisista, ou seja, dificuldade de vivenciar sentimentos,
principalmente os que são ligados ao que diz respeito à culpa e à empatia. Tendo como
característica mais marcante o autodomínio, afirmando de forma concreta sua potência.
(PINTO, 2015)
Segundo Ribeiro (2019), o egotismo é um bloqueio que ocorre na função
personalidade do self, e na fase satisfação no ciclo de contato. O autor descreve o
egotismo como uma forma de se colocar no centro das relações e interesses, atuando
no meio com um controle estereotipado em excessos de rigidez com o objetivo de se
manter em um status quo daquilo que já se conhece e tem controle, sem mudanças e
surpresas desagradáveis. A personalidade egotista tem um conflito nas relações de troca
(dar e receber) interpessoais. Ênio Brito Pinto (2015) explica que, com relação às pessoas
vivem constantemente à sensação de serem superiores à maioria delas, o que as tornam
suas constantes rivais. Para eles existe uma batalha a ser vencida todos os dias com
outros e consigo mesmos. Por isso a sua atenção sempre está voltada para a forma de
como são vistos. Além de serem altamente tocados pela crítica e por aplausos. Além de se
ressentirem com suas próprias derrotas e frustrações, pois afetam seu ego.
O Estilo de personalidade confluente, de acordo com Perls (2015), relata que o
indivíduo não consegue perceber uma diferenciação ou algo que impeça a relação do seu
self com o meio, se tornando uma coisa só. Perls (2015, p.52) descreve que “a pessoa
em que a confluência é um estado patológico, não pode discriminar entre o que ela é e
o que as outras pessoas são. Não sabe onde ele termina e começam os outros.” Pinto

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 88


(2015) menciona que o confluente tem similaridade com a personalidade dependente em
concordância com o DSM. A marca dessa personalidade é a forma intensa com que se doa
as pessoas. De acordo com o autor se unem com as pessoas em relações assimétricas,
pois assim se sentem essenciais, importantes.
Ribeiro (2019) menciona que a confluência é um bloqueio que ocorre na função
personalidade do self, e na fase retirada do ciclo de contato. Possui como característica
a ligação forte com os outros, com o objetivo de agradar o outro e o meio, aceitando que
este outro lhe direcione com decisões e atitudes, mesmo que lhe cause algum desconforto
pessoal. O confluente busca obter aceitação, pois teme ficar isolado. Segundo Pinto (2015),
a pessoa com o estilo de personalidade confluente pode tanto fazer grandes sacrifícios
pelas pessoas como proporcionar grande confusão devido ao excesso de zelo, devoção,
controle e cuidado exagerado. Isso, tanto às pessoas que necessitam quanto às pessoas
que não necessitam de cuidado algum. “Em crise, é comum terem desentendimentos por
causa do seu senso de dever ou da assimetria nas relações.” (PINTO, 2015, p.126).

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo a intensão foi demonstrar através de referenciais teóricos
o olhar que está para além daquilo que é tido como usualmente diagnosticado. Pois os
manuais que classificam o diagnóstico têm uma função, mas segundo a Gestalt-terapia não
se fecha neles. De acordo com Frazão (2015, p.85), “Elas descrevem o que há em comum
entre as pessoas portadoras de determinado distúrbio, mas não descrevem o conteúdo
singular delas em cada paciente, tampouco o seu significado.” Ainda assim, os autores não
têm a pretensão de que é um assunto que possa limitar-se a um ensaio, mas que demanda
inúmeros escritos e abre portas para excelentes e ricos debates.
Dito isso, considerou-se através das pesquisas, que o suporte baseado na filosofia
existencialista e fenomenológica da Gestalt-terapia evidencia e aprofunda sua teoria
humanista. Teoria essa que trabalhará a individualidade de cada pessoa de forma que cada
ser é único, possibilitando assim buscar a awareness através de ajustamentos criativos.
Avançando e trabalhando suas potencialidades que estão para além de diagnósticos
fechados, antes o olhar da Gestalt-terapia parte do pressuposto de que através de uma
relação dialógica terapeuta – cliente a compreensão diagnóstica vai sendo construída
em cada sessão e com a participação ativa do cliente, pois ele é o responsável pelo seu
crescimento dando sentido e significado a sua existência. Ou seja, como foi demonstrado,
através da observação no setting terapêutico, o profissional pode ir acompanhando o
diagnóstico flexível e mutável pelo qual seu cliente vai caminhando no decorrer do processo
e trabalhando isso durante o percurso da terapia.
Portanto, o olhar da Gestalt sobre o diagnóstico é antes de tudo humano, sem deixar
de ser profissional. Atento, sem deixar de ser livre. Teórico, sem deixar de ser criativo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 89


Aberto, fechando gestaltens para a liberdade do próprio ser de abrir outras e assim
sucessivamente porque a pessoa em sua potencialidade é livre para crescer e ser o melhor
que pode ser. A pessoa em totalidade e não a doença!

REFERÊNCIAS
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DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre:


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FRAZÃO, M, Lilian. “Um pouco de história...um pouco dos bastidores”. In: FRAZÃO, L, Meyer e
FUKUMITSU, K, Okajima. (orgs). Gestalt-terapia: fundamentos epistemológicos e influências
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LIMA, A, de V, Patricia. “Autorregulação organísmica e homeostase”. In: FRAZÃO, L, Meyer e


FUKUMITSU, K, Okajima. (orgs). Gestalt-terapia: conceitos fundamentais. São Paulo: Summus, 2014.

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MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-V. Porto Alegre:


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PERLS, Frederick Salomon. A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. 2.ed. Rio de
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PINTO, Ênio Brito. Elementos para uma compreensão diagnóstica em psicoterapia: o ciclo de
contato e os modos de ser. São Paulo: Summus, 2015. Formato: epub

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 2012.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. O ciclo de contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo:
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RODRIGUES, Hugo Elidio. Introdução à Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da
abordagem gestáltica. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

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na situação contemporânea: um olhar da clínica da gestalt-terapia. Rev. abordagem gestalt., Goiânia
, v. 21, n. 2, p. 193-201, dez. 2015 Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1809-68672015000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 24 out. 2020.

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ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 7 91


CAPÍTULO 8
doi
O QUE O ÓDIO AO(À) ‘BANDIDO(A)’ TEM A
DIZER SOBRE A SOCIEDADE BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA

Data de aceite: 01/02/2021 essa realidade, este trabalho objetiva refletir, pela
Data de submissão: 05/11/2020 perspectiva do existencialismo sartriano, mais
precisamente com o auxílio de seu pensamento
desenvolvido na obra Crítica da razão dialética,
sobre o que o crescente preconceito dirigido
Gabriela Araújo Fornari
ao(à) criminoso(a) pode elucidar sobre a atual
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
sociedade brasileira. Ao buscar compreender
Pesquisadora no Laboratório Interinstitucional
de Estudos e Pesquisa em Fenomenologia e como o preconceito se forma e quais as variáveis
Existencialismo - LIEPPFEX/CNPq, integrante que contribuem para a crescente adesão aos
do Grupo de Estudos em Fenomenologia e discursos de ódio, Sartre nos aponta dois
Existencialismo – GEFEX; Departamento de elementos presentes nesse processo: o primeiro
Psicologia, Universidade Estadual de Maringá refere-se à paixão em aderir determinada ideia
Maringá-PR, Brasil aliada ao senso de preservação do grupo; e o
http://lattes.cnpq.br/6496026273509250 segundo, funda-se nos mecanismos utilizados
Sylvia Mara Pires de Freitas pelos sujeitos diante da iminência da escassez
de recursos materiais. Ressalta-se ainda a
Docente no Curso de Psicologia, docente e
orientadora no Programa de Pós-graduação temporalidade como elemento fundamental para
em Psicologia, integrante do Laboratório compreender determinado fenômeno, pois há
Interinstitucional de Estudos e Pesquisa em relação direta entre o contexto socio-histórico e
Fenomenologia e Existencialismo - LIEPPFEX/ a visão da população para com as pessoas que
CNPq, coordenadora do Grupo de Estudos em cometeram crime(s). Conclui-se que atualmente
Fenomenologia e Existencialismo – GEFEX grande parte da população considera os(as) ex-
Departamento de Psicologia, Universidade presidiários(as) como uma ameaça ao seu poder
Estadual de Maringá de consumo e à sua sobrevivência, legitimando
Maringá-Paraná, Brasil através dessa ideia a contraviolência dirigida
http://lattes.cnpq.br/4057123879317140
a eles(as). Essa forma de violência, por sua
vez, tem sido efetivada por meio das tentativas
de retirada de direitos, da mistificação, do
RESUMO: O fenômeno do ódio ao(à) bandido(a) preconceito e da supressão da liberdade
tem sido constatado com grande expressividade daqueles(as) reduzidos(as) à identidade de
no Brasil durante os últimos anos. Seguindo “bandidos(as)”.
a tendência Latino-Americana, a onda PALAVRAS-CHAVE: Criminalidade, Preconceito,
conservadora tem assolado o país, atingindo Direitos humanos, Conservadorismo,
o cerne não apenas do sistema político, mas Existencialismo.
também as ideias e as relações interpessoais de
grande parte da população. Para compreender

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 92


WHAT DOES HATE TO THE “BANDIT” CAN TELL US ABOUT CONTEMPORARY
BRAZILIAN SOCIETY
ABSTRACT: The phenomenon of the hate of bandits has been observed with great
expressiveness in Brazil during the last few years. Following the Latin American trend, a
conservative wave has been plaguing the country, reaching not only the political system, but
also the ideas and interpersonal relationships of a large part of the population. To understand
this reality, this work aims to reflect, from the perspective of Sartrian existentialism, more
precisely with the help of his thought developed in the Critique of Dialectical Reason, about
what the growing prejudice directed to the criminal can elucidate about a current Brazilian
society. In seeking to understand how prejudice is formed and which variables contribute to the
growing adherence to hate speech, Sartre points out two elements present in this process: the
first refers to the passion to adhere to a specific idea coupled with the sense of preservation
of the group; and the second, is based on the devices used by the subjects of the imminent
scarcity of material resources. It is noteworthy that it is still a temporality as a fundamental
element to understand the phenomenon, as there is a direct relationship between the socio-
historical context and a view of the population towards the people who committed crime (s). It
is currently concluded that a large part of the population considers ex-prisoners as a threat to
their consumption power and their survival, legitimizing through this idea the contraviolence
directed at them. This form of violence, in turn, has been carried out through the measures
of withdrawal of rights, mystification, preconception and the suppression of freedom those
reduced to the identity of “bandits”.
KEYWORDS: Criminality, Preconception, Human rights, Conservatism, Existentialism.

1 | INTRODUÇÃO
Este trabalho é construído a partir da experiência de uma das autoras enquanto
bolsista acadêmica do Programa Patronato, vinculado à Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (UNIOESTE) Campus Toledo, durante o período de março de 2017 a janeiro
de 2019. Além desta atuação, o projeto de mestrado por ela desenvolvido no Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade Estadual de Maringá (PPI/UEM) tem
como tema de pesquisa a intersecção entre criminalidade, raça e gênero, partindo da
perspectiva dos sujeitos que cometeram crime(s) diante de suas próprias vivências. Essas
duas atividades a levaram à proximidade com o público denominado pelo senso comum
como “bandidos(as)”.
Percebe-se que o público, com o qual foi trabalhado no referido Programa
Patronato, e que atualmente é a população pesquisada no mestrado, vem sendo alvo de
inúmeros ataques nos últimos meses no país. A consciência deste fenômeno suscitou a
inquietação para buscar compreendê-lo. Destarte, neste trabalho, objetiva-se refletir sobre
o que esse crescente preconceito dirigido ao(à) criminoso(a) pode elucidar sobre a atual
sociedade brasileira. Considerando-se que a conduta desaprovadora diante das pessoas
que cometeram crime existe há séculos, acredita-se que esta reflexão é necessária, tendo
em conta o aumento da expressividade do preconceito e da violência nos últimos anos.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 93


A primeira parte deste trabalho contempla um apanhado geral sobre a legislação
e a execução penal brasileira, abarcando o contexto social que perpassou sua criação.
Na sequência terá como foco o fenômeno tratado como “ódio ao(à) bandido(à)”, e, por
conseguinte, a aproximação com o objeto de estudo. As partes subsequentes serão
destinadas à compreensão do preconceito, e a relação deste com a escassez, que será
alicerçada no pensamento existencialista de Jean-Paul Sartre. Por fim, serão tecidas
considerações sobre as pistas encontradas durante o trabalho que possibilitam uma maior
compreensão da população brasileira, e das relações inter e intrapessoais atuais.

2 | A LEGISLAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA


No interior da legislação brasileira encontra-se a Lei de Execuções Penais (LEP), nº
7.210, de 11 de julho de 1984, dispositivo que afirma em seu artigo 1º que “a execução penal
tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou de decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. De acordo
com Oliveira (2018), a execução penal brasileira se preocupa não apenas com as questões
relativas às penas impostas em caráter punitivo, mas também estabelece medidas que
visam a reabilitação do(a) condenado(a).
Nesse intuito, a LEP não apresenta como penalidade ao ato criminal, exclusivamente,
o regime fechado, tendo em conta que abre a possibilidade das penas e/ou medidas serem
cumpridas de forma alternativa, como em regime semiaberto ou aberto. Durante os anos
80, o meio jurídico reconheceu a impotência do cárcere diante dos objetivos para os quais
fora criado, sendo estes: a (re)educação, a oferta de novas oportunidades de ser e de
existir, e a diminuição da reincidência criminal. Sendo assim, diante desse movimento
autocrítico, a LEP foi criada apresentando pressupostos e métodos inovadores no campo
da compreensão, do cuidado e do trabalho com o sujeito nesse contexto.
Além do mais, a execução penal brasileira se rege pelos princípios da isonomia,
da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da individualização da pena e da
jurisdicionalidade. Evidencia-se que o princípio da isonomia está em consonância com a
Constituição Federal regente, de 1988, que em seu art. 5º estabelece que não deve haver
distinção entre as pessoas perante a lei, e no art. 3º, § VI assevera que a República do
Brasil objetiva proporcionar o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
A LEP foi desenvolvida tendo como pilar a individualização da pena, em razão
de apontar a necessidade de que a execução das modalidades penais considere as
características particulares de cada sujeito a recebê-las. A execução da legislação atual
torna indispensável o contato próximo entre a equipe do órgão de execução penal e o
público atendido. Essa atuação, pela perspectiva de humanização do processo penal,
possibilita a oferta de atividades que tenham maior potencial de produção de reflexão e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 94


de desenvolvimento de habilidades para cada um(a) dos(as) egressos(as) do sistema
prisional.
Efetivamente, o Programa Patronato é o órgão responsável pelo acompanhamento e
fiscalização da execução penal em meio aberto, funcionando como um Projeto de Extensão
de algumas Instituições de Ensino Superior (IES), sendo mantido pela Secretaria Estadual
de Segurança Pública (SESP) e pela a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (SETI).
O público atendido pelo Programa é composto por egressos(as) do sistema prisional
e por sujeitos que são beneficiados pelas penas e/ou medidas alternativas em meio
aberto. O trabalho é desenvolvido por equipe interdisciplinar composta por profissionais,
acadêmicos(as) e orientadores(as) das áreas de Psicologia, Direito, Pedagogia, Serviço
Social e Administração, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar as medidas impostas
judicialmente.
De fato, caso os pressupostos da LEP e seus órgãos de execução alcançarem
integralmente o desenvolvimento pleno de suas funções, será possível haver a
ressocialização de uma parcela significativa da população sentenciada atualmente.
Segundo Oliveira (2018), essa é a finalidade maior da execução penal, sendo o objetivo
mais expressivo a reintegração do(a) apenado(a) na comunidade, devendo este gozar de
direitos que atuem como um suporte para a sua mudança de conduta.

2.1 A execução penal na prática


Ao analisar como se apresenta na realidade a execução penal brasileira, encontra-
se nesse meio os vestígios das características presentes na nossa sociedade, como
os preceitos da heteronormatividade, da cisnormatividade e do racismo estrutural. Esta
afirmativa se respalda nos dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(INFOPEN) realizado em 2016, que relata que, apesar de 53% da população brasileira ser
negra, quando transposta para o sistema carcerário, essa população representa 64% das
pessoas detidas. Em relação ao gênero, de 2000 a 2016, houve um aumento de 656% da
população carcerária feminina, em contrapartida aos 157% do aumento geral nacional;
contudo, apenas 17% das penitenciárias atualmente são construídas considerando as
particularidades e as necessidades das mulheres – sejam elas cis ou transgênero.
Além da efetiva discriminação presente na execução penal, diversos jornais
estampam manchetes ilustrando a ideologia separatista e excludente presente no âmbito
político do país, como as condutas do ex-Ministro da Justiça e da Segurança Pública1, a
exemplo da matéria publicada em 08 de novembro de 2018 pelo site G1: “Moro defende
regras mais ‘duras’ para sistema prisional deixar de ser ‘leniente’ com detentos” 2; e a
1. Após dezesseis meses à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro pediu demissão do cargo
em 24 de abril de 2020, alegando tentativa de interferência do Presidente Jair Messias Bolsonaro na Polícia Federal e
seu descontentamento diante desta situação. Para maiores informações, sugiro a reportagem “Sergio Moro confirma
saída do Ministério da Justiça”, de Rodrigues para a Agência Brasil disponível na íntegra em: https://agenciabrasil.ebc.
com.br/politica/noticia/2020-04/sergio-moro-confirma-saida-do-ministerio-da-justica.
2. Reportagem na íntegra disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/11/08/moro-defende-regras-mais-

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 95


reportagem publicada em 06 de janeiro de 2019 pela Mídia Ninja intitulada: “Moro quer
intensificar o controle sobre corpos negros” 3. Ambas expõem intenções de ação do atual
governo no campo jurídico-penal que visam ressaltar o caráter punitivo do sistema penal
brasileiro, intensificando as inúmeras categorias de discriminação pela qual essas pessoas
passam, indo na contramão do objetivo educativo e ressocializador outrora prezado.
Diante disso, percebe-se que a realidade da execução penal, as manchetes e os
discursos políticos acerca desse tema tratam com irrelevância a vida e as particularidades
dos indivíduos que cometeram algum crime. São ignoradas as histórias singulares de cada
um, retrocedendo para o pensamento jurídico e social anterior à reforma penal efetivada
nos anos 80. Essa involução na perspectiva de compreensão da pessoa detida ou do(a)
ex-detento(a), desloca a concepção histórica, dialética e social do ser humano para tratar
esta população como pessoas determinadas, com o futuro fatalmente dado.

3 | O ÓDIO AO(À) “BANDIDO(A)”


A experiência de proximidade com as pessoas atendidas pelo Programa Patronato
auxiliou na compreensão da realidade vivida por elas ao saírem do regime fechado.
Constatou-se que os sujeitos atendidos se depararam, nessa transição, com uma realidade
nova, que implica principalmente serem identificados como ex-presidiários, ou seja, eles se
encontram com o olhar de muitos da comunidade, que os reificam exclusivamente como
um “criminoso”, independente do(s) delito(s) por eles cometido ou dos outros aspectos de
sua vida.
Outrossim, ficou evidente a intensificação do preconceito dirigido à essa população
nos últimos meses de experiência como bolsista no Patronato (segundo semestre de
2018). Este período coadunou com o fervoroso momento político e econômico pelo qual
o Brasil estava passando – e que prossegue até o momento atual. Na contramão do
contexto ideológico humanista em que as penas e medidas alternativas foram criadas, o
país reanimou a ideia conservadora de homogeneização do indivíduo que comete um ato
criminoso, na iminência de negar-lhe o trato humanizado, ao reduzir sua identidade a de
“bandido”.
A eleição presidencial realizada em 2018 no Brasil, mostrou uma particularidade
não vista em muitos países da América Latina, mais especificamente no segundo turno: um
candidato intitulado de esquerda concorrendo diretamente com um candidato da extrema
direita. Presumivelmente, as ideias de ambos se chocavam, por serem de vertentes políticas
divergentes. Por conseguinte, considerando o impacto direto da política sobre as relações
sociais do país, o embate entre os dois influenciou a população brasileira a se posicionar
diante de assuntos que estavam em pauta nas campanhas e nas propostas políticas, como,

-duras-para-sistema-prisional-deixar-de-ser-leniente-com-detentos.ghtml?fbclid=IwAR0tjGxgKdQbLVofDye51jgUv-
mIyR7ZeqDH-TzUD-wU1x7f6fJ_5H-tyUnY
3. Reportagem na íntegra disponível em: http://midianinja.org/news/moro-quer-intensificar-o-controle-de-corpos-negros/

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 96


por exemplo, a violência contra a mulher, a facilitação do porte de armas e a pena de morte
para pessoas que cometem determinados crimes.
Esse contexto levou o povo à euforia, pois esse era o assunto mais falado nos
programas de televisão, de rádio, na internet, nas rodas de amigos(as), nas universidades,
nos locais de trabalho etc. Embarcando nesse enredo incomum nos últimos anos no
Brasil, muitos puderam legitimar suas ideias conservadoras através da receptividade
dada ao candidato de extrema direita, tendo em conta que este expunha seus valores
discriminatórios de forma livre e sem qualquer pudor. Parte da população passou, à vista
disto, a expressar suas ideias justificadas na deformada instância “liberdade de expressão”,
revelando concepções desumanizadas sobre o ser humano, principalmente no tocante
àqueles que cometeram crimes.
Além do estigma moralizante sobre este último grupo, o Presidente da República
eleito (a saber, o acima mencionado candidato de extrema direita) efetivou a nomeação
de Ministros(as) que alicerçam suas ações na punição sobre os corpos e coerções sobre
a liberdade de expressão. Especialmente o bordão “bandido bom é bandido morto” se
apresentou como uma das ideologias motrizes para que o atual Presidente conquistasse a
chefia de Estado e do Governo da República Federativa do Brasil, e vem sendo propagada
nas condutas do governo.
A eleição de um governo com tal ideologia segue o movimento conservador que
assola a América Latina e o mundo, com líderes que alcançam o poder através de ideologias
que exaltam os bons costumes, a família, o patriotismo, e a diminuição da interferência do
Estado na economia particular. Odilla (2018) enfatiza que os países com maiores problemas
relacionados à segurança e à economia tendem a ser mais receptivos a essas propostas,
como consequência da dificuldade de se conceber uma saída alternativa para a situação
precária em que a maioria da população vive, e pela proximidade com a ameaça trazida
pela escassez de recursos.
Como governante eleito, vislumbra-se a tentativa do atual Presidente da República
de desmontar o Estatuto do Desarmamento, instaurado em 2003 e jamais alterado
anteriormente. Por propor alterações inconstitucionais, suas intenções não se consolidaram
completamente. Contudo, uma conquista para o novo Governo foi o aumento das categorias
de pessoas que têm direito ao porte de armas (direito de andar armado) no país, como
apresentado na reportagem intitulada “’Absoluto desastre’: Bolsonaro libera porte de armas
para mais de 19 milhões de pessoas”4, publicada pelo jornal espanhol El País, em 10 de
maio de 2019. Essa tentativa de mudança se cunha no discurso do Presidente, apresentado
ainda no período de eleição, em que sustentou a bandeira de morte aos(às) bandidos(as),
mesmo que partindo da própria população.
Seguindo essa direção, o ex-Ministro da Justiça Sergio Moro apresentou como forma
de facilitar a atuação do ideal do Governo, a proposta do Pacote Anticrime. Nele, consta
4. Reportagem na íntegra disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/08/politica/1557344559_959983.html

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 97


a intenção de exclusão da ilicitude nos casos de assassinatos cometidos por parte dos
agentes do Estado, facilitando e validando a atuação perversa da polícia, como retratado
na reportagem: “Pacote ‘anticrime’ de Moro atinge diretamente a população periférica”5,
publicada pela Carta Capital em 15 de julho de 2019. Além disso, no mesmo Pacote, o
Ministro propôs que determinados crimes, como corrupção e participação em organização
criminosa, tivessem obrigatoriedade de serem cumpridos inicialmente em regime fechado,
o que infringe o princípio de individualização da pena do Código Penal. Por inúmeras
razões, ambas as propostas foram consideradas inconstitucionais, e não foram aprovadas
pelo Congresso.
Reverberando no Paraná, os órgãos responsáveis pela manutenção do Patronato
decidiram encerrar as atividades deste Programa no Estado, uma vez que se apresentam
envoltos na esteira de aversão do Governo vigente à pessoa presa e/ou egressa do
sistema penitenciário. Como relata Dallago (2020), a deliberação pelo fechamento ocorreu
pelas mudanças que o Departamento Penitenciário (DEPEN) impôs à continuação do
Programa, que previam a retirada de elementos basilares para a continuidade da atuação
da Universidade no Programa (como a não renovação dos contratos de professores(as)-
orientadores(as) e acadêmicos(as) bolsistas), o que fez com que os membros da SETI
considerassem que não havia mais sentido dessa pasta continuar investindo no projeto.
Dessa forma, a partir de janeiro de 2020 os órgãos responsáveis pelo acompanhamento e
fiscalização dos atendimentos em meio aberto no Paraná, passaram a ser responsabilidade
apenas da Depen e da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP).

4 | COMPREENDENDO O PRECONCEITO PELA PERSPECTIVA DO


EXISTENCIALISMO DE SARTRE
Para compreender como o preconceito se forma e quais as variáveis que contribuem
para a crescente adesão aos discursos de ódio, Sartre nos dá pistas em sua obra A Questão
Judaica, publicada originalmente em 1946, no final da Segunda Guerra Mundial. O autor
aponta dois elementos presentes nesse processo: a paixão em aderir determinada ideia
aliada ao pertencimento a um grupo, e o senso de preservação do grupo.
Ao tratar sobre a consciência emocional, Sartre (2014) afirma que ela é primeiramente
irrefletida, pois se apresenta como uma consciência do mundo. A emoção, portanto, é
um modo de ser da consciência, e está diretamente ligada a forma com que o sujeito
compreende o mundo ao seu redor. Aquilo do campo objetivo que ele não é capaz de
conceber, é apreendido de maneira modificada através da consciência emotiva, haja vista
esta atribuir ao visado uma outra qualidade. Não é correto afirmar a impossibilidade de
haver um processo reflexivo e crítico direcionado à conduta emotiva; porém, segundo Sartre
(2014, p. 82), “as emoções regem as relações intrapsíquicas dos homens em sociedade,
5. Reportagem na íntegra disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/perifaconnection/pacote-anticrime-de-
-moro-atinge-diretamente-a-populacao-periferica-3

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 98


mais precisamente nossa percepção do outro”. Por haver no outro um inferno que remete
o indivíduo ao seu próprio Ser, é espontâneo que deixe a consciência emotiva alterar as
qualidades desse outro.
Certamente, ao estabelecer ações guiadas pela consciência emocional do mundo
e do outro, é excluída a ocorrência de um processo reflexivo-crítico diante da realidade e
das relações interpessoais. Assim, as ações são guiadas através da consciência irreflexiva,
coadunando com o que Sartre (2014, p. 58, grifo do autor) alerta ao afirmar que muitas
vezes “uma operação sobre o universo se executa, na maioria das vezes, sem que o sujeito
abandone o plano irrefletido”.
Nesse sentido, Sartre (1943) afirma que uma pessoa preconceituosa apresenta
uma paixão dirigida à uma ideia, e esse movimento exclui o desenvolvimento de uma
conduta crítica e reflexiva diante da realidade e dos desdobramentos que sua atitude pode
ocasionar. Sartre indica que essa paixão pela ideia une as pessoas em um grupo, e na
medida em que a singularidade se dilui no grupo, o sujeito se sente mais à vontade para
expressar suas ideias que podem ser censuradas por terceiros exteriores ao grupo – dado
que seu entendimento é de que “não fala por ele”, mas pelo grupo ao qual pertence. Esse
senso de pertencimento e essa paixão seduzem muitas pessoas, a ponto de defenderem
as ideologias desumanizantes e tiranas sem refletirem sobre como a apreendem.
O processo aqui indicado é extremamente preocupante, principalmente no que diz
respeito à impossibilidade de coexistirem a paixão e o senso crítico. A paixão por uma ideia
inviabiliza a reflexão crítica desses sujeitos diante da realidade social e, como resultado,
das consequências de seus atos. Ainda, forjar opiniões individuais, entendendo que a
singularidade dos indivíduos se dilui num coletivo, como se esse coletivo fosse um Ser
maciço, oportuniza que palavras de ódio e ações violentas sejam validadas pelo mesmo, e
por outros que com ele se identificam, sem preocupações relativas à dignidade humana e à
saúde mental daqueles aos quais o sentimento de ódio e a violência são dirigidos.
Seguindo os apontamentos de Sartre (1955) sobre a origem do preconceito, o
segundo ponto apresentado por ele diz respeito à proteção do grupo. Para essa análise é
necessário mencionar que Sartre apresenta na obra Crítica da razão dialética, publicada
originalmente em 1960, a escassez6 material como elemento importante para a constituição
do sujeito e dos grupos. Com essa ideia, o autor apresenta a constante escassez de
recursos como mote para a matéria se apresentar como um meio pelo qual as relações
sociais ocorrem, causando perpétua tensão entre homem e ambiente. Dessa forma, a
práxis dos sujeitos ocorre num campo de escassez, uma vez que eles a interiorizam, ainda
que na tentativa de superá-la, e agem sobre ela.
Nesse cenário, o consumo de determinado produto por um grupo com poder
aquisitivo, retira a possibilidade de consumo desse mesmo objeto por parte de outro grupo

6. Com escassez Sartre (2002) menciona a existência em quantidade insuficiente de recursos naturais para toda a
população em determinado campo social.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 99


com baixo poder aquisitivo. Sartre (2002) observa que cada sociedade demarca os limites
da escassez, definindo quais grupos de pessoas são designados com a impossibilidade
do consumo. Em outras palavras, ao compreender a escassez enquanto possibilidade de
aniquilação do sujeito, este é levado a designar o outro (ou um outro grupo) como não-
consumidores desse mesmo bem, para assim assegurar sua sobrevivência. O conceito de
escassez ilumina o fato de que o conservadorismo possui raiz na classe média, tendo o
aspecto econômico da ideologia liberal bastante expressivo e norteador das demais ideias
e condutas dos adeptos a ela.
Em outras palavras, na medida em que a classe média conservadora passa a
distinguir a população entre possuidores e não possuidores (de bens), ela (a classe média)
compreende-se entre os primeiros. Assim, torna-se necessário para o bem-estar e proteção
do grupo ao qual pertence, a produção daqueles que não são possuidores, acusando
precisamente que esses não gozam da possibilidade de consumir. Com esse processo
instala-se a conduta de depreciação deste outro grupo (o dos mais pobres), uma vez que
são vistos como ameaça à sobrevivência dos primeiros.
Considerando a voracidade com que essa distinção ocorre, Sartre (2002) explica que
na medida em que o Outro se torna objetivamente perigoso para a minha sobrevivência, a
agressividade a ele dirigida tem base na necessidade, ainda que essa necessidade já tenha
sido saciada. Nesse combate há a intenção de destruição do Outro, não apenas do perigo
da escassez. Assim, a violência destinada ao Outro toma forma de uma contraviolência,
tendo em vista ser uma resposta à uma provocação, mesmo que essa violência do Outro
não seja objetivamente real – a não ser enquanto motivação para a legitimação desse
processo. Nesse sentido, matar, excluir, retirar direitos ou simplesmente mistificar, exprime
o objetivo maior de suprimir a liberdade da força inimiga, em prol da própria sobrevivência
individual ou do grupo.
Aliando ambos os elementos apresentados, a classe média passa a encontrar no(a)
denominado(a) “criminoso(a)”, um dos principais focos de seu ódio, uma vez que este
tende a ter em si a característica mais marcante de não possuidor(a) de bens, e deve ser
mantido(a) longe do grupo detentor dos bens materiais. Na condição de apresentarem uma
paixão à essa ideia, a reflexão aprofundada sobre a complexidade de um ato considerado
criminoso não é desenvolvida, fazendo do ódio ao(à) “marginal” uma bandeira ovacionada.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar o preconceito dirigido ao(à) criminoso(a) no Brasil, o caráter temporal
desse fenômeno fica evidenciado, pois percebe-se a relação direta entre o contexto socio-
histórico de determinado local e a visão da população para com as pessoas que cometeram
crime(s). O contexto social que originou a criação das penas e medidas alternativas no
país, na década de 80, é extremamente discrepante do momento vivido hoje – se numa

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 100


época a ideologia humanista estava em alta, em outra, os ideais conservadores assumem
o posto.
O ódio ao(à) bandido(a) no Brasil contemporâneo, é um indicador significativo
das ideias conservadoras que atingem este país. Sinaliza-se o sedutor equívoco de
desumanizar determinados sujeitos ou grupos de pessoas, na intenção de assegurar alguns
privilégios pessoais. O trato do(a) “bandido(a)” enquanto ser desumano, indica a realidade
já observada por Sartre (2002), em que a violência do ódio em busca da sobrevivência faz
com que esse outro seja visto como uma ameaça, legitimando a prática da contraviolência,
como mencionado.
É sabido que esse processo se intensifica quando a proximidade com a escassez
se torna eminente. No Brasil, esse processo aparece através do aumento da taxa de
desemprego nos últimos anos, acentuando a disputa entre a população, pois cada pessoa
passa a ser considerada concorrente direta de todas as outras, na luta pelo consumo
de bens. Nesse cenário, as tentativas de diminuir as desigualdades tornam-se ameaças
àqueles que, de alguma forma, ainda conseguem manter os recursos necessários para a
própria sobrevivência.
Destaca-se que a maior parte dos(as) adeptos(as) ao discurso conservador tende a
apresentar conduta emotiva da realidade, isto é, captam o mundo através da consciência
emotiva, e sem demonstrarem o desenvolvimento, posterior, de um pensamento reflexivo
e crítico. Contudo, não se anula a possibilidade de haver uma conduta reflexiva diante
das ações e pensamentos conservadores, principalmente se for considerado o aspecto
temporal e a liberdade de todo sujeito.
Outrossim, durante a pesquisa por materiais acerca da criminalidade, notou-se que
a maioria expressiva de matérias de jornais, artigos científicos, discursos políticos e afins
parte da perspectiva do outro diante do crime, e não daquele(a) que o comete. Ademais,
é corriqueiro encontrar pessoas, grupos e instituições que apresentam opinião aberta
sobre a criminalidade, expressando inúmeras acepções acerca do tema; mas, dificilmente
se observa um espaço de fala que objetive ouvir e compreender a realidade segundo os
próprios sujeitos da ação ajuizada criminosa. Nota-se, portanto, que essa constatação
converge com o movimento de desumanização do sujeito que comete um ato criminoso.
Considera-se imprescindível para a Psicologia pensar sobre as contradições dos
aspectos sociais, histórico e político, quando se intenta compreender qualquer fenômeno.
Diante da criminalidade não seria diferente: é fundamental olhar para as contingências,
objetivando-se entender a realidade (universal e singular) daqueles(as) que nutrem o ódio
ao(à) bandido(a), como também das pessoas que encontraram na criminalidade o caminho
para superar suas condições sociomateriais. Uma análise crítica nos indica que ambos são
construídos mutuamente.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 101


REFERÊNCIAS
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www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 01 jul. 2019.

COSTA, Joel Luiz. Pacote ‘anticrime’ de Moro atinge diretamente a população periférica. Carta Capital,
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(INFOPEN) 2017. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-
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FERREIRA, Jorge. Moro quer intensificar o controle de corpos negros. Mídia Ninja, [S. l.], 6 jan. 2019.
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MATOSO, Gabriel Palma e Filipe. Moro defende regras mais ‘duras’ para sistema prisional deixar de
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OLIVEIRA, Claudia Rafaela. Execução Penal. JUS, [S. l.], jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/
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SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Porto Alegre: L&PM, 2014 (Obra original
publicada em 1939).

SARTRE, Jean-Paul. A questão judaica. São Paulo: Ática, 1955 (Obra original publicada em 1946).

SARTRE, Jean-Paul. Crítica da razão dialética: precedido por Questão de Método. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002 (Obra original publicada em 1960).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 8 102


CAPÍTULO 9
doi
GRUPO DE APOIO NA CLÍNICA AMPLIADA PARA OS
USUÁRIOS DO CENTRO POP

Data de aceite: 01/02/2021 Outro objetivo foi verificar se existe adesão para
essa proposta de suporte e cuidado. Foram
realizados dez encontros, os quais totalizaram
33 participantes. Os instrumentos utilizados
Karine da Cunha Leou
para a coleta foram: registro dos encontros e
Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná
dinâmicas de interação. Os principais temas que
Marcos Moraes de Mendonça repercutiram durante os grupos foram: família,
Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná a vivência na rua, drogadição, oportunidade
de trabalho, motivação e enfrentamento das
Kelly Cristina Borges da Silva
situações do cotidiano. Dados obtidos apontam
Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná
para a relevância de intervenções grupais,
Andressa Maria de Oliveira principalmente na área da saúde e no social,
Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná além de instigar futuras investigações focadas
para essa população que utiliza os serviços
Fabiana Cabral Gonçalves do Centro POP, como auxílio na redução de
Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná danos, moradia, acompanhamento psiquiátrico
Meire Perpétua Vieira Pinto e psicológico, tendo como base essas carestias
Orientadora - Esp. em Psicoterapia de repercutidas durantes os encontros. Considera-
Orientação Psicanalítica. Uniamérica, Foz do se que esse tipo de intervenção possibilita
Iguaçu, Paraná uma maneira de resgatar a existência da
individualidade e humanidade dessa população
em situação de rua, os quais têm experiências de
vida e possibilidade de contribuir na sociedade.
RESUMO: Com o aumento da população em PALAVRAS-CHAVE: População em Situação de
situação de rua, no contexto de Foz do Iguaçu, Rua, Grupo de apoio, Clínica ampliada.
verifica-se comprometimentos em vários âmbitos
da saúde. Suas formas de sobrevivências
1 | INTRODUÇÃO
envolvem o estigma sofrido por suas presenças
em meio ao público, a insalubridade, insegurança Sujeitos em situação de rua são
e outras variáveis prejudiciais. Devido a isso, expostos a contextos de alta vulnerabilidade
essa pesquisa de caráter qualitativo teve como como: violência (física, psicológica e sexual),
objetivo realizar um grupo de apoio heterogêneo
negligência, insegurança alimentar, ingestão de
e aberto com a função de troca de experiências e
água não tratada, sono prejudicado, variações
reflexões aos usuários do Centro de Referência
Especializado de Atendimento à População em de clima, autocuidados precários. Além de
Situação de Rua (Centro POP) de Foz do Iguaçu. perpassar por diversos comprometimentos na

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 103


qualidade de vida, desde a saúde no âmbito físico ao psicológico, também existe o fator
social que apresenta-se como um importante aliado para a criação de estigmas, as quais
corroboram para sua exclusão social, consequentemente, perdem-se suas identidades à
medida que continuam em situação de rua. (FISHER ET AL., 2013).
Uma pesquisa realizada em 2014 no município de Belo Horizonte destaca que 94%
do público em situação de rua querem deixar as ruas; 52,2% foram para rua por motivos
familiares;47,2% por falta de trabalho; 87,3% exerce trabalho informal remunerado em
condições inapropriadas; 86,8% são homens; 82,2% sabe ler e escrever; 48.5% não utilizam
drogas ou álcool e 43,6% tem depressão (LIMA, 2015). Dados apontam a dificuldade dessa
população aos direitos de cidadania, com isso, aumenta-se o índice da exclusão social.
Essas observações são indispensáveis para realizar intervenções objetivas e
eficazes, pois além desta fragilidade há também presentes obstáculos, sofrimento e
prejuízos que dão continuidade no comprometimento do desenvolvimento integral destas
pessoas, uma vez que suas dinâmicas de rua compõem um conjunto de atividades para
sobrevivência, como traz Campos e Souza (2013), configura-se: em conseguir dinheiro,
procurar locais para dormir, alimentação e higiene pessoal, uso de substância psicoativas
e a ausência de referência temporal.
Os motivos que levam as pessoas a morarem nas ruas são diversos, podendo
envolver ao prejuízos dos vínculos familiares, desemprego, violência, baixa auto-estima,
alcoolismo, drogadição, doença mental, perda de algum ente querido, entre outros.
Segundo Motta (2005) são histórias de rupturas sucessivas e que, com muita freqüência,
estão associadas ao uso de álcool e drogas, não só pela pessoa que está na rua, mas pelos
outros membros da família e outrem.
Com a necessidade de uma intervenção frente à essa população, iniciou-se a busca
de estratégias para melhorar a qualidade de vida no aspecto individual e de sociabilidade.
Por isso, o Ministério da Saúde (2009) trouxe a perspectiva da clínica ampliada, o qual
compreende a extensão e o compartilhamento da clínica nas relações entre comunidade
e serviço com enfoque diferente. A proposta não se limita aos conceitos de instituição ou
clínica convencional, pois o principal objetivo é abranger aos pacientes que apresentam
baixa adesão a tratamentos, os refratários e a complexidade dos sujeitos mais vulneráveis
que precisam dos serviços de saúde. (BRASIL, 2009).
Foram desenvolvidas juntamente com as Políticas Nacionais de Assistência a
Pessoas em Situação de Rua, em 2009 na tentativa de unificar uma rede intersetorial
de gestão à esta população, juntamente com a elaboração dos comitês cujo função é
elaborar planos de ação, desenvolver indicadores de monitoramento, de promover estudos
e pesquisa com esse público (LIMA, 2015, p. 268). A Política Nacional para a População
em Situação de Rua (PNPR) traz que o:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 104


“Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema,
os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de
moradia convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas
degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou
permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário
ou como moradia provisória (Decreto nº 7053/2009, art. 1º, Parágrafo Único)”

A delegação de pejorativos para à população em situação de rua, com que condiz a


percepção social, são denominados como “marginais”. Segundo Mattos e Ferreira (2004), a
negligência desta população tem gerado dificuldades da criação de uma identidade pessoal,
devido a permanência de um sentimento de vergonha e humilhação. Por isso, profissionais
e pesquisadores da saúde, além de ter a responsabilidade de obter conhecimento sobre
suas respectivas áreas de atuação e acolher a realidade, pensaram em mudanças que
proporcionam uma perspectiva ampliada de valorização da vida e o papel da cidadania.
Nesse sentido, possibilitam um ângulo diferenciado às pessoas em situação de rua que
vivenciam o uso de drogadição. (JORGE E WEBSTER, 2012).
Outra informação importante para esta pesquisa, se refere à Política Nacional de
Assistência Social (PNAS/2004) e a Norma Operacional Básica (NOB-SUAS/2005) a qual
se apresenta como um desafio da implementação do Sistema Único de Assistência Social
- SUAS, para assegurar a gestão e à qualificação da oferta dos serviços. Em 2009, foi
aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) a Resolução nº 109/2009,
que trata da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, discorrendo sobre os
serviços da proteção social especial de média e alta complexibilidade, caracterizando o
Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. Com o objetivo de contribuir na
organização e aprimoramento dos serviços de Proteção Social Especial, criou-se o Centro
de Referência Especializado para População em Situação de Rua. (BRASIL, 2011)
De acordo com o Caderno do Centro POP, esta instituição é constituída por unidades
de emergência para atendimento às pessoas em situação de rua, com o intuito de garantir
à esses indivíduos e famílias, acolhimento temporário e condições para autocuidado,
autonomia e alimentação diária. (BRASIL, 2011)
Por esse motivo, a técnica do grupo de apoio tornou-se interessante, uma vez que
abre espaço para o compartilhamento de atitudes positivas, ao proporcionar confiança
e esperança, no processo de reconhecer que não é o único a sofrer com situações
semelhantes. Leva a integração dos participantes em suas próprias experiências, além
de expressar sua perspectiva atual, contribui para uma sensação de melhora e bem-estar,
devido a intervenção que repercutem ao desenvolvimento emocional, afetivo e social.
(BECHELLI, 2004)
Com a finalidade de possibilitar um procedimento terapêutico como recursos para
aliviar sentimentos negativos, troca de experiências e reflexões, o objetivo desse estudo
foi de conhecer a percepção dos usuários do Centro POP que estão em situação de rua,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 105


por meio da técnica e estratégia do grupo de apoio e verificar se existe adesão para essa
proposta de suporte e cuidado.

2 | MÉTODO

2.1 Participantes
Participaram desta pesquisa 33 usuários do Centro de Referência Especializado em
Atendimentos à População em Situação de Rua situado em Foz do Iguaçu. Sendo 9,09%
do sexo feminino e 90,91% do sexo masculino entre 20 a 73 anos.

Masculino 90,91%

Feminino 9,09%

Tabela 1. Quantidade de participantes da pesquisa por sexo.


Fonte: Os autores (2019)

2.2 Instrumentos
Foi utilizado para essa pesquisa a ferramenta de grupo de apoio, com reuniões uma
vez por semana, o qual propôs um espaço para reflexões sobre a vida, para compartilhar
experiências, acolhimento e escuta ativa.
A escolha do tema e local foi aprovado e autorizado pelo órgão local, cada
participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido seguindo um protocolo
ético para a pesquisa documental, foi utilizado conteúdos de produções científicas e
cartilhas relacionadas ao tema.

2.3 Local
O projeto foi realizado no Centro de Referência Especializado para População em
Situação de Rua (CENTRO POP). Situado na rua Monsenhor Guilherme, Nº527 em Foz do
Iguaçu - PR. O horário de funcionamento ocorre de segunda a domingo, das 07:00 às 18:00.
Funciona como uma unidade de emergência para as pessoas que estão em situação de
rua possam realizar sua higiene pessoal, alimentação, lavar roupas, descansar e receber
encaminhamentos de acordo com suas necessidades para outros locais, como: unidades
de saúde, Centro de Referência de Assistência Social para a verificação de documentos
ou auxílio-benefício, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, albergues e outros.
No que condiz ao espaço físico destinado aos encontros, cabe ressaltar que é um
ambiente arejado, livre de ruídos externos e propício para trabalhar o sigilo, desta forma
os participantes puderam ficar à vontade para expressar sentimentos, comportamentos e
pensamentos sem serem julgados.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 106


2.4 Procedimentos
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, fundamentada em
enfoque descritivo-exploratório. Levando-se em conta as ideias iniciais já apresentadas,
um grupo de apoio foi oferecido aos usuários do Centro POP que estão em situação de rua.
A estrutura desse projeto teve como base encontros semanais cujo objetivo foi
proporcionar uma escuta ativa, acolher os relatos e intervir de acordo com a demanda
trazida, na tentativa de promover autonomia e aumentar a probabilidade de adesão aos
encaminhamentos realizados pela instituição. Além disso, vale ressaltar que a participação
foi de cunho não obrigatório, o qual todos puderam se expressar de forma espontânea e
sem julgamentos.
Para incentivar esse ambiente, foi deixado uma Caixa das Emoções, a qual
permaneceu durante a semana como um meio para os usuários do Centro POP registrarem
suas emoções, sentimentos, histórias e etc. Isto porque, a expressão de sentimentos tende
a proporcionar sensações e sentimentos relacionados ao bem-estar.
No início dos encontros os usuários eram convidados individualmente a participar
do grupo. Cabe evidenciar que a composição do grupo não era fixa, visto que essa é
a dinâmica de funcionamento da instituição. Portanto, a cada encontro realizava-se a
apresentação dos participantes, o objetivo do grupo e o tema trazido variava de acordo com
o que emergiu dos relatos, mesmo que fosse coerente com o planejamento de intervenção
realizado pelos condutores do grupo.
Foram realizados no total dez encontros. As intervenções almejavam a compreensão
das experiências, ao passo do suporte emocional. Procurou-se incentivar os relatos,
buscou-se propor um ambiente de compartilhamento, com o máximo de integração, com
isso, foi utilizado um Objeto da Palavra, o qual se refere à um objeto com significado
especial para o grupo. Somente quem tem sua posse pode falar, na tentativa de evitar a
monopolização da fala.
Durante as dinâmicas realizadas no grupo foram utilizadas conversas informais,
atividades temáticas, com o intuito de fortalecer os vínculos dos participantes, de
ressignificar as relações sociais e as histórias de vida de cada um, buscando-se resgatar a
identidade e fortalecer autoestima.
Por fim, é importante destacar que os nomes verdadeiros dos participantes dessa
pesquisas foram substituídos, garantindo a preservação do anonimato, com a distribuição
de nomes fictícios.

3 | RESULTADOS
Ao convidá-los para participar do grupo de apoio, foi possível observar nos
participantes dúvidas, receios e desconfianças, em outros simpatia e uma oportunidade de
obter algum benefício.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 107


No início dos grupos, o estímulo dos condutores foi necessário para criar um
ambiente propício a uma fala contínua dos participantes, desta forma, foi realizado
o acolhimento e desenvolvido uma fluidez no grupo. Foram selecionados relatos das
experiências de vida, para compreender os vínculos, desafios e contribuições.
Na tabela 2, pode ser analisado a perspectiva dos condutores na distribuição dos 10
encontros, com o número de participantes, de acordo com a fala e seus desenvolvimento
individual:

Encontros Desenvolvimento Processo Grupal

1°Encontro Foi discutido o convívio diário dos usuários Devido ao grande número de participantes e
do Centro POP, assim como os desafios de o tempo limitado, não foi possível todos se
12 pessoas viver na rua, foram desenvolvidos temas pronunciarem, em sua maioria, preferiram
participando. como o uso de drogas, seus desafios e a escutar, ao invés de falar. Realizado o
16/03/2019 problemática em estar sozinho, na rua. No acolhimento dos relatos a respeito da
que condiz as técnicas do grupo foi possível vivência nas ruas, foi iniciado o processo
trabalhar o sigilo, o acolhimento e o respeito. de identificação dos participantes e
compartilhamento de experiências.

2°Encontro Foi possível discutir e acolher todos os Os relatos foram suas perspectivas no que
relatos, devido ao número de participantes condiz à serem tratados como “pessoas
6 pessoas reduzido. Nesse encontro foi trabalhado a invisíveis”, “pedintes”, “bandidos”, “drogados”
participando, rotina dos participantes, como: os desafios e etc. A maioria trouxe a meta de parar de
sendo que 2 já vividos no dia a dia, seus objetivos de vida utilizar drogas, tentar sair da situação de
haviam participado a curto prazo. rua. Foi possível verificar a importância da
anteriormente. atenção à essa população.
23/03/2019

3°Encontro Foi apresentado o objeto da palavra, Foi realizado o acolhimento das emoções
juntamente a caixa das emoções como que foram transparecidas devido às
6 pessoas ferramenta de extensão do grupo. Feito a dinâmicas realizadas, em sua maioria,
participaram, troca de experiências entre os participantes, relataram familiares que gostariam de
sendo que 4 já por meio de duas dinâmicas, a técnica de rever, do desejo de reviver momentos e a
haviam participado relaxamento por meio da respiração e a do presença do sentimento de arrependimento
anteriormente. sopro da vida, feito com velas que trazem da atual situação, além da troca dialógica de
30/03/2019 reflexões sobre a utilização do tempo atual superação e motivação entre os participantes.
em relação a perspectiva para o futuro.

4°Encontro Foi utilizado o objeto da palavra para manejo Dois participantes compartilharam suas
do grupo. Feito o acolhimento dos relatos, frustrações em relação a situação atual,
12 pessoas por meio da realização da dinâmica trazida o grupo pode acolhê-los. Teve presente
participaram, sendo do “papel amassado”, o qual proporciona uma participante com surto psicótico, a
que 1 já havia a reflexão sobre o “controle da vida” e os qual dificultou a dinâmica do grupo, porém,
participado. comportamentos relacionados. mesmo com esse comprometimento, foi
06/04/2019 possível realizar uma troca de experiências e
palavras de incentivo.

5°Encontro Foi trazido discussões ampla sobre as Foi explorado as histórias de cada
história de cada participante, com o intuito participante acolhido os relatos de medos,
2 pessoas de entender o real motivo de estarem nesta frustrações e as perspectivas para o futuro.
participaram, sendo situação e a percepção do que os mantém, Sobre a relação familiar como um dos fatores
que 1 já havia uma vez que esse tema foi o que trouxe como que contribui para a situação de rua. Foi
participado. reflexão para os participantes “moverem” primeira vez, que o foco não foi a respeito
13/04/2019 suas vidas. das condições financeiras ou drogadição,
mas sobre o autogerenciamento.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 108


6°Encontro Foi discutido de forma aprofundada as Um dos participantes trouxe sobre a inserção
histórias de cada participante, devido ao social, pois devido a falta de telefone, não
2 pessoas número reduzido do grupo e realizado o conseguia trabalho e por esse motivo,
participaram, manejo de acordo com os temas trazidos traficava para conseguir se sustentar. Foi
sendo que os 2 já pelos participantes. possível verificar estado dos participantes
haviam participado durante o grupo, um deles estava em uma
anteriormente. posição declinatório em relação a sua situação
20/04/2019 e o outro com dificuldades de escolhas, visto
as limitações de oportunidades.

7°Encontro Novamente com o número limitado de Um dos participantes trouxe a dificuldade


participantes foi possível discutir os temas de familiar de abandono e na procura de trabalho,
2 pessoas maneira mais detalhada. Foi trazido o tema neste foi observado comportamentos
participaram, sobre perdão, visão política, preconceitos depressivos. O outro participante teve receio
sendo que 1 e suas perspectivas, além de explorar seus de se pronunciar, devido não falar português,
havia participado medos, revoltas e anseios, a respeito de mas trouxe um discurso de exclusão social, o
anteriormente. questões monetárias e trabalhistas que qual sofreu preconceito de pessoas em outra
27/04/2019 influenciam em sua forma de vida. cidade.

8°Encontro O número de participantes foi suficiente para Foi percebido uma interação entre os
5 pessoas desenvolver uma atmosfera de discussão participantes, a promoção de solidariedade
participaram, acerca das políticas públicas, uso de drogas, simultaneamente a realização de pequena
sendo que 2 solidão e dificuldade em conduzir a vida. quebra de preconceito entre os mesmos
haviam participado Além dos temas sobre os benefícios de ter frente aos funcionários públicos, uma
anteriormente. uma escuta ativa, sem julgar a experiência vez que foi realizado o trabalho de auto
04/05/2019 de outrem e o processo de mudança no que responsabilidade. O grupo acolheu os temas
condiz a respeito de erros e acertos. e discussões.

9°Encontro Foram discutidos diversos temas no convívio Dois participantes trouxeram relatos de
diário, tendo como foco abrir um espaço de abandono, além da forma de diferenciada
4 pessoas escuta e acolhimento dos relatos. Dessa de enfrentamento obtido pelos participantes
participaram, forma possibilitou o manejo de se trabalhar que tinham mesma idade. O grupo teve um
sendo que 1 já aspectos delicados sobre a vida dos bom desenvolvimento, pois estavam em um
havia participado participantes e temas como desemprego, estado sincrônico, podendo respeitar as falas
anteriormente. vida no cotidiano, escolhas, abandono e de todos.
18/05/2019 responsabilidade.

10°Encontro O último encontro foi pautado em realizar um O grupo trouxe feedback positivos sobre ter
apanhado dos temas trazidos durantes os um espaço para compartilhar experiências e
8 pessoas encontros, desde autonomia, perspectivas expressar emoções, sobre suas dificuldades
participaram, para o futuro, crítica individual, a situação que envolvem questões de drogadição,
sendo que 3 já atual vivida por cada participante e o que abandono, falta de oportunidades,
haviam participado o levou a estar nesta condição. Realizado complicações para obtenção de consultas
anteriormente. o processo de feedback da experiência médicas e medicamentos, além dessa troca
25/05/2019 obtida pelo grupo de apoio e realizado uma dialógica de incentivo e motivação.
confraternização de encerramento

Tabela 2: Temas e o processo grupal de acordo com cada encontro:


Fonte: Os autores (2019).

Um aspecto importante a ser ressaltado na tabela 2 foi a respeito da participação dos


usuários do Centro POP, no que condiz aos participantes regressos de outros encontros
realizado pelo grupo de apoio, dessa forma foi possível ser trabalhado temas de maneira
contínua, além desses servirem de modelo para os novos participantes, contribuindo para
um ambiente de acolhimento e iniciativa.
Por meio dos encontros, vale destacar diversos temas trazidos e foi possível separá-
los em 3 grandes grupo: Antecedentes a situação de rua (Tabela 3); Vivência atual da

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 109


situação de rua (Tabela 4) e perspectivas futuras (Tabela 5). Com isso, pode ser verificado
os principais temas acolhidos e seus depoimentos.
Na tabela 3, foi verificado falas semelhantes no que condiz nas justificações a
respeito da vivência na rua, dentre essas foi citado o uso de drogas e álcool como um dos
elementos desencadeadores que ainda os mantém, abandono de familiares e amigos, os
deixando sem uma rede de apoio, questões financeiras entram como um dos motivos, uma
vez que eles terceirizam a fala para o dinheiro e questões familiares, como desavenças,
brigas e impedimentos.

GRUPO TEMAS PRINCIPAIS FALAS


Antecedentes a -Adição ao uso de -”Meus problemas começaram quando comecei a usar drogas” (An.
situação de rua drogas e álcool. 1°Encontro).
- “Estou desesperado por causa do álcool e das drogas, sou fraco” (Lu. 8º
-Abandono. Encontro)
-”Já usei todos os tipos de drogas e meu corpo não aceita mais por causa
-Dinheiro. disso” (Ed. 3°Encontro).
-”Tive uma desavença com meus pais e acabei ficando por conta própria” (Mi.
-Família. 9°Encontro).
-Ӄ triste porque criamos nossos filhos e quando precisamos de uma ajuda
eles nos abandonam” (Na. 9°Encontro).
-”Antigamente eu tinha muito dinheiro, mas fiquei sem trabalho e agora eu
procuro me manter com o pouco que tenho” (Ru. 7°Encontro).
-”Quando perdi minha mãe, eu voltei para as drogas e meus irmãos me
abandonaram” (Lu. 8°Encontro).

Tabela 3: Principais temas desenvolvidos - ANTECEDENTES.

Fonte: Os autores (2019)

Na tabela 4, foi observado a atual situação que encontra-se os participantes do


grupo, podendo ser compilado algumas falas dos temas, como: a desconfiança que eles
têm perante o próximo, o desconforto de viver na rua, a ideia de estarem sozinhos, o perigo
vivido e perspectiva com relação ao preconceito sofrido por pessoas que não estão na
mesma situação. Cabe destacar que alguns participantes tinham um local próprio para
dormir, estando de passagem no Centro POP somente para alimentação.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 110


GRUPO TEMAS PRINCIPAIS FALAS
Vivência atual -Desconfiança. -”A caminhada na rua, é muito difícil, não pode dar moral para qualquer um,
porquê na primeira oportunidade te passam a perna”(Ma.2°Encontro).
-Desconforto. - “Viver na rua é difícil, não dormi nadas nesses últimos dias” (Lu. 8º
Encontro)
-Individualismo. -”O difícil é você dormir, porque você nunca sabe quem pode estar perto, por
isso prefiro dormir na mata” (Ju. 1°Encontro).
-Insalubridade. -”Na rua é só você e mais ninguém” (Fe. 6°Encontro).
-”As pessoas acham que nós somos vagabundos e que vamos usar o
-Preconceito. dinheiro para se drogar, não procuram entender que em precisamos comer”
(Ed. 1°Encontro).
-Suicídio -”Às vezes dá vontade de acabar com a própria vida, porque você tenta
melhorar e piora. Só não cometi porque não tive coragem” (Lu. 8° encontro)

Tabela 4: Principais temas desenvolvidos - VIVÊNCIAS.


Fonte: Os autores (2019)

Na tabela 5, verifica-se quais o olhar dos participantes com relação ao seu próprio
futuro, uma vez que cada indivíduo se encontra em uma situação diferente do próximo,
podemos destacar que a perspectiva positiva dos participantes se sobrepõe a negativa,
pois os integrantes do grupo sabiam quais as pequenas metas para mudar as perspectivas
vividas, entendendo que a situação em situação de rua é momentânea e não definitiva.
Desta forma destacamos os principais temas como metas, esperanças, medos e recaídas.

GRUPO TEMAS PRINCIPAIS FALAS


Perspectivas -Medos. -”Tenho medo de me perder nas drogas e ter mais recaídas” (Lu.8°Encontro).
futuras. -”Vou para São Paulo, tentar ficar com minha família e parar de usar drogas”
-Recaídas. (Ma. 2°Encontro).
-”Estou procurando emprego, mas acho que vai surgir uma oportunidade na
-Metas. semana que vem” (Ru. 7°Encontro).
-”Estou procurando uma casa para morar” (Mi. 9°Encontro).
-Esperanças. -”Vou voltar a estudar e tentar ganhar a vida de outra forma, sem depender dos
outros” (Ad. 4°Encontro).

Tabela 5: Principais temas desenvolvidos - PERSPECTIVAS FUTURAS


Fonte: Os autores (2019)

4 | DISCUSSÃO
Por meio de estudos realizados cujo temas envolvem a população em situação de
rua, foi possível validar os principais motivos que levam esse público à essa condição.
De acordo com a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (2009),
foram problemas de alcoolismos e/ou drogas (35,5%) desemprego (29,8%) e desavenças
familiares (29,1%), aspectos que coincidiram com a pesquisa presente realizada.
Embora existam os acolhimentos institucionais dos indivíduos em situação de rua,
realizado de acordo com o caderno do Centro POP (2009), o qual oferece um espaço

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 111


de permanência provisória, de forma que os usuários possam usufruir do local e garantir
os direitos básicos, como: alimentação, higiene pessoal, materiais para lavar roupa, um
ambiente para descanso e a realização de encaminhamento para albergues e serviços
sociais, ainda a reincidência a situação de rua tem ocorrido e aumentado. (BRASIL, 2009)
Tendo em vista, os itens que são fundamentais para solucionar a problemática de
situação de rua, se tornam os principais colabores para o mantimento desta vivência, como
traz no Manual sobre o cuidado à saúde junto à população em situação de rua, no que
se refere a presença de uma equipe técnica compatível a quantidade de atendimentos
realizados, principalmente no que condiz à acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos,
este último encontra-se praticamente ausente, exceto na ocorrência de algum surto, caso
ao contrário, o serviço de prevenção é inexistente. As formas de prestação médica e
medicamentosa alista-se à um fluxo hierarquizado. (BRASIL, 2011)
Esses são alguns dos fatores que contribuem para a reincidência dos usuários a
situação de rua, além de causar frustração à equipe técnica que trabalhar para evitar a
recaída dos mesmos, existe a falta de integração dos sistemas dos Centros de Referência
Especializadas, o qual gera dificuldade na comunicação e no acompanhamento dos
encaminhamentos realizados, fazendo com que o processo de inserção torna-se árdua.
Dados obtido vão de encontro com a Constituição Federal, a qual elenca em
seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humano como fundamento da República
Federativa do Brasil, além do seu artigo 3º, III, a erradicação da pobreza, da marginalização
e a redução das desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 1988). Esses seriam princípios
que englobam direitos e condições mínimas para garantir a dignidade humana, contudo,
estas são contingentes à população em situação de rua.
Outro tema que vale ser trazido se refere a individualidade do sujeito em situação
de rua. Bulla et al,. (2004, p. 113-114) traz de uma forma geral, o cenário da população
em situação de rua, apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos surrados, condição
de moradia precária na rua, geralmente são denominados e tratados como marginais,
bandidos e etc. esses títulos impostos lhes causam sofrimento e contribui para a falta de
motivação, ideia que ignora a individualização do ser e a essência humana de um sujeito
equiparado de experiências e vida.
Em relação aos resultados, também é possível destacar a disparidade da
porcentagem referente ao gênero, visto que o número maior de pessoas em situação de
rua são do sexo masculino, foi validado por meio dessa pesquisa e análise de outras,
embora a quantidade de mulheres nas ruas seja menor, apresentam-se com o mesmo
histórico de sofrimento, violência e dor, também da necessidade de sobrevivência e podem
vir a praticar trabalhos de prostituição para conseguir manter-se. (ROSA E BRÊTAS, 2015)
Sobre a adaptação da população de rua frente aos contexto de vulnerabilidades,
os quais, tornam-se acomodados à medida que o tempo pernoitado se faz maior. Carneiro
e Silveira (2003) trazem que os indivíduos com menor tempo de rua, demonstram uma

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 112


maior preocupação e desconforto sobre sua situação. Esse dado contribui para que sejam
criadas outras maneiras de intervenção e que possam diminuir o número de reincidência,
uma vez que, somente são tomadas providências quando ocorrem interferências graves no
âmbito social.
No que condiz ao grupo de apoio oferecido, foi obtido adesão pelos usuários do
Centro POP de forma satisfatória, tendo em vista que o receio inicial era falta de interesse
dos participantes. Mostra-se com isso sensibilidade à cultura, ao diálogo e a valorização
da inserção social, já que em sua maioria sofrem por discriminação social, visto como
uma ameaça e são passíveis de serem eliminados. Por meio do grupo de apoio pode se
validar o sofrimento, ampliar seus sentidos e significados no processo de reconhecer as
necessidades desse público. Se faz necessário refletir sobre o modo de vida e sentir dessa
população, pois produzem valores, experiências e conhecimento.

5 | CONCLUSÃO
No Centro POP não havia tido uma experiência de grupo de apoio, mesmo que a
prática grupal esteja presente na psicologia enquanto ciência. Por meio das dinâmicas
de grupos e temas, os usuários trouxeram contextos diferentes, principalmente no que
se refere a afetividade e ao uso de drogadição. Dessa maneira, foi possível trazer um
ambiente para o compartilhamento de angústias, histórias de superação e experiência.
A partir dos resultados e das observações feitas durante o grupo de apoio, foi
possível concluir o quanto é desafiador estabelecer vínculo para proporcionar um ambiente
de confiança, buscar compreensão sem julgamento e trazer suas individualidades por
meio das histórias repercutidas. A perspectiva de experiência com a população de rua
demandaram despojamento, empatia e principalmente o aprendizado de não desanimar
mesmo quando as condições forem diversas.
Por meio desta pesquisa, puderam-se identificar, estudar e avaliar pontos de vista
teórico e prático, que reforçam a importância de manter o grupo de apoio à esse público
em situação de rua. Além disso, vale destacar a fundamental relevância dos serviços de
acolhimento e fortalecimento do Centro POP para essa população e realizar discussões
sobre suas problemáticas para buscar-se estratégias de desenvolvimento para novos
projetos dentro da instituição.
Dados obtidos propõem a inevitabilidade de intervenções, principalmente na área
da saúde e social, além de possibilitar futuras pesquisas focado para essa população em
situação de rua, uma que uma das limitações encontrada durante esse estudo foi o tempo
reduzido de atuação, sendo necessário um aprofundamento maior acerca das condições
e vivências dos usuários da instituição. Com a continuidade do grupo pode-se promover
um processo maior de acolhimento e ser feito um acompanhamento mais diretivo dos
participantes.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 113


Por meio do auxílio na redução de danos, moradia, acompanhamento psiquiátrico e
psicológico, tendo como base essas carestias repercutidas durantes os encontros. Dessa
forma, será possibilitado uma maneira de resgatar sobre a existência da individualidade
e humanidade dessa população em situação de rua, os quais têm experiências de vida e
capacidade para contribuir na sociedade.

REFERÊNCIAS
BECHELLI, Luiz Paulo de; SANTOS, Manoel Antônio dos. Psicoterapia de grupo: como surgiu e
evoluiu. Rev. Latino-Am. Enfermagem [online]. 2004, vol.12, n.2 [cited 2019-06-02], pp.242-249.

BULLA, Leonia. Capaverde; MENDES, Jussara. Maria; PRATES, Jane Cruz. (Orgs.). As
múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre: Federação Internacional de Universidades
Católicas: EDIPUCRS, 2004.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 24 jun. 2019

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Aprendendo a Contar: Pesquisa


Nacional sobre a População em Situação de Rua. Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão
de Informação. Secretária Nacional de Assistência Social, 2009

BRASIL, Ministério da Saúde. Orientação Técnicas: Caderno do Centro de Referência Especializado


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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 9 115


CAPÍTULO 10
doi
OS POSSÍVEIS EFEITOS DO ABORTO NA SAÚDE
MENTAL DA MULHER BRASILEIRA E O PAPEL DA
PSICOLOGIA

Data de aceite: 01/02/2021 main social aspects that cause psychological


distress in a woman who wants to have an
abortion, and additionally, what is the role of
the psychologist at work regarding the possible
Erika Conceição Gelenske Cunha
effects that abortion can cause on the mental
ID Lattes: 6452483820695747
health of Brazilian women.
Karina Nunes Tavares Martins KEYWORDS: Abortion, psychology, mental
ID Lattes: 5810546748880374 health.

