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Agriculturas V9N2 SET 2012

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EXPERIÊNCIAS EM AGROECOLOGIA • Leisa Brasil SET 2012 • vol. 9 n.

Semeando
Agroecologia
nas cidades
Edição especial
Patrocínio:
Editorial

O
ano de 2007 representou um marco na his-
tória da Humanidade. Foi quando a popula-
ção urbana mundial equiparou-se numerica- EXPERIÊNCIAS EM AGROECOLOGIA
mente à residente nas áreas rurais. Hoje as cidades já contam
com mais de 3,5 bilhões de habitantes, e a ONU estima que ISSN: 1807-491X
até 2025 essa cifra ultrapasse os cinco bilhões. Se as atuais Revista Agriculturas: experiências em agroecologia, v.9, n.2
tendências persistirem, chegaremos lá com mais de três quar- Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é uma publicação da AS-
tos da população urbana do planeta concentrada na Ásia, na PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, em parceria com a Fundação
África e na América Latina. Entretanto, ao contrário do que Ileia – Holanda.
ocorreu nos países desenvolvidos, as aceleradas migrações
em direção às cidades nos chamados países em desenvolvi-
mento não vêm sendo acompanhadas por efetivos processos
de urbanização, condição essencial para o pleno exercício da
cidadania, na acepção original do termo. O fenômeno migra- Rua das Palmeiras, n. 90
Botafogo, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 22270-070
tório atual é marcado pela transferência da pobreza do cam- Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363
po para as cidades, onde os recém-chegados muito frequente- E-mail: revista@aspta.org.br
mente são condenados a agudas privações. Nessas condições, www.aspta.org.br
as cidades se convertem em verdadeiros purgatórios em vida,
Fundação Ileia
tornando-se difícil estabelecer qualquer correlação entre o PO Box 90, 6700 AB Wageningen, Holanda
incremento das taxas de urbanização a avanços no processo Telefone: ++31 (0) 33 467 38 75 Fax: +31 (0) 33 463 24 10
civilizatório, tal como sustentam os arautos da modernização. www.ileia.org

É nesse mesmo contexto de precariedade e de falta de


perspectivas sociais que as práticas de agricultura urbana e CONSELHO EDITORIAL
Claudia Schmitt
periurbana emergem em todos os quadrantes do planeta Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
como respostas criativas e expressões de luta de populações Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
urbanas afetadas negativamente pelo receituário desenvolvi- – CPDA/UFRRJ
mentista. Em grande medida, elas refletem um movimento de Eugênio Ferrari
transplantação e adaptação para o cenário das cidades do re- Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM
pertório cultural camponês que integra a bagagem dos grupos Ghislaine Duque
migrantes. Mas também muitas vezes correspondem à manu- Universidade Federal de Campina Grande – UFCG e Patac
tenção de redutos agrícolas de antigas áreas rurais tomadas Jean Marc von der Weid
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
pela malha urbana. Independentemente da origem, revelam-se
José Antônio Costabeber
como práticas multifuncionais aos meios e modos de vida de Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
parcelas significativas da população urbana, sobretudo as mais Maria Emília Pacheco
empobrecidas. A geração de ocupação e renda, bem como Fase Solidariedade e Educação, RJ
a produção alimentar para o autoconsumo, figuram entre as Romier Sousa
motivações mais evidentes. No entanto, há outras razões me- Instituto Técnico Federal – Campus Castanhal
nos explícitas que pesam na decisão de cultivar o solo urbano Sílvio Gomes de Almeida
mesmo que em condições frequentemente adversas. Elas vão AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
desde o prazer de trabalhar em contato íntimo com a nature- Tatiana Deane de Sá
za até a criação de ambientes mais sadios para o convívio nos Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária - Embrapa
conglomerados urbanos. Nesse sentido, podemos interpretá-
las como caminhos construídos pelos mais pobres para a hu- EQUIPE EXECUTIVA
manização das cidades. Editor – Paulo Petersen
Editor convidado para este número – Márcio Mattos Mendonça
Salvo raras exceções, essas práticas foram por muito tempo Produção executiva – Adriana Galvão Freire
negligenciadas pelos poderes públicos. Somente a partir da II Base de dados de subscritores – Analu Cabral
Copidesque – Rosa L. Peralta
Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos (Habi- Revisão – Gláucia Cruz
tat II), em 1996, as Nações Unidas, seguidas por alguns Esta- Tradução – Rosa L. Peralta
dos nacionais, incorporaram a agricultura urbana e periurba- Foto da capa – Severin Johannes Baptist Halder
na como estratégia para o enfrentamento de sérios dilemas Projeto gráfico e diagramação – I Graficci Comunicação & Design
Impressão: Gol Gráfica
sociais gerados pela acelerada aglomeração demográfica. A Tiragem: 7.000
partir de exemplos documentados em variados contextos
nacionais e internacionais, esta edição da revista Agriculturas:
A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aqui
experiências em agroecologia aponta avanços, limites e contra-
publicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de
dições de iniciativas da ação pública nesse campo. algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiências
em agroecologia seja citada como fonte.
O editor

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 2


Sumário

04 Editor convidado • Márcio Mattos de Mendonça

ARTIGOS 06

Agricultores do Maciço da Pedra Branca (RJ): em


06 busca de reconhecimento de seus espaços de vida
Bruno Azevedo Prado, Claudemar Mattos e
Annelise Caetano Fraga Fernandez

10

10
Gerais urbanos: Agroecologia, cultivo e consumo de
alimentos na cidade de Montes Claros
Eduardo Magalhães Ribeiro, Giliarde de Souza Brito,
Flávia Maria Galizoni e Hélder dos Anjos Augusto

16
Agricultura urbana no Baixo Onça: cultivando uma
região mais produtiva, solidária e sustentável 16
Lorena Anahi Fernandes da Paixão e Marcelo Oliveira de Almeida

Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana:


23 espaços e saberes da Agroecologia em Belo Horizonte
Daniela Adil Oliveira de Almeida, Lídia Maria de Oliveira Morais e
Lorena Anahi Fernandes da Paixão
23

29
Feiras da roça: desvelando a agricultura familiar
da região metropolitana do Rio de Janeiro
Guilherme Strauch, Márcio Mattos de Mendonça e
Maria Conceição Rosa

29
Pesquisa-ação em Agroecologia no município de Guarulhos
35 Manoel Baltasar Baptista da Costa, Paulo Henrique de Lima,
Túlio Caio Binotti, Carlos Artur Salgado e Luiz Fernando Faustino

Agricultura urbana ecológica: a experiência de Cuba


39 Paulo Rogério Lopes e Keila Cássia Santos Araújo Lopes

39

43 Publicações

44 Seção Agroecologia em Rede


Claudio Oliver e Eduardo Feniman
Editor convidado

Semeando Agroecologia
nas cidades
Márcio Mattos de Mendonça

D
esde a formação dos apoio a sua disseminação e consolidação. Já em 1999, a FAO estimava que 800 mi-
primeiros conglome- lhões de pessoas estavam envolvidas com a produção de alimentos nas cidades e no
rados humanos, foram seu entorno e eram responsáveis por cerca de 15% da produção alimentar mundial.
estabelecidos cultivos agrícolas e cria- Em Cuba, por exemplo, mais de 384 mil pessoas em 156 municípios estão engajadas
ções animais próximos às moradias. na atividade. Um programa estatal de agricultura urbana define metas anuais de
Mesmo com o surgimento das cidades produção com o objetivo de assegurar o abastecimento alimentar da população.
e, posteriormente, das grandes metró- Como resultado, somente no primeiro trimestre de 2010, as hortas urbanas cuba-
poles, essas práticas não foram abando- nas produziram 362.608 toneladas de vegetais.
nadas. Seja para manter tradições fami-
Na cidade argentina de Rosário, a Secretaria Municipal de Promoção Social
liares e regionais com um forte apelo
implementou um programa de agricultura urbana no início dos anos 1990, como
cultural, para contar com alimentos
estratégia para criar alternativa de ocupação e renda para a parcela da população
frescos ou mesmo para gerar fontes
mais afetada pela grave crise econômica que o país atravessou naquele momento. O
complementares de renda, a realidade
sucesso do programa deveu-se em grande medida à articulação de organizações go-
é que a agricultura permanece nas cida-
vernamentais, não governamentais, acadêmicas e de base comunitária. Atualmente, o
des e em suas periferias, em quintais ou
programa envolve mais de 10 mil famílias de desempregados urbanos e está inserido
lajes domésticas, em áreas não edifica-
no plano diretor da cidade.
das ou espaços institucionais, tais como
escolas e postos de saúde. Em diversos países da Europa, a agricultura urbana vem sendo cada vez mais di-
fundida. A Rede Portuguesa de Agricultura Urbana e Periurbana elaborou um mapa
No presente contexto mundial,
nacional da atividade e promove debates e trocas de experiências entre represen-
em que as crises socioambiental e ali-
tantes das variadas iniciativas identificadas, principalmente aquelas institucionaliza-
mentar se agravam como resultado
das.  As hortas são comuns também na paisagem urbana da Alemanha, da Suíça e
do aprofundamento de um modelo de
de outros países europeus. A agricultura urbana surge com força também na África
desenvolvimento que leva à concentra-
Subsaariana, onde o crescimento urbano acelerado vinha se dando justamente em
ção de riquezas, à superexploração dos
países pouco preparados para alimentarem as suas cidades.
recursos naturais e à aglomeração das
populações em grandes cidades, essas No Brasil, a criação de um programa de agricultura urbana vinculado ao Mi-
práticas se disseminam como respostas nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o ensaio da cons-
ativamente construídas por parte das trução de uma política nacional voltada para essa atividade ocorreram a partir da
parcelas mais vulneráveis e afetadas.  Ao pressão dos movimentos populares e das organizações da sociedade civil nas con-
mesmo tempo em que surgem como ferências nacionais de segurança alimentar e nutricional ocorridas em 2002 e 2007.
reação, elas apontam para alternativas Após esta última, o MDS realizou, em parceria com diversas organizações da socie-
viáveis para a reconstrução de relações dade civil, um diagnóstico sobre a situação da agricultura urbana e periurbana em 11
mais equilibradas entre o meio urbano regiões metropolitanas. Nesse mesmo ano, foi realizado o I Seminário Nacional de
e o meio rural e a promoção de cida- Agricultura Urbana e Periurbana, que contou com a participação de representantes
des mais saudáveis e sustentáveis. O en- de iniciativas de agricultura urbana de diversas regiões do país e apontou diretrizes
frentamento estrutural das crises deve, para a construção de uma política nacional nessa área. Um coletivo nacional de agri-
portanto, reconhecer e tirar partido do cultura urbana, formado por representantes de organizações sociais que detinham
potencial dessas práticas sociais. experiência de trabalho nesse campo, operava naquele momento com o objetivo de
apoiar o MDS a formular ações estratégicas para compor a Política de Agricultura
No entanto, é recente e ainda
Urbana e Periurbana.
restrito o reconhecimento oficial da
agricultura urbana e periurbana. Orga- Porém, a partir de 2008, com o lançamento dos primeiros editais para a consti-
nismos internacionais, como a Organi- tuição dos Centros de Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana (Caaups), o diálogo
zação das Nações Unidas para Alimen- entre o governo federal e a sociedade civil ficou comprometido. Desde então, os
tação e Agricultura (FAO, na sigla em investimentos públicos passaram a ser orientados exclusivamente para prefeituras
inglês), vêm gradativamente atentando municipais, governos estaduais e órgãos públicos. Dessa forma, o Estado deixou de
para a importância da agricultura ur- valorizar e reforçar o acúmulo de experiências e o protagonismo assumido por
bana e periurbana e recomendando o parte de entidades da sociedade civil que, juntamente com movimentos populares,

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demandaram e apresentaram propostas concretas para o for- região Norte de Minas Gerais e o município de Montes Cla-
talecimento da agricultura urbana e periurbana. ros, buscando estabelecer a relação entre população, cultura e
ambiente. Destacam também a preponderância das mulheres,
A ausência de controle social das ações implantadas, a
na maioria dos casos, mais idosas. Ressaltam a importância
falta de um marco regulatório para o financiamento de pro-
das trocas de sementes, mudas, conhecimentos, bem como
jetos executados por organizações da sociedade civil, a des-
o mecanismo de autoproteção de vizinhança. O artigo traz
consideração das redes e arranjos locais preexistentes e a
ainda um olhar sobre as técnicas agrícolas relacionadas ao uso
negligência quanto à multiplicidade de funções da agricultura
da biodiversidade, à escolha das áreas, à definição dos cultivos
urbana e periurbana comprometeram o sucesso da política
e ao manejo dos solos.
de agricultura urbana desenhada pelo MDS. Além disso, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responsável Do Rio de Janeiro, trazemos dois artigos. O primeiro,
pela execução das políticas de fortalecimento da agricultura intitulado Agricultores do Maciço da Pedra Branca: em busca de
familiar, não incorporou a questão em sua agenda e por essa reconhecimento de seus espaços de vida, mostra a experiência
razão os agricultores urbanos e periurbanos encontram difi- de uma agricultura de resistência em plena capital fluminense.
culdades no acesso às políticas destinadas à agricultura fami- Os autores abordam o papel e a importância das articulações
liar.  O primeiro obstáculo está na obtenção da Declaração de entre associações representativas de agricultores, entidades de
Aptidão ao Pronaf (DAP), documento oficial necessário para assessoria, organizações de consumidores e a Rede de Agricul-
que as famílias produtoras acessem as diversas políticas, como tura Urbana organizada na cidade. Descrevem também a rela-
o crédito e a venda para mercados institucionais. ção de grupos de agricultores com o Parque Estadual da Pedra
Branca e os problemas de adequação das políticas públicas,
Outra dificuldade enfrentada de forma cada vez mais fre- principalmente no que se refere à obtenção de documentos
quente pelos agricultores refere-se às alterações no zonea­ necessários ao acesso às políticas – especialmente a DAP.
mento do uso do solo nos planos diretores dos municípios
sem o devido debate com a sociedade. Vários artigos aqui
apresentados abordam os conflitos resultantes desse proces-
Já o artigo Feiras da roça: desvelan-
so. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, muitos muni- do a agricultura familiar da região
cípios não reconhecem a existência de áreas rurais em seus metropolitana do Rio de Janeiro
planos diretores, o que significa a desobrigação do Estado
para com a atividade agrícola, bem como o aumento da carga trata das agriculturas periféricas
tributária sobre a ocupação e o uso do solo. que têm origem nas antigas his-
Além de apontar as dificuldades que os agricultores ur- tórias de luta pela terra na região.
banos encontram para ser oficialmente reconhecidos pelo Es-
tado e obter apoio por meio de políticas públicas, os artigos Os autores abordam o papel da
desta edição trazem relatos e análises sobre a riqueza e a Escolinha de Agroecologia como
diversidade das iniciativas de agricultura urbana e periurba-
na.  Ao explorar a dimensão organizativa dessas experiências, ambiente de formação e incentivo
os textos evidenciam como redes de mobilização social vêm à transição agroecológica e dão ên-
sendo estabelecidas para dar visibilidade e afirmar a impor-
tância dessa atividade. fase ao papel das feiras locais como
O artigo Agricultura urbana no Baixo Onça: cultivando uma espaços de visibilidade e viabiliza-
região mais produtiva, solidária e sustentável mostra como o ção econômica da agricultura fami-
Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Co-
mupra) organiza as ações comunitárias de agricultura urbana, liar dos municípios metropolitanos.
inseridas em uma estratégia de revitalização ambiental e so-
cial da região do Baixo Onça, em Belo Horizonte (MG). Os Por fim, o artigo Agricultura urbana ecológica: a experiência
autores trazem ainda uma reflexão sobre a importância da de Cuba mostra como se deu a construção dessa forma de
agricultura urbana e apresentam os desafios à sua prática. agricultura pelo Estado cubano em resposta à crise alimentar
dos anos 1990, quando Cuba passou por uma grave crise eco-
Também vindo da região metropolitana de Belo Hori- nômica. Inicialmente encarada como estratégia de combate
zonte, o artigo Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana: à insegurança alimentar, a agricultura urbana em bases con-
espaços e saberes da Agroecologia em Belo Horizonte descreve a vencionais foi forçadamente substituída por uma agricultura
trajetória dessa articulação em rede e as suas lutas políticas. urbana de base ecológica, graças à inviabilidade de manuten-
O artigo Pesquisa-Ação em Agroecologia no Município de ção do modelo produtivo industrial. O artigo caracteriza dois
Guarulhos relata a experiência de promoção da agricultura ur- tipos de sistemas de produção: um opera por meio da subs-
bana a partir de um projeto de fortalecimento da agricultura tituição de insumos, enquanto o outro foi denominado pelos
familiar do município proposto pela prefeitura municipal de autores como agricultura de processos.
Guarulhos e realizado como atividade de extensão universitá-
Márcio Mattos de Mendonça
ria pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar).
Coordenador do Programa de
Em Gerais Urbanos: Agroecologia, cultivo e consumo de ali- Agricultura Urbana da AS-PTA
mentos na cidade de Montes Claros, os autores caracterizam a urbana@aspta.org.br

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Agricultores do Maciço da
Pedra Branca (RJ):
em busca de reconhecimento de
seus espaços de vida
Bruno Azevedo Prado
Claudemar Mattos
Annelise Caetano Fraga Fernandez

