06 - Descobrindo o Amor Com Os Olhos Da Alma - Miolo
06 - Descobrindo o Amor Com Os Olhos Da Alma - Miolo
06 - Descobrindo o Amor Com Os Olhos Da Alma - Miolo
Descobrindo o amor
com os olhos da alma
Fortaleza ● Ceará
Copyright © 2018 Fabiana Guimarães
Copyright © 2018 Daniel Dias
Quarta estação........................................................................ 19
Verão..................................................................................... 35
O outono ................................................................................ 38
O inverno ............................................................................... 41
A primavera ........................................................................... 43
Um trem-de-ferro é uma coisa
mecânica, mas atravessa a noite,
a madrugada, o dia, atravessou
minha vida, virou só sentimento.
Adélia Prado
Estações da infância
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Segue adiante na infinita estrada traçada nos
trilhos de ferro.
Entre abismos confirma os passos.
Na estação das Mangabeiras, dentro dos braços
do pai, uma menina dorme e sonha:
Ela é a maquinista.
O trem é azul clarinho da cor do céu.
Porém, tem um vagão amarelo da cor do sol.
A fumaça mistura-se com a névoa. Pinta de al-
godão a madrugada fria. Formando imagens voa-
doras que desaparecem no ar, feito bolas de sabão:
um cavalo branco, um carrossel, um pássaro... coi-
sas, seres.... A menina voa, voa... borboleta nos ares.
O trem chega. Em sobressaltos ela acorda. Ater-
rissa. Entre sonho e realidade escuta, na fumaça da
lembrança, o último apito.
O tempo escorrido entre os dedos, desvela a
existência.
Pilar recorda as estações da infância. Época em
que a vida tinha trilhos entre abismos... Os braços
do pai, longos e fortes, aqueciam a madrugada.
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Frutos maduros enchem os cestos das safras,
exalando perfumes dentro dos vagões. Jacas espar-
ramadas em amarelo encobriam, no chão, o tempo
pisado sobre ele.
Nos pés de dona Alice, em sacolas de palha, ga-
linhas cacarejam. Patos grasnam.
Capotes, entalados pela embira amarrada perto
do pescoço, davam gritinhos. Perus de tão assusta-
dos emudeciam.
No seu colo, dentro de um cesto, redondo e
acolchoado, carregados tal porcelana fina, ovos cai-
pira. Os melhores da feira!
— Hoje vai carregadinha, hein, dona Alice?
— Graças a Deus, seu Cutia.
— E os ovos?... tão a quanto?
— Três por um conto.
— Tá no preço. Depois passo lá. Desço agorinha
na estação do Córrego. Inté, dona Alice.
— Inté... seu Cutia.
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Primeira estação
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Como seria bom acordar entre neblinas e ver
– através da janela do quarto – um mar de névoas
sobre montanhas. Tomar banho de cachoeira todos
os dias. É o meu sonho! Mas... os agasalhos? Ah! já
sei: eu e minha mãe aprenderíamos a fazer tricô e
crochê. Quanto à linha, só a linha, meu pai dava um
jeito de comprar.
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Segunda estação
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Terceira estação
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Quarta estação
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tação onde sobem pescadores. Penetra mais e mais
naquela vivência. Reconhece o mundo de olhos fe-
chados. Aguça os sentidos e segue em uma viagem
de conquistas...
Com o rabo do olho, brecha o menino.
Ele sorrir para o vento, degustando o mar.
Ela deseja ficar íntima daquela forma de ver
o mundo.
Quero comer pelo vento o gosto das coisas.
Escuta a mãe lhe chamar de Pedro. Saber o nome
dele, a faz mais próxima. Deseja conversar com ele.
O trem para.
O cheiro forte dos peixes confirma: é a estação
da Praia Branca.
Os pescadores colorem o trem com cheiros e
formas, estampando de mar os vagões. Pilar não
resiste a tanta beleza. Certamente, Pedro também
não resistiria! Agradecendo a dádiva de possuí-la,
os olhos lacrimejam, transbordando de felicidade.
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Pedro, boca cheia de riso e maresia, é pura alegria!
Será que ele tem olhos nas mãos e na boca?
Quero também aprender a descobrir o mundo
assim.
Fecha novamente os olhos.
Engole a deslumbrante paisagem.
Deseja compartilhar com Pedro a forma de vê-la.
Solidária a ele, segue de olhos fechados.
Dentro deles, o mar acordado reverbera.
Quinta estação
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Olhos fechados. Pegava com mais intimidade
na imaginação. Viu-se então correndo sobre dunas
para esperar o pai que chegava em uma jangada. O
forte vento assobiava em seus cabelos, espalhando
os cachos no seu rosto. Era bom ser filha do mar,
expandir-se nas as areias, velejar o infinito...
Abriu os olhos. O mar ficava para trás. O trem
seguia viagem rumo ao sertão, perfumando o cami-
nho de maresia.
Invisível para Pedro, dunas... muitas dunas for-
mavam um paredão de despedida. Era tão lindo! Pi-
lar desejou compartilhá-lo com ele.
Aproximou-se do menino sem pedir licença.
