Agriculturas V9N2 SET 2012
Agriculturas V9N2 SET 2012
Agriculturas V9N2 SET 2012
Semeando
Agroecologia
nas cidades
Edição especial
Patrocínio:
Editorial
O
ano de 2007 representou um marco na his-
tória da Humanidade. Foi quando a popula-
ção urbana mundial equiparou-se numerica- EXPERIÊNCIAS EM AGROECOLOGIA
mente à residente nas áreas rurais. Hoje as cidades já contam
com mais de 3,5 bilhões de habitantes, e a ONU estima que ISSN: 1807-491X
até 2025 essa cifra ultrapasse os cinco bilhões. Se as atuais Revista Agriculturas: experiências em agroecologia, v.9, n.2
tendências persistirem, chegaremos lá com mais de três quar- Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é uma publicação da AS-
tos da população urbana do planeta concentrada na Ásia, na PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, em parceria com a Fundação
África e na América Latina. Entretanto, ao contrário do que Ileia – Holanda.
ocorreu nos países desenvolvidos, as aceleradas migrações
em direção às cidades nos chamados países em desenvolvi-
mento não vêm sendo acompanhadas por efetivos processos
de urbanização, condição essencial para o pleno exercício da
cidadania, na acepção original do termo. O fenômeno migra- Rua das Palmeiras, n. 90
Botafogo, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 22270-070
tório atual é marcado pela transferência da pobreza do cam- Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363
po para as cidades, onde os recém-chegados muito frequente- E-mail: revista@aspta.org.br
mente são condenados a agudas privações. Nessas condições, www.aspta.org.br
as cidades se convertem em verdadeiros purgatórios em vida,
Fundação Ileia
tornando-se difícil estabelecer qualquer correlação entre o PO Box 90, 6700 AB Wageningen, Holanda
incremento das taxas de urbanização a avanços no processo Telefone: ++31 (0) 33 467 38 75 Fax: +31 (0) 33 463 24 10
civilizatório, tal como sustentam os arautos da modernização. www.ileia.org
ARTIGOS 06
10
10
Gerais urbanos: Agroecologia, cultivo e consumo de
alimentos na cidade de Montes Claros
Eduardo Magalhães Ribeiro, Giliarde de Souza Brito,
Flávia Maria Galizoni e Hélder dos Anjos Augusto
16
Agricultura urbana no Baixo Onça: cultivando uma
região mais produtiva, solidária e sustentável 16
Lorena Anahi Fernandes da Paixão e Marcelo Oliveira de Almeida
29
Feiras da roça: desvelando a agricultura familiar
da região metropolitana do Rio de Janeiro
Guilherme Strauch, Márcio Mattos de Mendonça e
Maria Conceição Rosa
29
Pesquisa-ação em Agroecologia no município de Guarulhos
35 Manoel Baltasar Baptista da Costa, Paulo Henrique de Lima,
Túlio Caio Binotti, Carlos Artur Salgado e Luiz Fernando Faustino
39
43 Publicações
Semeando Agroecologia
nas cidades
Márcio Mattos de Mendonça
D
esde a formação dos apoio a sua disseminação e consolidação. Já em 1999, a FAO estimava que 800 mi-
primeiros conglome- lhões de pessoas estavam envolvidas com a produção de alimentos nas cidades e no
rados humanos, foram seu entorno e eram responsáveis por cerca de 15% da produção alimentar mundial.
estabelecidos cultivos agrícolas e cria- Em Cuba, por exemplo, mais de 384 mil pessoas em 156 municípios estão engajadas
ções animais próximos às moradias. na atividade. Um programa estatal de agricultura urbana define metas anuais de
Mesmo com o surgimento das cidades produção com o objetivo de assegurar o abastecimento alimentar da população.
e, posteriormente, das grandes metró- Como resultado, somente no primeiro trimestre de 2010, as hortas urbanas cuba-
poles, essas práticas não foram abando- nas produziram 362.608 toneladas de vegetais.
nadas. Seja para manter tradições fami-
Na cidade argentina de Rosário, a Secretaria Municipal de Promoção Social
liares e regionais com um forte apelo
implementou um programa de agricultura urbana no início dos anos 1990, como
cultural, para contar com alimentos
estratégia para criar alternativa de ocupação e renda para a parcela da população
frescos ou mesmo para gerar fontes
mais afetada pela grave crise econômica que o país atravessou naquele momento. O
complementares de renda, a realidade
sucesso do programa deveu-se em grande medida à articulação de organizações go-
é que a agricultura permanece nas cida-
vernamentais, não governamentais, acadêmicas e de base comunitária. Atualmente, o
des e em suas periferias, em quintais ou
programa envolve mais de 10 mil famílias de desempregados urbanos e está inserido
lajes domésticas, em áreas não edifica-
no plano diretor da cidade.
das ou espaços institucionais, tais como
escolas e postos de saúde. Em diversos países da Europa, a agricultura urbana vem sendo cada vez mais di-
fundida. A Rede Portuguesa de Agricultura Urbana e Periurbana elaborou um mapa
No presente contexto mundial,
nacional da atividade e promove debates e trocas de experiências entre represen-
em que as crises socioambiental e ali-
tantes das variadas iniciativas identificadas, principalmente aquelas institucionaliza-
mentar se agravam como resultado
das. As hortas são comuns também na paisagem urbana da Alemanha, da Suíça e
do aprofundamento de um modelo de
de outros países europeus. A agricultura urbana surge com força também na África
desenvolvimento que leva à concentra-
Subsaariana, onde o crescimento urbano acelerado vinha se dando justamente em
ção de riquezas, à superexploração dos
países pouco preparados para alimentarem as suas cidades.
recursos naturais e à aglomeração das
populações em grandes cidades, essas No Brasil, a criação de um programa de agricultura urbana vinculado ao Mi-
práticas se disseminam como respostas nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o ensaio da cons-
ativamente construídas por parte das trução de uma política nacional voltada para essa atividade ocorreram a partir da
parcelas mais vulneráveis e afetadas. Ao pressão dos movimentos populares e das organizações da sociedade civil nas con-
mesmo tempo em que surgem como ferências nacionais de segurança alimentar e nutricional ocorridas em 2002 e 2007.