Simone Langano Figueredo


ID Lattes: 6045523628907636 1 | INTRODUÇÃO
Segundo o site Dicio. (2009), aborto é
a interrupção voluntária ou provocada de uma
RESUMO: Neste artigo tivemos como objetivo gravidez, onde o feto é expelido ou retirado antes
geral descrever quais são os possíveis efeitos que do tempo normal. Silveira (2018) apresenta que
o aborto pode causar na saúde mental da mulher
essa prática constitui na expulsão do concepto
e se elas conseguem superar esses efeitos sem
antes da sua viabilidade, seja ele representado
o acompanhamento de um Psicólogo. Para tanto,
desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica. Entre pelo ovo, pelo embrião ou pelo feto.
os resultados alcançados pudemos identificar Sabendo disso, de acordo com o site
os principais aspectos sociais que causam Menezes e Aquino (2009), nas últimas três
sofrimento psíquico na mulher que deseja décadas se consolidou no Brasil um novo campo
abortar, e também, qual o papel do psicólogo no
de produção científica articulando as temáticas
trabalho a respeito dos possíveis efeitos que o
de gênero, sexualidade e saúde reprodutiva.
aborto pode causar na saúde mental da mulher
brasileira. De acordo com a Revista Bioética (2013),
PALAVRAS-CHAVE: Aborto, Psicologia, Saúde no Brasil o aborto só é legalizado nos casos de
mental. gravidez decorrente de estupro, grave risco de
vida à mãe e, mais recentemente, nos casos de
ABSTRACT: In this article we presented as a anencefalia. Desse modo, o Estado brasileiro
general objective a description of the possible
disponibiliza o acesso pelo Sistema de Único de
effects that abortion can cause on the women’s
Saúde (SUS), contudo, mesmo nesses casos,
mental and if they can overcome these effects
without the support of a Psychologist. To do that, a mulher se depara com grandes barreiras de
we developed a bibliographic research. Among acesso, como por exemplo, muitos locais negam
the results achieved, we were able to identify the em realizar o aborto.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 116


Além dessas barreiras para a realização do ato do aborto, há problemas relacionadas
aos efeitos que o aborto causa na saúde mental da mulher. De acordo com o artigo de
Cosme e Leal (1998 apud SPECKHARD, 1987), documentou que em uma determinada
amostra de mulheres, elas apresentaram efeitos adversos depois de ter se passado muito
tempo da situação do aborto. No mesmo artigo, Cosme e Leal (1998, apud BARNARD
1990), apresentam a informação sobre sintomas pós-traumáticos depois de 3 a 5 anos
pós-aborto.
O problema que se apresenta nesse artigo é: As mulheres conseguem superar os
efeitos do aborto sem o acompanhamento de um Psicólogo? A hipótese levantada é que a
mulher supere os efeitos que o aborto pode causar sem um acompanhamento psicológico,
porém em alguns casos poderá ter alguns prejuízos emocionais.
O trabalho consiste em dialogar sobre os efeitos que o aborto pode causar na
saúde mental da mulher brasileira. Segundo Cosme e Leal (1998), o mecanismo de defesa
dessas mulheres que passaram pelo aborto, é o evitamento. Elas, geralmente evitam falar
sobre o que se passou com elas e dos sentimentos a isso associado. Dessa forma, a
ocultação destas lembranças pode por um lado aliviar o stress, ou em outros casos podem
ser transformados em doenças físicas.
A saúde de um ser humano, segundo a Organização Mundial da Saúde (2001),
não compreende apenas o bem-estar físico, mas o bem-estar psicossocial, por isso, a
importância de se falar também da saúde mental dessas mulheres que passaram pelo
aborto.
Segundo Barbosa, Bobato e Mariutti (2012) citando Pessini (2009), existe um
sofrimento e uma dor por trás do aborto, seja ele provocado ou não. Esse sofrimento
acontece em várias dimensões, na física, social, psíquica, emocional e espiritual. O autor
frisa que as profissões de assistência à saúde são a união entre a técnica científica e a
humanidade.
Além desse olhar, é de suma importância entender e divulgar o papel que o psicólogo
tem no acompanhamento dessas mulheres que passaram ou irão passar pelo aborto.
Segundo o artigo de Barbosa, Bobato e Mariutti (2012) citando Marco (2003), a inclusão do
psicólogo dentro da equipe de ginecologia e obstetrícia, tem por função a configuração de
complementaridade, para essas mulheres.
Segundo o site Telavita (2017), é de extrema importância a presença de um psicólogo
em todo esse processo. Pois, apesar das respostas para toda a situação estarem na mente
do próprio paciente, é através da orientação do profissional que tudo se torna capaz de
se transformar em superação e principalmente entendimento. E, além disso, é necessário
compreender a situação para que as reações futuras não sejam voltadas sempre para a
tristeza profunda ao relembrar esse momento.
De acordo com Barbosa, Bobato e Mariutti (2012) um psicólogo na equipe de saúde
pode colaborar para essa escuta e compreensão dos processos interpessoais, visando o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 117


enfoque preventivo de cuidado e acolhimento. Dessa forma, o trabalho apresentado se
torna esclarecedor para muitas mulheres que não sabem sobre a importância de cuidar do
bem-estar físico e mental, além de mostrar o papel ativo que o psicólogo tem nesse âmbito.
Assim, o objetivo desse artigo é investigar os efeitos que o aborto pode causar na
saúde mental da mulher e se elas conseguem superar esses efeitos sem o acompanhamento
de um Psicólogo. Para delimitar a investigação foram criados objetivos específicos para
analisar os seguintes pontos:

• Apresentar uma discussão sobre o aborto no Brasil ;

• Identificar os principais aspectos sociais que causam sofrimento psíquico na


mulher que deseja abortar;

• Descrever quais os efeitos na saúde mental da mulher que deseja abortar e ve-
rificar através de pesquisas bibliográficas qual o papel do psicólogo no trabalho
a respeito dos possíveis efeitos que o aborto pode causar na saúde mental da
mulher brasileira.
A elaboração teórica desse artigo se deu através de pesquisa bibliográfica, se
valendo também da leitura da legislação que trata o tema. Através dos dados que foram
levantados, pudemos observar os fatores sociais, de risco, de prevenção e principalmente
dos cuidados psicológicos no atendimento a esses possíveis efeitos que o aborto causa na
saúde mental da mulher brasileira.

2 | O QUE É ABORTO?
Devido às suas várias tipologias, o presente trabalho viu grande relevância em
discutir o aborto, visto que não é apenas debatido na área da saúde, mas se tratando de
crime em alguns casos, vale ressaltar a questão também no âmbito jurídico.
Dessa forma, vale ressaltar que, segundo o Dicionário Priberam (2020), o aborto
consiste na expulsão espontânea ou voluntariamente, de um feto ou embrião, antes do
tempo e sem condições de vitalidade fora do útero materno.
De acordo com o site JusBrasil (2020), no Brasil o aborto é crime, e só é permitido
em casos onde há risco de vida para a gestante ou quando a gravidez é resultado de um
estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal declarou que o aborto também é permitido
quando há a comprovação de que o feto é anencéfalo, que significa que o feto não apresenta
total ou parcialmente a calota craniana e o cérebro.
Em determinadas ocasiões, quando o aborto se enquadra no que é permitido,
algumas mulheres encontram fortes barreiras para interromper a gravidez, como por
exemplo, ter que comprovar o motivo do aborto com vários exames invasivos ou quando
a instituição não aceita o caso. Além desses problemas com o aborto legalizado, há um
grande número de aborto realizado clandestinamente em clínicas particulares ou auto-
provocado.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 118


Conforme exposto no site do Supremo Tribunal Federal - STF (2018), Maria de
Fátima Marinho de Souza, da Secretaria de Vigilância em Saúde, declarou que a estimativa
do Ministério da Saúde é que ocorram, por ano, cerca de um milhão de abortos induzidos.
Com isso a saúde física e mental da mulher fica à deriva quando ela enfrenta o aborto,
sendo legalizado ou não e torna-se importante abordar o tema sobre os efeitos que o aborto
causa na saúde psíquica.
Pedroso (2012) aclara que os problemas emocionais que resultam do abortamento
são raros e menos frequentes do que aqueles que surgem, após o parto de uma gravidez
indesejada. Dessa forma, a maioria das mulheres quando não deseja ter o filho e consegue
interromper a gravidez se sentem aliviadas e as mulheres que dão à luz a um filho de uma
gravidez indesejada, enfrentam alto sofrimento psíquico.
De acordo com os estudos da Daniela Pedroso (2012), após o abortamento, acima
de 98% das mulheres não apresentam remorso e que fariam a mesma escolha novamente
sob as mesmas circunstâncias. Porém, aquelas que prosseguem com a gravidez enfrentam
um misto de sofrimento de raiva, culpa tristeza, entre outros.
Vale ressaltar que, segundo Rebouças e Dutra (2012), o aborto provocado, além da
questão legal, é atravessado por fatores morais e religiosos. Tornando assim, a discussão
mais delicada e complexa.

3 | OS PRINCIPAIS ASPECTOS SOCIAIS QUE CAUSAM SOFRIMENTO


PSIQUICO NA MULHER QUE DESEJA ABORTAR
De acordo com Menezes e Aquino (2009), os estudos no Brasil sobre as repercussões
do aborto na saúde mental das mulheres são escassos e os que foram localizados analisam
a reação delas logo após a realização da interrupção ou em períodos próximos. E essa
investigação das repercussões psíquicas do aborto merece particular atenção. Para muitas
mulheres, o longo percurso até a obtenção dos meios para abortar, a falta de atenção
humanizada nos serviços de saúde, a divulgação da prisão de pacientes quando ainda
internadas tornam dramáticas suas vivências.
Villela et al (2012) cogitam que condições mais graves de sofrimento mental podem
estar vinculadas às condições de criminalidade em que as mulheres realizam a interrupção
da gestação, a sós e com medo.
Percebe-se, através do estudo, que a saúde mental das mulheres reflete as tensões
e angústias do tema do abortamento induzido no Brasil.

Observa-se que as mulheres recorrem ao procedimento em contextos de


vulnerabilidade, expostas à dupla condenação, criminal e legal da prática
no país. Essa condenação gera temores que, acompanhados da prática em
contexto de clandestinidade, refletem em medo e culpa, que transcendem a
própria prática e se referem à realidade social e cultural dos direitos sexuais
e reprodutivos. (ROMIO et al, 2015, p.17)

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 119


Na opinião de Menezes e Aquino (2009), o aborto contém aspectos de caráter
moral e religioso, sendo objeto de aprovação social. Dessa forma, as mulheres encontram
dificuldades de expor seus relatos, particularmente em contextos de ilegalidade, como
no Brasil. Assim, quando tratamos de investigar o aborto, precisamos ter cuidados
metodológicos específicos, com implicações éticas no manejo do tema.
Além disso, destaca-se o contexto que a mulher está envolvida, pois esse influencia
os pensamentos, as emoções e nas ações, gerando assim, efeitos positivos ou negativos
na saúde psicológica da mulher. De acordo com Maia (2008), quando se trata do aborto
induzido, a própria dúvida entre o desejo de ter ou não um filho em determinado momento
da vida da mulher já entra em conflito com a expectativa social. Uma outra situação de
conflito é a clandestinidade do procedimento abortivo, por não estar agindo de acordo com
a Lei. E ainda o fato de que o procedimento leva o estatuto de crime e isso faz com que
a mulher entre em conflito com a sua autoimagem ética e moral. Todos esses conflitos já
geram um sofrimento injusto e desnecessário à mulher.
Outro fator a ser analisado, é a questão que mulheres mais favorecidas
economicamente engravidam menos e tem melhor assistência ao atendimento. Romio et al
(2015), traz uma pesquisa que mostra essa realidade:

As características sócio demográficas das mulheres que praticam aborto


no país podem corresponder a um modelo muito mais heterogêneo, como
reforçam os dois recortes do estudo GRAVAD (Gravidez na Adolescência:
Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil),
apresentados por Menezes et al. (2006) e Pilecco et al. (2011), que
demonstraram uma relação entre alta escolaridade e renda familiar elevada e
a ocorrência de aborto na primeira gravidez. Desta forma, as jovens de classes
econômicas privilegiadas, além de terem maior acesso à contracepção,
costumam optar pelo aborto, ainda que de forma ilegal, na primeira
gravidez. Sendo assim, embora engravidem menos, estas jovens se utilizam
proporcionalmente mais da prática do aborto do que jovens de classes menos
favorecidas. Além disso, elas possuem recursos econômicos para executar a
prática do aborto em condições melhores assistidas e mais seguras para a
sua saúde em comparação àquelas com menor poder econômico. (ROMIO et
al, 2015, p. 69)

Todavia, o apoio que a mulher pode ter durante esse período de gravidez poderá
amenizar esse sofrimento provocado por aspectos sociais. De acordo com essa perspectiva,
a descriminalização do aborto faria com que o processo de decisão fosse facilitado se
tivesse o suporte da família e acompanhamento de profissionais da área.
É de suma importância o acompanhamento psicológico para a mulher nessa
situação frágil, sendo antes, durante ou depois da realização do aborto. Pois, dessa forma,
o profissional saberá conduzir e agir de determinadas formas que irá ajudar essa mulher.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 120


4 | QUAL O PAPEL DO PSICÓLOGO A RESPEITO DOS POSSÍVEIS
EFEITOS QUE O ABORTO PODE CAUSAR NA SAÚDE MENTAL DA MULHER
BRASILEIRA?
A gravidez em si é uma fase que tem um valor simbólico único para cada mulher e
quando acontece uma situação trágica, por exemplo, o aborto, surgem sentimentos como:
raiva, tristeza, culpa, isolamento, entre outros. Segundo o site Telavita (2017), é de extrema
importância a presença de um psicólogo em todo esse processo. Apesar das respostas
para toda a situação estarem na mente do próprio paciente, é através da orientação do
profissional que tudo se torna capaz de se transformar em superação e principalmente
entendimento. Além disso, é necessário compreender a situação para que as reações
futuras não sejam voltadas sempre para a tristeza profunda ao relembrar esse momento.
O acompanhamento psicológico é tão importante que, segundo o site JN (2015), o
PSD e o CDS-PP entregaram uma proposta de alteração à iniciativa legislativa de cidadãos
pelo “direito a nascer” tornando obrigatórias as consultas de acompanhamento social e
psicológico antes e depois de uma Interrupção Voluntária da Gravidez. De acordo com os
estudos realizados por Benute et al (2009), as mulheres que provocaram o abortamento
encontravam-se mais ansiosas e mais deprimidas, demonstrando a necessidade da
realização de acompanhamento psicológico.
De acordo com Nascimento e Andrade (2013), entendemos que os psicólogos
devem facilitar o empoderamento e a conscientização, além de procurar estabelecer um
vínculo de confiança com o objetivo de trabalhar temas delicados, como, por exemplo, o
aborto. É imprescindível ouvir e valorizar os sentimentos da pessoa que está vindo até
você, as pressões sociais e os constrangimentos relatados podem revelar as verdadeiras
dificuldades que a pessoa enfrenta.
Nascimento e Andrade (2013, apud ROMIO et al. 2015), ainda destacam que no
documento do Ministério da Saúde “Atenção humanizada ao abortamento” apresentou a
necessidade de oferecer atenção humanizada e acolhedora às mulheres passaram por um
abortamento, de qualquer tipo, seja espontâneo ou induzido. Além disso, destaca-se ainda,
a importância de que os profissionais da saúde, independentemente da sua orientação
moral e religiosa, resguardar uma postura ética, corroborando, assim, com os direitos
humanos das mulheres.
O portal G1 (14/10/2020), traz a informação que a Prefeitura de Santos (SP) aprovou
um projeto de lei que renova o programa de humanização do atendimento a mulheres que
sofreram aborto espontâneo na rede municipal de saúde. De acordo com a Lei nº 3.374 de
2020, agora os pacientes passam a receber atendimento em alas separadas. Dessa forma,
as mulheres que sofrerem aborto espontâneo ou óbito fetal devem ser acomodadas em
uma área separada das demais gestantes.
O tema aborto envolve subjetividades e deve ser tratado com ética, cuidado e
respeito. Dessa forma, segundo o portal da G1 (14/10/2020), o autor do projeto justifica que

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 121


a proposta visa amenizar a dor e proporcionar mais privacidade às gestantes que tiverem
o bebê natimorto.
Com base nas pesquisas reladas, questionamentos aparecem: como o profissional
de psicologia atuará nesse cenário? Como a psicologia tem se atualizado sobre o tema do
aborto? De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2018)

A avaliação cientificamente informada do grupo de trabalho sobre saúde


mental e aborto da Associação Americana de Psicologia (APA) indicou
limitações metodológicas de estudos que tentam inferir tal premissa. Ao
privilegiarmos a singularidade do sujeito, observamos que a experiência com o
aborto é vivenciada de modo diverso pelas mulheres, sobretudo considerando
marcadores relevantes na conformação de tal prática, como classe, raça,
gênero, orientação sexual, idade e região. Entretanto, ressaltamos que o
modo estigmatizante com que o aborto é tratado, por parte da sociedade,
pode se configurar como fator de risco para a saúde integral das mulheres
que realizam aborto no Brasil. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2018,
Online)

Diante disso, é notória a falta de conteúdos científicos que possam auxiliar o trabalho
do psicólogo, indicando limitações metodológicas de estudos. Assim, se faz necessário,
que novas pesquisas aborde o tema de aborto, para que no futuro haja materiais
complementares para a atuação desse profissional nesse processo delicado.
Para contextualizar o exposto, foi pertinente trazer alguns casos que tiveram grande
repercussão na mídia. O primeiro caso é da atriz e cantora Mariana Rios - que sofreu um
aborto espontâneo. Segundo o portal G1 (22/07/2020), a atriz relata que ao saber que tinha
perdido o seu primeiro filho, tentou se manter tranquila, porém no dia seguinte desabou, e
o que ajudou foi ter o suporte e amparo do marido. Na entrevista, ela acrescenta: “Percebi
que muitas mulheres não falam sobre isso, sobre suas perdas. Recebi histórias de mulheres
que nunca tiveram liberdade para falar sobre o assunto”.
Nessa fala da Mariana, nota-se a importância do acompanhamento psicológico para
que essas mulheres aprendam a passar por esse processo de forma resiliente. Nota-se que,
mesmo a mulher tendo suporte emocional, pode gerar desamparo. Assim, o acolhimento
de um profissional de psicologia poderá ser um diferencial nesse processo, principalmente
para aquelas mulheres que não tem suporte familiar, acompanhamento médico, e um
ambiente adequado.
O segundo caso aconteceu recentemente no Brasil. As mídias retrataram um
acontecimento do caso de uma menina de 10 anos que foi abusada pelo tio. Nessa situação,
a menina engravidou e, diante disso, procurou a justiça para aprovação de um procedimento
de aborto. De acordo com o site da Revista Veja (2020), o juiz Antônio Moreira autorizou a
interrupção na gestação a menina de 10 anos, porém mesmo com a autorização, a criança
precisou ser levada para Recife (PE), porque o hospital do Espírito Santo se recusou a
realizar o procedimento. Vale ressaltar que diante a legislação brasileira, é permitido o
aborto em caso de estupro.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 122


Mesmo assim, houve diversas manifestações (religiosa, feministas, etc) em frente
ao hospital onde a menina estava internada para realização do procedimento. Apesar dos
posicionamentos divergentes, talvez fosse mais produtivo que o debate fosse ampliado,
com o objetivo de educar sobre a temática e visando a preservação da saúde da mulher
que está passando por esse processo.
A divulgação de números de óbitos em procedimentos mal sucedidos, os transtornos
psíquicos, físicos que são gerados pré e pós procedimentos de aborto, entre outros
conhecimentos, se fossem divulgados de forma educativa e legal, em conjunto com a
ciência, seriam de grande relevância para educação dessa população e de novas mulheres
que estão sendo inseridas na sociedade.
Em entrevista disponível no site Tribuna, o médico Olimpio Barbosa alertou (em
relação ao caso da menina acima exposto) que: “O maior problema que vejo são essas
forças religiosas e políticas contrárias a salvar a vida dessa menina, essas pessoas
divulgaram o nome dela”. O que nos leva a indagar: quais os prejuízos isso pode causar
ao futuro dessa criança?
É imprescindível o acompanhamento psicológico para essa menina que ficou sobre
os holofotes da imprensa por causa da violência que sofreu, não somente para a criança,
mas para os familiares em torno. Dessa forma, com o acompanhamento psicológico tudo se
torna capaz de se transformar em superação e principalmente em entendimento e assim,
essa menina poderá construir sua vida conseguindo lidar com o que aconteceu e sem ter
prejuízos mentais graves.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a Revista Bioética (2013), no Brasil o aborto só é legalizado nos
casos de gravidez decorrente de estupro, grave risco de vida à mãe e, mais recentemente,
nos casos de anencefalia. Desse modo, o Estado brasileiro disponibiliza o acesso pelo
Sistema de Único de Saúde (SUS), contudo, mesmo nesses casos, a mulher se depara
com grandes barreiras de acesso, como, por exemplo, locais que se negam em realizar o
aborto, mesmo dentro de premissas legais.
Além dessas barreiras para a realização do ato do aborto, há problemas relacionadas
aos efeitos que o aborto causa na saúde mental da mulher. O artigo de Cosme e Leal (1998,
apud SPECKHARD 1987), documentou que em uma determinada amostra de mulheres
apresentou efeitos adversos, mesmo depois de ter se passado muito tempo da situação
do aborto. No mesmo artigo, Cosme e Leal (1998, apud BARNARD 1990), apresentam a
informação sobre sintomas pós-traumáticos depois de 3 a 5 anos pós-aborto.
Percebe-se, através do estudo, que a saúde mental das mulheres reflete as tensões
e angústias do tema do abortamento induzido no Brasil.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 123


As características sócio demográficas das mulheres que praticam aborto
no país podem corresponder a um modelo muito mais heterogêneo, como
reforçam os dois recortes do estudo GRAVAD (Gravidez na Adolescência:
Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil),
apresentados por Menezes et al. (2006) e Pilecco et al. (2011), que
demonstraram uma relação entre alta escolaridade e renda familiar elevada e
a ocorrência de aborto na primeira gravidez. Desta forma, as jovens de classes
econômicas privilegiadas, além de terem maior acesso à contracepção,
costumam optar pelo aborto, ainda que de forma ilegal, na primeira
gravidez. Sendo assim, embora engravidem menos, estas jovens se utilizam
proporcionalmente mais da prática do aborto do que jovens de classes menos
favorecidas. Além disso, elas possuem recursos econômicos para executar a
prática do aborto em condições melhores assistidas e mais seguras para a
sua saúde em comparação àquelas com menor poder econômico. (ROMIO et
al, 2015, p. 69)

Villela et al (2012) cogitam que condições mais graves de sofrimento mental podem
estar vinculadas às condições de criminalidade em que as mulheres realizam a interrupção
da gestação, à sós - e com medo.
Nesse momento tão delicado, se faz de extrema importância a presença de um
psicólogo em todo o processo. Afinal, através da orientação de um profissional da área,
pode-se pensar em se transformar um período tão difícil e controverso, em uma história de
onde se encontre ressignificação e superação.
Através da pesquisa elaborada, ressalta-se a importância da realização de pesquisas
que abordem o contexto atual do aborto. De acordo com a cultura que o Brasil tem em
relação ao tema, se faz necessário utilizar de forma educativa para melhor esclarecimento
do assunto para a sociedade, pois há muitas questões religiosas e morais envolvidas no
discurso que perpassa essa questão tão importante para a saúde da mulher.

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espontaneo-do-1o-filho-senti-que-voei-ate-o-ceu-e-despenquei.ghtml> Acesso em: 23 out. 2020

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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 10 126


CAPÍTULO 11
doi
AVALIAÇÃO PARA CIRURGIA BARIÁTRICA EM
ADOLESCENTE COM SOBREPRESO

Data de aceite: 01/02/2021 ABSTRACT: Although the question to be


answered in the evaluation process for Bariatric
Surgery is whether the individual is able or unable
to perform Bariatric Surgery, today I understand
Fernanda Gonçalves da Silva
that this requires a holistic evaluation, typical of a
Universidade Estácio de Sá
conceptually clinical evaluation, which will involve
Rosicleide Araujo not only specific characteristics this patient, but
Universidade Estácio de Sá motivators for decision making, family support,
motivation for that choice. There is still much to
Natália Nunes
research and discuss in relation to Psychological
Universidade Estácio de Sá
Assessment for CB, but I hope that the experience
Joice Barbosa report presented can contribute to the practice of
Universidade Estácio de Sá our partners as well as foster new discussions.
KEYWORDS: Bariatric Surgery, Psychological
Joice Reis Assessment, Adolescent.
Universidade Estácio de Sá

Os primeiros casos de Cirurgia Bariátrica


no Brasil foram realizados a partir de 1974,

RESUMO: Apesar da pergunta a ser respondida mas, foi na década de 90 que foram criadas as
no processo de avaliação para Cirurgia Bariátrica primeiras unidades especializadas no tratamento
ser se o avaliado está apto ou inapto para fazer cirúrgico de obesidade mórbida com a estrutura
a Cirurgia Bariátrica, hoje entendo que isso de equipes multi e interdisciplinares. Essas
demanda uma avaliação holística, típica de
equipes são compostas por endocrinologista,
uma avaliação conceitualmente clínica, que vai
envolver não só características específicas desse cirurgião bariátrico, nutricionista ou nutrólogo,
paciente, mas sim motivadores para tomada psiquiatra ou psicólogo, anestesista, enfermeiro,
de decisão, suporte familiar, motivação para assistente social e eventualmente outros
aquela escolha. Muito ainda há para pesquisar
(cardiologista, pneumologista, fisioterapeuta,
e discutir com relação a Avaliação Psicológica
para CB, mas espero que o relato de experiência odontologista, etc.) especialistas com
apresetanado possa contribuir para prática de experiência em obesidade e Cirurgia Bariátrica.
nossos parceiros assim como fomentar novas A ampliação da procura pelo
discussões.
procedimento se dá em parte pelo alto índice de
PALAVRAS-CHAVE: Cirurgia Bariátrica,
obesidade que segundo o Ministério da Saúde
Avaliação Psicológica, Adolescente.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 127


passou de 11,8%, em 2006, para 18,9%, em 2016, mas também como um procedimento
estético que permite a perda de peso em menor tempo. De acordo com pesquisas
divulgadas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica(SBCBM) , nos
últimos 8 anos o crescimento dos procedimentos cirúrgicos aumentou 84,73% totalizando
424.682( quatrocentos vinte quatro mil seiscentos e oitenta e dois mil) procedimentos nos
últimos 8 anos.
Porém, embora em alguns casos a busca pelo procedimento seja estético, em 2005,
com a resolução CFM N° 1.766 são estabelecidas normas seguras para o tratamento
cirúrgico da obesidade mórbida, assim define-se indicações, procedimentos aceitos e
equipe que deverá acompanhar o paciente no processo pré e pós-operatório. Esta resolução
foi posteriormente revogada pela Resolução CFM Nº 1.942, de 5 de Fevereiro de 2010.
A partir desta resolução a indicação da cirurgia fica restrita à pacientes de idade
entre 18 e 65 anos, com falha no tratamento clínico realizado por, pelo menos, 2 anos e
obesidade mórbida instalada há mais de cinco anos, quando preenchido pelo menos um
dos critérios listados abaixo:

• Pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40 kg/m2.

• Pacientes com IMC maior que 35 kg/m2 e afetado por comorbidezes (doenças
agravadas pela obesidade e que melhoram quando a mesma é tratada de for-
ma eficaz) que ameacem a vida, tais como diabetes tipo 2, apneia do sono,
hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteo-artrites e outras.

• Idade: maiores de 18 anos. Idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser


operados, mas exigem precauções especiais e o risco/benefício deve ser muito
bem analisado.

• Obesidade estabelecida, conforme os critérios acima, com tratamento clínico


prévio insatisfatório de, pelo menos, dois anos.

• Não uso de drogas ilícitas ou alcoolismo.

• Ausência de quadros psicóticos ou demências graves ou moderados.

• Compreensão, por parte do paciente e familiares, dos riscos e mudanças de


hábitos inerentes a uma cirurgia de grande porte sobre o tubo digestivo e da
necessidade de acompanhamento pós-operatório com a equipe multidisciplinar,
a longo prazo.
Esta resolução também define os profissionais que deverão compor as equipes
que acompanharão o paciente, esta deverá ser composta por cirurgião com formação
específica, clínico, nutrólogo e/ou nutricionista, psiquiatra e/ou psicólogo, fisioterapeuta,
anestesiologista, enfermeiros e auxiliares de enfermagem familiarizados com o manejo
desses pacientes.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 128


Entre os fatores que contribuem para o aumento da procura pela cirurgia está a
representação de beleza a ela atribuída Silva et. al (2020), pois, como já citado neste
capítulo, a CB produz emagrecimento sustentável em tempo reduzido; porém, é importante
esclarecer que o procedimento bariátrico não apresenta uma proposta estética, mas
clínica, visando melhorar a saúde, à medida que é necessário solucionar o problema das
comorbidades que podem levar grande parte das pessoas a óbito ou prejudicar a qualidade
de vida.
É importante avaliar as expectativas dos candidatos em relação à cirurgia, pois é
possível que a operação não atenda à todas resultando em muita frustração. O procedimento
tem se revelado eficaz na diminuição de gordura excessiva, mas impacta em outros danos
clínicos e estéticos dentre eles excesso de pele e perda de cabelo por isso, é importante
que o profissional psicólogo(a) avaliador esclareça quais os riscos envolvidos na cirurgia e
quais os cuidados e medidas a serem adotados.
Apesar do aumento da procura por procedimentos de CB ainda são incipientes o
número de estudos com pacientes no pré e pós Cirurgia Bariátrica que possibilitem identificar
comportamentos de riscos e preditores de boa adaptação das demandas e conflitos inerentes
a cirurgia assim como instrumento que com evidências de validade para utilização no
processo de Avaliação Psicológica . Em um estudo de revisão sistemática realizado por
Silva et. al(2019) identificaram que a avaliação tem sido feita majoritariamente com base
em entrevistas e, mesmo que com pouca frequência, a utilização de instrumentos de apoio,
o que pode impactar em um risco considerando tratar-se de uma avaliação compulsória.
Segundo Silva et. al (2019) a obrigatoriedade da avaliação associada a falta de
compreensão pelo paciente da importância do processo de Avaliação Psicológica pré-
operatória, seu esforço em realizar a cirurgia a qualquer custo, e ainda a viabilidade da
manipulação das respostas nos instrumentos de apoio, frequentemente teremos uma
avaliação inconsistente, visto que o candidato pode mentir sobre informações consideradas
não recomendadas para a submissão ao procedimento, ou omitir fatos que sejam relevantes.
Sendo a avaliação psicologia um procedimento compulsório, é compreensível e
esperado que de forma consciente ou inconsciente o candidato manipule suas respostas
com objetivo de receber um parecer de aptidão. Logo, a utilização de testes psicológicos
em uma bateria composta por testes objetivos, projetivos/ expressivos tornam-se uma
escolha oportuna, pois reduzem a manipulação por parte dos candidatos e, portanto,
conferem maior confiabilidade aos resultados da avaliação.
Para isso, embora a Resolução CFM Nº 1.942, de 5 de Fevereiro de 2010 sinalize
a possibilidade da avaliação ser realizada por psiquiatra ou psicólogos por considerar os
transtornos psicológicos como os critérios restritivos, campo de interface da psicologia
psiquiatria, na prática identificamos a importância da utilização de instrumentos psicológicos
conforme descrito nos parágrafos anteriores e uma formação profissional que permita

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 129


compreender a dinâmica da personalidade de forma holística para além dos resultados da
testagem.
De acordo com a resolução nº 9, de 25 de abril de 2018, o psicólogo é o profissional
mais indicado para avaliar a personalidade e o único que possui permissão para utilização
de testes psicológicos “(...) a utilização de métodos e técnicas psicológicas constitui função
privativa da psicóloga e do psicólogo, com base nos objetivos previstos no parágrafo 1º, do
art. 13, da Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, e no art. 4º, do Decreto nº 53.464/1964;”
(CFP, 2018).

1 | O QUE DEVE SER CONTEMPLADO EM UMA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA


PARA CB?
Não há um consenso na literatura sobre as habilidades necessária para aptidão
psicológica para CB, atualmente os requisitos conforme descritos nos parágrafos anteriores
resumem-se a critérios que apontem psicopatologias, neste tópico destacaremos algumas
características que a literatura tem revelado como possíveis indicadores de sucesso nos
pós cirúrgico, bem como instrumentos que contribuam para avaliação de critérios restritivos.
A Resolução CFM Nº 1.942, de 5 de Fevereiro de 2010 aponta como principais
critérios restritivos as psicopatologias, porém pensar no sucesso da Cirurgia Bariátrica
no que se refere aos aspectos psicológicos envolve demandas que vão além das
psicopatologias, comorbidades e satisfação corporal, algumas inclusive vão além das
habilidades individuais, como por exemplo suporte familiar.
Diante desta necessidade de uma avaliação holística do paciente, cabe-nos destacar
que trata-se de uma avaliação clínica, ou seja, que considera o sujeito enquanto único e
esta subjetividade deverá ser considerada na escolha dos instrumentos, logo o objetivo
deste tópico não é apontar um protocolo de avaliação, mas discutir experiências, apontar
dados de pesquisas e provocar novas investigações e discussões críticas à respeito do
tema.
Segundo a resolução do CRM- Resolução Nº 2.172, de 22 de Novembro de 2017 a
cirurgia deve ser contraindicada se forem identificadas as patologias:

• abusadores de álcool;

• dependentes químicos;

• depressivos graves com ou sem ideação suicida;

• com psicoses graves;

• portadores de qualquer doença mental que, a critério da avaliação do psiquia-


tra, contraindique a cirurgia de forma definitiva ou até que a doença tenha sido
controlada por tratamento.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 130


Porém, conforme descrito no capítulo teórico desta mesma obra, a experiência na
avaliação dos pacientes, bem como evidências apontadas em alguns estudos revelam
construtos importantes nesta investigação:

• Ansiedade

• Depressão

• Comportamentos compulsivos

• Distúrbios da imagem corporal

• Conscienciosidade

• Inteligência

• Suporte Familiar
Com base nestes critérios, desenvolvemos um plano de avaliação que permitisse
investigar estas características considerando as especificidades da Avaliação Psicológica
em Adolescente. O plano será apresentado detalhadamente no estudo de caso e consiste
nas etapas (Figura 1):

Fig 1. Sugestão de plano de avaliação (Figura elaborada pelas autoras do capítulo).

1
House , Tree, Person

2
Questionário de Personalidade para Crianças e Adolescente

3
Body Shape Questionnaire

4
Teste de Inteligência Geral Não Verbal

2 | ESTUDO DE CASO
Neste capitulo apresentaremos um estudo de caso cujo plano de avaliação integra
testes projetivos/expressivos e objetivos. Não há na literatura muitos instrumentos
com evidências de validade para esta população ou resoluções que apontem uma

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 131


obrigatoriedade dos tipos de instrumentos a serem utilizados, desta forma, aqui
compartilharemos uma experiência a qual desejamos que contribua para prática dos
parceiros de profissão.
Pedro (nome fictício) têm 16 anos e foi indicado à realizar Cirurgia Bariátrica por
causa do seu IMC = 41 kg/m2, pontuação que está dentro dos critérios para a realização
da CB e que dispensa a obrigatoriedade de comorbidades.
1º encontro- Entrevista inicial com os responsáveis
Compareceram para entrevista pai e mãe de Pedro orientados pelo médico que
o acompanha como sugestão de realizar a CB. A mãe é obesa com histórico familiar de
obesidade (mãe ,pai, irmãos e avós) e o pai não apresenta obesidade e não têm histórico
familiar sobre essa condição de saúde.
A mãe verbaliza muita insegurança na tomada de decisão em relação a CB de Pedro,
pois afirma que ele gosta muito de comer e sabe que após a cirurgia terá muitas restrições,
além do medo da “pressão psicológica”, pois Pedro chora frequentemente, se isola quando
se sente inseguro, é ofendido ou contrariado, mas começou a considerar a alternativa por
perceber que sua condição de saúde está impactando nas relações sociais.Ela é pedagoga,
o filho estuda na mesma escola na qual trabalha e ela percebe que as brincadeiras dos
colegas afetam sua autoestima e traz evitação de alguns eventos como festas que tenham
piscina e atividades que ele tenha que correr (pois sente o corpo balançando). Sobre essas
evitações a mãe relata “Ele não fala, mas consigo perceber porque também passei por isso
na idade dele” (sic).
O pai diz também ter receio da CB, mas crer ser a melhor alternativa “Tenho medo
claro! Mas não vejo outro caminho, por mais que eu fale para cortar as besteiras ele tem
muito acesso a biscoito, pão, chocolate ... tudo frito, fast food toda hora ... ela gosta também
né, sou homem, imagino o que um filho não passa de zoação sendo gordo nesta idade “
(sic).
Questionou-se os pais sobre as tentativas de reeducação alimentar e atividade física
e o pai logo responde “Já levei no nutricionista, mas ele não tem controle nem vontade
própria e sempre tem besteira em casa porque temos outro filho, ele não tem nada com
isso,então compramos para ele e o Pedro come escondido. Lá em casa a prioridade são
os estudos ... está certo! Mas ele vai para escola com a mãe e só volta a tarde, não faz os
trabalhos lá, então quando termina já esta tarde para fazer qualquer exercício. Acho um
erro, esporte é vida! Só faz na escola quando não consegue se esconder, os meninos não
chamam ele pros times”(sic).
2º encontro- Entrevista com Pedro
Recebo Pedro no consultório e o convido a entrar, ele aceita com um sorriso tímido e
evitando contato visual. Inicio perguntando sobre seus conhecimentos sobre sua presença
ali, se tinha conhecimento sobre a Avaliação Psicológica e sobre o procedimento cirúrgico.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 132


Pedro sinaliza conhecimento sobre a avaliação psicológica, mas sobre o procedimento
responde “Sei sim, o médico indicou a cirurgia porque não estou conseguindo emagrecer “.
Peço para que me fale um pouco sobre sua rotina e Pedro me explica que, por
questões financeiras, mudou de escola naquele ano para estudar no colégio que a mãe
trabalha.. A escola é em outro município, por isso sai de casa muito cedo e retorna no final
da tarde. Quando está na escola divide seu tempo entre pesquisa na internet e a alguns
trabalhos da escola.
Quando perguntado sobre a nova escola “Não gosto muito, na outra estudava desde
pequeno, tinha amigos, aqui ainda não tenho amigos, todos têm seus grupos e acabo
ficando sozinho. Queria mesmo era voltar para outra”. No que se refere ao desempenho
escolar, apresentou bons resultados nas avaliações, é interessado e responsável com as
atividades propostas.
Não faz atividades físicas, exceto quando há exigência na aula de educação física.
Quando verificado se há incentivo familiar para a pratica de esporte ou atividades físicas
respondeu: “ Não gosto de esporte, um pouco de futebol, meu pai sempre chama eu, meu
irmão, mas eu não gosto”.
Sobre a alimentação revelou uma dieta com alto teor calórico e uma relação afetiva
e de parceria com a mãe na ingestão de guloseimas “Eu e minha mãe passamos sempre
na loja de doces para comprarmos coisas pra comer vendo filmes, fazer maratonas de
séries juntos, adoramos! É divertido, comemos até não aguentar mais! Às vezes fazemos
brigadeiro, pipoca, batata frita, meu irmão quase não come”.
Sobre a motivação para Cirurgia Bariátrica “ Eu quero fazer porque dieta é muito
ruim e eu quero emagrecer. As pessoas riem de gordo e eu sinto vergonha”.
3º encontro - Teste HTP- House , Tree, Person
No segundo encontro com Pedro foi aplicado o teste HTP com objetivo de avaliar
sua autopercepção , autoestima e sentimento de inadequação. Os resultados obtidos foram:

• conteúdos relacionados a retraimento

• regressão

• organicidade preocupação consigo mesmo

• fixação no passado

• impulsividade

• necessidade de gratificação imediata

• concretismo

• insegurança

• Sentimento de inadequação

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 133


• necessidade de controle

• dependência.
4º encontro- EPQ-- J- Questionário de Personalidade para Crianças e Adolescente
e Psicoeducação
No quarto encontro aplicamos o instrumento EPQ-J de avaliação da Personalidade
para Crianças e Adolescente cuja finalidade é a avaliação de traços de personalidade e,
como atividade psicoeducacional, discutimos as complexidades do pós cirúrgico.
Os resultados do EPQ-J revelaram:

• Neuroticismo Alto - sujeitos com altos escores neste fator são definidos como
ansiosos, deprimidos, tensos, irracionais, tímidos, melancólicos, emotivos, com
tendência a sentir culpa e baixa autoestima

• Extroversão baixa - sugerindo retraimento e introspecção

• Psicoticismo médio - revelando empatia e habilidade para o trato interpessoal


Após a aplicação do teste apresentemos à Pedro os procedimentos de Cirurgia
Bariátrica, o processo de reeducação alimentar, as mudanças corporais, casos de
sucesso, mas também as principais queixas do pós cirúrgico. É importante apresentar
esses conteúdos baseados em conhecimentos científicos, mas em uma linguagem de fácil
compreensão e de forma leve para que o paciente se sinta à vontade para esclarecer as
dúvidas.
De tudo que discutimos, Pedro ficou muito assustado com as restrições do pós
cirúrgico, com a diminuição da quantidade e restrição de alguns alimentos “Só liquido! Eu
nem tomo sopa, quase nem tomo água, será terrível”.
5º Encontro- BSQ-4- Body Shape Questionnaire
No nosso quinto encontro foi aplicado o instrumento de apoio BSQ-4- Questionário
sobre a Imagem Corporal e seu resultado revelou grave insatisfação corporal. No entanto
para Pedro não foi necessário o teste de inteligência, pois durante o processo demonstrou
boa compreensão das orientações e do processo de Cirurgia Bariátrica, apontando em
seus comentários entendimento das etapas do pós cirúrgico.
Utilizei parte de nosso encontro para explorar as queixas de sua imagem corporal
e Pedro revelou em suas respostas insegurança na aproximação de seus pares, temendo
ser rejeitado pela sua aparência, e esse sentimentos e potencializou com a mudança de
escola. Evita situações nas quais as atenções estejam voltadas para ele, por isso evita
festas e prefere se divertir em casa com a mãe e o irmão. Quando questiono se gostaria de
frequentar as festas de seus amigos Pedro diz que sim e chora.
6º Etapa - Análise dos dados
Diante do que foi narrado, Pedro é um típico exemplo dos Adolescente que buscam
a CB para obter uma redução rápida de peso por insatisfação com a imagem corporal,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 134


potencializado pela necessidade de ser aceito por seus pares, característica típica desta
fase do desenvolvimento, embora não trata-se de um procedimento estético.
Pedro não apresentou nenhuma das restrições imposta pela resolução, mas revelou
pontos de atenção que podem impactar no agravo ou desenvolvimento de psicopatologias
no pós cirúrgico: comportamento compulsivo, grave insatisfação corporal, impulsividade e
busca de satisfação imediata.
Na psicoeducação o excesso de pele e uma possível necessidade de plástica
não pareceu assusta-lo, deixando transparecer que a perda de peso já seria uma boa
gratificação, porém a grave insatisfação corporal tem revelado altas correlações com
ansiedade e depressão no pós cirúrgico em razão do formato do corpo com excesso de
pele.
Os hábitos alimentares inadequados no que se refere a qualidade e quantidade
associados ao vinculo afetivo, a busca de satisfação imediata e a impulsividade revelam-
se como um risco no enfrentamento às dietas altamente restritivas e que poderá impactar
na rotina familiar e potencializar a ansiedade, irritabilidade e melancolia.
7º encontro- Entrevistas devolutivas
Na entrevista devolutiva inicialmente somente com Pedro e em seguida juntos com
seus pais, inicio citando os critérios restritivos para Cirurgia Bariátrica e os tranquilizo
revelando que não identifiquei na investigação nenhum transtorno psicológico/psiquiátrico,
mas os testes apontam características que podem comprometer um pós cirúrgico saudável
e por este motivo não recomento o procedimento. Destaco também que a CB só deve ser
indicada após tentativas de reeducação alimentar e atividades físicas sem sucesso, que
pelos relatos as tentativas ocorreram uma única vez quando em uma consulta inicial com
a nutricionista.
Sugiro que Pedro e a Mãe façam acompanhamento com uma Nutricionista e que
administrem os horários para que haja viabilidade da prática de exercícios não só para
perda de peso, mas para promoção de qualidade de vida e que preferencialmente fosse
uma atividade por ele escolhida.
Recomendo também acompanhamento terapêutico, preferencialmente na
abordagem cognitiva comportamental em razão de sua eficácia para tratar as questões
alimentares, mas para que também intervisse nas questões referentes a autoestima,
impulsividade e insatisfação corporal.

3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da pergunta a ser respondida no processo de avaliação para Cirurgia
Bariátrica ser se o avaliado está apto ou inapto para fazer a Cirurgia Bariátrica, hoje entendo
que isso demanda uma avaliação holística, típica de uma avaliação conceitualmente clínica,
que vai envolver não só características específicas desse paciente, mas sim motivadores

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 135


para tomada de decisão, suporte familiar, motivação para aquela escolha. Muito ainda há
para pesquisar e discutir com relação a Avaliação Psicológica para CB, mas espero que
o relato de experiência apresetanado possa contribuir para prática de nossos parceiros
assim como fomentar novas discussões.

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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 11 137


CAPÍTULO 12
doi
A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO PARA
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA AO PORTE E POSSE DE
ARMA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

Data de aceite: 01/02/2021 na avaliação para obtenção de registro de


armas de fogo; compreender as determinações
legais que envolvem a posse e porte de armas
de fogo; ressaltar a importância da avaliação
Marcela Vieira de Freitas
psicológica para tal finalidade. Utilizando como
Autarquia Educacional de Belo Jardim
metodologia a revisão integrativa de literatura
Michele Francisca Anteportam dos Santos foi possível confirmar a importância da AP para
Autarquia Educacional de Belo Jardim o porte de arma, como também a necessidade
de que psicólogas e psicólogos estejam atentos
as atualizações e questões éticas que envolvem
a avaliação e testagem, como também a
RESUMO: A flexibilização do porte e posse escassez de estudos recentes, sendo importante
de armas de fogo é um tema que sempre discutir sobre o tema, principalmente entre os
divide opiniões, algumas pessoas afirmam profissionais que desejam atuar na áreas.
ser necessário para segurança de seus PALAVRAS-CHAVE: Avaliação Psicológica,
estabelecimentos, residências e familiares, Porte de armas, Armas de fogo.
outas pessoas afirmam que pode estimular a
propagação de violência e motes. Poucos sabem ABSTRACT: The flexibilization of possession and
que para obter uma arma de fogo, seja para a bearing firearms is always a divisor of opinions
posse ou porte é obrigatório que passar por subject, while some claim it is necessary for
uma avaliação psicológica (AP), que envolve a their properties’ and family’s safety, others claim
aplicação de testes e entrevistas. Processo pelo it can stimulate the spread of violence. What
qual não só os cidadãos civis como também os only a few people know is that to get a firearm
aprovados em concursos policiais e militares de it’s required a psychological assessment, which
uma forma geral. Diante do exposto o presente includes some tests and interviews. It’s important
trabalho buscou compreender: Como a avaliação to remember that not only civilians’ citizens have
psicologia adequada pode contribuir para to do this process, but also those approved
uma melhor seleção do perfil psicológico para in the police and military tenders. Given the
aqueles que pretendem possuir uma arma? above, this article aimed to understand: How a
Atrelando junto a problemática, o objetivo geral proper psychological assessment can contribute
buscou identificar o papel do psicólogo e sua to a better psychological profile selection of
contribuição na avaliação de candidatos que those intending to possess a firearm? Linked
desejam obter o porte de arma. Para responder to the problematic issue, the overall purpose
a problemática apresentada foram seguidos os aimed to identify the psychologist’s role and his
objetivos específicos que são: apresentar uma contribution to the candidates’ evaluation. As an
breve explanação sobre avaliação psicológica; answer to the previous problem these are the
Identificar quais testes são mais recomendados specifics objectives in this article: to present a

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 138


brief description of psychological assessment; to identify which tests are recommended in
the weapons evaluation register; to understand the legal determinations of possessing and
bearing firearms; to highlight the importance of psychological assessment for this purpose.
Based on the bibliographic review it was possible to confirm the importance of psychological
assessment to possessing firearms and the need of psychologists’ attention to ethical issues
involving the testing methods and assessment. Due the lack of studies about the subject, it’s
very important to discuss it, especially among those professionals who intend to enter this
area.
KEYWORDS: Psychological assessment, possessing firearms, firearms.

1 | INTRODUÇÃO
Em tempos atuais, assuntos relacionados a comercialização e circulação de armas
estão ao lado das temáticas mais discutidas ligadas à Segurança Pública no plano de
prioridade mundial. Tanto a sociedade, quanto a governança visam em seus atos e ações,
proteger ao passo que disseminam condutas, saberes e ideias, a necessidade de poder
circular com arma de fogo livremente. Visto essa proteção, no Brasil, desde a edição do
Estatuto do Desarmamento (2003), o controle de armas tornou a posse e especialmente o
porte de armas mais restrito, e a avaliação psicológica passou a ser obrigatória, só após
ser considerado apto o candidato é autorizado a dar continuidade ao processo e avaliação
técnica.
Têm sido polarizadas e realçadas pelos mais diversos organismos (entidades
privadas, Estado), ações voltadas a Segurança Pública a circulação e registro de armas.
Nesse sentido, considerando as mudanças sociais no que diz respeito a crescente
participação da sociedade no gerenciamento de políticas protetivas do indivíduo e
compreendendo-se a necessidade de efetivação de políticas públicas direcionadas pelo
Estado à proteção cidadã.
Após a edição do Estatuto do Desarmamento no Brasil, que é a Lei nº 10826/03,
mostra que o controle de armas passou a ser um processo mais restrito, a posse é
concedida à policiais militares, responsáveis pela segurança pública, guardas municipais
em municípios com mais quinhentos mil habitantes, e demais funções apenas previstos
em legislação especificados segundo a referida lei (BRASIL, 2003). Sendo assim, para as
pessoas sem as profissões mencionadas anteriormente, o porte torna-se proibido.
Sobre a questão voltada a quem pode, ou não, ter a posse de uma arma,
profissionais de saúde ,tais como, psicólogos e psiquiatras, são essenciais para o papel
de desmistificador de que todo cidadão de bem pode possuir arma, pois, ele busca no
indivíduo características que podem ou não deixar de fora toda situação que o conduziu
até ali. Sendo assim, a função do psicólogo na sociedade é dar voz e vez para o sujeito
(SELL, 2016). Isso é possível através da avaliação psicológica que utiliza instrumentos e
técnicas especificas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 139


No entanto, como retrata Caneda (2012) a avaliação psicológica para o porte de
arma apresenta dificuldades e limitações em sua fundamentação e exercício profissional,
com base na legislação brasileira vigente.
Desta forma, o presente trabalho pretende apresentar as contribuições do psicólogo
a sociedade sobre a avaliação psicológica ao porte de arma. com base nessas informações,
deve-se frisar que a conscientização/ compreensão do sujeito é fundamental e não consiste
meramente em uma simples mudança de opinião sobre a realidade, tampouco na mudança
da subjetividade. Portanto, a problemática do referido trabalho se estende a compreender:
Como a avaliação psicologia adequada pode contribuir para uma melhor seleção do perfil
psicológico para aqueles que pretendem possuir uma arma? Atrelando junto a problemática,
o objetivo geral: Identificar o papel do psicólogo e sua contribuição analisando através de
testes os perfis psicológicos de candidatos que desejam obter o porte de arma.
Para responder a problemática apresentada foram seguidos os objetivos específicos
que são: apresentar uma breve explanação sobre avaliação psicológica; Identificar quais
testes são mais recomendados na avaliação para obtenção de registro de armas de fogo;
compreender as determinações legais que envolvem a posse e porte de armas de fogo;
ressaltar a importância da avaliação psicológica para tal finalidade.
Utilizando como metodologia a revisão integrativa, método que tem como finalidade
sintetizar resultados obtidos em pesquisas sobre um tema ou questão, de maneira
sistemática, ordenada e abrangente (MENDES; SILVEIRA; GALVAO, 2008). Estruturando
assim o presente trabalho em cinco partes, uma abordagem geral sobre o tema, estas
considerações iniciais da introdução, seguida das fundamentações teóricas com a
explanação sobre avaliação psicológica, os principais testes utilizados para obtenção de
registro de armas de fogo, a legislação vigente e a importância da avaliação psicológica
para esta finalidade. A terceira parte do trabalho está reservada ao detalhamento da
metodologia utilizada, seguida da apresentação dos resultados e discussões na quarta
parte e por fim as considerações finais.

2 | MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa que se utilizou da revisão integrativa de literatura científica
existente sobre a temática, um dos métodos de pesquisa utilizados na prática baseada
em evidências que permite a incorporação dos resultados deste tipo de estudo na prática
clínica (MENDES; SILVEIRA; GALVAO, 2008), pois tem a finalidade de reunir e sintetizar
resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática
e ordenada, que visa obter um profundo entendimento de um determinado fenômeno
baseando-se em estudos anteriores (BROOME, 2006).
Por se tratar de um método revisão amplo permite a inclusão de diferentes tipos de
pesquisa proporcionando uma compreensão mais completa do tema estudado, permitindo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 140


a combinação de dados de literatura teórica e empírica, proporcionando como resultado
um quadro completo de conceitos complexos, de teorias ou problemas relativos a temática
estudada (MENDES; SILVEIRA; GALVAO, 2008).
Sobre a predominância da abordagem qualitativa deve-se ao fato do caráter
exploratório da pesquisa. Silva e Menezes (2005) refere-se como, a interpretação dos
fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa
(SILVA; MENEZES, 2005).
Sobre os dados que foram apresentados, as técnicas dos respectivos procedimentos
foram através da técnica bibliográfica, pois, foi elaborada a partir de materiais publicados,
por meio de livros, periódicos, material disponibilizado na internet sobre a uma avaliação
psicologia criteriosa em relação ao porte e posse de arma. Aplicando também a técnica
documental, pois, alguns dos documentos a serem mencionados não receberam tratamento
analítico (LAKATOS, MARCONI, 2007).
A elaboração desta revisão integrativa transcorreu dividida em seis etapas (MENDES;
SILVEIRA; GALVAO, 2008):

1º) Definição da pergunta norteadora a ser respondida;

2º) Realização da busca para identificar e coletar o máximo de pesquisas


primárias relevantes dentro dos critérios de inclusão e exclusão previamente
estabelecidos (BEYEA; NICOLL, 1998);

3º) Análise crítica dos critérios e métodos empregados nos vários estudos
selecionados para determinar se são válidos metodologicamente;

4º) Avaliação de maneira sistemática dos estudos selecionados;

5º) Interpretação e síntese dos dados (ARMSTRONG; BORTZ, 2001);

6º) Conclusões/ Apresentação da Revisão integrativa.

2.1 Critérios de inclusão e exclusão


Foram adotados os seguintes critérios de inclusão:
Os estudos selecionados tiveram com abrangência temporal de 2010 a 2019;
Estudos open acess, do tipo documental, experimental, observacional, longitudinal
prospectivo e ensaio clínico nos idiomas português, inglês e espanhol. Salientando que,
bibliografia datada anterior a estas (2010 -2019) foram tidas com os essenciais para a
composição do teor do estudo.
Foram realizados levantamentos por meio bibliográficos através das bases de dados
eletrônicas, tais como: MEDLINE (acesso via PubMed), Literatura Latino-Americana e do

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 141


Caribe em Ciências da Saúde (LILACS, via BVS), MEDLINE (via BVS), IBECS (via BVS) e
SciELO. A busca foi realizada por duas pesquisadoras, Marcela Vieira de Freitas e Michele
Francisca Anteportam dos Santos, de forma independente e depois comparadas a fim de
verificar a semelhança entre os artigos encontrados.
Foram excluídos do estudo:
Estudos que não apresentarem nada relacionado ao tema ou com metodologias
imprecisas na análise dos resultados e que não se enquadrassem em nenhuma dos
requisitos citados anteriormente pelas pesquisadoras.

2.2 Análise de dados


Para a análise dos dados optou-se por uma Análise Textual Descritiva (ATD), em
que compreende a descrição e interpretação do conteúdo com a finalidade de elucidar a
compreensão do tema estudado, onde os textos são reunidos em unidades de significado
afim de que possam ser interpretados e agrupados de acordo com suas semelhanças,
colaborando para a produção de novos argumentos (MORAES;GALLIAZI, 2006).

2.3 População e amostra


A população escolhida para esse estudo foi composta por estudos e pesquisas já
realizadas, publicadas em plataformas digitais como a MEDLINE (acesso via PubMed),
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS, via BVS),
MEDLINE (via BVS), IBECS (via BVS) e SciELO. Que apresentam como palavras chave
temas relacionados ao porte e posse de armas e avaliação psicológica.
Neste contexto a amostra foi composta por artigos selecionados de acordo com a
variável de interesse, totalizando um quantitativo de 9 artigos, selecionados a partir de uma
leitura criteriosa dos materiais encontrados, sendo definida apenas aquelas que atendiam
aos critérios de inclusão do estudo e respondiam à questão problema da pesquisa.

3 | REFERENCIAL TEÓRICO
Na atuação profissional do psicólogo a avaliação se faz presente em todas as áreas,
pois para qualquer intervenção psicológica antes é preciso uma análise sobre o indivíduo
e meio que está inserido para compreender suas demandas. A avaliação psicológica só
pode ser realizada com base em teorias, técnicas e estudos cientificamente comprovados.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) define a avaliação psicológica como sendo
um processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações
a respeito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da relação do indivíduo com
a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas, métodos, técnicas e
instrumentos. (RESOLUÇÃO CFP 07/2003).
A avalição psicológica torna possível investigar, descrever e/ou mensurar
características e processos psicológicos, como emoção, afeto, cognição, inteligência,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 142


motivação, personalidade, atenção, memória, percepção, entre outros (RESOLUÇÃO CFP
07/2003).
Considerada uma das áreas mais antigas da psicologia e uma prática exclusiva
do profissional de psicologia, a avaliação psicológica é um processo flexível que objetiva
chegar a uma conclusão a respeito de uma ou mais questões psicológicas do ser investigado
(ANASTAASIA, 2000; URBINA, 2007).
A utilização de testes (testagem) é apenas uma das etapas no processo de avaliação.
E para saber se os testes são regulamentados, aprovados ou se ainda estão em vigor, o
CFP (Conselho Federal de Psicologia) disponibilizado na plataforma SATEPSI (Sistema de
Avaliação de Testes Psicológicos). Esta plataforma avalia a qualidade técnico-cientifica de
instrumentos psicológicos para uso profissional, verificando de forma objetiva um conjunto
de requisitos técnicos e divulgando informações sobre os testes psicológicos. Portanto,
antes da testagem psicológica a(o) psicóloga(o) deve consultar na plataforma SATEPSI a
regularização dos testes escolhidos (CRP-SP, 2020).

3.1 A avaliação psicológica para o porte e posse de arma


A avaliação psicológica é umas das áreas mais importantes da Psicologia pois
possibilita a compreensão do funcionamento psíquico e comportamental do indivíduo, é
um procedimento que visa avaliar, através de instrumentos previamente validados para a
determinada função, os diversos processos psicológicos que compõe o indivíduo, sendo
o psicólogo o único profissional habilitado por lei para exercer esta função (WECHSLER,
2019).
Os testes psicológicos representam uma contribuição essencial para esta área na
medida em que permitem o diagnóstico e a intervenção em diferentes contextos, sendo
utilizado em nível universal para todas as faixas etárias (GEINSIGER, 2013). Diretrizes
internacionais, como por exemplo da International Test Commission (2018), têm sido
divulgadas no sentido de orientar pesquisadores e profissionais sobre os critérios
científicos na prática e nas investigações no uso de testes psicológicos, sejam estes em
forma impressa ou digital.
O desenvolvimento da área de testes psicológicos em um país depende, entretanto,
de várias circunstâncias, segundo Oakland (2013), tais como a existência de uma atitude
positiva para sua utilização, o avanço da disciplina de Psicologia, a qualidade da formação,
a existência de associações profissionais fortes para sua regulamentação daqueles que se
enquadram nos requisitos ao porte de arma.
Vale ressaltar que, para realizar a avaliação destinada ao porte e posse de armas
de fogo o psicólogo ou psicóloga além do registro ativo no Conselho Federal de Psicologia,
deve estar credenciado pela polícia Federal. Observando que esse credenciamento
autoriza os psicólogos habilitados a realizar avaliações e emitir laudos, para comprovação
de aptidão psicológica para o manuseio de arma, esse requerimento pode ser feito através
da do formulário como demonstra o (anexo A).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 143


Além dos requisitos mencionados, o profissional tem quem comprovar atuação de
no mínimo dois anos como psicólogo; não possuir antecedentes criminais; possuir local
(consultório) de acordo com a vigilância sanitária e para ser aprovado, precisa ainda
ser vistoriado pela Polícia Federal e aguardar um prazo médio de 180 dias; ter curso de
capacitação (de no mínimo 40 horas) para aplicação de teste psicólogos para porte e posse
arma; ter conhecimento de pelo menos um teste projetivo, de memória e conhecimento de
entrevista semi-estruturada (DPF nº 78 de 2014).
Sobre os instrumentos utilizados na avaliação, todos devem estar de acordo com
as normatizações do Conselho Federal de Psicologia, seguindo todas as recomendações
técnicas e éticas, assim como os testes que também precisam estar validados pelo CFP
(CFP, 2003).
Esta validação pode ser consultada na plataforma SATEPSI, mencionada
anteriormente. Sobre tempo determinado para realizar o processo de avaliação uma
duração entorno de 1h e 30 min., sendo realizada de forma individual com resultado em
aproximadamente 24h, sendo apresentado no modelo de laudo indicando aptidão ou
inaptidão do candidato. Quando acontece de o resultado apresentar inaptidão o candidato
poderá se submeter a nova avaliação no prazo de 30 dias, contando da data da primeira
avaliação (SILVA, 2011).
Antes da avaliação para porte (indica poder transitar/circular com a arma de fogo
portando-a em qualquer ambiente) e posse (dá direito ao cidadão manter a arma de fogo
no interior de sua residência ou em seu local de trabalho, desde que o dono da arma
seja também o responsável legal do estabelecimento) o candidato deve apresentar uma
declaração informando a necessidade e apresentar documento de identidade, além de não
estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal (RAFALSK et al., 2015).
A criação da Lei nº 10.826/2003 foi um marco em sua representatividade, pois, com
o seu surgimento a Lei nº 9.437/1997 foi revogada, e desde então passou a ser conhecida
como Estatuto do Desarmamento, na legislação vigente do atual ordenamento jurídico
brasileiro.
Estatuto do Desarmamento foi criado, principalmente, para restringir o porte de arma
de fogo por civis, de modo que foram limitadas as possibilidades e instituídos requisitos mais
específicos para a aquisição, bem como foram estabelecidas restrições quanto ao registro,
posse e comercialização de armas de fogo e de munições (ALMEIDA, 2005, p.259).
No entanto, em substituição a nova Lei nº 10.826/2003 trouxe consigo
aperfeiçoamento que a legislação anterior não previa, tais como restringir a sua
diversificação para com os beneficiários e acerca de requisitos de quem poderia obter o
porte de arma, limitando ao mesmo tempo instituições e órgãos diretos ou indiretamente
vinculados à segurança pública (ALMEIDA, 2005).
Órgãos como o SINARM (Sistema Nacional de Armas), foram criados para
“centralizar os registros e autorizações de aquisição emitidos pelas polícias estaduais em

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 144


um banco de dados no âmbito do Departamento de Polícia Federal” (ZULTAUSKAS, 2012,
p.1). Notável, que o intuito do SINARM é de manter um controle de movimentação das
aquisições de armas dentro de cada Estado. O controle sobre o armamento envolve todas
as possíveis situações em que este possa se encontrar, desde a sua fabricação até sua
destruição.
O banco de dados do SINARM, funciona como espécie de um “cartório de registro
civil”, para armas, pois nela deverá conter o seu histórico de seu tempo de vida, ou seja,
fabricação, finalidade de uso, e sua morte, data de sua inatividade (ZULTAUSKAS, 2012).
Portanto, a Lei nº 10.826, de dezembro de 2003, em resumo, proíbe o porte de
arma de fogo em todo o território nacional, sendo permitido apenas quando o cargo ou
função exige o uso desse tipo de equipamento. Este porte funcional se aplica a diversos
profissionais da área de segurança pública, tais como policiais militares e civis, integrantes
da Força Nacional de Segurança Pública, agentes operacionais da Agência Brasileira
de Inteligência, integrantes das Forças Armadas, empresas de segurança privada e de
transporte de valores constituídas, entre outras.
No entanto, como mencionado, todos estes profissionais precisam passar pela
avaliação psicológica antes da obtenção do porte funcional de arma de fogo, mesmo tendo
sido aprovado no concurso para a função.

3.2 Testes utilizados para traçar o perfil psicológico do candidato


Antes de se adentrar no assunto sobre testes psicológicos, se faz necessário distinguir
de forma esclarecedora, a diferença entre testagem e testes psicológico. A testagem
psicológica, pode ser considerada um processo, cuja principal fonte de informação são os
testes psicológicos de diferentes tipos (MACHADO, 2016). Já os testes psicológicos, são
instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas, constituindo- se
um método ou uma técnica de uso privativo do psicólogo, em decorrência do que dispõe o
§ 1° do art. 13 da lei no 4.119/62. (RESOLUÇÃO CFP 002/2003)
Os testes psicológicos são procedimentos sistemáticos de observação e registro de
amostras de comportamentos e respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou
mensurar características e processos psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas
áreas emoção/afeto, cognição/inteligência, motivação, personalidade ,psicomotricidade,
atenção, memória, percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão,
segundo padrões definidos pela construção dos instrumentos (GOUVEIA, 2018).
No Art. 5º da Instrução Normativa Nº 78, de 10 de fevereiro de 2014, da Polícia
Federal, a bateria de instrumentos de avaliação psicológica utilizados na aferição das
características de personalidade e habilidades específicas dos usuários de arma de fogo e
dos vigilantes deverá contar com, no mínimo:
I - 01 teste projetivo;
II - 01 teste expressivo;

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 145


III - 01 teste de memória;
IV - 01 teste de atenção difusa e concentrada; e
V - 01 entrevista semi-estruturada
Tais exigências são necessárias divido a complexidade do processo de avaliação
que não deve se resumir a uma única testagem.
A avaliação psicológica é amplamente utilizada em diversos contextos, e pode ser
definida como um conjunto de técnicas e procedimentos que tem o objetivo de verificar
determinadas características psicológicas de uma pessoa, sendo o psicólogo o único
profissional habilitado por lei para exercer esta função (CFP 007/2003).O objetivo da
avaliação psicológica não é fazer julgamentos morais ou estabelecer critério de certo ou
errado e sim buscar entender a partir de técnicas especificas as diferenças individuais,
no que diz respeito às suas capacidades, habilidades, características de personalidade,
comportamentos ou algum possível conflito (interno ou externo) de determinada pessoa.