Ao pé do ouvido, ofereceu-lhe aquela imagem com
o sopro das palavras:
— Ao seu lado esquerdo, Pedro, o mar se des-
pede entre dunas.
Perplexo, o menino tateou o rosto daquela voz
para conhecer sua doçura.
Sentiu carinho.
Tocou na beleza que ela oferecera.
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Sexta estação
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Cactos.
Espinhos.
Casas enganchadas entre os raios do sol.
O calor.
O espírito da luz entranhado nas rachaduras
da terra.
A sede devastando tudo.
Os suores e cheiros.
Enfim... a vida resistindo na verde beleza
dos juazeiros...
Pilar e Pedro se imaginaram filhos do sertão,
naquela viagem de infindas possibilidades.
O sertão trazia para dentro do trem: o cheiro
bom dos queijos, das manteigas da terra, dos leites
espumantes, transportados dentro de grandes bules
de bom alumínio; o odor dos currais com as crias,
cheirando a leite mugido e do estrume, esperando
as sementes e a chuva para aninhar a vida nova; a
sonoridade do berro das cabras, do mugido dos
bois e do relinchar dos cavalos. A cor do crepúscu-
lo, avizinhada da cor do sangue, singrava o céu.
o coração de Pedro. Eles salivavam beleza, encan-
tando os sentidos comovidos.
Na estação de Guarabira, a maria-fumaça ar-
dia dentro e fora da fornalha se derretendo em su-
ores iguais aos vaqueiros que apearam dos cavalos,
dando-lhes um pequeno descanso e adentraram
nos vagões. Destino: fazer compras na feira de ou-
tras cidades.
O cheiro forte do couro do gibão dos vagueiros
causou enjoo em Pedro, ao mesmo tempo em que o
fez lembrar do curtume do avô: norteado pelo forte
odor, alcançava a porta da entrada. Com a ponta
dos dedos, descobria a textura e a origem de cada
um dos couros em processo de curtição.
Pilar viu o rosto de Pedro escorrendo. Enxu-
gou-o, carinhosamente, com o lençol da boneca de
pano, comprada na feira pelo pai. Pedro sorriu ali-
viado e agradeceu-lhe.
O toque da menina o cativou.
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fio transparente, que os unia e que apenas ele po-
dia vislumbrar.
A noite sertaneja, aos poucos, ancorava dentro
do trem, trazendo para a tela de suas janelas um mar
cintilante de estrelas. Pingos de luz clareavam a ne-
gra paisagem e reluziam nos olhos dos passageiros.
Pilar, a passageira mais atenta, mergulhava naquele
oceano iluminado. Assim, pôde pintar para Pedro,
com doce voz, cada uma das suas minúcias.
A noite seguiu madrugada adentro, fazen-
do o trem deslizar em seu manto e adormecer
na penumbra.
O último apito
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Dele, só o vulto. Um fantasma pairando sobre a
ferrugem dos trilhos e a solidão das estações, esque-
cidas no meio do mato. A saudade viva movimenta
seu espírito no coração dos que viajaram dentro da-
quele corpo de emoções.
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Verão
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Encantavam-se com as descobertas.
Cresciam juntos.
Aprendiam, cada vez mais, a melhor forma de
olhar as coisas com a ponta dos dedos... no toque
da tez.
Dos macios tomates, o vermelho.
Do ácido abacaxi, a aspereza.
Do fogo, o calor.
Da leveza do algodão, a lisura.
Do verde das ervas, o perfume...
Horas e horas... dias e dias...a vida inteira, esse
aprendizado, em cada ação do cotidiano. O que an-
tes era estranhamento, tornou-se uma natural vi-
vência de cada momento.
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O outono
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Lembranças das manhãs de maio invadiram o
coração de Pilar. Encantava-se com o mês das flo-
res, das noivas, dos orvalhos.
Segurando na mão de Pedro, o levou até os ba-
lanços. Escolheu um de cor rosa.
— Pedro, imagine a cor deste sentimento que
está nos invadindo. Este balanço tem esta cor.
Ele, por medo, nunca aceitara aquele convite.
Ali segurou firme nas cordas laterais e imaginou
ondas rosadas pintado os ares.
Entregou-se nas mãos da amada.
Tinham a leveza de asas.
O faziam voar, voar...
O ar fresco lambia-lhe o rosto, soprava seus
negros cabelos e fazia o amor pousar firme no
seu coração.
Era um sentir diferente de tudo.
Uma vontade de ficar mais perto.
De tocar mais forte. De abraçar e abraçar.
De beijar muitas vezes.
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Rosto no rosto.
Mãos unidas. Dedo entre dedo.
O mundo parou!
A lua alta fez lembrar a teimosia do relógio em
labutar com seus incansáveis ponteiros.
Pedro escutou o coração de Pilar bater receoso
e perguntou:
— O que você teme, Pilar?
— Nossos pais devem estar preocupados. Per-
demos a hora de voltar. Já é noite.
