Produção Da Notícia - Teorias Do Jornalismo
Produção Da Notícia - Teorias Do Jornalismo
Produção Da Notícia - Teorias Do Jornalismo
145
Capítulo 6
As teorias do jornalismo
Qual o papel dos jornalistas na produção das notícias? Por que as notícias são
como são? Afinal, qual o papel do jornalismo na sociedade – um campo aberto
que todos os agentes sociais podem mobilizar para as suas estratégias
comunicacionais ou um campo fechado a serviço do status-quo?
Estas questões foram objeto de diversos estudos sobre o jornalismo, que teve
o mérito de produzir uma vasta literatura constituída por milhares de livros e
artigos que ocupariam inúmeras estantes em qualquer biblioteca. O estudo do
jornalismo constitui um campo científico com já longas tradições que predatam
a criação de curso de Mestrado e Doutorado nos anos 30 do século XX nos
Estados Unidos.
145-146
Por que as notícias são como são? Seria errôneo querer sugerir que o estudo
desenvolvido ao longo do século XX até hoje fornece uma resposta cabal. As
décadas de investigação acadêmica testemunham a sabedoria da socióloga
norte-americana Gaye Tuchman quando escreveu que, embora o propósito de
fornecer relatos dos acontecimentos julgados significativos e interessantes
pareça ser claro, esse objetivo é, como outros fenômenos simples,
inextricavelmente complexo.
146
Ao longo de várias décadas, e depois de muitos estudos realizados sobre o
jornalismo, é possível esboçar a existência de várias teorias que tentam
responder à pergunta porque as notícias são como são, reconhecendo o fato
de que a utilização do termo “teoria” é discutível, porque pode também
significar aqui somente a explicação interessante e plausível, e não um
conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições. De notar,
também, que estas teorias não se excluem mutuamente, ou seja, não são
puras ou necessariamente independentes umas das outras.
A teoria do espelho
Toda profissão é sobrecarregada de imagens, mas talvez outra não seja tão
rodeada de mitos como a do jornalismo. De fato, o poder mítico tem envolvido
a profissão de jornalismo de tal maneira que muitas vezes os jornalistas são
apresentados como os Davis da sociedade matando os Golias – uma forma
não menos poética de conceber o jornalismo como um contra-poder, com é
explicitamente conceituado pelos teóricos da democracia, e o seu produto
apresentado como sendo uma transmissão não expurgada da realidade, um
espelho.
A primeira “teoria’ oferecida para explicar porque as notícias são com são é a
teoria oferecida pela própria ideologia profissional dos jornalistas (pelo menos
nos países ocidentais). É a teoria mais antiga e responde que as notícias são
como são porque a realidade assim as determina.
147
Central à teoria é a noção-chave de que o jornalista é um comunicador
desinsteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a
defender e que os desviam da sua missão de informar, procurar a verdade,
contar o que acontecer, doa a quem doer.
147-148
Primeiro, como já tivemos a oportunidade de ver, surge em meados do século
XIX com um novo jornalismo – o jornalismo de informação – a idéia chave da
separação entre “fatos” e “opiniões”. Em 1856, o correspondente em
Washington da agência noticiosa Associate Press pronunciou que seu trabalho
ia ser a Bíblia desta nova tradição jornalística. (...) Aliás, as agências de
notícias foram as defensoras mais ardentes desse novo jornalismo e seu
desenvolvimento teve lugar na França (Havas), Estados Unidos (Associate
Press), na Inglaterra (Reuters), e na Alemanha (Wolfe). (...). Como escreve
Anthony Smith (1980), é no século XIX, numa época em que o positivismo é
reinante, que todo o esforço intelectual, tanto na ciência como na filosofia,
como ainda na sociologia e em outras disciplinas, ambicionava imitar esse
novo invento – a máquina fotográfica – que parecia ser espelho, há muito
preocupado, capaz de reproduzir o mundo real.