3.2.1 Teste projetivo e teste expressivo

Os testes projetivos são caracterizados por projetar aspectos da personalidade do


ser que está fazendo o teste. Lembrando que, os testes projetivos não focam no interesse
apenas nas características emocionais, motivacionais e interpessoais, mas também
nos aspectos intelectuais do sujeito (PINTO, 2014). Portanto as técnicas projetivas são
aplicadas com a finalidade de interpretar cada estímulo trazido pelo inconsciente da
personalidade do ser testado (TORRES, 2010).
Através do teste projetivo, o sujeito em que se aplica o teste recebe um material no
qual é desprovido de sentido e até mesmo de significado, e a partir destes, ele irá formular
sentido, em que representará o seu sistema de personalidade, equilíbrio e de como este
aprende com o mundo (TORRES, 2010).
Dentre vários testes projetivos existentes dentro da psicologia, os mais utilizados
para este tipo de avaliação são o Rorschach e seu sistema compreensivo de Exner, o Teste
de Apercepção Temática e o Teste Zulliger (Z-teste). Desta maneira, tais técnicas abordam
uma investigação dinâmica e holística da personalidade.
A técnica de manchas de tintas de Rorschach, é considerada uma técnica individual
de caráter clínico, pois se situa no campo da percepção e projeção, que por sua vez cumpre
um papel bastante complexo, que é caracterizado por detectar uma sensível variação
dentro do quadro clínico (CUNHA, 2000). No entanto, o objetivo principal deste teste é a
captação das manchas de tintas e sua transformação no processamento de como o ser
transparece a sua estrutura de personalidade. Seu procedimento origina-se através de um
conjunto de placas que recebem padrões de manchas diferentes, sendo estas coloridas ou
não (figura 01).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 146


O procedimento do uso da técnica de Rorschach, cria uma série de requisitos a
serem seguidos, desde o rapport ao registro de dados, todo essa catalogação é necessária
para que ao final, sejam analisados mais precisamente todos os dados coletados durante
a sessão.

Figura 1. Imagens utilizadas nas pranchas do teste de Rorschach


Fonte: Minuto Psicologia, 2014(http://www.minutopsicologia.com.br/postagens/2014/07/17/o-teste-
rorschach/.)

Aplicação deste teste, é procedida por profissional responsável que entrega a


prancha para o avaliado e este em seguida irá dizer ao psicólogo o que vê nos cartões
entregue. Ressaltando sempre, que a figura do psicólogo deve evitar ao máximo qualquer
interferência durante a avaliação. Após, a avaliação a análise do registro documental do
avaliado, é possível detectar a interpretação das respostas, as impressões e comentários
intelectuais em torno dos estímulos apresentados nas diferentes pranchas (GONÇALVES
et al, 2001).
Como ressalta Karla Alves e seus colaboradores (2007), através deste método,
existe a grande possibilidade de se diagnosticar os afetos, as emoções, as condições de
relacionamento humano, o nível de ansiedade, o controle da agressividade, o poder de
controle de uma pessoa, não apenas tomados isoladamente, mas considerando um todo
estrutural, dinâmico e funcional da personalidade.
Após a compreensão desse método de investigação de personalidade, pode-se
agora ressaltar um outro sistema contributivo que auxiliar o teste de Rorschach conhecido
como o sistema compreensivo do Exner.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 147


O sistema compreensivo do Exner, é considerado um instrumento de confiabilidade,
por apresentar uma objetividade e precisão nos resultados gerados pelo teste de Rorschach.
No entanto, para garantir sua eficiência, é necessário trabalhar sua normativa de acordo
com a população estudada (NASCIMENTO, 2002). Como por exemplo a (Tabela 1) a seguir:

Sexo N %
Feminino 77 89,5
Masculino 9 10,5
Total 86 100,0
Faixa etária N %
20 - 29 anos 22 25,6
30 - 39 anos 37 43,0
40 - 49 anos 14 16,3
50 - 59 anos 7 8,1
Sem resposta 6 7,0
Total 86 100,0

Tabela 1. Exemplo de como se trabalha o sistema Exner


Fonte: Acervo da autora, 2020

Como pode ser visto, é apenas um exemplo de como o sistema Exner pode ser
aplicado, e como é confirmado por Nascimento (2002), para garantir a sua eficiência, tem
que se aplicar em uma comunidade específica.
O Teste de Apercepção Temática é Determinado como um teste projetivo
desenvolvido em 1935 por Henry Murray, foi desenvolvido para medir determinadas
características da personalidade, como os motivos, e foi muito utilizado no estudo da
motivação. Nesse teste, se utiliza como instrumento de avaliação, 31 lâminas com imagens
em preto e branco que representam diferentes situações da vida. Algumas delas são
comuns, enquanto outras estão especificamente indicadas em função do sexo e da idade
da pessoa avaliada. São apresentadas apenas 20 lâminas a cada indivíduo, divididas em
duas sessões.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 148


Figura 2. Exemplo de lâmina no teste de acepção temática
Fonte: Márcia Gonçalves Avelar, 2019. (< https://slideplayer.com.br/slide/15123874/>.)

Após observar cada imagem, a pessoa deve narrar uma história que contenha
passado, presente e futuro, enfatizando o que cada personagem está sentindo e pensando
(MENTE MARAVILHOSA, 2019). Por outro lado, as ações e emoções do restante dos
personagens serão uma projeção de como a pessoa percebe o seu ambiente. O que ela
deseja e o que teme que aconteça, bem como os impulsos inconscientes que tem e se
nega a reconhecer.
Este instrumento proporciona uma grande quantidade de informação sobre a
personalidade do indivíduo. Através das suas narrações, pode se elucidar a imagem que
ele tem de si mesmo, como são as relações com o seu entorno, e a existência de conflitos
latentes (PARADA, 2011).

Figura 3. Lâminas do teste de Zulliger


Fonte: Leticia Motta, 2019 (< http://www.cutedrop.com.br/rorschach-respostas/>.)

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 149


O Teste Zulliger (Z-teste), também conhecido como teste Z, é uma técnica
projecional que tem como objetivo descrever características da nossa personalidade de
uma forma simples e eficaz, sem perder a modalidade interpretativa da psicanálise. E pode
ser usado na seleção de pessoal, tendo origem na necessidade de criar uma prova que
possa ser aplicada a um coletivo sem perder a fiabilidade nem a validez própria de um teste
psicométrico (VILLEMOR-AMARAL et al., 2009).
Esta técnica projecional consta de três imagens com uma mancha em cada uma
(muito semelhantes ao teste de Rorschach). As manchas devem ser interpretadas e,
com cada interpretação, o profissional adequado deve elaborar um perfil psicológico. O
manual para interpretar as respostas do teste de Zulliger contém muito mais fatores que
ajudam a melhorar a validez e fiabilidade da prova, o que supõe um grande objetivo para as
técnicas projecionais, uma vez que costumam ser criticadas precisamente por terem uma
interpretação demasiado objetiva.
Como visto, em todos os testes, existe a necessidade de um profissional qualificado
como o psicólogo, que tenham conhecimentos essenciais para a aplicação dos testes
projetivos comentados no trabalho.
Os testes Expressivos assim como os projetivos também investigam elementos da
personalidade avaliando o estímulo da resposta do sujeito, utilizando o teste Palográfico
ou o Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), que tem como característica começar com
uma expressão consciente e em seguida o avaliando flui expressando as características
inconscientes da sua personalidade.
O teste paleográfico, tem como objetivo acessar informações sobre características da
personalidade, e pode ser aplicado de forma individual ou coletiva. O avaliando é orientado
pelo profissional de psicologia a fazer alguns traços verticais, denominados de palos,
seguindo as determinações da folha de aplicação. De acordo formato e posicionamento
dos palos vai ser possível o avaliador identificar as características pessoais do avaliando
(ALVES; ESTEVES, 2009).
Outro teste expressivo é o Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), avalia a
personalidade através de traços e desenhos feitos com lápis. O examinando é orientado a
desenhar padrões apresentados pelo avaliador. Tendo que desenhar simultaneamente com
as duas mãos utilizando um anteparo que o impede de ver o que está sendo desenhado.
Especialistas indicam que os desenhos da mão esquerda revelam reações genotípicas,
definido como a constituição genética de um indivíduo e os da mão direita reações
fenotípicas, características morfológicas, fisiológicas e até mesmo comportamentais de um
indivíduo, mais superficiais. A comparação dos desenhos é feita para diagnosticar várias
condições e traços de caráter (MIRA,2014).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 150


3.2.2 Teste de memória

Como o próprio nome sugere, o Teste de memória é um instrumento utilizados para


avaliar a capacidade de um indivíduo em recordar informações em um curto prazo ou,
retomar informações de longo tempo. Os testes de memória podem ser aplicados de forma
individual ou coletiva e as correções são realizadas por meio de grifos.
Existem vários tipos de testes de memória, sendo principais:

• Funções Mentais para Motoristas - BFM-2;


Composto por placas relacionadas ao trânsito. De acordo com os vários raciocínios
envolvidos, o candidato assinala o maior número de respostas corretas dentro do tempo
limite. A correção é realizada pelo total de acertos, avaliação quantitativa e qualitativa
(TONGLET,2000).

• Bateria Geral de Funções Mentais-Teste de Memória de Reconhecimento


BGFM-4; (indicado para AP de porte de arma)
Investiga, avaliar e mensurar tanto a memória de curto termo como a memória de
longo termo, podendo ser utilizado nos mais variados contextos de avaliação psicológica e
neuropsicológica (TONGLET, E. C. (2007).

• Teste Pictórico de Memória - Tepic-M


Tem como objetivo avaliar a memória visual por meio de estímulos figurais, num
curto período. É composto por 1 cartão estímulo contendo itens diversos, os quais o sujeito
deve observar e memorizar. Após o período de memorização, o sujeito deve descrever
os itens que lembrar, dentro do tempo limite. A correção é realizada pelo total de acertos,
avaliação quantitativa e qualitativa (RUEDA & SISTO,2007).

3.2.3 Teste de atenção difusa e concentrada

A atenção difusa é entendida como a capacidade que permite o manter-se alerta


aos estímulos que estão dispersos no meio. E a atenção concentrada é a capacidade de
selecionar os estímulos relevantes do ambiente e focar (BRAGA, 2007).
Por tanto, o Teste de atenção difusa busca avaliar a capacidade do indivíduo de
focalizar, de uma só vez, diversos estímulos que estão dispersos espacialmente, realizando
uma captação rápida de informações e fornecendo um conhecimento instantâneo sobre
o que está sendo observado. A aplicação pode ser individual ou coletiva e a tarefa do
avaliado é marcar as figuras na sequência, o mais rápido possível, dentro de um tempo
determinado. A correção é feita por meio de um crivo. E os testes mais usados são: Teste
de atenção difusa para motorista- TADIM; Teste de atenção difusa para motorista Forma 2-
TADIM 2; Teste de atenção difusa – Forma 1 - TEDIF 1; Teste de atenção difusa complexa
– Forma 2 - TEDIF 2 e Teste de atenção difusa complexa – Forma 3 - TEDIF 3.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 151


O teste de atenção concentrada tem o objetivo de analisar a capacidade em
concentração sob pressão por determinado período. O teste é composto por símbolos com
a grafia de triângulos em tamanhos diferentes, onde o avaliando deve localizar, entre todos
os símbolos da folha, os 3 apresentados como modelos. A correção é realizada pelo total
de acertos, pela avaliação quantitativa e qualitativa, podendo ser aplicado individualmente
ou em grupos.

3.2.4 Entrevista semi-estruturada

A entrevista é um instrumento fundamental em todos os âmbitos de atuação da


psicologia, por se tratar de um conjunto de técnicas de coleta de dados e informações que
permitem conhecer as representações do avaliando, tanto no que se refere a sua história
de vida, crenças, valores, entre outros.
A entrevista semi-estruturada é um dos tipos de entrevistas, trata-se de um modelo
que permite ao examinador planejar as questões com antecedência, mas com a liberdade
de acrescentar informações observadas e questões que ainda não constavam no roteiro.
Isso permite ao entrevistado sentir-se mais livre, contudo, o entrevistador tem clareza de
seus objetivos e informações necessárias para atingi-los (CUNHA, 2000).
No Processo de avalição psicológica a entrevista é o instrumento fundamental,
principalmente para interpretação dos resultados das testagens psicológicas que devem
considerar o sujeito como um todo, nos seus aspectos subjetivos.

4 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram encontrados nesta pesquisa 09 artigos que tratam e se enquadram na
temática proposta. Sendo compostos de 02 artigos entre o ano de 2000 e 2005 que embora
esteja como lapso temporal enorme, foram essenciais sobre sua contribuição basilar
da pesquisa. Foram utilizados ainda, artigos do ano de 2009 a 2013, que entraram na
pesquisa, para reforçar sobre o tema proposto, além de artigo do ano de 2016 a 2019, que
foram fundamentais para construir fundamentação recente como pode ser visto no (quadro
01).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 152


Autor/a Título Ano Objetivos Resultados e conclusões
1. CANEDA, Desenvolvimento 2016 Avaliar o indivíduo
avaliação psicológica para
CRG e propriedade psicologicamente;
o porte de arma apresenta
psicométricas da Escala Apresentar dificuldades
dificuldades e, com base na
Motivacional para o Porte e limitações no exercício
legislação brasileira vigente.
de Arma (EMPA) profissional.
2. ALMEIDA, JJ; Estatuto do 2005 Restringir o porte de fogos Traz os requisitos que mais
MENDONÇA desarmamento: breves por civis. específicos para a aquisição
AB. considerações acerca da arma por civis.
da abolitio criminis
temporária.
3. ZULTAUSKAS, Os procedimentos de 2012 Centralizar os registros e Manter o controle
AM. aquisição, controle autorizações de aquisição movimentação e aquisição
de armas e suas emitidos por policiais de armas dentro de cada
consequências estaduais. Estado.
4. WECHSLER, O desenvolvimento da 2019 Falar sobre a avaliação Avalia através de
SM; HUTZ, avaliação psicológica no psicológica daquele que instrumentos previamente
CL; PRIMI, RO Brasil: Avanços históricos deseja tem em sua guarda, a validados para a determinada
e desafios. arma de fogo. função, os diversos
processos psicológicos para
o indivíduo que deseja obter
uma arma.
5. GEISINGER, Handbook of Testing 2013 Contribuir através de testes Diagnostico através de testes
K. and Assessment in psicológicos a autorização do psicológicos aplicados em
Psychology.Washington armamento todas as idades.
6. GOUVEIA, VV Formação em Avaliação 2018 Descrever a importância dos observação e registro de
Psicológica testes psicológicos amostras de comportamentos
e respostas de indivíduos
com o objetivo de descrever
e/ou mensurar características
e processos psicológicos
7. CUNHA, JÁ Psicodiagnóstico te 2000 Examinar o indivíduo durante Analisa as expressões
a aplicação do teste de verbais que indicam
Rorschach percepção de alteração no
indivíduo estudado.
8. PARADA, AP; Reflexões sobre o 2011 Proporcionar informação São apresentadas apenas 20
BARBIERI, V uso clínico do TAT na sobre a personalidade do lâminas com imagens a cada
contemporaneidade indivíduo através do Teste de indivíduo. Após observar
Apercepção Temática. cada imagem, a pessoa
deve narrar uma história que
contenha passado, presente
e futuro, enfatizando o que
cada personagem está
sentindo e pensando.

9. VILLEMOR- A validade teórica em 2009 Argumentar sobre a O teste Zulliger pode


AMARAL. AE avaliação psicológica. importância do respaldo ser usado na seleção de
teórico na interpretação pessoal, tendo origem
de técnicas projetivas, ou na necessidade de criar
métodos de auto expressão uma prova que possa ser
Z-test. aplicada a um coletivo sem
perder a fiabilidade nem a
validez própria de um teste
psicométrico.

Quadro 01 – Analise

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 153


Durante o processo de pesquisa foi possível identificar que existem grupos que são
a favor da flexibilização da posse de armas de fogo alegando ser por medida de segurança
de seus estabelecimentos, residências e família, e outros grupos que afirmam que a
flexibilização pode ocasionar mais violências e mortes.
Contudo, é importante ressaltar que há diferença entre posse e porte de armas
de fogo, onde o primeiro refere-se a adquirir e manter em sua propriedade ( interior de
sua residência ou trabalho) a arma, e o segundo é a autorização para portar em qualquer
ambiente a arma de fogo, sendo esta autorização restrita a categorias especificas descritas
no Estatuto do Desarmamento – Lei 10826/03.
A avaliação psicológica é obrigatória tanto para a posse quanto para o porte de
armas, informação que parece não estar bem difundida para a população em geral. Sendo
assim, se faz necessário mais discussões e estudos a respeito, pois apesar de para alguns
a arma ser uma representação de possível segurança, ela também pode ter um efeito
contrário quando utilizada de maneira irresponsável, ou por alguém sem preparo adequado.
Contudo, não foi possível observar um consenso que aponte os critérios específicos
para indicar a aptidão ou não para o porte de arma de fogo, ficando a critério do psicólogo
avaliador definir conforme seu entendimento durante o processo avaliativo, seguindo a
Instrução Normativa Nº 78, de 10 de fevereiro de 2014, da Polícia Federal.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação psicológica em vários âmbitos tem ganhado notoriedade e principalmente
o reconhecimento merecido de sua credibilidade, com embasamento científico e ético, tanto
que passou a ser uma exigência da legislação brasileira para obtenção e porte de arma de
fogo. No entanto, uma limitação importante foi observada, e que caberia melhor investigação
em pesquisas futuras. Trata-se da escassez de pesquisas na área, principalmente no que
se refere a como os psicólogos estão conduzindo o processo de avaliação neste contexto.
Para os profissionais de psicologia, é sempre importantes a atenção ao que diz o
Código de Ética referentes à avaliação psicológica, especialmente o Art. 1º - que menciona
entre os deveres fundamentais dos psicólogos, a importância da responsabilidade
de exercer atividades apenas quando devidamente capacitado tanto pessoal como
teoricamente e tecnicamente. Assim como, a atenção a qualidade do serviço prestado em
condições dignas compatíveis com a natureza do serviço. Como por exemplo, um espaço
adequado, sem interferências externas para prezar pelo sigilo das informações e respeitar
rigorosamente as normas de aplicação de cada teste, em hipótese alguma é permitido
aplicar em grupo testes indicados para ter aplicação individual.
Portanto, aos profissionais de psicologia que desejam adentrarem na área de
avaliação psicológica para obtenção do porte de arma de fogo, é importante saber que ainda
não temos testes específicos, os mencionados aqui são os que respondem a necessidades

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 154


do que é solicitado avaliar pela Polícia Federal. Necessitando assim que o profissional
busque constante capacitação e atualização, para domínio adequados dos instrumentos
adequados para uma avaliação psicológica embasada técnica e eticamente.

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conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.37141&seo=1>. Acesso em: agosto de 2019

ANEXO A

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 158


ANEXO B

Exemplo de Laudo Psicológico conforme sugerido pela Polícia Federal para a avaliar a aptidão
ao manuseio de armas de fogo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 12 159


CAPÍTULO 13
doi
IMPACTO SUBJETIVO DO DIAGNÓSTICO DO
DIABETES MELLITUS GESTACIONAL

Data de aceite: 01/02/2021 diagnosticadas pela primeira vez com diabetes


gestacional, e a pesquisa se deu por meio de
processos dialógicos, os quais foram gravados,
transcritos e analisados seguindo a epistemologia
Mariana da Silva Pereira Reis
qualitativa. Por fim, as gestantes estudadas
Brasília, DF – Brasil
não vivenciaram o processo gestacional e o
diagnóstico e DM Gestacional de forma similar,
o que nos reforça os processos de saúde e
RESUMO: Durante a gestação a mulher adoecimento tem caráter subjetivo. As gestantes
passa por períodos de tensão psicológica, ouvidas durante este estudo não generalizam
mudanças no comportamento e modificações o DM Gestacional, abrindo um leque para que
no relacionamento, devido ao aumento da novos estudos sejam realizados com o intuito de
sensibilidade, irritabilidade, labilidade emocional melhorar a prevenção, a construção de saberes
e também no desejo e desempenho sexual, e o acompanhamento do DM Gestacional.
fatores que, se não forem muito bem trabalhados PALAVRAS-CHAVE: Gestação, DM Gestacional,
durante o pré-natal, podem acarretar transtornos Emoções.
familiares. A gestante que recebe o diagnóstico de
DM Gestacional passa a ser uma gestante de alto
risco pois, com este diagnóstico ela apresenta um SUBJECTIVE IMPACT OF DIAGNOSIS OF
risco maior de várias complicações relacionadas DIABETES MELLITUS GESTACIONAL
à gestação. É de extrema importância que ABSTRACT: During pregnancy the woman goes
esta gestante receba um acompanhamento through periods of psychological tension, changes
multidisciplinar, sendo essencial um aporte in behavior and changes in the relationship, due
emocional adequado, orientação sobre dieta, to increased sensitivity, irritability, emotional
atividade física, informações e aprendizado sobre lability and also in sexual desire and performance,
diabetes e o uso correto da insulina, quando for factors that, if not worked very well during the
o caso. As intercorrências que podem ocorrer pre -natural, can cause family disorders. The
na gravidez tanto com a gestante como com o pregnant woman who receives the diagnosis of
bebê, a necessidade de um controle alimentar e Gestational DM becomes a high-risk pregnant
de internações constantes, geram angústia para woman because, with this diagnosis, she is at
a gestante com DM Gestacional. Conhecer como a higher risk of several complications related
essas gestantes encaram sua gravidez pode to pregnancy. It is extremely important that this
auxiliar os profissionais e serviços de saúde pregnant woman receives multidisciplinary follow-
na abordagem educativa que é essencial para up, being essential an appropriate emotional
o controle glicêmico e êxito da gestação. Este support, guidance on diet, physical activity,
estudo contou com três gestantes de alto-risco information and learning about diabetes and the

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 160


correct use of insulin, when appropriate. The complications that can occur in pregnancy with
both the pregnant woman and the baby, the need for food control and constant hospitalizations,
generate anguish for pregnant women with Gestational DM. Knowing how these pregnant
women view their pregnancy can help health professionals and services in the educational
approach that is essential for glycemic control and successful pregnancy. This study included
three high-risk pregnant women diagnosed for the first time with gestational diabetes, and
the research took place through dialogic processes, which were recorded, transcribed and
analyzed according to qualitative epistemology. Finally, the pregnant women studied did not
experience the gestational process and the diagnosis and Gestational DM in a similar way,
which reinforces the health and illness processes is subjective. The pregnant women heard
during this study do not generalize Gestational DM, opening a range for new studies to be
carried out in order to improve prevention, the construction of knowledge and the monitoring
of Gestational DM.
KEYWORDS: Pregnancy, Gestational DM, Emotions.

Falar em Psicologia da Saúde é praticamente uma redundância, pois, ao meu ver, é


indissolúvel a associação entre psicologia e saúde. É difícil dar uma definição a Psicologia
da Saúde que satisfaça a todos os pesquisadores da área. Segundo Camon (2002) “a
psicologia da saúde seria a prática de levar o indivíduo/paciente à busca do bem-estar
físico, mental e social, englobando, assim, a performance de uma abordagem que teria
de incluir a participação de outros profissionais da área” (p. 8). Para esta definição, temos
que considerar o sujeito como um ser inserido no contexto social, sendo um ser histórico,
temporal e que traz em seu corpo sinais de seu tempo e de sua sociedade. A abordagem
assim, seria totalizante, onde tudo aquilo que possa fazer parte da vida de uma pessoa seja
considerado de maneira plena e absoluta.
E o que seria saúde então? Segundo González Rey (2004) a saúde “é um processo
qualitativo complexo que define o funcionamento completo do organismo, integrando o
somático e o psíquico de maneira sistêmica, formando uma unidade em que ambos são
inseparáveis” (p. 1). A saúde precisa ser considerada mais um processo do que um produto.
Ainda segundo González Rey (2004), a saúde é um processo integral no qual
os tipos de motivações do sujeito e a maneira como esse sujeito se envolve com estas
motivações e com suas potencialidades personológicas organizadas, são considerados
essenciais para o desenvolvimento do processo de saúde.
Tendo mencionado, aqui, González Rey, e, levando em consideração que este
estudo faz uso da Teoria da Subjetividade, vejo necessário falarmos de subjetividade, para
que o nosso assunto seja melhor entendido. Segundo González Rey (2004) a Subjetividade
conceitua-se como

(...) um macroconceito que integra os complexos processos e formas de


organização psíquicos envolvidos na produção de sentidos subjetivos. A
subjetividade se produz sobre sistemas simbólicos e emoções que expressam
de forma diferenciada o encontro de histórias singulares de instâncias sociais

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 161


e sujeitos individuais, com contextos sociais e culturais multidimensionais (p.
137).

Desta forma, a concepção de indivíduo passa pelo que nele há de contraditório,


sendo resultado da sua ação como sujeito e dos reflexos das suas vivências. Compreender
o sujeito, aqui, seria visualizar sua interação com o mundo.
Entrando, então, numa abordagem mais complexa da subjetividade, ainda segundo
González Rey (2005b), temos o desenvolvimento do sentido subjetivo, definido “como a
unidade dos aspectos simbólicos e emocionais que caracterizam as diversas delimitações
culturais das diferentes práticas humanas em um nível subjetivo” (p. 44). Este conceito
parte das ideias de Vygotsky (1987), o qual define sentido como

(...) um agregado de todos os fatores psicológicos que surgem em nossa


consciência como resultado da palavra. O sentido é uma formação dinâmica,
fluída e complexa que tem inúmeras zonas que variam em sua estabilidade.
O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire
no contexto da fala. É a mais estável, unificada e precisa dessas zonas (p.
275-276).

A discussão sobre subjetividade, saúde e psicologia da saúde são, aqui,


essenciais, para que possamos compreender o impacto na vida das pacientes, gestantes,
diagnosticadas com Diabetes Mellitus Gestacional, ou como chamaremos aqui, DM
Gestacional, em processo de internação, e a relação com os profissionais de saúde que a
acompanham e sua adaptação ao seu novo modelo de vida. Importante compreendermos
que “os processos envolvidos no desenvolvimento dos processos de saúde e de doença
não são acessíveis à observação externa, portanto, sua construção nos leva a uma reflexão
epistemológica” (González Rey, 2004, p. 11).
A gestação, por si só, é um período permeado de expectativas, onde a grávida
vivencia uma variedade de sentimentos e emoções que são originadas pelas mudanças
físicas, psicológicas e sociais próprias da gravidez. Durante a gestação a mulher passa
por períodos de tensão psicológica, alternações no comportamento e modificações no
relacionamento, devido ao aumento da sensibilidade, irritabilidade, labilidade emocional e
também no desejo e desempenho sexual, fatores que, se não forem muito bem trabalhados
durante o pré-natal, podem acarretar transtornos familiares (Quevedo, 2010; Pinho e
Ribeiro, 2001).
Quando a vida ou a saúde da mãe e/ou do feto têm maiores chances de serem
atingidas por complicações que a média das gestações, esta gestação é denominada de
alto risco e, esse risco pode trazer um acréscimo de dificuldades emocionais e sociais
para esta gestante (Brasil, 2000, in Quevedo, 2010). Dificuldades essas que não podem
ser compreendidas pelo modelo biomédico, o que abre espaço para uma investigação em
saúde, levando em conta a subjetividade.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 162


Assim sendo, saúde, segundo González Rey (2004), é um processo qualitativo
complexo que define o funcionamento completo do organismo, integrando o somático e o
psíquico de maneira sistêmica, formando uma unidade em que ambos são inseparáveis.
Dessa forma, a saúde não seria a ausência de sintomas, mais um funcionamento integral
que aumenta e otimiza os recursos do organismo para diminuir sua vulnerabilidade aos
diferentes agentes e processos causadores da doença. O sistema do organismo humano
representa, então, uma organização complexa e holística, que integra de formas diversas
os diferentes processos participantes no desenvolvimento saudável, um dos quais, sem
dúvida, é a sua dimensão subjetiva, que, apesar de sua natureza social, não esgota outros
aspectos da vida social do homem que intervém no desenvolvimento da saúde. A saúde
é uma integração funcional que a nível individual se alcança por múltiplas alternativas
(González Rey, 1997).
Bennet e Murphy (1999) completam dizendo que o comportamento do indivíduo pode
influenciar seu estado de saúde, podendo ser considerado, inclusive, sua classe social e
seu grau de instrução como tendo impacto substancial sobre sua saúde. A influência do
comportamento sobre a saúde pode ser evidenciada em algumas doenças da modernidade
como a obesidade, a hipertensão e o diabetes.
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença endócrina que sofre influências sociais,
culturais, econômicas em que o diagnóstico e o tratamento passam por várias significações.
Suas primeiras referências aparecem por volta de 1000 a.C. no Egito, mas, foi na Índia, por
volta de 400 a.C. que os pesquisadores Charak e Susrut verificaram o caráter adocicado da
urina. Esta é uma doença que é tão antiga quanto à própria história do homem e que não
deixa de ser um dos maiores desafios da medicina (Setian, 1995).
A classificação atual do DM está baseada na etiologia e não no tipo de tratamento,
portanto os termos insulino-dependente e não-insulino-dependente estão sendo eliminados.
A classificação proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) inclui quatro classes
clinicas: DM tipo 1, DM tipo 2, outros tipos específicos de DM e DM Gestacional. Ainda
existem duas categorias, referidas como pré-diabetes, que são a glicemia de jejum alterada
e a tolerância à glicose diminuída. Essas categorias não são entidades clínicas, mas fatores
de risco para o desenvolvimento do DM e de doenças cardiovasculares (Brasil, 2006).
A gestante que recebe o diagnóstico de DM Gestacional passa a ser uma gestante
de alto risco. Segundo Pinho e Ribeiro (2001), na gestação diabética o sentimento de
medo pode gerar a sensação de falta de controle dos níveis glicêmicos. Esse processo
ansioso pode ser marcado por um aumento do apetite, por exemplo, o que pode ser muito
prejudicial para o DM Gestacional.
A frequência de DM Gestacional, em nosso meio, de acordo com os critérios da
Organização Mundial de Saúde (OMS), corresponde a 7,6% das gestações. As mulheres
com este diagnóstico apresentam um risco maior de várias complicações relacionadas
à gestação: parto prematuro, infecções, alterações no volume do líquido amniótico e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 163


partos cesáreos (Melo, 2007). Bertini-Oliveira, Camano e Delascio (1984) afirmam que as
malformações congênitas permanecem cerca de três vezes maiores que as encontradas
nas grávidas não diabéticas e que representam ao menos metade das mortes perinatais.
A prevalência de DM Gestacional, segundo a American Diabetes Association, pode
variar de 1% a 14% de todas as gestações. Já o Estudo Brasileiro de Diabetes Gestacional
concluído em 1997, revelou que a prevalência do DM Gestacional em mulheres, com idade
superior a 25 anos, atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é de 7,6% (Landim,
Milomens & Diógenes, 2007).
O DM Gestacional é definido como um estado de intolerância aos carboidratos de
grau variável que é conhecido inicialmente durante uma gestação. Na maioria das mulheres
que desenvolve o DM Gestacional, seu início é notado, normalmente, na segunda metade
do período gestacional e segue pelo menos até a sexta semana após o parto. Essas
gestantes devem ser classificadas com a realização de uma curva de tolerância a glicose,
mais conhecida como curva glicêmica (Lerário, Tambascia, Dib, Sá & Gruffrid, 2006, in
Lerário, Alencar, Chamane, Mari, Mendonça & Levi, 2006).
O Ministério da Saúde, no Brasil, recomenda que seja rastreado já na primeira
consulta do pré-natal se a gestante tem sintomas do DM Gestacional, através da glicemia
em jejum, sendo repetido o mesmo exame por volta da vigésima semana de gestação. A
glicemia em jejum encontrando-se na faixa ≥ 90mg/dL e ≤ 109mg/dL, esta gestante deverá
ser encaminhada para um teste de sobrecarga de duas horas ou curva glicêmica de duas
horas, com 75g de glicose. A curva glicêmica deve ser realizada entre as 24º e 28ª semanas
de gestação. É considerado DM Gestacional quando a glicemia está na faixa de ≥ 110 mg/
dL no jejum, ≥ 140mg/dL duas horas pós sobrecarga ou, em qualquer momento, acima de
200mg/dL. A glicemia de jejum ≥ 110mg/dL, na vigésima semana, após repetição, também
confirma o diagnóstico (Brasil, 2004).
A gestação é considerada diabetogênica porque se caracteriza pela resistência à
insulina, associada ao aumento dos níveis séricos de estrogênio, prolactina, progesterona,
cortisol e somatomamotrofina coriônica, visando manter constante o suprimento de glicose
para o feto. Em virtude disso, é importante ressaltar que deve ser considerado se a gestante
tem um histórico familiar de diabetes, uma história de diabetes em gestações anteriores
e o sobrepeso. Este histórico pode ser um indicativo para um possível diagnóstico de
DM Gestacional e deve ser levado em conta já a partir da primeira consulta do pré-natal,
pois é um complicador de cerca de 4% de todas as gestações. Quando a gestante tem
um histórico de risco de DM Gestacional, porém, os primeiros exames são considerados
normais, os mesmos devem ser repetidos entre a 24ª e a 28ª semanas gestacionais. A
detecção clínica é importante uma vez que a tolerância gestacional aos carboidratos não
reconhecida e não tratada está associada ao aumento das perdas fetais e neonatais, e com
elevação da morbidade neonatal materna, como já mencionado anteriormente (Lerário,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 164


Tambascia, Dib, Sá & Gruffrid, 2006, in Lerário, Alencar, Chamane, Mari, Mendonça & Levi,
2006; Almeida, 1998).
Não há uma resposta precisa, mas existem pistas de que quem tem parentes
próximos com diabetes, tem chances maiores de desenvolver a doença. Somando o fator
genético com a falta de exercícios, o estresse e o sobrepeso, aumentam muito essas
chances. Mesmo sem o conhecimento das verdadeiras causas desta enfermidade, há
hipóteses de que fatores psicológicos produzam sintomas de diabetes (Debray, 1995).
Reconhecer as gestantes com DM gestacional é de grande importância, pois, não só
pode minimizar os efeitos adversos dessa desordem metabólica tanto na mãe como no filho,
como também auxilia na identificação do risco aumentado de se desenvolver um diabetes
no futuro. Como o DM Gestacional pode ser um evento recorrente, essas mulheres devem
ser acompanhadas no pós-parto com intervalos regulares a fim de detectar precocemente
um possível diabetes, principalmente na preparação de uma nova gestação (Amaral,
Pedroso, Fonseca, Rocha, Couto, Leal & Braga, 2001).
É de extrema importância que esta gestante receba um acompanhamento
multidisciplinar, composto por médicos, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos e
fisioterapeutas. É essencial um aporte emocional adequado, orientação sobre dieta,
atividade física, informações e aprendizado sobre diabetes e o uso correto da insulina,
quando for o caso (Amaral, Pedroso, Fonseca, Rocha, Couto, Leal & Braga, 2001).
Debray (1995) nos coloca que a educação para o autocuidado desde o momento
do diagnóstico é importantíssima, pois só assim haverá possibilidades de diminuir o
aparecimento de complicações. O entendimento, pela gestante, do sistema interativo
na prática educativa, as interfaces estabelecidas entre esta e o profissional de saúde,
mediada e estruturada pela doença, favorecem o desenvolvimento de atitudes pessoais
que se associam ao conceito de estilo de vida e estratégias de enfrentamento, o que,
possivelmente, acarretará na diminuição dos riscos tanto para a mãe como para o feto,
melhorando assim, a qualidade de vida de ambos.
O conhecimento, a informação e a educação são as melhores formas de controle.
A gestante com DM Gestacional deve incorporar a rotina de tratamento à sua vida, não
deixando de realizar os controles necessários para o acompanhamento do DM Gestacional,
pois, como já dito anteriormente, apesar do DM Gestacional ser considerado uma situação
de gravidez de alto risco, os cuidados médicos e o envolvimento da gestante possibilitam
que a gestação corra tranqüilamente e que o bebê nasça no momento adequado e em boas
condições de saúde (Debray, 1995).
Alguns estudos realizados com gestantes com DM Gestacional, como cita Quevedo
(2010) revelam que as gestantes que foram estudadas naquelas determinadas ocasiões
demonstraram sentimento de medo em relação à saúde do bebê que estava para nascer
em decorrência da própria saúde e em relação à possibilidade de prematuridade ou até
mesmo de má-formação deste bebê. Tedesco (1998, citado por Quevedo, 2010) conclui que

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 165


“se a gestante tem a percepção de que ela (ou a sua saúde) é responsável pela situação
de alto risco, forma em seu íntimo a crença de sua falência como mulher, levando-a ao
sentimento de culpa” (Tedesco, 1998 citado por Quevedo, 2010, p. 22), conclusão essa que
não podemos generalizar.
Os complicadores em decorrência do DM Gestacional podem levar a gestante a
internações. Estas internações, em alguns casos, separam esta gestante de sua família e
amigos, em decorrência da necessidade de hospitalização para um melhor acompanhamento
da gestação. Esta separação e a hospitalização podem ser consideradas estressores
psicológicos para esta gestante, porém, existem várias formas de minimizar este estressor:
grupos focais para gestantes internadas com o diagnóstico de DM Gestacional, não apenas
com foco nos processos educacional, na prevenção e na promoção da saúde, mas também,
como um mecanismo onde estas gestantes possam trocar suas experiências de vida, seus
conhecimentos, possam dar apoio umas as outras, estimulando uma nova relação social
como aporte emocional, pode ser uma dessas formas.
A gestante com DM Gestacional sofre um maior risco de um parto cesáreo e o
DM gestacional pode estar associado à toxemia gravídica, uma condição da gravidez que
provoca pressão alta e geralmente pode ser detectado pelo aparecimento de um inocente
inchaço das pernas, mas que pode evoluir para a eclampsia, aumentando o risco de
mortalidade materno- fetal e parto prematuro (Silva, Santos & Parada, 2004).
As intercorrências que podem ocorrer na gravidez tanto com a gestante como com
o bebê, a necessidade de um controle alimentar e de internações constantes, podem
gerar angústia para a gestante com DM Gestacional. Por outro lado, conhecer como essas
gestantes encaram suas gestações, pode auxiliar os profissionais e serviços de saúde
tanto no processo educativo como no cuidado e promoção em saúde, o que é essencial
para o controle glicêmico e êxito da gestação (Silva, Santos & Parada, 2004).
Entendendo que os processos de saúde e adoecimento tem caráter subjetivo,
podendo ser vivenciado de diversas formas por até mesmo uma mesma pessoa, e,
entendendo que estes mesmos processos interagem diretamente com as emoções,
observa-se a importância de se estudar, dentro do ambiente psicológico, o DM Gestacional,
tendo em vista que a gravidez é responsável por alterações psicológicas e fisiológicas
significativas na vida de uma mulher.
O objetivo desse trabalho foi investigar como gestantes de alto risco com o diagnóstico
de Diabetes Mellitus Gestacional, em processo de internação, com acompanhamento pré-
natal em um Hospital Público localizado em Brasília – Distrito Federal, vivenciam esta
doença desde o impacto do diagnóstico até o seu reflexo no autocuidado, na qualidade de
vida e no emocional.
Esta pesquisa foi orientada pela metologia qualitativa, pore meio da epistemologia
qualitavia, nos permitindo visualizar o problema a partir de perspectiva construtivo-
interpretativa centrada no diálogo como momento de produção de conhecimento. Sendo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 166


assim, foram realizados três processos dialógicos, tendo como foco principal o DM
Gestacional, com as gestantes que se interessaram em participar deste estudo.
Estes processos dialógicos foram gravados, transcritos e analisados. As três
gestantes estavam internadas para acompanhamento mais rigoroso da gestação em virtude
das consequências do desenvolvimento do DM Gestacional. Elas foram identificadas com
nomes fictícios com o intuito de manter o sigilo.

IDENTIFICAÇÃO IDADE IDADE GESTACIONAL


Antônia 33 38 semanas
Alessandra 33 33 semanas
Milena 20 37 semanas

Figura 1. Gestantes participantes desta pesquisa

Este estudo nos proporcionou compreender a relação destas gestantes com


o surgimento do DM Gestacional e quais as configurações subjetivas advindas do
aparecimento desta doença em suas gestações, como podemos verificar a seguir.

1 | O CASO DE ANTÔNIA
A participante Antônia demonstrou resistência inicial em participar deste estudo.
Com ela foram realizadas algumas visitas, num trabalho de aproximação e identificação
até que ela se sentiu à vontade e declarou seu interesse em participar deste estudo sem
que lhe fosse perguntado uma segunda vez.
Em todas as visitas, Antônia se encontrava sem a presença de um acompanhante.
Haviam quatro gestantes, contando com ela, dividindo a mesma enfermaria. As outras
três gestantes não tinham o diagnóstico de DM Gestacional. Durante as visitas, estava
sempre na companhia das demais gestantes, com poucos processos dialógicos, porém,
aparentemente, uma acabava fazendo companhia a outra.
Apesar da certa resistência inicial em participar da pesquisa e, de aparentar timidez,
Antônia se entregou ao processo dialógico, demonstrando grande interesse e curiosidade
pela pesquisa. Antônia relata que seu DM Gestacional foi diagnosticado entre o sétimo e o
oitavo mês de gestação, após um exame de rotina, como segue em sua fala:

Bem... eu... os exames de rotina do posto de saúde de onde eu vim... é... no


segundo semestre eles pedem uma bateria de exames... nesses exames deu
uma alteração na glicemia... até então, o médico também nem importou...
disse só... não... vamos fazer esse exame aqui de novo... e pediu pra eu ir no
posto de saúde... inclusive até hoje eu to aguardando este resultado... que
que eu fiz... fiz até uma cópia desse pedido seu e fiz particular... fiz pelo S. ...
Aí ele me passou esse pedido e... não... se você puder fazer fora, faça! Aí eu

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 167


fiz... foi aonde confirmou mais né... Aí eu voltei e mostrei pra ele novamente
e ele me encaminhou pra nutricionista... pro controle da glicemia... Daí em
diante foi dieta direto... Tentando manter ela sem... sem alterar muito né... No
início eu até fiquei preocupada... porque eu me disse: Meus Deus! Diabetes...
É uma coisa que a gente ouve né... diabetes é aquela coisa que pode te
prejudicar... até então a ignorância da gente é grande de não se aprofundar...
eu fiquei com medo de tá prejudicando meu filho ou a mim também... aí segui
a dieta rigorosa também... se não eu acho que estaria aqui até antes de agora
né...

A forma como o médico acolheu Antônia, mostrando a importância da repetição


dos exames para a confirmação do diagnóstico, possivelmente, foi o que começou a
gerar sentidos subjetivos que permitiram Antônia a incorporar essa nova identidade, a de
gestante com DM Gestacional, podendo expressar sentimentos de medo e além de ir em
busca de maiores informações sobre sua nova identidade e seguir a dieta corretamente.
Neste trecho do diálogo analisado percebe-se o quanto Antônia se mostra consciente
em relação ao seu pré-natal, mostrando suas rupturas com os sentidos subjetivos que
marcaram a entrada do DM Gestacional em sua vida quando ela diz “No início eu até fiquei
preocupada... porque eu me disse: Meus Deus! Diabetes... É uma coisa que a gente ouve
né... diabetes é aquela coisa que pode te prejudicar... até então a ignorância da gente é
grande de não se aprofundar... eu fiquei com medo de tá prejudicando meu filho ou a mim
também... aí segui a dieta rigorosa também... se não eu acho que estaria aqui até antes de
agora né...”. Este trecho mostra a sua preocupação em relação ao diagnóstico e a tomada
de consciência sobre como poderia diminuir os riscos de se prejudicar e prejudicar seu filho
seguindo a dieta, por exemplo.
É importante salientar a fala de Antônia “e pediu pra eu ir no posto de saúde...
inclusive até hoje eu to aguardando este resultado... que que eu fiz... fiz até uma cópia
desse pedido seu e fiz particular...”, onde me parece uma crítica ao sistema, porém, nos
mostra que ela não ficou estagnada aguardando o resultado, mas sim, ativa em relação
ao seu acompanhamento. Sobre isso, González Rey (2011) nos diz que “sentir-se sujeito,
participar do processo de adoecimento com suas decisões e implicar sua emotividade
nesse caminho que vem pela frente deve se converter num objetivo essencial da prevenção
e promoção de saúde” (p. 57).
Antônia continua falando sobre como iniciou seu processo de hospitalização:

Pra te falar a verdade... no alto risco eu vim só... me falaram: você tem uma
consulta no hospital... o posto de saúde vai te enviar pro hospital e... lá... eles
vão marcar uma consulta com você... Aí eles me ligaram... eu digo... eu vou
lá... aí quando eu cheguei aqui... nem se quer meu prontuário tinha voltado
pra cá ainda... e lá estavam outros exames... aí eu peguei... voltei né... e falei
pro meu médico... trouxe os exames anteriores... ele viu e falou assim... é... o
problema é mesmo grave... daí eu falei pra ele... eu to com exame marcado
pro dia... dia dois... que foi uma ecografia... Dia dois agora... aí ele falou...
tá bom... dia dois foi num domingo... então dia três... na segunda... você me

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 168


tráz... essa ecografia sua... porque eu ia fazer sem pedido médico também...
sempre, todo mês, eu tô acompanhando... aí ele falou assim... não, eu vou
te colocar um pedido aqui... aí ele colocou uma ecografia gestacional com
doopler né... aí foi o que eu fiz... aí trouxe na segunda-feira pra ele ver...
daí quando ele viu já falou já... imediatamente falou... não... vamos... é... te
internar... cheguei sem nem saber... achando que eu ia sair do trabalho pra
vir só mais tarde né... cheguei aqui e ele falou... não... você tá preparada?
Você vai internar... Além do peso do nenem né... que tava muito alterado... O
volume de líquido também... parece que deu 95% ou alguma coisa assim...
uma porcentagem lá... e... ele achou por melhor... junto com uma outra equipe
já... não... vamos colocar em observação aqui... já tá na idade também né...
na idade gestacional... e me deixou aqui... pra me acompanhar... desde então
eu to aí... tão o tempo todo me furando... me espetando... (risos)

Analisando a fala de Antônia, podemos descrever esse momento como bastante


conturbado. É interessante a maneira como ela descreve a sucessão de acontecimentos até
sua internação. A maneira como ela vai descrevendo esses acontecimentos “atropelados”
vai, progressivamente, entrando em questões que vão criando significados para a
compreensão da configuração subjetiva de seu estado psicológico, nos revelando como os
sentidos subjetivos vão aparecendo em sua fala.
Os acontecimentos parecem tão confusos de acordo com a compreensão dos fatos
vividos por Antônia, porém, enquanto ela os descreve, parece se encontrar em meio à
confusão dos fatos e compreender a importância de sua hospitalização.
Quando Antônia diz “... e me deixou aqui... pra me acompanhar... desde então eu to
aí... tão o tempo todo me furando... me espetando...”, ela parece demonstrar o incomodo
e desconforto que vem sentindo com os procedimentos padrões para o acompanhamento
do DM Gestacional, como medir a glicemia, tirar sangue ou até mesmo o uso da insulina.
Porém, junto a esse desconforto e/ou incomodo ou até mesmo os dois, ela demonstra
bom humor ao falar sobre esse assunto. Ela se posiciona diante do DM Gestacional,
demonstrando compreender esse novo momento, com bom humor, vivenciando, a princípio,
a doença através dos procedimentos realizados pela equipe de saúde.
Como Antônia encontrava-se sozinha durante nosso diálogo, perguntei-lhe sobre
a participação de sua família durante esse processo de hospitalização, e ela responde o
seguinte:

... Minha família tá toda longe, entendeu? Todo mundo trabalha, todo mundo...
eu to aqui só. Daqui a pouquinho o meu esposo chega aí, entendeu... E eu
não quero preocupar a minha mãe que tá longe... então eu digo que tá tudo
bem... Me viro...

A medida em que a fala de Antônia vai se estendendo, suas emoções vão aflorando
e ela começa a se posicionar sobre os aspectos e situações de sua vida, permitindo que
as configurações subjetivas em relação a sua nova dinâmica de vida (DM Gestacional
e a internação repentina) vão avançando cada vez mais. Neste trecho, aparentemente,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 169


Antônia não tem interesse em preocupar seus familiares em relação a sua internação.
Demonstrando, em sua fala, a necessidade em se manter forte perante a situação atual.
Sua expressão, neste trecho, pode evidenciar um posicionamento crítico de Antônia
em relação a participação e/ou convivência com sua família. Durante nossa conversação,
Antônia não deixa claro qual a representação tem sua família. Menciona o esposo e a
“família” apenas em dois momentos de nossa conversação. No segundo momento, ela
contou sobre a escolha do nome do bebê:

... C. ... a escolha do nome eu procurei dá uma combinada com o nome da


minha filha... que o nome dela é N. ... Então eu procurei colocar C. ... então, ó,
tenho, eu tenho ainda uma dúvida nos nomes, sabe? Entre C. e E. Aí já falaram
pra colocar C.

E. ... eu já acho que não combina bem, assim, esse Eu falei que eu quero uma
coisa bem simples, assim, pra ninguém botar apelidos... Porque a família toda tem apelido.
Até uma coisa pequena, um nome pequeno, simples, bonito, sem... aí... E. foi uma... na
verdade é minha avó. Minha vó falou assim “Eu gosto muito desse nome E. . Porque você
não coloca E. ?”. Aí eu falei “Ah, gostei também, num achei feio não”. Aí tou na dúvida. Mas
até então, tá em C. mesmo...
Neste trecho, Antônia fala sobre a dinâmica da escolha do nome do filho que está
para nascer. Aparece a “família” e sua “avó” como coadjuvantes no processo da escolha
do nome da criança, porém, se mantém em seu discurso a necessidade de se sentir na
posição de decisão. Esse comportamento se mantém em seu discurso, representando
como uma configuração subjetiva ativa, tornando esse espaço mais racional.
Antônia menciona ter ficado preocupada com o diagnóstico de DM Gestacional,
então, pedi-lhe que me falasse mais sobre como foi quando recebeu o diagnóstico, e ela
diz o seguinte:

Não... antes disso... a gente faz uma palestra... logo no início do pré-natal...
nunca faltei nenhuma consulta... sempre mantive meu pré-natal em dia...
tudo... aí... lá... essa enfermeira... que... que trabalhava com a gente... durante
o pré-natal... pra acompanhar... ela comentou... que tinha algumas gestantes
que durante a gestação... poderia ocorrer de... de... adquirir essa diabete...
de evoluir essa diabete né... de desenvolver... ai eu “Olha, na minha família
nunca teve... eu achei até que era uma coisa hereditária... “olha... na minha
família não tem nada disso”... E fiquei tranquila... Mas daí, já no final, veio
dando essa... essa alteração... mas... depois eu voltei lá... eu conversei com a
enfermeira... pessoalmente... assim... fora de... de consulta... essas coisas... e
fui tirar umas duvidas com ela... daí ela me explicou a situação do pâncreas...
que não tava conseguindo né... acompanhar né... mas que era comum... Que
a maioria das gestantes adquiri... só que umas avança mais... e outras... não
chega a evoluir... Pode virar uma coisa mais séria né... Eu tive outra gestação
que... idêntica a essa... sem dor... sem nada... nem enjoo eu senti... normal...
só nesse finalzinho que veio dá esse... essa diabetes gestacional... mas... to
tirando de letra...

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 170


Nesse recorte de nossa conversação, percebe-se o quão ativa à gestação é
Antônia. Ela tora suas conclusões de acordo com a palestra inicial, porém, demonstra
interesse em adquirir mais informações, quando procura a enfermeira em outro momento.
Na medida em que o diálogo se estende, Antônia se apresenta ainda mais ativista, e,
aparentemente, sempre resolvendo tudo sozinha. Ele apresenta momentos de medo e/ou
receios em relação ao diagnóstico; porém, a essa altura de nossa conversação, já podemos
compreender o quanto Antônia se mantém segura em cumprir com suas expectativas em
relação a presente gestação.
Quando lhe pergunto sobre sentir algum desconforto em relação aos procedimentos
realizados para o acompanhamento do DM Gestacional, ela responde o seguinte:

É só o dedo... ahhh... ainda bem que é só o dedo (risos)... mas já tirei sangue
já hoje... Mas isso é bom... não acho ruim não sabe... independente de
qualquer coisa... é desconfortável... mas pra acompanhar... pra ver o que
é que tá acontecendo... eu prefiro que... que seja assim... antes eu tá aqui
acompanhada por profissionais, sabendo o que tão fazendo... do que eu tá
em casa fazendo a dieta sem... sem ter ao menos uma noção do que é que
tá acontecendo... porque só você pesquisando na internet... não te dar um
resultado... é isso...

E continua falando sobre o desconforto que vem sentindo com a própria gestação:

Eu não sei se é por conta... mas assim... por... eu não sei se é porque o neném
tá grande demais... eu to sentindo muita falta de ar já... sabe... ta aquela
coisa... procurando mesmo o ar... ta grande... e tá procurando um espaço
aqui... ai tá muito desconfortável... mas é só isso... só falta de ar mesmo...
demais... eu... uma vez eu comi doce... antes de descobrir também... eu comi
doce... não sei ao certo... mas me deu vontade de comer um chocolate... comi
o chocolate e logo em seguida deu uma ânsia de... ânsia de vômito... uma
náusea... aquela coisa estranha sabe... ai eu fiquei... achei estranho isso... ai
depois disso é que...

É interessante a maneira como Antônia vai entrando em questões que são


significativas para a compreensão da configuração subjetiva de seu DM Gestacional. A
medida que a fala vai se estendendo, a expressão da razão em relação ao DM Gestacional
vai abrindo espaço para a externalização de suas emoções. Sim, ela sente desconforto e
deixa isso muito claro em sua fala; porém, demonstra compreender e entender os motivos
desse desconforto como motivo de saúde para sua gestação.
Sobre o acompanhamento hospitalar, ela diz o seguinte:

Não... tá bom... o acompanhamento é assim... direto... tão vindo medir a


pressão... tão escutando os batimentos... hoje mesmo eu fui ali numa sala do
outro lado pra me colocar num aparelho que ficou o tempo todo só pra ouvir
o coraçãozinho dele... entendeu? Tão sempre me acompanhando... Só deram
essa pisada na bola hoje... que não mediram nem antes do café... eles não
vieram... pra saber quanto que tava... Mas amanhã eu vou aguardar eu vou
chamar antes de tomar meu café... eu vou lá chamar... alguém pra medir...

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 171


Nesse trecho podemos observar o quanto Antônia se prende aos procedimentos
padrões de acompanhamento durante sua estadia hospitalar. A atenção da equipe, de
acordo com suas falas, não parece envolver qualquer tipo de acolhimento, mas sim,
mecanicista.
Porém, esse acompanhamento mecanicista a deixa confortável por se sentir cuidada
em relação ao melhor desenvolvimento de seu bebê. Antônia parece tão acostumada aos
procedimentos mecânicos que, sentiu a falha da equipe quando diz “... Só deram essa
pisada na bola hoje... que não mediram nem antes do café... eles não vieram... pra saber
quanto que tava...”. Neste recorte, Antônia demonstra certa insegurança, pois, o cuidado
padrão a deixa mais segura em relação a sua saúde e a saúde de seu bebê.

2 | O CASO DE ALESSANDRA
A participante Alessandra demonstrou interesse em participar deste estudo logo no
primeiro momento. Esta gestante já se encontrava internada há dois meses. Pareceu o
tempo todo bem à vontade e entregue a nossa conversação.
No início de nosso processo dialógico, Alessandra se encontrava sem
acompanhante. Na enfermaria havia apenas mais uma gestante. Alessandra demonstrava
ar de cansaço, possivelmente, pelo peso e tamanho da barriga.
Alessandra relata que seu DM Gestacional foi diagnosticado já durante a internação,
após um exame para verificar o andamento de um tumor cerebral. Ela conta o seguinte:

... Na verdade eu me internei pra fazer um exame na cabeça, porque eu já


tive há 6 anos atrás um tumor no cérebro. Aí foi retirado esse tumor, e por
causa do excesso de hormônio da gravidez, houve o risco dele voltar... Senti
umas dores de cabeça, aí me internaram... Aí, quando me internaram, eles...
eles fizeram o exame, né, e de vi... constataram que não tava com tumor...
que não voltou. Essa dor de cabeça é por causa do tumor que foi retirado
e o excesso de hormônio... então... Olha já vai fazer dois meses... eu
tava falando pras meninas que tem dois meses, mais ou menos... Quase dois
meses que to aqui. Aí, eu entrei por... por, por um motivo de que eu ia fazer um
só... somente um exame... acabei ficando porque minha glicose tava ficando
alta, e eu já tive uma gravidez antes dessa, que fez um ano agora... dia sete
de maio... que minha filha morreu. Ela nasceu e morreu. E não teve resposta
pra morte dela. Eu tive muito líquido, e a... eu creio... eu não sei... eu acho...
eu imagino que seja porque foi prematura também. Dessa eu to conseguindo
segurar mais aqui no hospital...

Analisando esse primeiro trecho de nossa conversação, podemos perceber que


Alessandra está envolvida a um processo estressante associado a sua saúde e a sua
história de vida. Temos aí alguns pontos interessantes a serem levantados: tumor cerebral;
morte da filha recém nascida no ano anterior; DM Gestacional na gestação atual; internação
prolongada na gestação atual.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 172


Aparentemente Alessandra ainda busca sentido a morte da filha, o que fica
subentendido quando ela fala “Ela nasceu e morreu. E não teve resposta pra morte dela.
Eu tive muito líquido, e a... eu creio... eu não sei... eu acho... eu imagino que seja porque foi
prematura também.”. A medicina a deixou sem respostas e, ela ainda tenta entender o que
aconteceu em virtude da gestação atual, que, sem saber ainda o que poderá acontecer,
diz “Dessa eu to conseguindo segurar mais aqui no hospital...”. Seu histórico de saúde
associado a morte da filha no ano anterior, a deixam num situação indefinida, onde ela
constrói novo sentido subjetivo, tendo essa internação como um processo de promoção de
uma certa tranquilidade, pois, segundo ela, a gestação está segura até o momento devido
a internação prolongada.
Precisamos observar que a fala, como González Rey (2011) nos afirma, nunca
integra o sentido subjetivo em sua complexidade, porém, como a construção desse
processo se organiza, o que é destacado e de que forma é elaborado, são elementos
primordiais para a inteligibilidade de uma configuração subjetiva. Nesse trecho, Alessandra
não precisa afirmar que está com medo, pois, ela já expressa esse sentimento atrelado a
insegurança que demonstra ao olhar seu passado.
Essa nova internação, apesar do motivo inicial ter sido a averiguação do retorno do
tumor cerebral, o qual não se confirmou por exames clínicos, acabou por lhe confirmar um
novo processo, o DM Gestacional, onde Alessandra continua:

... a minha constatou mesmo com o exame do dedinho... que viu que
minha glicose tava alta... Aí... eles começaram a controlar com insulina e...
metiformina... e trocou a minha alimentação... Aí começou a controlar meu...
meu... meu... meu líquido, né... Meu líquido não... no caso... a minha glicose...
Tá estável... Só que o líquido continua a mesma coisa... Às vezes dá uma
diminuída, às vezes dá uma subida... uma subidinha... E fiz aquela morfológica
porque existe... diz que tem três razões... Só me lembro de duas... Uma das
razões do... da... da... desse problema do líquido... ou é má formação, ou
é... o... a diabete, que não tá sendo controlada... Existe uma outra que eu
também não sei te dizer, que... meu médico me falou e eu não consegui nem...
guardar... Mas eu sei que... a má formação foi descartado todas. A única
coisa que minha bebê tem é um... é um pequeno... ai meu deus, como é que
fala... um pequeno edema de couro cabeludo... bem pouquinho. Que diz que
tem alguns bebês que nascem também com isso. Só que eles só constatam
mesmo... qualquer má formação, porque eu fiz aquela morfológica que mostra
se existe alguma má formação... eu fiz aquela eletro... do coraçãozinho
do bebê, pra constatar se há também alguma... algum probleminha na
circulação... ou não... Não encontraram nada... nenhuma má formação. Então
não teve resposta em má formação do bebê, e também não teve resposta
em relação ao aumento do líquido com... é... a, a glicose, porque... porque a
glicose tá sendo controlada, e o líquido continua... sabe? Muito! É, agora só
ganhando pra saber a resposta. Os médicos falam, né... Tem crianças que...
que acontece isso... e não nasce com nada, eles dizem... Mas às vezes um
pequena má formação... uma valvulazinha pequena do coração tá... é coisas
pequenas que dá pra causar isso...

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 173


Ela foi pega de surpresa, apesar da alteração glicêmica ser comum durante a
gestação devido a associação com o aumento dos níveis séricos de estrogênio, prolactina,
progesterona, cortisol e somatomamotrofina coriônica, na tentativa do corpo da gestante
manter constante o suprimento de glicose para o feto. A glicemia alterada foi constatada
devido aos exames clínicos habituais em gestantes. A confirmação do DM Gestacional
a colocou de encontro a diversos novos exames com a finalidade de verificar como se
encontravam naquele momento a saúde de seu bebê, tendo em vista a perda da filha sem
motivo confirmado.
Na configuração subjetiva de Alessandra pode-se notar a sua preocupação em
relação a saúde de seu bebê, porém, se mantem dependente das terminologias da equipe
de saúde. A sua dor pela doença e suas preocupações em relação a saúde de seu bebê
não parecem monopolizar suas emoções, porém, diante de sua verbalização, podemos
observar o aparecimento de sentidos subjetivos diversos entre o controle glicêmico e o ter
que esperar seu bebê nascer para entender o que está acontecendo com sua saúde.
Devido a sua internação prolongada, Alessandra demonstra, em sua fala, sentir à
distância dos filhos e esposo, colocando o seguinte:

Ai... é complicado mesmo sair de casa... e ter que vir pro hospital... e passar
dois meses assim... é muito difícil. Mas... assim... eu tento levar um dia... um
dia atrás do outro. Tento viver o dia... e no final do dia... agradecer pelo dia...
porque se a gente for pensar... meu Deus... ainda falta tanto tempo... ainda
falta tantos dias... a gente acaba se estressando demais né? E a gente já fica
na gestação muito sensível... aí, você precisa da família... atenção... tudo...
dos filhos perto de você... e você tá dentro de um hospital... é muito mais
complicado... Tenho um filho de três anos e nove meses... Tenho uma filha de
dezesseis anos... E tem o meu esposo, né? Aí... quer dizer, a gente abandona
toda a casa... pra vir pra dentro do hospital... é muito complicado. A gente tem
que tá com a cabeça muito boa mesmo pra poder fazer isso.

Seus afetos não estão apenas centrados nos motivos de sua hospitalização, ela está
ligada a vida fora do hospital, sua família, expressando emoções fortes devido a saudade
que sente por conta dessa separação abrupta sofrida por conta da internação. Alessandra
demonstra compreender como sendo necessária a separação familiar neste momento de
internação, mesmo sentindo falta dos filhos e esposo. Quando lhe pergunto sobre a visita
da família, se tem visto os filhos, ela responde:

Tenho. Assim, é muito complicado porque o dia-a-dia é muito corrido...


trabalho... meu filho fica na creche... minha filha estuda... mas assim que eles...
sempre quando eles podem... eles tão vindo. Hoje mesmo veio minha mãe,
que já tinha muito tempo que eu não via... que trabalha muito também. Pegou
uma licença no trabalho pra vir. Aí... assim... essas coisas ajuda a gente, né?
(...) minha mãe trabalha direto! Ela... pouco se... o tempo dela... pra vir aqui...
né? E ela também ajuda muito a cuidar do meu filho... geralmente ela chega
do trabalho... já corre... pega meu filho na creche. Aí... ela fica me ajudando
nisso, sabe? Mas hoje ela pegou uma licença no trabalho pra vir mais cedo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 174


Nesse trecho, apesar do momento delicado para a sua saúde e a do bebê que
espera, Alessandra consegue expressar suas emoções em relação a sua família. Ela sente
a distância familiar, porém se sente motivada com as visitas dos filhos, esposo e mãe,
sempre que podem. Sua mãe tem um papel importante nesse momento. Seria ela sua mão
direita enquanto está impossibilitada de cuidar e acompanhar seus filhos. Essa abertura as
pessoas de sua família é um indicador de que o foco de sua vida não é se fazer vítima da
situação atual.
Alessandra demonstra insegurança em ter que deixar seus filhos mais velhos e
não poder ser a cuidadora deles enquanto está hospitalizada, porém, demonstra se sentir
segura com a presença e auxílio da mãe no cuidado de seus filhos. A presença da mãe no
ambiente hospitalar também é muito importante e lhe traz muita segurança. O sentimento
de insegurança é muito forte em suas falas, principalmente quando fala da saúde do bebê
que está gestando.

A minha preocupação era de... assim... tá acontecendo alguma coisa com


o bebê né? Alguma... alguma má formação que a gente não conseguiu ver
na ecografia... né?... e... aí... eu fui... assim... aí os médicos até... inclusive
uma médica me questionou aqui... comentando... engraçado né? A diabetes
gestacional faz o bebê crescer... e engordar demais... né? E a sua não. A sua
já tá... assim... já tá no padrão... assim... sabe? Tá engordando... pouquinho...
e ainda parou de ganhar peso um tempo... Aí... eu... assim... a gente... você
sabe que esse negócio de diabete... a gente não tem resposta pra tudo, né?
É só quando nasce mesmo.

É interessante como Alessandra consegue assimilar sua nova situação e se assumir


nela. Ela compreende que o DM Gestacional pode prejudicar no desenvolvimento de seu
bebê enquanto está sendo gestado. Apesar dos receios, ela compreende e enfrenta as
dificuldades. Neste trecho, a médica parece tentar tranquiliza-la quando diz que, apesar do
DM Gestacional, seu bebê está bem.
Novamente Alessandra coloca em questão o ambiente hospitalar, como segue em
sua fala:

Nossa... Deus! Assim... eu... é... a gente começa a chorar... até com problema
de casa mesmo... Que a gente fica sabendo por telefone... E aí chora... e
aí lá vem a psicóloga... Fica horas conversando com a gente... A gente se
alivia... assim... a gente desabafa... e daqui a pouco ta tudo muito bem...
Aqui sempre acontece isso... Eu tenho uma coleguinha que tá chorando, e a
gente chama a psicóloga correndo... Pra poder ajudar, né? Porque... é difícil...
viu... a nossa gravidez... ainda no hospital! Hospital é um lugar muito difícil de
conviver. Toda hora um caso de alguém morrendo... Você tá vendo pessoas
com a mesma situação que você e acaba... falece... um filho falece e ela...
esses dias mesmo... teve uma moça que faleceu aqui com um problema de
pré- eclâmpsia... então a gente vê essas coisas acontecer e você fala assim
“Meu Deus, isso pode acontecer comigo!”... Aí a gente fica... assim... meia
chocada... Tem coisas assim... é bom você tá sendo traba... tá sendo tratada...
você tá sendo acompanhada por uma equipe muito boa... preparada... mas...

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 175


ao mesmo tempo... você tá com a companheira de quarto que pode ir pra
uma mesa do centro cirúrgico e falecer. E uma pessoa que você já conhece...
que já se apegou. Então isso acontece muito. Então, hospital é uma coisa...
assim... muito difícil de a gente... tá lá dentro... tá vendo o que tá acontecendo.
A gente acaba sofrendo junto, né? E... e... aí a gente fica muito sensível... aí
ajuda... junta a sensibilidade da gravidez... aí é muito complicado a gente
tá dentro de um hospital, né? Assim... por isso que... eu... eu tentei muito...
falei aqui com o doutor “deixa eu ir pra casa, deixa eu ficar um pouco com
meus filhos”... e ele “não, você tem que se acompanhada, você não pode sair
daqui”... Eu “mas eu vou me sentir melhor em casa do que aqui, porque aqui
a gente vê muito caso triste, a gente tem que ter uma mente muito boa”... E
ele “Não, mas tem uns psicólogos pra acompanhar você”... E eu “não, mas é
muito ruim”...

Na configuração subjetiva de Alessandra pode-se perceber sua angústia em relação


a hospitalização prolongada. As suas preocupações por conta do DM Gestacional, atreladas
as vivências hospitalares a tencionam ainda mais em relação a sua saúde e a saúde de
seu bebê que estar por vir. A presença do psicólogo hospitalar tem sido importante para a
sua “sobrevivência” (grifo nosso) durante sua hospitalização, porém, as histórias parecem
assustá- la um pouco. A tentativa de vivenciar o restante da gestação em casa, junto aos
seus filhos, quando bloqueada pelo médico, foi mais uma frustração do que o entendimento
e compreensão da importância da internação para o melhor acompanhamento da gestação.
As conversas reflexivas durante o contato com a psicóloga hospitalar lhe permitem
continuar elaborando seus posicionamentos diante dos seus medos e angústias diante
de tudo o que tem vivenciado desde o diagnóstico de DM Gestacional e a internação e
separação da família.