A
agricultura da cidade do Rio de Janeiro possui um largo histórico. des, entidades de assessoria, grupos de
Embora hoje relegada a um papel menor, ocupou muito da área consumidores e a Rede de Agricultura
denominada de Zona Oeste do município, que por muito tempo foi Urbana, entre outros atores. Dessa for-
polo de abastecimento agrícola da capital.A região ainda apresenta resquícios de um ma, vai-se recriando um desenho do
passado rural que se confirma pela forma com que outrora fora conhecida: o sertão mapa da agricultura na cidade do Rio
carioca. Entretanto, se nos ativermos à ideia de resquícios da agricultura, retendo na de Janeiro e aumentando o repertório
mente apenas a imagem do urbano, deixamos de perceber o processo de fortale- das atividades e estratégias a que esses
cimento de experiências e práticas agroecológicas que são reinventadas e ganham agricultores recorrem na manutenção
espaço na região a partir do protagonismo dos agricultores e das várias redes que de seus modos de vida. A participação
constroem e às quais recorrem. em circuitos de feiras orgânicas, no
A Zona Oeste carioca vem sendo alvo de forte expansão urbana e especu- caso da AgroPrata, tem permitido levar
lação imobiliária, sobretudo em função das grandes obras dos megaeventos que a outros espaços da cidade produtos
despontam no futuro próximo da cidade. É importante lembrar, porém, que, apesar da agricultura da Pedra Branca, entre
das feições urbanas e industriais, a atividade agrícola persiste na região e detém re- eles, o vinagre de caqui e a banana e
levância econômica e social para a manutenção de famílias de agricultores que lutam o caqui-passa orgânicos, novidades de-
para manter suas territorialidades e modos de vida específicos. É lá onde centenas senvolvidas localmente pelos agriculto-
de famílias de agricultores têm estabelecido como meio de vida a produção e a co- res. Já o cultivo da banana e de outras
mercialização de bananas e caquis, aipim e hortaliças, além de uma série de outros culturas em meio a remanescentes de
frutos e verduras da região, como a taioba e a bertalha, alimentos tradicionais que Mata Atlântica pela AgroVargem pro-
vêm reaparecendo no cardápio carioca. porcionou recentemente a emissão da
primeira Declaração de Aptidão ao Pronaf
Muitas dessas famílias, que estão na região há mais de um século e dependem (DAP) entre esse grupo de agricultores.
da renda das atividades agrícolas, vêm sofrendo com a expansão urbana, com as O reconhecimento de saberes tradicio-
transformações nas relações de produção e de mercado e, sobretudo, com as res- nais em relação às plantas medicinais,
trições de órgãos ambientais, orientados por uma perspectiva de incompatibilidade dentro do contexto de implantação da
entre a presença humana e a conservação da natureza. Muitas já venderam suas Política Nacional de Plantas Medicinais
propriedades que hoje se transformaram em grandes condomínios residenciais, au- e Fitoterápicos, também tem fortaleci-
mentando fortemente o impacto ambiental na região. do e reunido os agricultores da Alcri,
Mas é também na Zona Oeste, especificamente no Maciço da Pedra Branca, assim como os das outras associações.
que agricultores e agricultoras têm se mobilizado em busca de reconhecimento da As experiências de agricultura na
prática agrícola realizada em espaços da cidade e sua inserção no âmbito das políti- cidade do Rio de Janeiro acompanham
cas públicas voltadas para a agricultura familiar.
o fenômeno da invisibilidade que atin-
Entre os resultados desse processo de mobilização, destacamos o fortaleci- ge todo o campesinato brasileiro. Tal
mento de organizações como a Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra condição de ausência de reconheci-
Branca em Rio da Prata (AgroPrata), a Associação de Agricultores de Vargem Gran- mento da existência de modos de vida
de (AgroVargem) e a Associação dos Lavradores e Criadores de Jacarepaguá (Al- camponeses foi construída por dis-
cri), bem como a formação de parcerias e sua inserção em redes com universida- cursos que, embasados nos dados de

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Fotos: acervo da Rede de Agricultura Urbana
Beneficiamento do caqui para produção do vinagre e do caqui-passa na AgroPrata, no bairro de Campo Grande (RJ)

que mais da metade da população mundial vive em espaços A invisibilidade da agricultura no Maciço da Pedra Branca
urbanos desde 2007, alardeiam que o século XXI marca o foi reforçada pelo fato de que, em 1974, uma parcela subs-
momento da implantação dos megaprojetos. Entretanto, as tantiva do território foi transformada no Parque Estadual da
diversas experiências de fortalecimento da agricultura nos Pedra Branca.1 A partir dessa data, a veiculação de represen-
fazem perceber que há muito mais camponeses do que nós tações e imagens desse espaço como uma floresta intocada
imaginamos ou queremos admitir, mesmo nas cidades e nos se tornou dominante, o que favoreceu o esquecimento da
espaços mais urbanizados. história da ocupação agrícola do maciço e o não reconheci-
mento da luta dos produtores locais pelo direito de permane-
Os lugares da agricultura no cenário carioca cer nesse território, conciliando suas práticas agrícolas com a
conservação da natureza.
Com uma população de 6.320.446 habitantes (IBGE,
2010), o Rio de Janeiro é a segunda maior cidade brasileira Para os agricultores do maciço, as restrições impostas
e a quarta da América Latina.  A cidade estende-se 70 km de pela legislação ambiental que rege o parque aumentaram as
leste a oeste e 44 km de norte a sul, abrangendo uma área dificuldades já vividas frente às mudanças nas relações de pro-
de aproximadamente 1.200 km2, que inclui ilhas e águas con- dução e de mercado na cidade. No entanto, de um modo
tinentais. Oficialmente, a cidade é divida em 32 regiões admi- que não se poderia prever, a existência dessa área protegida
nistrativas perfazendo um total de 159 bairros. Conhecido acabou por preservar a agricultura local de um processo mais
por sua beleza natural exuberante e outros grandes atrativos amplo de urbanização e expropriação dos pequenos produ-
turísticos, o Rio de Janeiro é provavelmente a cidade brasilei- tores. Na atualidade, pode-se dizer que o PEPB é um espaço
ra mais famosa mundialmente. Seu relevo se caracteriza pelos de conservação da natureza, mas também de reprodução de
contrastes de montanhas e mar, florestas e praias, além de uma pequena agricultura que vem construindo valores agro-
planícies extensas e paredões rochosos. Os dois grandes ma- ecológicos locais. Na luta pelo reconhecimento de seus di-
ciços que a cidade apresenta, o Maciço da Tijuca e o Maciço reitos territoriais, os agricultores do Maciço da Pedra Branca
da Pedra Branca, têm, respectivamente, 1.022m e 1.025m de procuram mostrar como suas práticas agrícolas podem ser
altitude e neles se localizam unidades de conservação de pro- conciliadas com os objetivos da conservação da natureza.
teção integral, nomeadamente, o Parque Nacional da Tijuca e
o Parque Estadual da Pedra Branca. Este último, localizado na 1
Entre outros objetivos, a criação do PEPB pretendia garantir a preservação
Zona Oeste da cidade, possui 12.394 hectares e consiste na dos mananciais que abasteciam e abastecem a Zona Oeste da cidade Rio de
maior reserva florestal localizada em área urbana do mundo. Janeiro. Geraizeiros durante Romaria
ao Areião, Rio Pardo de Minas

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Entretanto, o espaço de vida dos agricultores ultrapassa as fronteiras do parque da produção agrícola no entorno dos
e seu entorno. Construindo circuitos curtos de mercado, sua produção é direciona- aglomerados urbanos do Brasil.
da para feiras orgânicas e feiras das roças agroecológicas, pontos de comercialização
É diante desse contexto que os
locais e venda direta de porta em porta. Essa produção vem ganhando reconheci-
agricultores da AgroVargem, da Agro-
mento e valor por sua especificidade. É também se organizando em redes e grupos
Prata e da Alcri, bem como os de outras
informais para além das associações que os agricultores vêm garantindo a entrada
regiões da Zona Oeste do Rio de Ja-
em novos espaços e fortalecendo a Agroecologia na cidade, o que pode ser sinali-
neiro, têm enfrentado dificuldades para
zado pela recente eleição de um agricultor da AgroVargem e de uma agricultora da
acessar programas direcionados à agri-
AgroPrata como membros do Conselho de Segurança  Alimentar e Nutricional do
cultura familiar, como o Programa de
Município do Rio de Janeiro (Consea-Rio).
Aquisição de Alimentos (PAA) e o Pro-
grama Nacional de Alimentação Escolar
Reconhecimento: primeiro passo para o acesso às políticas (Pnae). Embora a maioria se enquadre
públicas nos critérios exigidos para a emissão da
Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP)
A agricultura praticada nas cidades pode ser expressa de formas bastante hete-
– instrumento necessário para o acesso
rogêneas: o cultivo em pequenos espaços para consumo próprio ou lazer; os quin-
aos programas governamentais –, o fato
tais e hortas urbanas individuais ou comunitárias nas escolas e igrejas; os sítios nas
de terem um modo de vida mais pró-
áreas consideradas no Plano Diretor da cidade como urbanas ou aqueles em áreas
ximo à realidade da metrópole muitas
de crescente urbanização. Todas essas formas constituem práticas que reconectam
vezes acaba fazendo com que não sejam
os moradores urbanos aos diferentes ritmos da natureza, gerando sociabilidades
considerados produtores rurais aptos a
que se distinguem do isolamento e do individualismo na maioria das vezes marcan-
obter tal documento.
tes nas grandes cidades. A existência e a permanência do fenômeno da agricultura
urbana como uma atividade desempenhada por muitas pessoas, contudo, desafiam Buscando superar o desafio de ob-
aqueles que a veem como um paradoxo ou uma moda passageira. Sua heterogenei- tenção das DAPs e atender aos direitos
dade também consiste num desafio ainda maior para os formuladores de políticas e demandas desses agricultores, a Rede
públicas que, hoje, pouco têm conseguido contemplar as demandas da atividade de Agricultura Urbana articulou uma

Colheita do caqui em Rio da Prata, no bairro de Campo Grande

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parceria que envolveu não só agricultores, mas também par-
ticipantes de três projetos de assessoria– Projeto Semeando
Agroecologia, da AS-PTA, Profito Pedra Branca, da Fiocruz,
e o Programa de Extensão Ampliação e Fortalecimento das
Atividades Agroindustriais dos Agricultores da Pedra Branca,
vinculado à Universidade Federal Rural do Estado do Rio de
Janeiro (UFRRJ) – e da Rede Ecológica (grupo de compras
coletivas de produtos orgânicos). Tal iniciativa recebeu a de-
nominação de Mutirão Pró-DAP.
Esse grupo, reunido a partir de outubro de 2011, elabo-
rou algumas estratégias e definiu um plano de ação que tem
como diretriz orientar os agricultores sobre o acesso a esse
direito. O plano envolveu a realização de um breve diagnósti-
co da propriedade de sete agricultores, de um total de cerca
de 120 que plantam em áreas agrícolas do Maciço da Pedra
Branca. Entre eles, foram levantadas as informações que po-
deriam enquadrá-los nos critérios de emissão da DAP: a do-
cumentação e o tamanho da propriedade; o local de moradia;
a mão de obra utilizada; e a composição da renda. Os resul-
tados apontaram que cinco agricultores têm a renda exclusi-
vamente oriunda da atividade agrícola, enquanto que, no caso
dos demais, a renda agrícola representa cerca de 90% dos
ingressos familiares. A renda média proporcionada pela ativi-
dade agrícola no ano de 2011 foi de cerca de R$ 33.500,00.
Com esse diagnóstico, e em companhia dos agricultores,
o Mutirão Pró-DAP procurou o escritório local do órgão es-
Agricultores da AgroVargem no ponto de comercialização
tatal de Ater em Campo Grande, bairro do Rio de Janeiro. O no bairro de Vargem Grande, Rio de Janeiro
intuito foi estabelecer uma relação de diálogo que possibili-
tasse a emissão dos documentos, tendo em vista que, com ex-
ceção de problemas de documentação da titularidade da ter- voltadas para a agricultura familiar. Certamente esses são ca-
ra de alguns agricultores, os demais critérios para emissão da sos que demonstram a necessidade de as políticas reconhe-
DAP são contemplados por todos os sete produtores. Dessa cerem a heterogeneidade e a especificidade dos diferentes
forma, os agricultores foram orientados sobre a adequação da caminhos do desenvolvimento da Agroecologia no País.
documentação e os procedimentos necessários para que suas
DAPs fossem regularmente emitidas. Essa estratégia de ação
em rede resultou, no mês de junho de 2012, na garantia de Bruno Azevedo Prado
emissão de pelo menos três DAPs, um número pequeno dian- mestrando do CPDA/UFRRJ e participante do Projeto de
te das centenas de agricultores familiares da cidade do Rio de Extensão Ampliação e Fortalecimento das Atividades Agroin-
Janeiro, mas que sinaliza um novo horizonte de possibilidades dustriais dos Agricultores da Pedra Branca/UFRRJ
para o fortalecimento desse segmento invisibilizado. braprado@yahoo.com.br

Claudemar Mattos
Considerações finais engenheiro agrônomo, mestre em Ciência Ambiental,
As experiências aqui relatadas consistem em uma das assessor do Projeto Semeando Agroecologia da AS-PTA e
expressões da agricultura nas cidades. Fenômeno bastante di- membro da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro
verso, a agricultura nas áreas urbanas e periurbanas nos faz claudemar@aspta.org.br
atentar não somente para as circunstâncias nas quais as pes-
soas praticam a agricultura, mas, de modo mais importante, Annelise Caetano Fraga Fernandez
para as razões e motivações que as levam a construir es- doutora em Sociologia e Antropologia, professora da UFRRJ,
tratégias de fortalecimento e reconhecimento que envolvem coordenadora do Projeto de Extensão Ampliação e Fortale-
dimensões sociais, políticas e ambientais (Mougeot, 2005). cimento das Atividades Agroindustriais dos Agricultores
No caso dos agricultores do Maciço da Pedra Branca, essas da Pedra Branca
estratégias se refletem no sistema de produção que leva em annelisecff@yahoo.com.br
consideração os limites e as potencialidades do uso dos re-
cursos naturais, ao mesmo tempo em que mantém a integri-
dade dos fragmentos de Mata Atlântica na área urbana. Cum- Referências bibliográficas:
pre ainda ressaltar como a organização desses produtores em
associações e redes recriam sociabilidades e permitem uma MOUGEOT, L. J. A. (Ed.) Agropolis: the social, political and
maior participação em diferentes espaços e esferas institucio- environmental dimensions of urban agriculture. Earthscan/
nais na busca por visibilidade no âmbito das políticas públicas IDRC, 2005.

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Fotos: Eduardo Ribeiro
Gerais urbanos:
Agroecologia, cultivo
e consumo de
alimentos na cidade
de Montes Claros1
Eduardo Magalhães Ribeiro
Giliarde de Souza Brito
Flávia Maria Galizoni
Hélder dos Anjos Augusto

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 10


Migrações suporte dos pastos com a introdução de gramíneas africanas. Por outro lado, criou
uma problemática agricultura irrigada, estabeleceu os eucaliptais nas áreas elevadas
A região Norte de Minas Gerais das chapadas, converteu as áreas de caatingas em patrimônio de grandes empresas,
passou por uma grande transformação acuou a agricultura camponesa em terras piores e mais secas, tornou escassa a água
agrária entre fins da década de 1960 e nos gerais graças à drenagem de veredas, o que tornou mais custoso enfrentar os
o começo da década de 1980.  A mu- longos períodos de estiagem, uma vez que foi necessário criar programas dispendio-
dança foi promovida pela implementa- sos de abastecimento, como carros-pipas e poços artesianos.
ção de uma série de políticas públicas,
que mobilizaram interesses agrícolas e
industriais para modernizar o rural. Esse A modernização agrária – como se dizia nos
movimento foi associado à expansão anos 1970 – trouxe consequências negativas
da pecuária, com o gado zebu criado
em pastagens plantadas, substituindo também para as áreas urbanas da região, pois
o antigo curraleiro que vivia em soltas a tomada de terras provocou um rápido cres-
nos chapadões. Compreendeu também
a ocupação de grandes áreas de terras cimento da população das cidades. Mais tarde,
com eucaliptos, a drenagem de veredas em decorrência do fechamento da fronteira
e buritizais para cultivo irrigado e o
corte da vegetação nativa para produzir agrícola, foi criado um fluxo contínuo de emi-
carvão e abastecer o pólo de ferro-gusa gração para as cidades. Montes Claros se trans-
da região central de Minas Gerais.
formou então no principal destino dos movi-
As mudanças na estrutura fundiá-
ria e produtiva provocaram sérios im- mentos migratórios dessa vasta região.
pactos sobre a população camponesa
da região. Primeiro, estimularam a to- No último meio século, a população urbana de Montes Claros cresceu num
mada de terras camponesas pelos no- ritmo muito superior à média do estado: a população da cidade triplicou entre 1960
vos negócios, forçando o deslocamento e 1980 e novamente duplicou entre 1980 e 2001. Esse ritmo de expansão não pode
de parte da população rural para ­áreas ser atribuído apenas ao crescimento vegetativo da população. Explica-se, em grande
urbanas. Segundo, a apropriação de parte, pelos novos afluxos de migrantes gerados pela combinação de expulsão do
grandes áreas de terras pelas firmas fe- campo e atração da cidade que existiu até os anos 1980. Mas, mesmo depois desse
chou a fronteira agrícola do Norte de momento, o crescimento em Montes Claros permaneceu acelerado, indicando que
Minas Gerais que permanecera aberta a expulsão e atração continuaram existindo.
até o início dos anos 1980. Daí em dian- Num estudo feito na área urbana da cidade entre 2010/2011, Giliarde Brito
te, os camponeses que conservaram mostrou a origem da população urbanizada nas últimas décadas, em sua grande
seus sítios assistiram, a cada geração, à maioria vinda do campo. Esses novos moradores da cidade associam a mudança para
emigração de novas levas de deserda- a cidade com a busca por trabalho e educação; mas também com a impossibilidade
dos que tiveram que sair da terra, para de continuar vivendo da terra.
que apenas um dos irmãos permane-
cesse no terreno da família.
Montes Claros
Essa ofensiva de interesses em-
presariais sobre a região se manifestou Montes Claros é a maior cidade do Norte de Minas Gerais. Polariza toda a
de diversas formas: melhorou o rendi- região, uma vasta área dos vales dos rios Jequitinhonha e Pardo, além de parte do
mento físico da pecuária bovina graças vale do rio São Francisco, no estado da Bahia. Situado na borda do semiárido, o
à genética e aumentou a capacidade de município recebeu desde a década de 1960 incentivos da Superintendência do De-
senvolvimento do Nordeste (Sudene) para instalar empresas e formar um parque
industrial. Esses investimentos não serviram para gerar grande dinamismo industrial,
mas estimularam o surgimento de um setor de serviços bastante forte, que susten-
tou o crescimento da cidade ao longo do último meio século.
Além dessas características econômicas, Montes Claros apresenta uma dota-
1
A pesquisa que originou este artigo rece-
ção muito original de recursos naturais. O município fica numa tripla confluência de
beu apoio do CNPq (475382/2009) e Fapemig
(PPM0464-10). Cerrado com Mata Seca e Gerais.  Assim, exibe um conjunto alternado e complexo