148
O segundo momento histórico tem lugar no século XX com o surgimento do
conceito de objetividade nos anos 20 e 30 nos Estados Unidos. Embora o
conceito de objetividade seja hoje visto erradamente como a negação da
subjetividade e um reforço da fé nos fatos, Michael Schudson explica que o
ideal da objetividade não foi a expressão final de uma convicção nos fatos mas
a afirmação de um método concebido em função de um mundo no qual mesmo
os fatos não eram merecedores da confiança devido ao surgimento de uma
nova profissão, Relações Públicas, e a tremenda eficácia da propaganda
verificada na Primeira Guerra Mundial.
149
A ideologia jornalística defende uma relação epistemológica com a realidade
que impede quaisquer transgressões de uma fronteira indubitável entre
realidade e ficção, havendo sanções graves impostas pela comunidade
profissional a qualquer membro que viole essa fronteira. O ethos dominante, os
valores e as normas identificadas com um papel de árbitro, os procedimentos
identificados com o profissionalismo, faz com que dificilmente os membros
dessa comunidade jornalística aceitem qualquer ataque à teoria do espelho
porque a legitimidade e a credibilidade dos jornalista estão assentes na crença
social de que as notícias refletem a realidade, que os jornalistas são imparciais
devido ao respeito às normas profissionais e asseguram o trabalho de recolher
a informação e de relatar os fatos, sendo simples mediadores que
“reproduzem” o acontecimento na notícia.
149
Teoria da ação pessoal ou a teoria do “gatekeeper”
Na literatura acadêmica sobre o jornalismo, a primeira teoria que surgiu foi a
teoria do gatekeeper avançado nos anos 1950 por David Manning Withe, White
foi o primeiro a aplicar o conceito ao jornalismo, originando assim uma das
tradições mais persistentes e prolíferas na pesquisa sobre as notícias.
150
O termo gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa
seqüência de decisões; foi introduzida pelo psicólogo social Kurt Lewin num
artigo, publicado em 1947, sobre as decisões domésticas relativas à aquisição
de alimentos para a casa.
150-151
Escreve White (1950/1993:145): “(...). Nesse caso particular [Mr. Gate], os 56
enunciados apresentados poder ser divididos em duas categorias principais: 1)
rejeição do incidente devido à sua pouca importância, e 2) seleção a partir de
muitos relatos do mesmo acontecimento.
151
Acrescenta White [147]: “É interessante observar que quanto mais tarde no dia
chegaram as notícias, maior era a proporção da anotação ‘sem espaço’, ou
‘serviria’”.
151-152
Num estudo sobre 16 jornalistas com as mesmas responsabilidades que Mr.
Gates, Gieber (1956) refuta as conclusões de Withe. Gieber concluiu que o
fator predominante sobre o trabalho jornalístico era o peso da estrutura
burocrática da organização e não as avaliações pessoais do jornalista que,
segundo, Gieber, “raramente” entravam no processo de seleção. Noutro artigo,
Gieber (1964) escreve que as notícias só podem ser compreendidas se houver
uma compreensão das “forças sociais” que influenciam a sua produção.
152
A teoria organizacional
Foi precisamente numa revista com o nome “Forças Sociais” que Warren Breed
publicou o primeiro estudo que avançou em uma nova teoria – a teoria
organizacional.
Esta teoria alarga a perspectiva teórica – do âmbito individual a um nível mais
vasto, a organização jornalística. No seu estudo, igualmente um clássico dos
estudos do jornalismo, intitulado Controle social da redação: uma análise
funcional, Breed insere o jornalista no seu contexto mais imediato, a
organização para a qual trabalha.
Breed sublinha a importância dos constrangimentos organizacionais sobre a
atividade profissional do jornalista e considera que o jornalista se conforma
mais com as normas editoriais da política editorial da organização do que
quaisquer crenças pessoais que ele ou ela tivesse trazido consigo.
O sociólogo norte-americano escreve que jornalista acaba por ser “socializado”
na política editorial da organização através de uma sucessão sutil de
recompensa e punição.