3 | O CASO DE MILENA
A participante Milena demonstrou bastante resistência, necessitando de um trabalho
de aproximação por meio de visitas num período de um mês até que ela declarasse seu
interesse em participar deste estudo.
Diferentemente de Antônia e Alessandra, Milena foi internada logo no início do
segundo trimestre da gestação devido as várias tentativas de aborto sem sucesso e o
excesso da ingestão de medicações sem prescrição médica e bebidas alcoólicas, como
ela mesmo relata:

Bom... nem sei como... mas cheguei nas 37 semanas... não quis tá grávida...
vou dar esse bebê depois dele nascer... tentei tirar um milhão de vezes... to
estudando ainda... o pai do bebê nem sabe quem eu sou... só quis brincar
de fazer sexo e eu cai na onda dele porque tava bêbada... vejo ele só de
longe mas ele nem fala comigo... comeu e foi embora saca... gastei a maior
grana pra tentar tirar o bebê... minha mãe quer me matar porque não quero
ficar com o bebê... daí ela me trouxe pra cá quando eu tava com umas 17
ou 18 semanas... nem lembro mais... só lembro que a placenta começou a
descolar... nem sei se é assim que fala... tive sangramento e... e daí ela me

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 176


trouxe na emergência e inventou um monte de merda... disse pro médico
que eu tava enchendo a cara todo dia e que ia acabar me matando porque
ficava tomando remédio pra abortar... daí o médico me internou... e... tu sabe
que a merda sempre tem como piorar né... passei mal um dia aqui... que até
desmaiei... daí vieram me furar toda e viram que minha glicemia tava alta...
esse bebê não ta me trazendo nada de bom... mas ele também não tem
culpa... sei lá... é um saco tá aqui... perdi meu estágio... não posso sair com
minhas amigas... elas nem vem aqui me visitar... nem sei da faculdade mais...
fora que as grávidas aqui gostam de falar dos seus bebes e eu nem gosto de
falar com elas porque elas ficam me criticando...

Segundo esse recorte da fala de Milena, podemos verificar o quanto esta gestação
tem sido penosa. Para ela, a perda do estágio, e a distância das amigas, são consequências
geradas por esta a gestação e, portanto, pelo DM Gestacional. Seu posicionamento diante
da gestação, segundo sua fala, desde o início foi o de findar a gestação com tentativas de
aborto frustradas. A mãe, segundo ela, é a mantenedora desta gestação. O diálogo das
gestantes sobre a espera de seus bebes a incomoda, porém, existe uma “confusão” (grifo
nosso) de sentimentos em relação a esse bebê, quando ela diz “esse bebê não ta me
trazendo nada de bom... mas ele também não tem culpa...”
Aparentemente, Milena demonstra estar satisfeita com sua internação em relação a
distância familiar, como segue:

O único bom de tá aqui internada é poder ficar longe daquela família chata...
agora tá todo mundo pagando de bonzinho... como se a minhas tentativas de
aborto fossem as únicas da família... sei de muita gente que abortou na minha
família... mas... deixa eles... tudo tem volta... aqui to livre deles... sinto falta da
minha mãe.... mas ela vem aqui só pra brigar comigo... ela quer o bebê... mas
e eu? Será que ninguém vai pensar em mim? (...) Minha mãe me deixa com
dúvidas... não quero esse bebê... mas se ela não me deixar dar pra adoção...
vou ter que ficar com ele... pelo menos ela vem me ver... me dá carinho...
atenção... mesmo me torrando o saco... mãe é mãe né... acho que não nasci
pra ser mãe... sei lá... daqui a pouquinho ela chega... ela vem cuidar de mim...

Milena tem uma fala muito contraditória ao falar da mãe. A separação da família
parece um grande alívio para ela, porém, a presença e participação da mãe neste processo
de adoecimento, por mais que gere qualquer tipo de desconforto a Milena em relação a
gestação em virtude das críticas, se faz muito importante e necessária, pois, Milena parece
se sentir mais segura.
Milena tenta justificar suas tentativas de aborto em outras experiências já
vivenciadas em sua família. Aparentemente, ela parece atribuir a causa de seus problemas
às influências externas; neste caso, segundo ela, a família e a mãe seriam causadoras dos
desconfortos sofridos. Essa sensação de obrigação com a gravidez e o afastamento das
coisas que gosta de fazer, podem ser indicadores de uma dificuldade para gerar emoções
que mobilizem seu comportamento.
Em relação a vivência hospitalar diante dos procedimentos para o acompanhamento
de seu DM Gestacional, Milena diz o seguinte

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 177


(...) eu to cansada de ficar aqui... todo dia me furam... todo dia tiro sangue... e
esse lance de fazer dieta? Pô... to com uma vontade louca de tomar sorvete...
ta quente pacas... mas não posso né... não posso... o bebê não deixa... essa
gravidez não deixa... esse diabetes não deixa... e seu eu ficar diabética pro
resto da vida? Eu sei que isso pode acontecer... estudo enfermagem... não
quero ficar diabética... é um saco ficar presa aqui dentro desse hospital... um
saco...

O mal-estar emocional que ela vem alimentando em relação a gravidez e, que por
consequência, vem afetando sua saúde, definem uma configuração subjetiva na qual o
medo de permanecer doente começa a aparecer. É interessante como ela se mantém
passiva diante de seu adoecimento, culpando o bebê de seu adoecimento. Em nenhum
momento, durante nossa conversação, ela faz alguma reflexão sobre o seu autocuidado
em relação a sua saúde.
A dieta lhe aborrece, os procedimentos lhe incomodam, o bebê se torna o culpado;
em síntese, Milena não consegue produzir sentidos subjetivos que rompam com essas
barreiras que definem seu modo de vida atual, dando pouca atenção ao que poderia fazer
em prol de si mesma. Diante do tempo que ainda falta para o nascimento do bebê, ela
responde:

De pensar que ainda faltam... no mínimo... umas 18 semanas... e... e que


vou ter que ficar aqui... nossa... que sofrimento viu... ninguém merece ficar
internada... pior que nem sei o que fazer mais... sabe... minha mãe quer tanto
esse bebê... uma das mulheres internadas aqui... ela... ela perdeu o bebê
esses dias... o bebê nasceu e morreu... tinha pensado em dar pra ela... mas...
mas me dá um medo... é estranho... mas não quero pensar nisso agora... acho
que já podemos parar né... já falei bastante...

Nesse trecho, podemos perceber o quanto Milena está confusa em suas emoções
diante desta gestação. O tempo que ainda falta, a mãe que quer o neto, a mulher que
perdeu o bebê, e ela que já nem sabe mais o que quer, e que estava cheia de certezas.
Esse momento de hospitalização prolongada parece estar contribuindo para uma reflexão
dos fatos. Reflexões essas ainda muito conturbadas diante de tantas dúvidas e culpas.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante salientar que em um ambiente de pesquisa não se trabalha apenas
com o sujeito ou sujeitos pesquisados, mas com um “mix” das vivências desse ou desses
sujeitos com as vivências do pesquisador. A pesquisa também é um ambiente de troca.
O jogo de cena sobre o qual produzimos as impressões sobre nós mesmos é esperado e
recebido pelo outro para a construção da sua impressão sobre nós. Tradições e posições
sociais também conduzem a condutas textualizadas.
Este estudo teve como finalidade principal, o entendimento de como gestantes com
o diagnóstico confirmado de Diabetes Mellitus Gestacional, hospitalizadas no alto risco

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 178


de um hospital da rede pública de Brasília, Distrito Federal, enfrentam esta doença desde
o impacto do diagnóstico até o seu reflexo no autocuidado, na qualidade de vida e no
emocional.
Analisando os três diálogos, pudemos constatar que a intensidade das emoções,
os receios e temores experienciados por estas gestantes são diferentes e revelam a
necessidade de uma abordagem psicológica além da abordagem biológica que já é feita
durante o acompanhamento pré-natal. Toda a história de vida destas gestantes, o contexto
em que vivem, a forma como receberam o diagnóstico de DM Gestacional, a participação
das famílias e amigos, o afastamento das atividades do dia-a-dia, tudo, contribuiu, de
alguma forma, na construção dos sentidos subjetivos para o atual momento.
Por meio das falas das gestantes, podemos perceber que os sinais e sintomas do
DM Gestacional referidos por elas não foram relevantes, o que se torna preocupante, pois,
sabemos que a grande maioria das gestantes com DM Gestacional só são identificadas
quando esses sinais e sintomas são aparentes e facilmente diagnosticados. Nas três
gestantes aqui estudadas, o DM Gestacional foi diagnosticado em exames de rotina antes
da internação, como no caso de Antônia, e, durante a internação, como nos casos de
Alessandra e Milena.
Além disso, é possível compreender e descrever como a maternidade atravessa
os processos de subjetivação dessas mães, explicitando os enunciados que constituem a
maternidade hoje. O entendimento dos processos de subjetivação dessas mulheres não
acontece mergulhado somente nas suas histórias individuais, como se ali estivesse a razão
ou o sentido último para as suas falas, mas na articulação dessa trajetória com o contexto
histórico mais amplo.
Sobre a internação prolongada e analisando as três gestantes deste estudo, pude
observar que existe uma falha no acompanhamento pré-natal da rede pública do Distrito
Federal. A culpa não seria apenas da rede pública de saúde, mas de todo o contexto:
gestante, equipe de saúde, Estado, etc. Um pré-natal atuante, regular e com a participação
efetiva da equipe de saúde contando com a colaboração da gestante, pode, eventualmente,
dispensar uma possível internação. A gestação, por si só, deixa o sistema imunológico da
gestante debilitado, ou seja, a gestante exposta a um ambiente permeado de bactérias,
vírus e tantos outros processos de contaminação, facilmente poderia ter uma infecção, por
exemplo. E, levando em consideração que a gestação é diabetogênica, ou seja, qualquer
gestante pode vir a desenvolver um DM Gestacional no decorrer da gestação, o ideal seria
que, durante o pré- natal, as gestantes fossem orientadas desde o início a conseguirem um
controle glicêmico para evitar complicações futuras.
Se pensarmos em todos os gastos que uma internação traz ao Estado, podemos
concluir o quanto o processo de prevenção e promoção em saúde são importantes
durante o pré-natal. Um pré-natal bem feito pode evitar diversas complicações para a
gestante e seu bebê, e, por consequência, diminui os gastos do Estado.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 179


Este estudo nos faz refletir um pouco mais sobre a vulnerabilidade da saúde da
gestante diante de um diagnóstico como o de DM Gestacional. As construções subjetivas
elaboradas por estas gestantes não podem ser generalizadas e, muito menos, consideradas
como verdade absoluta para todas as gestantes com o mesmo diagnóstico. É importante
que se prevaleça a individualidade e a subjetividade de cada diálogo.
Concluo aqui que a psicologia continua em constante evolução, e, este estudo é
mais uma prova disso. É fato que, possivelmente, nunca consigamos compreender a fundo
a relação da gestante com o diagnóstico de DM Gestacional e o processo de internação
e tudo mais que possa envolver essa relação, enquanto unidade psicológica, o que nos
remete a González Rey (2010) que diz que, desta forma, a pesquisa nunca se esgota nos
mostrando sempre várias novos questionamentos que nos levarão a outros vários novos
questionamentos, e assim por diante.

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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 13 183


CAPÍTULO 14
doi
REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA –
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO
(TEA) COM COMORBIDADE DE DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL (DI)

Data de aceite: 01/02/2021 são apresentadas por esses sujeitos, permitindo


assim tratamentos e acompanhamentos
adequados caso a caso (Brasil, 2013). Os
desafios do Projeto Terapêutico Singular (PTS)
Juliana Corrêa da Silva
envolvem encontrar possibilidades singulares
http://lattes.cnpq.br/9329384364421837
a cada indivíduo, nas diferentes situações
Jessica Layanne Sousa Lima de vida que lhe são apresentados, o projeto
http://lattes.cnpq.br/5667049258927541 remete a criação subjetiva de um plano-ação
que tem um direcionamento e orienta em termos
Thais de Lima Alves Corrêa
gerais as decisões que são apresentadas
http://lattes.cnpq.br/0441209553128718
pelo paciente/família, propondo práticas de
intervenção, voltadas a inserção social e a
qualidade de vida dos usuários que participam
RESUMO: O Transtorno do Espectro do do projeto (Pinto & Colaboradores, 2011).
Autismo é uma perturbação de etiologia muito PALAVRAS-CHAVE: Autismo, Deficiência
complexa e que se caracteriza marcadamente Intelectual, Neuropsicologia, Reabilitação,
pelos déficits persistentes e muito precoces na Psicofarmacologia.
comunicação e na interação social em múltiplos
contextos vivenciados pelo sujeito, pelos padrões
restritivos e repetitivos de comportamentos NEUROPSYCHOLOGICAL
REHABILITATION - AUTISM SPECTRUM
diversos, interesses e/ou atividades peculiares
DISORDER (ASD) WITH INTELLECTUAL
(DSM-V, 2014). Os primeiros sintomas potenciais
DISABILITY COMORBIDITY (ID)
emergem normalmente na primeira infância,
o conjunto complexo de sintomatologias que ABSTRACT: Autism Spectrum Disorder is a very
preconizam e caracterizam o autismo é definido complex disorder characterized by persistent and
por alterações presentes desde idades que ainda very early deficits in communication and social
são muito precoces, comumente apresentada interaction in multiple contexts experienced
antes dos três anos de idade da criança e/ by the subject, by the restrictive and repetitive
ou no início da inserção escolar (Fernandes patterns of different behaviors, interests and /
& Colaboradores, 2006). A sintomatologia or activities peculiar (DSM-V, 2014). The first
pode vir a diminuir quando ocorre tratamento potential symptoms usually emerge in early
adequado, com acompanhamento contínuo childhood, the complex set of symptomatologies
multidisciplinar. A importância por parte da that advocate and characterize autism is defined
Reabilitação Neuropsicológica está associada by alterations present from ages that are still
ao estudo aprofundado das funções cognitivas, very early, commonly presented before the
das funções emocionais e comportamentais que child’s three years of age and / or early on school

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 184


insertion (Fernandes & Collaborators, 2006). The symptomatology may decrease when
appropriate treatment occurs, with continuous multidisciplinary follow-up. The importance
of Neuropsychological Rehabilitation is associated with the in-depth study of the cognitive
functions, emotional and behavioral functions that are presented by these subjects, thus
allowing appropriate treatments and follow-ups on a case-by-case basis (Brazil, 2013).
The challenges of the Unique Therapeutic Project (PTS) involve finding unique possibilities
for each individual in the different life situations presented to him, the project refers to the
subjective creation of an action plan that directs and guides in general terms the decisions that
are presented by the group, proposing intervention practices, focused on the social insertion
and quality of life of the users participating in the project (Pinto & Collaborators, 2011).
KEYWORDS: Autism, Intellectual Disability, Neuropsychology, Rehabilitation,
Psychopharmacology.

No início dos estudos voltados a psiquiatria, em meados do século XVIII, existia


uma única concepção do que eram as psicopatologias em crianças e adolescentes, era
a chamada e conhecida denominação de “idiota”. O conceito de “idiota” estava associado
a uma série de transtornos, nomeadamente, ao retardo mental, as psicoses infantis, a
esquizofrenia infantil e do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) (Brasil, 2013 citado por
Bercherie, 1998). Ocorria que, os conceitos acerca do que era o Transtorno do Espectro
do Autismo, da psicose e da esquizofrenia se cruzavam e eram demasiadamente utilizados
de maneira similar e heterogênea durante muitos anos pelas equipes de saúde mental, o
que atualmente foi superado ao longo de muitas rupturas e estudos de que as respectivas
eram patologias/distúrbios distintos, com sintomatologia, características e etiologias sem
maiores vinculações e semelhanças (Brasil, 2013).
Aos meados dos anos 1940, dois médicos renomeados, Leo Kanner e Eugen Bleuler
apresentaram as iniciais descrições modernas e equilibradas do que hoje é nomeado a
aceito de Transtorno do Espectro do Autismo infantil e/ou o transtorno autista. Ambos os
médicos chegaram ao consenso similar (parcial) de que existiam nesses sujeitos portadores
do transtorno uma certa incapacidade de se relacionarem de maneira compreensível e/ou
“normal” com as outras pessoas em determinadas situações, sendo esses comportamentos
apresentados comumente desde o início de suas vidas, nos primeiros contatos com as
figuras parentais e/ou cuidadores. Só em 1980, quatro décadas de estudos contínuos
depois é que ocorre uma ruptura e o transtorno do autismo deixa de ser incluído no campo
das chamadas “psicoses infantis”, e passa a ser denominado e considerado pela saúde
como um transtorno invasivo do desenvolvimento (Brasil, 2013).
As várias edições existentes do Diagnóstico de Saúde Mental (DSM) preconizavam
inúmeras classificações relacionadas a sintomatologia do que era o transtorno do
Autismo, visto que, ocorreram algumas rupturas para o que se denomina hoje o transtorno
na literatura. No atual DSM-IV, a penúltima versão do manual, reporta o autismo como
um transtorno invasivo do desenvolvimento (TID) humano, onde, o Transtorno de Rett,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 185


o Transtorno Desintegrativo da Infância, o Transtorno de Asperger e o Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação ainda se faziam presentes nessa
denominação de transtornos específicos (Gonçalves, 2014). O DSM-V já traz novas
modificações no que diz respeito às reverberações da nomenclatura, onde o transtorno
invasivo do desenvolvimento humano passa a ser classificado como o transtorno global do
desenvolvimento (TGD), deixando de usar a classificação dos transtornos específicos do
desenvolvimento e passam a ser todos considerados como o Transtornos do Espectro do
Autismo (TEA) (Neumann & Colaboradores, 2016).
O nível de classificação do Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) vai depender
da gravidade e das potencialidades dos sintomas que são apresentados no sujeito,
existindo assim três níveis compreensíveis de classificação, o nível um (N1) que exige
apoio e que estão relacionados aos sintomas caracterizados como leve; o nível dois (N2)
que exige apoio substancial e que estão vinculados aos sintomas de ordem moderada; e o
nível três (N3) que exige muito apoio e que é atravessado as comorbidades mais graves e/
ou gravíssimas apresentadas no transtorno (DSM-V, 2014).
As repercussões relacionadas ao Autismo passaram a estar vinculadas aos
transtornos relacionados ao neurodesenvolvimento humano, que comumente se manifestam
na primeira infância, antes mesmo do processo de desenvolvimento da educação escolar,
em meados dos 4 e 6 anos de idade, podendo também surgir precocemente antes dos
3 anos de idade. Os déficits e as comorbidades que são apresentadas devastam vários
prejuízos a nível pessoal, social e escolar, sempre a depender do nível em que o transtorno
é diagnosticado (DSM-V, 2014).
Nos critérios diagnósticos do DSM - 5 é possível retratar os sintomas associados
ao diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (F84.0), sendo elas: A) Os
déficits persistentes e muito precoces na comunicação social e na interação social em
múltiplos contextos vivenciados pelo sujeito, como por exemplo, déficits na reciprocidade
socioemocional, déficits nos comportamentos comunicativos de caráter não verbais,
déficits para desenvolver, manter/sustentar e compreender relacionamentos, dentre outros.
B) Padrões restritivos e repetitivos de comportamentos diversos, interesses e/ou atividades
peculiares, como por exemplo, movimentos motores repetitivos, uso de objetos ou fala
estereotipados ou repetitivos, insistência repetida nas mesmas atividades e/ou objetos,
adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal,
interesses fixos e altamente restritos que são anormais no que diz respeito a intensidade
e/ou foco, hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais e/ou interesses obsessivos por
aspectos sensoriais do ambiente vivenciado. C) Os sintomas necessariamente precisão
estar presentes precocemente no período do desenvolvimento maturacional do sujeito e no
processo da construção de vínculos afetivos e sociais tem início. D) Os sintomas podem
consequentemente causam prejuízos que são significativos no funcionamento pessoal,
social, acadêmico, profissional, dentre outros.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 186


O autismo não possui a representação de uma doença orgânica, sendo assim,
é caracterizada como um conjunto de sinais e sintomas (síndrome), tendo uma vasta
possibilidade de etiologias existentes, repercutindo como marco a desordem neurológica
de causa ainda muito imprecisa e sem definições claras (Gonçalves, 2014 citado por Jorge,
2010). As comorbidades que estão associadas ao transtorno são multivariadas, tendo em
vista que existem um leque de possibilidades patológicas nas quais podem se desenvolver/
manifestar junto ao transtorno do autismo, como por exemplo, o transtorno de déficit
de atenção, transtorno de hiperatividade, transtorno obsessivo compulsivo, patologias
ansiogênicas, dificuldades de aprendizagem, deficiência intelectual.
É muito recorrente existir a possibilidade de o sujeito com diagnósticos de autismo
também apresentar a deficiência intelectual associada as comorbidades, visto que,
existem vários déficits que podem ser apresentados na organização estrutural do sujeito.
A conceitualização da deficiência intelectual está vinculada aos déficits comuns nas áreas
sociais, nas rupturas da cognição e na capacidade do processo adaptativo. As estereotipias
e as alterações de ordem comportamentais/estereotipadas podem ser bastante severas e
agudas em indivíduos com deficiência intelectual, os transtornos globais do desenvolvimento,
em especial o autismo infantil são os mais comuns (Brasil, 2013).

1 | METODOLOGIA
Para a realização da meta-análise sobre a reabilitação neuropsicológica em
pacientes com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), foram necessárias pesquisas
bibliográficas em artigos periódicos, dissertações de mestrado e teses de doutoramento.
Para a busca do material de estudo foram utilizadas as bases de dados de Scielo e Google
Acadêmico, onde foram realizadas as pesquisas dos conceitos chaves sobre “Reabilitação
Neuropsicológica do Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)”, “Sintomas do Transtornos
do Espectro do Autismo (TEA)”, “Deficiência Intelectual”, “Projeto Terapêutico Singular
(PTS)”, “Comportamentos do Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)”, e “Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”. As periodicidades das referências
bibliográficas foram limitadas entre o intervalo de 2006 e 2015, e as línguas foram o
Português-PT, Português-BRA e a língua Inglesa. Após as revisões bibliográficos de todos
os conteúdos de revisão literária foram selecionados os artigos considerados pertinentes
para a elaboração da pesquisa e reformulação da reabilitação.
Para a análise dos dados será realizado uma seletividade de todos os materiais
que foram localizados ao longo da pesquisa sobre a reabilitação neuropsicológica do
Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Em seguida será realizada uma análise
qualitativa dos dados que tem como ponto de partida o objetivo secundário da reabilitação
neuropsicológica e a implementação do projeto terapêutico singular em sujeitos que são
portadores do Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) com comorbidade associada a
Deficiência Intelectual (DI).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 187


2 | ETIOLOGIA
Nas décadas de 50 e 60 uma das primeiras hipóteses etiológicas demarcadas pelo
surgimento devastador do autismo na infância estava fortemente ligada a denominação
do conceito “mãe frigorifico”, que estava relacionada a uma ideia muito sólida de que
o transtorno era provocado por repercussões negativas que se vinculavam a interação
dos processos da relação com a figura materna. A figura materna falha com ausência
de amor, carinho, afeto e reciprocidade tinha grandes potencialidades para desenvolver
uma posterior perturbação com relação ao desenvolvimento normal e “saudável” do bebé.
As causas sociais voltadas a traumas, negligência e a vulnerabilidades também eram
levadas em consideração para repercussões no transtorno (Duarte, citado por Ribeiro,
2005 & Happé, 1994). No entanto, ao longo dos estudos foi percepcionado na literatura
que existiam fatores hereditários, neurológicos e biológicos que também precisavam ser
levadas em consideração na linha etiológica do desenvolvimento do transtorno.
A etiologia consensual do Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) ainda está
em um constante processo de construção, visto que, a literatura não reporta um motivo
exato/concreto pelo qual a criança nasce e desenvolve o transtorno nos primeiros anos de
vida. O transtorno é caracterizado contemporaneamente como uma síndrome (conjunto
de sinais e sintomas) e não como uma doença com um direcionamento médico, pois, a
etiologia ainda é indistinta, multifatorial e claramente complexa. Sendo assim, o transtorno
é reconhecido com uma desordem de caráter neurológico, onde as causas são direcionadas
aos componentes genéticos, neurobiológicos e/ou neuropsicológicos (Gonçalves, 2014
citado por Jorge, 2010).
Outros estudos sugerem a forte presença de alguns fatores de ordem genéticas e/ou
neurobiológicas que podem estar associados ao desenvolvimento do transtorno do autismo
na infância, como por exemplo, uma anomalia anatômica, uma anomalia fisiológica do sistema
nervoso central, causas ambientais, infecções perinatais, problemas constitucionais inatos
predeterminados biologicamente no percurso do nascimento, fatores de risco psicossociais
vivenciados, agressões cerebrais nas áreas envolvidas com a patogênese, nascimento
com prematuridade, asfixia, alterações cromossômicas detectáveis por métodos usuais
(cariótipo), microdeleções/microduplicações, doenças monogênicas, síndrome do X frágil,
esclerose tuberosa, recorrência de microcefalia, dentre outras possibilidades que podem
existentes (Akshomoff, 2006; Brasil, 2013).
A etiologia da deficiência intelectual é também sem uma distinção exata, assim
como o transtorno do autismo, no entanto, as possíveis origens são bem definidas,
como por exemplo, podem ser provenientes de lesões cranianas, infecções diversas,
uso de substancia psicoativa (álcool e drogas), contato com toxinas, fatores genéticos,
desnutrição, privação emocional e social, distúrbios cromossômicos, desordens de gene
único, influências ambientais adversas, prematuridade, fatores socioculturais, dentre
inúmeras outras possibilidades (Ke; Liu, 2015).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 188


3 | PREVALÊNCIA
Segundo a literatura do DSM-V existe uma taxa muito alta de incidência prevalente
no sexo masculino na população com o transtorno, visto que, presumisse que a cada
nascimento diagnosticado é calculado em 4 para o sexo masculino e 1 para o sexo feminino.
No entanto, observa-se que indivíduos do sexo feminino estariam mais suscetíveis a
apresentar retardo mental mais grave/severo que estaria concomitante ao diagnóstico de
autismo (DSM-V, 2014). O Autismo é considerado um dos transtornos neuropsiquiátricos de
maior caráter potencial hereditário, calculada uma taxa percentil de aproximadamente em
90% dos casos (Gonçalves, 2014 citado por Bailey, 1995).
Nos estudos relacionados a irmãos, independente do sexo apresentado pela criança,
direciona-se que o risco de existir uma recorrência do transtorno é de aproximadamente 3%
a 5% dos sujeitos, o que estaria associado a uma incidência muito alta de 75 vezes mais
que todo o restante da população. Outras comorbidades que são muito recorrentes estão
ligadas a forte presença de retardo mental e processos convulsionais repetitivos, sendo
que 70% dos casos está para o retardo mental e 33% dos casos está para a presença de
convulsões (Zilbovicius & Colaboradores, 2006).
As normas e manuais técnicos do Ministério da Saúde pressupõem em seus estudos
que 40% da população com deficiência intelectual apresentam critérios diagnósticos para
o autismo e que até 70% de indivíduos com quadro de autismo apresentam a comorbidade
da deficiência intelectual (Brasil, 2013). Ou seja, é muito comum que sujeitos que
possuem diagnóstico dos transtornos do espectro do autismo apresentem concomitante a
comorbidade de deficiência intelectual leve, moderada e/ou grave, a partir da manifestação
dos sintomas que são apresentados.

4 | SINTOMATOLOGIA
As repercussões associadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão
vinculadas a um conjunto de fatores que são de ordem neurodesenvolvimental e
concomitantes a manifestações de esfera comportamental. Essas manifestações
estão incluídas nos possíveis comprometimentos qualitativos que o sujeito pode vim a
apresentar, nomeadamente dificuldades de desenvolvimento sócio comunicativo, presença
de comportamentos persistente e estereotipados, repertório restrito relacionados aos
interesses em situações adversas e atividades comuns de rotina, fazendo assim com que
o sujeito reverbere algumas limitações e/ou dificuldades relacionadas ao convício social,
familiar, dentre outros (Ciquiguti, 2014 citado por Zanon, 2014).
As primeiras manifestações mais precisas e que denunciam o transtorno emergente
devem ocorrer antes dos 36 meses de nascimento do bebê, onde, essas manifestações
podem estar relacionadas a respostas de vinculação da mãe para com o bebê. Os problemas

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 189


de ordem desenvolvimental devem surgir possivelmente em meados dos 12 aos 24 meses
de nascido, visto que, também podem surgir alguns sinais bem mais precoces e antes dos
12 meses, como por exemplo, a dificuldade e/ou a impossibilidade da criança ter o contato
ocular com cuidadores (Ciquiguti, 2014 citado por DSM-5, 2013).
O contato ocular é uma das grandes problemáticas iniciais que os grupos de pais
que vivem com crianças que apresentam o transtorno reportam nos primeiros meses
de nascimento das crianças, onde, existe a falta de contato/percepção ao ser chamado
pelo seu nome, a falta de engajamento/empoderamento nos processos que envolvem as
interações sociais, atividades em grupos e nas respectivas situações que são necessárias
a atenção compartilhada por parte da criança (Ciquiguti, 2014 citado por Werner, 2005).
Em uma pesquisa realizada com pais de crianças que possuíam diagnóstico de
autismo precoce foi possível compreender mais precisamente os sintomas que ocorrem
comumente antes dos 12 meses de idade a partir da aplicação do instrumento Autism
Diagnostic Interview-Revised (ADI-R). Dentre os resultados obtidos, foi constatado que
alguns comportamentos se repetem com frequência considerável, sendo eles:

Imagem extraída de http://institutoideia.com.br/noticias/14autismo.pdf

Existem alguns fatores que precisam ser observados antes dos 24 meses de
nascimento do bebê e que posteriormente facilitam o diagnóstico precoce com redução
considerável no que diz respeito aos atrasos e/ou comorbidades associadas ao transtorno.
Dentre as sintomatologias que podem surgir, é necessário levar em consideração os
fatores de ordem médica, de ordem genética, a hereditariedade, a deficiência intelectual,
complicações perinatais, déficits sensoriais, déficits de linguagem, comprometimentos no
desenvolvimento social, falhas na brincadeira em grupos, falhas na simbolização, alterações
no desenvolvimento motor e psicomotor, alterações/seletividade/restrições na alimentação,
alterações relativas ao sono, regressão contínua no uso da linguagem e atraso no processo
da comunicação tardia da linguagem (Ciquiguti, 2014).
Os sintomas comportamentais do Transtorno do Espectro Autista podem variar a
partir das comorbidades que estão sendo apresentadas a dinâmica de vida da criança, os
comprometimentos mais comuns podem envolver 1) Os aspectos sociais. 2) Os aspectos

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 190


da comunicação. 3) Comportamentos repetitivos e/ou estereotipados. 4) Aspectos motores.
5) Aspectos sensoriais e 6) Aspectos de segurança (Bauman & Colaboradores, 2014).
As sintomatologias das deficiência intelectuais são muito diversas, sempre a
depender do gravidade de cada caso, comum apresentarem no quadro clínico, dificuldades
na fala; dificuldades em perceber estímulos ambientais; cognição com falhas relativas ao
pensamento abstrato, dificuldades na capacidade de analisar e raciocinar; processo da
concentração e da memória; emoções ingênuas e imaturas; movimentos e comportamentos
com ausência de coordenação motora; problemas de saúde como epilepsia, problemas de
comportamento e prejuízos sensoriais (Ke; Liu, 2015).

5 | REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
A reabilitação neuropsicológica é remetida a um conjunto de intervenções que tem
por objetivos emergenciais as melhorias no que diz respeito aos impactos relacionados
aos problemas cognitivos, emocionais e sociais decorrentes de uma falha e/ou lesão
apresentada, auxiliando assim o paciente a alcançar precocemente o processo de
autonomia e de qualidade de vida (Wilson, 2008). A reabilitação neuropsicológica pode ser
definida como um processo ativo que está em constante busca de construções relacionadas
a psicoeducação e a capacitação contínua. O seu objetivo é que o sujeito alcance de forma
autônoma seus potenciais físicos, mentais e sociais (Kesselring & Beer, 2005).
As diretrizes da avaliação diagnóstica de atenção aos processos de reabilitação de
sujeitos portadores do autismo se iniciam com a vigilância constante e precoce do profissional
sobre as sintomatologias iniciais de problemas relacionados ao neurodesenvolvimento que
surgem ainda na primeira infância. O diagnóstico tem funcionalidades relacionadas ao exame
dos comportamentos observados que são claros e objetivos para a posterior classificação
diagnóstica caso a caso, segundo o CID-10. Essas diretrizes são fundamentais para
posteriormente o profissional obter subsídios adequados para o delineamento, por exemplo,
da implementação do Projeto Terapêutico Singular, para posteriores encaminhamento e
para as intervenções adequadas sempre levando em consideração a demanda que está
sendo apresentada pelo sujeito (Brasil, 2013). Torna-se necessário o desenvolvimento por
parte da equipe de estratégias que permitam trabalhar algumas das consequências que
advêm da condição do transtorno, que embora não consigam reverter os efeitos gerados
pela comorbidades apresentadas, possam restituir alguma autonomia ao sujeito e seus
respectivos familiares.
A condição do autismo pode ocasionar no sujeito alterações relativas ao processo
da linguagem, da sociabilidade, limitações em capacidades funcionais, no autocuidado e
nas interações familiares e sociais. O transtorno comumente vai ressaltar dos familiares/
cuidadores e profissionais uma atenção especial e com foco nos resultados positivos e
construtivos, as propostas do projeto terapêutico deve reverberar aspectos agregadores

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 191


relacionados ao diagnóstico elaborado, as recorrentes sugestões derivadas da avaliação
interdisciplinar em equipe e das decisões dos familiares. A proposta do projeto pode vir a
ser individualizada e deve atender a todas as peculiaridades e demandas apresentadas
pelo sujeito/família (Brasil, 2013).
O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é elaborado a partir das demandas que
são apresentadas pelos respectivos usuários, levando em consideração as sugestões e
opiniões dos seus usuários, pensando na perspectiva da subjetividade do sujeito e no seu
posterior projeto de vida. O projeto terapêutico singular é uma espécie de rede nas quais
vários aspectos da saúde estão interligados, podendo ou não existir um fluxo contínuo
entre eles. (Pinto & Colaboradores, 2011).
É importante entender a pluralidade de todos os sujeitos que se fazem envolvidos
no processo, a atuação do PTS requer diferentes formas de atuação, a partir das
diferentes demandas que lhe são apresentadas. Os desafios do projeto envolvem
encontrar possibilidades singulares a cada indivíduo, nas diferentes situações de vida que
lhe são apresentados, o projeto remete a criação subjetiva de um plano-ação que tem
um direcionamento e orienta em termos gerais as decisões que são apresentadas pelo
sujeito/família, propondo práticas de intervenção voltadas a inserção social e a qualidade
de vida de todos os usuários que participam do projeto terapêutico (Pinto & Colaboradores,
2011).
As escolhas referentes aos métodos e as técnicas que serão utilizadas no
tratamento e na reabilitação devem ser realizadas de modo conjunto entre a equipe
multiprofissional e a família do paciente, garantindo aos familiares e paciente propostas
voltadas ao alcance e aos benefícios do tratamento, bem como facilitando o processo de
cuidado à saúde por parte dos familiares e do paciente (Brasil, 2013). Os profissionais
que comumente participam do processo de reabilitação neuropsicológica são os médicos/
psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, dentista,
nutricionista, educadores, dentre outros.
A processo de reabilitação neuropsicológica do sujeito deve ser direcionado as
possíveis dificuldades que podem emergir ao longo do tratamento família-paciente, como
por exemplo, considerações acerca da linguagem, dos sentimentos, dos pensamentos,
da representação do vínculo social, do vínculo familiar que o paciente apresenta e das
capacidades funcionais e potencialidades do sujeito. As reverberações positivas que
podem surgir para o paciente são inúmeros, tais quais, podemos citar a) A participação e
o desempenho em atividades sociais cotidianas; b) Construção do processo de autonomia
para mobilidade; c) Capacidade de autocuidado e de trabalho; d) Ampliação do uso de
recursos pessoais e sociais; e) Qualidade de vida e fortalecimento da comunicação social;
f) Ganhos funcionais e simbólicos (Brasil, 2013).
O processo da reabilitação neuropsicológica com o transtorno do autismo tem
como principal objetivo trabalhar no indivíduo os aspectos cognitivos, emocionais e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 192


comportamentais que estão atravessados a prejuízos e falhas, que muito estão associados
a possíveis quadros de lesões e/ou disfunções cerebrais/cognitivas. A proposta da
reabilitação neuropsicológica tem a demanda de melhorar a funcionalidade do sujeito e sua
posterior qualidade de vida, visando a saúde mental e o equilíbrio emocional (Zilbovicius &
Colaboradores, 2006).

6 | TRATAMENTO
O tratamento contínuo dos pacientes com Transtornos do Espectro do Autismo
(TEA) e a comorbidade de Deficiência Intelectual está associado a muitos fatores e áreas
especificas, onde, a psiquiatria, a psicologia e a neuropsicologia trabalham em conjunto
para fornecer as melhores possibilidades e estratégias de tratamento a depender da
idiossincrasia apresentada. O cruzamento entre os processos psicoterápicos e os fármacos
trazem grandes potencialidades para esses pacientes, trazendo posteriormente formas mais
adaptativas de comunicação, melhorias nos comportamentos irregulares apresentados,
níveis de stress menos acentuados, melhor concentração, dentre outras possibilidades.
O processo psicoterápico é fundamental concomitante a quaisquer outros tratamentos em
que o sujeito se disponibilize a participar, lembrando que a família se faz um fator essencial
dentro desse processo de construção, visto que, a família/cuidadores constituem parte
integrante fundamental no tratamento do TEA.
A intervenção realizada de ordem psicotrópica prioriza os fatores neuroquímicos
que são apresentados em pacientes que possuem o Transtornos do Espectro do Autismo.
É comum que crianças portadoras do transtorno tenham uma maior probabilidade
de apresentar níveis elevados de serotonina, porém, a literatura ainda não constata
anormalidades no campo da esfera cerebral (Gonçalves, 2014).
A literatura refere-se a alguns medicamentos/psicotrópicos que são comumente
utilizados no tratamento dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) com comorbidades
relacionadas a Deficiência Intelectual, sempre a depender da sintomatologia da gravidade
do caso clínico e das comorbidades que são apresentadas, como por exemplo: inibidores da
recaptação da serotonina, bloqueadores de dopamina, fármacos envolvidos nos sistemas
de adrenalina e noradrenalina e a melatonina.
Uma das indicações comuns são os inibidores da recaptação da serotonina, esses
fármacos são normalmente receitados a sujeitos com sintomatologia de compulsões,
preocupações intensas e comportamentos de ordem repetitiva, dentre eles a fluoxetina,
paroxetina, sertralina, fluvoxamina e o citalopram (Gonçalves, 2014; Soares, 2017).
Uma possibilidade também muito utilizada no tratamento medicamentoso são
os bloqueadores de dopamina, os respectivos são responsáveis pela redução do
comportamento contestador (opositor) que o sujeito apresenta, dentre eles, a clozapina, o
metoclopromida e o wellbutrin (Gonçalves, 2014; Soares, 2017).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 193


Podem ser utilizados também no tratamento os potencializadores de dopamina,
que são os conhecidos estimulantes, os respectivos possuem a responsabilidade de trazer
equilíbrio emocional e melhorar os sintomas graves relacionados a desatenção, dentre
eles, o mais comum é a indicação da ritalina. Os psicotrópicos que são envolvidos nos
sistemas receptores de adrenalina e de noradrenalina são normalmente prescritos para os
sintomas relacionados também a hiperatividade (Gonçalves, 2014).
A melatonina, outra indicação para o transtorno são responsáveis pelo hormônio
natural do sono, que também tem sido utilizada para combater os distúrbios relacionados
ao processo do sono presentes no Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (Gonçalves,
2014). Importante compreendermos que a medicação indicada vai depender da condição
clínica que é apresentada e das posteriores comorbidades na infância.
De uma forma geral, para o tratamento adequado, é fundamental que se considere
a importância da abordagem psicofarmacológica, no entanto, outras intervenções como
o processo da educação especial, a estimulação precoce, a integração sensorial e o
aconselhamento do corpo familiar devem ser o foco principal do tratamento por parte do
neuropsicólogo (Gonçalves, 2014 citado por Junior e Kuczynski, 2011).

7 | DISCUSSÃO
Evidencia-se com os dados apresentados pela literatura que o Transtorno do
Espectro do Autismo tem associações multifatoriais e é necessário que o profissional esteja
atento a todo o corpo dos sintomas psicopatológicos que pode vim a ser apresentado,
principalmente com os sintomas relacionados as manifestações iniciais, aos aspectos
cognitivos, comportamentais e emocionais que podem ter início comum antes dos 3
anos de idade da criança. O clínico neuropsicólogo precisa estar atento ao longo das
avaliações sobre aspectos relacionados a forma de como o sujeito percebe e interpreta
os acontecimentos internos e externos, e posteriormente compreender as possíveis
vinculações que são realizadas com o contexto social.
Alguns autores reportam que após o diagnóstico neuropsicológico e de imagem
cerebral existem identificações de graves falhas cognitivas em sujeitos que apresentam
o diagnóstico de autismo, principalmente localizadas nos sulcos frontais, nos sulcos
temporais superiores, no funcionamento do lobo temporal, no giro fusiforme e na amígdala
(Zilbovicius & Colaboradores, 2006).
Além do diagnóstico da neuropsicologia é necessário também um exame físico
específico a nível neurológico/médico, pois, apresentam-se nos estudos evidências muito
claras de interrupções e de falhas nos circuitos cerebrais do sujeito portador do transtorno.
Existem alterações consideráveis nos sulcos temporais superiores, que é caracterizada
uma região importante para o processo da percepção e compreensão de estímulos sociais

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 194


e considerações sobre a cognição social, como por exemplo, a direção do olhar, expressões
corporais, gestuais, faciais (Zilbovicius & Colaboradores, 2006).
A reabilitação neuropsicológica de sujeitos portadores do transtorno é fundamental,
pois a literatura tem fortes evidências de que existem grandes prejuízos associados a
ordem neuropsicológica na condição de estrutura desses sujeitos. É importante retratar
também que a abordagem se propõe a investigação de duas vertentes dicotômicas, uma
que investiga os prejuízos cognitivos associados a estrutura e a outra que investiga as
competências e funções preservadas (Neumann & Colaboradores, 2016).
Sendo assim o trabalho realizado pela reabilitação neuropsicológica e o projeto
terapêutico singular visam essencialmente traçar estratégias clínicas e de ordem educativa/
educacional que tem por características emergentes principais, proporcionar ao sujeito com
o transtorno do espectro do autismo aprendizagens e psicoeducação do desenvolvimento
da sua autonomia frente ao contexto social (Cavaco, 2015).

CONCLUSÃO
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno que tem uma
variedade muito vasta de sintomas e/ou comorbidades que são apresentados durante
o desenvolvimento na infância, os sintomas podem ser muito invasivos, devastadores e
aniquiladores, onde, torna-se necessário o acompanhamento adequado para que o sujeito
obtenha uma melhor qualidade de vida. Nos casos clínicos de diagnósticos de autismo
a neuropsicologia trabalha em conjunto com a neurologia e com a psiquiatria, a fim de
neutralizar as repercussões negativas do transtorno.
É necessário identificar ao longo do processo, se o paciente e/ou a própria família
compreendem a dinâmica do diagnóstico, quais os sintomas e comorbidades que estão
associados ao transtorno, e suas posteriores formas de tratamento e acompanhamento.
O clínico neuropsicólogo, necessariamente, precisa ter domínio e aptidões sobre as
possíveis técnicas que pretende implementar durante o processo, como por exemplo ter
domínio sobre as intervenções do projeto terapêutico singular e suas repercussões no
paciente/família.
A avaliação e a reabilitação neuropsicológica em pacientes com transtorno do
tipo Espectro do Autismo são muito válidas, pois, compreendem o diagnóstico em uma
perspectiva qualitativa, onde, é investigado várias esferas cognitivas e emocionais da
estrutura subjetiva do paciente. No entanto, as escolhas pelos mecanismos de diagnósticos
e reabilitação neuropsicológica são de total competência do profissional, onde, um manejo
clínico de qualidade e com competências planejadas repercute em melhorias posteriores
na vida do paciente/família que sofrem com as repercussões do transtorno do autismo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 195


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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 14 196


CAPÍTULO 15
doi
HIERARQUIA DA PARENTALIDADE E POSSÍVEIS
IMPACTOS NO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO

Data de aceite: 01/02/2021 sistema familiar. A família funcional onde há


coesão (proximidade afetiva) e hierarquia (poder
decisório), caracteriza-se por permitir aos seus
membros se sentirem pertencentes ao grupo,
Glauce Fonseca Bragança
ao mesmo tempo em que desenvolvem sua
ID Lattes: 5233480645858104
autonomia, maior socialização, tolerância à
Erika Conceição Gelenske Cunha frustração e compreensão das normas sociais.
ID Lattes: 6452483820695747 PALAVRAS-CHAVE: Família, sistema, mudança,
comunicação, hierarquia familiar

RESUMO: Objetivou-se através do presente 1 | INTRODUÇÃO


artigo trazer uma reflexão sobre a realidade Por meio desse artigo faremos uma
familiar a partir de um olhar sistêmico e
reflexão sobre a convivência humana dos
comunicativo, observando a convivência dos
membros da família e a importância da hierarquia
membros da família, considerando que há
interação de um membro com todos os outros. A entre estes, tendo em vista que cada membro
perspectiva sistêmica e comunicacional procura estabelece interação com todos os outros.
entender as interações que ocorrem dentro do Segundo Minuchin (1985,1988):
sistema familiar; considerando a família como
um todo. Os membros da família estabelecem a família é um complexo sistema de
relações ao interagirem e comunicarem, estas organização, com crenças, valores
servem para manter o sistema em equilíbrio. e práticas desenvolvidas ligadas
diretamente às transformações
O desequilíbrio do sistema pode provocar
da sociedade, em busca da
desequilíbrio no indivíduo e vice-versa. Para
melhor adaptação possível para a
tanto tivemos como objetivos específicos refletir
sobrevivência de seus membros e
sobre o desenvolvimento psíquico do indivíduo; da instituição como um todo. (apud
analisar a hierarquia definida nas relações de FACO, 2009, p.3)
parentalidade; identificar os seus possíveis
impactos para o desenvolvimento psíquico do Nesse mesmo viés, Dias (2011) afirma
indivíduo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que os membros da família ao se relacionarem
descritiva e bibliográfica para contextualizar e e dialogarem estabelecem vínculos que servem
fundamentar o problema proposto. Verificou- para manter o sistema familiar em equilíbrio.
se como resultado, que sendo a família um
O desequilíbrio do sistema pode provocar
sistema de relações ininterruptas e associadas,
desequilíbrio no sujeito e vice-versa. Sendo
quando há mudança em um membro da família,
consequentemente há mudança em todo o a família um sistema de relações mútuas e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 197


ininterruptas, se acontecer mudança em um membro da família, ocorrerá mudança nos
outros membros.
Seja qual for o modelo famíliar, ela é sempre um conjunto de pessoas consideradas
como unidade social, como um todo sistêmico onde se constituem as relações entre os
seus membros e o meio exterior.
Os historiadores do direito reconhecem que o sentimento da família está ligado à
casa, ao governo da casa e à vida na casa. Seu encanto não foi conhecido durante a Idade
Média porque esse período possuía uma concepção particular da família: a linhagem.
A partir do século XIV assistimos ao desenvolvimento da família moderna, bem
como a degradação progressiva e lenta da situação da mulher no lar, esta perde o direito
de substituir o marido ausente; finalmente no século XVI, a mulher casada torna-se uma
incapaz e todos os atos que faz sem ser autorizada pelo marido ou pela justiça tornam-
se nulos. É estabelecida então uma espécie de monarquia doméstica. Enquanto se
enfraqueciam os laços da linhagem, a autoridade do marido dentro de casa tornava-se
maior e a mulher e os filhos se submetiam a ela mais estritamente. Passara-se, portanto, a
atribuir à família o valor que outrora se atribuía à linhagem. Ela torna-se a célula social, a
base dos Estados, o fundamento do poder monárquico (ARIÈS, 2017).
Segundo Ariès (2017), é significativo o novo lugar assumido pela família nos séculos
XVI e XVII por terem ocorrido mudanças importantes na atitude da família para com as
crianças. Ariès descreve no texto italiano extraído pelo historiador inglês Furnivall, após
conservar as crianças em casa até a idade de sete ou nove anos, eles as colocavam tanto
meninos como as meninas, nas casas de outras pessoas para aí fazerem o serviço pesado,
e as crianças aí permaneciam por um período de sete a nove anos (portanto, até entre
cerca de 14 e 18 anos). Elas são chamadas então de aprendizes; a explicação dada para
tal acontecimento: “Para que suas crianças aprendam as boas maneiras”. Assim, o serviço
doméstico se confundia com a aprendizagem, como uma forma muito comum de educação.
Ao falarmos em família, é relevante pensar nas consequências deste processo
de modificações no exercício do papel parental; como resultado destas modificações, a
sociedade apresenta um quantitativo considerável de pais que parecem dominados por seus
filhos, a quem não conseguem dizer não. Crianças, por sua vez, crescem demonstrando
pouca ou nenhuma tolerância à frustração, o desrespeito à regra ou a ausência desta
torna-se algo habitual.
A teoria sistêmica, que compõe o modelo predominante dos estudos da família,
explica como um sistema aberto, com uma finalidade e autocontrole; uma unidade formada
por membros que interagem entre si, havendo entre eles vínculos e mantendo relações.
Com base em Cerveny (2000); citado por Dias (2011), a estrutura familiar é fruto de
processos e comunicações repetidas que levam à determinação de padrões de relação.
Portanto conforme citado por Batista (2001), o sistema familiar não tem necessariamente
um estatuto fixo, pois o ciclo vital da família sofre mudanças ao longo da vida familiar.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 198


Sendo a família muito importante na construção do sujeito, bem como é a partir
da família que as características de personalidade serão construídas; pois segundo
Urrutigaray (2016), para Vygotsky, o desenvolvimento mental é o processo de assimilação
ou “apropriação” da experiência acumulada pela humanidade no decurso da história social.
Quando se fala de hierarquia nas relações de parentalidade estamos nos referindo
àqueles que exercem autoridade na condução da educação desta criança; desse modo, o
presente artigo tem como objetivo a compreensão da influência desta relação na construção
dos processos psíquicos deste sujeito em sociedade.
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, descritiva, realizado através de
revisão bibliográfica, onde o objetivo geral é analisar a hierarquia definida nas relações de
parentalidade e seus possíveis impactos para o desenvolvimento psíquico do sujeito; para
isso vamos refletir sobre o desenvolvimento psíquico da criança, possibilitando desta forma
analisar a hierarquia definida nas relações de parentalidade; bem como identificar os seus
impactos para o desenvolvimento psíquico do indivíduo.

2 | O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DO INDIVÍDUO


Com base em Cerveny (2000); citado por Dias (2011), compreende-se que a família
constitui um sistema ativo, onde abarca outros subsistemas em si, exercendo funções
importantes na sociedade. A comunicação é o elo de ligação que estabelece condição de
convívio e de suporte de todo o sistema, baseando-se na igualdade ou na diferença.
A comunicação entre todos os membros da família é importante, e esta torna-se ainda
mais importante na relação cuidador- criança porque a influência principal na vida moral
dos filhos é essencialmente exercida pelas figuras de autoridade, (àquelas que exercem
autoridade na condução da educação desta criança), pois é a partir desta interação que as
suas características de personalidade estão sendo construídas. A qualidade das relações
na parentalidade exerce uma influência determinante na formação psicológica destes.
O psicólogo Jean Piaget propôs em sua teoria que o desenvolvimento cognitivo evolui
progressivamente e se realiza em estágios. Cada estágio é um período onde o pensamento
e comportamento infantil é caracterizado por uma forma específica de conhecimento e
raciocínio. Em linhas gerais, Piaget esquematiza o desenvolvimento psíquico nos seguintes
estágios: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.
A partir das argumentações apresentadas nesse artigo sobre a construção da família
e o desenvolvimento psíquico, é preciso investigar: qual a função da hierarquia definida nas
relações de parentalidade para o desenvolvimento psíquico do sujeito?
Os estudos sobre o desenvolvimento, à luz da psicologia, abarcam a ideia que
reforça que toda a vida do ser humano precisa ser estudada.
Segundo Papalia, Olds e Fieldman (2006), citado por Biaggio (2009); essa
preocupação com o desenvolvimento em toda a vida do ser humano se chama

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 199


desenvolvimento do ciclo vital. Paul B. Baltes, líder no estudo da psicologia desse
desenvolvimento, identifica os princípios fundamentais de uma abordagem do
desenvolvimento no ciclo vital, os quais servem de estrutura para o seu estudo. São eles:

• O desenvolvimento é vitalício. Cada período de vida é influenciado pelo que


aconteceu antes e irá afetar o que está por vir. Cada período tem suas próprias
características e um valor sem igual; nenhum é mais ou menos importante do
que qualquer outro.

• O desenvolvimento depende de história e contexto. Cada pessoa desenvolve-


-se dentro de um conjunto específico de circunstâncias ou condições definidas
por tempo e lugar. Os seres humanos influenciam seu contexto histórico e so-
cial, e são influenciados por eles.

• O desenvolvimento é multidimensional e multidirecional. O desenvolvimento


durante toda a vida envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio. Quan-
do as pessoas ganham em um aspecto, podem perder em outro, e em taxas
variáveis.

• O desenvolvimento é flexível ou plástico. Plasticidade significa capacidade de


modificação do desempenho. Muitas capacidades como memória, força e per-
sistência, podem ser significativamente aperfeiçoadas com treinamento e prá-
tica, mesmo em idade avançada. Entretanto, o potencial para mudança tem
limites.
O que podemos falar, de antemão, a respeito destes fatores é que existem fatores
internos e externos ao sujeito, além de questões que abordam as diferenças individuais e
os pontos em comum da espécie.
Portanto, ao tentar compreender as semelhanças e as diferenças no desenvolvimento,
precisamos observar as características herdadas que dão a cada pessoa um começo
especial na vida.

3 | PRINCIPAIS CONCEITOS SOBRE A HIERARQUIA DEFINIDA NAS


RELAÇÕES DE PARENTALIDADE
A família é compreendida como um grupo com identidade própria, um sistema
aberto com comunicação multidirecional, que pode representar um fator de adversidade ou
de proteção aos processos de adaptação inerentes ao seu desenvolvimento. Uma família
funcional não se caracteriza pela ausência de dificuldades relacionais, mas sim pela sua
capacidade de enfrentamento e resolução dos mesmos. Três aspectos são necessários para
um funcionamento familiar efetivo: sistema de crenças na família, padrões de organização
e processos de comunicação.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 200


As famílias, como primeiro contexto de socialização, desempenham um papel
fundamental no comportamento e desenvolvimento das crianças (Baumrind,
1991; Parke & Buriel, 2006). Segundo Baumrind, 1978; Bornstein, 2002, 2006;
Maccoby, 2000; Sroufe, 2000, as relações precoces têm sido identificadas
como fundamentais para o desenvolvimento da criança. Sendo a qualidade
dos cuidados parentais apontada frequentemente como a variável mais
importante para o desenvolvimento infantil (SROUFE, 2002 apud CARDOSO,
VERISSIMO,2013, p. 1).

Bray (1995), citado por Souza (2011); afirma que não existe consenso na definição
do funcionamento familiar saudável e patológica. Para a teoria sistêmica estrutural, limites
geracionais claros, definições de papéis e estruturas e funções determinadas segundo
o gênero são critérios importantes para determinar se uma relação familiar é funcional,
enquanto para a teoria do modelo circumplexo o critério utilizado seriam os níveis de
coesão e adaptabilidade.
As teorias sobre o funcionamento familiar sugerem quatro categorias que devem ser
avaliadas: composição familiar – descrição da estrutura da família e dos membros –; processo
familiar – inclui comportamentos e interações que caracterizam as relações familiares, tais
como conflito, diferenciação, comunicação, resolução de problemas e controle –; fatores
afetivos – emoções e expressão afetiva entre os membros – e organização familiar – refere-
se a papéis e regras, incluindo aspectos como fronteiras e hierarquia. A discussão é sobre
quais aspectos da relação familiar precisam ser avaliados. Em seu estudo, Bray encontrou
alguns fatores e processos-chave que são importantes para serem avaliados: comunicação,
emoções, papéis, conflito parental, resolução de problemas, vínculos e coesão, expressão
de afeto, intimidade, estresse, diferenciação e individuação. Nos artigos avaliados neste
presente estudo, os fatores mais analisados foram: envolvimento e expressão afetiva,
comunicação, desempenho de papéis, adaptação, resolução de problemas e controle do
comportamento. (BRAY,1995 apud SOUZA, 2011)
Na perspetiva sistémica a família deve ser vista como um agrupamento que ampara
a estrutura hierárquica dos seus membros; sendo constituída em subsistemas, ou seja, um
sistema dentro de outros sistemas e ela própria englobando outros sistemas com regras
que ajustam o relacionamento entre os membros da família.
Assim, no subsistema conjugal há a presença do eu, tu, e nós cônjugues. Surge
quando dois adultos se unem numa relação de reciprocidade e complementaridade,
formando um casal, poderá apresentar uma perda da individualidade mas um ganho em
sentido de pertença, cooperação, correlação. O subsistema filial, surge com o nascimento
do primeiro filho que modifica o sistema, seguindo-se outros filhos. O subsistema parental
tem como função essencial a educação, a proteção e a socialização. Por fim o subsistema
fraternal define as relações entre os irmãos, que dentro da normalidade deveriam ser
relações fortes desenvolvendo a cooperação mútua (RELVAS, 1996 apud DIAS, 2011).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 201


Figura 1 - Sistema Familiar e Subsistemas
Fonte: Autoria Própria, baseado em Dias (2011).

A forma como cada subsistema se organiza e como se desenvolvem as relações


dentro de cada um, chama-se estrutura familiar. Cada família, no entanto, possui organização
e estrutura específicas dependendo da forma como seus subsistemas interagem entre si e
com os sistemas comunitários. Cada subsistema possui uma delimitação própria, que se
desenvolve na dependência de suas interações com os demais subsistemas familiares.
Para que se mantenham as características e diferenciação de cada subsistema, as
fronteiras que os delimitam têm que ser respeitadas.

4 | A HIERARQUIA DEFINIDA NAS RELAÇÕES DE PARENTALIDADE


Segundo Dias (2011), seja qual for o modelo familiar, ela é sempre um grupo de
pessoas classificadas como unidade social, como um todo sistêmico onde se desenvolvem
relações entre os membros e o meio exterior. A família é constituída por um sistema
dinâmico, contendo em si outros subsistemas e desempenha importantes funções na
sociedade. A comunicação é o elo de ligação que compõe o convívio e o amparo de todo o
sistema, baseando-se na igualdade ou na diferença.
O exercício da comunicação promove a capacidade de expressar-se que, para além
de afastar a solidão, propicia satisfação das necessidades intelectuais, afetivas, morais e
sociais, designando um componente essencial da vida de cada um em particular, e de todo
o sistema familiar.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 202


Como a família é a primeira instituição a facultar as relações, o modo como nela
se desenvolvem os processos de comunicação determinará o maior ou menor sucesso do
desenvolvimento pessoal e social dos seus membros e, consequentemente, a integração
na sociedade (DIAS, 2002 apud DIAS, 2011).
Este artigo vai centrar-se na teoria estrutural dos sistemas familiares de Minuchin
(1982), citado por Selau(2016); por ser este o referencial teórico da Escola Estrutural;
para ele a família é um sistema aberto, devido ao movimento de seus membros dentro e
fora da interação de uns com os outros e com os sistemas extrafamiliares, em um fluxo
constante de informação. A família também é formada por uma estrutura que se auto
organiza e desenvolve-se ao longo do tempo, e que se define em função dos limites de
uma organização hierárquica (MINUCHIN, 1982 apud SELAU, 2016).
Pensar a família, na perspectiva sistêmica, implica considerar que os comportamentos
e as ações de um dos seus membros tanto influenciam como são influenciados pelo dos
outros.

4.1 Modelo familiar


Segundo Minuchin (1982), citado por Selau (2016); a compreensão da família como
um sistema, operando dentro de contextos sociais específicos, possui três componentes
essenciais: estrutura, subsistema e fronteira.

• Estrutura
A estrutura familiar é um conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as
maneiras pelas quais os seus membros interagem. Uma família é um sistema que opera
por meio de padrões transacionais. Transações repetidas estabelecem padrões de como,
quando e com quem se relacionar e esses padrões reforçam o sistema. Eles também
regulam o comportamento dos membros da família e são mantidos por dois sistemas
de repressão. O primeiro é genérico, envolvendo as regras universais que governam a
organização familiar; e o segundo é idiossincrático, envolvendo as expectativas mútuas de
membros específicos da família (MINUCHIN, 1982 apud SELAU, 2016)

• Subsistema
O sistema familiar se diferencia e exerce suas funções por meio de subsistemas.
Na família, cada indivíduo é um subsistema, assim como as díades esposo-esposa
(subsistema conjugal), pai-filho (subsistema parental), irmão-irmão (subsistema fraternal)
ou grupos maiores, que possibilitam a composição de outros subsistemas, por geração,
sexo, função ou interesse. Cada indivíduo pertence a diferentes subsistemas, nos quais há
diferentes níveis de poder e onde se aprende habilidades diferenciadas. A organização dos
subsistemas de uma família fornece treinamento valioso no processo de manutenção do
“eu sou” diferenciado (MINUCHIN, 1982 apud SELAU,2016).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 203


A complexidade relacional é regida por meio da comunicação, que constitui e
caracteriza a interação familiar, a partir da qual são construídas, no tempo, as regras
próprias de cada grupo. A maneira como os subsistemas são organizados e as relações
que se estabelecem entre eles e no interior de cada um coincidem com a estrutura da
família. Há forças externas e internas que contribuem para sua regulação, conferindo-lhe
uma capacidade auto-organizativa e uma coerência e consistência no jogo de equilíbrios
dinâmicos interior-exterior (RELVAS, 1996 apud SELAU, 2016).

• Fronteiras
As fronteiras de um subsistema são as regras que definem quem participa de cada
subsistema e como participa. A função das fronteiras é de proteger a diferenciação do
sistema e garantir sua particularidade, possibilitando o seu funcionamento eficaz. Para que
o funcionamento familiar seja funcional, estas fronteiras devem ser nítidas. A nitidez das
fronteiras dentro de uma família é um parâmetro útil para a avaliação do funcionamento
familiar (MINUCHIN, 1982 apud SELAU, 2016). É importante que o sistema familiar funcione
em equilíbrio, e para que isto aconteça, é preciso que a presença de um conjunto de regras
de comportamento e de funções dinâmicas se encontre em constante interação entre eles,
mas também no intercâmbio do sistema familiar com o exterior (BERTANLANNFFY, 1979
apud SELAU, 2016). As fronteiras nítidas são responsáveis pela construção de relações
esclarecidas nas quais as pessoas dizem ‘sim’ ou ‘não’ objetivamente e de acordo com as
demandas surgidas.
Quando não existem limites entre os subsistemas, as fronteiras tornam-se difusas, o
que promove um padrão de funcionamento emaranhado na família. Fronteiras difusas são
constituídas por relações complexas e papéis confusos, desse modo, não é estabelecida
de forma clara a função de cada membro. Por outro lado, quando os limites são excessivos,
as famílias podem desenvolver fronteiras rígidas, que caracterizam famílias com padrão de
funcionamento desligado, casos em que a comunicação por meio dos subsistemas se torna
difícil e as funções protetoras ficam prejudicadas, criando um distanciamento nas relações
entre as pessoas (MINUCHIN, 1982 apud SELAU, 2016).
Os problemas de ajustamento baseiam-se no fato de que o que ocorre num
indivíduo que vive numa família não decorre apenas de condições internas a ele, mas
também de um intenso intercâmbio com o contexto mais amplo no qual está inserido. Ele
não só recebe o impacto desse ambiente como atua sobre ele, influenciando-o. Num grupo
familiar disfuncional os modos de interação entre seus membros vão-se cristalizando,
quer na forma de distanciamento, ou de excessiva interferência na vida uns dos outros,
formando alianças entre alguns membros, deixando outros periféricos, ou transformando
outros em bodes expiatórios (geralmente a criança). Sintomas como baixo rendimento na
escola, agressividade, depressão são vistos como próprios da pessoa sintomática, e esta
é vista como um caso isolado. Nesse pano-de-fundo as famílias disfuncionais fracassam

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 204


progressivamente no cumprimento de suas funções familiares essenciais, (CARNEIRO,
1983 apud GOMES, 1986).
Do ponto de vista da comunicação, a família sintomática perde-se em críticas,
acusações, silêncios, duplas mensagens: há muita dificuldade em colocar-se no lugar do
outro e rigidez em tentar novas formas de resolver problemas. Do ponto de vista de estrutura,
os papéis são mal definidos, com filhos desempenhando papéis paternos e pais formando
alianças com filhos, excluindo o outro membro do casal. Do ponto de vista dinâmico, há,
em muitos casos, dificuldade em assumir a função de pais, com suas responsabilidades
e limites, bem como dificuldade em estabelecer objetivos familiares e organizar-se para
atingi-los. (WEITZMAN, 1985 apud GOMES, 1986).
Conforme citado por Gomes (1986), há alguns autores (L’Abbate, Frly, Wagner, s.d)
que enfatizam os aspectos estruturais do sistema familiar: limite (regras de participação)
e hierarquia (regras de poder). A estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências
funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. Minuchin
foi quem propôs esse enfoque estrutural e desenvolveu sua teoria, através da análise dos
padrões transacionais que se desenvolvem entre os vários subsistemas da família. Para
ele, o comportamento sintomático tem a função de manter as regras de interação que
controlam o estabelecimento de fronteiras e hierarquias da família.