reação, elas apontam para alternativas Após esta última, o MDS realizou, em parceria com diversas organizações da socie-
viáveis para a reconstrução de relações dade civil, um diagnóstico sobre a situação da agricultura urbana e periurbana em 11
mais equilibradas entre o meio urbano regiões metropolitanas. Nesse mesmo ano, foi realizado o I Seminário Nacional de
e o meio rural e a promoção de cida- Agricultura Urbana e Periurbana, que contou com a participação de representantes
des mais saudáveis e sustentáveis. O en- de iniciativas de agricultura urbana de diversas regiões do país e apontou diretrizes
frentamento estrutural das crises deve, para a construção de uma política nacional nessa área. Um coletivo nacional de agri-
portanto, reconhecer e tirar partido do cultura urbana, formado por representantes de organizações sociais que detinham
potencial dessas práticas sociais. experiência de trabalho nesse campo, operava naquele momento com o objetivo de
apoiar o MDS a formular ações estratégicas para compor a Política de Agricultura
No entanto, é recente e ainda
Urbana e Periurbana.
restrito o reconhecimento oficial da
agricultura urbana e periurbana. Orga- Porém, a partir de 2008, com o lançamento dos primeiros editais para a consti-
nismos internacionais, como a Organi- tuição dos Centros de Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana (Caaups), o diálogo
zação das Nações Unidas para Alimen- entre o governo federal e a sociedade civil ficou comprometido. Desde então, os
tação e Agricultura (FAO, na sigla em investimentos públicos passaram a ser orientados exclusivamente para prefeituras
inglês), vêm gradativamente atentando municipais, governos estaduais e órgãos públicos. Dessa forma, o Estado deixou de
para a importância da agricultura ur- valorizar e reforçar o acúmulo de experiências e o protagonismo assumido por
bana e periurbana e recomendando o parte de entidades da sociedade civil que, juntamente com movimentos populares,
A
agricultura da cidade do Rio de Janeiro possui um largo histórico. des, entidades de assessoria, grupos de
Embora hoje relegada a um papel menor, ocupou muito da área consumidores e a Rede de Agricultura
denominada de Zona Oeste do município, que por muito tempo foi Urbana, entre outros atores. Dessa for-
polo de abastecimento agrícola da capital.A região ainda apresenta resquícios de um ma, vai-se recriando um desenho do
passado rural que se confirma pela forma com que outrora fora conhecida: o sertão mapa da agricultura na cidade do Rio
carioca. Entretanto, se nos ativermos à ideia de resquícios da agricultura, retendo na de Janeiro e aumentando o repertório
mente apenas a imagem do urbano, deixamos de perceber o processo de fortale- das atividades e estratégias a que esses
cimento de experiências e práticas agroecológicas que são reinventadas e ganham agricultores recorrem na manutenção
espaço na região a partir do protagonismo dos agricultores e das várias redes que de seus modos de vida. A participação
constroem e às quais recorrem. em circuitos de feiras orgânicas, no
A Zona Oeste carioca vem sendo alvo de forte expansão urbana e especu- caso da AgroPrata, tem permitido levar
lação imobiliária, sobretudo em função das grandes obras dos megaeventos que a outros espaços da cidade produtos
despontam no futuro próximo da cidade. É importante lembrar, porém, que, apesar da agricultura da Pedra Branca, entre
das feições urbanas e industriais, a atividade agrícola persiste na região e detém re- eles, o vinagre de caqui e a banana e
levância econômica e social para a manutenção de famílias de agricultores que lutam o caqui-passa orgânicos, novidades de-
para manter suas territorialidades e modos de vida específicos. É lá onde centenas senvolvidas localmente pelos agriculto-
de famílias de agricultores têm estabelecido como meio de vida a produção e a co- res. Já o cultivo da banana e de outras
mercialização de bananas e caquis, aipim e hortaliças, além de uma série de outros culturas em meio a remanescentes de
frutos e verduras da região, como a taioba e a bertalha, alimentos tradicionais que Mata Atlântica pela AgroVargem pro-
vêm reaparecendo no cardápio carioca. porcionou recentemente a emissão da
primeira Declaração de Aptidão ao Pronaf
Muitas dessas famílias, que estão na região há mais de um século e dependem (DAP) entre esse grupo de agricultores.
da renda das atividades agrícolas, vêm sofrendo com a expansão urbana, com as O reconhecimento de saberes tradicio-
transformações nas relações de produção e de mercado e, sobretudo, com as res- nais em relação às plantas medicinais,
trições de órgãos ambientais, orientados por uma perspectiva de incompatibilidade dentro do contexto de implantação da
entre a presença humana e a conservação da natureza. Muitas já venderam suas Política Nacional de Plantas Medicinais
propriedades que hoje se transformaram em grandes condomínios residenciais, au- e Fitoterápicos, também tem fortaleci-
mentando fortemente o impacto ambiental na região. do e reunido os agricultores da Alcri,
Mas é também na Zona Oeste, especificamente no Maciço da Pedra Branca, assim como os das outras associações.
que agricultores e agricultoras têm se mobilizado em busca de reconhecimento da As experiências de agricultura na
prática agrícola realizada em espaços da cidade e sua inserção no âmbito das políti- cidade do Rio de Janeiro acompanham
cas públicas voltadas para a agricultura familiar.
o fenômeno da invisibilidade que atin-
Entre os resultados desse processo de mobilização, destacamos o fortaleci- ge todo o campesinato brasileiro. Tal
mento de organizações como a Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra condição de ausência de reconheci-
Branca em Rio da Prata (AgroPrata), a Associação de Agricultores de Vargem Gran- mento da existência de modos de vida
de (AgroVargem) e a Associação dos Lavradores e Criadores de Jacarepaguá (Al- camponeses foi construída por dis-
cri), bem como a formação de parcerias e sua inserção em redes com universida- cursos que, embasados nos dados de
que mais da metade da população mundial vive em espaços A invisibilidade da agricultura no Maciço da Pedra Branca
urbanos desde 2007, alardeiam que o século XXI marca o foi reforçada pelo fato de que, em 1974, uma parcela subs-
momento da implantação dos megaprojetos. Entretanto, as tantiva do território foi transformada no Parque Estadual da
diversas experiências de fortalecimento da agricultura nos Pedra Branca.1 A partir dessa data, a veiculação de represen-
fazem perceber que há muito mais camponeses do que nós tações e imagens desse espaço como uma floresta intocada
imaginamos ou queremos admitir, mesmo nas cidades e nos se tornou dominante, o que favoreceu o esquecimento da
espaços mais urbanizados. história da ocupação agrícola do maciço e o não reconheci-
mento da luta dos produtores locais pelo direito de permane-
Os lugares da agricultura no cenário carioca cer nesse território, conciliando suas práticas agrícolas com a
conservação da natureza.
