Lilian Nasser - Anais Do 1º Seminário Internacional (Pag 1 À 27)
Lilian Nasser - Anais Do 1º Seminário Internacional (Pag 1 À 27)
Lilian Nasser - Anais Do 1º Seminário Internacional (Pag 1 À 27)
10 SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO
RIO DE JANEIRO
28 a 30/07/93
Gérard Vergnaud
A teoria dos campos conceituais é uma teoria cognitivista, que busca propiciar uma
estrutura coerente e alguns princípios básicos ao estudo do desenvolvimento e da
aprendizagem das competências complexas, sobretudo as que dependem da ciência e da
técnica. Por fornecer uma estrutura à aprendizagem, ela envolve a didática, embora não
seja, em si uma teoria didática. Sua principal finalidade é propor uma estrutura que
ermita compreender as filiações e rupturas entre conhecimentos, em crianças e
adolescentes, entendendo-se por "conhecimentos", tanto as habilidades quanto as
informações expressas. As idéias de filiação e ruptura também alcançam as
aprendizagens do adulto, mas estas ocorrem sob condições mais ligadas aos hábitos e
ormas de pensamento adquiridas, do que ao desenvolvimento da estrutura fisica. Os
efeitos da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo ocorrem, na criança e no
adolescente, sempre em conjunto.
CONCEITOS E ESQUEMAS
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10 Seminário Internacional de Educação Matemática
Podem-se distinguir:
----
--------~----~----~----
IM/UFRJ
Percebe-se também com esses exemplos que os algorítmos são esquemas, ou ainda
e os esquemas são objetos do mesmo tipo lógico que os algoritmos. Falta-lhes ) .çf----
entualmente efetividade, ou seja, a capacidade de chegar a bom termo após um
número finito de passos. Os esquemas são, em geral, eficazes, mas nem sempre efetivos. }
Quando a criança utiliza um esquema ineficaz para determinada situação, a experiência a
eva, seja a mudar de esquema, seja a modificar o esquema. Podemos dizer, como Piaget,
e os esquemas estão no centro do processo de adaptação das estruturas cognitivas:
assimilação e acomodação.
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Explicitar tais regras é dificil, quase impossível, para as crianças, mesmo que sejam
capazes de executar a série das operações. Sempre há muito de implícito nos esquemas.
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quinta série teve que comparar o volume de um objeto sólido cheio, com o de um
recipiente (situação nova para eles). O primeiro esquema mobilizado foi o da
comparação das alturas, como se se tratasse de comparar a quantidade de suco de laranja
em dois jarros de mesmo formato. Essa ação de comparar os níveis não leva a qualquer
conclusão. O segundo esquema observado foi o da imersão (parcial) do objeto cheio no
recipiente. Evidentemente, como o recipiente também estava cheio, a água transbordou.
A conclusão do aluno foi de que o objeto cheio era maior! Só depois, com a aplicação de
outras ações, mais operatórias, chegou-se a um procedimento verdadeiramente
"decisório", que possibilitou a solução. Diversos esquemas, aparentados mas não
pertinentes, tinham sido tentados antes que surgisse a solução.
Um esquema também pode, todavia, ser aplicado por um sujeito individual a uma
se mais ampla. Ele se toma, então, imperfeito, e o sujeito deve restringir-lhe o
cance, decompondo-o em elementos distintos suscetíveis de ser recompostos de forma
. ersa para as diferentes subclasses de situações, eventualmente acrescentando
ementos cognitivos suplementares. Notam-se aí procedimentos de restrição e de
A modação. Se, por exemplo, é preciso contar várias centenas de elementos de um
njunto, o esquema de enumeração deve ser enriquecido por procedimentos de
reagrupamento, enumerações parciais, adições; ou, como no exemplo da álgebra, se os
ores de ª, h e ç fogem às condições vistas anteriormente (ç - h negativo, por
emplo), a solução de equações do tipo ax + b = c vai exigir importantes adaptações do
ema inicial.
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1° Seminário Internacional de Educação Matemática
.obedecem a esquemas, sobretudo entre alunos que dominam tais situações. Para os
outros alunos, trata-se de resolver o problema, pois as situações em jogo ainda não são
triviais para eles. Os procedimentos heuristicos são, todavia, esquemas. Não efetivos,
como os algoritmos, e nem sempre eficazes.
1° EXEMPLO
Entre 5 e 7 anos, as crianças descobrem que não é preciso recontar o todo para
achar o cardinal de A u B, se; A e B já foram contados. Este conhecimento pode ser
expresso por um teorema-em-ação:
2° EXEMPLO
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Tais conceitos raramente são explicitados pelos alunos, mesmo quando são
construídos por eles na ação. Trata-se de conceitos-em-ação, ou categorias-em-ação. O
tipo lógico dos conceitos-em-ação difere do tipo lógico dos teoremas-em-ação. Eles são
funções proposicionais. A relação entre funções proposicionais e proposições é uma
relação dialética: não há proposição sem funções proposicionais, nem função
proposicional sem proposições. Do mesmo modo, conceitos-em-ação e teoremas-em-
ação se constróem em estreita interação.