153
Breed sublinha que os pontos de vista da direção da empresa jornalística
chegam a controlar o trabalho do jornalista au fils du temps (“ao longo do
tempo”), sobretudo por um processo de osmose ... (...). “...Aprende a antever
aquilo que se espera dele, a fim de obter recompensas e evitar penalidades”
153-154
1. A autoridade institucional e as sanções – Para Breed, é verdadeiro o fato
de os jornalistas ainda recearem as punições. (...). é um dos tipos de punições
que Breed menciona, a atribuição de tarefas: a chefia tem o poder de decidir
quem irá fazer a cobertura de que acontecimentos e nem todos os
acontecimentos são encarados da mesma forma, havendo tarefas que a
maioria dos jornalistas considera mais interessantes e outras menos
agradáveis. Outros tipos de punições identificados por Breed são: 1) as
alterações das peças, por exemplo a reescrita do texto ou a introdução de
cortes no trabalho elaborado pelo jornalista; 2) a colocação da peça no produto
jornalístico, havendo um consenso jornalístico que é melhor ter uma peça na
primeira página do que nas páginas interiores; 3) a assinatura ou não
assinatura da peça, havendo aqui consenso entre os membros da tribo
jornalística que a publicação do nome do jornalista é sempre desejável.
154
2. Os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores –
Breed sublinha que, com o tempo, podem ser criados laços de amizade. Assim,
o jornalisa pode sentir sentimentos de obrigação para com a empresa. Pode
ainda sentir respeito, admiração e agradecimentos para com jornalistas mais
experientes que o tenham ensinado.
154-155
5. O prazer da atividade – Breed escreve que os jornalistas gostam do seu
trabalho; as tarefas são interessantes e existe um ambiente de cooperação na
sala de redação. (...) Breed menciona diversas gratificações não financeiras
que os jornalistas têm, nomeadamente a variedade de experiências; o
testemunho pessoal de acontecimentos significantes e interessantes; ser o
primeiro a saber; obter “informações secretas” negadas a leigos; conhecer e
conviver com pessoas notáveis e célebres.
155
6. A notícia como valor – As notícias são um valor máximo; o seu trabalho é
um trabalho de 24 horas; as notícias são um desafio constante. Assim, o
jornalista investe na realização desse objetivo: obter as notícias e não contestar
a política editorial da empresa. É preciso ir em busca de notícias; é preciso
vencer a hora do fechamento; assim a harmonia entre os jornalistas e a direção
é cimentada pelos interesses comuns pela notícia.
155-156
Breed reconhece que um determinismo, ou melhor dito, um “ditatorialismo”
organizacional seria de difícil implementação, devido à natureza do trabalho
jornalístico e a um mínimo de autonomia profissional que ela exige. Ainda mais:
qualquer tentativa de obrigar o jornalista a seguir uma dada política constituiria
um tabu ético e uma clara afronta a um dos pilares da legitimidade profissional,
a independência do jornalista.
156
Breed aponta cinco fatores dentro da área de influência do jornalista que o
ajudam a iludir o controle da empresa:
1) as normas da política editorial nem sempre são completamente claras,
uma vez que muitas são vagas e não estruturadas;
2) os diretores pode ignorar certos fatos específicos e os jornalistas
empregados, que têm o trabalho de andar a pé e de telefonar, para obter
notícias, podem utilizar os seus melhores conhecimentos na subversão da
política editorial. Tendo por base tanto crenças pessoais como os códigos
profissionais, o jornalista empregado tema opção de seleção em muitos
momentos. Pode decidir quem entrevistar e quem ignorar, que perguntas fazer,
que citações anotar, e ao escrever o artigo, que itens realçar, quais a enterrar
e, de um modo geral, que tom dar aos vários elementos possíveis da notícia.
3) Além da tática da “pressão”, explorando a ignorância dos executivos de
certos fatos minúsculos, os jornalistas-empregados podem utilizar a táctica da
“prova-forjada”. Embora a política editorial de um jornal possa entender não
dar destaque a um determinado assunto, um jornalista empregado que obtenha
uma boa estória sobre esse assunto pode “publicá-la” num outro jornal através
de um jornalista amigo e apresentá-lo a seu próprio editor, alegando que a
matéria se tornou demasiado importante para ignorar.