Com uma população de 6.320.446 habitantes (IBGE,
2010), o Rio de Janeiro é a segunda maior cidade brasileira Para os agricultores do maciço, as restrições impostas
e a quarta da América Latina. A cidade estende-se 70 km de pela legislação ambiental que rege o parque aumentaram as
leste a oeste e 44 km de norte a sul, abrangendo uma área dificuldades já vividas frente às mudanças nas relações de pro-
de aproximadamente 1.200 km2, que inclui ilhas e águas con- dução e de mercado na cidade. No entanto, de um modo
tinentais. Oficialmente, a cidade é divida em 32 regiões admi- que não se poderia prever, a existência dessa área protegida
nistrativas perfazendo um total de 159 bairros. Conhecido acabou por preservar a agricultura local de um processo mais
por sua beleza natural exuberante e outros grandes atrativos amplo de urbanização e expropriação dos pequenos produ-
turísticos, o Rio de Janeiro é provavelmente a cidade brasilei- tores. Na atualidade, pode-se dizer que o PEPB é um espaço
ra mais famosa mundialmente. Seu relevo se caracteriza pelos de conservação da natureza, mas também de reprodução de
contrastes de montanhas e mar, florestas e praias, além de uma pequena agricultura que vem construindo valores agro-
planícies extensas e paredões rochosos. Os dois grandes ma- ecológicos locais. Na luta pelo reconhecimento de seus di-
ciços que a cidade apresenta, o Maciço da Tijuca e o Maciço reitos territoriais, os agricultores do Maciço da Pedra Branca
da Pedra Branca, têm, respectivamente, 1.022m e 1.025m de procuram mostrar como suas práticas agrícolas podem ser
altitude e neles se localizam unidades de conservação de pro- conciliadas com os objetivos da conservação da natureza.
teção integral, nomeadamente, o Parque Nacional da Tijuca e
o Parque Estadual da Pedra Branca. Este último, localizado na 1
Entre outros objetivos, a criação do PEPB pretendia garantir a preservação
Zona Oeste da cidade, possui 12.394 hectares e consiste na dos mananciais que abasteciam e abastecem a Zona Oeste da cidade Rio de
maior reserva florestal localizada em área urbana do mundo. Janeiro. Geraizeiros durante Romaria
ao Areião, Rio Pardo de Minas
Claudemar Mattos
Considerações finais engenheiro agrônomo, mestre em Ciência Ambiental,
As experiências aqui relatadas consistem em uma das assessor do Projeto Semeando Agroecologia da AS-PTA e
expressões da agricultura nas cidades. Fenômeno bastante di- membro da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro
verso, a agricultura nas áreas urbanas e periurbanas nos faz claudemar@aspta.org.br
atentar não somente para as circunstâncias nas quais as pes-
soas praticam a agricultura, mas, de modo mais importante, Annelise Caetano Fraga Fernandez
para as razões e motivações que as levam a construir es- doutora em Sociologia e Antropologia, professora da UFRRJ,
tratégias de fortalecimento e reconhecimento que envolvem coordenadora do Projeto de Extensão Ampliação e Fortale-
dimensões sociais, políticas e ambientais (Mougeot, 2005). cimento das Atividades Agroindustriais dos Agricultores
No caso dos agricultores do Maciço da Pedra Branca, essas da Pedra Branca
estratégias se refletem no sistema de produção que leva em annelisecff@yahoo.com.br
consideração os limites e as potencialidades do uso dos re-
cursos naturais, ao mesmo tempo em que mantém a integri-
dade dos fragmentos de Mata Atlântica na área urbana. Cum- Referências bibliográficas:
pre ainda ressaltar como a organização desses produtores em
associações e redes recriam sociabilidades e permitem uma MOUGEOT, L. J. A. (Ed.) Agropolis: the social, political and
maior participação em diferentes espaços e esferas institucio- environmental dimensions of urban agriculture. Earthscan/
nais na busca por visibilidade no âmbito das políticas públicas IDRC, 2005.
Vista do Ribeirão do
Onça e do bairro Ribei-
ro de Abreu
tos coletivos, que visam à troca de experiências e de conhe- Organização popular e articulação em rede
cimentos entre os(as) agricultores(as) e técnicos(as). Entre
O fato de as atividades de agricultura urbana serem re-
as atividades coletivas, destacam-se as oficinas, os mutirões,
alizadas com o apoio e o envolvimento de diversos parceiros
os intercâmbios e os cursos, além dos encontros Saberes e
locais, sobretudo no âmbito do movimento Deixem o Onça
Sabores, realizados trimestralmente com a participação de
Beber Água Limpa, proporciona a agricultores e agricultoras a
organizações locais, grupos produtivos e famílias, no intuito
oportunidade de (re)conhecimento e participação em ações
de avaliar e planejar as ações de agricultura urbana na região.
relacionadas a outras temáticas, como segurança, habitação,
esporte, lazer e cultura. Esse contexto favorece que as pes-
Nos últimos anos, 60 famílias se soas exercitem um olhar crítico da realidade, identificando
organizaram em oito grupos pro- os desafios e os potenciais que seu território possui para o
desenvolvimento local sustentável.
dutivos na região do Baixo Onça
Além das parcerias e articulações firmadas na região,
e, estando inseridas em dinâmi- os(as) agricultores(as) do Baixo Onça estabeleceram dinâmi-
cas coletivas, produzem alimen- cas coletivas de maior abrangência, por meio da participação
na Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana (Amau).2
tos agroecológicos. Estima-se que Já nos âmbitos estadual e nacional, participam frequentemen-
outras 300 pessoas se beneficiam te de eventos, seminários, conferências, encontros e intercâm-
bios que abordam temáticas como Agroecologia, agricultura
diretamente do trabalho, por meio urbana, segurança alimentar e nutricional, combate ao uso de
da participação pontual em ativi- agrotóxicos, economia popular e solidária, gênero, dentre ou-
tras que estão relacionadas com suas práticas diárias.
dades ou da compra de alimentos
Saúde e segurança alimentar e nutricional
frescos e saudáveis.