5 | POSSÍVEIS IMPACTOS DA HIERARQUIA DA PARENTALIDADE PARA O


DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DO INDIVÍDUO
Não sendo única, a família é na nossa sociedade a primeira e mais forte instituição
com caráter de socialização, em que a aprendizagem se realiza através da própria
experiência da vida familiar (AMARO, 2006 apud DIAS, 2011).
Os primeiros estudiosos deste tema, que utilizaram os construtos como coesão e
hierarquia, conceberam uma divisão do construto fronteira em dois outros, denominados
proximidade ou coesão e hierarquia. Ambos os construtos são vistos como duas dimensões
básicas que descrevem a organização do sistema social ou a estrutura familiar (WOOD,
1985 apud DE ANTONI, 2009)
A coesão envolve proximidade afetiva, relações de amizade, união e de
pertencimento ao grupo. A hierarquia tem sido definida como uma estrutura de poder,
que envolve influência, controle e adaptabilidade. Está relacionada ao controle e poder
decisório, seja nos eventos cotidianos, como em situações adversas. O domínio de uma
pessoa no sistema familiar tem sido relatado como uma habilidade de mudar papéis e
regras no grupo. O exercício de poder é adaptativo, quando auxilia a manter o equilíbrio
no sistema familiar. A funcionalidade do sistema familiar tem sido identificado por dois
aspectos em relação à hierarquia: o relacionamento do casal de forma igualitária (equilíbrio
de poder) e os pais tendo mais poder e influência do que seus filhos, mas com certo grau
de flexibilidade. (DE ANTONI, 2009).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 205


Segundo Calil (1987), uma família funcional conta com forte aliança entre os
pais, que lidam com seus conflitos através da colaboração e satisfação mútua de suas
necessidades. Os cônjugues são flexíveis em sua maneira de lidar com o conflito, utilizando
diferentes métodos em momentos diferentes. Além disso, em suas funções de pais existe
o apoio da autoridade de cada um dos cônjugues com relação aos filhos. Os pais podem
discordar abertamente quanto a assuntos relacionados à educação dos filhos, mas essa
discórdia não inclui o filho no papel de “juiz”.
Nichols (2007) afirma que uma fronteira clara estabelece uma estrutura hierárquica
em que os pais ocupam uma posição de liderança. As hierarquias podem ser frágeis e
ineficazes ou rígidas e arbitrárias. No primeiro caso, membros mais jovens da família podem
ficar desprotegidos pela ausência de orientação; no segundo, seu desenvolvimento como
indivíduos autônomos pode ser prejudicado, ou lutas de poder podem ser o resultado.
Portanto, a comunicação entre todos os membros da família é importante, torna-
se ainda mais relevante na relação progenitor filho porque a influência principal na vida
moral dos filhos é essencialmente exercida pelos pais, sobretudo das crianças mais novas
(WEISSBOURD, 2010 apud DIAS, 2011).
A família é, então, um espaço onde favorece o crescimento e aprendizado em
proporções significativas de relacionamentos e comunicação, onde as emoções e afetos
positivos ou não constituem o sentimento de sermos quem somos e de pertencimento
àquela família.
A comunicação é um fator importante para o desenvolvimento das relações entre
os membros da família e o meio social. Desta forma, o processo de comunicação no
sistema familiar leva o indivíduo à adaptação social, caso contrário a relação familiar torna-
se insustentável e a possibilidade do fracasso da sua inserção no sistema familiar e no
sistema social pode acontecer.
Ressalte-se que as normas e os valores que introjetamos no interior da família
permanecem conosco durante toda a vida, atuando como base para a tomada de decisões
e atitudes que apresentamos no decorrer da fase adulta. Além disso, a família continua,
mesmo na etapa adulta, a dar sentido às relações entre os indivíduos, funcionando como
um espaço no qual as experiências vividas são elaboradas (SARTI, 2004 apud PRATTA,
2007 ).
Como a família é a primeira instituição a facultar as relações o modo como nela se
desenvolvem os processos de comunicação determinará o maior ou menor sucesso do
desenvolvimento pessoal e social dos seus membros e, consequentemente, a integração
na sociedade (DIAS, 2002 apud DIAS 2011).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 206


6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do presente artigo evidenciou-se que a família é o que dá origem ao
desenvolvimento do indivíduo, é o elemento mais consistente, mais seguro e que dá
estrutura à personalidade dos seus membros. É o local privilegiado para a formação do
caráter do sujeito, sendo que os adultos (em especial àqueles que desempenham a função
parental) desempenham um papel decisivo no absoluto desenvolvimento das habilidades,
atitudes e valores que mantêm as competências do sistema como um todo.
Porém precisamos vê-la como um sistema dentro de outros sistemas inseridos em
um determinado contexto com uma cultura própria. E este sistema se transforma através
dos tempos adaptando-se e reestruturando-se dando continuidade ao seu funcionamento.
A comunicação é então o fator principal a estruturar o desenvolvimento psíquico do
indivíduo, pois é nela que são elaboradas as práticas de interação relacional, educativa, de
interação e integração social dos elementos que se fundamentam.
Tendo em vista que as interações são várias, as relações de parentalidade com
hierarquia definida onde o processo de comunicação é fluido, possibilita o equilíbrio do
sistema familiar. Sendo um sistema aberto está sujeito a análizes e influências em todo o
processo de comunicação. Havendo relações familiares equilibradas o próprio processo
sistêmico estabelecerá o equilíbrio do sistema como um todo, ao mesmo tempo que
constitui um elo com a sociedade, contribuindo desta forma para o equilíbrio social.
A identificação com as figuras parentais é a primeira dentre uma série que o indivíduo
viverá. Como a relação com os pais tem forte base afetiva e não só cognitiva, ela marcará
profundamente o sujeito, acompanhando-o durante toda a sua vida e atravessando seus
outros processos de identificação.
Este estudo propicia a reflexão com olhar voltado também para a família
contemporânea, pois esta reúne sujeitos que pautam suas relações na individualidade,
liberdade e possibilidade de escolhas. Trazendo desafios para seus membros; pela
pluralidade em suas formas e flexibilidade em desempenho de papéis, as relações
familiares têm sido modificadas, pautando essas mudanças na comunicação efetiva. Esse
processo trouxe modificações na família, havendo necessidade de adaptação das regras
e, consequentemente, de ajustamento no exercício da hierarquia.
Tendo em vista o objetivo do referido artigo ser analisar os impactos da hierarquia
definida nas relações de parentalidade; fica evidente através da bibliografia analisada que
o exercício da hierarquia deve ser considerado mediante cada situação colocada em cada
momento; pois as normas e os valores que são introjetados no seio da família permanecem
com o sujeito ao longo da vida, atuando como base para a tomada de decisões e atitudes.
Desenvolvendo dessa forma no indivíduo maior socialização, tolerância à frustração e
compreensão das normas sociais; consequentemente possibilitando dessa forma através
da comunicação efetiva, a autoconfiança e o desenvolvimento pessoal como um todo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 207


REFERÊNCIAS
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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 208


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URRUTIGARAY, Maria Cristina. Desenvolvimento da infância e adolescência. Rio de Janeiro:


Seses, 2016.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 15 209


CAPÍTULO 16
doi
A IMPORTÂNCIA DO ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO NO TRATAMENTO DE DOENÇAS
CRÔNICAS

Data de aceite: 01/02/2021 melhor tanto sobre a doença em si como sobre


Data de submissão: 08/10/2020 o processo de auto- cuidado e prevenções, bem
como das mudanças comportamentais que serão
necessárias ocorrerem durante esse processo
Daniele Amarilha Vioto de adaptação a doença.
Unigran da Grande Dourados, Psicologia PALAVRAS-CHAVE: Aconselhamento,
Dourados-Mato Grosso do Sul Psicológico, Saúde.
http://lattes.cnpq.br/1080317381861612

Thalía Zadroski THE IMPORTANCE OF PSYCHOLOGICAL


Unigran da Grande Dourados, Psicologia COUNSELING IN THE TREATMENT OF
Dourados- Mato Grosso do Sul CHRONIC DISEASES
http://lattes.cnpq.br/8797255475917550 ABSTRACT: This article aims to demonstrate the
importance of psychological counseling to health
aiming at a healthy lifestyle, through changes
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo that manage health, food, physical exercise
demonstrar a importância do aconselhamento and substance use and in the way of adapting
psicológico em saúde para a melhoria com estilo the psychological in the alteration of health in
de vida saudável, através de mudanças que gere friction with its internal environment, and to
saúde, alimentação, exercício físicos e uso de deal with feeling of frustration, discouraged and
substância e na maneira de adaptar o psicológico disability.The study deals with a literature review.
na alteração da saúde em atrito com o seu meio Psychological counseling can be practiced, in
interno, e lidar com sentimento de frustração, the field of health in health centers, hospitals,
desanimo e incapacidade. O estudo trata de maternity hospitals, occupational health services
uma revisão bibliográfica. O aconselhamento companies and services, rehabilitation centers,
psicológico pode ser praticado, no âmbito and in community organizations. In view of the
da saúde em centros de saúde, hospitais, work produced, it is noted the importance of
maternidades, em empresas serviços de saúde psychological counseling in cases of treatment
ocupacional e serviços e centros de reabilitação of chronic diseases such as diabetes, being a
e em organizações comunitárias. Diante do means of assistance for the individual who is in
trabalho produzido nota-se a importância do this situation, enabling the patient to feel more
aconselhamento psicológico nos casos de welcomed through care and to better understand
tratamento de doenças crônicas como a diabetes, both about the disease itself and about the
sendo um meio de auxílio para o indivíduo que process of self-care and prevention, as well as
encontra-se nessa situação, possibilitando the behavioral changes that will be necessary
através do atendimento que o paciente sinta- to occur during this process of adaptation to the
se mais acolhido e que passe a compreender disease.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 16 210


KEYWORDS: Counseling, Psychological, Health.

1 | INTRODUÇÃO
O aconselhamento em saúde tem por objetivo intervir em ajudar o sujeito a manter
ou a melhorar a sua saúde, com a proposta de um estilo de vida saudável, que através
de comportamentos que gere saúde, alimentação, exercício físicos e uso de substância
e na maneira de adaptar o psicológico na alteração da saúde em atrito com o seu meio
interno, e a lidar com os sentimentos de incapacidade e desânimo. Isso tudo pode haver
mudanças pessoal para ajustamento de uma nova fase de vida em seu meio social, com a
participação de técnicos de saúde que estarão mais presentes no cotidiano.
O aconselhamento psicológico pode ser praticado, no âmbito da saúde em centros
de saúde, hospitais, maternidades, em empresas serviços de saúde ocupacional e serviços
e centros de reabilitação e em organizações comunitárias.
Segundo Trindade; Teixeira (2000) a relação clínica no aconselhamento envolve
3 componentes diferentes, cujo peso específico pode variar em cada intervenção ou em
cada entrevista em função das necessidades específicas do sujeito: (1) ajuda, para lidar
com as dificuldades, identificar as soluções, tomar decisões e mudar comportamentos;
(2) pedagógica, relacionada com a transmissão de informação e (3) de apoio, relacionado
com a transmissão de segurança emocional, facilitação do controlo interno e promoção
da autonomia pessoal.O presente trabalho tem como objetivo apresentar o benefício do
aconselhamento psicológico, nos cuidados de saúde e doença, em relação a diferentes
níveis de doença crônica como a Diabetes Mellitus.

2 | MÉTODOS
A pesquisa foi realizada uma busca nos arquivos da BIREME/Biblioteca Virtual
de Saúde BVS, com o uso dos descritivos: “aconselhamento psicológico em saúde” e
“aconselhamento psicológico na produção de saúde”. para o período de 2019 , lidos na
íntegra e discutidos.
A sistematização do material considerou a identificação do tema abordado e da
concepção do aconselhamento psicológico no tratamento de doenças crônicas que orientou
o recorte do objeto e subsidiou a sua análise.

3 | DISCUSSÃO

3.1 Aconselhamento em saúde conceitos e práticas


O aconselhamento psicológico em saúde é um processo de intervenção quem tem
como objetivo ajudar o indivíduo a melhorar seus hábitos de saúde, ou seja de promover

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 16 211


a saúde em caso de adaptação psicológica em determinados casos, como em casos de
doenças crônicas como a diabete, o profissional tem várias áreas de atuação como centros
de saúde, hospitais maternidade e etc. a finalidade do aconselhamento é ajudar o paciente
a conviver com a doença, assim como lidar com as consequências dela, assim como
também lidar as famílias dessas pessoas cujo quais também são afetadas pelos sintomas
da doença.
Para trindade e Teixeira (2000) os grandes objetivos do aconselhamento em saúde
são:
- Fornecer ajuda para dar orientação para pacientes saudáveis ou doentes.
- Facilitar as mudanças dos hábitos de saúde.
- Ter escuta e acolhimento para com o sofrimento e preocupações do paciente.
- Localizar as principais preocupações do paciente e fornecer assistência.
- Identificar as dificuldades de convivência e comunicação com a família e com
outros profissionais da saúde envolvidos e ajudar a criar comportamentos que facilitem a
convivência e comunicação com ambos.
- Transmitir informações necessárias de acordo com a dinâmica do paciente
(personalizada.)
- Fazer com que o paciente.
Existem três componentes distintos, porém que possuem a mesma importância
dentro da relação clínica no aconselhamento. que irão depender da situação e do tipo de
intervenção são elas: (1)a ajuda na mudança de comportamentos relacionados com a saúde,
(2) a didática, relacionada com a transmissão de informação de acordo com a dinâmica e
capacidade do paciente, (3) de apoio, ligado ao fornecimento de apoio emocional, e a
facilitação de controles pessoais e autonomia. O campo de fornecimento de informações
dentro do aconselhamento na saúde pode der muito mais amplo que na clínica individual,
já que se pode atingir uma gama maior de pessoas. O aconselhamento em saúde pode
estar ligado a pelo menos quatro áreas sendo elas a promoção e manutenção da saúde,
prevenção da doença, adaptação a doença, adesão aos tratamentos.

3.2 Aconselhamento em saúde na no tratamento de doenças crônicas


(diabetes mellitus)
A diabetes mellitus também conhecida como tipo II, é uma doença crônica grave,
a qual a principal característica é a hiperglicemia (aumento da glicose no sangue), esta
doença é adquirida através de maus hábitos extremos de alimentação e sedentarismo. É
uma doença que atinge cerca de 2% da população mundial. O tratamento do diabete mellitus
requer uma mudança extrema de comportamentos cujo quais exigem uma dieta restrita e
exercícios físicos frequentes. Essa mudança não acontece somente no modelo médico
medicamentoso e alimentar, é também um processo psicológico, onde o paciente irá ter que
aceitar e se adaptar a doença assim como aprender a lidar com os novos hábitos de saúde,
e adaptar a convivência familiar a partir dos limites da doença. A mudança de hábitos terá

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 16 212


de acontecer de forma integrada com as demais áreas da saúde com profissionais como
nutricionistas, médicos, psicólogos e educadores físicos. A partir dessa demanda se cria
grupos de educação, onde pessoas que possuem a doença recebem um acompanhamento
personalizado desses profissionais, com o enfoque na aprendizagem, reeducação,
assistência e autonomia pessoal dos pacientes. Neste grupo aprende-se técnicas de
enfrentamento, transmissão de conhecimento, estipular regras, construir possibilidades
dentro dos limites da doença e etc. o aconselhamento dentro destes grupos é de grande
valia já que os objetivos dessa modalidade de atendimento atendem as demandas desses
grupos. O tratamento psicológico fornece uma base para que o paciente lide com os
aspectos da doença e trabalhe a sua autonomia para conseguir uma melhor qualidade
de vida, estes grupos de educação são importantes para portadores dessa doença pois,
cria um ambiente de segurança, onde ele tem espaço para falar e compartilhar as suas
experiencias. Estes grupos incentivam a formação de equipes multidisciplinares, onde as
quais são muito necessárias dentro da área da saúde, pois a psique e o corpo físico estão
ligados constantemente, havendo o trabalho de diversos profissionais em diversas áreas e
em diversos contextos como em grupo de diabetes, dst´s, hipertensos e etc.

4 | CONCLUSÃO
Diante do trabalho produzido nota-se a importância do aconselhamento psicológico
nos casos de tratamento de doenças crônicas como a diabetes, sendo um meio de auxílio
para o indivíduo que encontra-se nessa situação, possibilitando através do atendimento
que o paciente sinta-se mais acolhido e que passe a compreender melhor tanto sobre
a doença em si como sobre o processo de auto- cuidado e prevenções, bem como das
mudanças comportamentais que serão necessárias ocorrerem durante esse processo de
adaptação a doença. A tomada de consciência levará a autonomia do paciente, o que
produzirá uma qualidade de vida melhor. Sendo assim o aconselhamento contribui para
o enfrentamento da doença e leva a reflexão sobre possíveis modos quem poderiam
contribuir para a produção de possíveis resoluções frente ao conflito que a doença causou.

REFERÊNCIAS
ANTÔNIO, Patrícia. A psicologia e a doença crônica: intervenção em grupo na diabetes mellitus.
Psicologia, saúde & doenças. 2010, 11(1), 15-27. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862010000100002. Acesso em: 27 de Set. de 2019.

TRINDADE, Isabel; TEIXEIRA, Jose, Carvalho. Aconselhamento psicológico em contextos de


saúde e doença - intervenção privilegiada em psicologia da saúde. Análise em psicológica.
(2000), 1 (XVIII): 3-14. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v18n1/v18n1a01.pdf. Acesso
em: 26 de Set. de 2019.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 16 213


CAPÍTULO 17
doi
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR
E EDUCACIONAL PARA O MANEJO DOS
TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO

Data de aceite: 01/02/2021


CONTRIBUTIONS OF EDUCATIONAL
Data de submissão: 04/12/2020
AND SCHOOL PSYCHOLOGY
TO THE MANAGEMENT OF
NEURODEVELOPMENTAL DISORDERS
Rafael Nogueira Furtado ABSTRACT: This chapter aims to explain
Universidade Federal de Juiz de Fora the contributions of School and Educational
São Paulo – SP Psychology to the understanding and
http://lattes.cnpq.br/9761786872182217 management of neurodevelopmental disorders.
Juliana Aparecida de Oliveira Camilo Initially, the theoretical and methodological
principles of historical-dialectical materialism are
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo – SP presented, as well as the thought of Vygotsky,
http://lattes.cnpq.br/3301134903349564 Luria and Leontiev on human development,
and its relationship with education. Then,
the professional role of psychologists in the
face of neurodevelopmental disorders is
RESUMO: O trabalho tem como objetivo discussed, considering problems such as school
explicitar as contribuições da Psicologia Escolar medicalization and the commodification of
e Educacional para a compreensão e manejo education..
dos transtornos do neurodesenvolvimento. KEYWORDS: School and Educational
Inicialmente, apresentam-se os princípios Psychology, neurodevelopmental disorders,
teóricos e metodológicos do materialismo historical-dialectical materialism.
histórico-dialético e as concepções de Vygotsky,
Luria e Leontiev sobre o desenvolvimento
humano em suas relações com a educação. Em 1 | INTRODUÇÃO
seguida, discute-se a atuação de psicólogos face
Em seu exercício profissional, o psicólogo
aos transtornos do neurodesenvolvimento, tendo
em vista a medicalização escolar e o problema é frequentemente convocado a intervir sobre os
da mercantilização do ensino. diferentes transtornos do neurodesenvolvimento
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia que afetam crianças e adolescentes no contexto
Escolar e Educacional, transtornos do da educação. Esta demanda coloca ao
neurodesenvolvimento, materialismo histórico-
profissional desafios éticos e técnicos. Conforme
dialético.
a nosografia corrente, os chamados Transtornos
do Neurodesenvolvimento caracterizam-se por
dificuldades que “variam desde limitações muito
específicas na aprendizagem ou no controle de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 214


funções executivas até prejuízos globais em habilidades sociais ou inteligência” (American
Psychiatric Association, 2014, p. 75).
Considera-se, ainda, que estas dificuldades “tipicamente se manifestam cedo no
desenvolvimento, em geral antes de a a criança ingressar na escola, sendo caracterizados
por déficits que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico
ou profissional” (American Psychiatric Association, 2014, p. 75). Dentro desta classe
nosográfica, encontram-se as chamadas “Deficiências Intelectuais”, os “Transtornos da
Comunicação”, “Transtornos do Espectro Autista”, “Transtornos Motores”, “Transtorno
Específico da Aprendizagem” e o “Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade”.
Diferentes teorias psicológicas escolares e educacionais têm sido elaboradas de
modo a elucidar os fatores envolvidos no desenvolvimento humano. Entre estas teorias,
encontra-se a Psicologia Histórico-Cultural. Esta abordagem fundamenta-se em uma
trajetória de trabalhos, os quais remontam ao século XIX, estendendo-se até os dias atuais.
Cumpre, neste capítulo, explicitar as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a
compreensão e manejo dos transtornos do neurodesenvolvimento, no contexto escolar e
educacional.
Inicialmente, apresentam-se os princípios teóricos e metodológicos do materialismo
histórico-dialético e as concepções de Vygotsky, Luria e Leontiev sobre o desenvolvimento
humano em suas relações com a educação. Em seguida, problematiza-se a atuação do
profissional psicólogo face aos transtornos do neurodesenvolvimento, tendo em vista a
medicalização das dificuldades escolares e o processo de mercantilização do ensino.

2 | MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO
A psicologia histórico-cultural tem como marco inicial os trabalhos de autores
como Lev Vygotsky, Alexander Luria e Alexei Leontiev. Na elaboração de seus trabalhos,
tais autores fundamentaram-se no método chamado “materialismo histórico-dialético”,
de maneira a organizar um novo sistema explicativo acerca da condição humana. O
materialismo histórico-dialético compreende a realidade a partir de processos históricos
em contínua transformação, os quais trazem em seu bojo contradições e antagonismos
(MARX; ENGELS, 1979).
O método postula que a condição humana se constitui a partir de relações sociais,
políticas e econômicas que operam em determinado contexto histórico. Na medida em que
os sujeitos agem e intervêm sobre a natureza, eles a modificam. Em contrapartida, esta
modificação da natureza cria condições de existência específicas que irão determinar a
consciência humana (MARX; ENGELS, 1979).
Para Marx e Engels, as condições e estruturas sociais criadas pela práxis humana
são atravessadas por interesses de classe, pela lógica de acumulação do capital e ideologias
dominantes. A influência destes interesses se faz presente também na educação burguesa,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 215


a qual se coloca a serviço do mercado e se utiliza dos educandos para a manutenção do
sistema vigente. No que se refere ao conhecimento científico, o materialismo histórico-
dialético afirma que é apenas partindo da existência humana concreta que se poderá
chegar às abstrações acerca da realidade.
Nesta concepção, o conhecimento científico não deve ser um simples sistema
descritivo da realidade. Mas um instrumento de transformação e superação de estruturas
políticas, econômicas e sociais de opressão. Cabe ao pesquisador evidenciar os interesses
de classe que atravessam nossas práticas e saberes, os quais buscam se legitimar como
universais, silenciando as vozes discordantes.

3 | DESENVOLVIMENTO HUMANO SEGUNDO VYGOTSKY, LURIA E LEONTIEV


Autores como Vygotsky, Luria e Leontiev se fundamentarão no materialismo
histórico-dialético ao abordarem os fatores que influenciam o desenvolvimento humano,
particularmente, em sua relação com a educação.

3.1 Lev Vygotsky


Para Vygotsky (1984), o desenvolvimento humano não decorre da maturação
espontânea das capacidades inatas do organismo, mas sim das diferentes interações
estabelecidas pelo indivíduo com seu meio social. Neste sentido, a educação desempenhará
importante papel para o desenvolvimento humano. Pelo processo de ensino/aprendizagem
os sujeitos internalizam elementos culturais e a experiência que, ao longo da história, foi
acumulada pela humanidade. O processo educativo não está restrito à escola. Ele inicia-se
informalmente, pelas diferentes interações do indivíduo com seus cuidadores, seu meio
social próximo, até que, posteriormente, institucionaliza-se como educação escolar.
Estes intercâmbios sociais possibilitarão o desenvolvimento de capacidades
tipicamente humanas, tais como os processos psicológicos superiores. Tais processos
incluem: a atenção voluntária, a memória lógica, as ações conscientes, o comportamento
intencional e o pensamento abstrato. Distinguem-se de processos elementares como as
ações reflexas e reações automatizadas.
Deve-se destacar que, conforme o autor, as interações sociais que levarão ao
desenvolvimento dos processos mentais não ocorrem de forma imediata. A relação do sujeito
com o mundo não é direta, e sim mediada. A “mediação” está presente em toda atividade
humana, dando-se por meio dos chamados elementos de mediação, que consistem em:
instrumentos técnicos e sistemas simbólicos, como a linguagem (VYGOTSKY, 1984).
A linguagem receberá atenção especial de Vygotsky, como uma importante ferramenta
de mediação, contendo em si valores e conceitos produzidos pela experiência humana.
Para o autor ela apresenta duas principais funções: a comunicação e generalização do
pensamento, por meio da aprendizagem de categoriais conceituais abstratas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 216


Contudo, Vygotsky sustenta que a influência da cultura não implica que o
desenvolvimento de processos mentais seja uma operação passiva. O indivíduo age sobre
o meio e sobre as relações que o envolvem, de modo que ao transformar seu ambiente,
ele também transforma a si mesmo (VYGOTSKY, 1984). Essa reciprocidade retoma o
conceito de dialética. Deve-se ressaltar que a ênfase conferida por Vygotsky à influência
das relações humanas não implica que este autor desconsidere o papel da biologia. Para
ele, o desenvolvimento se dá pela interação entre os planos filogenético, ontogenético,
sociogenético e microgenético.

3.2 Alexander Luria


Os trabalhos de Vygotsky influenciarão Luria, autor este importante para a
Psicologia Histórico-Cultural e que dedicará grande parte de seu trabalho ao estudo
do desenvolvimento do sistema nervoso humano. Para Luria (1981), o sistema nervoso
corresponde a um sistema biológico aberto, permanentemente em interação com
o ambiente, tanto físico, quanto social. Esta abertura é possível em razão do princípio
chamado neuroplasticidade. A neuroplasticidade explica a grande capacidade de adaptação
humana e o amplo espectro de atividades que podemos realizar, conforme requerido por
contextos variados.
Luria concorda com Vygotsky sobre os processos psicológicos humanos se
constituírem tanto em função da história evolutiva humana, quanto em função da história
social dos grupos humanos e da história particular de cada sujeito. Por um lado, isto
implica na organização de uma estrutura básica do sistema nervoso, que cada membro da
espécie apresenta já ao nascer. Estrutura que, para Luria, envolve três grandes unidades
de funcionamento: unidade de regulação do tônus cortical e do estado de vigília; unidade
de processamento e armazenamento de informações; unidade de regulação e avaliação da
atividade mental (LURIA, 1981).
Por outro lado, Luria destaca que tanto as estruturas físicas quanto as funções
mentais modificam-se em razão da prática social e das exigências da cultura. Ressalta-se
aqui o papel decisivo da educação. Por meio da educação e de ferramentas culturais, como
a linguagem, os indivíduos podem receber a estimulação adequada ao desenvolvimento
de suas capacidades intelectuais, assim como de suas estruturas fisiológicas. Estudos
empíricos realizados pelo autor, como os estudos com gêmeos e comunidades da Ásia
Central, atestam esta influência do meio social sobre o desenvolvimento das capacidades
humanas.

3.3 Alexei Leontiev


Por fim, uma terceira importante referência para a Psicologia Histórico-Cultural,
no tocante ao desenvolvimento humano, refere-se a Alexei Leontiev. Influenciado por
Marx e Vygotsky, o autor abordará temas como a memória, o movimento, motivações e

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 217


emoções. Para o autor o desenvolvimento mental da criança corre segundo três princípios
fundamentais: primeiramente, ele ocorre à medida que a criança assimila a experiência
do gênero humano. A experiência assimilada é histórico-social, ou seja, ultrapassa
as dimensões biológica e individual, e está registrada em objetos materiais e sistemas
simbólicos (LEONTIEV, 2005). Desde já, fica evidente o papel da educação para Leontiev.
Será mediante as interações sociais de ensino e aprendizagem que esta assimilação se
efetivará.
Em segundo lugar o desenvolvimento das aptidões humanas, como por exemplo
a memória, requer a formação de sistemas cerebrais funcionais. Porém, estas estruturas
cerebrais não nascem prontas, mas derivam da apropriação que é feita da experiência
histórica. Em terceiro lugar, o desenvolvimento mental da criança é um processo de
formação de “ações mentais”. Ou seja, a aquisição de conceitos abstratos e capacidades
mentais complexas se dá gradualmente, mediante associação mais simples, que então
avançam em complexidade (LEONTIEV, 2005).

4 | TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO E AS CONTRIBUIÇÕES


DA PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
Gostaríamos de destacar algumas das principais contribuições da Psicologia
Histórico-Cultural para a compreensão e manejo dos transtornos do neurodesenvolvimento.
Primeiramente, a Psicologia Histórico-Cultural evidencia-nos como os chamados problemas
de aprendizagem e conduta são submetidos a processos de patologização e medicalização
(MOYSÉS; COLLARES, 2013).
Entende-se por patologização o deslocamento, para o campo médico, de fenômenos
cotidianos cuja natureza é de ordem social e política. Estes fenômenos são convertidos
em em questões biológicas, internas aos indivíduos. Como consequência, condutas que
escapam a normas passam a ser abordadas como ‘doenças’, ‘transtornos’ ou ‘distúrbios’
(MOYSÉS; COLLARES, 2013).
Em decorrência, a patologização leva à medicalização. No contexto da educação,
isto significa que problemas de aprendizagem e comportamento serão manejados, por
exemplo, por substâncias estimulantes (tais como metilfenidato, anfetamina, modafinil),
drogas ansiolíticas, reguladores do humor, entre outras ((MOYSÉS; COLLARES, 2013).
Ao lidar com o tema do desenvolvimento, cumpre à psicologia, portanto, estabelecer uma
reflexão crítica sobre a transformação de problemas cotidianos em sintomas de doenças
ou desordens psíquicas, bem como sobre a redução da subjetividade humana a aspectos
orgânicos. A questão da patologização e medicalização nos conduz, assim, a uma segunda
contribuição da Psicologia Histórico-Cultural. Trata-se de questionar a lógica de mercado e
neoliberal presente na educação e como esta lógica influência a compreensão e manejo de
questões como os transtornos do desenvolvimento.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 218


Michel Foucault (2008) destaca que, com a emergência do neoliberalismo,
observamos a extrapolação da lógica econômica para diferentes esferas da atividade
humana, como, por exemplo as relações interpessoais, a indústria cultural e, também,
a educação. A colonização da sociedade pela lógica de mercado terá duas principais
consequências.
A primeira consequência implica que os indivíduos passam a ser considerados como
capital, isto é, como elementos produtores de riqueza. O sujeito torna-se capital humano.
Os indivíduos devem ter, portanto, suas capacidades físicas e psicológicas continuamente
aperfeiçoadas, potencializadas. Trata-se de um processo de melhoramento que visa
agregar valor aos sujeitos, sendo a educação um dispositivo usualmente empregado para
esta estratégia de melhoramento (FOUCAULT, 2008).
A segunda consequência da extrapolação da lógica de mercado implica que a
relação do sujeito consigo mesmo e com seus pares passa a ser regida por imperativos
de eficiência e princípios da administração empresarial. Isto significa colocar os
indivíduos em permanente concorrência entre si, de modo a extrair deles seu máximo
desempenho. Princípios da administração empresarial perfazem as práticas educacionais
contemporâneas. Esta lógica se faz presente, por exemplo, em diretrizes curriculares, na
criação de instrumentos de avaliação, em projetos políticos-pedagógicos, que entendem
o ensino como sinônimo de preparação para o mercado de trabalho (FOUCAULT, 2008).
Transtornos do neurodesenvolvimento, neste contexto, são compreendidos como
obstáculos para que alunos atinjam a performance desejada, e para isso são recrutados
especialistas, como psicólogos, com vistas ao ajustamento destes indivíduos. Diante
deste cenário, como destaca Bock (2003), cabe à Psicologia romper com a relação de
cumplicidade que, por muitas vezes, este campo do saber estabelece com o sistema
vigente. Ao atuar de forma não crítica, em nome do simples ajustamento de sujeitos com
dificuldades neurodesenvolvimentais, a psicologia reproduz exclusões e reforça injustiças
de nossa sociedade. Para finalizar, diante deste cenário, a Psicologia Histórico-Cultural
poderá, ao invés de reforçar exclusões e injustiças, promover práticas inclusivas e afirmativas
da diversidade, como manejo de problemáticas relacionadas ao desenvolvimento.
Primeiramente, como indicado pela Declaração de Salamanca, cumpre reconhecer que
indivíduos possuem características e necessidades de aprendizagem únicas, devendo a
educação levar em conta esta diversidade.
Em seguida, deve-se buscar superar a primazia conferida a habilidades de
escrita e verbais como indicadoras do desenvolvimento e da aprendizagem. A inclusão
passa pela consideração de que outras formas de expressão podem ser consideradas
como componentes do desenvolvimento saudável. Ademais, ações de inclusão implicam
possibilitar o acesso à escola regular, para indivíduos com necessidades especiais de
aprendizagem. A Psicologia Histórico-Cultural deve instruir sobre o fato de que salas
especiais acabam por segregar estes indivíduos e estimular atitudes de discriminação,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 219


quando o que se deseja é criar comunidades mais acolhedoras.
Por fim, a Psicologia Histórico-Cultural contribui para a inclusão ao evidenciar
que o desenvolvimento humano não pode ser pensado de forma dissociada de questões
como: gênero, raça, etnia, orientação sexual, classe social. Questões estas que perfazem
o cotidiano escolar e estão na base das contradições da realidade brasileira, afetando
diretamente o desenvolvimento de indivíduos e coletividades.

REFERÊNCIAS
BOCK, A. M. Psicologia da educação: cumplicidade ideológica. In: ANTUNES, M. A.; MEIRA, M. E.
(Org.). Psicologia escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

FOUCAULT, M. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

LEONTIEV, A. N. Os princípios do desenvolvimento mental e o problema do atraso mental. In: LURIA,


A. R.; LEONTIEV, A. N.; VYGOTSKY, L. S. et al. Psicologia e pedagogia: bases psicológicas da
aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Moraes Ltda., 1991.

LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: EDUSP, 1981.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. 2. ed. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1979.

MOYSÉS, M. A.; COLLARES, C. A. Controle e medicalização da infância. Desidades, v. 1, p. 11-21,


2013.

UNESCO. Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades
educativas especiais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/salamanca.pdf.
Acesso em: 30 set 2020.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 17 220


CAPÍTULO 18
doi
CRIANÇAS E SUAS INFÂNCIAS: TECENDO
EXPERIÊNCIAS NO ESPAÇO DO BAIRRO

Data de aceite: 01/02/2021 nativas. Inspiradas nos princípios da etnografia


Data de submissão: 06/11/2020 efetuamos encontros com as crianças no
contexto escolar e em outros espaços públicos,
próximos às suas moradias. Destacamos que
as crianças reconheceram a escola como um
Zuleica Pretto
lugar importante, que possibilita o acesso à
Docente na Universidade do Sul de Santa
cultura e garante um futuro mais promissor;
Catarina
Florianópolis, Santa Catarina demonstraram conhecimento do espaço de seu
http://lattes.cnpq.br/7284004284209233 bairro, destacando a relação com a natureza
como central em suas vivências; revelaram que
Letícia Teles de Sousa o cotidiano vivido no bairro, escola, vizinhança
Universidade do Sul de Santa Catarina e eventos locais permitiam um sentimento de
Rio do Sul, Santa Catarina pertença, também revelado a partir de histórias
http://lattes.cnpq.br/2510054208376463
acerca de moradores locais. Por outro lado,
Renata Polidoro Aguiar manifestaram em suas conversas o quanto são
Universidade do Sul de Santa Catarina capturadas pelas mídias eletrônicas e pela ânsia
Florianópolis, Santa Catarina pelo consumo e pelos lazeres prontos.
http://lattes.cnpq.br/2462436774799213 PALAVRAS-CHAVE: Infâncias, Bairro,
Mediações, Existencialismo sartriano.
Tatiane Garceis dos Santos
Universidade do Sul de Santa Catarina
Florianópolis, Santa Catarina CHILDREN AND THEIR CHILDHOOD:
http://lattes.cnpq.br/6815589057279912 FORGING EXPERIENCES IN THE
NEIGHBORHOOD TERRITORY
ABSTRACT: Based on the project entitled
RESUMO: A partir do projeto intitulado “Fishermen of Culture The Senses of Childhood in
“Pescadores de Cultura Os Sentidos da Infância the Territory of Costa do Sol Poente”, carried out
no Território da Costa do Sol Poente”, efetivado in Florianópolis in partnership with the Associação
em Florianópolis, realizamos uma pesquisa Cultural Baiacu de Quem, we conducted a study
com crianças residentes nesta região. Fomos with children living in this region. We were
mobilizadas pelo interesse em identificar interested in identifying the main mediations
as principais mediações encontradas pelas found by children in their neighborhood space.
crianças no espaço de seu bairro. Participaram Twelve children from an elementary municipal
deste estudo 12 crianças, estudantes do ensino public school were enrolled, ages between eight
fundamental de uma escola pública municipal, and nine years old, belonging to working classes
com idade entre oito e nove anos, pertencentes a families mostly native from the region. Inspired
camadas populares e, em sua maioria, a famílias by the principles of ethnography we meet the

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 221


children in the school space and also in public spaces in the neighborhood. We emphasize that
the subjects recognize the school as an important place, which allows access to culture and to
be someone in life; they demonstrated spatial knowledge of their neighborhood, highlighting
the relationship with nature as central to their experiences; revealed that the daily life lived in
the neighborhood, school and local events allowed the feeling of belonging, as also through
stories about local residents. On the other hand, in their conversations, they expressed how
much they are captured by electronic media and the eagerness for consumption and instant
gratification.
KEYWORDS: Childhood, Neighborhood, Mediations, Sartrean Existentialism.

1 | INTRODUÇÃO
A partir do projeto intitulado “Pescadores de Cultura Os Sentidos da Infância no
Território da Costa do Sol Poente”, efetivado em um bairro de Florianópolis realizamos
uma pesquisa com crianças com o objetivo de reconhecer os sentidos que as crianças
residentes no distrito de Santo Antônio de Lisboa atribuíam às suas vivências a partir de
suas narrativas e de itinerários por elas realizados naquele território. Importante ressaltar
que pensar a infância na cidade envolve perceber as relações estabelecidas com os diversos
espaços físicos, sociais, culturais que incidem na construção de histórias singulares e
coletivas das crianças. Sobretudo, é elemento fundamental o entendimento dede que as
crianças são agentes de suas trajetórias tecidas com o território, bem como de mudança
nas comunidades em que vivem, conforme reflete Castro (2001).
Nesse sentido, seguindo os pressupostos do existencialismo sartriano, destacamos
que para compreender a infância é importante acessar os mundos sociais nos quais as
crianças circulam. De acordo com Schneider (2011, p.113-114), uma pessoa “só se humaniza
por estar inserida em um mundo que lhe possibilita contornos sociais e sociológicos” e,
nessa via, “não existe nenhum indivíduo que não esteja situado em um certo local, em um
dado tempo, em uma certa sociedade”. Isso significa dizer que a relação que cada sujeito
estabelece com o contexto em que vive se refere a uma dimensão maior, que pode ser
entendida como antropológica.
É por compartilharmos de uma mesma concreticidade histórica, portanto,
antropológica, que evidenciamos a capacidade de cada sujeito fazer-se como história
singular, atravessado por condicionantes universais que também o tecem (SARTRE, 2002).
Daquilo que é coletivo, isto é, que pode ser partilhado através dos espaços, paisagens
concretas e das matizes culturais, se desenrolam biografias marcadas por formas
particulares de experienciar e se apropriar do mundo.
Portanto, faz parte da constituição subjetiva de cada sujeito no mundo, um processo
constante de interiorização da exterioridade social - das produções que são estabelecidas
a priori à existência e, da exteriorização da apropriação individual - daquilo que abarca
a ação de co-responsabilidade de cada sujeito no tecimento da história social. Desse

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 222


movimento, visualizamos o desenvolvimento do processo de socialização humana, em que
se constituem práxis comuns de produção e apropriação dos produtos sociais, culturais e
sociológicos compartilhados (SCHNEIDER, 2011).
Diante dessas relações, um tecido social é constituído por “seres que se lançam
para as suas possibilidades de serem mediados pelos outros” e costuram na trama dos
vínculos, condições de humanizar-se (SCHNEIDER, 2011, p. 153). Por sermos com os
outros nos realizamos também através de nossas escolhas que nos lançam em direção a
um horizonte de futuro e, portanto, a um projeto (SARTRE, 1987).
Sartre expressa que esse projeto é, efetivamente, um projeto-de-ser, construído a
partir da história de cada sujeito e das suas interações com o mundo, ou seja, “o projeto
diz respeito ao meu ser em totalidade, expressando-se em cada um dos meus atos, gestos,
palavras (SCHNEIDER, 2011, p. 95). A mediação, nesse sentido, é condição fundamental
para que a materialidade do mundo seja possível de ser significada no projeto-de-ser de
cada um e, na especificidade do acontecimento da infância, ela é essencial para que a
criança possa desbravar os espaços de seu território, apropriar-se dos hábitos locais,
linguagens e signos e, sobretudo, agir de forma autônoma e participativa na realidade que
faz parte.
1.1 A infância na cidade
A infância tem lugar nesta sociedade que é viva e mutante. Conforme já citava
Manuel Pinto (1997) no século XX, somente a interdisciplinaridade entre as diversas
áreas do conhecimento será capaz de construir uma dimensão social da infância. Cabe
ressaltar, que as mudanças nas concepções de criança e infância, oriundas do século
XIX, acarretaram numa conjuntura de exclusão das crianças da participação na vida
pública. Elas, rotuladas como dependentes, imaturas e incapazes, foram apartadas da
possibilidade de ação dentro do âmbito público e limitadas à vida privada, sob a proteção
familiar (SARMENTO, FERNANDES E TOMÁS; 2007).
Isso revela que a lógica protecionista, aliada à noção desenvolvimentista do ser
humano, constituiu e, ainda constitui, uma base que hierarquiza as relações estabelecidas
entre adultos e crianças. Neste sentido, instituições como a família e a escola, historicamente,
são colocadas como os lugares de disciplina para a infância e que são estabelecidos
com o intuito de “civilizar” as crianças para se tornarem sujeitos aptos à convivência em
sociedade. A escola, por exemplo, é pensada para a formação de um sujeito que consiga
adquirir, progressivamente, condutas de racionalidade, autonomia para tornar-se maduro,
isto é, o adulto do futuro (CASTRO, 2001).
Não se ignora a importância da escola como um local de socialização e constituição
humana, uma vez que ela também promove a mediação para a alteridade e com diversos
tipos de dispositivos culturais existentes no tecido social. No entanto, acreditamos que a
restrição da criança ao grupo familiar e à instituição escola, assim como a desconsideração

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 223


de suas vozes e opiniões pela lógica da “incapacidade” de expressar conhecimento,
ocasionam um impacto significativo na constituição subjetiva da criança. Como aponta Ceppi
e Zini (2013), transitar pelos espaços públicos, para além da escola, é necessário para a
construção ética e social de todo sujeito. Além de que, o reconhecimento do conhecimento
articulado pela criança, no momento em que ela vive a sua infância, é garantia de cidadania.
Compreendendo que o processo de desenvolvimento da infância se dá diante de
todas as relações que a criança estabelece com os outros e os objetos que a cerca e,
reafirmando a sua condição de cidadã e de agente social que contribui na construção da
história socialmente compartilhada, que se faz relevante refletir sobre como uma criança
percebe a realidade em que vive, isto é, do seu lugar de compreensão, as narrativas
singulares que se desdobram e tanto podem comunicar sobre a infância que se constitui
num dado tempo-espaço. Conforme Pinto (1997), são aspectos importantes de se observar
na vivência da infância, aqueles que envolvem as redes de amigos, as expressões
culturais infantis, os papéis na vida doméstica, as relações estabelecidas na vida familiar,
a linguagem, as influências sobre os adultos, as condições de vida (direitos adquiridos),
os modos como se apropriam e dão sentido às instituições criadas para educação das
crianças e diversas outras possibilidades que as próprias crianças podem anunciar, diante
do contexto em que vivem.

2 | OS ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS CONSTRUÍDOS NA PESQUISA


Com o intuito de ouvir as crianças e as suas vivências no território em que residem,
foi realizada uma oficina com encontros temáticos, inspirada nos princípios da etnografia,
com cerca de 12 crianças estudantes de uma escola pública do bairro, majoritariamente do
4º ano do Ensino Fundamental. O grupo foi composto por aproximadamente sete meninas
e cinco meninos, com idades entre 9 e 10 anos, sendo a maioria natural do município de
Florianópolis, de famílias populares, nativas do bairro e residente nas proximidades da
escola, apenas 3 crianças eram oriundas de outras cidades e estados de Santa Catarina e
do Rio Grande do Sul.
Essa oficina, denominada “O nosso lugar: espaços e convívios”, incorporada como
ação do projeto nº. 064/15 “Pescadores De Cultura: Construindo o Fortalecimento Cultural
de Crianças e Adolescentes do Distrito de Santo Antônio de Lisboa”, teve como objetivo
caracterizar as infâncias da região, pois observava-se significativas transformações nos
contornos de tecimento sociológico das crianças e jovens do bairro por conta do acelerado
processo de urbanização vivido na cidade.
Esta região, tem uma área territorial de 385,135 km² e uma população de 6.441 mil
habitantes (IBGE, 2010). É conhecida na Ilha de Santa Catarina, como tendo o mais belo
pôr do sol da região e a partir de uma cultura típica açoriana, apresenta-se como um forte
centro gastronômico da cidade e com diversas vendas de artesanato local, inclusive da

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 224


famosa renda de Bilro. Assim, por um lado inclina-se para a atividade econômica focada na
pesca artesanal e maricultura e, por outra, no turismo. É forte o sentido de vida comunitária
nesta localidade, aspecto presente nas diversas manifestações culturais, tais como, nas
festas típicas, sendo algumas conhecidas como as mais antigas da Ilha. Além disso,
recebeu um número significativo de migrantes que, juntamente com a população nativa,
fez do distrito uma microrregião particularmente rica e importante para a cultura popular da
cidade de Florianópolis. Diante das mudanças, o referido projeto buscou refletir e articular
itinerários com as crianças e jovens da região e foi uma iniciativa da Associação Cultural
Baiacu de Alguém (associação civil, não governamental, que promove ações de cunho
cultural e educativo na região), coordenado por Daniela Ribeiro Schneider, aprovado na
Lei Municipal de incentivo à Cultura e financiado pela Fundação Cultural de Florianópolis
Franklin Cascaes.
Esta ação foi executada por três estudantes de psicologia e uma professora
supervisora e buscou, a partir de narrativas e itinerários das próprias crianças, reconhecer
as relações que estas estabeleciam com os diversos espaços físicos, sociais, culturais
da Costa do Sol Poente (como a região é conhecida), nos quais suas histórias estavam
enraizadas. Os encontros ocorreram por meio do vínculo com uma escola pública do bairro
e que permitiu o contato com as crianças. Esta parceria estabelecida foi fundamental
para que as oficinas acontecessem. A Diretora e também docentes dessa instituição nos
receberam de modo aberto, acolhedor, facilitando os contatos com as famílias das crianças,
sugerindo atividades e prestando informações sobre a rotina das crianças na escola. Além
da participação nas atividades curriculares da escola, as crianças também desenvolviam
atividades extracurriculares na comunidade, como aula de dança, judô, escolinha de futebol
e percussão.
Foram realizadas junto às crianças encontros temáticos com periodicidade semanal,
totalizando 13 encontros. Os principais temas abordados foram: famílias e moradias, espaço
da escola, lazer e cultura no bairro e o futuro no bairro. Tais encontros aconteceram em
locais públicos do bairro, especialmente na escola, nas salas de aula e nas dependências
dessa instituição, bem como em outros espaços do bairro e região, como ruas, praias,
museus, parques, etc. A duração regular das oficinas foi de 1hora e 30min, geralmente pela
manhã, entre 10h30 e 12h, no contra turno escolar. Nas ocasiões dos passeios pelo bairro
as oficinas tiveram início às 8:30min, seguindo até 12h.
As técnicas utilizadas para possibilitar a realização das oficinas e o alcance dos
objetivos foram as seguintes: observação-participante; rodas de conversa disparadas
pelas coordenadores a partir das temáticas já especificadas, mediante indagações ou
recursos áudio visuais; itinerários realizados com as crianças em seus principais espaços
de circulação/ocupação no distrito do bairro; composição de materiais (cartazes, maquetes,
anotações, desenhos, produções textuais junto às crianças) a partir dos temas propostos
e das reflexões suscitadas; brincadeiras e registros fotográficos, em que as crianças

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 225


também foram solicitadas a registrar através de fotografias, aspectos significativos de seus
cotidianos.
Todos estes recursos metodológicos, partiram das pistas de encontro que a
etnografia provoca no contexto de construir conhecimento com as crianças, uma vez que,
nessa vertente prioriza-se a proximidade, a dialogia criada com os sujeitos de pesquisa e,
especificamente no caso de pesquisa com crianças, a legitimação das vozes e saberes
das crianças através de outras linguagens e modos de compor o encontro. O desafio que
apontam pesquisadores dessa modalidade é, de fato, a superação do pretenciosismo
adultocêntrico. Comumente estabelecido em pesquisas com este público, a visão
adultocêntrica pouco considera a riqueza que a infância produz e expressa sobre aquilo
que vê, sente e vive (MARCHI, 2011).
Dessa forma, nossa postura, em consonância com o que Pretto (2015, p. 40)
evidencia sobre a etnografia ser um caminho de encontro com as infâncias, buscou “o
olhar nos olhos das crianças, escutá-las e, com o resultado dessa escuta, estabelecer uma
relação com elas”, isto é, estar sensível ao modo como as crianças percebem o mundo e
se percebem nele. Atentas a isso, priorizamos a utilização de materiais (tintas, massinha,
revistas, isopor, cartolinas, lápis de cor, giz de cera, filmes, rádio-gravador e câmeras
fotográficas) e de técnicas (inventadas ou retiradas de livros e sites), que proporcionassem
a imersão no lúdico e na potência imaginativa e criadora que as crianças expressam quando
são convidadas a participar.
Cada encontro teve sua particularidade, foi único pela presença das crianças e
por aquilo que foi possível ser construído com elas. Não seguiram a linearidade de um
roteiro estruturado a priori e, sim, foram produzidos em seus movimentos singulares e
coletivos; na apropriação de se enxergarem como grupo que se relaciona entre suas
diferenças (de gênero, interesses, vínculos afetivos), mas também na semelhança que
compartilhavam: olhar para a realidade do bairro e comunicar aquilo que percebiam sobre
ele. Das percepções, o grupo ia tecendo reflexões sobre as temáticas ao passo que se
teciam como grupo também. Ora iam propondo um itinerário de apreensão e compreensão
da materialidade do bairro e ora se envolviam com as nossas proposições de olhar para a
realidade familiar deles. Em síntese, realizar as oficinas com este grupo de crianças nos
mobilizou a “aprender a olhar com o olhar da criança: subversivo da ordem, que inverte
a lógica”, tensiona os limites daquilo que estabelecemos e expande as possibilidades de
estar junto e dialogar (KRAMER, 1997, p.81).

3 | O COTIDIANO NO BAIRRO: CASAS, FAMÍLIAS E A ESCOLA


Entender o cotidiano das crianças da pesquisa implicou levar em conta o
entrelaçamento entre moradias, natureza e configurações familiares, tal como encontrado
por Pretto (2015) numa etnografia realizada com crianças, também num bairro litorâneo

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 226


da ilha de Santa Catarina. O fato da maioria das famílias residir há algum tempo no bairro,
ter seus parentes por perto (muitas delas vivem em terrenos compartilhados em que se
distribuem várias casas de parentes), tecer laços com vizinhança, possuírem quintais e
animais, tornava possível às crianças a socialização, as brincadeiras ao ar livre com irmãos,
primos e vizinhos, e a própria relação de cuidados e de afeto com os animais. Ou seja, a
rede de parentesco e vizinhança e o contato com a vegetação são referências significativas
nas infâncias que encontramos neste território. Apenas as crianças imigrantes é que tinham
uma outra configuração, pois a rede de parente era mais reduzida. Uma delas chegou a
ilustrar, numa atividade de desenhar as moradias, a sua casa anterior, revelando saudade
e o fato de ainda não se sentir pertencente ao novo lugar de moradia.
As famílias eram pequenas, constituídas por uma criança ou duas, acompanhando o
cenário nacional em que a quantidade de filhos/as por mulher e família vem diminuindo nas
últimas décadas. As crianças que tinham irmãs e irmãos costumavam citar com frequência
episódios vivenciados nessa relação, tanto no que cabe ao lazer, festas, aniversários
em que a família esteve envolvida, quanto no cotidiano em que percebiam a convivência
com os irmãos como difícil “às vezes chata”, porque eles levavam a “culpa” quando algo
acontece, gerando desacordos familiares.
Sobre a convivência com os pais, as crianças revelaram que não conversavam
muito sobre a escola, os interesses e desejos, mas assistiam televisão juntos, às vezes
passeavam e iam à praia em família. Pontuaram também que recebiam cobranças dos
estudos e relativas ao cumprimento de atividades de casa (muitas crianças disseram que
ajudavam nas tarefas domésticas, tanto meninos quanto meninas). Aparecia um certo
distanciamento entre os membros familiares destas crianças.
Nesse sentido, percebe-se que, apesar de estar sempre presente na vida da criança,
a família, nem sempre, parece desenvolver com ênfase o papel de mediação de seus
projetos-de-ser. Este é um fenômeno comum na família a partir do momento em que ela “é
corroída por uma serialidade interna, ou seja, seus membros não conseguem tecer seus
projetos individuais em torno de um projeto coletivo, permanecendo uma pluralidade de
solidões”, conforme aponta Schneider (2011, p. 156). Isso significa dizer, que o tecimento
afetivo e de reciprocidade entre os familiares está desinvestido; desaquecido. E, por mais
que compartilhassem do mesmo espaço, as crianças percebiam o quanto as relações
acabavam sendo capturadas por outras necessidades: domésticas, de trabalho, consumo
de tecnologias.
Sobre o cotidiano na família, em alguns momentos as crianças fizeram referências a
histórias familiares e de vizinhos, que envolviam viagens (mudanças, passeios) e também
do que viam sobre a violência e a polícia, em falas como “tem armas”, “está preso”, e
relatos sobre a relação do bairro com as drogas, em especial, a maconha. Isso demonstra
que, por mais que em alguns contextos as crianças tentem ser protegidas do que acontece

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 227


na realidade social, não é possível um isolamento, ou seja, as crianças fazem parte da
mesma realidade antropológica dos adultos que com elas convivem (PRETTO, 2015).
Outro aspecto a se considerar é a localização das casas nas proximidades da
escola. Isto possibilitava às crianças fazer o trajeto escola-casa/casa-escola ou andando,
em geral acompanhados pelos adultos, ou de carro ou com um ônibus que executava o
trajeto rapidamente, já que as distâncias não eram tão significativas. No que diz respeito à
relação família e escola, ficou evidente a existência de um bom relacionamento, em que o
contato entre pais e professores era de muito afinco.
Para estas crianças, a escola se caracterizava como um dos espaços mais
significativos para elas no bairro. Ali se comungava o aprendizado, as redes de socialização
com os pares, um lugar para brincar e também uma mediação com as diferentes culturas e
com o espaço público, como igualmente revelado no estudo de Pretto (2015). A aprendizagem
da leitura e da escrita eram vistas por estas crianças como atividades importantes de
garantia de uma vida melhor e, ainda que tivessem uma boa relação com este espaço
e com os professores, para elas, a escola também era “chata” em certas situações. Em
especial, atividades como copiar muito do quadro, produzir textos extensos e ter que seguir
algumas regras que discordavam, quando não compartilhavam de interesses em comum
entre meninos e meninas e, sobretudo, quando aconteciam episódios de bullying. Ou seja,
a escola aparece com toda a carga socializante, onde fazem parte também da vida infantil,
os conflitos, as inimizades, o sofrimento na relação com o outro, as exigências.
Por outro lado, no cotidiano escolar demonstravam autonomia e liberdade frente
ao uso do espaço e dos instrumentos coletivos ali dispostos. Implicavam-se no cuidado
dirigido a este ambiente, aos objetos, à horta, ao espaço coletivo.
Cabe ressaltar, que a postura pedagógico-político da escola certamente favorecia
esse processo, na medida em que, conforme pudemos presenciar, o corpo docente/direção
promovia, acima de tudo, reflexões junto aos alunos sobre suas posturas, consequências
de suas ações e a consciência de pertencer a um espaço coletivo e da importância de cuidá-
lo. Isso não isentava que essa mesma equipe também se deparasse com essa infância
“resistente”, que almejava muitos direitos e poucos deveres (em algumas circunstâncias
em que eram mais exigidos com atividades não imediatamente prazerosas para elas).
Portanto, a escola, igualmente, é um local muito importante de socialização e
constituição, uma vez que apresenta complexas e novas redes de relações e serve de
mediação entre os sujeitos e diversos tipos de dispositivos culturais existentes no social. No
caso da escola em questão, nota-se o quão importante é o seu papel para a disseminação
de manifestações artísticas e culturais que acontecem no bairro. Projetos internos (teatro,
dança), bem como externos (oficinas oferecidas pela Associação Baiacu de Alguém, por
exemplo e passeios a pontos de cultura na região), chegam ao conhecimento das crianças
de forma mais eficiente utilizando a escola como uma mediação possível.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 228


3.1 A relação grupal: divergências e conflitos
Um ponto a se considerar na relação com as crianças é a forma como elas
interagem entre si, ou seja, o modo como constroem vínculos de afeto, alianças de
solidariedade e divergências também. Essas interações nos interpelam, enquanto adultos
que dialogam com crianças e, sobretudo, que pode ser mediação significativa diante de
situações que elas ainda apresentam dificuldades de compreender e resolver sozinhas.
Essa turma, especificamente, apresentava importantes conflitos e divergências entre os
pares, em especial no tocante às diferenças de gênero, o que os lançava à competições,
provocações e embates. Estas diferenças tornavam-se determinadoras na divisão dos
grupos para a realização das atividades propostas, no cuidado com a aparência, no modo
de se comportar diante do grupo, nos vínculos para com os pares, seja nas relações de
amizade ou na aparição de outras formas de perceber o outro, como afetivo-amoroso. Ali,
a cultura de pares que se manifestava, evidenciava que as meninas estavam preocupadas
com o namoro e aparência e os meninos com os jogos, brincadeiras e pertencimento a
grupos (futebol e jogos online).
A divergência acirrada entre grupos de meninos e meninas, refletia na qualidade
da própria oficina pois, em alguns momentos, as discussões das crianças levavam a
resistências para fazer as atividades propostas, trabalhar em conjunto, finalizar ações, etc.
Outro aspecto característico da turma era o desejo em priorizar sempre as brincadeiras
em detrimento da realização das atividades propostas, já que entendiam que ser criança
“é brincar” e, que portanto, teriam direito a fazer o que quisessem ou tivessem “vontade”.
Possivelmente isso refletia nas habilidades com a escrita, caracterizadas para algumas
crianças como deficitárias.
Para que pudéssemos intervir, mas também aprender com o que as crianças nos
comunicavam, encontramos em Sartre (2002) uma abertura reflexiva sobre as relações.
Para o autor, quando o “nós” se constitui, isto é, a possibilidade de ser-com-o-outro, um
compromisso entre si e o outro é firmado; uma reciprocidade que tece identidade através da
qual é possível compartilhar projetos e tomar decisões conjuntas. A partir disso, convidando
as crianças a pensarem sobre os conflitos em curso, em grupo, pudemos abrir a conversa e
falar sobre diferenças, respeito e a possibilidade de serem-com-os-outros, criando, assim,
uma identidade enquanto grupo.
Destaca-se que mesmo com os embates, era possível perceber e denunciar
às crianças os interesses comuns que compartilhavam. Uma vez que o universo das
brincadeiras (pega-pega, futebol, dobradura, queimada) e as identificações de amizades e
de grupos evidenciaram o quanto a infância é expressa no movimento, socialização entre
pares e autonomia para circular por onde há desejo. As brincadeiras, o lúdico, a fantasia,
os jogos além de apresentarem conteúdos culturais e serem importantes no processo de
subjetivação, inserem as crianças em relações sociais, ao mesmo tempo que lhes coloca

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 229


em uma relação de diferenciação de si para com o outro, isto é, a evidenciação da diferença
e presença no mundo (CASTRO, 2001).

3.2 A apropriação do bairro pelas crianças e a participação na produção da


cultura local
Nos passeios e andanças pelo bairro, percebeu-se que as crianças tinham
significativos conhecimentos dos espaços do bairro, elencando como lugares de referência:
escolas, centro de saúde, terminal, associação, Sesc Cacupé, Igreja (catequese),
locais onde efetivavam atividades como judô, ballet e futebol, parque, praia. Também
demonstravam autonomia no trânsito pelo bairro, desde a saída e volta da escola, domínio
e segurança na utilização do transporte público, reconhecimento de espaços de comércio
e pontos da natureza local.
Essa inserção certamente era promovida pela família, mas também pela escola,
levando a uma construção social das crianças ligadas a identidade social do bairro, embora
isso fosse vivido de modo espontâneo pelas crianças, como é próprio da infância, e pouco
apropriado reflexivamente, de modo crítico, por elas (PRETTO, 2013). Nesse sentido,
conforme aponta Santos (2008, p. 30-31), é preciso considerar a indissociabilidade
do espaço, uma vez “que participam de um lado, certo arranjo de objetos geográficos,
objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou
seja, a sociedade em movimento”. Assim, as crianças vão atribuindo sentido à realidade e
constituindo-se em arranjos singulares no território.
Interessante notar, com isso, que as crianças não se enxergavam enquanto sujeitos
participantes na produção de cultura, pois, durante a realização de algumas atividades
propostas, apresentavam dificuldade em associar os espaços de cultura no bairro e
também de identificar práticas culturais que elas próprias realizam. Algumas crianças que
faziam a oficina, também participavam de outras oficinas de esporte ou artes, como vimos,
mas quando discutimos acerca da participação deles na produção de cultura local e de
atividades presentes no bairro, eles não mencionaram essas atividades. Esse elemento
também esteve presente nos trânsitos pelo bairro, mesmo as crianças já conhecerem os
espaços da Associação de Rendeiras, A sede da Associação Baiacu, o ateliê de um artista
plástico local, não faziam referências a produção de cultura que estavam imersos.
No entanto, a forma como as crianças demonstravam apropriação do território, era
na relação que estabeleciam com o espaço público do bairro. Evidenciaram, nos momentos
de trânsito pela região, o quanto percebem as transformações no bairro, em especial, no
que se refere a violência, o tráfico de drogas e a falta de segurança. Algumas tinham
histórias para contar em relação a esses elementos por conta de experiências de familiares
e de conhecidos ou por eles próprios terem vivido alguma situação, o que gerava uma
relação com o espaço marcada por certa tensão.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 230


De modo mais direto, esse aspecto foi denunciado por várias crianças na relação de
medo e de receio que demonstraram estabelecer com a escola maior do bairro, recusando-
se a, inclusive, entrar na escola (nossa proposta era de entrar para beber água e conhecer
o espaço rapidamente; já tínhamos a autorização da diretora da escola, que os recebeu
alegremente, uma vez que futuramente é provável que a maioria das crianças – dirigindo-se
ao ensino fundamental II - passe a frequentar essa Instituição). Para as crianças, naquele
espaço as situações de violência seriam evidentes, sendo que associavam o mesmo com
jovens ligados a violência e ao tráfico no bairro. Outra situação apareceu nas andanças por
alguns trechos do bairro em que duas crianças disseram não poder circular por certas ruas,
por conta de desavenças com certos grupos.
Além disso, a relação com a praia também aparece como uma referência importante
para estas crianças, mas frequentemente relacionadas a momentos de lazer, aos finais
de semana e ao verão. As ruas do bairro eram outro ponto de destaque na vivência
dessas crianças. Seja andando ou acessando os equipamentos de transporte público, elas
demonstravam compartilhar dos signos e linguagens próprias desse espaço social.
Em suma, destaca-se o quanto a cultura nasce através das ações humanas diante do
mundo e das respectivas significações atribuídas a estas ações. Neste sentido, o ser social
se desenvolve no processo de contato e significações dos elementos culturais existentes.
Este contato acontece dentro das relações intersubjetivas estabelecidas nos grupos
humanos, ou seja, os outros são mediações necessárias para a constituição humana na
medida em que promovem apropriação destes elementos culturais (PINO, 2005). A criança
e suas ações, portanto, não podem ser vistas como isoladas, uma vez que toda ação
humana, carregada de significados, produz ou reproduz cultura dentro de uma sociedade.
Desta forma, enquanto sujeito no mundo, a criança impulsiona modificações, tanto na sua
constituição subjetiva e singular, quanto na organização sociocultural da qual ela faz parte
(CASTRO, 2001).

3.3 O que anunciam sobre necessidades do bairro


Quando foi realizada a atividade relacionada às necessidades da cidade e do bairro,
num primeiro momento as crianças tiveram dificuldade de falar. Com a ajuda de um vídeo
que ilustrava características dos espaços públicos das cidades, num segundo momento,
apareceram falas caracterizando aspectos necessários para uma boa cidade, mostrando
que também nesse âmbito as crianças têm percepções convergentes com necessidades
da realidade social e cultural da qual participam. Apontaram a questão das placas de
identificação das ruas (umas das situações apresentadas no vídeo) e como ficavam altas e
de difícil leitura; problemas relacionados às condições das ruas e calçadas, pois é perigoso;
poluição do mar, pois é um local bastante utilizado como lazer pelas crianças e suas famílias.
Quando solicitadas a escrever de modo fictício uma carta ao prefeito com solicitações,
reiteraram esses aspectos e acrescentaram: a necessidade de parques e brinquedos; o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 231


cuidado e a manutenção da escola como responsabilidade da prefeitura, “mandar dinheiro
para a escola”, para a comida, material escolar, produtos ligados à higiene. Esta infância,
também ciente das lacunas do espaço que vive, quando reivindica necessidades a serem
atendidas no bairro, anunciam apropriação reflexivo-crítica da realidade e salientam o
quanto se constituem enredadas nessa materialidade que convoca responsabilidade e
cuidado sobre ela (CASTRO, 2001; SCHNEIDER, 2011).

3.4 O que as crianças apontam sobre suas infâncias: o consumo e as mídias


A natureza era um aspecto presente em todos os espaços de circulação das
crianças. Entretanto, apesar das possibilidades de contato com ela, as crianças também
anunciavam que ficar em casa implicava em prazeres de interesse, como: dormir, assistir
televisão e usar a internet com o computador/tablet/celular para jogar e usar o WhatsApp
para conversar com amigos. Algumas dessas crianças tinham por hábito jogar online,
consumir conteúdos de vídeos da plataforma Youtube e, especialmente, havia crianças que
possuíam canais nesse espaço e divulgavam aquilo que sabiam sobre certos jogos virtuais.
Essa relação com o espaço da casa e o uso das redes de tecnologia da informação,
demonstra uma das características da contemporaneidade, a qual submete as pessoas
há inúmeros estímulos e, que, muitas vezes, marcam contradições entre as relações
mediadas pelas tecnologias e as práticas de sociabilidades mais tradicionais. Com base
em La Pena e Orellana (2007), compreendemos a importância em observar não apenas o
acesso que se tem à tecnologia, mas o diferente uso que é feito dela e, sobretudo, o seu
significado na vida do sujeito. Na experiência da infância, o uso de aparelhos eletrônicos
e da internet, representam mais do que uma simples brincadeira; a tecnologia passou a
representar também a expressão cultural da infância.
Apesar da presença das brincadeiras tradicionais, o uso da tecnologia difundia-
se no cotidiano das crianças, também, para além do espaço familiar. Essa configuração
revela como a internet e as tecnologias têm marcado novas formas de subjetivação, pois a
velocidade das informações e a capacidade de transmissão de várias notícias são maiores.
Estas crianças, para além do espaço físico, estão inseridas também em um espaço e isto
impacta no processo de constituição, uma vez que a noção de tempo, espaço e distância
se transformam (PEREIRA JUNIOR, 2011).
Outro aspecto que permeia a vida dessas crianças é associado ao discutido acima,
o próprio consumo - de mídia, de alimentos, de brinquedos e de lazeres. As crianças
faziam muitas referências ao comprar, tanto nas conversas na escola em que algumas
crianças levavam balas, chicletes, balões, ostentando o fato de ter comprado e de poder
ou não distribuir aos colegas; nas andanças pelo bairro em que queriam levar dinheiro para
comprar algo (em geral guloseimas) nas vendas, e na própria indicação que fizeram sobre
formas de diversão, os lazeres programados como visitar o parque de diversões famoso na
região, o Beto Carrero, outros parques aquáticos, shoppings. Isso evidencia, o quanto essa

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 232


infância no bairro, que está submetida ao ritmo acelerado da urbanização, se constitui na
ânsia da sociedade do consumo também.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
As andanças pelo bairro, assim como as atividades na escola, proporcionaram a
estas crianças compartilhar os sentidos construídos em suas vivências e cultura de pares
sobre a realidade em volta: a natureza, escola, cultura, brincadeiras, espaços do bairro.
Em cada encontro e trânsito que fizemos junto com este grupo de crianças pelo bairro,
pudemos perceber que estas crianças reconhecem a escola como um lugar importante, que
possibilita o acesso à cultura e garante ser alguém na vida; demonstraram conhecimento
do espaço de seu bairro, destacando a relação com a natureza como central em suas
vivências; revelavam que o cotidiano vivido no bairro, escola, vizinhança e eventos locais
permitiam um sentimento de pertença, também revelado a partir de histórias acerca
de moradores locais. Por outro lado, manifestaram em suas conversas o quanto são
capturadas pelas mídias eletrônicas e pela ânsia pelo consumo e pelos lazeres prontos.
Esses achados assinalam o quanto aquelas crianças estavam inseriam-se em uma cultura
universal, associada ao alcance das tecnologias e, sobretudo, nos espaços de seu bairro
e cultura local, que era permitido pelo fato das famílias viverem há muito tempo no bairro e
pelo incentivo da escola. Isso nos dá margem para ampliar discussões e pesquisas sobre
as noções de participação infantil e de comunidade.
Em suas falas, estas crianças muito comunicavam sobre características de suas
experiências de infância na contemporaneidade, em especial neste território localizado
no município de Florianópolis. Sobremaneira, pela efervescência de seus movimentos e
das brincadeiras que, constantemente, nos solicitaram presença e nos convidam a brincar
também, estas crianças demonstravam que a identificação do ser criança que faziam, tinha
associação direta entre a criança e o brincar. No acontecimento que é a infância, ignorar
o tanto de significações que são expressas na brincadeira, tornaria a oficina etnográfica
que construímos mais desinvestida daquilo que pulsava para estas crianças e reduziria as
possibilidades de compreender o que as crianças comunicam em ato.
Diante dessa trama, percebemos o quanto a constituição desse grupo coaduna com
uma identidade social do bairro – de famílias nativas e populares, do contato com paisagens
históricas e culturais, dos espaços de arte e incentivo à arte, como a Associação Baiacu de
Alguém; de aspectos urbanos como a circulação de transportes; de articulações sobre o
que viam do tráfico, violência e segurança e, especialmente, nos comunicaram a presença
significativa de relações de consumo. Todos estes aspectos evidenciam o quanto as linhas
de mediação entre crianças e seus pares e crianças e adultos de seu convívio, sedimenta
um pertencimento à cultura local. Visto que, dessa forma se pode ampliar as possibilidades
de laço social com a cidade e as percepções mais incorporadas pelas crianças sobre o que

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 233


significa a criança participar da cultura, produzir cultura e estar consciente da realidade
local.