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de solos, climas, paisagens e regimes de chuvas. Essa dotação original distribuiu, distribuído entre outubro e abril. En-
pelo espaço, recursos naturais muito distintos e que são usados também de formas tretanto, por estar situado na porta
muito diferentes. do semiárido, a chuva quase sempre é
concentrada, precipitando toda a água
Tomando como referência a sede do município, os recursos podem ser agru-
em poucas semanas ou meses, eventual-
pados, grosso modo, em quatro grandes matrizes:
mente ocorrendo ciclos de seca. Dessa
• ao norte, domina a mata seca, caracterizada por solos muito férteis, com uma maneira, cada formação e seu respec-
cobertura vegetal exuberante, mas com poucos corpos de água e extrema tivo conjunto de recursos darão uma
sensibilidade à seca; resposta produtiva específica às varia-
• ao sul e leste, dominam duas formações: nas montanhas próximas da sede do ções das chuvas, fazendo com que em
município ficam campos de altitude - áreas mais chuvosas, frias, de terras menos alguns locais haja escassez de alimentos
férteis e incontáveis nascentes; mais além ficam formações de cerrado, marcadas e forragens, contrastando com a abun-
principalmente pelas sucessões de campos-sujos e cerrado estrito senso; dância em áreas próximas. Essa diver-
sidade tão grande permite que sejam
• a oeste, predomina a formação denominada no local de gerais, caracterizada criados sistemas produtivos adaptados
pelos chapadões arenosos de baixa fertilidade, pela abundância de veredas úmi- e também muito diferentes.
das cobertas por buritizais, pela vegetação arbórea de baixa estatura e capins
nativos. Na história rural do município, a
capacidade de autoabastecimento re-
Nem sempre essas formações podem ser distinguidas de maneira assim tão cebe muito destaque. Hermes de Paula,
nítida na paisagem. Há muita sobreposição entre elas, o que contribui para criar uma autor de uma das mais respeitadas crô-
espantosa diversidade de recursos naturais em distâncias às vezes de poucos me- nicas montesclarenses, escreveu que o
tros. Por isso, no uso agrícola, muitas vezes os sistemas tradicionais de cultivo com- município passou sem abalos pela gran-
binam técnicas absolutamente dis­tintas numa mesma unidade de produção.Também de crise agrícola do final dos anos 1930
pode ocorrer que na mesma localidade rural os regimes de uso e apropriação do graças à diversidade da produção e dos
solo sejam tão diferentes quanto a diversidade dos recursos.
sistemas produtivos. Uma mostra dessa
Tudo isso é mediado por um regime de chuvas também muito peculiar. O diversidade ainda aparece, viva, nas ma-
município de Montes Claros pode apresentar um período chuvoso regular, bem nhãs do sábado na feira livre da cidade.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 12


Essa dotação tão diversificada de recursos e climas cos- casa própria, levou tempo para que pudessem estabelecer a
tuma representar uma sólida barreira para a implantação de lavoura urbana. Muitos deles se aproveitaram de ocupações
sistemas produtivos homogêneos e intensivos em capital. O de terras, adquiriam lotes em conjunto com parentes também
solo não necessita ou não responde à adubação química; a recém-migrados, compraram à prestação terrenos em bairros
mecanização costuma conduzir rapidamente à compactação e novos, distantes e sem estrutura ou embolaram recursos de
à erosão; a capacidade de suporte nas áreas de Mata Seca va- pais, filhos, avós e netos para adquirir um lote. Foi preciso
ria de 5 a 0,5 animais por hectare num mesmo ano de acordo trabalho, economia, poupança, mas também a cooperação de
com as estações. No entanto, se por um lado essa diversidade parentes, que ajudaram na compra e na construção, empres-
torna difícil estabelecer uma agricultura intensiva baseada em taram material e equipamento, partilharam os lotes. É por isso
trator, veneno e adubo, por outro, ela garante ótimos resulta- que muitas famílias formam grandes grupos agregados de vizi-
dos quando manejada por agricultores tradicionais. Passando nhança e parentesco, e as casas são erguidas ao lado umas das
pelo crivo do conhecimento local, os recursos são usados de outras, compartilhando áreas comuns e espaços.
acordo com uma experimentação amadurecida em décadas,
Está certo que isso cria certa promiscuidade; mas cria
que toma como base e potencializa sua diversidade.  A agri-
também sistemas de proteção coletiva. Assim, donos de ter-
cultura urbana de Montes Claros revela essas possibilidades, e
renos, cercados por parentes, poderão começar a plantar. Mas
este artigo apresenta alguns resultados da pesquisa feita com
como o plantio exige, além da terra própria, muita dedicação,
agricultores urbanos em 2010/2011.
só vão se tornar agricultores urbanos depois de cumprir uma
vida inteira de trabalho, quando já estão aposentados ou per-
Agricultura urbana to da aposentadoria, quando já são donos do seu tempo. E,
Quando migraram para Montes Claros, muitos dos agri- como os homens são fisicamente mais frágeis, ficam muito
cultores levaram a família e as esperanças, os endereços de estropiados pelo trabalho pesado ou morrem ainda na entra-
parentes na cidade e o temor do futuro incerto. Mas levaram da da meia idade, logo no começo da aposentadoria, a maioria
também um grande conhecimento de cultivos, mudas, semen- dos agricultores urbanos são mulheres.
tes, solos e o desejo de continuar plantando. Nem sempre, São elas, em maioria, que sobrevivem aos maridos e po-
porém, puderam implantar seus cultivos imediatamente. Às dem retornar às práticas da infância, adolescência e juventude
vezes se abrigavam com parentes que já viviam na cidade, ocu- quando já estariam relegadas a cuidar dos netos e da casa.
pavam todo seu tempo trabalhando fora de casa e cumprin- E, então, quase sempre já idosas, plantam como aprenderam:
do muitas horas-extras. Ou, então, mesmo quando podiam empregando técnicas tradicionais de manejo da terra, usan-
se mudar, os quintais de suas casas eram muito pequenos, do os recursos da natureza, redescobrindo o conhecimento
às vezes compartilhados com outras famílias ou abertos aos guardado nas memórias e nas mãos que fazem do escasso
ataques de animais e aos furtos dos passantes, o que impedia solo urbano a terra prometida que lhes foi negada a vida in-
que continuassem plantando. teira.
O sonho de muitos deles era ter um terreiro próprio Além disso, plantam para o consumo da família. Por isso
para manter seu cultivo. Por isso buscavam ao mesmo tem- não gostam de usar sementes compradas, adubos químicos
po casa e terreno próprios. E, como não foi fácil conseguir a ou venenos. Querem, quase sempre, uma agricultura sem ve-

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nenos e sadia – que consideram ser a mesma coisa –, um que foram produzidos nessa mes-
cultivo que comungue com o trato da terra que aprenderam
na infância. No entanto, como não podem reconstruir toda a ma rede de valores e por isso são
técnica material necessária para a produção apenas com os considerados sadios, fortes e va-
recursos da pequena área urbana, usam as viagens de recreio
para visitar parentes na terra natal ou aproveitam as viagens liosos – da mesma maneira que as
dos amigos para encomendar mudas e sementes, para atuali- tantas outras trocas que circulam
zar técnicas de conservação das plantas, renovar o conheci-
mento das plantas de finalidades medicinais e enriquecer as para legitimar essas redes.
técnicas que aprenderam na infância.
Dessa forma, grande parte da agricultura urbana se ins- Técnicas e saberes adaptados
pira num aprendizado de produção que antecede à Revolu-
ção Verde. É uma agricultura que usa os recursos da terra, Os quintais desses agricultores urbanos exibem uma
praticada em grande parte por pessoas idosas, conduzida na espantosa diversidade biológica. É muito frequente que em
maioria das vezes por mulheres, com o propósito de prover ­áre­as inferiores a 30 metros2 existam 60 ou mais espécies
a própria família. Curiosamente, é entre a população urbana, de plantas e em muitas variedades. Nos quintais de plantas
que viveu o enfrentamento mais bruto da tomada de terras, medicinais, os agricultores conseguem ainda mais resultados:
que há mais tempo se enraizou na cidade e se acostumou colocam em áreas minúsculas uma farmacopeia que serve a
com as novelinhas da tarde e o movimento cotidiano do bair- toda a família e a toda a vizinhança. Os agricultores urbanos
ro, que se encontra a maior força da agricultura tradicional, de Montes Claros aproveitam a diversidade de recursos en-
que se conservam as práticas costumeiras da lida da terra e contrada no município, adaptando cultivos de gerais para a
dos recursos. mata e da mata para o cerrado. Descobrem também novos
potenciais em velhos cultivos ao trocarem mudas e sementes
Mas essa é, também, uma agricultura de trocas. Em geral, com vizinhos, que por sua vez se reabastecem na terra natal.
os migrantes de uma mesma origem tendem a se estabelecer Já aqueles que recebem novidades se encarregam de exportar
num mesmo bairro. O estudo feito em Montes Claros mos- para suas áreas rurais de origem.  A cidade acaba por se trans-
trou que os agricultores que saíram de determinado conjunto formar num espaço antes inimaginável: um ponto de trocas de
de municípios próximos costumavam se fixar num mesmo produtos tradicionais, que vão e voltam ao campo, integrando,
conjunto de bairros, replicando na cidade maior o aglomera- filtrando e distinguindo técnicas próprias para o cerrado, a
do de raízes comuns, parentesco, conhecimento e identidade, mata seca, os gerais e os campos de altitude.
onde haveria segurança e proteção. E, assim, quando podem
enfim retornar à agricultura, os agricultores urbanos inserem No entanto, a diversidade e a variedade dos cultivos de-
seu plantio nessa rede de trocas sociais e simbólicas. pendem de um fator essencial para o agricultor tradicional: a
qualidade da terra. Como os solos de Montes Claros são bem
Os alimentos que saem dos quin- diferentes entre si, muitos dos agricultores urbanos mudam
de bairro ou do local em que moravam no mesmo bairro para
tais agroecológicos urbanos vão buscar as melhores áreas de plantio, aquelas que se parecem
então circular em meio a conter- com as terras que registraram nas lembranças. Como esco-
lhem o que plantar e o tanto que podem plantar a partir do
râneos e parentes, como dádivas tipo de terra, acabam fazendo uma rica avaliação etnopedo-
trocadas, pois os alimentos são lógica das áreas urbanas, percorrendo a cidade em busca dos
solos e recursos mais favoráveis.
distribuídos nos mesmos circuitos
Preferem, sobre todas elas, aquela que denominam terra
em que trocam informações sobre preta: uma terra oleosa, gorda, solta, mas pegagenta, própria
empregos, com a mesma lógica em das beiras de água, sem minhocas, que responde muito bem
à molhação e dá um retorno extraordinário na produtividade
que se protegem uns aos outros, dos cultivos. Tomando a terra preta e a terra vermelha de
pelos mesmos motivos que se tor- chapada como extremos da boa e má qualidade, fazem uma
cartografia das áreas urbanas que são ou não propícias para a
nam compadres e comadres, com agricultura.  A beira do rio Vieira, que corta toda a cidade, não
a mesma frequência que se apoiam presta: é terra dura e com muita minhoca; mas são muito boas
as terras dos altos das vazantes desse rio.  A melhor terra está
nas dificuldades financeiras. E as- na região conhecida como Melancia, o lugar por excelência
sim uns cedem alimentos colhidos da terra preta. Na Abóbora também a terra é muito boa. Nas
beiras do rio do Cedro, a terra preta fica nos altos, enquanto
nas lavouras urbanas aos outros, a terra vermelha está nos baixios. Também não é considerada
fornecem essências das hortas de boa a da região da Lagoa do Português, pois trata-se de terra
vermelha, com muita minhoca.
plantas medicinais, e esses alimen- Há um consenso entre todos os agricultores urba-
tos e essências são cobiçados por- nos: as melhores terras de Montes Claros ficam nos bair-

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 14


criando um substrato melhorado. As
famílias coletam nas ruas o esterco de
cavalo e, seja seco ou queimado, o fil-
tram com água para usar nas plantas.
Elas recolhem nos lotes vagos a en-
trecasca do juá para fazer sabão, que
é bom para a pele e o cabelo. Usam
a própria arborização urbana para re-
colher a folha nova de barriguda, que
é picada, embebida e cozida no caldo
de galinha: misturada com fubá resulta
num angu primoroso. E assim a cidade
é relida, como se voltasse ao tempo
dos gerais, cerrados e matas. Hoje é
coberta de casarios, carros, prédios,
normas e ruas, mas segue povoada pe-
los mesmos e vivos costumes do povo
do Norte de Minas Gerais.

Eduardo Magalhães Ribeiro


economista, professor associado do
ICA/UFMG
eduardomr@pq.cnpq.br

Giliarde de Souza Brito


assistente social
ros Morada do Sol e Todos os Santos, para fazer um composto que aumenta giliardebrito@hotmail.com
mas os dois são habitados por gente seu rendimento. Reciclam o lixo orgâni-
endinheirada.  As piores terras ficam co e degradável, misturam com esterco Flávia Maria Galizoni
em Morrinhos, no centro da cidade e de cavalo e porções de terra preta e antropóloga, professora adjunta do
no Maracanã. Consideram que a terra assim aumentam a fertilidade dos solos ICA/UFMG
fica desperdiçada nos bairros de gen- mais fracos. Entre esses agricultores flaviagalizoni@yahoo.com.br
te rica, porque ninguém planta. Já nos circula uma receita para produzir a ter-
Morrinhos, não dá para plantar, porque ra para horta: cinco porções de terra Hélder dos Anjos Augusto
é área de ocupação muito antiga e ter- preta, duas de terra vermelha, uma de administrador, professor adjunto do
ra muito ruim. Mas Maracanã é outro areia de chapada e duas de cinza. ICA/UFMG
caso: bairro de ocupação recente, com matacuane@gmail.com
Da mesma maneira que agriculto-
muitos lotes vagos, não construídos e res tradicionais de áreas rurais, esses
ainda em parte uma espécie de frontei- agricultores urbanos usam bioindica-
ra urbana, recebe em maioria migrantes dores. Muita minhoca indica terra im-
dos municípios de Coração de Jesus e própria para plantio; enquanto que a Referências bibliográficas:
Claros dos Poções, com solos de carac- presença de cupim é considerada positi-
terísticas muito semelhantes. Então, es- va.  Angico, cedro, assa-peixe e capim co- BRITO, G.S. Migrações rural/urba-
ses migrantes quando podem se tornar lonião nos lotes são sinais de terra boa no e fluxos de conhecimento
agricultores urbanos também não os para cultivo. Já o solo empedrado do toá, agroecológico: o caso de Montes
estranham, porque já conhecem aque- cagaita e pequizeiro indicam terras pio- Claros, Minas Gerais. Dissertação
les solos e recursos e os cultivam como res. E a partir desses indicadores a paisa- (mestrado). ICA/UFMG, 2011.
num retorno à juventude. gem urbana é relida. Muitos agricultores
LUZ, C; DAYRELL, C. Cerrado e de-
Embora nem sempre se adaptem urbanos se guiam por esses parâmetros
senvolvimento: tradição e atua-
bem aos solos do bairro, não é certo para procurar os lotes que querem, para
lidade. Montes Claros: CAA/Rede
que seja possível mudar de local. Por trocá-los ou aceitar parcerias.
Cerrado, 2000.
isso, criam técnicas para aumentar a fer- E, como no rural, praticam o agro-
tilidade. Como é muito difícil conseguir PAULA, H. Montes Claros: sua histó-
extrativismo urbano. Sabem onde es-
esterco de gado bovino para fertilizar ria, sua gente e seus costumes. Rio
tão os frutos nativos e recursos apro-
o solo, usam com frequência o esterco de Janeiro: Serviço Gráfico IBGE,
veitáveis, como minas de terra preta,
1957.
dos cavalos. Nisso são providos pelos argila, tabatinga, umbuzeiros e pequi.
carroceiros. Usam o esterco seco ou o E, se uma terra tem pouca serventia RIBEIRO, E.M. História dos gerais.
queimam para evitar o cupim ou ainda para cultivo, servirá para reboco ou Belo Horizonte: Editora UFMG,
o misturam com palha de milho picada para uma mistura com outra terra, 2010.