No campo da promoção da saúde e da segurança ali-
mentar e nutricional, constata-se que a diversificação dos
As várias funções da agricultura na cidade cultivos nos quintais e nos sistemas produtivos coletivos,
assim como as mudanças nos hábitos alimentares e a pro-
No Baixo Onça, são múltiplas as motivações que levam dução alimentar, proporcionam às famílias o acesso a uma
as pessoas a praticarem agricultura urbana, sendo os seus maior diversidade de alimentos – e, consequentemente, de
efeitos percebidos em diversas dimensões da vida social. A nutrientes e vitaminas –, além de contribuir para a diminui-
seguir, descrevemos os resultados e avanços mais expressivos
da agricultura urbana na região. 2
Ver artigo sobre AMAU na página 23
ção do consumo de produtos contami- poimentos dos(as) moradores(as), a participação nas atividades de formação, nos
nados por agrotóxicos. intercâmbios e nos momentos de trocas de experiências é muito importante para
valorizar o seu conhecimento e elevar a autoestima.
A diversidade de espécies cultiva-
das na região pôde ser verificada com
a realização, durante o ano de 2011, Também é possível perceber o efeito da agricul-
de um trabalho de monitoramento da tura urbana na sociabilidade de quem se envol-
produção de 19 experiências, sendo
16 quintais e três grupos produtivos. ve com o trabalho. Frequentemente, as pessoas,
O monitoramento permitiu, por amos- principalmente as mulheres, alegam que mu-
tragem, identificar quais são as princi-
pais culturas existentes no Baixo Onça, daram o seu comportamento tanto no âmbito
quantificar o volume da produção de familiar quanto no comunitário, deixando de
cada uma delas e os principais destinos
dessa produção, ressaltando a diversi- lado a timidez e passando a se posicionar e se
dade cultivada nos quintais e grupos es- expressar em público com mais facilidade.
tudados: 26 espécies de folhosas, princi-
palmente couve, cebolinha, salsa, alface
Relações sociais de gênero
e mostarda; 33 espécies de legumes,
com destaque para tomate, chuchu, pi- Outra constatação sobre as atividades de agricultura urbana desenvolvidas na
menta, abobrinha e quiabo; 35 espécies região refere-se à participação predominante das mulheres. Dessa forma, a agricul-
de frutas, principalmente mexerica, lima, tura urbana se mostra uma importante ferramenta de mobilização, uma vez que
maracujá, banana e limão; 71 espécies estabelece um diálogo direto com sua prática diária e amplia as possibilidades de
de plantas medicinais; e 6 espécies ani- fortalecer o protagonismo das mulheres em espaços coletivos e políticos, ao mes-
mais (gado bovino, galinha, peru, patos, mo tempo em que proporciona a reflexão sobre a divisão dos papéis assumidos por
codornas e peixes). homens e mulheres na vida social.
Vale ainda destacar a função te- Nos quintais e grupos produtivos em que elas estão à frente, os cultivos
rapêutica que a prática da agricultura mais comuns são de plantas medicinais e frutas. Avalia-se que dois fatores são
desempenha, pois são frequentes os determinantes para essa predileção: as mulheres são as principais responsáveis
relatos de pessoas que afirmam que pela alimentação e saúde de suas famílias; e o manejo de frutas e plantas medici-
mexer com a terra e com as plantas ajuda nais, comparado ao da produção de hortaliças folhosas, por exemplo, é mais fácil
no combate à depressão e ao estres- e demanda menos tempo de dedicação, já que muitas dessas mulheres acumulam
se. Além disso, de acordo com os de- outros trabalhos. Diante dessa situação, destacam-se as ações de qualificação do
Articulação Metropolitana
de Agricultura Urbana:
espaços e saberes da Agroecologia
em Belo Horizonte1
Daniela Adil Oliveira de Almeida
Lídia Maria de Oliveira Morais
Lorena Anahi Fernandes da Paixão
tivas (Rede)2 em um contexto favorável de reconhecimento institucional das práti- A organização e as ações da
cas de segurança alimentar desenvolvidas pela sociedade civil, por meio de diagnós- Amau
ticos e encontros promovidos pelo Fórum Mineiro de Segurança Alimentar e Nutri-
cional Sustentável (FMSans) e pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional As atividades realizadas pela Amau
de Minas Gerais (Consea-MG). Esse contexto revelou a importância de se apro- são viabilizadas a partir do engajamento
fundar a discussão sobre a agricultura na região metropolitana de Belo Horizonte, e da mobilização de recursos financei-
resultando, em 2004, na criação da Amau como espaço espontâneo e permanente ros de seus participantes e, eventual-
de encontro, diálogo e auto-organização dos grupos envolvidos com as práticas de mente, de alguns apoios pontuais. Sua
agricultura urbana. dinâmica se dá por meio de encontros
periódicos itinerantes entre os locais
onde se encontram as experiências da
São objetivos da Amau: a) apoiar as iniciativas agricultura urbana, conciliando em sua
populares e fortalecer a organização das(os) programação momentos voltados para
a execução de práticas, trocas de co-
agricultoras(es) da região metropolitana de nhecimento e formação política. Tam-
Belo Horizonte; b) dar visibilidade às experiên- bém nesses encontros são definidas as
ações coletivas, como visitas técnicas,
cias de agricultura existentes na região, mos- oficinas, intercâmbios, mutirões e parti-
trando a diversidade de atividades e espaços, cipação em feiras e eventos. Outra linha
de ação é a participação em espaços
bem como suas diferentes funções; c) aprofun- de construção de políticas públicas de
dar o debate político com diferentes setores da agricultura urbana ou temáticas afins.