156-157
4) Em relação a certo tipo de “estórias”, o jornalista tem maior autonomia,
nomeadamente: a) no beat story – quer dizer, na sua ronda habitual. (...) b) a
‘estória’ iniciada pelo próprio jornalista.
157
5) O “estatuto” do jornalista – Os jornalistas-empregados com um “estatuto”
de “estrela” podem mais facilmente transgredir a política editorial.
Estes cinco fatores, segundo Breed, indicam que, sob certas condições, os
controles que levam ao conformismo com a política editorial da empresa
jornalística podem ser ultrapassados.
158
Segundo a teoria organizacional, o trabalho jornalístico é influenciado pelos
meios de que a organização dispõe. Assim, esta teoria aponta para a
importância do fator econômico na atividade jornalística. Aliás, como iremos ter
a oportunidade de sublinhar na apresentação de uma das vertentes da teoria
da ação política, o fator econômico é determinante na resposta dada à
pergunta porque as notícias são como são.
158-159
O jornalismo também é um negócio. (...). Temos aqui o problema do
sensacionalismo no jornalismo, acentuado ainda mais pela lógica da
concorrência. A procura pelo lucro poderá levar a empresa jornalística à
crescente utilização de critérios econômicos, nomeadamente o recurso às
técnicas de marketing. Aqui a lógica é vender brinquedos, vídeos,
enciclopédias, etc,. e não informação.
159
O jornalismo tem custos, a começar pela contratação de jornalistas e pelos
vencimentos oferecidos a eles. (...)
160
A dimensão econômica enfatiza a percepção da notícia como um produto que
deve ser inserido na relação existente entre o produtor e o cliente e satisfazer
as exigências do mercado.
160-161
Dentro da teoria organizacional, alguns acadêmicos investigam as variáveis
que podem intervir no funcionamento da empresa. Nesta linha de pesquisa,
foram identificados como importantes os seguintes fatores: 1) o papel do diretor
no funcionamento da empresa, distinguindo a diferença entre diretores ativos e
passivos; 2) Outro fator é o tamanho da empresa. O tamanho da empresa
influencia: a) o grau de especialização dos jornalistas – havendo mais
especialização nas grandes empresas; b) a dinâmica comunicacional dentro da
empresa – havendo menos comunicação interativa nas grandes empresas; c) o
grau de autonomia do jornalista – havendo mais autonomia nas pequenas
empresas, porque há diferentes estruturas de autoridade. Nas pequenas
empresas, a estrutura é mais flexível, enquanto nas grandes empresas as
estruturas de controle são mais formais e centralizadas.
161
As teorias de ação política
... como escreve Gaye Tuchman (1991), a nova fase dos estudos noticiosos
alargou o âmbito das suas preocupações do nível do indivíduo, ao nível da
organização, ao nível da comunidade profissional. Na nova fase de
investigação, a relação entre o jornalismo e a sociedade conquista uma
dimensão central: o estudo do jornalismo debruça-se sobre as implicações
políticas e sociais da atividade jornalística, o papel das notícias, e a capacidade
do Quarto Poder em corresponder às enormes expectativas em si depositadas
pela própria teoria democrática.
162
A própria teoria democrática influencia fortemente a definição social da postura
profissional dos profissionais do Quarto Poder. A objetividade, ou o que se
aceita como seu oposto, a parcialidade, são conceitos que a maioria dos
cidadãos associa ao papel do jornalismo e que são consagradas pelas leis que
estabelecem as balizas dos comportamento dos órgãos de comunicação social,
em particular o setor público.
163
Assim, nas teorias da ação política, os media noticiosos são vistos de uma
forma instrumentalistas, isto é, servem objetivamente certos interesses
políticos: na versão da esquerda, os media noticiosos são vistos como
instrumentos que ajudam a manter o sistema capitalista; na versão de direita,
servem como instrumentos que põem em causa o capitalismo. Seja da
esquerda ou de direita, estas teorias desvendem a posição de que as notícias
são distorções sistemáticas que servem os interesses políticos de certos
agentes sociais bem específicos que utilizam as notícias na projeção da sua
visão do mundo, da sociedade, etc.
