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Lilian Nasser - Anais Do 1º Seminário Internacional (Pag 1 À 27)

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ANAIS

10 SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO
RIO DE JANEIRO

28 a 30/07/93

Realização: Projeto Fundão


Instituto de Matemática - UFRJ

Apoio: CAPES Editor: Prof" Dr" Lilian Nasser


CNPq
FINEP
FUJB
UFRJ
TEORIA DOS CAMPOS CONCEITUAIS

Gérard Vergnaud

CNRS e Université René Descartes

o objetivo da teoria dos campos conceituais é propiciar uma estrutura às


pesquisas sobre atividades cognitivas complexas, em especial com referência às
aprendizagens cientlficas e técnicas. Trata-se de uma teoria psicológica do
conceito, ou melhor, da conceitualização do real, q~e permite situar e estudar as
filiações e rupturas entre conhecimentos, do ponto de vista de seu conteúdo
conceitual. Ela também possibilita analisar a relação entre os conceitos enquanto
conhecimentos explícitos e as invariantes operatórias implícitas nos
comportamentos dos sujeitos em determinada situação, bem como aprofundar a
análise das relações entre significados e significantes. Os exemplos foram colhidos
em diversos campos conceituais: as estruturas aditivas, 'as estruturas
multiplicativas, a lógica das classes, ou a álgebra.

A teoria dos campos conceituais é uma teoria cognitivista, que busca propiciar uma
estrutura coerente e alguns princípios básicos ao estudo do desenvolvimento e da
aprendizagem das competências complexas, sobretudo as que dependem da ciência e da
técnica. Por fornecer uma estrutura à aprendizagem, ela envolve a didática, embora não
seja, em si uma teoria didática. Sua principal finalidade é propor uma estrutura que
ermita compreender as filiações e rupturas entre conhecimentos, em crianças e
adolescentes, entendendo-se por "conhecimentos", tanto as habilidades quanto as
informações expressas. As idéias de filiação e ruptura também alcançam as
aprendizagens do adulto, mas estas ocorrem sob condições mais ligadas aos hábitos e
ormas de pensamento adquiridas, do que ao desenvolvimento da estrutura fisica. Os
efeitos da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo ocorrem, na criança e no
adolescente, sempre em conjunto.

A teoria dos campos conceituais não é específica da Matemática, embora


inicialmente tenha sido elaborada para explicar o processo de conceitualização
rogressiva das estruturas aditivas, das estruturas multiplicativas, das relações número-
espaço e da álgebra.

CONCEITOS E ESQUEMAS

Um conceito não pode ser reduzido à sua definição, principalmente se nos


interessamos por sua aprendizagem e seu ensino: É através das situações e dos
roblemas a resolver que um conceito adquire sentido para a criança. Esse processo de
elaboração pragmática é essencial para a psicologia e' para a didática, como também,
aliás, para a história das ciências. Falar em elaboração pragmática não significa abstrair a
natureza dos problemas para os quais um conceito -novo "'oferece resposta - tais
roblemas tanto podem ser teóricos, como práticos. Também não exclui a análise do
apel da linguagem e do simbolismo na conceitualização. Esse papel é muito importante.
Simplesmente, se pretendemos dimensionar concretamente a função adaptativa do
conhecimento, devemos preservar um lugar central para as formas que- ela assume na
ação do sujeito. O conhecimento racional é operatório ou não.

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10 Seminário Internacional de Educação Matemática

Podem-se distinguir:

1) classes de situações em que o sujeito dispõe, no seu repertório, em dado


momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstâncias, das
competências necessárias ao tratamento relativamente imediato da situação; .

2) classes de situações em .que o sujeito não dispõe de todas as competências


necessárias, o que o obriga a um tempo de reflexão e exploração, a hesitações,
a tentativas fiustadas, levando-o eventualmente ao sucesso ou ao fracasso.

o conceitode "esquema" interessa às.duas classes de situações, mas não funciona


do mesmo modo nos dois casos. No primeiro caso, observam-se, para uma mesma classe
de situações, comportamentos amplamente automatizados, organizados por um só
esquema; no segundo caso, observa-se a sucessiva utilização de vários esquemas, que
podem entrar em competição e que, para atingir a solução desejada, devem ser
acomodados, descombinados e recombinados. Este processo é necessariamente
acompanhado por descobertas.