Para tanto, a Amau se faz representar
sociedade civil, do poder público e da academia em redes e fóruns da sociedade civil,
sobre a integração campo-cidade, o papel da bem como em conselhos e conferên-
cias dedicadas a temas relacionados ao
agricultura em regiões metropolitanas e sua campo agroecológico, à promoção da
relação com a construção de outro projeto de segurança alimentar, à organização das
mulheres e à economia solidária.
desenvolvimento.
Nos primeiros anos de funciona-
2
Organização não governamental criada em 1986, que atualmente promove a Agroecologia em comuni- mento, a Amau realizou três encontros
dades rurais do Leste de Minas, em comunidades urbanas de Belo Horizonte e de alguns municípios da que permitiram avançar na identificação
região metropolitana. de novas iniciativas, consolidando um
tempo parcial; e 36% apresentaram-se como agricultores(as). agrícolas, a partir do acesso a livros, de informações da mídia e
Identificou-se também a preponderância da baixa escolari- da inserção em processos de formação e capacitação em Agro-
dade entre os participantes da pesquisa, sendo que mais de ecologia promovidos por organizações sociais ou instituições
60% das(os) agricultoras(es) não cursaram o ensino médio. governamentais. A maioria das experiências tem em comum
Das respostas obtidas pelo questionamento relativo à renda o protagonismo de mulheres que, embora desempenhem um
familiar, 87,6% declararam receber abaixo de um salário míni- papel importante nos cuidados com a segurança alimentar e
mo. Além disso, 69% das famílias entrevistadas apresentaram a saúde da família e da comunidade, ainda têm que superar
algum grau de insegurança alimentar, sendo que, entre aquelas barreiras para a atuação no espaço público. Apesar disso, elas
em que há moradores menores de dezoito anos, o índice é vêm se destacando como educadoras em suas comunidades e
ainda maior (BRASIL, 2011). hábeis interlocutoras em fóruns políticos, dando visibilidade à
importância dos trabalhos domésticos realizados pelas mulhe-
A dura realidade social e as condições adversas enfren- res e aos desafios para promover sua autonomia financeira e
tadas por essas famílias contrastam com a riqueza de saberes sua inserção no mercado de trabalho.
observada nas experiências agrícolas que desenvolvem em suas
casas e comunidades. A memória da origem rural pode ter Nos encontros e atividades realizados pela Amau, ob-
como referência uma experiência camponesa ou de agricultu- serva-se uma disposição para conviver com a diferença, es-
ra familiar ou uma vivência em que já predominava o modelo clarecer o que une e o que separa cada organização, a partir
da Revolução Verde ou do agronegócio, marcado por confli- de uma compreensão comum da prática da agricultura ur-
tos agrários, mudanças nas técnicas de produção e na relação bana como forma de autoafirmação criativa. Trata-se ainda
com os recursos naturais e com a própria alimentação e saúde. de uma resistência à homogeneização de modos de vida e à
Entretanto, essas práticas não devem ser consideradas meras imposição de ritmos e padrões de consumo nas metrópoles
reproduções de hábitos e modos de vida de migrantes rurais contemporâneas. A promoção da agricultura urbana se torna
nas cidades, pois revelam o potencial inventivo e interpretati- assim um instrumento possível para a organização de uma
vo da realidade das(os) agricultoras(es). É também importante população historicamente marginalizada nas cidades, para a
construção de identidades coletivas entre agricultoras(es) e
considerar que, a cada dia, moradoras(es) urbanas(os) de di-
para seu reconhecimento perante o conjunto da sociedade e
ferentes classes sociais que nunca tiveram uma vivência ante-
dos formuladores de políticas.
rior no campo têm interesse e passam a se dedicar às práticas
pela agricultura urbana baseada Desde 1996, quando o tema da agricultura urbana co-
meçou a merecer maior reconhecimento oficial,5 podem ser
nos princípios da Agroecologia é citados exemplos de iniciativas de institucionalização de polí-
um campo possível de convergên- ticas nessa área nas três esferas de poder do Estado brasileiro.
Como iniciativas de prefeituras de Minas Gerais, destacam-se
cia de organizações do campo e políticas como o Centro de Vivência Agroecológica (Cevae),
da cidade que buscam fortalecer a em Belo Horizonte (1995), e o Centro Municipal de Agricul-
tura Urbana e Familiar (Cmauf), em Contagem (2010). No
organização popular, especialmen- âmbito estadual, ressaltamos a aprovação (2006) e a regula-
te a auto-organização das mulhe- mentação (2008) da Política Estadual de Apoio à Agricultura
Urbana (Peau), bem como a criação da Coordenadoria de
res, e ter uma incidência política a Agricultura Urbana vinculada à Subsecretaria de Agricultura
partir da articulação de ações co- Familiar do governo do estado (2011). No plano federal, o
tema da agricultura urbana vem sendo assumido pelo Sistema
tidianas. Esse documento expressa Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e está
os aspectos comuns das agendas inserido na estrutura do MDS como parte da estratégia do
governo federal para enfrentar a insegurança alimentar das
de diferentes movimentos – como populações nas periferias das cidades e promover uma alter-
o feminista, os de reforma urbana, nativa para a produção de alimentos e geração de renda nas
regiões metropolitanas.