15 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


Fotos: Arquivo REDE-MG.
Agricultura
urbana no
Baixo Onça:
cultivando
uma região
mais produtiva,
solidária e
sustentável
Lorena Anahi Fernandes da Paixão
Marcelo Oliveira de Almeida

Vista do Ribeirão do
Onça e do bairro Ribei-
ro de Abreu

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 16


A
cidade de Belo Horizonte está inserida na texto de alta vulnerabilidade socioambiental, moradores(as)
bacia hidrográfica do Rio das Velhas, um dos lançam mão dos recursos disponíveis localmente e ocupam
maiores afluentes do Rio São Francisco. Duas diferentes tipos de espaços para produzir e beneficiar pro-
sub-bacias atendem à cidade: a do Ribeirão Arrudas e a do dutos agrícolas e animais. O interesse e o conhecimento
Ribeirão Onça, sendo o segundo o principal curso d’água que dos(as) moradores(as) dessa região sobre as técnicas de cul-
separa as regiões norte e nordeste do município e também o tivo, coleta e uso das plantas podem ser associados ao fato
maior poluente do Rio das Velhas. Este texto trata das iniciati- de que a maioria dessas pessoas vieram de cidades do inte-
vas desenvolvidas por algumas famílias de bairros localizados rior onde praticavam agricultura. Com criatividade, adaptam
na parte baixa da bacia hidrográfica do Ribeirão Onça, chama- seus conhecimentos ao contexto local, com destaque para as
da de Baixo Onça, que demonstram a importância de incor- experimentações de plantio em pequenos espaços. As áreas
porar a agricultura no planejamento das ações de melhoria da utilizadas diferem bastante entre si, seja no tamanho, nas ca-
qualidade de vida nas grandes cidades. racterísticas do relevo ou no regime de propriedade (público
ou privado).
A região do Baixo Onça é uma zona de ocupação re-
cente na capital mineira. Trata-se de uma das mais novas fron-
teiras de expansão do município, um espaço que, nas últimas A exemplo do que acontece em
décadas, cresceu de forma rápida e precária. A grande desi- outras cidades, na região do Bai-
gualdade social e econômica entre os habitantes de Belo Ho-
rizonte se expressa nas condições dos bairros da região, que xo Onça a maioria das práticas de
se deterioraram ainda mais em função dos sérios problemas agricultura são espontâneas e indi-
de infraestrutura, como limitações nos serviços de transpor-
te, falta de vias de acesso e tráfego entre bairros e ocupação viduais, realizadas principalmente
irregular em áreas de risco às margens do Ribeirão Onça. no âmbito doméstico. No entanto,
Muitos(as) moradores(as) se encontram em situação de in-
segurança alimentar e nutricional, com dificuldades de acesso quando inseridas em redes locais
ao trabalho formal, baixa renda e elevado índice de vulnerabi- e dinâmicas comunitárias, amplia-
lidade à saúde. O alto grau de poluição verificado no Ribeirão
Onça é responsável pela precarização das condições de vida se a capacidade de otimização dos
das famílias que habitam as suas margens, deixando-as vulne- recursos, de convergência de ações
ráveis às frequentes enchentes, doenças e outros problemas
sociais decorrentes da degradação ambiental, da intensa urba- e de construção de propostas co-
nização e das atividades industriais. letivas para reivindicar os direitos
que não vêm sendo garantidos e
Deixem o Onça Beber Água Limpa
Em 2007, buscando enfrentar esses desafios, o Conselho
incidir na elaboração de políticas e
Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra)1 ini- programas públicos.
ciou um trabalho à frente do movimento Deixem o Onça Beber
Água Limpa. Na concepção do Comupra, o Ribeirão Onça é Em 2009, a partir do diálogo entre a organização não go-
um eixo que liga todas as comunidades da região e, sendo vernamental Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
assim, a qualidade do curso d’água reflete a qualidade de vida (Rede), o Comupra, os(a)s agricultores(as) urbanos(as) e as
das pessoas. O movimento abrange mais de 10 bairros do organizações de apoio à agricultura no Baixo Onça, intensifi-
Baixo Onça e conta com a participação de mais de 50 entida- cou-se o planejamento coletivo das ações a serem desenvol-
des da sociedade civil e do poder público. Essas organizações vidas na região, assim como o trabalho de fortalecimento das
atuam em parceria, construindo estratégias de revitalização práticas agrícolas que já existiam e a implementação de novas
ambiental e social da região. experiências.
Entre as propostas voltadas para promover as transfor- Desde então, são conduzidas ações de qualificação dos
mações socioambientais e garantir os direitos da população, sistemas produtivos individuais (quintais) e coletivos (grupos
estão as atividades de agricultura urbana. Mesmo num con- comunitários), por meio do acompanhamento que incorpora
elementos formativos, organizativos e técnicos, baseados nos
1
O Comupra é uma associação comunitária sediada no bairro Ribeiro de
princípios da Agroecologia. As atividades de assessoria com-
Abreu, localizado na parte baixa da bacia hidrográfica do Ribeirão Onça. preendem momentos específicos com cada grupo e momen-

17 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


Antes: mutirão de preparação da área para iniciar a horta comunitária do Grupo Frutos da União, no bairro Conjunto Ribeiro de Abreu

tos coletivos, que visam à troca de experiências e de conhe- Organização popular e articulação em rede
cimentos entre os(as) agricultores(as) e técnicos(as). Entre
O fato de as atividades de agricultura urbana serem re-
as atividades coletivas, destacam-se as oficinas, os mutirões,
alizadas com o apoio e o envolvimento de diversos parceiros
os intercâmbios e os cursos, além dos encontros Saberes e
locais, sobretudo no âmbito do movimento Deixem o Onça
Sabores, realizados trimestralmente com a participação de
Beber Água Limpa, proporciona a agricultores e agricultoras a
organizações locais, grupos produtivos e famílias, no intuito
oportunidade de (re)conhecimento e participação em ações
de avaliar e planejar as ações de agricultura urbana na região.
relacionadas a outras temáticas, como segurança, habitação,
esporte, lazer e cultura. Esse contexto favorece que as pes-
Nos últimos anos, 60 famílias se soas exercitem um olhar crítico da realidade, identificando
organizaram em oito grupos pro- os desafios e os potenciais que seu território possui para o
desenvolvimento local sustentável.
dutivos na região do Baixo Onça
Além das parcerias e articulações firmadas na região,
e, estando inseridas em dinâmi- os(as) agricultores(as) do Baixo Onça estabeleceram dinâmi-
cas coletivas, produzem alimen- cas coletivas de maior abrangência, por meio da participação
na Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (Amau).2
tos agroecológicos. Estima-se que Já nos âmbitos estadual e nacional, participam frequentemen-
outras 300 pessoas se beneficiam te de eventos, seminários, conferências, encontros e intercâm-
bios que abordam temáticas como Agroecologia, agricultura
diretamente do trabalho, por meio urbana, segurança alimentar e nutricional, combate ao uso de
da participação pontual em ativi- agrotóxicos, economia popular e solidária, gênero, dentre ou-
tras que estão relacionadas com suas práticas diárias.
dades ou da compra de alimentos
Saúde e segurança alimentar e nutricional
frescos e saudáveis.
No campo da promoção da saúde e da segurança ali-
mentar e nutricional, constata-se que a diversificação dos
As várias funções da agricultura na cidade cultivos nos quintais e nos sistemas produtivos coletivos,
assim como as mudanças nos hábitos alimentares e a pro-
No Baixo Onça, são múltiplas as motivações que levam dução alimentar, proporcionam às famílias o acesso a uma
as pessoas a praticarem agricultura urbana, sendo os seus maior diversidade de alimentos – e, consequentemente, de
efeitos percebidos em diversas dimensões da vida social. A nutrientes e vitaminas –, além de contribuir para a diminui-
seguir, descrevemos os resultados e avanços mais expressivos
da agricultura urbana na região. 2
Ver artigo sobre AMAU na página 23

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 18


Depois: horta comunitária do Grupo Frutos da União após os cultivos

ção do consumo de produtos contami- poimentos dos(as) moradores(as), a participação nas atividades de formação, nos
nados por agrotóxicos. intercâmbios e nos momentos de trocas de experiências é muito importante para
valorizar o seu conhecimento e elevar a autoestima.
A diversidade de espécies cultiva-
das na região pôde ser verificada com
a realização, durante o ano de 2011, Também é possível perceber o efeito da agricul-
de um trabalho de monitoramento da tura urbana na sociabilidade de quem se envol-
produção de 19 experiências, sendo
16 quintais e três grupos produtivos. ve com o trabalho. Frequentemente, as pessoas,
O monitoramento permitiu, por amos- principalmente as mulheres, alegam que mu-
tragem, identificar quais são as princi-
pais culturas existentes no Baixo Onça, daram o seu comportamento tanto no âmbito
quantificar o volume da produção de familiar quanto no comunitário, deixando de
cada uma delas e os principais destinos
dessa produção, ressaltando a diversi- lado a timidez e passando a se posicionar e se
dade cultivada nos quintais e grupos es- expressar em público com mais facilidade.
tudados: 26 espécies de folhosas, princi-
palmente couve, cebolinha, salsa, alface
Relações sociais de gênero
e mostarda; 33 espécies de legumes,
com destaque para tomate, chuchu, pi- Outra constatação sobre as atividades de agricultura urbana desenvolvidas na
menta, abobrinha e quiabo; 35 espécies região refere-se à participação predominante das mulheres. Dessa forma, a agricul-
de frutas, principalmente mexerica, lima, tura urbana se mostra uma importante ferramenta de mobilização, uma vez que
maracujá, banana e limão; 71 espécies estabelece um diálogo direto com sua prática diária e amplia as possibilidades de
de plantas medicinais; e 6 espécies ani- fortalecer o protagonismo das mulheres em espaços coletivos e políticos, ao mes-
mais (gado bovino, galinha, peru, patos, mo tempo em que proporciona a reflexão sobre a divisão dos papéis assumidos por
codornas e peixes). homens e mulheres na vida social.
Vale ainda destacar a função te- Nos quintais e grupos produtivos em que elas estão à frente, os cultivos
rapêutica que a prática da agricultura mais comuns são de plantas medicinais e frutas. Avalia-se que dois fatores são
desempenha, pois são frequentes os determinantes para essa predileção: as mulheres são as principais responsáveis
relatos de pessoas que afirmam que pela alimentação e saúde de suas famílias; e o manejo de frutas e plantas medici-
mexer com a terra e com as plantas ajuda nais, comparado ao da produção de hortaliças folhosas, por exemplo, é mais fácil
no combate à depressão e ao estres- e demanda menos tempo de dedicação, já que muitas dessas mulheres acumulam
se. Além disso, de acordo com os de- outros trabalhos. Diante dessa situação, destacam-se as ações de qualificação do

19 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


manejo nas farmácias vivas e as oficinas alimentos são produzidos, beneficiando essas famílias com produtos agroecológi-
de boas práticas de preparação de re- cos, frescos e de qualidade.
médios caseiros com o beneficiamen-
Desde o final de 2011, o grupo Frutos da União e o Coletivo de Quintais têm
to de plantas medicinais.
experimentado uma nova forma de comercialização, fornecendo alimentos para a
Geração de renda Rede de Produção e Consumo Terra Viva.  A Rede Terra Viva busca organizar a produ-
ção, a compra, a venda e a troca de produtos agroecológicos e da economia popular
O principal destino da produção
e solidária, promovendo assim a aproximação entre grupos de consumidores(as)
agrícola no Baixo Onça é o autoabas-
e grupos de produtores(as) da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
tecimento das famílias. No entanto,
verifica-se que muitos alimentos são Qualificação ambiental
doados, trocados e comercializados na
A transformação de áreas abandonadas, utilizadas para descarte de lixo e entu-
região. Além da renda indireta propor-
lho, em espaços produtivos, com o cultivo de alimentos e plantio de mudas de árvores,
cionada pela redução da quantidade
é outra iniciativa presente no Baixo Onça que contribui para a melhoria do ambiente
de alimentos comprados no comércio,
local. Esse foi o motivo que impulsionou o Grupo Bem-me-quer: passa fome quem quer,
a venda dos produtos da agricultura
composto integralmente por mulheres, a trabalhar com agricultura urbana no bairro
urbana tem sido importante para a
Conjunto Paulo VI. Uma área pública no fundo de suas casas estava com grande acúmulo
complementação da renda das famílias
de lixo e entulho, o que favorecia a proliferação de ratos e insetos vetores de doenças
e para a sustentabilidade financeira de
e era alvo de constantes queimadas, colocando em risco a estrutura das residências.
alguns grupos produtivos, que frequen-
Por meio de mutirões, o grupo realizou um trabalho de limpeza, cercamento e plantio
temente têm gastos com manutenção
de árvores frutíferas e hortaliças, contornando a incômoda situação.
e aquisição de ferramentas e equipa-
mentos. A comercialização acontece Além das ações de caráter produtivo, os(as) agricultores(as) urbanos(as), indi-
nas hortas e quintais, de porta em por- vidual ou coletivamente, desenvolvem atividades de qualificação ambiental em áreas
ta (com carrinho de mão) e por en- públicas da região, como limpeza de lotes baldios que acumulam lixo e entulho;
comenda, principalmente para os(as) plantio de árvores em áreas degradadas e na beira do rio; revitalização de jardins; e
moradores(as) do entorno de onde os preservação de nascentes d’água.

Cachoeira do Ribeirão Onça localizada no bairro Ribeiro de Abreu

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 20


Acima: Feira de trocas realizada durante
o Encontro Saberes e Sabores
Ao lado: Curso de boas práticas na
produção, manejo e beneficiamento das
plantas medicinais

em vários obstáculos que dificultam a consolidação e a am-


pliação dos trabalhos com agricultura urbana na região. Cita-
mos abaixo os principais:
• Acesso à terra (espaços produtivos) e aos recursos naturais
Os(as) agricultores(as) que desenvolvem suas atividades
agrícolas em áreas públicas ou em locais privados ce-
didos pelos proprietários geralmente não possuem ne-
nhuma garantia de permanência nesses espaços, ficando
dependentes da boa vontade dos donos ou responsáveis
pelos terrenos. Na região do Baixo Onça, há vários ca-
sos de grupos produtivos que se desmobilizaram devido
à impossibilidade de continuar a produzir em espaços
A adoção de práticas agroecológicas nos sistemas pro- públicos, como escolas, creches, centros de saúde e va-
dutivos e as intervenções realizadas nas áreas públicas tam- zios urbanos (áreas onde não se pode construir, como
bém proporcionam a manutenção da biodiversidade; o uso num canteiro central, debaixo de redes elétricas, etc.).
responsável dos recursos naturais; a vitalidade do solo; o cui- Outro desafio relativo ao acesso e à garantia da terra é
dado e o reaproveitamento da água; a regeneração de áreas a redução acelerada dos espaços agricultáveis na região,
degradadas; a permeabilidade do solo; o controle de pragas e devido à expansão urbana e ao aumento da população,
animais vetores de doenças; e o aproveitamento de resíduos ocasionado pela expulsão de pessoas de baixa renda das
orgânicos para a produção de compostos e alimentação dos áreas centrais para as áreas periféricas do município.
animais, evitando que esse resíduo seja destinado aos aterros
sanitários. Assim como em outras regiões de Belo Horizonte, os re-
cursos naturais disponíveis no Baixo Onça estão a cada
dia mais escassos, e os fragmentos de vegetação nativa
Desafios enfrentados que ainda existem não são manejados adequadamente
Apesar de os avanços observados serem bem significa- por seus proprietários (seja o Estado ou particulares) e
tivos, os agricultores e agricultoras do Baixo Onça esbarram estão ameaçados pela expansão urbana.

21 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


• Comercialização dutivos assessoria técnica, na pers-
Manter o volume e a constância da produção tem sido pectiva da Agroecologia; acesso
um dos desafios encontrados pelos agricultores e agri-
cultoras do Baixo Onça para fazer da comercialização e segurança de permanência nos
uma fonte de renda estável, uma vez que é preciso que espaços de produção; e apoio na
os grupos e famílias tenham uma produção certa e regu-
lar para vender em pontos fixos e canais de comerciali- capacitação e gestão dos grupos e
zação permanentes. organizações.
Para comercialização dos produtos em outras regiões
do município, a exemplo do que acontece por meio da
Rede de Produção e Consumo Terra Viva, a principal di-
A dificuldade de acesso às poucas
ficuldade enfrentada pelos(as) agricultores(as) está rela- políticas e programas públicos
cionada ao transporte, uma vez que a rede não dispõe de
um sistema de recolhimento dos produtos.
que apoiam as práticas de agri-
• Rotatividade do público
cultura urbana é outro grande
Outro desafio encontrado pelas famílias para o forta-
desafio encontrado pelas famílias
lecimento da agricultura urbana na região se refere ao e organizações da região do Bai-
afastamento das pessoas das atividades, mesmo contra
a própria vontade. São diversos os motivos atribuídos a
xo Onça. Devido à relação dessas
esse fato, como a dinâmica de ingresso/saída no merca- práticas de agricultura com dife-
do de trabalho; a necessidade de dedicar mais tempo e
cuidado a outras atividades e funções (lar, doença, filhos,
rentes setores do planejamento
gravidez, etc.); problemas de saúde; impossibilidade de urbano (saúde, meio ambiente,
continuar a plantar em determinada área; dentre outros.
abastecimento, trabalho, cultura,
A rotatividade do público compromete o trabalho, uma
vez que dificulta a implementação de processos sociais
educação), faz-se necessário que
que levam mais tempo para obter efeitos. Além disso, os governos compreendam e con-
é comum a saída de pessoas que acumulam conheci-
mentos e que desempenham um importante papel de
siderem essa complexa interseto-
mobilizadoras e incentivadoras do trabalho. Para tentar rialidade para atender as deman-
contornar essa situação no Baixo Onça, a assessoria aos
grupos e famílias que desejam obter renda por meio da
das e potencialidades específicas
agricultura urbana tem buscado fazer com que essas pes- de cada região. Nesse sentido, é
soas tenham na prática agrícola uma opção que garanta a
sua permanência na atividade de sua escolha.
importante garantir a participa-
ção da sociedade civil nos espaços
Considerações finais de construção e monitoramento
Os efeitos positivos das ações de das políticas, para que estas sejam
agricultura urbana desenvolvidas elaboradoras de acordo com a
no Baixo Onça têm animado e des- realidade vivenciada pelas famílias
pertado o interesse de vários(as) e grupos.
moradores(as) e organizações na
região. Entretanto, para consolidar Lorena Anahi Fernandes da Paixão
as iniciativas que já existem e am- técnica da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
lorena@rede-mg.org.br
pliar para outras áreas, é necessá-
Marcelo Oliveira de Almeida
rio continuar buscando formas de técnico da Rede Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
garantir às famílias e grupos pro- marcelo@rede-mg.org.br

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 22


Fotos: Arquivo AMAU
Hortas integram e embelezam a paisagem urbana

Articulação Metropolitana
de Agricultura Urbana:
espaços e saberes da Agroecologia
em Belo Horizonte1
Daniela Adil Oliveira de Almeida
Lídia Maria de Oliveira Morais
Lorena Anahi Fernandes da Paixão

O início da caminhada ONGs e estudantes. A articulação foi formada em 2001, a


partir do exercício de identificação de experiências de agri-
A Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana de cultura urbana e segurança alimentar na região. Essa iniciativa
Belo Horizonte (Amau) é um coletivo composto por grupos foi realizada pela Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alterna-
comunitários informais, associações comunitárias, movimen-
tos sociais de luta pela terra, por moradia movimento femi-
nista, grupos de permacultura e alimentação saudável, empre- 1
Parte da discussão apresentada neste texto pode ser encontrada, numa
endimentos de economia solidária, pastorais sociais, redes, versão anterior, em Almeida (2011).