Chamemos "esquema" a organização invariante do comportamento para uma


classe de situações dada. É nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-
ação do sujeito, isto é, os elementos cognitivos que fazem com que a ação do sujeito seja
operatória.

Tomemos um primeiro exemplo no campo da motricidade: o esquema que


organiza o movimento do corpo do atleta no instante do salto em altura representa um
impressionante conjunto de conhecimentos espaciais e mecânicos. Ainda que o
comportamento do saltador sofra determinadas variações, a análise de suas sucessivas
tentativas apresenta numerosos elementos comuns. Entenda-se que esses elementos
comuns envolvem o decurso de tempo da mobilização dos músculos que contribuem
para garantir a eficiência das diferentes fases do movimento. Essa organização motora,
no entanto, baseia-se em uma certa percepção das relações entre os objetos no espaço é,
sobretudo, da relação entre as diferentes partes. do corpo e o espaço durante o
movimento. Essa organização perceptivo-motora pressupõe, portanto, categorias de
ordem espacial, temporal e mecânica (orientações no espaço, distância mínima, sucessão
e duração, força, aceleração e velocidade ...), bem como conhecimentos-em-ação que
poderiam assumir a forma de teoremas geométricos e mecânicos, se explicitados. Essa
explicitação, aliás, é uma das abordagens do treinamento e da análise do movimento.
Favorecida pelas técnicas de vídeo e pela competência profissional dos treinadores, ela é,
ainda assim, muito fragmentária.

As próprias competências matemáticas. são sustentadas por esquemas


organizadores do comportamento. Vejamos alguns exemplos elementares:

• O esquema da enumeração de uma pequena coleção por uma criança de


cinco anos, por mais que varie de forma (contar bombons, pratos à mesa,
pessoas sentadas espalhadas no jardim, etc.), não deixa de abranger uma
organização invariante, essencial para o funcionamento do esquema:
coordenação dos movimentos dos olhos e gestos dos dedos e das mãos em
relação à posição dos objetos, enunciação coordenada da série numérica,
cardinalização do conjunto enumerado por destaque tonal ou pela repetição

----
--------~----~----~----
IM/UFRJ

da última palavra-número pronunciada: um, dois, três, quatro. cinco seis.


~e\e...~~t~\

• O esquema da resolução de equações da forma ax + b = c atinge rapidamente


um alto grau de disponibilidade e confiabilidade entre alunos de quinta e
quarta séries, iniciantes em álgebra, quando ª,
2 e ~têm valores numéricos
positivos e 2 < ç (o que não ocorre quando alguns dos parâmetros ª'
2, ç e ç
- 2 são negativos). A seqüência dos registros escritos produzidos pelos
alunos mostra claramente uma organização invariante, apoiada ao mesmo
tempo em hábitos adquiridos e em teoremas do tipo:

"mantém-se a igualdade subtraindo b dos dois lados"

"mantêm-se a igualdade dividindo por a os dois lados"

o funcionamento cognitivo dos alunos envolve operações que se auto matizam


gressivamente (trocar o sinal quando se troca o membro, isolar x de um lado da
igualdade) e decisões conscientes que permitem perceber os valores particulares das
iáveis de situação. A confiabilidade do esquema para o sujeito baseia-se, em última
:málise, no conhecimento que ele possui, explícito ou implícito, das relações entre o
goritmo e as características do problema a resolver.

A automatização, evidentemente, é uma das manifestações mais visíveis do caráter


. variante da organização da ação. Para uma classe de situações dadas, contudo, uma
série de decisões conscientes também pode ser objeto de uma organização invariante. A
automatização, aliás, não impede que o sujeito conserve o controle das condições sob as
quais tal operação é ou não apropriada. Tomemos, por exemplo, o algoritmo da adição
em numeração decimal; sua execução é amplamente automatizada pela maior parte das
ianças no fim da escola primária. As crianças, contudo, são capazes de gerar uma série
e ações diferentes em função das características da situação: reserva ou não, zero
ercalar ou não, decimal ou não. Enfim todos os nossos comportamentos abrangem
a parte de automatismo e outra de decisão consciente.