reforma agrária, saúde coletiva,
Apesar dos avanços proporcionados por essas diferen-
economia solidária e soberania e tes frentes no que se refere à visibilidade da temática da
segurança alimentar –, registrando agricultura urbana e à criação de marcos institucionais espe-
cíficos, a implementação de políticas públicas para esse setor
as questões prioritárias para uma vem apresentando marcantes contradições entre as práticas
pauta política única voltada para o efetivas e a retórica discursiva dos gestores públicos. Estes
sempre ressaltam a importância de princípios como a ges-
fortalecimento das práticas agroe- tão descentralizada, o fortalecimento das capacidades, a pro-
cológicas na região metropolitana moção de autonomia, o empoderamento e a participação
efetiva das(os) agricultoras(es), mas na prática não é o que
de Belo Horizonte. se verifica. Em que pesem os esforços empreendidos pela
sociedade civil, eles não têm sido suficientes para superar os
Os pontos de destaque são: 1) acesso à terra; 2) acesso
entraves burocráticos do Estado e a falta de vontade política
aos recursos naturais (água e biodiversidade); 3) assessoria
para conquistar orçamentos e estruturar equipes capacita-
técnica com enfoque agroecológico, popular e de gênero; 4)
das e permanentes para atuar junto a esse novo campo de
organização de base e auto-organização das mulheres; 5) for-
ação institucional. Outro limite à participação da sociedade
mação política e capacitação técnica; 6) fomento para amplia-
ção da produção agroecológica; 7) apoio ao escoamento e 5
No âmbito internacional, a agricultura urbana ganha maior expressão a par-
à comercialização da produção; 8) apoio à disseminação e à tir do ano de 1996, com a divulgação do relatório Urban Agriculture, Food, Jobs
and Sustainable Cities durante a realização da II Conferência Mundial sobre
consolidação das experiências, considerando as múltiplas fun- Assentamentos Humanos (Habitat II), em Istambul. (Nota do editor: ver refe-
ções da agricultura urbana; 9) apoio a iniciativas de comunica- rência na seção Publicações desta edição).
Diversidade e qualidade dos alimentos: atributos assegurados pela relação direta entre produtor e consumidor
um melhor manejo das lavouras e pomares. Após dois anos de funcionamento da Como efeito multiplicador do su-
feira de Queimados, é visível o esforço de planejamento da produção que os vinte cesso obtido nas feiras de Nova Iguaçu
participantes estão começando a assumir, baseando-se na garantia de venda de seus e Queimados, foi criada, em junho de
produtos. A diversidade de produtos também aumentou, e começaram a aparecer 2011, a Feira da Roça de Japeri, com a
barracas com produtos que a maioria dos agricultores não costumava cultivar para participação de 18 famílias de agriculto-
venda, como ora-pro-nobis, frutas como toranja e bacupari e diversas ervas medi- res. Da mesma forma, um grupo de 46
cinais O sucesso da venda de ovos fez aumentar o plantel de aves no município e, agricultores familiares de várias comu-
consequentemente, a busca por capacitação para essa atividade. nidades de Magé inaugurou a Feira da
Agricultura Familiar em julho de 2012,
O apoio financeiro recentemente mobilizado por meio de projetos tem esti- com o apoio da AS-PTA, do escritório
mulado os agricultores a discutirem a gestão coletiva de alguns equipamentos, assim local da Emater-Rio e da prefeitura mu-
como tem fortalecido o sentido comunitário e as suas organizações de representa- nicipal.
ção.5 Em consequência desse estímulo, foi criada, em março de 2011, a Associação da
Feira da Roça de Queimados (Aferq) e, poucos meses depois, a Associação da Feira As organizações de agricultores
da Roça de Nova Iguaçu (Aferni). Ambas as organizações incluem membros de criadas ao redor dessas feiras têm ex-
diversas comunidades rurais e têm personalidade jurídica para representar o grupo pressado a necessidade de estabelecer
de agricultores que já vinha participando das feiras nesses municípios. uma identidade própria que as dife-
rencie das feiras convencionais, ainda
5
O estímulo mais recente, tanto para a Aferni quanto para a Aferq, bem como para a Feira da Roça de populares no Rio de Janeiro, mas que
Japeri, veio por intermédio dos recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à
Fome (MDS) e da Petrobras, por meio de dois projetos com ações de fomento, formação de agricultores,
praticamente são dominadas pelos atra-
comunicação/identidade visual e de assistência técnica e extensão rural (Ater). Dessa forma, para Nova vessadores, que compram os produtos
Iguaçu, foram adquiridas barracas de feira, balanças eletrônicas e um caminhão de quatro toneladas para em mercados atacadistas para revendê-
transporte da produção. Também foram disponibilizados materiais para a realização de cursos de gestão los aos consumidores, sem nenhum
de empreendimentos econômicos solidários e de formação em Agroecologia, além de serviços para a
criação de uma identidade visual da associação. Ambos os projetos foram elaborados a partir das deman-
compromisso de fortalecimento da
das reais das organizações dos agricultores e suas representações nos municípios, valorizando também produção agrícola local.
os acúmulos das discussões ocorridas no âmbito da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro sobre
temas como Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), Agroecologia, agricultura familiar e comerciali- Outro aspecto interessante das
zação. A execução dos projetos tem sido realizada a partir de um diálogo entre a Emater-Rio – através feiras da roça é que elas se tornaram
de seus escritórios de Nova Iguaçu e Magé e também de sua Gerência Estadual de Agroecologia – e a espaços de troca entre agricultores. De
AS-PTA, num sentido de complementaridade de ações, potencializando os recursos disponíveis.
G
uarulhos é um dos municípios da região me- À luz dos dados dos censos agropecuários realizados
tropolitana de São Paulo. Com mais de 1,2 entre 1960 e 2006, constata-se significativa redução da ati-
milhão de habitantes, constitui o segundo vidade agrícola em Guarulhos, em larga medida consequente
do estado em população. Além de apresentar setores secun- de uma expansão urbana acelerada e desordenada, inclusive
dário e terciário expressivos, a agricultura figura como uma sobre áreas anteriormente usadas para a produção de alimen-
atividade importante, embora não devidamente reconhecida, tos. No espaço municipal, existem áreas de elevada aptidão
seja pela sua relevância na produção de alimentos, pela ge- agrícola, mas tal produção está sendo inviabilizada por diver-
ração de ocupações e renda ou pela promoção de inclusão sos fatores, tais como especulação imobiliária, adensamento
social e segurança e soberania alimentar. populacional e a legislação sobre o uso do solo do município,
Foto: Grupo de Pesquisa-ação em Agroecologia
da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
Agricultura
urbana ecológica:
a experiência de Cuba
Paulo Rogério Lopes
Keila Cássia Santos Araújo Lopes
A
agricultura urbana em Cuba é uma das mais bem sucedidas do mun- construção da agricultura urbana de
do. Sua rápida expansão se deve principalmente a estratégias gover- base ecológica em Cuba se deu como
namentais postas em prática na ilha caribenha a partir da década de um processo abrupto. Entretanto, se
1990, quando o país atravessou dura crise econômica relacionada à queda do bloco de um lado as rápidas mudanças no
soviético. Esse período foi marcado pela insegurança alimentar e pelo surgimento padrão produtivo cubano foram essen-
de doenças e epidemias na população. Foi nesse contexto que o governo cubano ciais para a emergência da agricultura
tomou a iniciativa de resgatar a agricultura tradicional nas cidades cubanas, princi- de base ecológica no país, por outro,
palmente em Havana, onde residia um quinto da população do país. trouxeram como contrapartida negati-
va a drástica diminuição das produções
Este artigo apresenta as principais estratégias adotadas em Cuba para o for-
no curto prazo.