23 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


Dinâmica de acolhimento realizado durante o Encontro da AMAU – Ervanário São Francisco / Sabará

tivas (Rede)2 em um contexto favorável de reconhecimento institucional das práti- A organização e as ações da
cas de segurança alimentar desenvolvidas pela sociedade civil, por meio de diagnós- Amau
ticos e encontros promovidos pelo Fórum Mineiro de Segurança Alimentar e Nutri-
cional Sustentável (FMSans) e pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional As atividades realizadas pela Amau
de Minas Gerais (Consea-MG). Esse contexto revelou a importância de se apro- são viabilizadas a partir do engajamento
fundar a discussão sobre a agricultura na região metropolitana de Belo Horizonte, e da mobilização de recursos financei-
resultando, em 2004, na criação da Amau como espaço espontâneo e permanente ros de seus participantes e, eventual-
de encontro, diálogo e auto-organização dos grupos envolvidos com as práticas de mente, de alguns apoios pontuais. Sua
agricultura urbana. dinâmica se dá por meio de encontros
periódicos itinerantes entre os locais
onde se encontram as experiências da
São objetivos da Amau: a) apoiar as iniciativas agricultura urbana, conciliando em sua
populares e fortalecer a organização das(os) programação momentos voltados para
a execução de práticas, trocas de co-
agricultoras(es) da região metropolitana de nhecimento e formação política. Tam-
Belo Horizonte; b) dar visibilidade às experiên- bém nesses encontros são definidas as
ações coletivas, como visitas técnicas,
cias de agricultura existentes na região, mos- oficinas, intercâmbios, mutirões e parti-
trando a diversidade de atividades e espaços, cipação em feiras e eventos. Outra linha
de ação é a participação em espaços
bem como suas diferentes funções; c) aprofun- de construção de políticas públicas de
dar o debate político com diferentes setores da agricultura urbana ou temáticas afins.
Para tanto, a Amau se faz representar
sociedade civil, do poder público e da academia em redes e fóruns da sociedade civil,
sobre a integração campo-cidade, o papel da bem como em conselhos e conferên-
cias dedicadas a temas relacionados ao
agricultura em regiões metropolitanas e sua campo agroecológico, à promoção da
relação com a construção de outro projeto de segurança alimentar, à organização das
mulheres e à economia solidária.
desenvolvimento.
Nos primeiros anos de funciona-
2
Organização não governamental criada em 1986, que atualmente promove a Agroecologia em comuni- mento, a Amau realizou três encontros
dades rurais do Leste de Minas, em comunidades urbanas de Belo Horizonte e de alguns municípios da que permitiram avançar na identificação
região metropolitana. de novas iniciativas, consolidando um

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 24


espaço de troca de experiências e fundamentando o ambiente sociopolítico para dentro e no entorno das cidades. Ela é
as reflexões sobre as políticas públicas de promoção da agricultura urbana. Entre realizada em espaços privados – tan-
2009 e 2010, várias ações foram realizadas, merecendo destaque a organização de to familiares como institucionais – e
processos de formação voltados para agricultoras(es), lideranças sociais, gestores públicos. Nas zonas rurais dos muni-
públicos e estudantes universitários que abordaram dimensões políticas, teóricas, cípios, a produção é encontrada em
metodológicas e tecnológicas da agricultura urbana. Tais atividades de caráter for- assentamentos de reforma agrária, em
mativo chegaram a envolver mais de 200 participantes e contribuíram para a imple- propriedades de agricultores(as) fami-
mentação do Centro de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana da Região liares e em comunidades quilombolas.
Metropolitana de Belo Horizonte (Caup/RMBH)3. A agricultura desenvolvida nessas áreas
As ações promovidas pela Amau entre fevereiro de 2010 e junho de 2012, abrange, entre outras práticas agríco-
como a realização de 13 encontros presenciais, contaram com a participação de las, a produção e o beneficiamento de
representantes de cerca de 30 iniciativas de agricultura urbana de oito municípios hortaliças, verduras e grãos; a criação
da região metropolitana.4 Como resultado dessas atividades, houve avanços na di- de animais de pequeno, médio e grande
nâmica de funcionamento e aprofundamento da discussão política sobre o tema da porte; e a produção, o extrativismo e
agricultura urbana. Foram também criadas cinco comissões de trabalho: (1) agro- o beneficiamento de plantas medicinais.
biodiversidade; (2) produção, comercialização e consumo; (3) auto-organização das Essa variedade de espaços e práticas
mulheres; (4) plantas medicinais; (5) e articulação política. Para cada comissão, foi corresponde à pluralidade de identi-
escolhido um grupo animador. O conjunto de animadores(as) das comissões forma dades e sujeitos que têm em comum
a coordenação ampliada, que tem por função organizar os encontros e as demais o envolvimento e a dedicação à agri-
atividades, bem como garantir que os encaminhamentos definidos sejam efetivados. cultura, mas que, em muitas situações,
não a têm como ocupação principal
e nem mesmo se reconhecem como
Diversidade de espaços e saberes: construindo identidades agricultoras(es) urbanas(os).
e uma pauta política
Pesquisa realizada em 2010 pelo
As iniciativas articuladas pela Amau dão uma mostra explícita de que a agri- Caup-RMBH traçou um perfil socio-
cultura é uma realidade bastante viva na região metropolitana de Belo Horizonte, econômico das(os) agricultoras(es)
envolvidas(os) em 24 experiências de
3
Os Centros de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana (Caups) integram as ações de descen- agricultura urbana na região. Das 116
tralização nas regiões metropolitanas da Política de Agricultura Urbana e Periurbana coordenada pelo pessoas entrevistadas, apenas 3% decla-
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Na região metropolitana de Belo
raram exercer uma ocupação principal
Horizonte, o Caup teve sua implantação viabilizada por meio de um convênio do MDS com o Instituto
de Terras de Minas Gerais (Iter-MG), em 2008. em tempo integral; 61% informaram ter
4
Belo Horizonte, Betim, Contagem, Funilândia, Nova Lima, Nova União, Ribeirão das Neves e Sabará. um ou mais trabalhos esporádicos ou de

Planejamento das atividades da Amau

25 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


Encontro da Amau na horta comunitária da Vila Santana do cafezal – Serra

tempo parcial; e 36% apresentaram-se como agricultores(as). agrícolas, a partir do acesso a livros, de informações da mídia e
Identificou-se também a preponderância da baixa escolari- da inserção em processos de formação e capacitação em Agro-
dade entre os participantes da pesquisa, sendo que mais de ecologia promovidos por organizações sociais ou instituições
60% das(os) agricultoras(es) não cursaram o ensino médio. governamentais. A maioria das experiências tem em comum
Das respostas obtidas pelo questionamento relativo à renda o protagonismo de mulheres que, embora desempenhem um
familiar, 87,6% declararam receber abaixo de um salário míni- papel importante nos cuidados com a segurança alimentar e
mo. Além disso, 69% das famílias entrevistadas apresentaram a saúde da família e da comunidade, ainda têm que superar
algum grau de insegurança alimentar, sendo que, entre aquelas barreiras para a atuação no espaço público. Apesar disso, elas
em que há moradores menores de dezoito anos, o índice é vêm se destacando como educadoras em suas comunidades e
ainda maior (BRASIL, 2011). hábeis interlocutoras em fóruns políticos, dando visibilidade à
importância dos trabalhos domésticos realizados pelas mulhe-
A dura realidade social e as condições adversas enfren- res e aos desafios para promover sua autonomia financeira e
tadas por essas famílias contrastam com a riqueza de saberes sua inserção no mercado de trabalho.
observada nas experiências agrícolas que desenvolvem em suas
casas e comunidades.  A memória da origem rural pode ter Nos encontros e atividades realizados pela Amau, ob-
como referência uma experiência camponesa ou de agricultu- serva-se uma disposição para conviver com a diferença, es-
ra familiar ou uma vivência em que já predominava o modelo clarecer o que une e o que separa cada organização, a partir
da Revolução Verde ou do agronegócio, marcado por confli- de uma compreensão comum da prática da agricultura ur-
tos agrários, mudanças nas técnicas de produção e na relação bana como forma de autoafirmação criativa. Trata-se ainda
com os recursos naturais e com a própria alimentação e saúde. de uma resistência à homogeneização de modos de vida e à
Entretanto, essas práticas não devem ser consideradas meras imposição de ritmos e padrões de consumo nas metrópoles
reproduções de hábitos e modos de vida de migrantes rurais contemporâneas. A promoção da agricultura urbana se torna
nas cidades, pois revelam o potencial inventivo e interpretati- assim um instrumento possível para a organização de uma
vo da realidade das(os) agricultoras(es). É também importante população historicamente marginalizada nas cidades, para a
construção de identidades coletivas entre agricultoras(es) e
considerar que, a cada dia, moradoras(es) urbanas(os) de di-
para seu reconhecimento perante o conjunto da sociedade e
ferentes classes sociais que nunca tiveram uma vivência ante-
dos formuladores de políticas.
rior no campo têm interesse e passam a se dedicar às práticas

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 26


Dentre os desafios identificados, destacamos o alto valor ção popular; e 10) realização de pesquisas sobre a agricultura
da terra e dos impostos territoriais, a especulação imobiliária, urbana e Agroecologia na região.
a crescente incorporação das áreas rurais às zonas urbanas,
a pressão para a construção de novas unidades habitacionais
nos vazios urbanos e a degradação e a contaminação dos A institucionalização e as políticas públicas
recursos naturais (água, solo, biodiversidade e ar). Também de agricultura urbana
constituem fatores desfavoráveis a ainda pouca presença de A Amau participou da construção de políticas públicas
organizações de base e outras instituições relacionadas à agri- nas três esferas federativas e foi reconhecida como um espa-
cultura nos centros urbanos, além das restrições para as(os) ço legítimo de realização de ações e intervenção política rela-
agricultoras(es) urbanas(os) acessarem as políticas públicas cionadas à agricultura urbana, especialmente pelos resultados
de apoio à agricultura familiar. dos processos de formação política das(os) agricultoras(es)
e pelo envolvimento de diferentes atores da sociedade civil.
No final de 2011, fruto do amadu- Nesse cenário, é importante considerar quais as implicações
recimento de todo esse processo, e os desdobramentos dessa recente e crescente institucio-
nalização da agricultura urbana para as práticas populares e
a Amau elaborou um documento o alcance da participação da sociedade civil na formulação e
em que afirma que o movimento implementação de políticas públicas.

pela agricultura urbana baseada Desde 1996, quando o tema da agricultura urbana co-
meçou a merecer maior reconhecimento oficial,5 podem ser
nos princípios da Agroecologia é citados exemplos de iniciativas de institucionalização de polí-
um campo possível de convergên- ticas nessa área nas três esferas de poder do Estado brasileiro.
Como iniciativas de prefeituras de Minas Gerais, destacam-se
cia de organizações do campo e políticas como o Centro de Vivência Agroecológica (Cevae),
da cidade que buscam fortalecer a em Belo Horizonte (1995), e o Centro Municipal de Agricul-
tura Urbana e Familiar (Cmauf), em Contagem (2010). No
organização popular, especialmen- âmbito estadual, ressaltamos a aprovação (2006) e a regula-
te a auto-organização das mulhe- mentação (2008) da Política Estadual de Apoio à Agricultura
Urbana (Peau), bem como a criação da Coordenadoria de
res, e ter uma incidência política a Agricultura Urbana vinculada à Subsecretaria de Agricultura
partir da articulação de ações co- Familiar do governo do estado (2011). No plano federal, o
tema da agricultura urbana vem sendo assumido pelo Sistema
tidianas. Esse documento expressa Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e está
os aspectos comuns das agendas inserido na estrutura do MDS como parte da estratégia do
governo federal para enfrentar a insegurança alimentar das
de diferentes movimentos – como populações nas periferias das cidades e promover uma alter-
o feminista, os de reforma urbana, nativa para a produção de alimentos e geração de renda nas
regiões metropolitanas.
reforma agrária, saúde coletiva,
Apesar dos avanços proporcionados por essas diferen-
economia solidária e soberania e tes frentes no que se refere à visibilidade da temática da
segurança alimentar –, registrando agricultura urbana e à criação de marcos institucionais espe-
cíficos, a implementação de políticas públicas para esse setor
as questões prioritárias para uma vem apresentando marcantes contradições entre as práticas
pauta política única voltada para o efetivas e a retórica discursiva dos gestores públicos. Estes
sempre ressaltam a importância de princípios como a ges-
fortalecimento das práticas agroe- tão descentralizada, o fortalecimento das capacidades, a pro-
cológicas na região metropolitana moção de autonomia, o empoderamento e a participação
efetiva das(os) agricultoras(es), mas na prática não é o que
de Belo Horizonte. se verifica. Em que pesem os esforços empreendidos pela
sociedade civil, eles não têm sido suficientes para superar os
Os pontos de destaque são: 1) acesso à terra; 2) acesso
entraves burocráticos do Estado e a falta de vontade política
aos recursos naturais (água e biodiversidade); 3) assessoria
para conquistar orçamentos e estruturar equipes capacita-
técnica com enfoque agroecológico, popular e de gênero; 4)
das e permanentes para atuar junto a esse novo campo de
organização de base e auto-organização das mulheres; 5) for-
ação institucional. Outro limite à participação da sociedade
mação política e capacitação técnica; 6) fomento para amplia-
ção da produção agroecológica; 7) apoio ao escoamento e 5
No âmbito internacional, a agricultura urbana ganha maior expressão a par-
à comercialização da produção; 8) apoio à disseminação e à tir do ano de 1996, com a divulgação do relatório Urban Agriculture, Food, Jobs
and Sustainable Cities durante a realização da II Conferência Mundial sobre
consolidação das experiências, considerando as múltiplas fun- Assentamentos Humanos (Habitat II), em Istambul. (Nota do editor: ver refe-
ções da agricultura urbana; 9) apoio a iniciativas de comunica- rência na seção Publicações desta edição).

27 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


civil encontra-se na opção feita pelo Outro desafio reside no fato de que, embora a multifuncionalidade da agri-
MDS de operacionalizar a política por cultura urbana seja um dos aspectos mais valorizados em encontros, seminários e
meio de editais voltados para gover- mesmo na literatura acadêmica disponível sobre o tema, essa característica positiva
nos municipais e estaduais e universi- ainda é pouco explorada no desenho das políticas públicas para a área. Tomando
dades, desvalorizando o conhecimen- como referência os editais anuais publicados e os projetos aprovados pelo MDS
to sobre a temática e as experiências desde 2007, observa-se uma tendência a privilegiar certas dimensões (combate à
acumuladas há anos pelas organizações fome, inclusão social, geração de renda) e a padronizar os tipos de ação passíveis
da sociedade civil. Essa opção política de serem executadas com os recursos públicos. Ficam assim comprometidas as
remete ao debate mais amplo sobre iniciativas voltadas para o fortalecimento da organização e da autonomia das(os)
o marco legal de repasse de recursos agricultoras(es) e para a promoção de melhorias nas áreas de saúde, educação e
para organizações da sociedade civil e meio ambiente. Torna-se claro, portanto, o caráter intersetorial que deve ser assu-
a transparência no uso dos recursos mido pelas políticas de agricultura urbana e periurbana. É preciso também definir
públicos. Revela também inúmeros melhor os papéis e as atribuições entre as organizações sociais e os diferentes
problemas, sendo alguns deles já bem setores e instâncias federativas do Estado.
conhecidos, como a má vontade políti-
ca dos gestores públicos, as desconti- Para seguir a caminhada...
nuidades ligadas às mudanças nos car-
gos políticos, o mau uso dos recursos Com o processo de institucionalização, pode-se dizer que a agricultura urbana
e o descompasso entre o calendário tem ganhado visibilidade. Mas esse avanço traz também o risco de homogeneização
agrícola e o tempo da burocracia das e cooptação pelos governos locais, por meio da imposição de condições para o
compras e contratações. acesso aos recursos públicos e pela submissão a mecanismos formais e institucio-
nais que não respeitam as especificidades, as prioridades e os objetivos definidos
Nesse contexto, o MDS tem esti- pelas organizações e redes da sociedade civil.
mulado, desde 2007, intervenções em
agricultura urbana a partir de editais O conceito da agricultura urbana encontra-se em construção e em disputa
anuais para conveniar projetos com pelos diversos atores interessados na temática.  A apropriação conceitual da agri-
prefeituras, órgãos do estado e insti- cultura urbana pela Amau está imbuída do sentido da transformação social e tem
tuições de pesquisa. A partir de 2008, sido construída a partir da interação e da inserção política de cada organização
a maior ênfase desses editais tem participante. Nessa perspectiva, a agricultura urbana apresenta-se como uma pos-
sido para a implantação de Centros sibilidade de reinvenção crítica do ser e do estar no espaço urbano. É, portanto, a
Metropolitanos de Agricultura Urba- celebração da diferença e a afirmação da diversidade em meio a tentativas massivas
na e Periurbana (Caups), com vistas de padronização de modos de vida, desejos, relacionamentos e pensamentos.  A
a organizar um sistema operacional trajetória da Amau demonstra a importância da atuação da sociedade civil para dar
descentralizado de apoio à prática da visibilidade e para formular propostas que respeitem as particularidades e identifi-
agricultura urbana nas regiões metro- quem as necessidades reais e subjetivas dos protagonistas das experiências e práti-
politanas e implementar ações de fo- cas populares. É uma caminhada que convida para mais esforços políticos e teóricos
mento, assistência técnica, formação para avançar na organização das(os) agricultoras(es) urbanas(es) e na compreensão
e monitoramento dos resultados. Se, das potencialidades da Agroecologia para transformar o espaço e as relações sociais
por um lado, a proposta dos Caups nos contextos urbanos.
representa um avanço significativo por Daniela Adil Oliveira de Almeida
estimular o desenvolvimento de redes colaboradora da Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
territorializadas para a implementação doutoranda em Geografia (IGC/UFMG)
das ações da Peau, por outro, encon- daniadil@gmail.com
tra enorme bloqueio operacional por
conta das descontinuidades das ações Lídia Maria de Oliveira Morais
geradas pela lógica de convênios que Grupo Aroeira - Ambiente, Sociedade e Cultura/UFMG
não preveem orçamentos permanen- lidiamariaomorais@gmail.com
tes. Além disso, os critérios adotados
para o repasse de recursos impõem Lorena Anahi Fernandes da Paixão
exigências incompatíveis com a reali- Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
dade das(os) agriculturas(es). Como lolaborba@yahoo.com.br
exemplo, documentos formais de posse
ou uso dos espaços de produção têm
sido cobrados como condição para o Referências bibliográficas:
acesso à política, quando, pelo contrá-
rio, a legalização das posses deveria ser ALMEIDA, D. A. O. 2011. Agricultura urbana e agroecologia na Região Metropolitana
considerada um dos objetos da própria de Belo Horizonte. In: XII Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB),
Peau, já que a insegurança legal quan- 2011, Belo Horizonte. Anais do XII Simpósio Nacional de Geografia Urbana.
to ao acesso à terra é exatamente um Brasil. 2011. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Centro
dos principais obstáculos enfrentados de Referência em Agricultura Urbana e Periurbana. Relatório Final de Pesquisa.
pelas(os) agricultoras(es) urbanas(os). Minas Gerais, Belo Horizonte.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 28


Feiras da roça:
desvelando a agricultura familiar
da região metropolitana
do Rio de Janeiro
Guilherme Strauch,
Márcio Mattos de Mendonça
Maria Conceição Rosa

Diversidade e qualidade dos alimentos: atributos assegurados pela relação direta entre produtor e consumidor