Percebe-se também com esses exemplos que os algorítmos são esquemas, ou ainda
e os esquemas são objetos do mesmo tipo lógico que os algoritmos. Falta-lhes ) .çf----
entualmente efetividade, ou seja, a capacidade de chegar a bom termo após um
número finito de passos. Os esquemas são, em geral, eficazes, mas nem sempre efetivos. }
Quando a criança utiliza um esquema ineficaz para determinada situação, a experiência a
eva, seja a mudar de esquema, seja a modificar o esquema. Podemos dizer, como Piaget,
e os esquemas estão no centro do processo de adaptação das estruturas cognitivas:
assimilação e acomodação.

Retomemos o exemplo do. algoritmo da adição de números inteiros. Ele é


comumente apresentado como um conjunto de regras:

• começar pela coluna das unidades, primeira à direita;

• continuar pela coluna das dezenas, depois a das centenas, etc.;

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10 Seminário Internacional de Educação Matemática

• calcular a soma dos números em cada coluna. Se a soma dos números de


uma coluna é inferior a dez, inscrever esta soma na linha do total (linha de
baixo). Se for igualou superior a dez, escrever apenas o algarismo das
unidades desta soma e reservar o das dezenas, levando-o ao alto da coluna
situada imediatamente à esquerda, para somá-lo aos demais dessa coluna.

• e assim sucessivamente, caminhando da direita para a esquerda, até acabarem


as colunas.

Explicitar tais regras é dificil, quase impossível, para as crianças, mesmo que sejam
capazes de executar a série das operações. Sempre há muito de implícito nos esquemas.

Por outro lado, deve-se observar que, sem a numeração de posição e a


conceitualização a ela associada (decomposição polinomial dos números), o esquema-
algo ritmo não pode funcionar. Percebe-se isto entre os alunos mal sucedidos, que não
sabem conciliar informações recebidas em termos de dezenas, centenas, milhares. Um
esquema apoia-se sempre em uma conceitualização implícita. Consideremos os erros dos
alunos nas operações de subtração. Percebe-se que os mais freqüentes (omitir o recurso,
subtrair o número menor do maior em cada coluna independentemente de sua posição
embaixo ou em cima) se prendem a uma conceitualização insuficiente da notação
decimal. Pode, por certo, haver malogros na execução automatizada de um esquema,
mas não são esses malogros que explicam os erros principais.

No caso da enumeração, podem facilmente identificar-se duas idéias matemáticas


indispensáveis ao funcionamento do esquema: as da bijeção e do cardinal, sem as quais,
sem dúvida, não há comportamento de enumeração possível. É, aliás, nesses dois pontos
que se observam os erros. Algumas crianças não conseguem "cardinalizar", ou seja,
identificar o último número-palavra pronunciado como representante da medida do
conjunto inteiro. Outros (eventualmente os mesmos) omitem elementos, ou contam duas
vezes o mesmo elemento. Similarmente, não existe álgebra verdadeiramente operatória
sem o reconhecimento dos teoremas relativos à conservação da igualdade. Estes não são
os únicos elementos cognitivos úteis, mas são decisivos.

Designam-se pelas expressões "conceito-em-ação" e "teorema-em-ação" os


conhecimentos contidos nos esquemas. Pode-se também designá-los pela expressão mais
global "invariantes operatórias".

Tal como o definimos, o conceito de esquema se aplica facilmente à primeira


categoria de situações citadas anteriormente - para as quais o sujeito dispõe das
competências necessárias - e menos à segunda categoria, em que o sujeito hesita e tenta
várias abordagens. No entanto, a observação dos alunos em situação de resolução de um
problema, bem como a análise de suas hesitações e erros, mostram que os
comportamentos em situação aberta são também estruturadas em esquemas. Tomam-se
estes no vasto repertório dos esquemas disponíveis, especialmente entre os ligados às
classes de situações que pareçam ter afinidade com a situação tratada no presente.
Simplesmente, como essa afinidade é parcial e eventualmente ilusória, os esquemas são
apenas esboçados, e as tentativas geralmente interrompidas antes de chegar a um
resultado. Muitos esquemas podem ser sucessivamente evocados, ou mesmo
simultaneamente, em uma situação nova para o sujeito (ou por ele considerada nova). A
título de ilustração, cite-se o caso de uma situação em que um grupo de crianças de