164
Nesta versão, a teoria atribui aos jornalistas um papel ativo, sendo aqui o bode
expiatório dos males do produto jornalístico. Numa análise destes autores,
Robert Hackett sublinha que alguns dos pressupostos desta versão da teoria
são: a) os jornalistas detêm o controle pessoal sobre o produto jornalístico; b)
os jornalistas estão dispostos a injetar as suas preferências políticas no
conteúdo noticioso; c) os jornalistas enquanto indivíduos têm valores políticos
coerentes e, a longo prazo, estáveis. Nesta versão da teoria, os valores
coletivos dos jornalistas são considerados substancialmente diferentes dos da
população em geral.
164-165
No seu estudo sobre os media norte-americanos, Herman e Chomsky
defendem a posição de que os media reforçam o pontos de vista do
establishment (poder instituído) devido ao poder dos donos dos grandes meios
de comunicação social e dos anunciantes.
165
Os autores sublinham os seguintes pontos: a) o papel determinante dos
proprietários dos media e a ligação estreita entre a classe capitalista, as elites
dirigentes e os produtores mediáticos; b) a existência de um acordo entre
personalidades da classe dominante e produtores mediáticos; c) a total
concordância entre o produto midiático e os interesses dos proprietários e das
elites.
165-166
Para Herman e Chomsky, cinco fatores explicam a submissão do jornalismo
aos interesses do sistema capitalista. Os cinco fatores são: 1) a estrutura da
propriedade dos media; 2) a sua natureza capitalista, isto é, a procura do lucro
e a importância da publicidade; 3) a dependência dos jornalistas nas suas
fontes governamentais e das fontes do mundo empresarial; 4) as ações
punitivas dos poderosos; e 5) a ideologia anti-comunista dominante na
comunidade jornalística norte-americana.
166
A teoria de Herman e Chomsky avança uma chamada propaganda framework
(“modelo de propaganda”). Para os autores, toda a vastidão da cobertura dum
acontecimento particular nos vários meios de comunicação social é tratada
como uma campanha de publicidade maciça.
167
A “propaganda framework” sugere a seguinte hipótese: quando surgem
situações em que podem ser ‘marcados pontos contra os inimigos’ ou idéias
ameaçadoras, os media são freqüentemente ativos em ‘campanhas
publicitárias’ de grande intensidade e paixão. Pelo contrário, quando
acontecimentos muito semelhantes ocorrem em países amigos, os media
mostrarão interesse pelas circunstâncias especiais envolvidas e prosseguirão
uma política de negligência benigna.
167-168
Elaborada antes da queda do muro de Berlim e baseado em estudos de caso
limitados exclusivamente a questões de política internacional, levantam-se
questões quanto a sua capacidade explicativa no que diz respeito a assuntos
domésticos onde a “elite econômica” pode estar mais suscetível a divisões.
Igualmente há questões metodológicas quando à capacidade da metodologia
utilizada – a análise de conteúdo – para explicar as intenções dos produtores
ou avaliar os processos de produção. Mas o problema central com o modelo
proposto por Herman e Chomsky é sua visão altamente determinista do
funcionamento do campo jornalístico em que os jornalistas ou colaboram na
utilização instrumentalista dos media noticiosos ou são totalmente submissos
aos desígnos dos interesses dos proprietários. Assim, a versão da esquerda da
teoria da ação política ignora: 1) que os donos se encontram raramente com os
diretores em muitas empresas jornalísticas; 2) que a maioria dos jornalistas não
faz idéia de quem se senta no conselho de administração das instituições para
que trabalha; e 3) que os jornalistas têm um grau de autonomia e afirmam
freqüentemente a sua própria iniciativa na definição do que é notícia,
nomeadamente nos trabalhos de reportagem e jornalismo de investigação, e,
às vezes, incomodam a elite e põem em causa os interesses do poder
instituído e do poder econômico.