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dez. 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v7n2/v7n2a15. Acesso em: 05 de nov. 2020.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 18 235


CAPÍTULO 19
doi
“DE QUEM É A CULPA?” FATORES DE RISCOS
DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA PARA O
DESENVOLVIMENTO DO TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTISSOCIAL

Data de aceite: 01/02/2021 antissocial; descrever os fatores de proteção da


Data de submissão: 06/12/2020 infância e da adolescência. O método utilizado
foi: revisão sistemática, natureza qualitativa, com
busca de dados nas bases BVS Psi, Medline
(National Library of Medicine), via PubMed, Lilacs
Yloma Fernanda de Oliveira Rocha
(Literatura Latino Americana), artigos, teses,
Faculdade de Ensino Superior do Piauí-FAESPI
dissertações e livros, publicados entre 2014 a
Teresina-Piauí
http://lattes.cnpq.br/4060270504740614 2020. Assim, os resultados que fizeram parte
do escopo dessa revisão foram doze artigos,
Élida da Costa Monção três livros e uma dissertação, preencheram os
Faculdade de Ensino Superior do Piauí-FAESPI critérios de seleção. Os resultados evidenciaram
Teresina-Piauí que não é apenas um fator que pré-determina
http://lattes.cnpq.br/8896274642667074 o desenvolvimento do transtorno, mas, a
Ruth Raquel Soares de Farias intensidade, tempo, formas, predisposições
Faculdade de Ensino Superior do Piauí-FAESPI biológicas e fase em que surgem, são subsídios
Teresina-Piauí para o desenvolvimento do Transtorno. As
http://lattes.cnpq.br/7546441925505076 principais conclusões do estudo denotaram que
cada sujeito vivencia distintamente situações
estressoras, sendo determinado o impacto. Os
fatores de proteção buscam ir ao encontro do
RESUMO: A literatura aponta como fatores de impacto dos riscos para proporcionar formas de
riscos para o desenvolvimento de Transtorno resoluções das vivências diárias, minimizando
de Personalidade Antissocial-TPA, variáveis as possibilidades de desenvolvimento de
nos aspectos sociais, culturais, familiares, transtornos.
educacionais, biológicos e comunitários, que PALAVRAS-CHAVE: Predisposição,
ameaçam o desenvolvimento saudável na Tratamentos, Terapia, Diagnóstico.
infância e adolescência. Tem-se como objetivo
geral: investigar os fatores de riscos da infância ABSTRACT: The literature points out as
e adolescência para o desenvolvimento do risk factors for the development of Antisocial
Transtorno de Personalidade Antissocial. Personality Disorder-TPA, which vary in social,
Elencou-se como objetivos específicos: cultural, family, educational, biological and
compreender os comportamentos da infância community aspects, which threaten healthy
e adolescência de pessoas com Transtorno de development in childhood and adolescence.
Personalidade Antissocial; verificar se fez uso de The general objective is to investigate the risk
tratamentos terapêuticos; descrever o impacto factors of childhood and adolescence for the
dos fatores de riscos na esfera subjacentes para o development of Antisocial Personality Disorder.
desenvolvimento do transtorno de personalidade Specific objectives were listed: to understand the

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 236


childhood and adolescence behaviors of people with Antisocial Personality Disorder; check if
you used therapeutic treatments; describe the impact of risk factors on the underlying sphere for
the development of antisocial personality disorder; describe the protective factors of childhood
and adolescence. The method used was: systematic review, qualitative in nature, with search
for data in the VHL Psi, Medline (National Library of Medicine) databases, via PubMed, Lilacs
(Latin American Literature), articles, theses, dissertations and books, published between 2014
to 2020. Thus, the results that were part of the scope of this review were twelve articles, two
books and a dissertation, fulfilled the selection criteria. The results showed that it is not just
a factor that pre-determines the development of the disorder, but the intensity, time, forms,
biological predispositions and stage in which they arise, are subsidies for the development
of the disorder. The main conclusions of the study showed that each subject experiences
stressful situations distinctly, the impact being determined. The protective factors seek to meet
the impact of risks in order to provide ways of resolving daily experiences, minimizing the
possibilities of developing disorders.
KEYWORDS: Predisposition, Treatments, Therapy, Diagnosis.

1 | INTRODUÇÃO
Fatores de riscos podem ser conceituados como a existência de variáveis
populacionais e individuais, envolvendo o comportamento humano ou seus desvios
(negligência, abuso ou violência), que poderiam ser intervindas ou observadas anteriormente
ao desenvolvimento dos transtornos, em especial o Transtorno de Personalidade Antissocial-
TPAS (SZCZERBACKIL, 2012).
Assim, fatores de risco são fatores de natureza biológica (individuais) ou
psicossociais, que se relacionam com eventos negativos de vida, incluindo a infância e
a adolescência e, quando presentes, aumentam a probabilidade da pessoa apresentar
problemas físicos, sociais ou emocionais ameaçando o desenvolvimento saudável do
sujeito, em uma fase peculiar (infância e adolescência) para inserção na fase adulta. Dentro
do modelo bioecológico, estes fatores são analisados não de forma isolada e independente,
mas sim a partir de uma perspectiva, na qual estas questões estão interrelacionadas dentro
de cada contexto da vida. Deve ser considerado a forma que o sujeito enfrentará uma
situação estressora, do contexto em que aconteceu o fenômeno, a sua rede de apoio, suas
características individuais e o momento em que está passando no seu desenvolvimento
(POLETTO; KOLLER, 2008).
Ademais, deve-se considerar o tempo, lugar, espaço e intensidade dos fatores de
riscos. A não existência de fatores de proteção, intensifica a probabilidade dos sujeitos
desenvolverem padrões de conduta deturpados. As condições socioculturais podem ser
fatores de riscos desencadeantes para o cometimento de ações transgressoras, como morar
e viver em ambientes de conflito familiar, sem perspectiva futura de trabalho (DELLECAVE;
BARBOZA, 2018).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 237


Dessa forma, Transtorno de Personalidade Antissocial é caracterizado por
anormalidades emocionais e comportamentais. As características mais comuns são: encanto
superficial; ausência de delírios e outros sinais de alterações do pensamento, mas com
impacto no comportamento; ausência de manifestações “neuróticas”; irresponsabilidade;
mentira e falta de sinceridade; falta de remorso ou vergonha; comportamento antissocial
sem constrangimento aparente; senso crítico falho e deficiência na capacidade de aprender
pela experiência. Egocentrismo patológico e incapacidade de amar; pobreza geral de
reações afetivas; indiferença em relações interpessoais gerais; dificuldade em seguir
qualquer plano de vida. Esses indivíduos geralmente não temem a punição e caracterizam
um grupo de jovens com um potencial grave para o padrão de comportamento violento
(VASCONCELLOS, 2014).
Portanto, com base no exposto, para se fechar o diagnóstico, inúmeros são os
critérios, entre eles o uso de escalas para mensurar os riscos de psicopatia, que podem
variar de acordo com o local de aplicação e do nível sociocultural dos indivíduos. Ademais,
observam-se fatores ambientais nos estudos, que podem, se configurar como fatores
de riscos e de proteção e que poderiam sofrer influência de ações preventivas quando
devidamente identificadas e abordadas, como seria o exemplo de terapias. Dentre fatores
ambientais de riscos, pode-se destacar um ambiente familiar violento, negligência parental,
abuso emocional e físico, abusa de substâncias por parte dos pais, influência de grupos
escolares e da comunidade (CHALUB, 2015).
Nesse ínterim, a possibilidade de prevenir doenças mentais ainda é limitada devido
às próprias dificuldades conceituais e etiológicas, envolvendo os diagnósticos psiquiátricos
e sua estabilidade ao longo dos anos. Para os transtornos de personalidade, os estudos
observam principalmente uma maior estabilidade dos traços do que do diagnóstico em
si ao longo do tempo, haja vista que é um diagnóstico que necessita de análise clínica
embasada em distintos tipos de testes (MECLER, 2015). Na práxis, acerca de estudos de
casos e leituras, sabe-se que muitos delitos e/ou crimes são cometidos por pessoas que
possuem tal diagnóstico, não querendo minimizar as causas e nem tampouco justificá-las
por meio de diagnósticos ou laudos.Estudar os fatores de risco para o estabelecimento do
diagnóstico é conhecer o contexto sob uma égide mais real, despertando senso crítico,
abandonando senso comum acerca do tratamento para com o sujeito com transtorno.
Assim, vislumbra-se a complexidade sobre fatores de riscos, podendo subsidiar reflexões
acerca de intervenções para maximização dos fatores de proteção.
Sob essa perspectiva, o estudo subsidia para a sociedade, em especial no âmbito
clínico, a preocupação acerca dos cuidados para com os fatores de proteção durante a
infância e a adolescência, em que esses devem superar os fatores de riscos, bem como
sua intensidade e formas de permanência que proporcionam impacto no desenvolvimento
de transtornos de comportamento e de personalidade. Vale ressaltar que o estudo não

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 238


evidencia fatores de risco apenas subjacentes a questões sociais, mas todas as esferas
que corroboram o sujeito como biopsicossocial.
Espera-se, assim, que a presente pesquisa contribua à literatura que trata acerca
dos transtornos de personalidade, em especial o Antissocial, bem como esclarecendo
indagações que permeiam esse contexto dotado de distorções sociais. Vale ressaltar
ainda a contribuição acerca da produção de informações sobre a problemática no sistema
prisional e o tratamento para com a referida demanda, e a elaboração, implementação de
Políticas Públicas necessárias ao atendimento desse segmento social.
Com base no exposto, o estudo teve como objetivo geral: Investigar os fatores de
risco da infância e adolescência para o desenvolvimento do Transtorno de Personalidade
Antissocial.Elencou-se como objetivos específicos: compreender os comportamentos da
infância e adolescência de pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial; verificar
se fez uso de tratamentos terapêuticos durante a vida; descrever o impacto dos fatores
de riscos na esfera subjacentes para o desenvolvimento do transtorno de personalidade
antissocial; descrever os fatores de proteção da infância e da adolescência.
Ademais, o estudo visou discutir os comportamentos e as variáveis envolvidas,
com base na literatura prévia, com enfoque na infância e adolescência, atentando para
pontos sociais que influenciam no processo de fechamento de diagnóstico do Transtorno
de Personalidade Antissocial.

2 | MÉTODO
O referido estudo é do tipo revisão sistemática, descritiva, que, justifica-se pela
natureza qualitativa, que se embasa em uma análise reflexiva, crítica e compreensiva
acerca dos materiais coletados, que fazem uso de dados qualitativos. Sob esse prisma,
a metodologia acerca da revisão sistemática foi escolhida pelo fato de se minimizar os
distintos vieses presentes em uma pesquisa, haja vista que a revisão sistemática minimiza
“o viés acerca da tendência de supervalorizar estudos que estejam de acordo com nossas
hipóteses iniciais e ignorar estudos que apontem para outras perspectivas” (KOLER et al.,
2014, p. 56).
Nesse sentido, para uma melhor organização da pesquisa, dividiu-se em oito etapas
fundamentadas conforme Akobeng (2014): a primeira etapa constituiu-se por delimitação do
tema, por ordem de afinidade de estudos e não incipiência de literatura. Já a segunda etapa
foi formada pela escolha das fontes de dados que foram: BVS Psi, Medline (Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online) via PubMed, Lilacs (Literatura LatinoAmericana e do
Caribe em Ciências da Saúde), dissertações, teses e livros.A terceira etapa foi a eleição
das palavras-chave como descritores para a busca, que foram fatores de risco, fatores de
proteção, transtornos, personalidade, antissocial, tratamentos. No que tange a quarta etapa
foi realizado a busca e armazenamento dos resultados da terceira etapa, utilizando-se o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 239


Mendeley para armazenar os resultados encontrados. A quinta etapa foi substanciada pela
seleção de livros, artigos pelo resumo, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão.
Assim, os critérios de inclusão estabelecidos foram artigos, teses, livros, dissertações
acerca do tema, publicados entre 2014 a 2020. O período delimitado para esse estudo
foi com o objetivo de abranger dados e produções mais atualizadas, considerando novas
pesquisas acerca do tema e utilizando-se palavras chaves ou descritores aqui elencados.
Vale ressaltar que foram considerados estudos de anos anteriores no que tange teorias
promulgadas. Com relação aos critérios de exclusão, foram de pesquisas duplicadas e que
não correspondem aos critérios de inclusão.
Na sexta etapa realizou-se a extração dos dados dos artigos selecionados, com
base nos objetivos da pesquisa. Já a sétima etapa avaliou-se todos os artigos que foram
selecionados para se realizar a síntese e interpretação dos dados, por ordem de semelhança
de assuntos congruentes com a pesquisa, configurando a última etapa do presente estudo.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram identificados 34 artigos, com base nos descritores da pesquisa, e publicados
nos últimos cinco anos, dos quais doze fizeram parte do escopo dessa revisão. Ademais,
01 dissertação e 03 livros, se adequaram aos critérios de inclusão denotados no referido
método, e conforme ilustrado no fluxograma (Figura 01).
Ainda com relação à seleção, ressalta-se a exclusão de contagem acerca da
duplicação de publicações. A maioria dos estudos apresentaram resultados em que
denotaram que os comportamentos antissociais têm sua origem na infância devido
a múltiplas variáveis que podem contribuir para a produção desses comportamentos
(violência familiar, problemas escolares, neurológicos, entre outros), bem como que está
mais presentes em sujeitos do sexo masculino. Essas variáveis são denominadas de
fatores de riscos, como já foi apresentado no referido estudo (SILVEIRA, et al.2015).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 240


Figura 01: Fluxograma do processo de seleção dos dados para análise conforme critérios de
inclusão e exclusão.
Fonte: Próprio Autor, 2020

Após a realização do referido fluxograma, segue uma tabela (Tabela 01) que
descreve as relevantes características e os resultados dos estudos revisados. Após
seleção, descrição e análises, os conteúdos foram agrupados na formulação de quatro
categorias amplas, embasadas nos objetivos do estudo, sendo estas denominadas: 1)
Comportamentos na infância e adolescência de sujeitos com Transtorno de Personalidade
Antissocial; 2)Tipos de tratamentos realizados na infância e adolescência; 3)Impacto
dos fatores de riscos nas esferas subjacentes; 4) Fatores de proteção na infância e
adolescência que podem minimizar o desenvolvimento do Transtorno de Personalidade
Antissocial. Assim, as referidas categorias denotam o desfecho acerca dos fatores de
riscos que subsidiam o desenvolvimento do Transtorno em debate, haja vista que inúmeras
são variáveis relacionadas a fatores de riscos.
As categorias foram criadas considerando e dividindo os assuntos tratados durante
a pesquisa. Cada categoria foi analisada e dividida em consonância com os objetivos
específicos do estudo. Evitou-se categorias amplas, -embora sejam lineares-, haja vista
que as referidas perdem a homogeneidade do seu conteúdo, e podem subsidiar análises
muito diferentes, perdendo o significado substancial do estudo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 241


VARIÁVEIS
AUTOR ANO OBJETIVO METODOLOGIA
RELACIONADAS
COELHO, I. C., 2020 Caracterizar os fatores Estudo comparativo, com Fatores de riscos tendem a
et al. de riscos para ocorrência análise de documentos se acumular com a idade.
do comportamento para avaliação de
antissocial, com diferença risco precoce de
entre rapazes e garotas. comportamentos
antissociais.
ESTEVES, G.G.L. 2018 Caracterizar fatores de Pesquisa de campo com Perfil divergente indicando
et al. risco, para psicopatia, 48 detentos baixa hostilidade, psicopatia
em detentos brasileiros. do sexo masculino, em primária.
regime fechado de uma
unidade prisional.
HUBNER, C.V.K. 2018 Analisar um caso de Estudo de caso em uma O paciente preenche critérios
et al. TPA que chegou sem enfermaria do Hospital diagnósticos de TPA
diagnóstico prévio ao Psiquiátrico por conta da sua
Hospital Psiquiátrico incapacidade de se adaptar
às normas sociais.
HERRERA- 2017 Refletir sobre o papel da Pesquisa bibliográfica O conhecimento do TPA na
GÓMEZ, A.L. sociedade na prevenção, sociedade
inclusão e tratamento de subsidiaria melhorias para
pacientes prevenção, o
com TPA. diagnóstico e o atendimento
integral.
CONSOLI, C.G. 2017 Identificar elementos que Pesquisa Bibliográfica Fatores biológicos e
predispõem um indivíduo ambientais podem
ao comportamento influenciar, de maneira
antissocial. negativa, o desenvolvimento
do sujeito.
SOARES, V.M.S. 2017 Descrever o TPA, Pesquisa bibliográfica O TPA se manifesta em
et al. com evidência em seu graus distintos, que pode
diagnóstico e alguns tipos surgir na infância ou na
de tratamento. adolescência e permanecer
durante a vida adulta.
STEFANO, L.B. 2016 Analisar o contexto Pesquisa bibliográfica O ordenamento jurídico
jurídico brasileiro e da deveria utilizar da escala
saúde sobre pessoas com PCL-R como forma de
TPA proteção social.
MORGADO, A.M. 2016 Estudar as relações entre Aplicação de escalas e Diferenças significativas
et al. comportamento antissocial inventários entre os sexos.
e características numa
amostra ocasional de 489
adolescentes
SCARPARO, M.O. 2016 Investigar o Avaliação de adolescentes, Os adolescentes vítimas de
comportamento social de com aplicação de maus-tratos apresentaram
adolescentes através de inventários, escalas e maior intensidade de traços
comparações de suas questionários. psicopáticos e mais déficits
habilidades com grupo de (Dissertação de mestrado) de habilidades sociais.
controle.
SILVA, C.Y.G.S.; 2015 Refletir sobre a Análise de Encontraram-se três
MILANI, R.G. tendência antissocial no Conteúdo de letras de categorias: a falha ambiental
adolescente/jovem, músicas brasileiras de Rap como princípio para a
por meio da análise do tendência
conteúdo de letras de antissocial, e essa enquanto
músicas, como o Rap. esperança de reparação, e o
rap para além
da música.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 242


SILVEIRA, K.S.S. 2015 Estudar elementos que Pesquisa bibliográfica Acredita-se que quanto mais
et al. possibilitem diferenciar cedo os comportamentos
os comportamentos antissociais persistentes são
antissociais transitórios identificados, maiores são
dos persistentes. as chances de sucesso nos
tratamentos.
DIAS, C. et al. 2014 Avaliar autorreferências Aplicação de Foram encontradas
de condutas antissociais e Escala de Condutas diferenças significativas, para
delitivas Antissociais e delitivas, maior, nos meninos
em adolescentes análise descritiva e
inferencial dos dados.
VASCONCELOS, 2014 Realizar Pesquisa bibliográfica Uso de métodos
S.J.L. et al. uma revisão sistemática não convergentes sugerem
entre 1975 e 2013, sobre que o TPA está relacionado
essa a déficits no reconhecimento
temática. de emoções negativas.

Tabela 01: Síntese das relevantes características dos estudos retidos


Fonte: Próprio Autor, 2020.

Com base nos estudos selecionados, sugere-se que, quando os fatores de riscos
surgirem apenas na adolescência, subsidia menores chances de desenvolver Transtorno
de Personalidade Antissocial, haja vista que o tempo e duração dos fatores de riscos
podem ser menores. Porém, isso não é regra, haja vista que deve-se considerar as
variáveis envolvidas no processo (SILVEIRA, et al. 2015). Nesse contexto, e considerando
os objetivos, as distintas variáveis e os achados, as categorias colocam que:

3.1 Comportamentos na infância e adolescência de sujeitos com transtorno


de personalidade antissocial
Nessa categoria foram expostos estudos que descreve os tipos de padrões de
comportamentos que estiveram presentes na infância e adolescência de pessoas com
TPAS. O estudo de Silveira, et al. (2015) primeiro contextualiza que padrões de violação
de normas sociais são comuns a diversos transtornos descritos no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 (APA, 2013), como exemplo tem-se Transtorno de
Conduta (TC), do Transtorno Desafiador-Opositivo (TDO) e do Transtorno da Personalidade
Antissocial (TPAS), que são denotados pelos comportamentos transgressores. Assim,
esses comportamentos descritos e diagnosticados, quando não tratados subsidiam o
desenvolvimento de outros Transtornos.
Assim, Dias (2014) complementa que de forma geral, comportamentos desviantes
e antissociais são aquelas condutas de desvio às normas e expectativas sociais, como
ações que rompem regras e acordos sociais sem que o comportamento, necessariamente,
constitua-se como uma infração prevista por lei.
Com base nos estudos coletados, bem como nas prévias leituras, conota-se que
existem evidências que comprovam que os traços e comportamentos antissociais nas

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 243


etapas iniciais do desenvolvimento, como infância e adolescência podem ser preditores de
personalidade antissocial na vida adulta.
Hubner (2018) destaca que comportamentos que versam sobre agressão física,
oposição, transgressão de regras, roubo e vandalismo podem ser observados no
desenvolvimento comum e tendem a diminuir a frequência com o amadurecimento cerebral
e a transição para a vida adulta, com base em intervenções mediadoras sobre essas ações.
Porém, quando esses comportamentos se apresentam de forma persistente e intensa
podem caracterizar diversos tipos de transtornos de conduta ou opositivo desafiador, que
caso se estenderem, podem descrever critérios diagnósticos para um TPAS. Assim, as
características marcantes de pessoas com o transtorno, como a falta de remorso após um
delito, podem também estarem presentes na fase da adolescência.
Em estudos longitudinais, ou de coorte, constatou-se na infância e da adolescência
comportamentos, que evoluíram para o fechamento do TPAS, como: maltratos a animais,
brigas entre os pares, mentiras, gosto constante por trapacear durante as brincadeiras e
jogos, agressões físicas e verbais, afinidades em realizar transgressões com os considerados
mais frágeis, uso e abuso de drogas, que podem aparecer apenas na adolescência. Não
obstante, todos esses comportamentos somados a um contexto socioemocional conflituoso,
negligente são preditores de TPAS. Hubner (2018, p. 08) ainda expõe que “embora não
haja citação na literatura de que Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)
seja um diagnóstico diferencial para Transtorno de Personalidade antissocial, eles podem
aparecer concomitantemente, como mencionado em alguns estudos longitudinais”.
Ressalta-se que o diagnóstico de TPAS é fechado quando não há deficiência mental,
esquizofrenias e manias. Assim, como a construção da personalidade ocorre nos primeiros
anos de vida, as emoções que envolvem sentimentos de culpa também são delineadas nesse
momento. Dessa forma, a estrutura identitária está vinculada à criança e o adulto cuidador
que é sua referência (CONSOLI, 2017). Foi revelado no que tange aos comportamentos
nas referidas fases que, na adolescência, podem ser observados alguns comportamentos
antissociais transitórios, como rebeldia, contos de mentiras, alterações comportamentais,
impulsividade, que podem ser considerados como parte do desenvolvimento e da própria
fase do adolescente ao serem comparados com comportamentos patológicos, como
TC, TDO e TPAS observados em adultos. Sob esse contexto, esses comportamentos
antissociais transitórios muitas vezes podem desaparecer quando os indivíduos chegam
à fase adulta e podem estar relacionados com aspectos do processo de desenvolvimento
durante a adolescência, como a necessidade de aceitação entre pares, necessidade de
autoafirmação, novas responsabilidades, experimentar o novo e dificuldade de controlar
impulsos devido a imaturidade de zonas cerebrais (SILVEIRA, et al. 2015).
Vale enfatizar que alguns estudos citam que problemas de externalização e
antissociais podem estar presentes desde a infância, e que muitos padrões e estabilidade
de comportamentos são adquiridos nessa fase, desde os primeiros anos de vida, podem ser

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 244


indicadores de comportamentos persistentes, necessitando de continuas observações nas
causas e consequências dos comportamentos infantis (DIAS, 2014). Entretanto, padrões
de comportamentos transgressores ou pró-sociais desde a infância podem ser alterados,
considerando todas as outras variáveis da vida da criança ou do adolescente, como maus-
tratos, negligência, abusos, bullyng entre outros, considerando predisposições genéticas.
Porém, quanto mais tempo o sujeito estar exposto a fatores de riscos mais probabilidade
de sedimentar comportamentos antissociais terá.
Já Silva e Milani (2015, p. 10) coloca que comportamentos transgressores
movimentam distintas figuras de autoridades existentes no meio da criança ou do adolescente
para assim, “agirem no sentido de contê-lo externamente, auxiliando consequentemente no
controle interno”. Assim, a criança e o adolescente com comportamento antissocial denota
a busca por um reparo do contexto o qual está inserido acerca de sua privação em alguma
instância da vida, em especial privações emocionais. Ademais, com base nos estudos
selecionados os comportamentos desadaptativos são reflexos da intensidade e da forma
das frustrações vivenciadas nas referidas fases. Estudar, analisar e intervir na primeira
infância dos indivíduos e suas figuras parentais, configuram como subsídios para o não
desenvolvimento de traços antissociais.
3.2 Tipos de tratamentos realizados na infância e adolescência
Na referida categoria foram incluídos estudos que confirmam que os tratamentos
realizados durante a infância e ou adolescência frente a efetivação de padrões de
comportamentos disruptivos, subsidiam a minimização de permanência destes, fazendo
reparações, bem como denota a significância desses no não desenvolvimento de futuros
transtornos na fase adulta. Nesse contexto, Scarparo (2016), em suas pesquisas coloca
que um dos tratamentos mais sugestivos seria a psicoterapia nos casos de Transtornos
de Comportamentos na infância ou adolescência-lembrando que existem distintos tipos
de transtornos-. Nesse contexto, a psicoterapia também pode ser um facilitador para
proporcionar a continuidade saudável do desenvolvimento socioemocional da criança e do
adolescente, por meio de experiências e técnicas que possibilitem certa compreensão da
realidade, integração da personalidade, mediar a baixa tolerância a frustrações, trabalhar
as funções de autorregulação e as adaptações a ambientes. Vale ressaltar que pesquisas
mostram que dependendo do comportamento e/ou transtorno da infância, como Transtorno
do Déficit de Atenção/Hiperatividade-TDAH, Transtorno Opositivo Desafiador-TOD, e
ou Transtornos de Conduta, o uso de fármacos aliada a terapia, subsidia melhoras nos
comportamentos, relacionados a esses transtornos, que se não tratados podem evoluir
para outros configurados como transtornos de personalidade (HERRERA-GOMEZ; 2017).
Dessa forma, vale ressaltar que a Intervenção medicamentosa também pode
oferecer resultados positivos, embora não haja drogas específicas para o tratamento,
de TPA, mas sim para as questões comportamentais que se apresentam anteriormente

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 245


(SOARES, 2017).Entretanto, com base nos estudos revisados coletou-se que a maioria
das pessoas que desenvolveram o referido Transtorno, não tiveram oportunidades de
realizar tratamentos durante a infância e adolescência, haja vista que os fatores de riscos,
sobrepuseram os de proteção, em especial a negligência familiar. Relatos nos estudos
colocam ainda que os sujeitos que tiveram contato com algum tipo de tratamento, foram
os sujeitos que cumpriram algum tipo de medida socioeducativa, ou que ficaram por algum
tempo resguardados da justiça, ou que passaram por abrigos, após quebra de vínculo
familiar. Nesse caso, o tratamento como fator de proteção não foi suficiente para o não
desenvolvimento do transtorno, que envolve outras variáveis, como pais alcoolistas, mães
deprimidas. Todas essas variáveis devem ser trabalhadas nos tratamentos terapêuticos,
para capacitar o sujeito a lidar com as intercorrências que poderão ocorrer na vida
(SCARPARO, 2016).
Outro estudo, realizado na Europa coloca que as terapias para crianças e
adolescentes que já apresentam comportamentos inadequados, devem ser embasadas
no ensino e manejo acerca de valores e códigos de convivência social, com reforços
positivos, manejo da raiva, terapias familiares. Assim, pode-se evitar a consolidação de um
Transtorno de Personalidade Antissocial na vida adulta, porém, não é considerado regra
(HERRERA-GOMEZ, 2017).
Reafirma-se com base na pesquisa que foram descritas intervenção
comportamentais acerca do favorecimento no treinamento de habilidades socioemocionais
e desenvolvimento de uma personalidade mais adaptável ao meio. Entretanto, os estudos
e vislumbramentos na área ainda são incipientes (SCARPARO, 2016).
Sob esse contexto, Soares (2017), coloca ainda que como as pessoas com
Transtorno de Personalidade Antissocial, não apresentam de forma prévia e nem situacional,
sintomas como depressão e alucinações, terminam não sendo levantadas hipóteses, e,
por conseguinte não são encaminhados para tratamento. Os tratamentos são diversos,
quanto mais precoce começados e quanto mais novo o paciente, mais satisfatórios serão
os resultados, sendo relevante intervenções simultâneas e complementárias a longo prazo
(SOARES, 2017).
3.3 Impacto dos fatores de riscos nas esferas subjacentes
Nessa categoria foram inclusos estudos que tratam do impacto dos fatores de
riscos nos distintos âmbitos da vida do sujeito. Entretanto, Beck, et al. (2017) afirma que
faz necessário dividir os fatores de riscos e seus conceitos. Dessa forma, estabelece-
se uma distinção acerca dos fatores de riscos. Os mesmos podem ser divididos em
estáticos e dinâmicos. Os fatores estáticos se configuram como aqueles imutáveis, tais
como comportamentos disruptivos ou até criminais prévios. Os fatores de riscos dinâmicos
são relacionados a aqueles que podem ser alterados, como exemplo uso de substâncias
psicoativas, e amizades.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 246


Assim, Silveira et al. (2015) colocou que para o desenvolvimento de comportamentos
antissociais persistentes, existem aspectos relacionados a origem em déficits
neuropsicológicos (funções cognitivas e executivas), predisposições genéticas, problemas
neurológicos, que podem ter origem desde o período pré-natal, como má nutrição e/ou uso e
abuso de substâncias psicoativas pela mãe durante a gestação. Dessa forma, os problemas
neurológicos resultam em irritabilidade, déficits de atenção, presença de hiperatividade,
impulsividade, dificuldades de aprendizagem ou alguma outra psicopatologia. Essas
características, somadas a ambientes desfavoráveis, dotados de conflitos e maus-tratos,
bem como problemas socioeconômicos, falta de apoio parental, pais negligentes, ausentes,
permissivos, usuários de drogas, são os fatores de riscos que facilitam a origem de
comportamentos antissociais na infância e sua persistência na fase adulta. Ademais, vale
ressaltar que existem comportamentos antissociais limitados à adolescência, por sua vez,
podem estar associados apenas ao desejo de obter bens materiais, status, necessidade de
se autoafirmar, sentimento de pertença e a forte influência dos pares.
Ainda no aspecto neurobiológico, foram encontrados estudos que mostram que os
lobos frontais possuem influência nos comportamentos dos sujeitos sociais e morais. Sob
essa perspectiva neurobiológica cabe colocar com base nos achados clínicos que transtorno
da personalidade antissocial é mais comumente encontrado em pessoas cujos parentes
biológicos em primeiro grau também possuem o transtorno, em relação à população em
geral, denotando o arcabouço acerca da predisposição genética. Além disso, parentes
de pessoas com esse transtorno possuem mais chances de desenvolver comorbidades,
como os relacionados à dependência de substâncias psicoativas, mais frequentemente
identificado em homens, e à somatização, mais comum em mulheres (CONSOLI, 2017).
O resultado do referido estudo revelou ainda que,” os indivíduos adotados, cujos pais
biológicos possuíam vastos históricos criminais, acabaram por apresentar também um
maior número de transgressões e condenações, é uma demonstração muito clara de que a
herança genética do indivíduo o predispõe ao crime”(RAINE, 2015, p.07). Dessa forma, com
base nas questões genéticas e neurobiológicas, os cuidados acerca dos fatores ambientais
devem ser redobrados, os mesmos devem sobrepor os riscos, protegendo o sujeito de
desenvolvimento de distintos tipos de transtornos comportamentais ou de personalidade
(COELHO, et al., 2020).
Ademais, a pesquisa proporcionou achados acerca de estudos longitudinais,
com grupo controle em que investigou forte potencial de risco para entre a relação do
diagnóstico de TPAS e a vivência de maus-tratos na infância, bem como scores baixos com
relação ao desenvolvimento cognitivo, em que o Quociente de Inteligência-QI com escores
mais baixos podem ser indicadores de comportamentos antissociais persistentes, que se
prolongam para a vida adulta. O referido estudo denota ainda que não é regra acordar que
pessoas com TPAS, são consideradas inteligentes, haja vista que existem variáveis acerca
do conceito de inteligência (SCARPARO, 2016).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 247


Outro fator de risco encontrado na pesquisa ainda acerca da relação desenvolvimento
neurocognitivo e o TPAS na fase adulta, foi avaliação de déficits na expressão facial,
falta de sensibilidade, empatia e reconhecimento de emoções primárias desde a infância
(MORGADO; DIAS, 2016).
O TDAH, também foi delineado em alguns estudos como: quando presente desde
a infância, também foi considerado como fator de risco para comportamentos antissociais
na fase adulta, somada a outros riscos (VASCONCELLOS, et al. 2014). Assim, Silveira, et
al. (2015), adicionou outro fator de risco como comportamentos sexuais prejudiciais, com
generalidade de adoção de outros padrões de comportamentos arriscados. Nesse contexto,
ele sintetizou a existência de evidências da relação de persistência dos comportamentos
antissociais com variáveis pessoais na infância, considerando intrínseca nesse contexto os
problemas de aprendizagem, psicopatologia, TDAH e baixo QI.
No que tange os aspectos contextuais acerca dos fatores de risco para o Transtorno,
inclui-se violência familiar, negligência familiar, permissividade familiar e escolar, problemas
escolares, falta de acompanhamento parental, abusos sexuais, uso e abuso de substancias
psicoativas por parte dos pais e/ou comunidade (SILVEIRA, et al., 2015)
Questões emocionais conflituosas vivenciadas na infância e não reparadas, subsidia
o encontro de efetivação de transgressões sociais, como formas de enfrentamento, precursor
de comportamento antissocial. Esse contexto é proposto pelos estudos como processo que
concebe quatro fases. A primeira fase é aprender um padrão de comportamento como
produto de práticas parentais negativas durante a infância. A segunda fase é concernente
ao período escolar, em que os padrões de comportamentos transgressores, disruptivos são
generalizados a outros ambientes, como escola e a dificuldade de estabelecer relações
satisfatórias para a aprendizagem de distintas habilidades sociais e conceituais. A terceira
fase é a busca por pares os quais se identifica, para estabelecer sentimentos de aceitação
e pertença social, ultrapassando o ambiente escolar. A quarta fase é estabelecida na
fase adulta, com estabelecimento de comportamentos antissociais persistentes, já
aqui elencados, tornando-se também comportamentos criminosos. Vale ressaltar que
manifestação de comportamento antissocial na adolescência se movimenta de forma
esporádica e persistente, necessitando de intervenções urgentes, com o fito de surgir
novos interesses sociais produtivos (ESTEVES, 2018).
No que tange à família, a referida foi apontada nos estudos como fatores de riscos,
na infância, em especial na adolescência, com adolescentes considerados à margem
social. Figuras parentais fragilizadas, ambiente desfavorável, ausência da figura do pai,
como subsídio estabelecedor e organizador do sujeito são elencados como fatores de
riscos, somados a um outro dado mostrado em pesquisas “ser do sexo masculino, receber
cuidados maternos e paternos inadequados, viver em meio à discórdia conjugal, ser criado
por pais agressivos e violentos, ter mãe com problemas de saúde” (SILVA; MILANI, 2015,
p.13).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 248


Nas demais pesquisas ainda relacionadas à família, vislumbrou-se que a escola
poderia ser um fator de proteção, pois evitaria esse jovem evadir-se, cometer delito e entrar
em contato com drogas. Porém, as escolas desses perfis de família, muitas vezes não
efetivam a educação além dos aspectos conceituais.
Contudo, Dias (2014) coloca que crianças e adolescentes, que possuem um nível
socioeconômico baixo e serem do sexo masculino, possuem riscos para o desenvolvimento
de comportamentos antissociais e futuro fechamento do diagnóstico do referido transtorno.
No entanto, apesar de o baixo nível socioeconômico ser apontado como facilitador para
a incidência dos comportamentos desviantes. Outros achados propuseram que, não é
apenas esse construto social e educacional os responsáveis por tais condutas, haja vista
que estas são apresentadas também por sujeitos que, teoricamente, são atendidos por
estrutura e organização educacional, familiar econômica de grande apoio. Entretanto,
esses podem sim desenvolver o transtorno com base em outras variáveis aqui já descritas,
o que se percebe em tais perfis é ações que não são consideradas legalmente criminosas,
em contrapartida os que possuem baixo nível socioeconômico terminam se envolvendo
em ações delituosas, previstas por leis, com base em suas necessidades econômicas e a
comunidade vigente.
3.4 Fatores de proteção na infância e adolescência
Os comportamentos antissociais podem estar presentes apenas em uma das fases,
ou nas duas fases: infância e da adolescência. Nesse contexto, em especial, a fase da
adolescência, é dotada de inúmeras transformações biopsicossociais que ocorrem devido,
à falta de amadurecimento do córtex pré-frontal: área responsável por avaliar situações,
tomar decisões, controlar emoções e comportamentos, e pelas características do contexto
sociohistórico, familiar e cultural. Uma fase transitória e significativa ao desenvolvimento do
sujeito, na qual ele testa seus próprios limites, através dos comportamentos, em busca de
novas experiências, emoções que levam a sentimentos de prazer e desprazer (recompensas
e dores), que pode favorecer o desenvolvimento da autonomia ou práticas delituosas.
Dessa forma, e por serem fases distintas, com suas próprias peculiaridades, necessita-
se de significativos fatores de proteção para minimizar ocorrência de comportamentos
disruptivos (REMY, 2018).
Os fatores de proteção versam de forma geral em um desenvolvimento
socioemocional e sociocultural saudável. Os estudos coletados colocam a escola como um
representante fator de proteção. Uma escola em que garanta o bem-estar do sujeito em seu
ambiente, que consiga perceber o aluno como ser biopsicossocial. Uma escola que efetive
uma proteção perante condutas inadaptáveis, com práticas educacionais de qualidade
através de vivências, preparar para um aprendizado que não exclui erros e momentos
frustrantes (SÓ, 2018). Ademais, embora já aqui elencado sobre os tratamentos para o
não desenvolvimento de TPA, elencou-se que os que não perpassam por tratamentos,
podem desenvolver os referidos. Dessa forma, vale ressaltar que tratamento terapêutico,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 249


se configuram como fator de proteção, pois podem favorecer a emergência e elaboração
de novos espaços de pensamentos e reflexões, com base na relação de confiança que de
forma gradativa se estabelece entre paciente e profissional (CHAZAN, 2018).
Contudo, Morgado (2016), coloca que trabalhar na fase da infância e da adolescência
o altruísmo, simpatia e respeito pelos outros é fator de proteção na prevenção de trajetórias
antissociais. Efetivamente, um autoconceito positivo tem sido associado a fatores que
protegem o sujeito de se envolver em transgressões enquanto o autoconceito negativo
tem vindo a revelar associações com agressão e delinquência. Pensar em fatores de
proteção, é pensar em distintas variáveis, que envolvem tempo, forma e fase em que
estão sendo efetivados. Ademais, esses devem sobrepor aos fatores de riscos para o não
desenvolvimento de Transtorno de Personalidade Antissocial, em especial, se existirem
predisposições genéticas.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
As principais conclusões do estudo denotaram que cada sujeito vivencia
distintamente situações estressoras, sendo determinado o impacto. Os fatores de proteção
buscam ir ao encontro do impacto dos riscos para proporcionar formas de resoluções
das vivências diárias, minimizando as possibilidades de desenvolvimento de transtornos.
Ademais, não é apenas um fator de risco que irá determinar a ocorrência futura do
Transtorno. Faz-se necessário uma gama de considerações para que se proponha tal
diagnóstico. De fato, os riscos são evidenciados pela literatura científica, que são critérios
para um olhar apurado para intervenções sobre aspectos negativos durante a infância
e adolescência, minimizando assim a ocorrência ou a probabilidade da ocorrência. Em
linhas gerais, qualquer forma de comportamento considerado transgressor na infância e
na adolescência devem ser investigadas as causas e ocorrer intervenções para assim,
evitar a permanência desses comportamentos na fase adulta, se instalando ou não um
diagnóstico na fase adulta, o cuidado e a prevenção devem ser constante nas crianças
e adolescentes. Percebeu-se que não existe uma regra e nem absolutismo quando se
trata de desenvolvimento humano e a relação com os comportamentos. O que existe são
padrões de comportamentos, riscos e variáveis para se propor tratamentos precoces,
evitando assim o fechamento do diagnóstico de Transtorno de Personalidade Antissocial, e
ou outros dentro do referido grupo.

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atualização. Revista Diagnóstico e Tratamento, São Paulo, v. 17, n. 01, p. 09-13, 2012. Disponível
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Uma Revisão Sistemática. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 30, n. 2, p. 125-134, jun. 2014.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 19 252


CAPÍTULO 20
doi
PERSPECTIVA TEMPORAL E REGULAÇÃO
EMOCIONAL DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS

Data de aceite: 01/02/2021 (ZTPI) e a Escala De Desregulação Emocional


Data de submissão: 16/11/2020 (DERS-36). Os resultados sugerem que os
participantes que apresentaram perspectiva
temporal balanceada entre presente, passado e
futuro tinham uma tendência de regular melhor
Carlos Eduardo Nórte
suas emoções. Dessa forma, conclui-se que
Centro Universitário Celso Lisboa e
compreender o potencial prático da investigação
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
http://lattes.cnpq.br/7070604646823672 da perspectiva temporal na prática clínica pode
propiciar futuramente a criação ferramentas e
Richard dos Santos Ferreira estratégias de intervenção que auxiliem quadros
Centro Universitário Celso Lisboa e clínicos associados as dificuldades de regulação
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro das emoções.
http://lattes.cnpq.br/7612850149608999 PALAVRAS-CHAVE: Perspectiva temporal,
Luan Felipe de Sousa Dantas regulação emocional, saúde, Psicologia.
Centro Universitário Celso Lisboa
http://lattes.cnpq.br/8012323201011615 TIME PERSPECTIVE AND EMOTION
REGULATION IN COLLEGE STUDENTS
ABSTRACT: The orientation and preferential
RESUMO: A orientação e a direção preferencial direction of a person’s thoughts and actions
dos pensamentos e ações de uma pessoa toward the past, the present, or the future has a
em relação ao passado, ao presente, ou ao dynamic influence on their judgments, decisions,
futuro tem uma influência dinâmica nos seus and actions. People’s perception of the extent of
julgamentos, decisões e ações. A percepção que future time or the importance of the past plays
as pessoas têm da extensão do tempo futuro an important role in current behavior and also
ou da importância do passado exerce um papel generates implications for emotion, cognition,
importante no comportamento atual e também and motivation. This aspect of time is called
gera implicações para emoção, cognição e temporal perspective. Despite the growing
motivação. Este aspecto do tempo é denominado literature surrounding the temporal perspective,
perspectiva temporal. Apesar da crescente few studies have sought to investigate their
literatura em torno da perspectiva temporal, relationship to emotional regulation. In the
poucos estudos buscaram investigar a sua present study, 90 students from the Celso
relação com a regulação emocional. No presente Lisboa University Center participated and, after
estudo participaram 90 estudantes do Centro completing the Informed Consent Term, answered
Universitário Celso Lisboa que após preencherem the Temporal Perspective Scale (ZTPI) and the
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Emotional Deregulation Scale (DERS-36). The
responderam a Escala de Perspectiva Temporal results suggest that participants who presented

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 253


a balanced temporal perspective between present, past and future had a tendency to better
regulate their emotions. Thus, it is concluded that understanding the practical potential of
temporal perspective research in clinical practice may in the future facilitate the creation of
intervention tools and strategies that aid clinical pictures associated with the difficulties of
regulating emotions.
KEYWORDS: Time perspective, emotional regulation, Health and Psychology.

1 | INTRODUÇÃO
As ações e emoções de uma pessoa, em um dado momento, dependem de sua
perspectiva de tempo total. Os quadros temporais passado, presente e futuro são utilizados
para codificar, armazenar e recordar eventos, como também para formar expectativas,
metas e possíveis enredos. O impacto do futuro e dos eventos passados no comportamento
presente é compreendido na medida em que eles estão presentes no modo como vemos
e sentimos o mundo, e utilizamos estratégias de enfrentamento frente as adversidades
cotidianas (ZIMBARDO e BOYD, 2008).
A Perspectiva Temporal (PT) como primeiramente evidenciada por Kurt Lewin
(1951/1967) apud Leite e Pasquali (2008), é definida como “a visão total do indivíduo sobre
seu passado e futuro psicológicos em um dado momento”. O conceito de Zimbardo e Boyd
(2008) complementa o anterior, na medida em que consideram a perspectiva temporal
como “um processo inconsciente por meio do qual o fluxo ininterrupto de experiências
pessoais e sociais é nomeado em categorias temporais, ou quadros temporais que
ajudam dar ordem, coerência e significado a esses eventos”. A despeito das propostas de
conceituação Van der Linde (2007) argumenta que não há um entendimento respeito da
natureza e da dimensão da PT, sendo esta uma questão necessária de ser esclarecida para
um melhor entendimento do conceito. A Percepção Temporal, às vezes, é identificada como
uma motivação, uma característica da personalidade ou um esquema cognitivo.
Uma perspectiva do tempo ideal é considerada como equilibrada, quando as
orientações temporais permitem o sujeito transitar de forma flexível entre elas de modo a se
adequar às diferentes situações e demandas cotidianas. Quando uma orientação temporal
específica é mais usada, causando perda de uso em outras, a pessoa pode se tornar
tendenciosa em sua perspectiva temporal. (Ortuno, Paixão e cols, 2013).
A orientação e a direção preferencial dos pensamentos e ações de uma pessoa
em relação ao passado, ao presente, ou ao futuro tem uma influência dinâmica nos seus
julgamentos, decisões e ações. A percepção que as pessoas têm da extensão do tempo
futuro ou da importância do passado exerce um papel importante no comportamento atual
e também gera implicações para emoção, cognição e motivação. Este aspecto do tempo é
denominado perspectiva temporal.
William James (1890/1950) apud Leite e Pasquali (2008) propôs que o presente é a
relação temporal criada entre os eventos sensoriais como acontecendo agora; o passado

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 254


como elaborado graças à memória; e o futuro, um grupo de expectativas sobre eventos a
vir. Mas, James também afirma que o presente é uma abstração ideal, nunca realizada. O
passado surge não por uma qualidade intrínseca do evento ocorrido, mas pela associação
feita a outros eventos, os quais foram codificados na memória como parte do passado. O
senso de futuro é a base conceitual para ações que procuram adiamento de gratificação,
baseada na regularidade de eventos passados.
Estudos de Damásio (2002) realizados com pacientes portadores de lesão cerebral
apontam a habilidade de formar memória como uma parte indispensável para a construção
do tempo e da cronologia. As conexões recíprocas do córtex pré-frontal lateral com o
hipocampo e com o córtex parietal posterior são especialmente importantes para os aspectos
cognitivos de todas as formas de comportamento. Por intermédio dessas conexões, torna-
se possível a mais importante função do córtex pré-frontal, que é a integração temporal
de ações para o cumprimento de metas. Aqui o verbo integrar tem o significado de incluir,
excluir e organizar elementos em um conjunto, formando um todo coerente. O processo
neural de integrar as informações ao longo da linha do tempo, por intermédio da ordenação
dos cognitivos, é a base para a programação temporal das ações. A organização temporal
de novas e complexas sequências de comportamento se dá por meio da integração de
estímulos externos (sensoriais) e estímulos internos (memórias armazenadas). Em outras
palavras, a integração temporal nada mais é do que o processamento (análise e síntese)
dos estímulos que chegam ao cérebro (tempo presente) e das memórias armazenadas
(tempo passado). Em virtude de sua especialização na estruturação temporal de novas e
complexas séries de ações direcionadas a objetivos (sob a forma de comportamento, fala
ou raciocínio), além da participação na escolha entre as alternativas e nas tomadas de
decisão, o córtex pré-frontal pode ser considerado o centro executivo do cérebro (JUNIOR
et al, 2011).
Seijts (1998) afirma que a perspectiva temporal é uma estrutura cognitiva e não uma
disposição, tal como uma característica de personalidade. Van der Linde (2007) conceitua
a perspectiva temporal como uma estrutura cognitiva multidimensional que influencia a
motivação e a personalidade do indivíduo, e determina como este vê o tempo. Essa ideia é
corroborada por Leite e Pasquali (2008), que afirmam que a PT é um importante construto
subjacente, que não se manifesta claramente, mas está presente na personalidade, na
tomada de decisão e no planejamento.
Zimbardo e Boyd (2008), advogam que a perspectiva temporal como parte da
personalidade, entendendo esta como sendo uma união de todas as respostas naturais e
aprendidas do indivíduo. Como as pessoas diferem em relação à personalidade, também
diferem em termos de suas perspectivas de tempo, sendo esta diferença um dos principais
fatores em comportamentos de resolução de problemas e na construção de crenças em
geral. No entanto, a perspectiva temporal não é considerada um aspecto estático da
personalidade.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 255


Os autores que apontam a perspectiva temporal como uma motivação, afirmam que
a pessoa, quando se depara com uma necessidade, irá projetar no futuro e categorizá-
la dentro da categoria de antecipação. Ou seja, ao projetar essa necessidade no futuro
e categorizar essa necessidade em uma previsão, antecipação desta solução. Essa
antecipação, que satisfará a necessidade, é um importante aspecto que influencia a
motivação do indivíduo em prosseguir com certos objetivos e atividades (Zimbardo e Boyd,
2008).
As pesquisas sobre como as emoções podem influenciar nos nossos processos
cognitivos tem ganhado cada vez mais espaço, tornando-se uma das áreas de maior
interesse na psicologia (Koole, 2009) Os processos que possibilitam que o indivíduo tenha
emoções em determinados momentos, modular a forma como sentem e as expressam
são denominados de regulação emocional. (Gross, 2002). Um pouco além disso,
recentemente, estudos tem ampliado a visão sobre o constructo da Regulação emocional,
trazendo evidências não apenas para a forma como o indivíduo regula as próprias emoções
(regulação intrínseca) mas também sobre a forma como regula as emoções de outras
pessoas (regulação extrínseca) (Nozaki, Y., & Mikolajczak, M., 2020). assim como, na
forma se autorregula em contextos grupais. (Goldenberg, A., Halperin, E., van Zomeren, M.,
& Gross, J. J. 2016). Portanto, uma definição mais recente e abrangente seria “Regulação
emocional se refere as tentativas de influenciar as emoções em nós mesmos ou outros.”
(McRae & Gross, 2020)
A forma como aprendemos a regular as nossas emoções começa na infância, e os
cuidados parentais têm grande responsabilidade nesse processo. As primeiras experiências
de cuidado têm um papel importante na formação do desenvolvimento das emoções, do
estresse e dos circuitos límbicos. Nessa período, o circuito da fronto-amígdala torna-
se sensível aos cuidados e as informações do cuidador, logo, a capacidade de regular
comportamentos emocionais e o estresse, sendo amadurecido conforme esse cuidado é
percebido. Por outro lado, cuidados desorganizados ou de baixa qualidade tem grandes
consequências a curto e longo prazos na maturação dos circuitos da fronto-amígdala, que
são fundamentais para a autorregulação ao longo da vida do sujeito. (Gee, 2016) Nesse
sentido, o estudo de Kranzler et al (2015), enfatiza a importância da consciência emocional
(a capacidade de identificar, nomear e rotular uma experiência emocional) em crianças e
adolescentes, onde foi sugerido que a baixa consciência emocional pode estar associada
a sintomas de depressão e ansiedade nessa população.
De acordo com o Modelo de Processamento da Regulação Emocional, a geração
emocional é sequencialmente descrita encontrando situações relevantes, atendendo aos
aspectos-chave nessas situações, avaliando as situações em relação as metas ativas, e
tendo respostas experienciais, fisiológicas e comportamentais. (McRae & Gross, 2020)
Sendo assim, compreendemos que a efetividade da tentativa de autorregulação dependerá

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 256


também dos objetivos que o sujeito pretende, assim como do contexto (ambiente) onde
ocorrerá e da estratégia a ser utilizada, podendo esta ser adaptativa ou não.
Uma considerável quantidade de pesquisas tem apontado as dificuldades em
regulação emocional como fundamentais para o desenvolvimento e manutenção
das psicopatologias. (Sloan et al., 2017) Visto que elas são parcialmente caracterizadas
pela persistência de emoções negativas, em cuja manutenção e desenvolvimento a
incapacidade de regulá-las parece desempenhar um papel importante (Campbell-Sills et al,
2006 apud Mocaiber, et al, 2008) Nesse cenário, sabemos que as respostas inflexíveis que
o sujeito costuma adotar são geralmente mal-adaptativas porque o ambiente em que as
pessoas vivem está em constante mudança. Por outro lado, maior flexibilidade (emocional,
inclusive) está associado a uma adaptação mais apurada ao ambiente e também a maiores
níveis de saúde mental. Por consequência, a compreensão da flexibilidade emocional é
crucial para identificar, prevenir e abordar questões afetivas que caracterizam diversas
psicopatologias. (Aldao et al, 2015) Assim sendo, torna-se importante compreender como a
regulação emocional se associa a esses fatores para selecionarmos as intervenções mais
eficazes e abrangentes.

2 | OBJETIVOS
O objetivo do presente trabalho é conhecer a relação da perspectiva temporal com
a regulação emocional em estudantes universitários. As hipóteses pautam que não existe
diferença entre gêneros nas estratégias de regulação emocional e perspectiva temporal.
Além disso, acredita-se que a perspectiva temporal equilibrada está associada com uma
maior regulação emocional.

3 | METODOLOGIA
Participantes: A amostra é composta de 90 estudantes do centro universitário Celso
Lisboa, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 30 anos, que não podem ser alunos dos
pesquisadores, conhecer ou ter algum contato prévio com algum estagiário que faça parte
da equipe.
Instrumentos:
Questionário Sociodemográfico= esse questionário visa coletar dados referentes a
idade, sexo, estado civil, renda familiar, histórico de doença familiar, uso de tabaco e outras
drogas.
A Escala de Perspectiva Temporal (ZTPI)= É um instrumento composto por questões
que representam proposições sobre crenças, preferências e valores de indivíduos em
relação às experiências baseadas no tempo. O ZTPI solicita aos voluntários que indiquem
o quão uma afirmação é característica para eles em uma escala de 5 (cinco) pontos que
podem variar de 1 (um) como sendo muito incaracterístico ou 5 (cinco) como sendo muito

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 257


característico e, mediante a estes resultados, é possível obter os detalhes da perspectiva
temporal do voluntário. As perspectivas temporais são: Passado negativo, passado positivo,
presente hedonista, presente fatalista e futuro. Perspectiva temporal balanceada foi
calculada segundo Stolarski et al (2011) e representa a capacidade do sujeito em adaptar
flexibilizar as perspectivas temporais. Esse instrumento possui validação para a população
brasileira (Leite e Pasquali, 2008).
Escala de desregulação emocional (DERS-36)= Esse instrumento de 36 itens onde
o sujeito avalia suas emoções atribuindo uma pontuação de 1 a 5, onde 1 representa
“quase nunca se aplica a mim” e 5 representa “aplica-se a mim quase sempre”. Possui
validação para a população brasileira. (Miguel et al, 2016). Os itens são divididos para
avaliar 6 fatores da Regulação Emocional, são eles: Acesso Limitado as Estratégias de
Regulação Emocional: quando se está sob influência de alguma emoção negativa e tem
dificuldades em se autorregular, como por exemplo “quando estou triste, penso que vou me
sentir assim por muito tempo.” Não Aceitação das Respostas Emocionais: onde o sujeito
não reconhece e legitima seus sentimentos, podendo até mesmo eliciar outras emoções
negativas decorrentes, por vezes sentindo raiva de si mesmo por estar triste, por exemplo.
Falta de Consciência Emocional, onde há dificuldade para se atentar ao sentimento,
reconhecer e legitimá-lo no momento em que ocorrem, por exemplo “me interesso pelo
que estou sentindo”. Dificuldade no Controle dos Impulsos: quando sob forte influencia
emocional, o sujeito tem dificuldade no manejo e regulação dos impulsos, podendo
adotar comportamentos que causem arrependimento posteriormente. Dificuldades em
Agir de Acordo com mas Metas: refletem as dificuldades em concentração, execução de
tarefas e adoção de outros comportamentos para outros fins enquanto se está ativado
emocionalmente. Falta de Clareza Emocional se refere a dificuldade de entendimento,
nomeação e percepção apurada das emoções durante seu curso, podendo gerar confusão
e sofrimento no sujeito.
Procedimento de análise de dados: A análise dos dados foram realizadas através
do programa SPSS 17.0. Inicialmente foi realizada a estatística descritiva, através das
medidas de tendência central e de dispersão das variáveis selecionadas. Além disso, foram
realizadas análises comparativas entre homens e mulheres através do Teste-T de Student
para investigar a diferença na regulação emocional e perspectiva temporal. Posteriormente,
medidas de associação entre as perspectivas temporais e os sintomas de desregulação
emocional foram realizadas utilizando a correlação de Spearman, sendo considerado
estatisticamente significativo o p<0,05.

4 | RESULTADOS
Participaram 90 estudantes universitários, sendo 40 homens e 50 mulheres. Não
houveram diferenças significativas no Teste-T de Student (t-value= -0,16 e p= 0,57) em

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 258


relação a idade entre o grupo de homens (média=26,23; DP=8,43) e de mulheres (média=
26,70; DP=7,04).
Ao testarmos a hipótese a respeito da diferença entre homens e mulheres nas
perspectivas temporais, observou-se que as mulheres apresentaram maiores escores
apenas no índice de passado positivo. Nesse sentido, os homens universitários participantes
da pesquisa, relataram viver com maior intensidade as outras perspectivas temporais, tais
como, passado negativo, presente hedonista, presente fatalista e futuro. Entretanto, apesar
dessas tendências, as diferenças entre os grupos não foram significativas no indicando que
homens e mulheres experienciam as perspectivas temporais de modo similar (ver Tabela
1).

Perspectiva Temporal Mulheres Homens t-value p


Passado Positivo 27,40 26,00 1,06 0,29
Passado Negativo 43,54 43,80 -0,12 0,90
Presente Hedonista 36,83 38,10 -1,03 0,31
Presente Fatalista 24,25 25,10 -0,54 0,59
Futuro 52,55 53,00 -0,28 0,78
Perspectiva Temporal Equilibrada 3,12 3,26 -0,93 0,36

Tabela 1: Diferença entre homens e mulheres nas perspectivas temporais.

A desregulação emocional, assim como as perspectiva temporal, esta associada


com a capacidade do sujeito em modular seus recursos cognitivos e se adaptar de forma
equilibrada as demandas do cotidiano. Os resultados do presente estudo indicam que
apesar da tendência sutil dos homens apresentarem maiores indices de desregulação
emocional, a diferença entre os grupos não foi significativa (ver tabela 2).

Desregulação emocional Mulheres Homens t-value p


DERS (Estratégias) 19,51 21,00 -0,67 0,50
DERS (Não aceitação) 13,90 16,50 -1,09 0,28
DERS (Consciência) 22,37 23,70 -1,14 0,26
DERS (Impulsos) 14,21 15,40 -0,77 0,44
DERS (Objetivos) 16,39 17,50 -0,81 0,42
DERS (Clareza) 14,62 14,20 0,50 0,62
DERS (Total) 101,01 108,30 -1,04 0,30

Tabela 2: Diferença entre homens e mulheres na escala de Desregulação Emocional.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 259


Ao investigarmos a força da associação entre o uso equilibrado da percepção do
tempo com a desregulação emocional, a análise de correlação de Spearman aponta uma
associação significativa entre esses fatores emoções (r=0,29 e p=0,004). Tais resultados
indicam que a os participantes que apresentaram perspectiva temporal mais balanceada
entre presente, passado e futuro tinham uma tendência de regular melhor suas emoções
(ver Figura 1).

Figura 1: Associação entre Perspectiva temporal Balanceada e Desregulação Emocional em


estudantes universitários.

5 | DISCUSSÃO
Existem poucos estudos sobre a influência da distorção da percepção temporal e
seus malefícios, e tão poucos são os estudos que relacionam esse componente cognitivo
com outros parâmetros externos e internos aos indivíduos. Desta forma, é extremamente
importante a avaliação dos efeitos da distorção da percepção do tempo em qualquer
segmento da população brasileira. Estudos sobre os aspectos cognitivos e a identificação
da prevalência e dos fatores de risco para o desenvolvimento de psicopatologias devem ser
produzidos para que seja possível a elaboração de medidas profiláticas (e.g. treinamento
aprimorado, suporte psicológico, emprego de psicofármacos), as quais poderão
proporcionar maior qualidade de vida aos indivíduos e aprimoramento dos serviços médicos
e psicológicos oferecidos aos mesmos.
Os resultados do presente estudo confirmam a hipótese da associação da percepção
do tempo com a saúde mental, em especial com a capacidade de gerenciar a forma como
sentimos e expressamos as emoções. Além disso, a hipótese de que haveria uma distinção
entre a regulação emocional e perspectiva temporal quanto ao sexo dos participantes foi
rejeitada. Os resultados demonstram que não há distinção quanto a facilidade de regular
emoções ou de ter uma perspectiva temporal equilibrada quanto ao sexo.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 260


Nossos resultados suscitam a uma série de perguntas sobre o impacto da Percepção
do Tempo na saúde mental, e seus relacionamentos mútuos. Terapeutas interessados no
desenvolvimento eficaz de um equilíbrio na percepção temporal de seus clientes podem
aplicar os resultados presentes em seus programas de treinamento, adicionando exercícios
“emocionais” para desenvolver um equilíbrio na forma como os sujeitos se orientam e
utilizam suas experiencias passadas, vivenciam o presente ou almejam no futuro. Nossos
resultados também dão origem a novas hipóteses e futuras pesquisas, especialmente na
compreensão das diferenças individuais, seus efeitos na saúde mental e sobre as relações
entre habilidades emocionais e aspectos temporais da personalidade.

REFERÊNCIAS
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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 261


11. MOCAIBER, Izabel; OLIVEIRA, Letícia; PEREIRA, Mirtes G; MACHADO-PINHEIRO, Walter;
VENTURA, Paula R; FIGUEIRA, Ivan V; VOLCHAN, Eliane. Neurobiologia da regulação emocional:
implicações para a terapia cognitivo-comportamental. Psicologia em Estudo, Maringá 2008, Vol.
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18. TONIETTO, Lauren; WAGNER, Gabriela Peretti; TRENTINI, Clarissa Marceli; SPERB, Tania
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19. VAN DER LINDE, Gerhard Johan. The role of environmental quality and time perspective
on the academic performance of grade 12 learners. 2007. Tese de Doutorado. University of
the Free State. Retirado em 16/11/2020 do World Wide Web: https://scholar.ufs.ac.za/bitstream/
handle/11660/1692/VanDerLindeGJ.pdf?sequence=1&isAllowed=y pdf

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Janeiro: Objetiva, 2008.