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IM/UFRJ

quinta série teve que comparar o volume de um objeto sólido cheio, com o de um
recipiente (situação nova para eles). O primeiro esquema mobilizado foi o da
comparação das alturas, como se se tratasse de comparar a quantidade de suco de laranja
em dois jarros de mesmo formato. Essa ação de comparar os níveis não leva a qualquer
conclusão. O segundo esquema observado foi o da imersão (parcial) do objeto cheio no
recipiente. Evidentemente, como o recipiente também estava cheio, a água transbordou.
A conclusão do aluno foi de que o objeto cheio era maior! Só depois, com a aplicação de
outras ações, mais operatórias, chegou-se a um procedimento verdadeiramente
"decisório", que possibilitou a solução. Diversos esquemas, aparentados mas não
pertinentes, tinham sido tentados antes que surgisse a solução.

Esse exemplo ilustra a idéia de que o funcionamento cognitivo de um sujeito ou de


um grupo de sujeitos em uma situação dada baseia-se no repertório dos esquemas
disponíveis, formados anteriormente, de cada um dos sujeitos individualmente. As
crianças descobrem, em situação, novos aspectos e, ao mesmo tempo, eventuais novos
esquemas. Já que os comportamentos em situação se baseiam no repertório inicial dos
'esquemas disponíveis, não se pode teorizar adequadamente sobre o funcionamento
cognitivo criando um impasse ao desenvolvimento cognitivo. A teoria dos campos
conceituais dirige-se a este problema crítico.

Existem vários exemplos de esquemas na aprendizagem da Matemática. Cada


. esquema se relaciona a uma classe de situações com características bem definidas. Ele
pode, contudo, ser aplicado por um sujeito individual a uma classe mais restrita do que
aquela à qual poderia ser aplicado eficazmente. Coloca-se, então, um problema de
extensão do esquema a uma classe mais ampla: pode-se agora falar em deslocamento,
generalização, transferência ou descontextualização. Não se pode esperar que tal
processo intervenha sem que sejam reconhecidas pelo sujeito analogias e parentescos
semelhanças em certos critérios, diferenças em outros) entre a classe de situações em
que o esquema já é operatório para o sujeito e as novas situações a vencer. O
reconhecimento de invariantes é, pois, a chave da generalização do esquema.

Um esquema também pode, todavia, ser aplicado por um sujeito individual a uma
se mais ampla. Ele se toma, então, imperfeito, e o sujeito deve restringir-lhe o
cance, decompondo-o em elementos distintos suscetíveis de ser recompostos de forma
. ersa para as diferentes subclasses de situações, eventualmente acrescentando
ementos cognitivos suplementares. Notam-se aí procedimentos de restrição e de
A modação. Se, por exemplo, é preciso contar várias centenas de elementos de um
njunto, o esquema de enumeração deve ser enriquecido por procedimentos de
reagrupamento, enumerações parciais, adições; ou, como no exemplo da álgebra, se os
ores de ª, h e ç fogem às condições vistas anteriormente (ç - h negativo, por
emplo), a solução de equações do tipo ax + b = c vai exigir importantes adaptações do
ema inicial.

Na solução dos problemas da aritmética dita elementar, as crianças enfrentam


. as dificuldades conceituais. É, pois, em termos de esquemas que se deve analisar a
lha das boas operações e dos bons dados para resolver um problema em que existam
.as possibilidades de opção. A tomada de informação na leitura do enunciado, a
da de informações fisicas (medidas, por exemplo), a busca de informações em
mentos (livro escolar, quadros estatísticos, etc.), a combinação adequada destas
- rmações para as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, em geral

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1° Seminário Internacional de Educação Matemática

.obedecem a esquemas, sobretudo entre alunos que dominam tais situações. Para os
outros alunos, trata-se de resolver o problema, pois as situações em jogo ainda não são
triviais para eles. Os procedimentos heuristicos são, todavia, esquemas. Não efetivos,
como os algoritmos, e nem sempre eficazes.