168
As teorias construcionistas
168-169
O filão da investigação que concebe as notícias como construção rejeita as
notícias como espelho por diversas razões. Em primeiro lugar, argumenta que
é impossível estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os media
noticiosos que devem “refletir” essa realidade, porque as notícias ajudam a
construir a própria realidade. Em segundo lugar, defende a posição de que a
própria linguagem não pode funcionar como transmissora direta do significado
inerente aos acontecimentos, porque a linguagem é neutral é inerente. Em
terceiro lugar, é a opinião de que os media noticiosos estruturam
inevitavelmente a sua representação dos acontecimentos, devido a diversos
fatores, incluindo os aspectos organizativos do trabalho jornalístico, as
limitações orçamentais, a própria maneira como a rede noticiosa é coloca para
responder à imprevisibilidade dos acontecimentos.
169
Assim, não é de estranhar que o paradigma das notícias como construção não
só considere o conceito de distorção como inadequado e pouco frutífero, como
sobretudo discorde radicalmente da perspectiva das teorias que defendem que
as atitudes políticas dos jornalistas são um fator determinante no processo de
produção das notícias.
O paradigma das notícias como construção não implica que as notícias seja
ficção. Schudson (1982/1993:208) escreve que as notícias não são ficcionais,
mas sim convencionais.
169
No entanto, os profissionais do campo jornalístico resistem ao paradigma das
notícias como construção, apesar do fato já sublinhado, de fazerem
freqüentemente referência às notícias na sua gíria profissional, como estórias.
170
Contudo, esta resistência ao conceito de construção é mais bem compreendida
sob o brilho dos princípios fundamentais da ideologia profissional dos
jornalistas. Sobre este ponto, Stuart Hall (1984:4) escreve: “Os jornalistas
dizem: ‘há um acontecimento; que quer dizer alguma coisa. Quem quer que lá
esteja perceberá o que é que significa. Tiramos-lhe fotografias. Escrevemos um
relato sobre ele. Transmitimo-lo tão autenticamente quanto possível através
dos media, e a audiência vê-lo-á e perceberá o que aconteceu’. E desse
acontecimento, que qualquer acontecimento pode ser construído das mais
diversas maneiras e que se pode fazê-lo significar as coisas de um modo
diferente, esta afirmação de algum modo ataca ou mina o sentido de
legitimidade profissional dos jornalistas, e estes resistem bastante a noção de
que a notícia não é um relato mas uma construção.
170-171
A conceitualização das notícias como estórias dá relevo à importância de
compreender a dimensão cultural das notícias. Para o sociólogo norte-
americano Michael Schudson, as notícias são produzidas por “pessoas que
operam, inconscientemente, num sistema cultural, um depósito de significados
culturais armazenados e de padrões de discursos” (1995:14). Schudson
acrescenta: “as notícias como uma forma de cultura incorporam suposições
acerca do que importa, do que faz sentido, em que tempo e em que lugar
vivemos, qual a extensão de considerações que devemos tomar seriamente em
consideração”.
171
A importância da dimensão cultural das notícias tem sido previamente
sublinhada por outros autores. Coly (1975) utiliza o termo gramática cultural
para referir as regras da construção narrativa. Fazendo referência à produção
social das notícias, Hall et. al. (1978/1993:226) sublinham a importância dos
mapas de significado: “As coisas são noticiáveis porque elas representam a
volubilidade, a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo. Mas não
se deve permitir que tais acontecimentos permaneçam no limbo do aleatório –
devem ser trazidos aos horizontes do ‘significativo’. Este trazer de
acontecimentos invulgares e inesperados para os ‘mapas de significado’ que já
constituem a base do nosso conhecimento cultural, no qual o mundo social já
está ‘traçado’. A identificação social, classificação e contextualização de
acontecimentos noticiosos em termos destes quadros de referência de fundo
constitui o processo fundamental através do qual os media tornam o mundo a
que fazem referência inteligível a leitores e espectadores.”