29 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


S
egundo dados oficiais, 96,7% da população do Estado do Rio de Janeiro a Escolinha de Agroecologia em Nova
reside em áreas urbanas, sendo que 73,2% se encontra na região me- Iguaçu como espaço de educação não
tropolitana, que apresenta 99,5% de taxa de urbanização. Isso equivale formal para agricultores e agricultoras
a 11.704.628 habitantes concentrados em 19 municípios, alguns com taxas oficiais da região. A partir de 2008, o escritório
de 100% de urbanização, como são os casos de Japeri, Queimados e o próprio local da Emater-Rio foi incorporado à
Rio de Janeiro.1 Diante desse quadro, poder-se-ia supor que já não existe atividade iniciativa, assumindo sua coordenação
agrícola na região. No entanto, o Censo Agropecuário de 2006 indica a existência pedagógica. Nos anos seguintes, a rede
de 3.764 agricultores familiares2, número contestado pela maioria das prefeituras de parcerias se expandiu, envolvendo
municipais, que os consideram subestimados. Observamos, assim, uma realidade atualmente a AS-PTA – Agricultura Fa-
ocultada por trás dos dados oficiais, revelando que a agricultura de caráter familiar miliar e Agroecologia e a Comunidade
permanece presente e ativa em grande parte dos municípios metropolitanos. Empenho e Serviço Voluntário (Cisv),
Este artigo traça um breve panorama histórico e identifica algumas das carac- além de instituições como a Empre-
terísticas da agricultura familiar da região metropolitana do Rio de Janeiro, ressalta sa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
a importância do apoio da Escolinha de Agroecologia ao processo de transição (Embrapa Agrobiologia), a Universidade
agroecológica na região, destaca as feiras como espaços privilegiados de visibilidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
e de valorização dessa agricultura, e conclui apontando alguns dos desafios para a o Ministério da Agricultura (Mapa), a
sua permanência e fortalecimento. Empresa de Pesquisa Agropecuária do
Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio)
e a Federação da Pesca do Estado do
Um pouco da história… Rio de Janeiro (Fiperj). Pela Escolinha já
A história do crescimento da região metropolitana do Rio de Janeiro está as- passaram cerca de 250 alunos de oito
sociada à da permanência de remanescentes de áreas rurais, inclusive assentamen- municípios da região metropolitana, en-
tos de reforma agrária nos municípios de Nova Iguaçu, Japeri, Queimados, Magé, tre agricultores, estudantes e ambienta-
Duque de Caxias e Seropédica. Os movimentos de ocupação de terras organiza- listas. Na Feira da Roça de Queimados,
dos para pressionar o assentamento de famílias sem terra na região ocorreram por exemplo, iniciada em 2010, 70% dos
em dois momentos distintos do século passado: os primeiros, no início dos anos agricultores são alunos ou ex-alunos da
1960, com forte atuação das Ligas Camponesas; os últimos, no início da década de Escolinha. De forma geral, pode-se di-
1980, no contexto da abertura política e da crise econômica que gerou razoáveis zer que há um resgate positivo em ter-
índices de desemprego.3 Nesse segundo período, diversos desempregados urba- mos de autoestima e identidade rural
nos, mas de origem rural, vislumbraram no retorno à terra um meio de acesso à dos agricultores da região.
moradia e viabilização econômica. Esses movimentos ajudaram a resgatar para a Um dos reflexos práticos dessa
agricultura extensas áreas que teriam sido loteadas em poucos anos e tomadas participação pode ser visualizado na
pela urbanização desordenada. Muitos dos grupos sociais que hoje se destacam diversificação produtiva das proprieda-
nas áreas rurais desses municípios estavam envolvidos nos conflitos de terra dos des, inclusive com a aparição de novos
anos 1960 e anos 1980. São eles que, regularizados em assentamentos rurais ou produtos nas feiras da roça, tais como
não, mantêm viva a agricultura de base familiar e se fazem presentes nos espaços ovos caipiras, húmus de minhoca, com-
públicos reivindicatórios ou propositivos. posto orgânico e o aumento do núme-
Com a intensificação da urbanização, a produção de alimentos perdeu relati- ro de espécies de hortaliças ofertadas.
vamente importância, e muitos agricultores passaram a conjugar a atividade agrí- Outra evidência diretamente associada
cola com outras ocupações, tais como as de pedreiros, ambulantes, prestadores de à influência da Escolinha é o fato de
serviços domésticos, dentre outras, conferindo-lhes uma marcada característica de que os produtos são apresentados nas
pluriatividade. Nesse contexto de perda de espaço físico, político e simbólico, a Pre- feiras como produzidos sem agrotó-
feitura de Nova Iguaçu, no Plano Diretor de 1997, chegou mesmo a desconsiderar xicos, de forma natural, atendendo à
a existência de áreas rurais no município, passando a denominá-las de áreas resi- demanda dos consumidores, cada vez
denciais de baixa densidade. Somente em 2007, após intensa pressão realizada pelos mais interessados em manter uma ali-
movimentos sociais do campo, foram restabelecidas as áreas rurais do município. mentação saudável.
No entanto, esse reconhecimento oficial não foi acompanhado por investimentos A abrangência da experiência
públicos em infraestrutura e geração de renda e emprego para o setor, repetindo o pode ser constatada pela quantidade
padrão corrente nos demais municípios da região. de comunidades envolvidas e pelo nú-
mero elevado e constante de alunos
A Escolinha de Agroecologia de Nova Iguaçu inscritos – com uma participação inin-
terrupta e bastante equilibrada de ho-
Como estratégia de afirmação e reprodução da agricultura familiar na re-
mens e mulheres. Garante-se, assim, a
gião, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Baixada Fluminense criou, em 2007,
formação de multiplicadores, aumen-
tando seu impacto e amadurecendo o
1
Anuário Estatístico do RJ (Ceperj), baseado no Censo Demográfico 2010 do IBGE. processo de transição agroecológica
2
IBGE, Censo da Agricultura Familiar 2006. ora em curso na região. O efeito mul-
3
Nos anos 1960, toda a região foi palco de intensos conflitos de terra e local de atuação das Ligas Cam-
ponesas (fazendas Normandia e São Pedro, na atual divisa de Japeri com Nova Iguaçu). Nos anos 1980, foi
tiplicador foi detectado em diversas
cenário da retomada de lutas pela terra em todo o estado do Rio (Morro Grande, em Duque de Caxias; comunidades nas quais os alunos da
Parque Estoril e Campo Alegre, em Nova Iguaçu).

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 30


Escolinha intercambiam seus conhe- Regiões de governo e microrregiões geográficas do
cimentos com os vizinhos. Sobre al- estado do Rio de Janeiro
guns produtores da comunidade de
Marapicu que, embora nunca tenham
frequentado a Escolinha, começaram
a diminuir o uso de agrotóxicos, a
presidente da associação local, Maria
Auxiliadora, afirma: Foi de tanto a gen-
te falar, falar e falar, e dizer dos prejuí-
zos à saúde.
A participação de um número
considerável de lideranças de associa-
ções de agricultores e de conselhei-
ros municipais de desenvolvimento
rural, além dos integrantes da Feira da
Roça, é outro fator que potencializa
o alcance da experiência. O agricul-
tor Claudino Nicolau, de Vista Ale-
gre (Queimados), que também está
presente na Feira da Roça de Quei-
mados, comenta: Estou usando o que
tenho aprendido no curso lá dentro do
meu sítio. Estou trabalhando direto so-
bre vários assuntos que foram ensinados
na Escolinha. Eu tenho feito a divulga-
ção (da Escolinha) entre as pessoas que
eu conheço e venho comentando sobre modos de produção e de lutar pelo reconhecimento da agricultura nos municí-
as coisas que venho aplicando, e muitos pios predominantemente urbanos.4
têm se interessado em participar da Es-
colinha no ano que vem. Esse fenômeno se desenvolve na contracorrente do processo de implantação
dos chamados impérios alimentares: grandes estruturas globalizadas de governança
A presença de pessoas de tantas dos sistemas agroalimentares que articulam corporações e que influenciam forte-
comunidades rurais está provocando mente as relações que encadeiam a produção, o processamento, a distribuição e o
não só a troca de saberes agroecológi- consumo de alimentos (Ploeg, 2009). A abertura de novos circuitos de comer-
cos, como também a troca de experiên- cialização direta ao consumidor na região metropolitana do Rio de Janeiro repete
cias sobre associativismo e participação dinâmicas que vêm se desenrolando mesmo nos EUA, onde o número de feiras
em conselhos municipais. Além disso, sem intermediários aumentou 300% em 15 anos (Schmitt, 2011, citando dados
os educandos estão se apropriando de do USDA, 2010).
uma visão de território enquanto es-
paço de fortalecimento das relações e Na Baixada Fluminense, destacamos a Feira da Roça de Nova Iguaçu como
articulação política. Aproveitam todos exemplo mais antigo de organização de um grupo de agricultores familiares da
os momentos possíveis para essa tro- região metropolitana do Rio de Janeiro visando a comercialização direta de seus
ca: intervalos, hora de almoço, hora de produtos. Atualmente, a feira está estabelecida no centro de Nova Iguaçu, onde
perguntas, sendo comuns as visitas en- obtém grande sucesso econômico e visibilidade.
tre alunos fora do horário ou das ativi-
dades da Escolinha. Um dos aspectos ressaltados pela Feira da Roça
é justamente o de dar visibilidade a um setor
O caráter multifuncional
das Feiras da Roça
que estava fadado a ser engolido pela expansão
Assistimos no Brasil a um aumen-
urbana. A presença semanal de agricultores no
to do número de feiras organizadas centro de Nova Iguaçu revelou uma realidade
por grupos de agricultores familiares.
Esse fenômeno também pode ser veri-
até então pouco conhecida do município e cau-
ficado na região metropolitana do Rio
de Janeiro, a partir de iniciativas de or- 4
Em outros municípios da região, iniciativas semelhantes vêm despontando. É o caso do Circuito Carioca
ganizações da agricultura familiar que de Feiras Orgânicas, realizado por meio de uma parceria entre a prefeitura municipal do Rio de Janeiro
apostam na comercialização direta de e a Associação de Agricultores Biológicos do RJ (Abio). O circuito atualmente conta com seis locais de
seus produtos como forma de resta- comercialização e com a participação de agricultores de diferentes regiões do estado. Um importante
papel também vem sendo cumprido pelas feiras realizadas dentro das universidades, como é o caso da
belecer relações personalizadas com Feira Agroecológica da UFRJ, que conta com a participação de agricultores dos municípios de Magé e
os consumidores, de revalorizar seus Guapimirim, ambos localizados na região metropolitana.

31 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


As feiras da roça como mecanismos de aproximação entre a produção e o consumo
alimentar nas grandes cidades

sou surpresa naquela população urbana que A aproximação entre os agricul-


tores e os consumidores também tem
ignorava a quantidade, a diversidade e a qualida- sido extremamente gratificante, tanto
de da produção alimentar local. Para os agricul- na forma de atendimento como nas in-
formações sobre o preparo e o uso dos
tores, a feira abriu perspectivas de viabilização produtos que estão à venda. O contato
econômica, ao mesmo tempo em que afirmou direto entre produtores e clientes es-
treita laços e cria consumidores fiéis,
sua identidade e aumentou sua autoestima. que valorizam o produto por saberem
Outro fator a se destacar é que a produção da quem produziu o quê, de que forma
produziu e qual a melhor maneira de
agricultura familiar presente na feira resgata usufruir o que foi adquirido.
hábitos e sabores perdidos com a padronização O sucesso da Feira da Roça de
alimentar imposta pelas grandes redes distribui- Nova Iguaçu, que hoje já conta com 40
integrantes, chamou a atenção de agri-
doras. Produtos como taioba, ingá, jambo, cajá, cultores de municípios vizinhos e, em
carambola, abiu, toranja, laranja-da-terra, ervas 2010, os produtores rurais de Queima-
dos iniciaram sua própria feira da roça.
medicinais, banana-vinagre, cachopas de urucum, Boa parte dos produtos levados inicial-
toletes de cana, pitanga e tantos outros, que não mente para a feira foram justamente
aqueles que o agricultor não tinha o há-
são encontrados nas prateleiras dos supermer- bito de comercializar e nem acreditava
cados, fazem sucesso e recuperam uma cultura que isso fosse possível. O bom retorno
financeiro da feira deu ao agricultor
alimentar que estava esquecida, além de trans- uma nova visão de sua propriedade e
formar em renda produtos que o mercado dis- de suas potencialidades, tornando-se
um grande incentivo para a busca de
tribuidor dominante descartou por completo.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 32


Feiras da roça são também espaços para a revalorização econômica
de espécies não encontradas nas grandes cadeias varejistas

um melhor manejo das lavouras e pomares.  Após dois anos de funcionamento da Como efeito multiplicador do su-
feira de Queimados, é visível o esforço de planejamento da produção que os vinte cesso obtido nas feiras de Nova Iguaçu
participantes estão começando a assumir, baseando-se na garantia de venda de seus e Queimados, foi criada, em junho de
produtos. A diversidade de produtos também aumentou, e começaram a aparecer 2011, a Feira da Roça de Japeri, com a
barracas com produtos que a maioria dos agricultores não costumava cultivar para participação de 18 famílias de agriculto-
venda, como ora-pro-nobis, frutas como toranja e bacupari e diversas ervas medi- res. Da mesma forma, um grupo de 46
cinais O sucesso da venda de ovos fez aumentar o plantel de aves no município e, agricultores familiares de várias comu-
consequentemente, a busca por capacitação para essa atividade. nidades de Magé inaugurou a Feira da
Agricultura Familiar em julho de 2012,
O apoio financeiro recentemente mobilizado por meio de projetos tem esti- com o apoio da AS-PTA, do escritório
mulado os agricultores a discutirem a gestão coletiva de alguns equipamentos, assim local da Emater-Rio e da prefeitura mu-
como tem fortalecido o sentido comunitário e as suas organizações de representa- nicipal.
ção.5 Em consequência desse estímulo, foi criada, em março de 2011, a Associação da
Feira da Roça de Queimados (Aferq) e, poucos meses depois, a Associação da Feira As organizações de agricultores
da Roça de Nova Iguaçu (Aferni).  Ambas as organizações incluem membros de criadas ao redor dessas feiras têm ex-
diversas comunidades rurais e têm personalidade jurídica para representar o grupo pressado a necessidade de estabelecer
de agricultores que já vinha participando das feiras nesses municípios. uma identidade própria que as dife-
rencie das feiras convencionais, ainda
5
O estímulo mais recente, tanto para a Aferni quanto para a Aferq, bem como para a Feira da Roça de populares no Rio de Janeiro, mas que
Japeri, veio por intermédio dos recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à
Fome (MDS) e da Petrobras, por meio de dois projetos com ações de fomento, formação de agricultores,
praticamente são dominadas pelos atra-
comunicação/identidade visual e de assistência técnica e extensão rural (Ater). Dessa forma, para Nova vessadores, que compram os produtos
Iguaçu, foram adquiridas barracas de feira, balanças eletrônicas e um caminhão de quatro toneladas para em mercados atacadistas para revendê-
transporte da produção. Também foram disponibilizados materiais para a realização de cursos de gestão los aos consumidores, sem nenhum
de empreendimentos econômicos solidários e de formação em Agroecologia, além de serviços para a
criação de uma identidade visual da associação. Ambos os projetos foram elaborados a partir das deman-
compromisso de fortalecimento da
das reais das organizações dos agricultores e suas representações nos municípios, valorizando também produção agrícola local.
os acúmulos das discussões ocorridas no âmbito da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro sobre
temas como Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), Agroecologia, agricultura familiar e comerciali- Outro aspecto interessante das
zação. A execução dos projetos tem sido realizada a partir de um diálogo entre a Emater-Rio – através feiras da roça é que elas se tornaram
de seus escritórios de Nova Iguaçu e Magé e também de sua Gerência Estadual de Agroecologia – e a espaços de troca entre agricultores. De
AS-PTA, num sentido de complementaridade de ações, potencializando os recursos disponíveis.

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apoio à AUP dá origem a diversas exi-
gências descabidas na condução dos
projetos aprovados e contribui forte-
mente para o distanciamento entre o
Estado e a sociedade civil organizada na
implementação de tais políticas.
Ainda que os desafios para a per-
manência da agricultura familiar sejam
muito grandes, o intercâmbio de expe-
riências entre agricultores, assim como
entre agricultores e organizações de
assessoria, tem se mostrado uma estra-
tégia eficaz de resistência dessas redes
sociais voltadas para a construção de
Feiras como ambientes para reafirmar a um território com presença marcante
identidade e o valor da agricultura familiar da agricultura de base ecológica na re-
gião. Nesse contexto, o fortalecimento
e a ampliação das feiras da roça, das fei-
ras agroecológicas e das feiras da agri-
cultura familiar têm se mostrado um
exercício permanente da expressão da
importância da agricultura familiar na
fato, estando reunidos todas as semanas, entre uma venda e outra, conversam sobre região. Assim, um aspecto a se avançar
tudo: organização, manejo da produção, troca de sementes e mudas, políticas públi- é a intensificação da troca de experi-
cas, etc. Ou seja, as feiras são muito mais do que um local de vendas, servindo como ências e de materiais, como sementes
espaço de articulação e intercâmbio de saberes e reafirmação cultural. As feiras e mudas, entre as feiras, visando o for-
organizadas pelos agricultores familiares da região metropolitana do Rio de Janeiro talecimento mútuo, bem como o incre-
são ainda uma expressão da diversidade local, com mais de 40 produtos comercia- mento do protagonismo dos diversos
lizados ao longo do ano, respeitando os ciclos naturais de cada espécie como um grupos de agricultores familiares parti-
princípio agroecológico. cipantes dessas experiências.