talecimento da agricultura urbana e periurbana de base ecológica, bem como uma
breve caracterização dos sistemas produtivos desenvolvidos, ressaltando a sua im- Com o objetivo de dar respostas
portância para a construção de centros urbanos sustentáveis. ao desafio de recuperar a capacidade
de produção alimentar e alicerçar um
Caminhos para a construção da agricultura urbana padrão agrícola sustentável em Cuba,
o governo estabeleceu o Grupo Na-
ecológica em Cuba cional de Agricultura Urbana (Gnau),
O bloqueio econômico sofrido por Cuba impediu o país de importar os um espaço composto por pesquisado-
agroquímicos que até então eram largamente empregados. Nessas condições, a res e produtores que assumiu o papel
de elaborar estratégias produtivas calcadas nos princípios periurbanas é realizada a partir de visitas técnicas periódicas
da Agroecologia. de profissionais vinculados ao Gnau, abrangendo todo o ter-
ritório nacional. A criação de unidades demonstrativas utili-
Centros de pesquisa, capacitação e fomento foram cria-
zadas em cursos de formação e capacitações de agricultores
dos, com destaque para os Centros de Reprodução de Ento-
foi outra ação nesse campo. Práticas agrícolas relacionadas ao
mófagos e Entomopatógenos (Cree) e as Unidades Básicas
manejo ecológico do solo, ao controle biológico de pragas e
de Produção Cooperativa. Os primeiros são responsáveis
doenças, à recuperação de áreas degradadas, ao incremento
pela criação e distribuição dos agentes de controle biológi-
da biodiversidade, bem como ao redesenho das unidades pro-
co de pragas e doenças agrícolas, enquanto as últimas atuam
dutivas (saneamento ambiental, organização e integração dos
no recolhimento de material orgânico gerado nos sistemas subsistemas que compõe os agroecossistemas, permacultura,
urbanos para seu posterior processamento e redistribuição etc.), são abordadas de maneira periódica nos cursos de for-
na forma de compostos orgânicos aos agricultores urbanos mação e nas visitas técnicas aos produtores agrícolas.
e periurbanos. Essas iniciativas permitiram a eliminação do
uso dos agrotóxicos e das adubações químicas, contribuin- Verifica-se ainda que a educação os ensinos médio téc-
do assim para a produção de alimentos saudáveis à popula- nico, tecnológico e universitário tem favorecido a formação
ção. Ajudaram também a enfrentar a proliferação de sérios de profissionais capacitados para o trabalho com agricultura
problemas sanitários nas cidades, bem como a contaminação e pecuária ecológicas.
do lençol freático decorrentes do descarte de resíduos or-
gânicos sólidos. Além disso, muitas pessoas foram emprega- A mídia cubana também deu uma
das nas cooperativas, e as cidades passaram a contar com
estruturas responsáveis por encaminhar, sem muito dispêndio
contribuição significativa no que se
de energia, os subprodutos orgânicos oriundos de empresas, refere à construção de uma cons-
residências e indústrias ao setor agrícola. Segundo González
Novo e Merzthal (2007), Havana produziu e aplicou cerca de
ciência social, econômica e ecológi-
70 mil toneladas de composto orgânico no ano de 2000. Ob- ca entre os consumidores e produ-
serva-se, portanto, que tais iniciativas foram essenciais para o tores de alimentos.
desenvolvimento da agricultura urbana cubana, seja do ponto
de vista energético, ambiental ou socioeconômico.
Um dos resultados perceptíveis dessa nova consciên-
A elaboração de objetivos e metas anuais a serem alcan- cia é o papel determinante que vem sendo assumido pelas
çados pelas províncias e cidades, principalmente na área de organizações dos agricultores no que se refere às mudanças
extensão rural e educação agrícola, foi outra medida assumida nas estruturas de comercialização dos produtos agrícolas,
pelo Estado cubano. A assistência técnica nas áreas urbanas e até então dominadas por atravessadores que tornavam os
Considerações finais
A agricultura ecológica desenvolvida em Havana tem
contribuído com a sustentabilidade desse grande centro ur-
bano. Ela assumiu um importante papel no combate à fome
na década de 1990 e até os dias atuais tem sido primordial
para a segurança alimentar e nutricional das famílias cubanas.
Oferece produtos frescos e saudáveis à população por um
custo acessível, uma vez que as vendas são realizadas sem a
intermediação de atravessadores, além de não depender de
gastos com transporte a longas distâncias, já que a maioria das
Venda direta de produtos da horta orgânica em Havana hortas urbanas possui postos de venda na própria unidade
de produção. Salienta-se também a importância da agricul-
tura urbana como atividade geradora de ocupação e renda,
alimentos mais caros aos consumidores e diminuíam a renda que oferece oportunidades para mulheres, jovens e pessoas
dos agricultores. idosas, segmentos sociais que muitas vezes encontram dificul-
dades para conquistar trabalho. Além de apresentar aspectos
Caracterização da agricultura urbana positivos com relação à sustentabilidade energética, social e
em Cuba econômica, a agricultura urbana e periurbana de Cuba têm
contribuído com a sustentabilidade ambiental, uma vez que
A agricultura urbana de base ecológica desenvolvida em absorve os subprodutos (resíduos sólidos) gerados nos sub-
Cuba pode ser subdivida em dois grupos. De um lado, encon- sistemas das cidades e é responsável pela transformação da
tramos os sistemas produtivos organizados pela lógica da substi- paisagem urbana, antes repleta de poluição visual, trazendo
tuição de insumos químicos por orgânicos. Por outro, a agricul- mais conforto visual e térmico com os hortos florestais e
tura baseada em processos, caracterizada pela autossuficiência sistemas agroflorestais.
técnica das unidades produtivas proporcionada pela produção e
reciclagem dos insumos de que necessitam para produzir.