171-172
O avanço notável do estudo do jornalismo na década de 70 está relacionado
diretamente com as inovações metodológicas que contribuíram de forma
decisiva para a riqueza da investigação. Os acadêmicos, seguindo o exemplo
dos antropólogos em terras distantes com uma abordagem etnometodológica,
foram aos locais de produção, permaneceram durante longos períodos de
tempo, observaram os membros da comunidade jornalística com o intuito de
“entrar na pele” das pessoas observadas e compreender a atitude do nativo.
172
Segundo Schlesinger, a abordagem etnometodológica, ao contrário de outras
abordagens que focam o produto jornalístico, permite uma observação
teoricamente mais informada sobre as ideologias e as práticas profissionais
dos produtores das notícias, porque pode tornar possível a observação de
momentos de crise ....
172-173
Em terceiro lugar, serve como corretivo às teorias instrumentalistas que surgem
com uma nova força nas décadas dos anos 70 e 80 e que contribuíram de
forma significativa para a crescente onda de crítica dos media e do jornalismo
que continua ainda hoje de vento em popa. Nas teorias instrumentalistas há
duas suposições: 1) o processo de produção das notícias envolve uma
conspiração entre agentes sociais e 2) a intenção consciente de distorção é
crucial na elaboração das notícias. Ao sublinhar a importância das rotinas
profissionais que os jornalistas criaram com o objetivo de apenas levar a cabo
o seu trabalho quotidiano a tempo e horas, as teorias construcionaistas do
jornalismo questionam as teorias de ação política e todas as análises que
apontam para uma distorção intencional das notícias.
173
A partir dos anos 60 e 70, marcados por novas interrogações e por inovações
metodológicas, emergem duas teorias que partilham o novo paradigma das
notícias como construção social – as teorias estruturalistas e interacionista.
São sobretudo complementares, mas divergem nalguns pontos importantes.
173-174
Ambas sublinham a importância da cultura jornalística, nomeadamente a
estrutura dos valores-notícia dos jornalistas, a ideologia dos membros da
comunidade, e as rotinas e procedimentos que os profissionais utilizam para
levar a cabo o seu trabalho. Assim, ambas rejeitam categoricamente uma visão
instrumentalista das notícias, classificada como uma teoria conspiratória (hall,
et. all. 1978) porque reconhecem que os membros da comunidade jornalística
exercem um grau de autonomia. Assim, ambas contestam a visão de que os
jornalistas são observadores passivos e defendem a posição de que, ao
contrário, são de fato participantes ativos na construção da realidade.
174
Sendo uma construção, ambas as teorias reconhecem que as notícias são
narrativas, ‘estórias’, marcadas pela cultura dos membros da tribo e pela
cultura da sociedade onde estão inseridos, sendo necessário mobilizar todo um
saber de narração (Ericson, et. al. 1987) que pressupõe a aprendizagem da
linguagem jornalística, ou na expressão de E. Barabar Philips, o jornalês e o
domínio de todo um inventário de discurso (Hall, 1984).
Como escreve Robert Karl Manoff (1986), a escolha da narrativa feita pelo
jornalista não é inteiramente livre. Essa escolha é orientada pela aparência que
a “realidade” assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a sua
percepção e fornecem o repertório formal para a apresentação dos
acontecimentos, pelas instituições e rotinas. Segundo Wolfsfeld (1991: 18), os
acontecimentos propriamente ditos oferecem freqüentemente um ponto de
partida para a construção de enquadramentos mediáticos, apesar das
discordâncias acerca do que “realmente” aconteceu.
174-175
Enquanto a teoria organizacional ignora os processos de interação social que
ocorrem para além da empresa, ambas teorias não só sublinham a importância
da identidade das fontes de informação, mas refletem sobre as conseqüências
sociais que resultam dos processos e procedimentos utilizados pelos
jornalistas. Para as suas teorias, a conexão entre jornalistas e fontes faz das
notícias uma ferramenta importante do governo e das autoridades
estabelecidas (Schudson, 1989) e as notícias tendem a apoiar as
interpretações oficiosas dos acontecimentos. Sobre esse ponto crucial, no
entanto há uma divergência fulcral que será apresentada mais adiante.