Perspectivas e desafios Guilherme Strauch


O maior desafio para a permanência desses agricultores nas áreas rurais da gerente técnico de Agroecologia da
região metropolitana do Rio de Janeiro está relacionado aos conflitos oriundos dos Emater-Rio
impactos gerados pelo constante processo de urbanização, o qual tem sido intensifi- guilherme.coper@emater.rj.gov.br
cado nos últimos anos por conta das grandes obras executadas na região no âmbito
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, como o Márcio Mattos de Mendonça
Porto de Sepetiba, o Arco Rodoviário Metropolitano e o Complexo Petroquímico coordenador do Programa de Agricul-
do Rio de Janeiro (Comperj). Outro fator de enfraquecimento das organizações e tura Urbana da AS-PTA – Agricultura
redes de apoio é a ausência de políticas públicas municipais destinadas à agricultura Familiar e Agroecologia
familiar, notadamente as voltadas para infraestrutura e fomento, como abertura de urbana@aspta.org.br
estradas vicinais, instalações para centralização e apoio à distribuição de parte da
produção agrícola, construção de poços para irrigação das lavouras (uma demanda Maria Conceição Rosa
crítica no caso de Queimados, por exemplo), dentre outras. A execução dessas extensionista rural da Emater-Rio
ações por parte das prefeituras pode minimizar os riscos inerentes à produção eslocni@emater.rj.gov.br
agrícola, além de oferecer uma garantia de acesso dessa produção a outros mer-
cados, como os institucionais – o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) –, diversificando e aumentando Referências bibliográficas:
a renda desses agricultores.
PLOEG, J.D van der. Sete teses sobre
As características inerentes à agricultura familiar da região metropolitana,
a agricultura camponesa. In: PETER-
como a sua grande diversidade e a pluriatividade, desafiam os programas gover-
SEN, P. (org.) Agricultura familiar
namentais de apoio à agricultura urbana e periurbana (AUP). As poucas iniciativas
camponesa na construção do
existentes, como os editais de AUP do Ministério do Desenvolvimento Social e
futuro. Rio de Janeiro, AS PTA, 2009.
do Combate à Fome (MDS), têm uma concepção muito distante da realidade da
agricultura desenvolvida na região, não respeitando as dinâmicas e as articulações SCHMITT, C. J. Encurtando o caminho
previamente existentes e, dessa forma, desconsiderando todos os atores sociais já entre a produção e o consumo de
envolvidos longamente nesse processo. Um exemplo disso tem sido o direciona- alimentos. Revista Agriculturas:
mento dos editais do MDS apenas para as instituições governamentais, excluindo as experiências em agroecologia, v. 8, n.
organizações da sociedade civil. Essa percepção errônea de uma política pública de 3, set. 2011.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 34


Pesquisa-ação em
agroecologia no município
de Guarulhos
Manoel Baltasar Baptista da Costa
Paulo Henrique de Lima
Túlio Caio Binotti
Carlos Artur Salgado
Luiz Fernando Faustino

G
uarulhos é um dos municípios da região me- À luz dos dados dos censos agropecuários realizados
tropolitana de São Paulo. Com mais de 1,2 entre 1960 e 2006, constata-se significativa redução da ati-
milhão de habitantes, constitui o segundo vidade agrícola em Guarulhos, em larga medida consequente
do estado em população.  Além de apresentar setores secun- de uma expansão urbana acelerada e desordenada, inclusive
dário e terciário expressivos, a agricultura figura como uma sobre áreas anteriormente usadas para a produção de alimen-
atividade importante, embora não devidamente reconhecida, tos. No espaço municipal, existem áreas de elevada aptidão
seja pela sua relevância na produção de alimentos, pela ge- agrícola, mas tal produção está sendo inviabilizada por diver-
ração de ocupações e renda ou pela promoção de inclusão sos fatores, tais como especulação imobiliária, adensamento
social e segurança e soberania alimentar. populacional e a legislação sobre o uso do solo do município,
Foto: Grupo de Pesquisa-ação em Agroecologia
da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar

Primeira oficina sobre conceitos agroecológicos com produtores do município de Guarulhos

35 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


que estabelece que toda a extensão ter- des fosse convertida em fertilizantes para a agricultura e diminuindo, dessa forma,
ritorial municipal seja destinada ao uso o uso de adubos sintéticos e agrotóxicos.
urbano, comercial e industrial, definindo
Mesmo enfraquecida social e economicamente, a agricultura de Guarulhos co-
os espaços e a produção rurais como
existe com o crescimento desordenado da cidade, permanecendo e se realocando,
pertencentes à zona “rural-urbano”. Tal
principalmente, nos limites da cidade e nas periferias, em meio aos bairros e áreas
legislação dificulta o acesso dos produ-
urbanas. Dessa forma, ainda hoje, emprega número considerável de trabalhadores
tores a políticas públicas, pois o gover-
e é responsável pela renda dos produtores familiares e demais trabalhadores en-
no do estado impõe maiores restrições
volvidos no transporte, processamento e comercialização da produção, havendo,
para fornecer a Declaração de Aptidão
inclusive, uma cooperativa de produção agrícola, a Agroverde.
ao Pronaf (DAP) aos agricultores não
situados em zona rural. Sem a DAP, o Entretanto, para superar tantas adversidades, esses agricultores necessitam da
agricultor fica impedido de obter cré- consolidação da agricultura urbana e periurbana como atividade específica. Carecem
dito rural e de vender a produção ao assim de políticas públicas voltadas para tal atividade, da criação de mercados locais
Programa de Aquisição de Alimentos justos que contribuam diretamente para a diminuição do gasto energético da cadeia
(PAA) e ao Programa Nacional de Ali- produtiva de alimentos e de apoio para a prática de uma agricultura mais sustentável.
mentação Escolar (Pnae), ambos do go-
verno federal. Parceria entre a prefeitura e a Universidade
A involução da atividade agrícola Em face de tais problemas, a prefeitura municipal de Guarulhos buscou parce-
no município se deu também por ques- ria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde há iniciativas e acú-
tões financeiras, com a contínua redução mulos com a produção de base ecológica e cursos de graduação e pós-graduação
do preço pago ao agricultor e a conco- em Agroecologia.  Assumiu também a instalação de uma feira de produtos orgânicos
mitante elevação do preço dos insumos produzidos pela agricultura familiar nos espaços rural, periurbano e urbano.
demandados na produção, orientada
pelo pacote tecnológico da Revolução A universidade, por sua vez, disponibilizou uma equipe interdisciplinar compos-
Verde. Além disso, embora a horticul- ta por docentes, estudantes de graduação e de pós-graduação de agronomia, gestão
tura constitua a atividade agrícola mais ambiental, biologia e ciências sociais, que vêm desenvolvendo ações no município
expressiva no município, sua produção nas seguintes frentes:
é em larga medida adquirida por atra- • levantamento da realidade da agricultura do município, de suas dificuldades e
vessadores que a comercializam no oportunidades;
Ceasa de São Paulo, remunerando os
agricultores com valores muitas vezes • orientação e assistência técnica à agricultura familiar pautada pelos pressupos-
aquém dos custos de produção. Des- tos da Agroecologia;
sa forma, mesmo sendo um município • realização de oficinas sobre o manejo de agroecossistemas segundo os prin-
historicamente produtor de alimentos, cípios da Agroecologia, o aproveitamento dos recursos internos do sistema e
uma quantidade significativa da alimen- a busca da autonomia do produtor em relação a recursos, energia e insumos
tação consumida pela população de externos;
Guarulhos é hoje comprada no Ceasa,
aumentando ainda mais o gasto energé- • orientação aos agricultores quanto à agregação de valor ao produto agrícola
tico e os custos para o alimento chegar pelos produtores individualmente e por suas organizações;
ao consumidor. • apoio à organização dos agricultores para assumirem o espaço de comerciali-
Em termos ambientais, a poluição e zação criado pela prefeitura, estimulando uma produção voltada para o consu-
a contaminação das águas, terra e ar re- mo local e a prática de preços justos;
sultantes de efluentes não tratados de in- • orientação e apoio aos produtores para que se credenciem nos processos de
dústrias, da falta de saneamento adequado compra de alimentos dos programas oficiais;
na cidade e no campo, da alta concentra-
ção de veículos e do desmatamento para • aproveitamento de resíduos orgânicos gerados no meio urbano para uso nos
construção de novos empreendimentos sistemas produtivos agrícolas.
também são problemas vivenciados pelos Nas atividades de levantamento da realidade da agricultura, foram identificados
agricultores do município. Vale ressaltar e caracterizados 51 estabelecimentos de agricultura familiar do município por meio
que a agricultura local também contri- da aplicação de um questionário semiestruturado. No tocante à assistência técnica,
bui para a contaminação devido ao ele- vale ressaltar que, no universo dos estabelecimentos avaliados, 86% nunca haviam
vado uso de agrotóxicos. recebido nenhum tipo de assessoria por parte do Estado nem de empresas privadas.
Em meados da década passada, foi Concomitantemente à pesquisa, deu-se início às atividades de assistência téc-
proibida a entrega de um composto de nica e extensão rural com enfoque horizontal, promovendo a articulação entre
lixo urbano de São Paulo para os es- técnicos e agricultores familiares e favorecendo um processo de construção de
tabelecimentos agrícolas do município diferentes percepções do sistema produtivo pelos mesmos.  As análises de solo rea-
de Guarulhos, prática que funcionou lizadas, por exemplo, foram interpretadas juntamente com os agricultores, aguçando
durante muitos anos, fazendo com que suas visões críticas quanto ao uso indiscriminado dos fertilizantes sintéticos que
a matéria orgânica poluente nas cida- tanto oneram o custo de produção das hortaliças.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 36


As oficinas de manejo de agroecossistemas e técnicas pós-colheita de uma alface cultivada com o uso intensivo de
alternativas também demonstraram ser ótimas ocasiões para ureia e de outra cultivada sob o manejo orgânico. Os próprios
a troca de experiências entre os agricultores. Nelas foram agricultores percebem as diferenças e revelam sua satisfação
abordados temas como a importância da biodiversidade, de estar resgatando técnicas empregadas pelos seus avós,
compostagem, consórcios, quebra-ventos, biofertilizantes, cal- além de consumirem alimentos de alto valor nutricional:
das naturais inseticidas e fungicidas, assim como saneamento
A couve da área dos orgânicos está mais verdinha. Ela tam-
no meio rural, apresentando a técnica de construção de fossa
bém está com um gosto mais acentuado, mais saboroso, uma delí-
séptica biodigestora, modelo desenvolvido pela Empresa Bra-
cia. E a alface dura dias depois de colher!
sileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
(Felipe Fonseca, produtor periurbano
Atualmente, existe no município o incentivo à transição
do município de Guarulhos)
agroecológica, sendo um dos métodos utilizados para isso a
delimitação de áreas demonstrativas nos sistemas produtivos. Milhares de toneladas de resíduos orgânicos são gera-
Nessas áreas, o agricultor põe em prática técnicas alternativas das diariamente nos centros urbanos, sejam em feiras, espa-
ao pacote tecnológico convencional, tendo a oportunidade ços públicos ou mesmo nas residências familiares. Em Gua-
de perceber seus benefícios e se apropriar das mesmas. As rulhos, infelizmente, a coleta seletiva não é eficaz a ponto de
áreas são também destinadas a testes de manejo, como, por permitir o aproveitamento desses resíduos na agricultura. Já
exemplo, consórcios e sucessões, além de dosagens de bio- as podas de árvores e de gramados, assim como as varrições
fertilizantes. de folhas dos espaços públicos, como praças, são encaminha-
O controle de insetos-praga e fitopatógenos nas áreas

Foto: Carlos Artur Salgado


em transição está sendo realizado com caldas naturais, tais
como a calda dos frutos da árvore Santa Bárbara (Melia azadi-
ractha), muito abundante na região e que contém o princípio
ativo azadiracthina, um conhecido repelente e inseticida natu-
ral comercializado sob a forma de óleo de neem (Azadiractha
indica). Por possuir muito silício em sua estrutura, elemento
comprovadamente indutor de resistência em plantas, o chá de
cavalinha (Equisetum spp) vem sendo adotado para o controle
de algumas doenças de parte aérea, como a mela da alface
(Esclerotinia sp).
Para fundamentar teoricamente as práticas de manejo,
estão sendo debatidos com os agricultores conceitos rela-
cionados à Teoria da Trofobiose e ao valor nutricional dos
alimentos. Exemplos práticos e intuitivos são utilizados como
base pedagógica, entre os quais a comparação entre a vida Banca de produtor guarulhense na feira agroecológica do município

Fábio Luiz Cassiano

Oficina de saneamento rural: feitio de fossa séptica biodigestora

37 Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012


das para um local específico onde os pedaços mais grosseiros algumas ervas aromáticas cultivadas em quintais sem o uso
são triturados e empilhados na forma de leiras. Esse material, de agrotóxicos e adubos sintéticos. Rapidamente, contudo,
que sempre foi utilizado pela prefeitura para adubar jardins os agricultores perceberam os benefícios da venda direta ao
públicos, passou a ser fornecido para os agricultores, servindo consumidor, havendo inclusive casos de abertura de novos
como cobertura morta nos canteiros. Além de proteger o pontos de venda em outros dias da semana em função do
solo contra o vento e os raios solares, preservando a água no potencial econômico dessa iniciativa.
ambiente, são eficazes no controle das plantas espontâneas.
Outra estratégia construída juntamente com os pro- Alguns ensinamentos e desafios
dutores foi a agregação de valor, lançando mão de produtos Experiências como a desenvolvida em Guarulhos mos-
hortícolas minimamente processados. Para tanto, foi reali- tram que a agricultura urbana e periurbana pode ser valo-
zada uma capacitação no espaço da escola de culinária do rizada como estratégia para a geração de trabalho e renda.
Fundo Social de Solidariedade, onde produtoras receberam Além disso, exibe grande potencial de preservação do meio
o treinamento sobre higienização das bandejas e a operação ambiente urbano, ao permitir que maiores áreas de solo con-
da máquina de processamento, conseguida junto ao Ministé- tinuem permeáveis, o que facilita a absorção da água da chuva
rio do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e e evita enchentes, bem como faz com que menos energia seja
emprestada por meio de termo de concessão pela Divisão gasta para que o alimento chegue ao meio urbano.  A ativida-
de Agricultura Urbana, Periurbana e Familiar de Guarulhos. de agrícola contribui também para realçar o valor de contem-
A instalação da máquina para processamento vegetal de uso plação da natureza das pessoas que vivem em áreas urbanas,
coletivo estimulou a empatia e o trabalho cooperativo entre principalmente nas grandes cidades.
os produtores.
Como fenômeno socioeconômico, a agricultura urbana
O acesso dos agricultores familiares aos programas de e periurbana ainda demanda a geração de tecnologias espe-
compra de alimentos do governo federal foi outra frente de cíficas, principalmente no que se refere ao aproveitamento
trabalho do projeto. As ações nesse campo encontraram vá- dos resíduos orgânicos urbanos como adubos, assim como
rios obstáculos normativos, já que as políticas públicas volta- políticas públicas direcionadas para o seu desenvolvimento.
das para a agricultura familiar nem sempre se ajustam à rea-
lidade da agricultura urbana e periurbana. A participação nas Por se tratar de uma ciência de caráter interdisciplinar,
concorrências públicas para a venda de alimentos, de acordo que considera a complexidade da relação homem e meio am-
com as leis do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e biente e preza pela horizontalidade nos processos de cons-
do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), exige trução do conhecimento, valendo-se de técnicas específicas
que o estabelecimento esteja situado em zona rural consoli- para a utilização dos recursos autóctones nos agroecossiste-
dada pelo plano diretor municipal.  Após diversas negociações mas, a Agroecologia se apresenta como um enfoque adequado
com técnicos da Coordenadoria de Assistência Técnica Inte- para a consolidação da agricultura urbana e periurbana.
gral (Cati) e com a Cooperativa Agroverde, foi conseguida a Aspecto também relevante da presente proposta diz
liberação de seis DAPs para agricultores de Guarulhos. respeito à parceria construída entre o poder público muni-
Durante o Congresso Metropolitano de Agricultura Ur- cipal e a Universidade, que assim passaram a atuar concreta-
bana e Periurbana, tornou-se explícita a dificuldade de ob- mente junto ao segmento da agricultura familiar em defesa de
tenção das DAPs para a participação nos programas federais métodos produtivos sustentáveis.
voltados para a agricultura familiar. Esse problema, relatado
por agricultores em vários centros urbanos do Brasil, tam-
bém está associado à forma como os planos diretores dos Manoel Baltasar Baptista da Costa
municípios são elaborados, em particular pelo fato de que professor adjunto da UFSCar
desconsideram a atividade agrícola como promotora de de- baltasar@uol.com.br
senvolvimento social, o que faz com que não sejam previstas Paulo Henrique de Lima
zonas rurais consolidadas no zoneamento dessas cidades. estudante de pós-graduação em Agroecologia
A Feira Agroecológica, criada e promovida após seis e Desenvolvimento Rural da UFSCar
meses do início do projeto, também mostrou ser uma boa paulolima_agro@hotmail.com
alternativa para o escoamento da produção orgânica e para Túlio Caio Binotti
agregação de renda. Dela participam produtores de Guaru- estudante de pós-graduação em
lhos e de outras cidades, além de alguns revendedores de Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar
hortaliças orgânicas. Espaços para a comercialização de arte- la_patcha@hotmail.com
sanatos, produtos naturais e serviços, como massagens e cur-
sos de culinária natural, também podem ser encontrados na Carlos Artur Salgado
feira. Desde sua criação, ela vem se revelando como um fator chefe da Divisão de Agricultura Urbana, Periurbana e Fami-
estimulador dos processos de transição agroecológica, prin- liar do município de Guarulhos
cipalmente para aqueles produtores que estavam sem muitas cartursalgado@gmail.com
perspectivas com a atividade agrícola e viram na agricultura Luiz Fernando Faustino
orgânica uma nova chance para permanecerem produzindo. biólogo da Divisão de Agricultura Urbana, Periurbana e
Inicialmente, a feira era abastecida com produtos oriundos Familiar do município de Guarulhos
do extrativismo, como abacate e brotos de bambu, além de lffaustino@gmail.com

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 38


Fotos: Paulo Rogério Lopes, 2012.