Pode-se, pois, escrever como P(x) a função proposicional "... é azul"; R2(x, y) a
re Iaçao ... esta' a ditreita
-" à . d e...; "R 3( X, y, z ) a re Iaçao
-", ... esta entre ... e ... "I, ou a er. d e
composição "a soma de ... e ...é ... ".
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.
Isto é o que leva a considerar um conceito. como uma trinca de conjuntos:
C = (S, I, Y)
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CAMPOS CONCEITUAIS
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Tais conceitos não estão sozinhos. Eles não teriam alcance, se suas funções não
lhes fossem dadas, no tratamento das situações, por teoremas verdadeiros:
f(nx) = nf(x)
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A u B = A n B x = complemento de X
AnB = A u B
Este último não é trivial. Ainda assim, alguns alunos de CM2 são capazes de
cular Card (A u B) conhecendo os três outros cardinais, ou Card (A), ou ainda Card
_n B). Esta última tarefa é a mais dificil das três. Para a lógica das classes, voltamos à
_ estão, já destacada anteriormente, dos conhecimentos não explícitos suscetíveis de
.entar uma tentativa de resolução. Os esquemas necessários à solução dos últimos
blemas suscitados participam ao mesmo tempo da lógica das classes e das estruturas
vaso
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10 Seminário Internacional de Educação Matemática
SITUAÇÓES
o conceito de situação foi muito modernizado por Guy Brousseau, que não apenas
lhe-deu alcance didático, que ele não tinha em psicologia, mas também uma significação
em que a dimensão afetiva e dramática interfere tanto quanto a dimensão cognitiva. A
utilização dos conceitos e dos procedimentos matemáticos é uma arte que se nutre tanto
da psicologia social, quanto da epistemologia e da psicologia da Matemática.
Não tomaremos aqui o conceito de "situação" com toda essa significação. Limitar-
nos-emos ao sentido que lhe atribuem comumente os psicólogos - os processos
cognitivos e as respostas do sujeito são função das situações com que ele se confronta.
Dai reteremos duas idéias principais:
• Tenho dinheiro suficiente para comprar isto? E para comprar isto e aquilo?
• Quanto falta?
Por outro lado, nas situações da vida diária, os dados pertinentes estão
mergulhados num conjunto de informações pouco ou nada pertinentes, e as questões
suscitáveis nem sempre se expressam claramente. Desse modo o tratamento de tais
situações supõe, ao mesmo tempo, a identificação das questões e a das operações a
executar para resolvê-Ias. Isso convida à análise, embora não seja fácil partir de situações
da vida diária para estabelecer uma classificação sistemática.
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~}[J
I
[J
o i o
D~[J [J
11 111
o O
~ ~ o
<c:»
O
0--0 g}O
IV V VI
o : medida
o :transformação ou relação (positiva ou negativa).
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Não cabe lembrar aqui as diferentes classes de problemas que permitem engendrar
essas relações de base, até porque cada uma das classes de problemas assim definidas
pode, ela própria, subdividir-se em subclasses, em função dos valores numéricos
utilizados e do domínio de experiência em referência - aos oito anos, não se entende da
mesma maneira a transformação de uma quantidade de bolas de gude, de uma
importância em dinheiro, de uma massa, de um volume ou de uma posição.
Não seria supérfluo .;- ao contrário - destacar que a análise das estruturas
multiplicativas é profundamente diversa da das estruturas aditivas. As relações de base
mais simples não são ternárias e, sim, quaternárias, visto que os mais simples problemas
de multiplicação e divisão implicam a proporção simples de duas variáveis, uma em
relação à outra.
o O
O O
Esta relação, na verdade, permite a geração de quatro classes de problemas
elementares:
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1 a
b o
multiplicação
1 o 1 a
b c O c
divisão-partição divisão-cotação
a c
b o
quarta proporcional
x y z
D D
D D D
D D
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D D x
D D
D D z
y
R1
X -+. X
1 2
R=RxR
R2 3 1 2
Considerando que essas grandezas e razões podem ser números inteiros simples,
inteiros quaisquer, frações, decimais maiores ou menores que um, existe uma
extraordinária diversidade de tipos de figuras, cuja dificuldade para os alunos é bastante
variável. Essa diversidade de tipos pode, entretanto, ser facilmente hierarquizada se
considerarmos os três grandes fatores da complexidade cognitiva: a estrutura dos
problemas, os valores numéricos e as áreas de experiência.
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Antes de passarmos à última parte deste texto, não será supérfluo que
clareçamos, da melhor maneira possível, a natureza das relações mantidas por esta
. ão das situações, com a teoria das situações didáticas formalizada na comunidade
:::rancesaa partir do trabalho de Guy Brousseau.
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SIGNIFICADOS E SIGNIFICANTES
As situações dão sentido aos conceitos matemáticos, mas o sentido não se contém
nas situações em si mesmas. Ele também não está nas palavras e símbolos matemáticos.
No entanto afirma-se que uma representação simbólica, uma palavra, ou um enunciado
matemático tem sentido, ou vários sentidos, ou nenhum sentido para este ou aquele
indivíduo. Diz-se também que uma situação tem ou não tem sentido. O que é o sentido
então?