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O inverno
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campos renovados pelo verde. Pedro, montado na
garupa da bicicleta de Pilar, abria os braços e a boca,
bebendo e tocando nas fragrâncias que o inverno
germinava na terra. O vento soprava trazendo toda
a diversidade delas. Raízes, folhas, flores, madeiras...
A terra perfumava com o inverno, renovava a vida!
Eles seguiam em uma amorosa viagem, cheia de
novas estações.
O tempo cresceu entre o casal. Fez amadurecer
os filhos nascidos e deles nascer alguns netos. Tin-
giu-lhes de branco os cabelos. Enrugou-lhes a pele.
Curvou-lhes os ombros. Delongou-lhes os passos.
A maturidade lhes deu tanta sabedoria! Da
natureza, captavam o mais sutil dos sinais: na
chuva, no céu e no vento; nas plantas e animais;
nas flores e perfumes do jardim e no trabalho
das formigas e abelhas....
O amor entre eles ficou tão forte, que já não
precisavam de palavras para se comunicarem,
bastava um simples toque... e a pele falava. Eles
se pressentiam.
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A primavera
Pedro, começou a sentir as borboletas. Elas che-
gavam pé ante pé com os prenúncios da primavera.
O som das asas feito cantilena, embalava-lhe os so-
nhos; o pólen, transportado por elas, perfumava os
dias. Dias de pressentimento.
Sentado, no quintal entre ervas, flores e frutos.
Pedro perguntou:
— Você já consegue vê-las, Pilar?
— Quem, Pedro?
— As borboletas da primavera. Elas já começa-
ram a chegar.
— Não, Pedro. Ainda não as vejo.
Ele estranhou. Pilar sempre as via antes dele
percebê-las.
Cismou! Aos poucos, chegou-lhe a compreen-
são de que, desta vez, elas desejavam surpreender
Pilar. Acalmou o coração, em uma espera já previs-
ta, desde o nascimento.
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Depois os dois continuaram na cálida rotina
diária. Afazeres comezinhos preenchiam os dias
deles. Assim, a vida já desacelerava. Caminhavam
devagarzinho dentro dela. Tudo era tecido com sua-
vidade e cautela. Uma saudável parcimônia era ade-
quada àquela idade.
Do café ao jantar, uma marcha clássica os con-
duzia em ritmo nupcial.
Certa noite de agosto, após o jantar, Pilar sen-
tou-se na varanda para fazer crochê.
Na cadeira ao lado, Pedro dormiu ungido
pelo luar.
Foi então que ela viu todas as borboletas.
Chegaram de uma só vez.
Brancas e iluminadas.
Tenras e ternas pousaram, tomando seu cor-
po inteiro.
Desta vez quis voar com elas.
Cadenciando os movimentos de Pilar, leva-
ram-na dali numa revoada de luz.
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Ao acordar, Pedro pressentiu sua ausência.
Procurou-a pela casa toda, tateando, farejando...
cada detalhe dela.
Solitário seguiu para cama. Lá, banhou de lágri-
mas o seu sono e todos os sonhos.
Ao despertar, a solidão lhe estrangulava a alma.
Vieram filhos, netos, parentes, amigos... Trou-
xeram suas comidas prediletas, o gato Amarildo,
o papagaio Gibão, o cachorro Zé, rosas e jasmins,
roupas de Pilar... Nada o consolava.
Ensimesmou-se.
Escutando pisadas passou dias a contar os pas-
sos dos transeuntes.
Aguçado ouvido, ao chegar à noite, repetia o
número das pessoas que ali haviam passado.
Tudo mudou tanto. Ao chegar aqui eram tão
poucos os pedestres desta estrada.. Agora para mais
de cem por dia. Onde isso vai parar? – dizia ele.
Dias se deram assim.
Ao findar agosto, na exata hora em que o sol
sangra no céu, o crepúsculo e todos os sons do dia
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se pronunciam sonolentos. De longe, Pedro avistou
nitidamente a menina que um dia ele conhecera
com a ponta dos dedos, dentro do trem, entre as
ervas do quintal onde os dois costumavam ficar no
fim das tardes.
Enfim, conheceu sua imagem. Enfim enxergou!
Ela dançava entre sorrisos, a mesma dança feita no
dia em que ele escutou um compasso diferente no
coração e escreveu em braile, na palma da mão, os
segredos do amor.
47
Fabiana Guimarães
Sou Fabiana Guimarães, nasci em Eusébio-CE,
onde tenho a alegria de morar até hoje. Escrevi
muitos outros livros, dentre eles “O menino
e o tempo”, “A festa da muriçoca” e “A lagoa
encantada”. Neste quarto livro da coleção PAIC
- Prosa e Poesia, convido-lhe a conhecer o
amor de pertinho e com outro olhar...
Daniel Dias
Sou Ilustrador e artista gráfico.
Nasci em Fortaleza - CE, no ano de 1976.
A maior parte da minha produção é destinada
ao público infantil e infantojuvenil. Meu
trabalho tem como base a pesquisa de materiais
e estilos, envolvendo estudo de técnicas
tradicionais de pintura, desenho, fotografia e
colorização digital. Atualmente, trabalho em
projetos editoriais de fomento à leitura e de
acesso ao livro.