Paulo Rogério Lopes
As unidades do primeiro grupo buscam insumos de ori- biólogo, Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural,
gem orgânica para nutrir os cultivos e utilizam o controle doutorando em Ecologia Aplicada - ESALQ/USP
biológico clássico, fundado na soltura de inimigos naturais biocafelopes@bol.com.br
das pragas criados em laboratórios especializados, também
conhecidos como biofábricas. Mesmo com total dependên- Keila Cássia Santos Araújo Lopes
cia de insumos externos, essas unidades produtivas possuem geógrafa, mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
níveis satisfatórios de sustentabilidade, se considerarmos os keilacaraujo@hotmail.com
centros urbanos como grandes organismos. Em outras palavras,
as unidades produtivas urbanas figurariam como subsistemas
organicamente integrados às cidades, sendo alimentados pe- Agradecimentos:
los demais subsistemas urbanos com pó de serragem das in- Gostaríamos de agradecer aos agricultores urbanos
dústrias de móveis, com folhas e galhos oriundos dos jardins e periurbanos de Cuba que gentilmente nos concederam a
e praças públicas, com adubos orgânicos das cooperativas de oportunidade de entrevistá-los e nos apresentaram os seus
compostagem, com agentes de controle biológico produzidos sistemas de produção de base ecológica. Agradecemos os
nas biofábricas, etc. pesquisadores José Antônio Bravo e Yosniel Peña, pertencen-
Já a agricultura de processos não depende desse vínculo tes ao Instituto Cubano de Investigações Agroflorestais, que
estrutural com os demais subsistemas para se reproduzir tec- nos concederam entrevistas sobre a agricultura urbana e pe-
nicamente. Ela pode ser encontrada principalmente nas áreas riurbana de Cuba. E à ESALQ/USP, Piracicaba/SP, que contri-
periféricas da cidade (áreas periurbanas), alcançando níveis buiu efetivamente com a viagem a Cuba.
satisfatórios de resiliência, produtividade, confiabilidade e au-
tossuficiência graças ao redesenho realizado dentro e no en-
torno dos agroecossistemas. O incremento da biodiversidade Referências bibliográficas:
é sem dúvida o principal fator responsável pela estabilidade
ecológica e produtiva alcançada nessas unidades de produção. GONZÁLES NOVO, M.; MERZTHAL, G.Y. Agricultura urbana
Mas também a arborização das ruas e os hortos florestais, orgânica: um esforço real em Havana. Revista de Agri-
encontrados ao redor desses agroecossistemas, têm contri- cultura Urbana. RUAF (Centro de Recursos para a Agri-
buído muito com os processos ecológicos desenvolvidos nos cultura e Silvicultura Urbanas). América Latina e Caribe.
campos produtivos, uma vez que funcionam como abrigo e 2007. p. 4.
Quinta da Videira,
a casa como espaço de viver
Claudio Oliver e Eduardo Feniman
A
Quinta da Videira é uma te de cafeterias da região. Por ser um descobrem possibilidades, capacidades
iniciativa desenvolvida material levemente ácido, a borra adi- e resultados semelhantes. O objetivo
na cidade de Curitiba cionada ao esterco em decomposição esperado pelo grupo de agentes da
(PR) que busca expandir as possibili- impede a formação de amônia, com- Quinta é o de que, ao deixar o local,
dades da agricultura e da pecuária ur- posto nitrogenado que é o principal qualquer pessoa possa ter a sensação
banas. Suas práticas estão voltadas a responsável pelos odores indesejáveis. de que poderia fazer ainda melhor do
transformar poluentes potenciais em Já para reduzir as moscas, adaptou-se que ali é feito e com a esperança de que
nutrientes por meio da reinserção dos uma tecnologia utilizada originalmente é viável realizar as práticas que sempre
mesmos nos ciclos vitais, regenerando para o controle de moscas tsé-tsé na permitiram o sustento no meio urbano.
o solo e o espaço urbano. Ao mesmo África chamada de carniça artificial. No
tempo, as ações visam promover a so- modelo adaptado, são utilizadas duas
Claudio Oliver
berania alimentar e a integração das fa- garrafas tipo PET cheias de iscas feitas
professor do Curso de Gestão
mílias agricultoras envolvidas. de sangue dos animais abatidos na pro-
Ambiental da Faculdade Evangélica
priedade. Além disso, a parte inferior
Em uma área de cerca de 300 m2, do Paraná, coordenadorda
dos recipientes é pintada de preto, ge-
manejam-se dejetos e rejeitos orgâni- Quinta da Videira
rando atração visual para as moscas. As
cos por meio da produção integrada de claudiofoliver@gmail.com
armadilhas demonstraram eficiência de
olericultura e criação animal (4 cabras,
85% na redução de insetos em relação
28 galinhas, 30 coelhos, 7 porquinhos- Eduardo Feniman
ao que se tinha antes de sua colocação.
da-índia e minhocas). Os criatórios mestrando do Programa Desenvolvi-
funcionam como unidades de proces- Longe de ser ou pretender ser um mento e Meio Ambiente da UFPR e
samento de resíduos, ou seja, têm a modelo, a Quinta da Videira tem sido residente da Quinta da Videira
função prioritária de produzir esterco uma inspiração a outros atores que edufeniman@gmail.com
para compostagem visando a adubação
da horta. Mas a produção animal gera
outros benefícios, uma vez que assegu-
ra 100% do leite e dos ovos, além de
80% da carne consumida mensalmente
Foto: acervo pessoal dos autores
ACESSE: www.aspta.org.br/agriculturas
EXPERIÊNCIAS EM AGROECOLOGIA
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