Posto de venda de agricultora localizado ao lado da unidade de produção em Havana

Agricultura
urbana ecológica:
a experiência de Cuba
Paulo Rogério Lopes
Keila Cássia Santos Araújo Lopes

A
agricultura urbana em Cuba é uma das mais bem sucedidas do mun- construção da agricultura urbana de
do. Sua rápida expansão se deve principalmente a estratégias gover- base ecológica em Cuba se deu como
namentais postas em prática na ilha caribenha a partir da década de um processo abrupto. Entretanto, se
1990, quando o país atravessou dura crise econômica relacionada à queda do bloco de um lado as rápidas mudanças no
soviético. Esse período foi marcado pela insegurança alimentar e pelo surgimento padrão produtivo cubano foram essen-
de doenças e epidemias na população. Foi nesse contexto que o governo cubano ciais para a emergência da agricultura
tomou a iniciativa de resgatar a agricultura tradicional nas cidades cubanas, princi- de base ecológica no país, por outro,
palmente em Havana, onde residia um quinto da população do país. trouxeram como contrapartida negati-
va a drástica diminuição das produções
Este artigo apresenta as principais estratégias adotadas em Cuba para o for-
no curto prazo.
talecimento da agricultura urbana e periurbana de base ecológica, bem como uma
breve caracterização dos sistemas produtivos desenvolvidos, ressaltando a sua im- Com o objetivo de dar respostas
portância para a construção de centros urbanos sustentáveis. ao desafio de recuperar a capacidade
de produção alimentar e alicerçar um
Caminhos para a construção da agricultura urbana padrão agrícola sustentável em Cuba,
o governo estabeleceu o Grupo Na-
ecológica em Cuba cional de Agricultura Urbana (Gnau),
O bloqueio econômico sofrido por Cuba impediu o país de importar os um espaço composto por pesquisado-
agroquímicos que até então eram largamente empregados. Nessas condições, a res e produtores que assumiu o papel

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Unidade de produção orgânica urbana em Havana

de elaborar estratégias produtivas calcadas nos princípios periurbanas é realizada a partir de visitas técnicas periódicas
da Agroecologia. de profissionais vinculados ao Gnau, abrangendo todo o ter-
ritório nacional. A criação de unidades demonstrativas utili-
Centros de pesquisa, capacitação e fomento foram cria-
zadas em cursos de formação e capacitações de agricultores
dos, com destaque para os Centros de Reprodução de Ento-
foi outra ação nesse campo. Práticas agrícolas relacionadas ao
mófagos e Entomopatógenos (Cree) e as Unidades Básicas
manejo ecológico do solo, ao controle biológico de pragas e
de Produção Cooperativa. Os primeiros são responsáveis
doenças, à recuperação de áreas degradadas, ao incremento
pela criação e distribuição dos agentes de controle biológi-
da biodiversidade, bem como ao redesenho das unidades pro-
co de pragas e doenças agrícolas, enquanto as últimas atuam
dutivas (saneamento ambiental, organização e integração dos
no recolhimento de material orgânico gerado nos sistemas subsistemas que compõe os agroecossistemas, permacultura,
urbanos para seu posterior processamento e redistribuição etc.), são abordadas de maneira periódica nos cursos de for-
na forma de compostos orgânicos aos agricultores urbanos mação e nas visitas técnicas aos produtores agrícolas.
e periurbanos. Essas iniciativas permitiram a eliminação do
uso dos agrotóxicos e das adubações químicas, contribuin- Verifica-se ainda que a educação os ensinos médio téc-
do assim para a produção de alimentos saudáveis à popula- nico, tecnológico e universitário tem favorecido a formação
ção. Ajudaram também a enfrentar a proliferação de sérios de profissionais capacitados para o trabalho com agricultura
problemas sanitários nas cidades, bem como a contaminação e pecuária ecológicas.
do lençol freático decorrentes do descarte de resíduos or-
gânicos sólidos.  Além disso, muitas pessoas foram emprega- A mídia cubana também deu uma
das nas cooperativas, e as cidades passaram a contar com
estruturas responsáveis por encaminhar, sem muito dispêndio
contribuição significativa no que se
de energia, os subprodutos orgânicos oriundos de empresas, refere à construção de uma cons-
residências e indústrias ao setor agrícola. Segundo González
Novo e Merzthal (2007), Havana produziu e aplicou cerca de
ciência social, econômica e ecológi-
70 mil toneladas de composto orgânico no ano de 2000. Ob- ca entre os consumidores e produ-
serva-se, portanto, que tais iniciativas foram essenciais para o tores de alimentos.
desenvolvimento da agricultura urbana cubana, seja do ponto
de vista energético, ambiental ou socioeconômico.
Um dos resultados perceptíveis dessa nova consciên-
A elaboração de objetivos e metas anuais a serem alcan- cia é o papel determinante que vem sendo assumido pelas
çados pelas províncias e cidades, principalmente na área de organizações dos agricultores no que se refere às mudanças
extensão rural e educação agrícola, foi outra medida assumida nas estruturas de comercialização dos produtos agrícolas,
pelo Estado cubano. A assistência técnica nas áreas urbanas e até então dominadas por atravessadores que tornavam os

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 40


fonte de alimentos para insetos polinizadores, predadores, pa-
rasitoides, aves e pequenos mamíferos, além de constituírem
corredores e trampolins ecológicos para a fauna (biodiversi-
dade funcional).

Considerações finais
A agricultura ecológica desenvolvida em Havana tem
contribuído com a sustentabilidade desse grande centro ur-
bano. Ela assumiu um importante papel no combate à fome
na década de 1990 e até os dias atuais tem sido primordial
para a segurança alimentar e nutricional das famílias cubanas.
Oferece produtos frescos e saudáveis à população por um
custo acessível, uma vez que as vendas são realizadas sem a
intermediação de atravessadores, além de não depender de
gastos com transporte a longas distâncias, já que a maioria das
Venda direta de produtos da horta orgânica em Havana hortas urbanas possui postos de venda na própria unidade
de produção. Salienta-se também a importância da agricul-
tura urbana como atividade geradora de ocupação e renda,
alimentos mais caros aos consumidores e diminuíam a renda que oferece oportunidades para mulheres, jovens e pessoas
dos agricultores. idosas, segmentos sociais que muitas vezes encontram dificul-
dades para conquistar trabalho. Além de apresentar aspectos
Caracterização da agricultura urbana positivos com relação à sustentabilidade energética, social e
em Cuba econômica, a agricultura urbana e periurbana de Cuba têm
contribuído com a sustentabilidade ambiental, uma vez que
A agricultura urbana de base ecológica desenvolvida em absorve os subprodutos (resíduos sólidos) gerados nos sub-
Cuba pode ser subdivida em dois grupos. De um lado, encon- sistemas das cidades e é responsável pela transformação da
tramos os sistemas produtivos organizados pela lógica da substi- paisagem urbana, antes repleta de poluição visual, trazendo
tuição de insumos químicos por orgânicos. Por outro, a agricul- mais conforto visual e térmico com os hortos florestais e
tura baseada em processos, caracterizada pela autossuficiência sistemas agroflorestais.
técnica das unidades produtivas proporcionada pela produção e
reciclagem dos insumos de que necessitam para produzir.
Paulo Rogério Lopes
As unidades do primeiro grupo buscam insumos de ori- biólogo, Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural,
gem orgânica para nutrir os cultivos e utilizam o controle doutorando em Ecologia Aplicada - ESALQ/USP
biológico clássico, fundado na soltura de inimigos naturais biocafelopes@bol.com.br
das pragas criados em laboratórios especializados, também
conhecidos como biofábricas. Mesmo com total dependên- Keila Cássia Santos Araújo Lopes
cia de insumos externos, essas unidades produtivas possuem geógrafa, mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
níveis satisfatórios de sustentabilidade, se considerarmos os keilacaraujo@hotmail.com
centros urbanos como grandes organismos. Em outras palavras,
as unidades produtivas urbanas figurariam como subsistemas
organicamente integrados às cidades, sendo alimentados pe- Agradecimentos:
los demais subsistemas urbanos com pó de serragem das in- Gostaríamos de agradecer aos agricultores urbanos
dústrias de móveis, com folhas e galhos oriundos dos jardins e periurbanos de Cuba que gentilmente nos concederam a
e praças públicas, com adubos orgânicos das cooperativas de oportunidade de entrevistá-los e nos apresentaram os seus
compostagem, com agentes de controle biológico produzidos sistemas de produção de base ecológica. Agradecemos os
nas biofábricas, etc. pesquisadores José Antônio Bravo e Yosniel Peña, pertencen-
Já a agricultura de processos não depende desse vínculo tes ao Instituto Cubano de Investigações Agroflorestais, que
estrutural com os demais subsistemas para se reproduzir tec- nos concederam entrevistas sobre a agricultura urbana e pe-
nicamente. Ela pode ser encontrada principalmente nas áreas riurbana de Cuba. E à ESALQ/USP, Piracicaba/SP, que contri-
periféricas da cidade (áreas periurbanas), alcançando níveis buiu efetivamente com a viagem a Cuba.
satisfatórios de resiliência, produtividade, confiabilidade e au-
tossuficiência graças ao redesenho realizado dentro e no en-
torno dos agroecossistemas. O incremento da biodiversidade Referências bibliográficas:
é sem dúvida o principal fator responsável pela estabilidade
ecológica e produtiva alcançada nessas unidades de produção. GONZÁLES NOVO, M.; MERZTHAL, G.Y. Agricultura urbana
Mas também a arborização das ruas e os hortos florestais, orgânica: um esforço real em Havana. Revista de Agri-
encontrados ao redor desses agroecossistemas, têm contri- cultura Urbana. RUAF (Centro de Recursos para a Agri-
buído muito com os processos ecológicos desenvolvidos nos cultura e Silvicultura Urbanas). América Latina e Caribe.
campos produtivos, uma vez que funcionam como abrigo e 2007. p. 4.

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Publicações
Periurbanos: mulheres construindo o direito à cidade.
FASE. Revista Proposta, Rio de Janeiro, n. 123. 2011.
Aborda o desenvolvimento de municípios periurbanos, enfocando ques-
tões relacionadas à reforma e a políticas urbanas, bem como ao envolvimento
das mulheres nas lutas pela construção de cidades com cidadania.

Urban agriculture: food, jobs and sustainable cities.


SMIT, J.; RATTA, A.; NASR, J. UNDP, Habitat II Series, 1996.
Com base em pesquisas realizadas em 20 países da Ásia, da África e da
América Latina, os autores abrem uma discussão sobre como a agricultura ur-
bana deve ser encarada: uma atividade marginal praticada pelos pobres urbanos,
uma relíquia dos habitantes rurais, ou, sob outro enfoque, uma atividade econô-
mica moderna com significados importantes para a segurança alimentar, garan-
tindo uma estabilidade no acesso aos alimentos para as famílias e ainda propor-
cionando um ambiente urbano bom para se viver. Um documento referencial
no âmbito internacional que explora questões básicas para a caracterização das
práticas de agricultura urbana em contextos tão diversos.

Growing Cities Growing Food: Urban Agriculture in the Policy


Agenda
BAKKER, N.; DUBBELING, M.; GUENDEL, S.; SABEL-KOS-
CHELLA, U.; ZEEUW, H. (Eds). Alemanha: Feldafing, 2000.
Growing better cities: urban Seleção de textos que traz uma contribuição consistente ao debate sobre
agriculture for sustainable de- o valor da agricultura urbana para o desenvolvimento de cidades sustentáveis.
velopment São exploradas as variadas definições de agricultura urbana e analisadas as suas
contribuições para a segurança alimentar, para a economia doméstica e para a
MOUGEOT, L. J. A. Otawa:
ecologia urbana.  A publicação apresenta ainda um conjunto de estudos de caso
IDRC, 2006. Disponível em: http:// realizados na Ásia, na África, na América Latina e na Europa, que procuram com-
idl-bnc .idrc .ca/dspace/bitstre- preender os papéis da agricultura urbana sob diferentes condições políticas,
am/10625/30554/12/122461.pdf econômicas, demográficas e ecológicas.
Consolida os aprendizados de
20 anos de experiência de trabalho A Cidade das Mangueiras: agricultura urbana em Belém do Pará
do IDRC na temática, apresentando MADALENO, I. M. Lisboa: Editora Calouste Gulbekian, 2002.
um conjunto de princípios para que Trata-se de uma das publicações de referência sobre agricultura urbana no
a agricultura urbana seja incorporada Brasil.  A partir de pesquisas de campo, as agriculturas urbanas e periurbanas
por governos em suas estratégias para de Belém do Pará são caracterizadas em função da lógica de uso dos quintais
alcançar as metas de desenvolvimento e demais espaços de produção. Com base em fina identificação e quantificação
do milênio. Uma publicação referencial das espécies mais comuns nesses espaços, a autora demonstra a importância da
sobre o assunto. produção agrícola nos meios de vida da parcela mais empobrecida da cidade.

Panorama da agricultura urbana e periurbana no Brasil e diretri-


zes políticas para a sua Promoção: identificação e caracterização
de iniciativas de AUP em regiões metropolitanas brasileiras. Do-
cumento referencial geral.
SANTANDREU, A.; LOVO, I.C. Belo Horizonte, junho de 2007.
Disponível em www.rede-mg.org.br/article_get.php?id=100
Caracterização da agricultura urbana em onze regiões metropolitanas do Bra-
sil realizada a partir de pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) com o objetivo de subsidiar a elaboração de dire-
trizes para a uma Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.

Agriculturas • v. 9 - n. 2 • setembro de 2012 42


Agroecologia em Rede

Quinta da Videira,
a casa como espaço de viver
Claudio Oliver e Eduardo Feniman

A
Quinta da Videira é uma te de cafeterias da região. Por ser um descobrem possibilidades, capacidades
iniciativa desenvolvida material levemente ácido, a borra adi- e resultados semelhantes. O objetivo
na cidade de Curitiba cionada ao esterco em decomposição esperado pelo grupo de agentes da
(PR) que busca expandir as possibili- impede a formação de amônia, com- Quinta é o de que, ao deixar o local,
dades da agricultura e da pecuária ur- posto nitrogenado que é o principal qualquer pessoa possa ter a sensação
banas. Suas práticas estão voltadas a responsável pelos odores indesejáveis. de que poderia fazer ainda melhor do
transformar poluentes potenciais em Já para reduzir as moscas, adaptou-se que ali é feito e com a esperança de que
nutrientes por meio da reinserção dos uma tecnologia utilizada originalmente é viável realizar as práticas que sempre
mesmos nos ciclos vitais, regenerando para o controle de moscas tsé-tsé na permitiram o sustento no meio urbano.
o solo e o espaço urbano. Ao mesmo África chamada de carniça artificial. No
tempo, as ações visam promover a so- modelo adaptado, são utilizadas duas
Claudio Oliver
berania alimentar e a integração das fa- garrafas tipo PET cheias de iscas feitas
professor do Curso de Gestão
mílias agricultoras envolvidas. de sangue dos animais abatidos na pro-
Ambiental da Faculdade Evangélica
priedade. Além disso, a parte inferior
Em uma área de cerca de 300 m2, do Paraná, coordenadorda
dos recipientes é pintada de preto, ge-
manejam-se dejetos e rejeitos orgâni- Quinta da Videira
rando atração visual para as moscas. As
cos por meio da produção integrada de claudiofoliver@gmail.com
armadilhas demonstraram eficiência de
olericultura e criação animal (4 cabras,
85% na redução de insetos em relação
28 galinhas, 30 coelhos, 7 porquinhos- Eduardo Feniman
ao que se tinha antes de sua colocação.
da-índia e minhocas). Os criatórios mestrando do Programa Desenvolvi-
funcionam como unidades de proces- Longe de ser ou pretender ser um mento e Meio Ambiente da UFPR e
samento de resíduos, ou seja, têm a modelo, a Quinta da Videira tem sido residente da Quinta da Videira
função prioritária de produzir esterco uma inspiração a outros atores que edufeniman@gmail.com
para compostagem visando a adubação
da horta. Mas a produção animal gera
outros benefícios, uma vez que assegu-
ra 100% do leite e dos ovos, além de
80% da carne consumida mensalmente
Foto: acervo pessoal dos autores

por três famílias. A estacionalidade da


produção é respeitada, o que significa
que o consumo de produtos frescos
acompanha o ritmo de redução no ou-
tono e no inverno, enquanto que, no
verão, concentram-se as atividades de
produção de conservas, defumados e
congelados. A alimentação dos animais
é constituída integralmente de resíduos
orgânicos provenientes de comércios
locais, residências ou da própria Quinta.
Mensalmente, 3.500 quilos desses resí-
duos entram no processo e são utiliza-
dos como fonte de nutrientes.
A presença de odores desagra-
dáveis e a proliferação de moscas são
dois fatores considerados limitantes
à criação de animais nas cidades. Para
contornar o problema do mau cheiro,
emprega-se a borra de café provenien- Manejo adequado possibilita a criação animal em áreas urbanas

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Divulgue suas experiências
nas revistas da Rede AgriCulturas
www.agriculturesnetwork.org
Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na Re-
vista Agriculturas: experiências em agroecologia, na Leisa Latinoamericana (editada no Peru) e na Revista Farming Matters
(editada na Holanda).

Combate à desertificação: lições que vêm


das comunidades rurais
Há vinte anos, por ocasião da Conferência Rio 92, CD, na sigla em inglês), da qual 195 países são signatários.
as Nações Unidas reconheceram que os processos de Apesar disso, existe uma constatação generalizada de que
desertificação, juntamente com as mudanças climáticas e muito pouco se avançou em medidas concretas que re-
as perdas da biodiversidade, figuravam entre os principais sultassem no estancamento ou na reversão dos proces-
desafios ambientais colocados no caminho do desenvolvi- sos de desertificação. O Brasil se prepara para sediar a 2ª
mento sustentável. Definidos como a perda gradual da ca- Conferência Científica da UNCCD (Fortaleza, de 4 a 7
pacidade produtiva da terra provocada por fatores climá- de Fevereiro de 2013), momento em que serão debatidos
ticos ou pela ação humana, os processos de desertificação os impactos econômicos da desertificação e elaboradas
atingem diretamente as populações que vivem em regiões recomendações de políticas públicas para a sua mitigação.
áridas, semiáridas e subúmidas secas. Essas regiões corres- Com a edição de dezembro de 2012 da revista Agricultu-
pondem a 40% das terras do planeta e concentram 60% ras, queremos apresentar exemplos concretos de enfren-
da pobreza mundial. Mais de 250 milhões de pessoas já são tamento dos processos geradores da desertificação por
afetadas pelo fenômeno, e quase um terço da população meio da efetiva mobilização das comunidades rurais na
mundial está submetido aos riscos do seu alastramento. gestão dos recursos naturais com base em estratégias de
No Brasil, essa ameaça recai sobre 15% do território na- manejo localmente adaptadas e coerentes com a perspec-
cional. Diante da gravidade do quadro, a ONU estabeleceu tiva agroecológica.
em 1994 a Convenção das Nações Unidas de Combate Prazo para recepção dos artigos:
à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNC- 10 de novembro de 2012

Instruções para elaboração de artigos


Os artigos deverão descrever e analisar experiências devem vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fo-
concretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam tos, desenhos, gráficos), com a indicação dos seus autores
de inspiração para grupos envolvidos com a promoção e respectivas legendas. Os(as) autores(as) devem informar
da Agroecologia. Os artigos devem ter até seis laudas de dados para facilitar o contato de pessoas interessadas na
2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textos experiência. Envie para revista@aspta.org.br.

ACESSE: www.aspta.org.br/agriculturas

EXPERIÊNCIAS EM AGROECOLOGIA

Patrocínio:

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