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Um esquema é, como já vimos, uma totalidade organizada que permite gerar uma
classe de comportamentos diferentes em função das características particulares de cada
situação da classe a que se destina. Isto só é possível porque o esquema abrange:
• regras de ação do tipo "se ... então ..." que permitem gerar a seqüência das
ações do sujeito;
• representação da ação e,
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a)7+8=0 b)LlI~O
c) 8 + 7 =O .d)~D
7 8
e)O- 8 = 7
f)O @ '[7]
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D -8=7
D -8 + 8 = 7 + 8
D =7+8
Já que não se pode querer ensinar a crianças de 7 anos o caminho algébrico que
a do problema O - 8 = 7 à solução O = 7 + 8, temos que, ou abandonar qualquer
'ia de representação simbólica desse encaminhamento, ou adotar a única representação
sível a essa idade:
@ .
D-----+~0
.... .;
...._-*"
+8
• relações parte-parte-todo;
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~}D
• relações estado inicial-transformação-estado final e a reciprocidade das
operações de adição e subtração;
o
o•.. - _o
..
----------
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o mesmo teorema pode ser representado de várias outras maneiras, por exemplo:
b) F = T(I) ~ I = rl(F)
c)
@ .
o <3 -O O
, -O
,....•. _--",,"'"
' .•. ---" '"
Percebe-se facilmente que tais formas não são equivalentes para os alunos. A
segunda forma está fora de alcance para alunos do primário; a primeira não possui o
laconismo e a economia da terceira. A pertinência do simbolismo e da linguagem é
relativa aos conhecimentos e ao desenvolvimento cognitivo do aluno.
Sabe-se que raramente se faz essa leitura bilinear nos manuais, embora seja
conceitualmente essencial: V(A.I, H.I) = AR V(I, 1); o volume do prisma com área de
base igual a A vezes a unidade de área e altura igual a H vezes a unidade de
comprimento é igual a AR vezes a unidade de volume construída canonicamente como o
produto da unidade de área pela unidade de comprimento.
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10 Seminário Internacional de Educação Matemática
Área da base
1 6 10 12
Altura 2 Volume
6 6 36 60 72
Área da base
1 6 10 12
1 6
Altura 2 12 Volume
4 24
6 36
É claro que uma leitura como esta não está ao alcance de alunos de quinta série
que só dispõem da fórmula V = AR.
CONCLUSÃO
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IM/UFRJ
Matemática apenas a partir do simbolismo, nem apenas a partir das situações. Deve-se
considerar o sentido das situações e dos símbolos. A chave é considerar a ação do sujeito
em situação e a organização de seu comportamento. Daí a importância atribuída ao
conceito de esquema.
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10 Seminário Internacional de Educação Matemática
BIBLIOGRAFIA
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DEBATE SOBRE A PALESTRA DO PROF .. G.
VERGNAUD
" My reaction will be very different from that of the other persons who have been
ed to respond to Professor Vergnaud's lecture. In general, 1 have no argument with
of the main points he addressed in bis lecture, but bis comments did cause me to
raínk about some issues that I tbink are very important for those of us who are intercede
mathematics education research.
Let me begin by saying that my responsibility as the editor of a major-research
. mal is to help the mathematics education community establish standards of quality for
earch . Tbis responsibility is especially important today because mathematics
ucation is no longer the exc1usive domain of mathematicians and psychologists. In fact,
is becoming increasingly common to find anthropologists, cognitive scientists,
iologists, and pbilosophers engaged in research in our field. One standard that seems
mmon across disciplines is a fundamental concern for embedding research in sound
eoretical/conceptual frameworks to guide the inquiry and to assist in interpreting
_ ults. V ergnaud' s work on conceptual field theory stands as one of the most carefully
developed theories of mathematics learning that exist. N ovice researchers in search of the
eory to guide their investigations would do weIl to learn about Vergnaud's efforts.
1 do have some mino r points to raise with respect to bis presentation. First, he
stated that dichotomies such as routine - novel problems, novice - expert, and procedural
- dec1arative knowledge are not helpful and should be discarded. 1tend to agree, but I
.sh to point out that sometimes it is useful to pose dichotomies in order to establish
'naive" models of learning, in domain. Of course, a naive model is always wrong, but
e establishment of such a model provides the researcher with the starting point from
wbich to begin work on more sopbisticated models. Moreover, there is practical value in
distinguisbing between routine and novel problems for teachers in order to make them
aware that there is a range of types of activities wbich students need to be exposed to.
There is also practical value to be gleaned frorn contrasting procedural and dec1arative
knowledge or procedural and conceptual knowledge.
Second, 1 am concerned by bis apparent failure to inc1ude aspects of control
(metacognition) in bis development ofthe notion of conceptual field. In my view, control
processes are the "glue" that holds together a conceptual field and wbich enables the
individual to form connections between concepts, procedures and symbolic
representations. 1 hope he wiIl begin to tbink about how control processes can be
integrated into bis theory."
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