21. ZIMBARDO, Philip; BOYD, John. Putting Time in Perspective: A Valid, Reliable Individual-
Differences Metric. Journal of Personality and Social Psychology 1999, Vol. 77, No. 6, 1271-1288

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 20 262


CAPÍTULO 21
doi
DO COLÓQUIO RELACIONAL E O GENOGRAMA:
INSTRUMENTOS PARA UMA ENTREVISTA CLÍNICA

Data de aceite: 01/02/2021 PALAVRAS-CHAVE: Colóquio relacional,


Genograma, Entrevista clínica, Observação,
Modelo relacional-sistêmico

Emilio-Ricci
Academia de Psicoterapia Familiar de Roma
FROM THE GENOGRAM TO THE
Diretor do Projeto Plataforma de Inovação
RELATIONAL COLLOQUIUM:
Social, Professor Associado, Escola de
TECHNIQUES FOR A CLINICAL
Psicologia, Universidad Católica del Norte
INTERVIEW
Antofagasta, Chile ABSTRACT: The most significant elements
of the use of the genogram and the relational
conversation during the clinical interview and its
use in observation and therapeutic work through
RESUMO: São apresentados e explorados
the relational-systemic approach are presented
os elementos mais significativos do uso do
and explored. A reading key is provided to be
genograma e do colóquio relacional durante a
able to decipher the affective processes of the
entrevista clínica e sua utilização na observação
“individual” life cycle and the discussion ends
e no trabalho terapêutico por meio da abordagem
to understand the processes of belonging and
relacional-sistêmico. É fornecida uma chave
separation. In addition to providing elements of
de leitura para poder decifrar os processos
discussion about the processes of training - also of
afetivos do ciclo vital “individual” e termina-se a
specialization - that confer greater competencies
discussão para compreender os processos de
and, undoubtedly, solid guiding ideas to transform
pertencimento e separação. Além de fornecer
the clinical interview into a therapeutic process
elementos de discussão sobre os processos
of change. Integrate effective resources for
de formação - também de especialização - que
intervention, observation, listening, personality,
conferem maiores competências e, sem dúvida,
authenticity; demonstrate complementary
sólidas ideias norteadoras para transformar a
activities that also allow, at graduation, to
entrevista clínica em um processo terapêutico
understand the personal implications that
de mudança. Integrar recursos eficazes de
therapeutic work entails - and that it is not a matter
intervenção, observação, escuta, personalidade,
of introducing restorative interventions in a limited
autenticidade; demonstrar atividades
time - proposing effective processes of reflection
complementares que também permitam, na
and growth, both professional and personal.
graduação, compreender as implicações
KEYWORDS: Relational colloquium, Genogram,
pessoais que o trabalho terapêutico acarreta
Clinical interview, Observation, Relational-
- e que não se trata de introduzir intervenções
systemic model.
reparadoras em um tempo limitado - propondo
processos efetivos de reflexão e crescimento,
tanto profissional quanto pessoal.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 263


1 | OBSERVAÇÃO RELACIONAL: DO CICLO DE VIDA DA FAMÍLIA E DO
INDIVÍDUO
Uma entrevista clínica segundo um modelo relacional-sistêmico sempre observará
a família e cada indivíduo como um sistema dinâmico que muda e se desenvolve ao longo
do tempo, adaptando-se a cada momento em que enfrenta suas próprias crises evolutivas:
as etapas do ciclo de vida familiar.
Consequentemente, deve-se observar com atenção como tem sido a organização
e união das famílias pelo casamento ou coexistência de qualquer de seus membros: a
formação da união estável ou do casal recém-casado.
Para um casal, por exemplo, deve-se considerar que viver a dois significou: quais
seriam os processos que levaram à formação da dimensão do casal. Tipos e métodos de
funcionamento do jovem casal. Em seguida, a transformação da díade conjugal ou da
parceria doméstica para a tríade familiar com a chegada dos filhos e os novos papéis e
conotações que se geraram: mãe, pai, avós, tios, cunhados, etc.
Da mesma forma, observar atentamente as diferenças entre um momento de
uma família com filhos pequenos para uma mesma família com filhos adolescentes e o
enfrentamento de crises normativas junto com a busca por novas identidades. A família
como “trampolim”, como metáfora para as crianças que enfrentam a adolescência e depois
a idade adulta e finalmente saem de casa, talvez motivadas por um processo natural ou
odiando o que deixaram para trás e o que receberam ou não encontraram e foram. procurar
outro local gerando um corte emocional.
Observe os efeitos da saída dos filhos: a fase do “ninho vazio” como metáfora para
a reconstrução da identidade do casal. A família na velhice: aceitação da mudança de
papéis geracionais. Relações interpessoais entre pais idosos e filhos adultos. Mudanças
estruturais, relacionais e éticas na família contemporânea.
Sem considerar outras variações do ciclo de vida familiar que poderíamos definir,
talvez mais catastróficas para os envolvidos -diretos e indiretos-: separações, divórcios,
reconstituições familiares, mortes súbitas por acidentes ou doenças. Ou também aspectos
psicossociais da evolução da família nos vários contextos contemporâneos e culturais.
Tipos de famílias emergentes: a “família alongada” do jovem adulto, famílias monoparentais,
casais homossexuais, famílias reconstituídas, etc., etc. Essas são algumas das esferas que
podem ser investigadas em uma entrevista clínica, mas para isso o profissional deve ter
liberdade suficiente para investigar sem cair na curiosidade mórbida nascida das notas
clínicas do treinamento asséptico, porque não só não é envolve ou não expressa emoção
ou expressa sentimentos, mas também está totalmente distante do reconhecimento da
dignidade, da dor, da angústia mais do que apenas da definição de doença psíquica.
Isso significa romper a posição de especialista em superpartes - que muitas vezes
é também a esperança depositada por parte de um indivíduo ou família que se diz carente
de habilidades para buscar ajuda - e introduzir, provocativamente, o papel de tradutor de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 264


significados e estimular a observação relacional das próprias dificuldades com o auxílio
dos interlocutores e, conseqüentemente, de todos os membros da família. Gerando uma
operação honesta de reconhecimento, antes de tudo, das competências que a família
e seus indivíduos, que sem dúvida possuem para enfrentar as dificuldades, mais do
que uma ampliação do senso de deficiência apresentado. Desta forma, favorece-se o
desenvolvimento da família e de seus indivíduos, de seu mundo de relações, valorizando a
entrevista clínica e depois o setting terapêutico.
É importante lembrar que o tratamento de cada caso clínico é via de regra
único, irrepetível e diferente de qualquer outro, por isso o modelo relacional-sistêmico
propõe consistentemente um processo criativo de crescimento, de todos os envolvidos
(sistema familiar - indivíduos como profissionais). Ou seja, um processo cuja finalidade é:
“acompanhar o outro para encontrar recursos evolutivos, para redescobrir elementos vitais
que se pensa não possuir, mas que, na realidade, simplesmente não podem ser usados”
(Ricci, 2001, p. 266).
Mas o trabalho não é fácil se se quer deixar claro que esse processo requer uma
formação ad hoc cujo objetivo não é se tornar um especialista em patologia, mas sim
um “ativador de recursos familiares” (Ricci, 2006). Ou seja, treinando em mais níveis e
capaz de transformar o que poderíamos definir como dificuldade ou impasse (que deve ser
analisado e compreendido em primeiro lugar) em um recurso extraordinário.
Neste ponto, deve-se entender que é necessário um trabalho preliminar de formação
e desenvolvimento de competências, dedicado exclusivamente ao aprofundamento de
uma cultura de observação relacional de sistemas normais em evolução, que, em suma,
é a chave para favorecer um melhor habilidades de observação e que melhor maneira
de observar a própria vida familiar e, claro, estar no relacionamento. Toda esta ginástica
relacional previamente exercida, com o único objetivo de desenvolver e promover uma
visão ampliada e dinâmica dos processos relacionais e “(...) poder ver de forma benigna e
também relativa as dificuldades, problemas ou patologias de famílias, porque se você olhar
para as suas, perceberá que são muito semelhantes ou idênticas às que você vê na terapia;
apenas que seu papel mudará e, nesse caso, ele não será o paciente, mas o terapeuta.
(...) e onde muitas escolas de terapia familiar, principalmente aquelas que se definem como
«sistêmicas», muitas vezes negligenciam. Por muitos anos, eles pensaram que o conceito
de neutralidade ou ausência de influência por parte do terapeuta em relação aos seus
pacientes era uma regra fundamental; quando, em vez disso, acredito que a influência do
sistema de valores do terapeuta é a melhor coisa que ele pode trazer para o interior de seu
projeto terapêutico. É claro que ele não deve impor isso à família, mas sim propor e, de
qualquer forma, trocar seu próprio sistema de valores com o qual ele conduz a família na
terapia” (Ricci. 2002. p. 7).
Já Berardi (1995) em relação ao papel profissional do especialista em saúde mental
(psicólogos em geral, terapeutas em particular), enfatiza que eles não podem afirmar saber,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 265


muito menos curar. O autor também expressa: “... nós, somos catalisadores de energia,
buscamos regenerar canais de energia aparentemente fora de uso. A família sabe e o
terapeuta, se souber ouvir, pode entender o que ajuda a família a retomar um processo de
crescimento interrompido” (p.68). Também é bem verdade que, se no colóquio relacional os
teóricos do comportamento não sabem escutar e também sucumbem ao silêncio por seus
próprios medos, agindo -defensivamente- um arsenal interrompido de infinitas questões
- muitas vezes dicotômicas e sem muitas contribuições para conhecer honestamente o
questionador - ou por pensamentos de cura onipotentes, o processo falhará completamente.

2 | GENOGRAMA, NÃO APENAS UMA REPRESENTAÇÃO GRÁFICA


O genograma é reconhecido como um instrumento e representação gráfica de um
sistema familiar (Andolfi, 2003; Petry, McGoldrick 2006), tanto para avaliação de padrões e
contexto familiar quanto para intervenção terapêutica em si.
Torna-se uma ferramenta altamente eficaz que, embora utilizada, permite que o
contexto relacional de um indivíduo e seu núcleo familiar mais longo sejam conceituados
com grande agilidade. É um processo relacional e colaborativo, centrado no cliente, que
pela sua natureza é capaz de exemplificar o mais significativo e inalterado das relações
afetivas, o que pode indicar: continuidade geracional (lealdades transferidas); valores
de família; dívidas de reconhecimento; pertences afetivos ou de gênero; cortes afetivos;
complexos de culpa ou exclusão que acompanham as traições, etc.
O genograma é também uma representação afetiva do substrato emocional onde,
não só é possível fazer um gráfico e observar, mas também reconsiderar:

• transmissões psicológicas de modelos relacionais,

• modelos comportamentais,

• estilos de operação,

• mitos familiares e como são transferidos de uma geração para outra.


Através desta representação trigeracional (Ver Fig. N ° 1, os planos geracionais são
representados graficamente, que vistos horizontalmente com o número um, representam
os avós, o número dois os pais e o número três os dos filhos ou netos; além disso Visto
verticalmente, é possível integrar relações intergeracionais, além de representá-las
graficamente) é possível introduzir particularidades e informações de cada geração e
das relações recíprocas; ordenando descrições, por vezes complexas e articuladas, da
configuração da estrutura familiar, também dos vários subsistemas.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 266


Figura 1

Fonte: Trigenerational Model Scheme, adaptado de Andolfi, 2003.

Figura 2. Genograma

Símbolos:

1 primeira geração (avós): homem quadrado, mulher circular, casamento em linha contínua horizontal

2 segunda geração (pais). Crianças indicadas da esquerda para a direita, aborto espontâneo em círculo
pequeno, gêmeos com dupla linha vertical

3 filhos ou netos de terceira geração. Círculo duplo (representação do alter ego), triângulo de gravidez, linha
de divórcio oblíqua dupla, cruz de aborto induzido, quadrado com cruz interna: morte

Portanto, traçar um genograma (ver fig. N ° 2) é aplicar regras de composição


relacionais e afetivas que permitem organizar os vínculos entre todas as partes e membros
do núcleo familiar; até delinear a estrutura global “intergeracional”; materializando um
esquema sintetizado, mas absolutamente não reduzido, da estrutura familiar e de cada um
de seus membros.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 267


É um instrumento excepcionalmente útil para organizar informações significativas
que, de outra forma, seriam consideradas ‹irrelevantes›. A observação do genograma
permite considerar as trocas e as atuais transações ideoafetivas de uma família a partir do
resultado das anteriores.
É um instrumento excepcionalmente útil para organizar informações significativas
que, de outra forma, seriam consideradas ‹irrelevantes›. A observação do genograma
permite considerar as trocas e as atuais transações ideoafetivas de uma família a partir do
resultado das anteriores.
Em outras palavras, uma observação intergeracional nos permite encontrar
fecundamente, em um processo temporal muito amplo, elementos histórico-evolutivos
significativos e complexos, mas que através de uma observação cuidadosa nos permitem
introduzir uma nova visão e um reposicionamento justo dos eventos que aderem a um
processo de desenvolvimento de uma família inteira.
A apresentação do genograma, por exemplo, permite observar os momentos
difíceis que são rapidamente traçados com este instrumento e também permite que sejam
revisitados, analisados ​​e consequentemente, permitindo um maior e melhor entendimento
pelos envolvidos (indivíduo ou família em geral) até chegar ao ser redefinidos como
elementos temporários e vitais na vida da família.
O genograma, de fato e embora possa parecer - a olho nu de um profissional
insensato, por exemplo - um esquema rígido, ou talvez simples, pode estimular a geração de
várias hipóteses de interpretação ou conhecimento e que chegam a considerar importantes
aspectos evolutivos da família.
O tempo -histórico e evolutivo- também encontra um espaço no genograma e,
como esquema estrategicamente dinâmico, permite conectar e relacionar um antes e um
depois, conectando a geração anterior e a seguinte. Além disso, na representação gráfica
do genograma, podem ser elaboradas as particularidades dos eventos mais significativos:

• nascimentos e mortes;

• separações e juntas,

• inclusões e exclusões de membros;

• etc.
Além de mostrar as mudanças estruturais na família
• A separação das famílias de origem e a formação de um novo casal,

• O nascimento de crianças,

• O crescimento progressivo dos filhos até atingir a separação;

• A separação do casal dos pais por falecimento de um dos cônjuges (velhice e


falecimento).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 268


É preciso estar atento, durante a observação do genograma, para não considerar
o ciclo vital simplesmente como a descrição de um desenvolvimento natural e biológico
da estrutura familiar, evitando, sobretudo, dar uma hipótese “única” de observação de um
modelo de desenvolvimento igual para todas as famílias. Isso obviamente não pode ser
exato, cada família tem uma história e, além disso, está aberta à resposta sociocultural.O
ciclo vital, então na observação do genograma, deve ser considerado como o resultado
do encontro entre mais fatores constantemente envolvidos: biopsicossociais; além de
considerar outros eventos socioculturais que têm variado significativamente o andamento
das fases de desenvolvimento, por exemplo:

• o divórcio,

• a emancipação das mulheres,

• o crescimento

• etc.
A utilidade da observação, por meio do genograma como modelo do ciclo evolutivo,
consiste não tanto na possibilidade, por parte do observador, de simplesmente identificar a
fase em que um indivíduo ou a própria família está “aqui e agora”; antes, em ser capaz de
observar a mudança e a reorganização familiar no processo de transição de uma fase para
outra. (individual, formação do casal; coabitação ou casamento; casal com filhos, casal com
filhos adolescentes, família trampolim, família idosa)
Tudo isso também requer uma compreensão dos próprios esquemas de comunicação
e de como as várias maneiras de entregar, obter ou receber informações foram aprendidas.
Em um processo tão dinâmico que também é possível aprender a se comunicar com
clareza, gerando novos padrões relacionais que permitem ao interlocutor compreender
com clareza o que se pensa e sente sobre um tema, por exemplo:

• O que aprendemos ou o que pensamos saber.

• O que esperamos dos outros.

• Como interpretamos o que os outros fazem

• Qual é o comportamento que gostamos e qual é o que não gostamos.

• Quais são as nossas intenções

• Qual é a imagem que os outros nos dão de si próprios.

3 | OBSERVANDO TRÊS GERAÇÕES NO GENOGRAMA


Uma das contribuições subsequentes deste instrumento clínico permite-nos observar
três gerações, graficamente e que emergem da aplicação do modelo trigeneracional, bem

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 269


como propostas, em vários momentos, por diversos e conhecidos pioneiros da terapia
familiar, entre os quais Podemos lembrar Bowen (1978), Whitaker (1989), Framo (1992) e,
posteriormente, elaborado por Andolfi, Angelo (1987), Andolfi (2000), e posteriormente em
inúmeras publicações científicas.
É evidente que neste modelo trigeneracional, na sua aplicação e observação, de
um determinado momento ou episódio familiar, é impossível utilizar parâmetros estáticos,
uma vez que se verifica que, com isso, não é possível conhecer um determinado evento
da realidade observada. A observação dos elementos históricos nos permitirá reconsiderar
uma continuidade espaço-temporal com uma evolução constante do sistema familiar capaz
de se adaptar às suas próprias dificuldades, o que não significará necessariamente uma
conquista positiva ou negativa.
Consequentemente, a dimensão relacional da observação levará em conta a
dimensão histórico-evolutiva de todo o sistema no qual o genograma está representado e
no qual o profissional também interage. Além disso, não estuda apenas a história pessoal
do cliente ou paciente que apresenta ou desenvolve o genograma, mas também dos pais,
irmãos, avós, etc. A história relacional entre filhos e pais (os eventos mais significativos:
casamento, mortes, doenças, etc.) é considerada. Análise do tipo de relações que se mantêm
com as famílias de origem, os valores (conjunto de crenças, princípios, costumes, relações
e demonstrações de afeto que se transmitem através das gerações) e como estes se
fortalecem laços de união, respeito e confiança, expectativas transmitidas, etc. É aqui que a
categorização do conceito de tempo adquire uma posição central na observação relacional,
sendo considerada na sua totalidade e em cada dimensão temporal: passado, presente
e futuro. O passado é representado simbolicamente pela primeira geração e, portanto,
representa a família de origem; por outro lado, o presente, que é representado pela segunda
geração, ou seja, o novo casal e por fim o futuro, representado pela terceira geração, que
representa a espera do nascimento dos filhos e depois o seu desenvolvimento). Portanto,
seria um erro considerar rigidamente o passado como o tempo que já aconteceu e que, em
uma linha de tempo óbvia, foi deixado para trás. A importância de ter em conta a família de
origem, na observação, reside sobretudo no processo evolutivo do indivíduo, do casal e da
família e que este se baseia na variação dinâmica de um único tema de vital importância,
é quer dizer, o desenvolvimento da própria identidade e consequentemente do próprio
processo de amadurecimento que, devido aos próprios tempos, é totalmente sensível à
oscilação entre duas tendências e que ambas são vitalmente necessárias: pertencimento
e separação. O primeiro, capaz de conferir força e contenção; a segunda é aquela que nos
permite enfrentar as crises evolutivas normais (da criança ao adolescente, adulto, etc.)
e, consequentemente, aos processos de diferenciação para assumir honestamente as
consequências das decisões.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 270


4 | COLÓQUIO EM TEMPOS DE MODERNIDADE LÍQUIDA
O violento fenômeno da globalização que acabou dominando principalmente
os mercados mundiais hoje dita suas leis de ferro da sobrevivência: se você quiser ser
competitivo, tem que se adaptar às novas regras do mercado, embora a custos muito
elevados, o desemprego, especialmente em esses continentes onde o mercado era regido
pelos métodos tradicionais de troca tem determinado um fluxo crescente de pessoas
(migrantes) em busca de melhores condições econômicas e em direção aos países mais
ricos. Além disso, verificamos o sempre e mais indispensável meio de comunicação
pela Internet que gerou comunicação imediata, e-mail, WhatsApp que tem permitido um
relacionamento com todos, mas, afinal, sempre “virtual”. Paradoxalmente, esta era das
comunicações tem gerado fenômenos de isolamento, diminuindo de certa forma a vida
privada.
É desta forma que podemos verificar que todas estas ações influenciaram também a
vida familiar e alteraram drasticamente a sua estrutura, bem como a coesão social substituída
por uma crescente “necessidade” de privacidade cada vez mais desligada do resto do
mundo (ou ao menos aparentemente), impede, de certa forma, ter o tempo necessário para
poder analisar - e eventualmente nos perguntar - de certa forma, os efeitos do turbilhão da
sociedade contemporânea de hoje, baseado no individualismo e em uma mudança de estilo
de vida e efêmero (Bauman, 2003). Talvez, nos tempos atuais, seja interessante perguntar
se existe realmente o medo do compromisso? E, portanto, uma encruzilhada diante das
decisões pelas coisas que devem ser renunciadas, como a autonomia, a liberdade, que são
as bandeiras da luta atualmente constantemente proclamado.
Para Bauman, 2003, a vida líquida, nesta “nova modernidade”, se dá, por exemplo,
na vida amorosa, que é uma sucessão de inúmeros e infinitos novos começos com enésimas
finais breves e indolores, pode também ser o motivo principal razão pela qual existe o medo
de se comprometer e, eventualmente, forjar uma aliança de ferro e dar tudo por um casal.
Então, o que dizer de um processo clínico-psicológico que também precisa da aliança
(entre cliente e especialista) para poder acompanhar com diligência um processo que não
é a compra insignificante de um produto de serviço.
Na era do consumismo, ao que parece, o importante não é conservar os objetos,
mas renová-los constantemente, porque isso - indica o slogan tácito - nos deixará
completamente felizes. Por isso é fundamental aprender a arte de viver em um mundo
sobrecarregado de informações e, ainda mais necessário, é se perguntar quem e como
está preparando as novas gerações para viver em tal mundo? Se esta nova sociedade
que se baseia no individualismo e se tornou temporária e instável é de alguma forma mais
frágil e, portanto, mais carente de contenção? Será que esse novo indivíduo está realmente
procurando ajuda, pagando pelos serviços de alguém (profissional) que é capaz de resolver
(os seus próprios problemas) com eficiência, sem dor, em pouco tempo e por um preço
pequeno?

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 271


Aparentemente tudo o que temos hoje está mudando e com uma obscena
obsolescência programada, em comparação com as estruturas fixas do passado, então
como deveriam ser as ações dos profissionais comportamentais: com um conhecimento
claro e despótico de saber tudo que precisa do cliente sem necessariamente contrastá-lo
ou com profunda desconfiança e decepção de um modelo em que nem mesmo acredita.

5 | PARA UMA FORMAÇÃO DE COMPETÊNCIAS E NÃO DE RECEITAS


Há muitos anos, propus uma pergunta que, creio, ainda é válida: “Como aprender com
humildade e respeito dessas famílias que buscam em nós, profissionais dos sentimentos,
uma ajuda que lhes permita reativar o tempo evolutivo bloqueado?” (Ricci, 2001, p. 268).
Sem dúvida, a transformação da sociedade, seus interesses e os processos de formação
das futuras gerações de psicólogos em geral, também foram impactados, dotando-se de
instrumentos pertinentes para enfrentar as patologias ou dificuldades dos pacientes, mas
em quantos centros eles aprendem Em primeiro lugar, sentir e estar com os pacientes ou
familiares que solicitam ajuda e depois desta simples operação, estar dispostos a crescer
junto com eles.
Falar de crescimento profissional implica uma ação deliberada que requer o abandono
da lógica limitante de adquirir muitas teorias que dariam ao profissional especialista
instrumentos exclusivamente técnicos capazes de transformá-lo em especialista em
patologias e também em disfunções familiares e nada mais. Os medos que a desaprovação
induz por não possuir as competências necessárias para realizar uma intervenção
psicológica também alimentam profundos sentidos de incapacidade que, sobretudo ao
intervir num determinado momento, ativam medos sombrios e angustiantes, paralisantes
e aterrorizantes. É assim que muitos psicólogos e terapeutas que se deparam com essas
experiências, muitas vezes, são impedidos de serem honestos consigo mesmos e de serem
bastante autênticos no desempenho da profissão, entendendo o que está acontecendo: “é
como [se] alguém Ele quer ser arqueólogo, entrar em um túnel fica furioso porque algumas
pedras caem em sua cabeça. Então é melhor que ele seja fazendeiro do campo! Desta
forma, é certo que nada cairá na cabeça dele, mas se você quiser ser arqueólogo o mínimo
que pode esperar é que algo caia na sua cabeça, é um risco que faz parte da profissão.
Mas se o medo é maior do que a curiosidade, é melhor deixar a arqueologia; se, por
outro lado, a curiosidade é maior do que o medo, é melhor você colocar um capacete na
cabeça e ter cuidado para que nenhuma pedra caia na sua cabeça. Mas não vá lá com
medo de que algo caia na sua cabeça. O terapeuta se comporta da mesma forma: não
tem curiosidade, tem medo e a curiosidade é mínima. No máximo, ele tem curiosidade em
como fazer terapia, não curiosidade em como, por meio da terapia, pode conhecer a família
e assim mesmo, por meio da família” (Andolfi, M., 1999, comunicação pessoal no curso
intensivo de psicoterapia familiar, “practicum”).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 272


Neste momento pôde-se entender o quão importante um treinamento coerente é
capaz de fornecer, aos futuros especialistas (terapeutas), os elementos necessários para
alcançar um conhecimento ótimo dos mais variados aspectos da própria personalidade onde
é evidente aquele simples aprofundamento de teorias e técnicas não são absolutamente
suficientes para realizar uma exploração extensiva das partes mais ocultas do eu; longe
disso, uma formação acadêmica que se limita a fornecer métodos de abordagem em tempo
muito curto ou em alguns casos a abandonar empregos que possam envolver demais a
pessoa do futuro profissional (terapeuta), limitando-se a sugerir um trabalho de terapia
pessoal - ação que muitos instituições de formação de terapeutas usam-.
Em um debate acalorado que ocorreu há muitos anos, a grave situação foi enfrentada
com o ímpeto de que, em muitos centros de treinamento para terapeutas familiares, muitos
futuros terapeutas em treinamento consideraram seu próprio treinamento como um tipo de
terapia ou mesmo alguns treinadores se tornaram seus próprios terapeutas. próprios alunos.
Indicou na época “sem dúvida o trabalho que se oferece no processo de formação pode ser
considerado terapêutico, mas nunca será uma terapia!” (Andolfi, M., 2000, comunicação
pessoal em Congresso de Estudos). Whitaker (1990) explicou que a diferença essencial
entre terapêutica e terapia reside no fato de que o “termo terapêutico indica um processo
que leva ao crescimento e integridade. (...) Qualquer experiência pode se tornar terapêutica.
(…). É preciso explicar que o aspecto terapêutico não depende necessariamente do evento
em si, mas do significado que o indivíduo lhe atribui” (pp. 168-169). Em vez disso, a terapia,
continua este pioneiro da terapia familiar, “em si é um processo intencional que ocorre
entre uma pessoa, chamada de cliente ou paciente, que por sua escolha se coloca em uma
posição subordinada a outra pessoa, um estranho , esperando ser ajudada a aprofundar
seu autoconhecimento ”(p. 170).

6 | CONCLUSÕES
O desafio que se coloca é revitalizar uma discussão que, creio, nem sempre acontece
e, com ela, a prática coerente de uma abordagem que, infelizmente, tem “negligenciado”
o seu objetivo principal há algum tempo: a família. Ou seja, no início do modelo relacional-
sistêmico, as duas palavras que determinaram a abordagem da intervenção foram “terapia
e família”, onde a primeira estava a serviço da segunda e sobretudo a “acompanhava” na
busca de novos recursos. evolucionário. Hoje a palavra terapia passou a ser o principal
interesse, deixando de lado o fundamento desse modelo. Além do mais, encontramos
insinuações que indicam uma prática que foi superada, falamos de ex-terapeutas de família;
aqueles que não desenvolvem mais a terapia familiar, ou não a fazem como sua atividade
predominante: definem-se terapeutas sistêmicos, terapeutas transgeracionais, etc. Parece
que uma prática terapêutica foi retomada de um modo tradicional, finalmente retornando a
um contexto individual. Embora os instrumentos clínicos desenvolvidos e aperfeiçoados por

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 273


tantos pioneiros da terapia familiar sejam um legado de valor extraordinário ao apoiar um
processo de desenvolvimento pessoal e familiar.
Concluo esta breve exposição com a convicção de que não foi deliberadamente
exaustiva e em muitos dos argumentos apresentados para dar ao leitor a possibilidade
de acompanhar com novos processos e reflexões. Confirmo que inconscientemente, ou
melhor ainda com total premeditação, deixei a discussão aberta para trazer sutilmente
aquele cupim relacional-sistêmico que há muitos anos também entrou na minha cabeça
com seu estrondo magnífico e seu movimento curioso e incessante, propondo-me
repetidamente, novas e dinâmicas reflexões não esperam por uma resposta inequívoca,
mas sim por novos insights. Permitindo a redescoberta de novos movimentos e, sobretudo,
a introdução de novos aspectos significativos de vitalidade e máxima curiosidade, capazes
de possibilitar encontros regulados pela autenticidade de um terapeuta familiar como um
panda moribundo.
Por fim, e para encerrar, gostaria de propor algumas reflexões compartilhadas
por alguns colegas em formação, que, em diferentes momentos, por prescrição e após
atividades de oficina de desenvolvimento pessoal, me deram meses depois. Refletindo
sobre alguns momentos significativos de suas vidas, mas também compartilhando
honestamente uma série de implicações pessoais, que esse tipo de processo lhes permitiu
viver, também confirmo que os nomes foram deliberadamente modificados para manter a
reserva e proteção de suas verdadeiras identidades.

“Caro Emilio,
Essa experiência esclareceu fundamentalmente para mim que as palavras e os
sentimentos que depositamos nos outros não se originam tanto de um impacto bidirecional,
mas de um risco pessoal.
E, portanto, que meu eixo central apreende nuances vitais para continuar na lacuna.
Tais como: Se você está ofendido ou chateado com algo ... terá que ser revisto.
Obrigado pelo que descobriste em mim, mas preferes que eu descubra. Pela
esperança que você transmite por acreditar tanto no seu trabalho, e pelo humor em
situações críticas.
Felicidades
Javiera “

“Emilio,
Estive com você na oficina de deficiência do terapeuta e trabalhei diretamente com
você. Digo-vos que estou a escrever este e-mail há três semanas, pois dia a dia tenho
vindo a fazer descobertas em relação ao que aconteceu e também nas mudanças que fiz
a partir desta experiência, pois pude tornar muito mais evidentes as minhas dificuldades.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 274


Fiquei em repouso por cerca de duas semanas, assim como a prescrição do
terapeuta1, entrei no liquidificador sem quebrar meus órgãos sensoriais, pelo contrário,
eles estão muito mais despertos porque sinto minhas emoções na superfície.
Passei aquela semana que precisava de um tempo para pensar e sentir tudo o que
surgiu e agora estou escrevendo para contar sobre minha experiência
Em relação à tarefa que você me deu, não tem sido fácil, porque obviamente os
outros não gostam que eu os faça sentir minha raiva, obviamente porque eu não tinha
feito antes, mas sinto que tenho formado relacionamentos mais sinceros. Você sabe, estou
animado com isso! Foi uma descoberta muito boa, mas também muito dolorosa.
Cordialmente
Rosa”

REFERÊNCIAS
Andolfi (2000), “Tre generazioni in terapia: Un modelo evolutivo di terapia familiare”. En Gruppi, vol.2,
Franco Angeli, Milano

Andolfi, Angelo (1987), Tempo e mito nella psicoterapia familiare. Bollati Boringhieri, Torino.

Andolfi, M., (2003), El coloquio relacional. Ediciones Paidós Ibérica.

Andolfi, M., (2015), La terapia familiare multigenerazionale. Raffaello Cortida Editore.

Bauman, Z., (2003), Modernidad líquida. México: Fondo de Cultura Económica.

Berardi, M.A. (1995), Lo specchio nello specchio: la ricerca del peccato originale. Terapia Familiare,
Rivista Interdisciplinare di Ricerca ed Intervento Relazionale, (49), (páginas 67-73).

Bowen, M., (1978), Family Therapy in Clinical Practice. Aronson, New York. Tr. It. parcial Dalla famiglia
all’individuo. Astrolabio, Roma 1979.

D’Andrea, A., (2001), I tempi dell’attesa. Franco Angeli, Milano.


1. “Pegue um profissional de psicologia ou psiquiatria muito maduro, descasque-o com cuidado, sem destruir os órgãos
sensoriais que são muito importantes.
Preparar separadamente os vários membros da família de origem, limpar, polir das incrustações emocionais e colocá-
-los em um preparo transparente e bem limpo.
Em seguida, leve o graduado junto com sua família de origem e liquefaça-o por oito horas; em seguida, deixe-o descan-
sar por no mínimo um ano, observando-se a decantação e separação quinzenalmente.
Depois de um ano, o futuro terapeuta familiar geralmente está pronto para ser passado na farinha da técnica, quando
bem enfarinhada, passa a espremê-la, escorrer bem, sob a luz de uma câmera de televisão e na presença de uma
família experimental.
Pode acontecer que o processo de relacionamento do candidato com sua família não seja completo e isso se torne
evidente quando ele é submetido à lente da câmera; Nesse caso, é aconselhável repetir a primeira operação com a
esperteza de trabalhar melhor as incrustações emocionais não extraídas anteriormente.
No terceiro ano de cozimento, use o mesmo procedimento para separar o futuro terapeuta familiar de seus colegas do
grupo; este procedimento permitirá que o infeliz experimente uma solidão insuportável; essencial para o cozimento final
Se a terapeuta não tiver misturado, adicione alguns tomates, para dar cor, alguns aromas e cozinhe como antes por
mais dois anos. Ao final de quatro anos, eles terão um bom terapeuta familiar”. (Berardi, M. A., (1995).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 275


Framo, J.L., (1992), Terapia Intergenerazionale. Trad. Italiana. Raffaello Cortina, Milano 1996.

Petry, S., McGoldrick, M., (2006), Genogramas en terapia familiar. En Roizblatt, A. (2006). Terapia
familiar y de pareja. Editorial Mediterraneo.

Ricci, E. (2001), Il padre e il taglio emotivo: La valigia di viaggio di mio padre, en M. Andolfi. Il Padre
Ritrovato. Milán: Franco Angeli, (páginas 265-272).

Ricci, E., (2002), “La terapia con la familia. Un encuentro con Mauricio Andolfi”. Perspectivas
Sistémicas, 14 (70), (páginas 6-9)

Ricci, E., (2003), “La traducción de significados en la Terapia Familiar”. Sistemas familiares. Año 19,
N°1-2

Ricci, E., (2006). “Atentado Homicida a Mister G. Desde el training de formación a la Terapia Familiar”.
Psychologica, Revista de la Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra, N 43, oct.

Roizblatt, A. (2006). Terapia familiar y de pareja. Editorial Mediterraneo.

Whitaker, K., (1989), Considerazioni notturne di un terapeuta della famiglia. Trad. Italiana. Astrolabio.
Roma 1990.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 21 276


CAPÍTULO 22
doi
RESILIENCIA Y AUTOCUIDADO: MIRADA Y
ESTRATEGIA PARA UNA VIDA PLENA

Data de aceite: 01/02/2021 Visto desde un enfoque psicosocial,


se pretende orientar al individuo en relación
con el entorno en que vive, un componente
Nestor Reyes Rubio central para ello, es orientar un proceso de
Corporativo Luxor y Universidad Jesuita de empoderamiento que no se limité al desarrollo
Guadalajara (ITESO) de sentimientos positivos hacia uno mismo y a
la capacidad de entender mejor las situaciones
en las que se vive, sino que principalmente se
RESUMÉN: Este trabajo tiene como objeto, trata de hacer algo activamente para cambiar
definir el concepto de Resiliencia desde una toda aquella situación que causa sufrimiento,
perspectiva global y promover la operatividad del
así como las adversidades y las crisis
mismo, dando prioridad a aquellas experiencias
emocionales inherentes a la condición humana,
aplicadas en el Autocuidado para tener una vida
plena, fomentando a través del desarrollo de puedan ser transformadas de manera objetivas
habilidades y estrategias el bienestar integral y así vencerlas de manera creativa poniendo
de las personas en un marco de reflexión atención en el ARTE DE CUIDARNOS PARA
y autoconocimiento que les lleve a generar CUIDAR. Al respecto Becker y Weyermann
herramientas de autocuidado y resiliencia vicaria.
(2006) refieren que Psico es la psique o al alma
PALABRAS CLAVES: Resiliencia, Psicología,
y guarda relación con nuestro mundo interior,
Autocuidado, Bienestar Emocional.
nuestros sentimientos, reflexiones, deseos,
creencias y valores, así como con la percepción
1 | INTRODUCCIÓN
que tenemos de nosotros mismos y de los
Este trabajo tiene como objeto, definir el demás. En cuanto a la palabra social, ésta alude
concepto de Resiliencia desde una perspectiva a las relaciones del individuo con los otros y a
global y promover la operatividad del mismo, su entorno. Ello no sólo incluye sólo la realidad
dando prioridad a aquellas experiencias material, sino también el contexto sociocultural
aplicadas en el Autocuidado para tener una vida que abarca desde el complejo tejido de las
plena, fomentando a través del desarrollo de relaciones humanas y las múltiples facetas de
habilidades y estrategias el bienestar integral la vida cultural hasta la comunidad y el Estado.
de las personas en un marco de reflexión
y autoconocimiento que les lleve a generar
herramientas de autocuidado y resiliencia
vicaria.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 22 277


2 | METODOLOGÍA
Desde el año 2011, en mi calidad de Director de Corporativo Luxor, comenzamos a
trabajar el tema de la Resiliencia en Guadalajara, Jalisco, México; realizando psicoeducación
con diferentes seminarios y talleres en los sectores académico, salud, empresarial y
gubernamental, con el objetivo de sensibilizar y concientizar sobre la necesidad de
introducir el término de Resiliencia como proceso, incorporando el dinamismo propio
de una interacción compleja en la que intervienen factores intrapsíquicos, ambientales y
adversidades.
Fue a partir del año 2014, que empezamos a realizar un Congreso Internacional de
Resiliencia en el Estado de Jalisco con la intención trascendental de poner en contacto
al mundo académico, con los profesionales que trabajan en primera línea el tema de la
Resiliencia, para que pueda fluir lo imprescindible para la democratización del conocimiento,
de tal manera que saberes y experiencias fueran compartidos en el marco del Congreso.
Hasta el momento hemos realizado 4 congresos de talla internacional. Los países que
han participado en las distintas ediciones son: EUA, Colombia, Venezuela, España,
Bulgaria, México y Cuba. En la actualidad me encuentro trabajando en un programa
federal mexicano que lleva por nombre “Contención Emocional dirigido al funcionariado
público de la Administración Pública Estatal de Jalisco” que tiene como objetivo generar
herramientas de autocuidado y de resiliencia vicaria, para afrontar de manera asertiva el
desgaste emocional generado en sus trincheras laborales. Y dada la experiencia laboral,
personal y académica que me tocó vivienciar, es de aquí que surge la filosofía del Congreso
Internacional de Resiliencia 2018, el cual es “Mirada y Estrategia para el Cuidado” para
abrir el campo del conocimiento y experienciar vinculando la resiliencia y el autocuidado
como claves para una vida plena. Y este es mi proyecto para presentar en la Convención
más importante de su hermosa tierra en temas de Psicología, que el próximo año tendría
asentamiento en mi segunda obra literaria llamada “El Rostro de la Resiliencia”.
Llamamos Resiliencia a los procesos dinámicos y propios del ser humano a través
de los cuales nos enfrentamos a las adversidades vitales, los superamos de manera
adaptativa e incluso terminamos siendo transformados positivamente por ellos.
Desde la primera aparición del término hasta nuestros días, el concepto de
Resiliencia se ha ido transformando y por tanto enriqueciéndose, gracias a las aportaciones
de un nutrido grupo de expertos, interesados en describir y posteriormente promocionar
una realidad incuestionable. Así, lo que en un primer momento se consideró como una
característica innata, que dotaba al individuo de un alto grado de invulnerabilidad, pasó
a considerarse en la década de los 80 como una capacidad, lo cual atribuye una aptitud
sobresaliente únicamente a aquellos que poseen o desarrollan dicha capacidad.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 22 278


3 | LA RESILIENCIA COMO UN PROCESO
Es a mediados de los 90 cuando algunos investigadores comienzan a introducir el
término de proceso, incorporado el dinamismo propio de una interacción compleja en la
que intervienen factores intrapsíquicos, ambientales y adversidades.
Al hablar de dinamismo, entendemos la realidad que nos circunda como algo
cambiante y complejo, por lo que una respuesta exitosa no tiene porqué ser siempre
eficaz para la resolución de nuevos problemas. Así pues, el hecho de haber tenido un
enfrentamiento resiliente ante una dificultad no nos garantiza la resolución de un próximo
conflicto con la misma solvencia. No existe pues el “Ya soy resiliente”. Si bien es cierto, que
no existe esa garantía de la que hablábamos, bien cierto es también que todo lo aprendido
puede tener tarde o temprano su utilidad. Estos procesos pueden tener una duración
variable en el tiempo, inmersos en ese tránsito nos encontramos con personas que, pese a
estar sometidas a grandes adversidades tienen un gran sentido del compromiso, una fuerte
sensación de control sobre los acontecimientos y están más abiertos a los cambios de la
vida, a la vez tienden a interpretar las experiencias estresantes y dolorosas como una parte
más de la existencia. (Kobasa y Maddi).
Para poder hablar de resiliencia es necesario mantener una línea base durante todo
el proceso de afrontamiento, sin grandes repercusiones en lo cognitivo, conductual y lo
emocional. Hablar de recuperación es simplemente el retorno a esa línea base, hablar de
Resiliencia es un peldaño más en el crecimiento vital.

4 | RESULTADOS
Quedando asentado que no es una investigación como tal, sino un trabajo de
psicoeducación a lo largo de diferentes eventos no solo académicos en nombre de la
Resiliencia y Autocuidado no existen resultados cualitativos, pero a nivel cuantitativo se
puede documentar en próximos trabajos.

REFERENCIAS
Becker, D. y Weyermann, B. (2006) Manual de Género, Transformación de Conflictos y Enfoque
Psicosocial. COSUDE.

Brooks, R. (2004). El poder de la resiliencia: cómo lograr el equilibrio, la seguridad y la fuerza interior
necesarios para vivir en paz. Paidós: México

Cyrulnik, B. (2010). Los patitos feos: la resiliencia: una infancia infeliz no determina la vida. Gedisa:
Barcelona, España.

Echenburúa, E. y Corral, P. (2007). Intervención en crisis en víctimas de sucesos traumáticos: ¿cuándo,


cómo y para qué?. Psicología Conductual, Vol. 15, No. 3

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 22 279


Filgueira, M. (2014). Síndromes profesionales del psicoterapeuta: Propuestas de Autocuidado con
Psicodrama. Psicoterapia y Psicodrama. Vol. 3. no. 1. 37-78.

Kobasa, S. C. y Maddi S.R. (1977). Existencial personality theory. En R. Corsini (Ed), Current
personality theory. Itasca, I11: Peacock.

Melillo, A. y Suárez Ojeda, E. N. (2001). Resiliencia: descubriendo mis fortalezas. Paidós: Buenos
Aires, Argentina

Schwalb, V. (2012). Todos somos resilientes. Paidós: Buenos Aires, Argentina

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 22 280


CAPÍTULO 23
doi
CONHECE-TE A TI MESMO E SÊ FELIZ!

Data de aceite: 01/02/2021 also intended to investigate whether it is possible


to identify and quantify happiness. The research
will be carried out by the bibliographic method.
It is intended to support the hypothesis that the
Carlos Fernando Barboza da Silva
search for happiness can be traced in different
Instituto Federal de Educação, Ciência e
ways and that happiness can be different for
Tecnologia de São Paulo - Câmpus Capivari
people depending on historical and socio-cultural
(IFSP-CPV)
contexts or issues of the subjectivity of each
individual.
KEYWORDS: Happiness, Self knowledge,
RESUMO: O tema central do trabalho se refere History, Philosophy.
ao autoconhecimento fazendo um levantamento
sobre como a procura pelo conhecimento
1 | CONSIDERAÇÕES INICIAIS
pode levar à felicidade. Caracterizar autores e
conceitos sobre a felicidade ao longo da história Em sua origem histórica, a filosofia
e investigar por que a busca pela felicidade mostra-se como um conhecimento superior que
tem sido ponto central no sentido da vida para leva à vida boa. Os filósofos se reconhecem
a maioria das pessoas. Pretende-se também como aqueles que buscam, praticam e ensinam
investigar se é possível identificar e quantizar um caminho para a finalidade última da filosofia
a felicidade. A pesquisa será realizada pelo que é a felicidade. Nesta linha de raciocínio,
método bibliográfico. Pretende-se fundamentar todos os atos humanos devem ser direcionados
a hipótese que a busca pela felicidade pode para esta intenção positiva e que devem
ser trilhada por diferentes caminhos e que a
ser evitadas todas as ações que causam o
felicidade pode ser diferente para as pessoas
sofrimento. A etimologia da palavra felicidade
dependendo de contextos históricos e socio-
culturais ou questões da subjetividade de cada vem do latim felicitas, que, por sua vez, deriva
indivíduo. do latim antigo felix, que significa “fértil, frutuoso,
PALAVRAS-CHAVE: Felicidade, fecundo”. Felicidade é então um estado fértil que
Autoconhecimento, História, Filosofia. gera vida e dá sentido à vida (COTRIM, 2013).
Diante disso, o problema a que esta
ABSTRACT: The central theme of the work pesquisa visa responder é: se a busca pela
refers to self-knowledge by surveying how the felicidade permeia toda a história da humanidade
search for knowledge can lead to happiness.
após todos esses séculos de reflexões, é
Characterize authors and concepts about
possível conhecer o que é a felicidade? É
happiness throughout history and investigate
possível que este conhecimento mostre
why the search for happiness has been a central
point in the meaning of life for most people. It is caminhos para encontrar a própria felicidade?

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 281


O objetivo deste trabalho é investigar como o autoconhecimento e a felicidade
se relacionam e para isso pretende-se: pesquisar como os filósofos ao longo da história
definem a felicidade e como traçam caminhos para alcançá-la; identificar por que é tão
importante para os seres humanos alcançarem felicidade; saber se é possível identificar
quando ela foi alcançada e se é possível quantizá-la.
A pesquisa é realizada pelo levantamento bibliográfico dos principais conceitos
sobre felicidade ao longo da história. Pretende-se fundamentar a hipótese que a busca pela
felicidade pode ser trilhada por diferentes caminhos e que a felicidade pode ser diferente
para as pessoas dependendo de contextos históricos e socio-culturais ou questões da
subjetividade de cada indivíduo.
O artigo está estruturado na primeira parte em identificar algumas definições
de felicidade e como alcançá-la ao longo da história, na segunda parte demonstra-
se a importância da felicidade para humanidade e como quantificá-la levando em
conta os aspectos da psicologia positiva e conclui-se com a tentativa de responder às
perguntas iniciais por meio da análise do levantamento histórico feito e sugestões para o
aprofundamento do tema.

2 | AS DEFINIÇÕES POR AUTORES DE FELICIDADE E COMO ALCANÇÁ-LA


AO LONGO DA HISTÓRIA
De acordo com os textos antigos, as fontes de felicidade derivam em geral de:
bens materiais, status social, prazeres, saúde e o amor (COTRIM, 2013). Na atualilidade,
essas fontes não diferem muito, apesar de serem influenciados por todas as concepções
filosóficas tanto as antigas quanto as medievais, as modernas e as contemporâneas. Para
fundamentar a discussão, pode-se fazer um apanhado histórico, que não pretende ser
exaustivo e completo, pois precisaria de volumes e volumes de livros para conseguir tal
feito, sobre como a felicidade é pensada ao longo do tempo e tentar reconhecer se o
conhecimento, e consequentemente o autoconhecimento, já que trata-se da história e
formação cultural da sociedade, tem uma relação direta com a felicidade.
Começando a viagem, pode-se analisar qual o pensamento dos filósofos da Grécia
antiga sobre a felicidade. Segundo o pensamento da maioria dos filósofos gregos, do
conhecimento nasce a virtude, e da virtude nasce a felicidade (COTRIM, 2013). Para
Heráclito (aproximadamente 540-470 a.C.), por exemplo, a felicidade não pode estar nos
deleites do corpo, porque o mesmo não é permanente, assim como tudo no mundo. Se
tudo muda, então a felicidade também não pode ser permanente. Na realidade tudo se
transforma num ciclo eterno e harmônico. Esse ciclo vida e morte que mantém o todo. O
etendimento dessa harmônia pode fazer com que o homem aceite a transformação como
modo de vida e ser mais feliz? Em tempos difíceis, saber que nada dura para sempre pode
ser um alívio? Esse reconhecimento pode ser uma forma de alento em tempos difíceis
e em tempos alegres aproveitar o momento sabendo que nada dura para sempre? Para

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 282


Demócrito (460-370 a.C.) agir corretamente e com sabedoria levam o homem à felicidade.
Sem o conhecimento o ser humano tende a errar devido à ignorância do melhor, o que
causa a injustiça e consequentemente a infelicidade. Os bens da alma aproximam do divino
e esses bens são as ideias verdadeiras, os conhecimentos, a contemplação do belo, amor
à justiça, à amizade, às leis da cidade. A moderação dos bens deve ser ponderada, já que
o excesso e a falta podem gerar desarmonia e levar à infelicidade (PAULA, 2014).
Se para os pré-socráticos as discussões são feitas para entender o cosmos, os
socráticos se preocupam principalmente com a ética e a política. Em Sócrates (469-399
a.C.) pode-se perceber a ênfase na aporia dos discursos, ou seja, o mais importante são as
perguntas e não as respostas. Frases como “sei que nada sei” e “conhece-te a ti mesmo”
são frequentes nos textos relacionados à Sócrates (ARANHA, 2016; CHAUÍ, 2014).
A procura do conhecimento por meio de diálogos é reportada nos textos de Platão, seu
discípulo, e em um deles (Cármides) Sócrates discorre sobre a relação entre a sabedoria
e a felicidade quando afirma que aquele que a possui é favorecido pelos deuses. Aquele
que é sábio é feliz fazendo bem a si (relacionado à melhor conduta ou ética) e aos outros
(relacionado com política) (PAULA, 2014).
A relação entre a sabedoria, virtude e felicidade é abordada também por Platão (427-
347 a.C.). Em sua teoria das ideias, o filósofo ateniense discorre sobre a teoria das ideias
que antagoniza o mundo ideal e o sensível. Tal teoria preconiza que somente por meio da
razão chega-se à verdade e que no mundo sensível os prisioneiros dos sentidos como no
“mito da carverna” (PLATÃO, 2000). Se o pensamento do mundo das ideias de Platão for
extrapolado para se alcançar a felicicidade plena, e consequentemente a verdade absoluta,
seria necessário deixar a vida, já que no mundo sensível isso não seria possível.
O discípulo mais conhecido de Platão é Aristóteles (384-322 a.C.) e como um bom
discípulo, se opôs à algumas ideias de seu mestre. Apesar de também valorizar a razão
para alcançar a verdade, pondera sobre a importância dos valores terrenos para alcançar
a felicidade. Segundo Aristóteles, cada ser tem uma função e deve trabalhar para que essa
função se cumpra por meio da virtude, e isso lhe traz prazer. Muitos animais, assim como o
ser humano, têm funções semelhantes, mas apenas o último possui a faculdade do pensar
de forma racional. Logo, o ser humano alcança sua felicidade se atuar de forma racional
que é a sua virtude. Porém, para Aristóteles, apesar do exercício teórico ser importante,
para alcançar a vida feliz é necessária também a prática de outras virtudes relacionadas ao
bem-estar material e social (PAULA, 2014; SILVA, 2019; COTRIM, 2013).
Os epicuristas e estoicos, assim como os céticos e os cínicos, no período helenista
continuam a busca pela sabedoria e felicidade ponderando os valores do prazer, da dor e
do autocontrole (PAULA, 2014; SILVA, 2019; COTRIM, 2013).
Na idade média a enfase para se alcaçar a felicidade está baseada na eternidade
divina. Houve um esforço para unir a filosofia e o cristianismo. A consequência desta união
é a subordinação da filosofia à teologia, já que a busca da filosofia é a verdade e a verdade

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 283


está na aceitação de Deus, revelada na bíblia, é necessária apenas a interpretação dos
textos sagrados para compreender o Bem e a Verdade (PAULA, 2014). O dualismo platônico
entre mundo sensível e inteligível influência na filosofia da idade média e tem destaque em
Agostinho (354-430) a supremacia da alma sobre o corpo. Segundo o teólogo, a felicidade
só é alcançada por meio da fé cristã para a contemplação do bem e do eterno após a morte.
A ausência de Deus e a efemeridade mundana leva o ser humano ao mau e à infelicidade.
Apesar das noções de felicidade dos pensadores da idade média estarem diretamente
relacionadas com Deus, as influências nos pensamentos têm diferentes origens. Se por um
lado Agostinho é fortemente influenciado pelo pensamento de Platão, em Tomás de Aquino
(1225-1274) a influência é de Aristóteles. Tomás de Aquino faz uma releitura da causa final
de Aristóteles que culmina no Divino. O pensamento racional de Tomás de Aquino tenta
mostrar a finalidade do ser humano só pode estar em Deus. Porém, a natureza humana
seria incapaz de apreender a definição verdadeira da essência de Deus, o que aproxima
seu pensamento aos de Platão que diz que não é possível ser plenamente feliz nesta vida
terrena.
Com a chegada da idade moderna, a forma de pensar a felicidade se transforma. A
passagem de uma visão teocentrista para antropocentrista no Renascimento, a forma de
pensar a felicidade, apesar dos resquícios da idade média, passa de uma questão divina
para científica. Com o início da idade moderna e o desenvolvimento do método científico, há
uma disputa entre empiristas e racionalistas para provar como chegar à verdade (PAULA,
2014).
Francis Bacon (1561-1626) baseia seus pensamentos em comprovações empíricas.
O conhecimento dos fenômenos naturais pode levar ao conhecimento e consequentemente
melhorar a vida individual e da sociedade. Entre os racionalistas, René Descartes (1596-
1650) é o filósofo, além de matemático e físico, mais proeminente nesta linha filosófica. A
sua maneira de pensar de modo extremamente racional alinha suas explicações com provas
matemáticas. O pensamento de Descartes sobre a felicidade pode ser traduzido como a
busca pelo equilíbrio para dominar as paixões e fazer uso da razão para as decisões.
Algo semelhante aos gregos antigos que consideravam o equilíbrio e autocontrole. Porém,
para a busca de conclusões verdadeiras, é necessário o exercício da dúvida hiperbólica
para caminhar em direção à uma certeza fundamental. Pessoalmente, para Descartes, a
felicidade está em contemplar a verdade e é imperturbável pelo sofrimento.
A felicidade no pensamento de Espinosa (1632-1677) aparece com maior destaque
comparando com os pensadores modernos. A busca de Espinosa não é pelas alegrias
comuns, e sim, pela a suprema felicidade, que requerem um conhecimento intuitivo. Apesar
de ser um caminho difícil, pois se deve abandonar a busca pelas alegrias comuns e uma
nova concepção de Deus. Para Espinosa, Deus não tem características humanas, sua
concepção do ser divino está mais relacionada como uma substância que emana tudo o
que existe e não tem poder de criar ou destruir algo, apenas é e ponto. Se todas as coisas

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 284


são emanadas do Deus espinosiano, isso significa que todos estão ligados à Deus e são
um pouco dessa fagulha divina, assim como as alegrias e tristezas da vida.
Se no Renascimento, os filósofos sofrem ainda forte influência da crença judaico-
cristã, no Iluminismo o pensamento tenta se tornar mais laico e a questão da felicidade
esta mais relacionada com a questão da prosperidade dos homens, e isto por si só já
proporciona a felicidade para a sociedade. Para alcançar a prosperidade, muitos acreditam
que o desenvolvimento da ciência e da educação pode proporcionar o esclarecimento e a
liberdade política e consequentemente a prosperidade e a felicidade aos homens.
Os ideais iluministas do século XVIII ainda estão fortemente presentes no século XIX.
Adicionalmente, este século é marcado por grandes descobertas científicas e em especial
pelo evolucionismo e positivismo. Estas ideias acabam culminando em uma concepção
de desenvolvimento de uma sociedade perfeita, que se organizada por um plano racional,
a humanidade pode ser perfeita e feliz. A ideia inicial de uma sociologia para o progresso
humano é totalmente positivista.
Para Augusto Comte (1798-1857), a sociedade deve deixar os estágios teológicos
e metafísicos de eras passadas e adentrar no estágio positivo, estágio mais avançado
da evolução humana conduzindo pela ciência para alcançar a perfeição e a felicidade. A
preocupação do coletivo deve se sobrepor ao individualismo, se todos contribuem para
uma sociedade justa, todos só term a ganhar com tais atitudes. O inglês Jeremy Bentham
(1818-1883), com seu cálculo da felicidade, propõe critérios para alcançar a felicidade.
Quanto mais intenso esses critérios, mais produz felicidade. Esses critérios são: Duração,
Intensidade, Certeza, Proximidade, Extensão, Fecundidade e Pureza (SILVA, 2019).
Legislando com esses critérios, o Estado pode tomar decisões para uma sociedade mais
feliz.
No final da idade moderna, três pensadores quebram os paradigmas do positivismo
e alguns pensamentos metafísicos dos séculos anteriores. Karl Marx (1818-1883), Friedrich
Nietzsche (1844-1900) e Sigmund Freund (1856-1939) propoem pensamentos que vão
de encontro ao pensamento vigente, colocando a humanidade de frente com “mentiras”
vendidas que podem ao contrário da felicidade, levar o homem à tristeza absoluta.
No materialismo dialético de Karl Marx, o pensador expõe que as principais causas
da infelicidade humana estão no modo de produção, nas relações de trabalho e nas lutas
de classes (PAULA, 2014). É preciso repensar a sociedade sem esses entraves para que
sejam criadas condições sociais e materiais para a felicidade individual e coletiva.
Para Nietzsche, é preciso dizer sim à vida em sua plenitude (PAULA, 2014). Em
seu conceito de eterno retorno, o filósofo propõe que é preciso viver como se os eventos e
decisões da existência fossem se repetir eternamente em ciclos idênticos. Por isso deve-se
viver a vida como ela é e atuar de forma a não se arrepender, pois há apenas esta vida para
viver, negando todas as metafísicas e religiões dos séculos anteriores, por que não há um
além para receber todos os esforços que são realizados nesta vida. Porém, alerta para o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 285


perigo das paixões mundanas, sendo necessária uma ponderação, enquanto espírito livre,
entre atitudes dionísicas e apolíneas, evitando crenças teleológicas (PAULA, 2014).
O pai da psicanálise, Sigmund Freud, mostra que as crenças racionalistas que fazem
da consciência humana o centro das decisões e controle dos desejos não estão totalmente
corretas (ARANHA, 2016). O ser humano muitas vezes é comandado pelo inconsciente e
age conforme as forças conflitantes das pulsões. Para a recuperação de uma vida mais
suportável, é necessário um processo psicoanalítico e compreensão da conduta, que para
Freud, de natureza sexual como a libido, sublimação e repressão.
As perspectivas positivas dos positivistas no começo do século XX não duram muito
tempo. Com a primeira guerra mundial, todos os sonhos de uma sociedade melhor com os
avanços da ciência e a ordem para o progresso da humanidade são aos poucos substituídos:
de um realismo desromantizado para um existencialismo angustiante e absurdo.
Jean-Paul Sartre (1905-1980), criador de um existencialismo radicalmente
humanista, afirma que o homem está só no mundo, abandonado e lançado a um mundo
sem regras. Os indivíduos devem buscar sua essência em si mesmo. Em sua liberdade
o ser humano deve usar esse dom para se descobrir, mas deve tomar cuidado com a
armadilha que esta mesma liberdade pode levar (PAULA, 2014).
Em Albert Camus (1913-1960) vislumbra-se uma possibilidade de felicidade em
meio ao absurdo de uma liberdade tão traiçoeira. Segundo o pensador, uma possibilidade
de ser feliz em meio ao absurdo da vida é a conscientização do absurdo no mundo, na vida
e na existência. O homem não deve procurar racionalidade e sentido no mundo, mas o
pensador afirma que não é possível atender a tais súplicas da humanidade, é preciso viver
com e no absurdo e admitir aquilo que a existência não pode dar (PAULA, 2014), a frase
típica do atual que pode reduzir tal pensamento é “aceita que dói menos!”.
Com Viktor E. Frankl (1905-1997) pode-se ser um pouco mais otimistas. Em sua
logoterapia o psicanalista, que tem uma experiência na segunda guerra mundial em um
campo de concentração nazista, mostra que é preciso, em tempos difíceis, encontrar um
sentido na vida por meio da autotranscedência. É uma forma de passar de uma visão
individualista para encontrar sentido numa causa coletiva, assumindo uma postura mais
humanística e significativa (PEREIRA, 2007).
Percebe-se que o homem racional demais pode, ao contrário do que prescre o
positivismo da idade moderna, canalizar o conhecimento para o sofrimento da humanidade.
É importante reconhecer que o homo sapiens também é um homo demens (SILVA, 2019).
O termo cunhado por Edagard Morin reconhece que o ser humano necessita para ser feliz
não só seu lado racional, mas também o irracional. Como também prevê Nietzsche, há
uma dialética entre o apolínio e o dionísico. E para temperar essa dança dialética, pode-
se acrescentar o termo homo ludens cunhado por Huizinga (SILVA, 2019) e o homo faber
amenizdado por Csikszentmihalyi em seu conceito de Flow (CSIKSZENTMIHALYI, 2017).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 286


Para Huizinga, é da natureza humana o jogar e brincar, a natureza moderna do homo
faber acaba por apagar a luz do homo ludens que necessita de momentos de lazer. Mas a
necessidade do lúdico do ser humano não pode ser extinto: “quem deixa de brincar e de
jogar, cai na depressão” (SILVA, 2019). Como mencionado no filme Mary Poppins: “em cada
trabalho que faz há um elemento divertido. Encontre essa diversão e… o trabalho torna-se
um jogo. E cada tarefa que precisa fazer, se torna fácil. Uma diversão, uma brincadeira.”
Pode-se então unir a seriedade do homo faber e o homo ludens com a ajuda dos autores
Csikszentmihalyi e Seligman, da psicologia positiva, e tornar as atividades rotineiras em
um mundo tão atribulado e fugaz em ações prazerosas e gratificatnes. Os trabalhos desses
dois psicólogos são um pouco mais detalhados na próxima sessão.

3 | SOBRE A IMPORTÂNCIA DA FELICIDADE PARA A HUMANIDADE E COMO


IDENTIFICÁ-LA
Como se pode perceper no pequeno levantamento histórico, uma das finalidades
das ações humanas é a busca da felicidade. Dentre as várias definições, esse princípio
metafísico nunca é abandonado, às vezes adiado, como na idade média, mas com
perspectiva de alcançá-lo após a morte. Porém, como denunciado por Seligman em seu
livro Felicidade Autêntica (2019), a psicologia tradicional não se preocupa em desenvolver
a felicidade, mas sim, curar os males da alma e os transtornos psicológicos. Por isso sua
psicologia positiva propõe investigar as causas da felicidade e como é possivel promever
uma vida mais feliz. Mas antes de iniciar a “fórmula mágica” de Seligman, uma analise de
algumas dicas de felicidade de Csikszentmihalyi é descrita, o autor que desenvolve sua
teoria de fluidez que também faz parte da psicologia positiva.
Em seu livro Flow, Csikszentmihalyi (2017) explora como é possível experimentar o
prazer da vida, controlando a atenção e fortalecendo a determinação. Isso acontece quando
se imerge em uma atividade ou assunto incapaz de deixar ansioso (por ser muito difícil),
nem entediado (por ser muito fácil). Neste “estado de fluxo”, perde-se a autoconsciência,
egoísmo e senso do tempo. Ele melhora o relacionamento com o trabalho, aumenta a
autoestima e dá significado à vida. Há sete ensinamentos principais no trabalho de
Csikszentmihalyi, são eles: procurar oportunidades e maneiras de obter auto crescimento,
e não o prazer espontâneo e passageiro; concentrar-se nas tarefas e obter controle sobre
a atividade; desenvolver habilidades novas e interessantes exige enfrentar desafios; com
a disciplina, podem-se usar os sentidos e movimentos para ajudar a sintonizar um estado
de conscientização; ao tratar o trabalho como uma criação com recompensas pessoais,
ele deixa de ser “trabalho alienante”; envolver-se com a família, amigos e comunidade é
essencial para a auto expressão e crescimento do eu (self); descubrir propósitos na vida
por meio de objetivos e determinação de colocá-los em ação.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 287


Na pesquisa de Seligman (2019), o autor demonstra por meio de pesquisas
psicológicas o que promove e o que não promove o aumento da felicidade e propõe uma
fórmula da felicidade. A fórmula da felicidade seria constituída pela seguinte equação: H
= S + C + V, na qual, “H” (happiness) corresponde ao nível constante de felicidade, “S”
(set range) corresponde aos limites preestabelecidos, “C” (circunstances) corresponde às
circunstâncias da vida e, “V” (voluntary) corresponde aos fatores que obedecem ao seu
controle voluntário (SELIGMAN, 2019).
As variáveis “S” tendem a impedir que o nível de felicidade aumente. Elas são
constituídas por fatores genéticos, rotina hedonista e limites preestabelecidos. O estudo
das circunstâncias abrange o dinheiro (que não teria grande influência para o aumento do
nível constante de felicidade), casamento (esse sim, com forte influência para tornar as
pessoas felizes), vida social, emoções negativas, saúde, educação, religião, dentre outras
circunstâncias.
O controle voluntário da emoção positiva se apresenta em três diferentes níveis:
passado, presente e futuro, sendo possível cultivar cada um de modo separado.
As emoções positivas em relação ao passado abrangem a elevação dos níveis de
satisfação, contentamento, orgulho e serenidade. Nesse ponto, Seligman critica a teoria
que sustenta que eventos negativos na infância levem sempre a problemas na idade adulta.
Segundo o autor, a importância que se dá aos fatos passados é exagerada. Geralmente,
é a pouca valorização dos acontecimentos positivos do passado, assim como a ênfase
excessiva aos negativos, que são as responsáveis pelo enfraquecimento da satisfação,
contentamento e serenidade.
As emoções positivas em relação ao futuro compreendem a esperança, o otimismo,
a fé e a confiança. Exercícios de como fazer com que as pessoas aumentem o grau de
emoções positivas em relação ao futuro podem ser realizados.
As emoções positivas em relação ao presente abrangem os prazeres e as
gratificações. Os prazeres se definem por serem momentâneos, fugazes, e pela emoção que
provocam. Eles podem ser intensificados pela anulação do efeito negativo da habituação
(isto é, aumentando o intervalo temporal entre eles), pela apreciação (apreciar o momento),
e pela atenção (concentrar-se na experiência).
As gratificações, que talvez constituam um dos pontos principais da Psicologia
Positiva, estão ancoradas não nas emoções, mas sim, nas forças e virtudes pessoais.
Isto é, no “flow”, de Csikszentmihalyi. Caracterizam-se, portanto, pela plenitude, pelo
engajamento, pela absorção. Não existe, na gratificação, emoção positiva ou consciência,
mas sim, o exercício de forças e virtudes pessoais. Participar de um projeto social voluntário
não requer emoção nem consciência, mas produz extrema gratificação para quem assume
esse desafio.
É neste ínterim que encontra-se a resposta para uma indagação que na verdade
é uma contradição: se os indicadores atuais de bem-estar objetivo, tais como grau de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 288


instrução, poder de compra, alimentação, vêm subindo e estão maiores do que há 50 anos,
por que os indicadores de bem-estar subjetivo vêm caindo, representado, por exemplo, pelo
aumento dos casos de depressão? Se as condições materiais de vida vêm melhorando,
por que as pessoas não estão mais felizes? O autor responde que isso ocorre porque a
sociedade prioriza os prazeres em detrimento das gratificações. Buscam-se atalhos para a
felicidade: televisão, compras, drogas, junk food… e esses atalhos não geram mudanças
nem desenvolvem as virtudes nem as forças pessoais.
Seligman também desenvolve o estudo das forças e virtudes. Em seu livro é feita
uma catalogação de seis virtudes que estão presentes em praticamente todas as culturas
e tradições existentes ou que existiram, encontrando seis virtudes comuns a todas elas:
saber e conhecimento, coragem, amor e humanidade, justiça, moderação e espiritualidade
e transcendência. Além das seis virtudes, o autor cataloga vinte e quatro forças que
podem ser desenvolvidas por praticamente qualquer ser humano, cada qual relacionada
a uma virtude específica. Por exemplo, dentro da virtude do “saber e conhecimento”, são
localizadas seis forças pessoais: curiosidade, gosto pela aprendizagem, critério, habilidade,
inteligência social e perspectiva. Dentro da virtude da moderação, estão autocontrole,
prudência e humildade, e assim por diante. Toda pessoa possui inclinação a desenvolver
certo tipo de força ou virtude específica, e o autor apresenta exercícios que podem ser feitos
para encontrar as que lhe são mais poderosas e as que mais poderiam ser desenvolvidas
e aprimoradas.
É possível ampliar as emoções positivas, desenvolvendo as forças e as virtudes, a
fim de produzirem gratificação, e, portanto, felicidade autêntica, em diferentes segmentos
da vida, tais como trabalho, como desenvolver as suas forças pessoais nas rotinas
profissionais, e, assim, recriá-las, tornando-se uma vocação. No amor, mais especificamente
no casamento, afirmando-se que esse é tanto melhor quanto mais se torna um veículo para
uso diário de nossas forças pessoais e na criação de filhos, com orientações práticas de
como desenvolver emoções positivas, principalmente em crianças pequenas.
O autor também se propõe a investigar o significado e propósito da vida. De acordo
com Seligman, tendo em vista que a humanidade parece caminhar em um processo de
maior complexidade e em mais situações em que todos saem ganhando, o objetivo, como
indivíduos, é escolher ser uma parte do avanço nesse sentido, unindo a todos em algo
maior.
Seligman distingue quatro tipos de vida: a agradável, a boa, a significativa e a plena.
A vida agradável é a que busca os sentimentos positivos, bem como o desenvolvimento
de habilidades para aumentar essas emoções. A vida boa vai além, e visa utilizar as forças
pessoais para produção de gratificação abundante. A vida significativa constitui igualmente
um passo a mais, e define-se pela busca de alguma coisa maior que nós mesmos. E a vida
plena, por sua vez, é viver todas essas três vidas, de forma integrada e harmoniosa.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 289


4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se perceber que ao longo da história, não só os filósofos, mas toda a
humanidade está em busca da felicidade, tanto individual, quanto coletiva. Por meio desse
pequeno levantamento histórico, é possível perceber que as ideias dos antepassados
permanecem no imaginário coletivo e tem forte influência nas decisões da sociedade
atual. Partindo do pressuposto que ao conhecer a cultura, história e sociedade, pode-
se conhecer a si próprio, pode-se por meio dos filósofos, psicológos, sociólogos e tantos
outros pensadores abordados aqui e na vasta literatura acadêmica, obter as ferramentas
para começar a construir a própria felicidade.
É possível que muitas delas sejam contraditórias, algumas vezes beirando a
autoajuda ou um absurdo e desespero humano, mas se houver a consciência dos prós
e contras e conhecimento da própria subjetividade, é possível, com a ajuda de teorias,
conselhos, e conhecimentos dos formadores da cultura histórica da sociedade, viver uma
vida muito mais plena integrando a sabedoria dos ancestrais e contemporâneos.
Muitos pensadores não são abordados neste artigo ou um aprofundamento em
alguns deles seria necessário. Mas o objetivo de fazer um panorama geral de pensadores
para responder as perguntas iniciais foi alcançado. Em primeiro lugar é possível definir
a felicidade por meio de diferentes lentes dependendo do tempo e espaço e observar as
influências através dos tempos que essas ideias permearam até os tempos atuais. Em
segundo lugar, vai depender de cada indivíduo para absorver ou rechaçar tais ideias e
encontrar a própria felicidade por meio do conhecimento acumulado e do autoconhecimento
para elaborar sua própria fórmula de felicidade.
Questões atuais como o hiperconsumismo, a modernidade líquida e o pensamento
do mundo em constante mudança com suas volatilidades, incertezas, complexidades
e ambiguidades (SILVA, 2019) podem ser alvo de futuras pesquisas para aprofundar o
assunto. Mas o que é possível concluir é que não há uma fórmula única para todos e sim a
reflexão sobre o que pode ser felicidade para cada indivíduo e o conselho final é: conhece-
te a ti mesmo e seja feliz.

REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 6ª
Ed. São Paulo: Moderna, 2016.

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. 2. Ed. São Paulo: Ática, 2014.

COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MARY Poppins. Direção Robert Stevenson. Estados Unidos: Walt Disney, 1964. DVD (139 min).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 290


CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: The Psychology of Optimal Experience. New York: Harper Collins,
1990.

PAULA, Marcos Ferreira de. Sobre a Felicidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

PEREIRA, Ivo Studart. A Vontade de Sentido na Obra de Viktor Frankl, Revista Psicologia USP,
2007, 18(1), 125-136.

PLATÃO, A República. Tradução: Pietro Nassetti. 3ª Ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.

SELIGMAN, Martin E. P. Felicidade autêntica: usando a psicologia positiva para a realização


permanente. 2ª Edição. São Paulo: Editora Objetiva, 2019.

SILVA, Juremir Machado da Silva. Ser feliz é tudo que se quer (ideias sobre o bem viver): filosofia
para ler no parque, no ônibus, na cama, na rede. Porto Alegre: Sulina, 2019.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 23 291


CAPÍTULO 24
doi
A IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES LÚDICAS NA
FORMAÇÃO HUMANA

Data de aceite: 01/02/2021 the relevance of jokes at school to the scope of


early childhood education. Through fun activities,
children improve motor and cognitive skills as
well as imagination, language, and attention.
Ezequiel Martins Ferreira
Accordingly, these dynamic activities are
ID Lattes: 4682398500800654
designed to understand the inclusion of children
in the educational context as it also understand
the consequences of teaching practice in their
RESUMO: Este artigo busca estabelecer a overall development, in which the teacher will
importância das atividades lúdicas para o be considered a mediator of playfulness and
desenvolvimento social, cognitivo e afetivo learning.
da criança, apresentando a relevância das KEYWORDS: Play, Playful, Child, Early.
brincadeiras no espaço escolar. Através das
ações lúdicas, as crianças aprimoram habilidades 1 | INTRODUÇÃO
motoras e cognitivas, bem como a imaginação,
Quando se refere às atividades lúdicas,
linguagem e atenção. Nesse sentido, essas
atividades dinâmicas têm a finalidade de observa-se que tais movimentos têm como
compreender a inserção da criança no contexto propósitos, produzir prazer e satisfação no
educativo, tal qual entender também, os reflexos sentido de divertir a criança. Para elas, o
da prática docente em seu desenvolvimento brincar constitui-se em necessidade básica
global, em que o professor será considerado
de fomento à imaginação, através dela as
mediador do lúdico e da aprendizagem.
crianças satisfazem seus interesses e desejos.
Portanto, a ludicidade é muito importante para
o desenvolvimento integral da criança, pois por Toda criança necessita do brincar para seu
meio da interação divertida, poderá aprender a desenvolvimento enquanto cidadão.
conviver com as diferenças; tanto do outro como Logo, brincar é tão importante para
com suas próprias limitações. a criança como o trabalho é para o adulto.
PALAVRAS-CHAVE: Brincadeiras, Lúdico, Brincando a criança exterioriza seus sentimentos
Criança.
e emoções, constrói novos comportamentos. As
brincadeiras são atividades lúdicas envolventes,
THE IMPORTANCE OF PLAY ACTIVITIES porque coloca a criança em interação com
IN HUMAN DEVELOPMENT atividades físicas e com fantasias. Assim, os
ABSTRACT: This article seeks to establish the pequenos aprendem a trocar experiências
importance of play activities for social, cognitive fundamentais para o convívio social, pois
and emotional development of the child, showing
exercícios lúdicos favorecem a comunicação de

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 292


forma espontânea de socializar com as outras crianças. Na prática dessas atividades, elas
recriam e repensam sobre gestos, sinais, objetos e espaços, contribuindo para a influência
mútua com o outro.
O lúdico é tudo aquilo que envolve a brincadeira, imitação, criatividade da criança.
Encontra-se presente em situações cotidianas e fantasiosas como: o relato de um colega,
cenas assistidas da televisão, no cinema, histórias infantis ou narradas por livros. O lúdico
é a imaginação no exercício da ação. Este propicia desenvolvimento sócioemocional dos
pequenos, quando interagem com o meio ambiente em que vivem.
Nesse sentido, a aprendizagem tem um papel importante no desenvolvimento do
conhecimento. Sendo fundamental para a formação integral dos infantes, assim como a
construção de sua identidade e de sua estrutura física e afetiva. Toda criança que participa
de atividades lúdicas desenvolve habilidades motoras, intelectuais e cognitivas. E, através
dessas atividades, o professor pode se deparar com duas formas verificáveis: A primeira
é aquela que a criança faz, e a segunda, como ela organiza este fazer, pois para Maluf:

A atividade lúdica pode ser uma brincadeira, um jogo ou qualquer outra


atividade que vise proporcionar interação. Porém mais importante do que
o tipo de atividade lúdica é forma como ela é dirigida e vivenciada, e o
porquê de sua realização. Toda criança que participa de atividades lúdicas
adquire novos conhecimentos e desenvolve habilidades de forma natural e
agradável, gerando um forte interesse em aprender e garantindo o prazer.
(MALUF, 2009, p.21)

Desta forma, a autora apresenta vários benefícios relativos às atividades lúdicas,


tais como: assimilação de valores, aquisição de comportamento, desenvolvimento de
diversas áreas do conhecimento e socialização.
Na faixa etária de crianças de 2 a 5 anos, essas atividades são trabalhadas mais
enfatizadas, considerando interação entre si e em seu meio social como elementos
decorrentes do lúdico. As brincadeiras são consideradas mais que um simples passatempo.
Elas promovem o desenvolvimento dos processos de socialização levando às descobertas
de um novo mundo mais criativo.
Porquanto, através das atividades lúdicas os professores podem perceber traços da
personalidade da criança, do comportamento individual e coletivo, podendo possibilitar a
autoestima, desenvolver a autoconfiança, respeito por si mesmo e com os outros. O papel
do professor será de mediador frente às atividades lúdicas como instrumentos facilitadores
da educação infantil.

1.1 A evolução histórica das brincadeiras e do lúdico no Brasil


Cada cultura tem uma visão diferente sobre as brincadeiras. Desde a antiguidade tem-
se o costume de brincar. As brincadeiras que temos hoje são resultados da miscigenação
de povos. Levando em consideração três raças: negros, índios e portugueses, ao longo do
processo da colonização brasileira.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 293


Os índios usavam de seus costumes para ensinar seus filhos a caçar, pescar, brincar
e dançar. Uma maneira lúdica de aprendizado representando sua cultura, bem como a
educação e suas tradições. Seus filhos construíam seus próprios brinquedos com materiais
extraídos da natureza. Caçavam, pescavam e desenvolviam para estas atividades um olhar
diferente. Seus objetivos eram sempre o de brincar e divertir.
Os negros também trouxeram seus costumes. Semelhantemente aos índios, sendo
necessário desde criança, a construção de seus próprios brinquedos, saber pescar, nadar,
caçar.
Já os filhos dos portugueses, quando estes vieram para o Brasil, não tinham contato
com a ludicidade, como modelos de atos necessários à sobrevivência. Compreendia o
lúdico apenas para seu enriquecimento intelectual. Os costumes, trazidos de Portugal,
eram totalmente diferentes dos existentes no Brasil, dos índios e dos negros.
Assim, historicamente, a criança dessa época não tinha existência social. Era
considerada como um adulto em miniatura. Nas classes sociais altas, eram educadas para
o futuro. E nas classes sociais baixas, para o trabalho. Com a evolução histórica, a infância
se transformou em decorrência dos diferentes elementos sociais, culturais, políticos e
econômicos. Sendo assim, o olhar para criança dependia do momento histórico social,
como ratifica Rego:

A cultura é, portanto, parte construtiva da natureza humana, já que sua


característica psicológica se dá através da internalização dos modos
historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com
informações. (REGO, 2011, p 42)

Ora, ao brincar com outras crianças, estas socializam trocando informações de


suas culturas umas com as outras. Tal qual aborda Ariés (2011), onde a ideia de infância
simplesmente não existia: as crianças eram adultas à espera de adquirirem a estatura
“normal”. Enfatizava que a infância teve sua origem a partir do momento histórico e social
da modernidade. O ato de brincar oferecia a inserção dos papéis sociais, o aprendizado
das regras na vida diária, já que a criança era considerada “um adulto menor” no período
medieval.
Porquanto, hoje, a evolução do ato de brincar passa ganhar espaço na educação
de crianças pequenas, como fuga ou recreação. Considerando que até então, a infância
social não permitia a aceitação de um comportamento infantil espontâneo e lúdico. A partir
daí a educação passa de fato, ser influenciada pela sociedade capitalista, mudando o seu
conceito.
Assim, percebe-se que a criança nem sempre foi considerada como é hoje. As
brincadeiras nas ruas, no recreio da escola deram origem às atividades lúdicas, recreativas
e curriculares à criança em sua essência, qual seja a infância, segundo o pensamento de
Brougêre:

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 294


Na realidade, como qualquer cultura, ela não existe pairando acima de nossas
cabeças, mas é produzida pelos indivíduos que dela participam. Existe na
medida em que é ativada por operações concretas que são as próprias
atividades lúdicas. Pode-se dizer que é produzida por um duplo movimento
interno e externo. A criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. É
o conjunto de sua experiência lúdica acumulada, começando pelas primeiras
brincadeiras de bebê evocadas anteriormente, que constitui sua cultura
lúdica. (BROUGÊR , 2011, p.26)

Logo, Froebel ao criar o primeiro Jardim de Infância, marca a história da Educação


Infantil. A Escola Froebeliana caracterizou-se pelas atividades como: canto, jogos,
pinturas, palestras, jardinagem, modelagem, ouvir histórias, gravuras coloridas, trabalhos
manuais que consistiam em exercícios sensório-motores (pintura, desenho, recorte,
colagem, tecelagem, bordados, etc.). As brincadeiras deveriam ser ao ar livre para que a
turma interagisse com o ambiente. O teórico aponta que as crianças trazem consigo uma
metodologia natural que as leva a aprender de acordo com seus interesses e por meio de
atividade prática.
Em conformidade, Arce (2002) ressalta que Froebel considera a educação infantil
indispensável para a formação do homem, e essa ideia foi aceita por grande parte dos
teóricos da educação que vieram depois dele. O objetivo das atividades nos jardins de
infância era possibilitar brincadeiras criativas. O ponto de partida da educação seria o
sentido e o contato que eles criam com o mundo. Portanto, a educação infantil teria como
fundamento a percepção, da maneira como ela ocorre naturalmente nos pequenos.
Toda essa contribuição fez de Froebel o primeiro pedagogo da educação infantil,
o primeiro a romper com a educação verbal e tradicionalista de sua época. Ele propôs
uma educação voltada à sensibilidade, baseada na utilização de atividades prazerosas e
materiais didáticos para a contribuição do desenvolvimento dos discentes. Toda criança em
sua infância brinca. O brincar é uma característica própria da infância. A brincadeira é uma
forma de divertimento típico dessa fase do crescimento. O brinquedo é identificado como
objeto de brincadeira.
Agora, a Educação Infantil passou a ser considerada um espaço lúdico, onde as
crianças aprendem de forma mais interessante e prazerosa. Levando em conta que dos 2
aos 5 anos de idade, a criança ainda não tem possibilidade de concentração, sendo esta
mais dispersa, mudando constantemente de atividade em suas habilidades ao ato de
brincar.
Essa modalidade de educação fomenta a importância do brincar, e é justamente
através desse brincar, diferenciado, que a criança conseguirá aprender e se desenvolver.
Pois de acordo com Maluf (2009, p.21-22). “Na Educação Infantil, por meio das atividades
lúdicas a criança brinca, joga e se diverte. Ela também age, sente, pensa, aprende e
se desenvolve. As atividades lúdicas podem ser consideradas tarefas do dia-a-dia na
Educação Infantil.”

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 295


Sendo assim, no contexto educacional, iniciou-se uma nova etapa com a construção
de novas concepções sobre os pequenos. As ações lúdicas passaram a apresentar um
enorme benefício à escola, passando esta a ocupar um importante papel no estímulo à
ludicidade, face às propostas pedagógicas implementadas.

1.2 A importância das atividades lúdicas para o desenvolvimento sócioafetivo


da criança na educação infantil
A cultura contemporânea compreende que o brincar é fundamental para que a criança
possa expressar, aprender, crescer e resgatar valores. O desenvolvimento sócioafetivo
está relacionado aos sentimentos e as emoções em cooperação, motivação e respeito,
estimulando a formação das crianças.
As maiores aquisições de uma criança geralmente são conseguidas ao brincar.
Aquisições estas, que no futuro promovem o ser humano, social, crítico e reflexivo, capaz
de construir e analisar o contexto em que se encontra inserido.
Para Piaget (1978) as atividades lúdicas indicam o início das atividades intelectuais
da criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa prazerosa. Para ele o afeto é
o principal impulso motivador dos processos de desenvolvimento mental da criança:

Toda conduta supõe a existência de instrumentos, ou seja, de uma técnica os


aspectos motores intelectuais; mas também toda conduta implica em certas
ativações e metas valiosas; trata-se dos sentimentos, e assim afetividade e
inteligência são indissolúveis e constituem os dois aspectos complementares
de toda conduta humana. (PIAGET, 1978, p. 38).

Nesse sentido, a criança reconstrói suas ideias e ações. O cognitivo está em relação
ao social e afetivo. Na infância a criança vive um processo de adaptação progressiva ao
meio concreto. O conhecimento mental se dá a partir da ação do sujeito com seu meio.
Bem como, para Vygostky (1984), onde o meio social da criança é o alicerce de sua
vida futura. É através desse caminho que ela poderá construir seu próprio pensamento
e compreenderá seu derredor, através das pessoas que a rodeiam no convívio social,
mostrando ações, movimentos e formas de expressão. No contexto social da criança
ressalta Maluf apud Schaefer:

No contexto de desenvolvimento social da criança, tais atividades são parte


do repertorio infantil e integram dimensões da interação humana necessária
na análise psicológica (regras, cadeias comportamentais, simulações ou
faz de conta, aprendizagem observacional e modelagem. (MALUF apud
Schaefer, 2009, p. 22)

Assim, no âmbito familiar, no primeiro lócus formador, a brincadeira é transmitida à


criança através de seus próprios parentes, de forma expressiva. De uma geração à outra, ou
pode ser aprendida pela criança de forma espontânea. E, seria importante, que o ambiente
das crianças fosse enriquecido de diversas formas, com: brinquedos jogos, roupas, livros,
entre outros, fazendo com que elas adquiram experiências brincando em seu meio social.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 296


Já na escola, na educação infantil, a criança depara com diferentes formas de
brincar, principalmente através das atividades lúdicas. Desta forma, estará socialmente
brincando com outras crianças de sua faixa etária e em seu ambiente, podendo compartilhar
com outras crianças experiências e trocas de brincadeiras. É importante que ela brinque
para se desenvolver nas diversas relações cotidianas, e poder construir sua identidade; a
imagem de si no meio em que vive. Sendo que, por meio do brincar, a criança se prepara
para aprender novos conceitos, adquire novas informações, podendo ter um crescimento
saudável. A relação dos exercícios lúdicos no desenvolvimento da criança permite que ela
tenha clareza nas funções mentais, como o desenvolvimento do raciocínio e da linguagem.
Consoante, os Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil têm
contribuído para resgatar a consciência da importância do brincar nas escolas de Educação
Infantil:

No processo de construção de conhecimento, as crianças se utilizam das


mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem
idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nessa
perspectiva as crianças constroem o conhecimento a partir das interações
que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que elas vivem.
(BRASIL, 1998, p.21)

Assim, compreende-se que é de extrema importância que todas as instituições de


ensino possam promover o desenvolvimento das atividades lúdicas de forma que estimule
o interesse pela dinâmica social. A criança necessita ser acolhida de forma amável pelas
outras crianças, para que haja interação no momento das brincadeiras entre elas.

1.3 As brincadeiras no espaço escolar: O lócus de aprendizagem significativa


As crianças correm, caem, rodopiam, batem, sorriem, abraçam, choram e brincam,
e ao brincarem, se sentem felizes e se desligam do mundo ao seu redor. Sendo assim,
o espaço escolar precisa ser atrativo, livre e interessante, lugar em que possa acolher a
criança para o mundo educacional em que ela passa a pertencer. Personalizar o ambiente
é muito importante para a construção da identidade pessoal das mesmas, fazer com que
elas possam tornar-se competentes e desenvolver a autonomia e a independência. Este
espaço criado para as crianças deverá estar organizado de acordo com a faixa etária,
devendo estar preenchidos de objetos que retratem a cultura e o meio social em que elas
estarão inseridas, devendo propor desafios de forma que desenvolva suas habilidades
motoras, físicas e cognitivas.
Neste ambiente escolar, como no pátio da escola, as crianças podem expandir suas
experiências e determinar as próprias brincadeiras, além daquelas que podem criar. E
segundo Brown (2006, p.65), “a atividade de brincar é uma necessidade funcional para as
crianças, para entendimento da complexidade do desenvolvimento social infantil”.
Logo, as brincadeiras espontâneas são consideradas relevantes para o aprendizado,
e podem ser realizadas em qualquer espaço. Brincando, elas conhecem a si mesma e o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 297


mundo, e assim compete ao professor conhecê-las, respeitando o ambiente no qual ela se
insere, planejar e reconhecer as atividades propostas. Precisa-se considerar o conhecimento
que ela já possui; valorizá-lo, assegurando-lhe a aquisição de novos conceitos e ajudá-la a
desenvolver atitudes de curiosidade e crítica, tendo em vista a conquista de sua autonomia,
sendo parte essencial para o desenvolvimento físico, motor e cognitivo.
A brincadeira mostra como os infantes refletem, organizam, desorganizam,
constroem e reconstroem o próprio mundo. Desta forma, vão se socializando com as
vivências e as experiências trazidas para o contexto escolar.
Por isso, para Vygotsky (1984) a brincadeira é uma atividade específica da infância,
na qual a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. É uma atividade social,
com contexto cultural e social. Acredita-se ainda que seja formidável a influência do
brinquedo no desenvolvimento da criança. Sendo que, através do brinquedo a mesma
aprende a atuar numa esfera cognitiva de motivações internas no ambiente escolar. De
acordo com Kishimoto:

O brincar também contribui para a aprendizagem da linguagem. A utilização


combinatória da linguagem funciona como instrumento de pensamento e
ação. Para ser capaz da criança falar sobre o mundo, a criança precisa saber
brincar com o mundo com a mesma desenvoltura que caracteriza a ação
lúdica. (KISHIMOTO 2011, p.146)

Portanto, através do brincar os pequenos aprendem os eventos do mundo e da


cultura no ambiente em que vivem. A escola atribui às brincadeiras de forma lúdica, sendo
este espaço escolar, lugar em que as crianças conseguem estabelecer reações entre o
mundo e a diversidade com outras crianças.

1.4 O papel do lúdico na imaginação infantil


Quando a criança brinca, joga e desenha está criando. Sua imaginação permite-
lhe sonhar. Para isso, recorre às fantasias presentes em sua mente, que começaram a
se formar desde o início da vida. Através das brincadeiras expressa o mundo imaginário,
elaborando assim, sentimentos e experiências.
O exercício da imaginação e da criatividade faz parte da vida infantil e é um elemento
essencial para o desenvolvimento intelectual e emocional. Vivendo em um ambiente em
que os adultos favorecem a livre expressão imaginativa, esta poderá apropriar-se de
si mesma e de suas experiências com o mundo. Podendo ser autora de suas próprias
criações, experimentando o prazer de sua imaginação em suas brincadeiras.
Conforme Kishimoto (2011) para enriquecer o brincar na educação infantil, seria
necessário que uma escola de educação infantil não tivesse apenas mesas e cadeiras,
papéis sulfites sobre a mesa. Seria fundamental, para a criança construir sua imaginação,
ter espaço com materiais e brinquedos; para dar fruto a sua imaginação, em que para um
aluno entrar no faz-de-conta, de fazer comida, precisa de matérias, objetos como: talheres,

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 298


fogão, panelinhas, e copos para realizar sua imaginação, ou seja, o brinquedo que ela
manuseia.
Assim, precisa-se criar possibilidades para que a brincadeira de faz-de-conta
aconteça. A autora ainda ressalta que:

O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance da


criança. È seu parceiro na brincadeira. A manipulação do brinquedo leva a
criança à ação e à representação, a agir e a imaginar. (KISHIMOTO, 2011,
p. 75)

Desta forma, um brincar de qualidade só vai acontecer quando houver mediações,


a brincadeira de faz-de-conta deve gradativamente ser ampliada e modificada conforme
acontece. Deve-se proporcionar às crianças outras diversidades, para que as mesmas
possam evoluir a imaginação nas brincadeiras fantasiosas, bem como a socialização de
outras crianças ao seu meio.
Brincando com a imaginação, a criança constrói seu mundo do faz-de-conta
despertando novas conquistas no mundo em que vive:

No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma


pessoa, de uma personagem, de um objeto e de situações que não estão
imediatamente presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam
emoções, sentimentos e significados vivenciados em outras circunstâncias.
Brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não
só de imitar a vida como também de transformá-la. Os heróis, por exemplo,
lutam contra seus inimigos, mas também podem ter filhos, cozinhar e ir ao
circo. (BRASIL, 1998, p.22)

Assim, ao usar a imaginação, as crianças enriquecem suas brincadeiras. No faz- de-


conta vive e revive situações, que lhe causam alegria, medo, tristeza e ansiedades, dando-
lhe a oportunidade de expressar seus sentimentos e emoções.
1.5 O papel do professor da educação infantil enquanto mediador do
conhecimento
Um dos papéis do professor da educação infantil é de promover interações, que
planejam e organizam atividades com objetivos pelos quais envolvam as relações dentro
do espaço educacional, tal como, buscar o desenvolvimento integral de todas as suas
potencialidades. O professor precisa ter sua proposta voltada para o bem estar dos
discentes, buscando sempre na prática pedagógica, elaborar novas alternativas de construir
o conhecimento de um grupo como um todo, facilitando as interações, promovendo e
construindo espaços adequados para as crianças.
A prática pedagógica de brincadeiras na educação infantil, bem como o envolvimento
nas tarefas, tem o papel de proporcionar aos pequenos, diferentes formas de atividades
lúdicas com estratégias facilitadoras da construção de conhecimentos, sendo que por trás
dessa prática, deve-se conter objetivos claros para os envolvidos no processo ensino-
aprendizagem. Ao desenvolver os conteúdos mediante a ideia de atividades lúdicas, o

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 299


professor pode trabalhar com o processo de construção de conhecimento, e desenvolver
suas habilidades. Assim, o docente enquanto mediador da brincadeira pode propiciar
momentos lúdicos excelentes para o conhecimento sobre o brincar. O ensino absorvido de
forma lúdica possibilita um aspecto significativo e afetivo no desenvolvimento da criança.
Hoje, as escolas de Educação Infantil, transformaram-se em um lugar onde os
alunos passam boa parte do seu tempo, destinado às atividades propostas pelos adultos, o
que faz com que a criança comece a enxergar a escola como lugar de trabalho e tão pouco
de ludicidade.
Desta forma, para Rego (2011) o adulto desempenha um papel chamado de
auxiliar da aprendizagem infantil. Sendo a zona de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento potencial de Vygostky, em que há diferenças entre essas duas áreas,
sendo que, a real, tem a ideia de que a criança pode ter em seu desenvolvimento, um certo
nível de competência em uma habilidade, realizada de forma independente e sem ajuda,
pois ela já domina e consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente
da cultura (mãe, pai, avô etc). Já a zona de desenvolvimento potencial refere àquilo que a
criança é capaz de manejar e compreender com a ajuda do adulto. Rego afirma que:

O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal,


na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz
de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a
ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. (REGO, 2011, p.74).

Desta forma, cabe ao professor o papel de acompanhar as atividades, bem como


promover oportunidades em que elas possam se desenvolver. Através da organização
do espaço, da disponibilização de objetos e materiais, que possam enriquecer o espaço
da sala de aula e torná-lo um ambiente lúdico e de aprendizagem por meio também de
brincadeiras.
Portanto, as atividades lúdicas utilizadas como instrumentos didáticos fixam a
prática educativa em ambientes de formação na Educação Infantil.

1.6 Atividades lúdicas como fator indicador da autoconfiança e autoestima


do indivíduo
A autoestima e a autoconfiança são as ferramentas mínimas para que o indivíduo
possa ser capaz de conduzir a vida de forma saudável e feliz, enfrentando todas as
dificuldades, resistências e frustrações. Autoestima é aceitar-se, é gostar de si mesmo,
poder ser capaz de compreender e admitir o jeito que é, da maneira em que vive.
Autoconfiança é segurança em si mesmo, ter força de vontade, é crer na capacidade,
poder dizer que “eu posso, que eu consigo”! Ter força para enfrentar os obstáculos que
surgirem, para superar bloqueios e para vencer as limitações da vida.
Para a Educação Infantil, a autoestima e autoconfiança são fundamentais na
construção da infância, principalmente para os desafios a serem enfrentados no futuro.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 300


Por meio das atividades lúdicas, a criança aprende com muito mais prazer, pois brincando
experimentam, descobrem, inventam, exercitam e assim vivem uma experiência de
socialização com seu meio. Dessa forma, resulta a necessidade do adulto confiar e
acreditar na capacidade de todas, atribuindo-lhes a autoconfiança, para que a autoestima
seja sempre o sentimento de importância e valor que o indivíduo tem em relação a ele
próprio.
Sendo a atividade lúdica conhecida como brincadeira, esta pode estimular a
curiosidade, a autoconfiança e a autonomia, bem como contribuir para o processo de
socialização quando se oferece oportunidades de realizar várias atividades coletivas. Pois
segundo o Referencial “A brincadeira favorece a autoestima das crianças, auxiliando-as a
superar progressivamente suas aquisições de forma criativa” (BRASIL, 1998, p.27).
Logo, para que a autoestima sempre esteja em evidência, é essencial que o professor
e pais trabalhem juntos, de forma a valorizar suas realizações no cotidiano. Para que as
mesmas não se sintam desacolhidas e nem rejeitas por eles, visto que o elogio funcione
como uma força poderosa na mudança do comportamento e na apropriação da segurança,
proporcionando assim, que a autoestima e a autoconfiança estejam sempre unidas para o
futuro promissor das crianças na sociedade.

2 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com essa pesquisa, pode-se observar que através da atividade lúdica constou-se
que a criança fica apta em formar seus próprios conceitos, valorizando a autoconfiança e
a autoestima, algo que é fundamental para a construção da infância, bem como para os
desafios a serem enfrentados no futuro.
Compreende-se que o professor é o principal mediador dessas atividades lúdicas no
aprendizado infantil, e que a escola é o lugar ideal para essa mediação de conhecimentos
e culturas, promovendo socialização entre elas. Com as ações lúdicas as crianças tendem
a construir mais conhecimento e se sentirem mais estimuladas a realizarem as atividades
pedagógicas.
Assim, os exercícios lúdicos na educação infantil têm contribuído muito para a
socialização das crianças, assim como no desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem.
Essas atividades são bastante significativas, porque desenvolvem a capacidade de atenção,
imaginação, linguagem tal qual todos os aspectos básicos referentes à apropriação do
conhecimento.
Logo, a escola e o professor atuam em parceria a fim de direcionar as atividades
como métodos pedagógicos, de modo que estimulem a interação social entre as crianças,
e assim desenvolver habilidades intelectivas no meio social.
Portanto, desenvolver as brincadeiras no contexto escolar exige que o professor
tenha fundamentação teórica bem estruturada, manejo e atenção para compreender a

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 301


subjetividade de cada criança, respeitando o desenvolvimento e a aprendizagem de cada
uma delas. Pois, através do lúdico, pode-se alcançar o despertar integral da criança,
preparando-a para a vivência e cidadania futura.

REFERÊNCIAS
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VYGOSTKY,L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fonte, 1984.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 24 302


CAPÍTULO 25
doi
MÉTODO RESTAURATIVO E SAÚDE MENTAL:
TEMPO, TOQUE, AFETO E DIÁLOGO EM GRUPOS
COM DE FADIGA DE EMPATIA

Data de aceite: 01/02/2021 PALAVRAS-CHAVE: Autoconhecimento,


Meditação, Yoga restaurativa, Qualidade de vida,
Bem estar.
Miila Derzett
CESUSC RESTORATIVE METHOD AND MENTAL
Florianópolis - Santa Catarina HEALTH - TIME, TOUCH, WARMTH AND
http://lattes.cnpq.br/4425564955712362 LISTENING APPLIED IN GRUOPS WITH
EMPATHY FADIGUE
Felipe Brognoli
ABSTRACT: Contemporary theories and
CESUSC
approaches identify the need for empathy
Florianópolis - Santa Catarina
http://lattes.cnpq.br/4255691191250235 and compassion in medical and psychological
practice, individually or in groups. The social
discourse also seems to point to the need for
nurturing, an integrative look at being. But,
RESUMO: Teorias e abordagens
objectively, few are the methods that demonstrate
contemporâneas identificam a necessidade da
how to put such theories into practice. The
prática de empatia e compaixão na clínica médica
Restorative Method, bricolored in Brazil in 2009
e psicológica, de forma individual ou em grupos.
by Miila Derzett (2015, 2016, 2017) suggests
O discurso social também parece apontar para
practices of devices that receive support from
a necessidade de acolhimento, olhar integrativo
mind-body medicine (BENSON, 1969) and that
ao ser. Mas, de forma objetiva poucos são os
attempt self-knowledge, triggering the response
métodos que demonstram como colocar em
of relaxation and physical, psychic and social
prática tais teorias. O Método Restaurativo (MR),
well-being increasing the quality of life of its
sistema de ensino co práticas do yoga e do
practitioners. Within the restorative method,
budismo, bricolado no Brasil em 2009 por Miila
Derzett elaborated the stress management and
Derzett (2015, 2016, 2017) sugere práticas de
resilience increase protocol called S.E.R., which
dispositivos que recebem suporte da medicina
was applied for 6 months to mental health public
mente corpo (BENSON, 1969) e que intentam
centers users, participants of the Art, Culture and
autoconhecimento, acionamento da resposta
Citizenship project.
do relaxamento e bem estar físico, psíquico e
KEYWORDS: Self-knowledge, Meditation,
social aumentando a qualidade de vida de seus
Restorative Yoga, Quality of life, Wellbeing.
praticantes. Dentro da escola do MR, Derzett
elaborou o Sistema de manejo de Estresse e
aumento de Resiliência chamado de S.E.R., e
que foi aplicado por 6 meses aos usuários do
Caps, participantes do projeto Arte, Cultura e
Cidadania.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 25 303


1 | INTRODUÇÃO
Este artigo intenta registrar os resultados de um processo de intervenção da
medicina mente corpo e o método restaurativo, vinculado ao projeto de extensão “Arte,
Cultura e Cidadania” (ACC) e participação dos usuários do CAPS durante 6 meses. Dentro
das propostas de intervenção em grupos, foi aplicado semanalmente as âncoras do
protocolo S.E.R. - Sistema de Redução de Estresse e Aumento de Resiliência através do
Método Restaurativo (DERZETT, 2017), dispositivo de intervenção em grupos baseado no
SMART Program (Instituto Mente-Corpo Dr Herbert Benson, Harvard Medical School) e no
Método Restaurativo (DERZETT, 2015; 2016). Durante os primeiros encontros, aplicamos
a Escala de Qualidade de Vida - WHOQOL (FLECK, 1999) - preenchida pelos participantes
de forma individual, onde foi permitido o exercício do acolhimento e da escuta também
neste momento.

2 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Centros de Atenção Psicossocial


São serviços públicos de saúde mental, destinados a atender indivíduos com
transtornos mentais relativamente graves. Tem como principal objetivo tratar a saúde mental
de forma adequada, oferecendo atendimento à população, realizando o acompanhamento
clínico e promovendo a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, acreditando
assim, fortalecer os laços familiares e comunitários. Oferece atendimento à população de
sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos
usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos
laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento de saúde mental criado para
ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos (Ministério da Saúde, 2004).
No Brasil o movimento da luta antimanicomial iniciou-se no final da década
de 70 graças às denúncias de trabalhadores da saúde mental, pacientes e familiares
sobre práticas que incluíam tortura, fraudes e corrupções. Visava não só a uma nova
conceituação teórica mas, principalmente a transformações da concepção e das práticas
sobre a loucura (AMARANTE, 1995). A lei 10.216 definiu como diretriz básica de suas
ações a reestruturação da atenção psiquiátrica no Brasil. Com isso, criaram-se lugares
e espaços onde o sofrimento, a angústia, a dor e a doença puderam ter “escuta e, se
necessário, tratamento” (PITTA, 2001). Buscou-se abrir espaço para o sujeito através da
palavra, preservando a sua singularidade no universo da instituição de saúde mental e da
sociedade.
Desde a criação dos CAPS em 2002, surgiram também diversos grupos, cooperativas,
associações, com intuito de lutar por direitos dos usuários da saúde mental e trabalhar
junto com o usuário sua autonomia, autoestima e a inserção social. Conforme dados do

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Ministério da Saúde, conta-se atualmente com 1.690 Centros de Atenção Psicossocial que
realizam o acompanhamento de pacientes com transtorno mental grave e severo.

2.2 O Yoga
A palavra YOGA vem do sânscrito e significa ‘to Yoke’ em inglês e reunir em
português. Nos tempos primórdios, na civilização do Vale Hindu (entre 2000 e 4000 anos
a.C.) a prática de Yoga era usada para que o indivíduo encontrasse seu “Todo”, sua
essência. Os textos antigos de Yoga nos mostram lições que auxiliariam os praticantes a
alcançar maiores dimensões físicas, mentais e espirituais (LASATER, 1995).
Os aspectos físicos do yoga, como os ásanas (posturas) e os pranayamas (as
técnicas respiratórias) são os dois dos oito passos dentro do estudo do Darshanam Yoga,
os que temos de mais conhecido do Ocidente. Tradicionalmente, uma aula de yoga ou uma
prática pessoal, começa com posturas mais ativas seguidas de outras mais passivas ou
restaurativas. A Restaurativa é um método dentro da filosofia do Yoga, praticado desde os
ensinamentos do Mestre Iyengar (PUNE/ INDIA) e que atravessou oceanos e desenvolveu-
se no ocidente desde os anos 1950-60. Nos Estados Unidos, a norte-americana Judith
Hanson Lasater, uma das fundadoras do Yoga Journal, importante mídia que divulga o yoga
clássico e sua relação com a ciência desde os anos 1980, realizou algumas mudanças com
as aulas recuperativas das longas permanências em posturas de yoga exigidas pelo seu
mestre. Compilou o que hoje conhecemos como Relax n Renew (Relaxe e renova-se). O
objetivo da Yoga do método de Lasater é o de focar nas posturas restaurativas que requer
do aluno o mínimo de esforço e o máximo de conforto. Lasater descreve que é “dando
o apoio ao corpo com devidos acessórios, o corpo ao mesmo tempo que é estimulado
ao movimento é também estimulado a relaxar, estabelecendo um equilíbrio” (LASATER,
1995). Algumas posturas são possuidoras de um benefício bem amplo enquanto que outras
tem como o alvo um órgão como pulmão, por exemplo. Porém, todas possibilitam repostas
fisiológicas específicas que são benéficas para a saúde e podem reduzir os efeitos das
doenças psicossomáticas e relacionadas ao estresse crônico.

2.3 Método Restaurativo


O Método Restaurativo é um sistema de ensino, novo modo de viver a vida, com
acesso ao conhecimento da medicina mente corpo e do yoga para a possibilidade do
auto gerenciamento. Essa atitude ensina resiliência, discursa sobre acolhimento, pausas,
descanso, empatia, tempo com qualidade a calma, da importância da natureza em nosso
equilíbrio e da constante contemplação de nossos estados mentais e comportamentais
(DERZETT, 2016). É conhecido no Brasil como uma bricolagem dos estudos realizados por
Derzett com Lasater nos Estados Unidos, releituras de autores como Jacobson, Herbert
Benson, John Bowlby, autores da sociologia e da antropologia e uma ampla experiência
na área das humanas: psicologia, terapias em grupos, neurociências e comportamento. Na

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sua porção técnica, utiliza discursos da esquizoanálise e adaptação na prática de materiais
e acessórios como bolsters, mantas e toalhas para olhos para que o indivíduo receba
conforto e sustentação, acreditando estar no suporte físico o encontro com o suporte
emocional até a chegada até o sentir-se seguro.

2.4 Etimologia de “restaurar”


O Método Restaurativo quando “restaura” esse ser humano a partir das repercussões
psicofísicas do relaxamento, leva-o a um estado alternativo de consciência de nada a
fazer e nenhum lugar a ir. Assim, pretende-se com que esse “novo espaço” seja, além
de algo a ser sentido, um local de mudança de postura em relação a tudo aquilo que
faz com que sintomas sejam somatizados. Devemos ter tempo, espaço e sentimento
de empatia pela nossa rotina, nossa vida cotidiana, com maturidade para reequilibrar
aspectos como tempo para o trabalho, o lazer e a intelectualidade. “Significa a necessária
substituição de uma cultura moderna do sacrificado e da especialização, cuja finalidade era
o consumismo, por uma outra (pós-moderna) do bem estar e da interdisciplinaridade, cuja
finalidade é o crescimento da subjetividade, da afetividade e da qualidade de trabalho e da
VIDA.”(DEMASI, 2002)
O italiano Domenico de Masi ficou famoso quando cunhou a expressão ócio criativo.
Para ele, o ócio é a junção entre trabalho (trabalhar), lazer (se divertir) e intelectualidade
(aprender) e se configura como tempo que se ganha e não se perde, de forma qualitativa.“Não
é o tempo violento, de tédio, de roubo, de vagabundagem, e sim o tempo (...) com vantagens
para mim e para os outros, fazendo com que eu e os outros sejamos felizes, sem prejudicar
ninguém. Neste caso, e só neste caso, atinjo a plenitude do conhecimento e de qualidade
de vida.” (DEMASI, 2002)
Restaurar vem do Latim restaurare, “arrumar, reparar, consertar”, de RE-, “de novo”,
mais STAURARE, “estabelecer, colocar no lugar”, do Grego STAURÓS, “estaca, bastão”.
No método restaurativo significa também (re)estabelecer, (re)equilibrar, “colocar no lugar”,
limpar, revelar. Após uma prática completa com o método o praticante, invariavelmente,
relata se sentir “renovado”, como se tivesse sido restaurado, como uma “obra de arte”.
“Para Ulisses estenderam uma manta e um lençol de linho no convés da côncava
nau, para que dormisse descansado junto a popa; ele embarcou e deitou-se em silêncio.
Eles sentaram-se nos bancos, cada um no seu lugar, ordenadamente; e soltaram a amarra
da pedra perfurada. Assim que se inclinaram para trás e o mar percutiram com os remos,
caiu um sono suave sobre as pálpebras de Ulisses; um sono do qual se nua acorda,
dulcíssimo, semelhante `a morte (HOMERO, Odisséia, XIII, 73-80).
Restaurar significa polir, recuperar, como um móvel raro e importante que com
o tempo foi se desgastando, ficando sem cor e envelhecido. Restaurar para o Método
Restaurativo aqui proposto e utilizado como ferramenta, traz o significado de renovação,
mas de dentro pra fora, como numa grande faxina, onde levantamos “todos os tapetes da

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casa”, varrendo com cuidado para que a sujeira guardada com o tempo não volte a ser
causadora de dores e sofrimentos (DERZETT, 2015).

2.5 Contribuições sobre a prática de Yoga Restaurativa para a clínica


A prática de yoga demonstra contribuir para a melhora dos resultados psicossociais
auto- relatados (DANHAUER et al., 2009; BUSSING, et al., 2012; D’SILVAD’ et al., 2012; LI
& GOLDSMITH, 2012; ROCHA et al., 2012), enquanto que o método de Yoga Restaurativa
tem como objetivo acionar, através de dispositivos da Medicina Mente-Corpo e soluções de
criação de laços, respostas de relaxamento com repercussões físicas e mentais através de
posturas específicas, com uso de materiais que propiciam conforto e suporte (DERZETT
2015; BENSON 1975; COREY et al, 2014; DANHAUER et al, 2008; FISHER-WHITE et al
2014).
A yoga restaurativa, um método que induz o aluno a níveis de relaxamento profundos
(DERZETT, 2015), é conhecido como um importante dispositivo para diminuição da
ansiedade e o do estresse crônico (LASATER, 2011; DERZETT, 2015; Id., 2016). Estudos
utilizando como metodologia as tarefas qualitativas de estresse, humor e qualidade de vida
demonstraram que praticantes, após 5 dias de intervenções do método, obtiveram aumento
da qualidade de vida com escores significativos nos domínios físicos, mentais e sociais
(DERZETT et al, 2017). Sabe-se que as práticas atentivas e de reestruturação cognitiva
- sendo elas advindas da medicina humanista - acionam a resposta do relaxamento e
oferecem ao aluno, repercussões psicofísicas como diminuição da pressão sangüínea,
da atividade músculo esquelética, da atividade mental e do consumo de oxigênio, com
melhora da imunidade demonstrados desde 1975, por pesquisadores sob a orientação
do médico cardiologista e diretor do Departamento de Medicina Mente Corpo Dr Herbert
Benson (BENSON, 1975).

2.6 Cognição Social


A cognição social é definida como a habilidade de reconhecer, manipular e se
comportar de acordo com as informações socialmente relevantes, por meio da percepção
de sinais sociais (reconhecimento de faces, capacidade de se colocar no lugar do outro,
reconhecimento de emoções, compartilhar experiências) nos diferentes contextos (RIBEIRO
et al, 2016). Sua operação depende da participação conjunta de diversas habilidades
cognitivas, tais como memória, tomada de decisão, atenção, motivação e emoção (Adolphs
apud RIBEIRO, 2016). Teóricos acreditam que quando bem desenvolvida (a cognição
social) constitui um fator de proteção ou, quando alterada, um fato de risco para a saúde
mental.
Cognição Social e saúde mental, assim, são conceitos que estão interligados,
pois para falar em saúde mental, deve-se ter consciência de que se trata de um termo
abrangente, amplo e complexo. A saúde mental seria constituída como um estado de bem-

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estar social no qual cada indivíduo percebe seu potencial, consegue lidar com o estresse
da vida diária e é capaz de trabalhar de forma criativa e produtiva, contribuindo para sua
comunidade (CRUZ, 2012). Assim, um estado de saúde mental depende de vários fatores,
e a cognição social é um deles, uma vez que suas alterações estão presentes em inúmeros
transtornos já definidos pelos sistemas de classificação de doenças mentais. Mas, por
que seria a adaptabilidade social algo tão essencial para o desenvolvimento humano? Em
primeiro lugar porque somos, essencialmente, uma espécie social, e nenhum componente
da nossa civilização seria possível sem um comportamento coletivo em larga escala. Um
ser humano pouco adaptado dificilmente transitaria pela sociedade de modo funcional, o
que lhe traria complicações e desvantagens de diversas naturezas.
Para Adolph (1999) o desenvolvimento adequado da cognição social capacita os
indivíduos a construir representações das relações com os outros, bem como utilizar essas
representações de forma flexível. Durante a aplicação de entrada da escala de qualidade
de vida, o domínio que obteve os mais altos escores foi o de satisfação das relações
sociais, o que poderia demonstrar que o grupo preserva de forma satisfatória sua cognição
social o que aumentaria seu sentimento de bem estar.
Lewin (GARRIDO et al 2011) centra-se nas interpretações subjetivas que os indivíduos
fazem do seu mundo social. Segundo o autor, seria necessário considerar o equilíbrio
dinâmico da pessoa (com as suas necessidades, crenças, capacidades perceptivas) e da
situação, para perceber como este conjunto de fatores atua na construção da realidade
social. Para além disso, havia que considerar a cognição, ou seja, a interpretação que o
perceptor faz do mundo, e a motivação, que constituiria o motor do seu comportamento.
Como vimos anteriormente, estas ideias convergem com concepções mais situadas da
cognição, isto é, com a ideia de que a cognição emerge da interação entre o indivíduo e o
seu mundo físico e social.
As dificuldades que os sujeitos portadores de transtorno mental encontram no lidar
do cotidiano podem ser cumulativas e ele se enclausurar, prejudicando cada vez mais o seu
relacionamento na família e comunidade. Este conjunto de competências como escovar os
dentes, ir à padaria, comprar uma roupa, visitar um amigo, enfim, se aprendido e exercitado
melhora a autoestima de qualquer sujeito que antes se sentia incapaz.
A cognição social envolve a compreensão das relações entre os próprios sentimentos,
pensamentos e ações tanto quanto as relações entre esses fatores subjetivos e os fatores
correspondentes nas outras pessoas. Esta característica implica que a compreensão da
interação social depende da nossa organização dos conceitos sociais e da aptidão de
integrar e coordenar perspectivas (CRUZ et al., 2013).
Atualmente na perspectiva do desenvolvimento humano, as definições acerca deste
tema apontam que a cognição social é a capacidade de refletir e entender as emoções, as
interações e os relacionamentos entre as pessoas. Tais processos são possíveis porque
a cognição social é um conjunto de atividades neurobiológicas que possibilitam aos seres

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humanos e aos animais interpretarem de forma adequada os signos sociais e, por via de
consequência, responderem a eles de maneira adequada.
Pode-se então inferir que a cognição social está diretamente relacionada ao
processo cognitivo que elabora a conduta adequada em resposta a outros indivíduos da
mesma espécie. A cognição social faz referência à habilidade de identificação, manipulação
e adequação do comportamento de acordo com informações socialmente relevantes
detectadas e processadas em determinado contexto do ambiente. É um processo mental
em que a dinâmica da convivência em sociedade está baseada. Envolve-se aí ainda a
aptidão do ser humano para perceber a intenção e a disposição do outro em um determinado
contexto. Isso inclui as habilidades nas áreas da percepção social, atribuição e empatia
e reflete a influência do contexto social. É possível, portanto, compreender a cognição
social como o funcionamento dos processos cognitivos aplicados aos relacionamentos,
modulando a resposta comportamental dos seres humanos dentro de um grupo social.

3 | MÉTODOLOGIA
O S.E.R - Sistema de Redução de Estresse e aumento de resiliência pelo Método
Restaurativo é um protocolo que intenta contribuir com a ampliação da compreensão de si
mesmo (autoconhecimento) fazendo do praticante um agente ativo no processo de cura,
gerando sentimento de pertencimento e sensação de bem estar. Tem o objetivo de melhorar
a qualidade de vida inclusive em territórios com situação de vulnerabilidade, reduzindo
efeitos causadores do estresse deletério, diminuindo o medo e aumentando sentimento de
segurança e suporte.
O protocolo intenta desenvolver uma mente capaz de agir de forma consciente e
ativa em prol da auto cura. O programa, que envolve uma seqüência de práticas físicas
e mentais, tem como objetivo específico acionar a resposta do relaxamento e suas
repercussões psicofísicas. Como objetivo geral pretende compartilhar técnicas de filosofias
milenares como o Yoga e o Budismo de forma laica e com embasamento científico. O
S.E.R. acolhe o praticante com práticas de yoga (posturas, respiração, meditação), atenção
plena (mindfulness/concentração), restaurativa (técnicas de relaxamento) e diálogo.
Promove um estado de regulação e equilíbrio biológico, capaz de auxiliar nos casos de
dor crônica, ansiedade, insônia, perturbações do sono, distúrbios emocionais, burnout
(esgotamento físico e mental intenso), fadiga, pressão alta, recuperação de cirurgias. É
importante destacar que trabalhar o relaxamento é também uma maneira de liberar as
emoções nefastas psicossomatizadas, quando o paciente entra em contato com essas
emoções, é possível tirar o foco dos pensamentos negativos que causam sensações ruins
e tomar a maior parte dos nossos pensamentos, pois a mente entende que não é mais
preciso estar no ‘modo sobrevivência’ em tempo integral.

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Sendo assim, é possível criar uma nova realidade, dando mais espaço para os
pensamentos positivos e, como consequência, perceber uma mente mais clara e passível
de fazer as melhores escolhas.
Durante a aplicação do protocolo nos usuários, o grupo teve acesso a 5 âncoras,
uma a cada três semanas: foram elas: foco atentivo na respiração, yoga restaurativa,
exercícios do yoga para articulações, visualização / imaginário e meditação. A cada âncora
o aluno recebeu um pequeno cartão para guardar na bolsa com o resumo da técnica. No
final do ano haviam 5 cartões, totalizando as 5 técnicas empregadas no protocolo SER.

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3.1 Aplicação do Protocolo S.E.R. do Método Restaurativo aos participantes
do curso
Nutrimos uma curiosidade e afeição sobre a teoria dos vínculos que consegue dar
o salto qualitativo de uma teoria psicanalítica predominantemente intra psíquica para uma
psiquiatria social, que considera o indivíduo como uma resultante dinâmico - mecanicista
não na ação dos instintos e dos objetos interiorizados, mas sim do inter jogo estabelecido
entre o sujeito e os objetos internos e externos, em uma predominante relação de interação
dialética, a qual se expressa através de certas condutas (PICHÓN- RIVIERE, 2000, p. XI).
Diante de conceitos como o citado acima, reflete-se sobre os vetores de ação
bilaterais que nascem a partir de um primeiro contato entre o instrutor (1) do Método
restaurativo (MR) e o aluno (2) que, a partir de estados de relaxamento músculo esquelético
com repercussões no seu sistema nervoso autônomo, encontra-se “vulnerável “e “aberto”
a essa proposta, a esse laço que tende a surtir um conforto.
O grupo de Prática do Método Restaurativo pode ser considerado como uma
forma de organização em sociedade que reflete e participa dos embates que acontecem
no seu seio (filosofia do yoga), por isso em constante serviço da transformação pessoal
através do autoconhecimento e, a partir disso, influenciar outros grupos possibilitando sua
transformação social (SIMÕES, 2015).
Para Pichón-Riviere, grupo operativo é também um grupo centrado numa tarefa,
na cura, na aquisição de conhecimentos e tem como objetivo mobilizar um processo de
mudança. A partir desse conceito, observamos que o grupo em prática exposto ao Método
Restaurativo (MR) está centrado na tarefa específica de atingir cada uma das etapas,
sendo elas num primeiro momento o de relaxamento, numa segunda etapa de abstenção
de sentidos e, na terceira etapa, do alcance de um estado alternativo de consciência. O
MR tem como objetivo geral reestabelecer um possível desequilíbrio físico ou mental que o
impeça de de alcançar sua “homeostase” - talvez até o desequilíbrio dito “espiritualizado”.
Mas para alcançar esse objetivo de cunho “espiritual” deve mobilizar todo um processo de
mudança: em sua rotina, no ambiente que está inserido (trabalho, família, vícios), no seu
comportamento, portanto, um legítimo desenvolvimento cognitivo social. Para que cada
processo seja viável, dentro do MR, expomos o aluno a teorias afins, o que Pichón- Riviere
chamaria de “aquisição de conhecimento” ou processos psicoeducativos na psicologia.
Diz-se nos textos clássicos da filosofia do yoga que é a falta do conhecimento
(avidya) que seria a causa de todo sofrimento humano. É como se o sofrimento fosse
vinculado ao desconhecimento da verdade. Seria como manter-se defendendo somente
um único ponto de vista, insistindo nos mesmos erros, repetindo padrões. É ver no outro
somente a “anormalidade” que ela possui e esquecer do ser humano ali presente; quando
deveria na verdade, perceber a pessoa que aquele estado traz.

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O objetivo do grupo operativo é a mudança que vai acontecer de forma gradativa,
aonde os integrantes de um grupo vão assumindo determinados papéis e posições frente a
tarefa do grupo. No MR, no momento que o aluno se propõe a participar daquele grupo com
aquela tarefa implícita do autoconhecimento e reequilíbrio emocional, todos os integrantes,
pouco a pouco assumem um perfil mais “calmo”, mais pacífico, mais presente e contente.
Ou seria um desdobramento emocional como repercussão da resposta fisiológica do
relaxamento?
No início pode acontecer de haver resistência ao contato com os outros - o mesmo
ocorre no MR: “eu não preciso disso, você sim; eu não preciso relaxar, você que está
nervosinho; eu sou do bem, vocês que não; eu não vou “me abrir”, etc - mas depois o
indivíduo vai abrir-se para o novo e inserir o grupo na tarefa. No grupo do MR observamos
que, como resultado das etapas atingidas durante a pausa, acontece essa “abertura” e
o lugar da ansiedade, excesso de movimentos, medo, angústia, os indivíduos passam a
interagir e criar um vínculo dialético entre si e com o líder (instrutor).

4 | DISCUSSÃO
A experiência e oportunidade de compartilhar os saberes do yoga e budismo de
forma laica e com os cuidados e adaptações necessárias com esse grupo é de um ganho
imenso. Olhos atentos ao novo discurso tão distante de suas realidades e aos poucos
percebe-se a abertura dos participantes, o carinho, respeito pelo trabalho e sua seriedade
e o mais importante: a entrega. Durante o programa foi organizada um encontro com
os coordenadores do projeto, onde foi apresentando os objetivos da intervenção, seus
fundamentos e abordagem da psicologia que seguia (cognitivo-comportamental). Foi
apresentado aos coordenadores do projeto a visão da Medicina Humanista, que não olha
o outro a partir do seu desequilíbrio, mas busca compreender de forma singular o outro no
seu contexto de vida, valorizando muito mais a saúde do que a doença. Então, de certa
forma, já encontramos o grupo de usuários percebendo-os não como “normal ou anormal”,
de “loucos ou sadios”, de medicados ou não, mas como grupo de pessoas. Ponto. Como
um grupo de pessoas que intencionam melhoria de qualidade de vida e bem estar, como
tantos outros que trabalhamos todos os dias. Essa seria a postura : de mostrar ao grupo
que é assim que seriam vistos, como qualquer outro grupo, sem nenhuma particularidade
a não ser de seres humanos que trazem o desejo de diminuir sofrimento psíquico e o de
aumentar seu bem estar psicossocial a partir de pequenas novas posturas ou mudanças
em suas rotinas, como tempo para autocuidado, descanso, atividades físicas e consciência
alimentar.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 25 312


No primeiro encontro com o grupo de usuários, logo após a acolhida, falamos sobre
o método restaurativo, as diferenças do “relaxar” e “restaurar”, o objetivo em mostrar
algumas formas simples e bem eficazes de proporcionar autoconhecimento e autocuidado
e o intento em aplicar uma tarefa qualitativa com o grupo (WHOQOL). Como parte do
programa, cada um dos participantes recebeu um cartão impresso colorido contendo um
“resumo” da técnica aprendida e vivenciada, a cada apresentação e prática daquela nova
âncora do protocolo S.E.R (figuras abaixo).

Os cartões acima foram distribuídos para que todos tenham um lembrete das técnicas
experimentadas em grupos, e que foram discutidas em aula como um elemento na “caixa
de ferramentas”, que poderiam ser utilizado em qualquer lugar fora da sala do projeto. Na

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primeira semana, com reforços das práticas sempre nas três semanas seguintes, fez-se
uma breve apresentação para estabelecimento de um rapport, com apresentação pessoal
e do projeto, e sobre o cronograma do projeto.
Os encontros com o método restaurativo sempre aconteceram numa sala de
vivência com EVA no piso e muitas almofadas, de vários tamanhos. A prática teve como
suporte as colunas do método que são: tempo, afeto, diálogo e toque afetivo, tempo esse
suficiente para iniciar a prática, elaborar a experiência a nível sensorial e logo dialogar
sobre os significados individuais. Para o tempo e a duração, o protocolo na restaurativa
utilizamos um período de 60 minutos que consistiu nos seguintes estágios: Acolhimento (15
min), prática de posturas e respiração e imaginário (30 min ), diálogos (15 min após a aula).
O espaço para conversa grupal sempre foi muito gratificante e interessante, observando
e registrando as impressões pessoais dos participantes como, por exemplo, falar “que se
sentiu amparado, pastorado, visitando um espaço sem que ele estivesse preocupado com
sintomas ou o seu estado”. Outro participante agradecia pelo cuidado e carinho pois havia
tempos que não era tratado daquela forma. Um terceiro participante comentava nas aulas
seguintes que “havia embarcado... finalmente” - no processo de restauração profunda,
provavelmente.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Experiência quanto à aplicação do Protocolo SER através do método


restaurativo na saúde mental
Dar uma aula de yoga restaurativa ou das práticas que intentam a pausa e o
silêncio para o grupo, ofereceu instantes ricos para o exercício da observação de como
se desenvolve essa terapia nos grupos em estados de intensa vulnerabilidade. Perceber
o quanto o fator da fé é potencializado. “Estamos aqui para relaxar”, e “estamos aqui com
alguém que nos quer bem, nos trata bem” é o suporte emocional vinculado ao suporte
físico oferecido pelo método restaurativo (quietude na sala de vivências, música, aromas
que acalmam e mantas e almofadas que oferecem conforto). Nem sempre em suas rotinas,
o usuário encontra alguém que se preocupe com ele, que pergunte se precisa de algo,
sem que haja um interesse. Até mesmo em nosso dia a dia, em alguns locais sociais, não
é comum presenciarmos alguém que quer nos ver bem apenas nos olhando com respeito,
oferecendo escuta com tempo, uma xícara de chá, um passeio silencioso, um abraço. Pode
ser mais usual, que estas práticas sejam pouco experimentadas no nosso cotidiano, onde
muitas vezes é com agressividade e arrogância que somos tratados, retornando aos nosso
lares exaustos no final do dia.
Foi através de trocas significativas que nos alimentamos nesses encontros. Como
se reencontrando na verdade, olhos por vezes desconfiados ou com medo que aos poucos

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 25 314


foram experimentando ser acolhido num espaço de restauração integral após o almoço,
numa postura de yoga para assentar e chegar no presente, antes de iniciar um trabalho
artístico e dali já surgiam comentários importantes e de uma profundidade imensa como
“entramos num fluxo silencioso e de paz né professora?” ou “tenho depressão há 10 anos
e simplesmente nano sei nem onde ela foi nem os efeitos dos remédios.”
5.2 O grupo que passa a ser a experiência de vínculo
O trabalho de grupos operativos para Pichón-Riviere é baseado no processo de
inter- relações, onde todos fazem parte, cada um como seu papel e sua contribuição para a
aprendizagem do outro. Quanto maior o tempo de prática, de trocas, aceitando o tempo de
processos e introspecção caso venham a ocorrer, maior a probabilidade de uma forte união
do grupo ao final, significando assim que, não somente o objetivo foi alcançado, mas que o
seu resultado passa a simbolizar um vínculo incapaz de ser rompido.
Analisando o grupo em observação inclusive podemos apontar para a tarefa
explícita como o conjunto de informações contidas nas aulas expositivas, debates e trocas
em grupo, tendo como diagnóstico a necessidade da pausa e do descanso e tratamento
a prática do Método Restaurativo, iniciando pelas posturas físicas restaurativas. Para a
tarefa implícita poderemos perceber no comportamento posterior talvez algum reflexo das
construções internas, ou caso o aluno opte pelo diálogo após a prática com o instrutor,
através da exposição de sintomas e sensações.
Percebe-se, então, que entre o instrutor e o aluno já podemos possuir a imagem de
um grupo e, em uma aula com maior número de participantes, o objetivo segue sendo o
mesmo: o de relaxar, sendo ele apenas um relaxamento físico (senso comum para livrar-se
do “estresse”) ou no seu sentido mais literal, que é o estado de bem estar físico, mental e
emocional (ou espiritual).
É além da psicologia individual, ver e conseguir observar o todo, a psicologia grupal
que ali se desenha, entre sujeito, objeto e suas relações dialéticas entre grupo interno e
externo, relações que têm sido submetidas a investigações psicanalíticas e que podem ser
consideradas como fenômenos sociais. (PICHÓN-RIVIERE, 2005)
Percebeu- se ao fim de 12 encontros que o grupo passa a confiar no processo
restaurativo quando este já foi legitimado a partir da experiência vivida e que está disposto
a usar os materiais de forma correta em suas práticas individuais em casa. Já passam a se
expressar quando gostam de alguma atividade, como o uso de sprays de aromaterapia pelo
instrutor e quando guia a primeira parte do relaxamento físico com exercícios respiratórios.
Fica demonstrado de forma qualitativa que o protocolo SER pode prover qualidade de
vida aos praticantes desse território também, conforme estudos já evidenciaram em outros
grupos em pesquisas realizadas anteriormente pela autora (DERZETT et al 2017).

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 25 315


REFERÊNCIAS
AMARANTE, P. Novos Sujeitos, Novos Direitos: O Debate em torno da Reforma Psiquiátrica. Cadernos
de Saúde Pública. Rio de Janeiro: volume11, n. 3, p. 491-494. jul/set 1995.

_____________ P. (coordenador), - Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio
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Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Capítulo 25 317


SOBRE O ORGANIZADOR

EZEQUIEL MARTINS FERREIRA - Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia


Universidade Católica de Goiás (2011), graduação em Pedagogia pela Faculdade de
Ciências de Wenceslau Braz (2016) e graduação em Artes Cênicas pela Universidade
Federal de Goiás (2019). Especializou-se em Docência do Ensino Superior pela Faculdade
Brasileira de Educação e Cultura (2012), História e narrativas Audiovisuais pela Universidade
Federal de Goiás (2016), Psicopedagogia e Educação Especial, Arteterapia, Psicanálise
pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Alto Paranaíba (2020). Possui mestrado em
Educação pela Universidade Federal de Goiás (2015). É doutorando em Performances
Culturais pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente é professor da Prefeitura
Municipal de Goiânia, pesquisador da Universidade Federal de Goiás e psicólogo clínico -
ênfase na Clínica Psicanalítica. Pesquisa nas áreas de psicologia, educação e teatro e nas
interfaces fronteiriças entre essas áreas. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase
em Psicanálise, atuando principalmente nos seguintes temas: inconsciente, arte, teatro,
arteterapia e desenvolvimento humano.

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Sobre o Organizador 318


ÍNDICE REMISSIVO

A
Aborto 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 176, 177, 267
Aconselhamento Psicológico 210, 211, 213
Adolescência 22, 32, 120, 124, 125, 136, 137, 208, 209, 236, 237, 238, 239, 241, 242, 243,
244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 264
Apagamento Lésbico 12, 13, 23, 24
Aspectos Psicológicos 65, 79, 130
Atendimento Psicológico 56, 58, 61, 64
Autoconhecimento 273, 281, 282, 290, 303, 309, 311, 312, 313
Autocuidado 67, 105, 165, 166, 178, 179, 182, 191, 192, 277, 278, 279, 280, 312, 313
Autolesão 26, 27, 28, 31, 34, 35, 36, 37
Avaliação Psicológica 127, 129, 130, 131, 132, 133, 136, 137, 138, 139, 140, 142, 143,
145, 146, 151, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 261
C
Compreensão Diagnóstica 74, 75, 82, 89, 90
Comunicação 57, 58, 61, 63, 65, 66, 67, 69, 70, 71, 72, 112, 184, 186, 190, 191, 192, 193,
197, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 212, 215, 217, 269, 271, 272, 273,
292, 317
Criminalidade 92, 93, 101, 119, 124, 252

D
Deficiência Intelectual 184, 187, 188, 189, 190, 193, 196
Depressão 2, 3, 17, 26, 27, 28, 31, 32, 36, 37, 59, 70, 104, 124, 131, 135, 180, 204, 246,
256, 287, 289, 315
Desamparo 21, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 47, 51, 52, 53, 54, 55, 122
Diagnóstico 26, 27, 66, 69, 74, 75, 76, 77, 80, 81, 82, 83, 84, 89, 90, 143, 160, 163, 164,
165, 166, 167, 168, 170, 171, 176, 178, 179, 180, 182, 185, 186, 187, 189, 190, 191, 192,
194, 195, 236, 238, 239, 242, 243, 244, 247, 249, 250, 252, 315
Direitos Humanos 68, 92, 121
E
Entrevista Clínica 263, 264, 265
Estruturas Clínicas 1
Existencialismo 92, 98, 221, 222, 235, 286

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Índice Remissivo 319


F
Família 8, 12, 18, 21, 22, 23, 41, 50, 65, 70, 71, 82, 97, 103, 104, 110, 111, 120, 154, 166,
169, 170, 174, 175, 176, 177, 180, 183, 184, 192, 193, 195, 197, 198, 199, 200, 201, 202,
203, 204, 205, 206, 207, 208, 212, 223, 227, 228, 230, 248, 249, 251, 264, 265, 266, 268,
269, 270, 272, 273, 275, 287, 302, 308, 311

G
Genograma 263, 266, 267, 268, 269, 270
Gestação 119, 122, 124, 160, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 170, 171, 172, 173, 174, 176,
177, 178, 179, 183, 247, 251
Gestalt-Terapia 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 89, 90, 91
Grupo de Apoio 103, 105, 106, 107, 109, 113

H
Heteronormatividade 12, 13, 15, 16, 17, 20, 22, 24, 95
Heterossexualidade Compulsória 12, 13, 15, 16, 25
Hierarquia Familiar 197

I
Infâncias 221, 224, 226, 227, 232
L
Lesbianidade 12, 14, 16, 20, 21, 23, 24
M
Materialismo Histórico-Dialético 214, 215, 216
Modelo Relacional-Sistêmico 263, 264, 265, 273
Mudança 9, 56, 58, 59, 61, 62, 82, 86, 95, 97, 109, 134, 140, 197, 198, 200, 212, 222, 257,
263, 264, 269, 271, 290, 301, 306, 311, 312
N
Neuropsicologia 184, 193, 194, 195, 220
Novas Tecnologias 56, 61, 62, 63

P
Pandemia 39, 41, 42, 43, 45, 46, 48, 50, 52, 53, 54
Patriarcado 12, 13, 16, 17, 19, 20, 23, 24, 25, 50
Personalidades Fílmicas 1, 5, 9
Política 13, 15, 20, 21, 22, 24, 39, 42, 43, 50, 51, 52, 53, 54, 68, 69, 73, 79, 96, 104, 105,
109, 114, 180, 218, 283, 285, 317

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Índice Remissivo 320


População em Situação de Rua 103, 104, 105, 106, 111, 112, 113, 114, 115
Porte de Armas 97, 102, 138, 139, 140, 154
Princípios Éticos 63, 65, 66, 68
Psicanálise 9, 10, 11, 12, 14, 16, 25, 26, 27, 33, 38, 39, 42, 46, 48, 51, 53, 59, 64, 75, 150,
286, 318
Psicofarmacologia 184
Psicologia Escolar e Educacional 214, 215, 218
Psicopatologia 18, 26, 27, 28, 31, 37, 72, 83, 90, 247, 248
Psicoterapia Online 56, 58, 59, 60, 61, 62
Pulsão de Morte 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 11, 44, 45

Q
Qualidade de Vida 68, 104, 129, 135, 166, 179, 184, 191, 192, 193, 195, 213, 260, 303,
304, 306, 307, 308, 309, 312, 315, 316

R
Reabilitação 94, 184, 187, 191, 192, 193, 195, 210, 211, 316, 317
Regulação Emocional 253, 256, 257, 258, 260, 262
Relação Médico-Paciente 65, 66, 67, 68, 69
Resiliencia 277, 278, 279, 280

S
Saúde 13, 21, 24, 28, 32, 34, 41, 42, 43, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 53, 58, 65, 66, 68, 69, 70,
71, 72, 73, 84, 99, 103, 104, 105, 106, 112, 113, 114, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123,
124, 125, 126, 127, 129, 132, 136, 137, 139, 142, 156, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166,
167, 168, 169, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 185, 189, 191,
192, 193, 196, 208, 210, 211, 212, 213, 230, 239, 242, 248, 251, 252, 253, 257, 260, 261,
265, 282, 288, 303, 304, 305, 307, 308, 312, 314, 316, 317
Supereu 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 17, 25

T
Telemedicina 65, 72
Transtornos do Neurodesenvolvimento 214, 218

Psicologia: A Ciência do Bem-Estar Índice Remissivo 321

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