O esquema, totalidade dinâmica organizadora da ação do sujeito para uma classe


de situações específica, é portanto um conceito fundamental da psicologia cognitiva e da
didática. Nem sempre é reconhecido como tal. Por outro lado, carece de análise. Mesmo
percebendo facilmente que um esquema é composto de regras de ação e de antecipações,
visto que gera uma série de ações para se atingir um objetivo, nem sempre se reconhece
que ele é também composto, de modo essencial, por invariantes operatórias (conceitos-
em-ação e conhecimentos-em-ação) e por inferências. As inferências são indispensáveis
ao funcionamento do esquema em cada situação particular, hic et nunc: de fato, como já
vimos, um esquema não é um estereótipo e, sim, uma função temporalizada de
argumentos, que permite gerar diferentes seqüências de ações e tomadas de informações,
em função dos valores das variáveis de situação. Um esquema é sempre um universal,
porque está associado a uma classe, e porque essa classe geralmente não é definida.

Já as invariantes operatórias merecem uma explicação complementar, pois podem


dividir-se fundamentalmente em três tipos lógicos:

• invariantes do tipo "proposição": podem ser verdadeiras ou falsas; os .


teoremas-em-ação são invariantes deste tipo.

1° EXEMPLO
Entre 5 e 7 anos, as crianças descobrem que não é preciso recontar o todo para
achar o cardinal de A u B, se; A e B já foram contados. Este conhecimento pode ser
expresso por um teorema-em-ação:

Card (A u B) = Card (A) + Card (B) desde que A n B = 0

A ausência de quantificador dá a entender que este teorema não é universalmente


válido para as crianças. Tem alcance meramente local, como para pequenas coleções.

2° EXEMPLO

Entre 8 e 10 anos, com sucesso variável de acordo com os indivíduos, muitos


alunos compreendem que, se uma quantidade de objetos à venda é multiplicada por 2, 3,
4, 5, 10, 100 ou qualquer número simples, seu preço será 2, 3, 4, 5, 10 ou 100 vezes
maior. Pode-se exprimir este conhecimento por um teorema-em-ação:

flnx) = nf(x) para todo TI inteiro e simples.

• invariantes do tipo "função proposicional": não são suscetíveis de serem


verdadeiras ou falsas, mas constituem marcos indispensáveis à construção
das proposições. Por exemplo: os conceitos de cardinal e coleção, assim
como os de estado inicial, transformação e relação quantificada, são

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IM/UFRJ

indispensáveis à conceitualização das estruturas aditivas. Não são


proposições.

Tais conceitos raramente são explicitados pelos alunos, mesmo quando são
construídos por eles na ação. Trata-se de conceitos-em-ação, ou categorias-em-ação. O
tipo lógico dos conceitos-em-ação difere do tipo lógico dos teoremas-em-ação. Eles são
funções proposicionais. A relação entre funções proposicionais e proposições é uma
relação dialética: não há proposição sem funções proposicionais, nem função
proposicional sem proposições. Do mesmo modo, conceitos-em-ação e teoremas-em-
ação se constróem em estreita interação.

Considere-se, entre as funções proposicionais, a existência de funções com um


argumento (propriedades), funções com dois argumentos (relações binárias), funções
com três argumentos (relações temárias, entre elas as leis de composição binárias),
funções com quatro argumentos (como na proporcionalidade) e funções com mais de
quatro argumentos.

Pode-se, pois, escrever como P(x) a função proposicional "... é azul"; R2(x, y) a
re Iaçao ... esta' a ditreita
-" à . d e...; "R 3( X, y, z ) a re Iaçao
-", ... esta entre ... e ... "I, ou a er. d e
composição "a soma de ... e ...é ... ".

Essa distinção entre proposições e funções proposicionais é indispensável. No


entanto, por si só, ela não revela todos' os aspectos importantes do processo de
conceitualização. Os conceitos de cor, direção, sentido são evidências de um tipo lógico
diverso dos conceitos de azul e direita. Pode-se considerar, por exemplo, que o
conjunto-quociente do conjunto das cores é o conjunto-quociente do conjunto dos
objetos pela relação de equivalência "da mesma cor que". Deve-se observar, então, que o
conceito de cor procede da construção de um descritor através do relacionamento dos
valores particulares por ele tomados. Faz-se necessária uma análise ainda mais complexa
para os conceitos de calor, força, função ou variável? Eis aí uma via de pesquisa teórica
muito importante.

• invariantes do tipo "argumento": quem fala em função proposicional e


proposição fala em argumento. Os lógicos clássicos costumavam tomar seus
ente exemplos entre os objetos materiais comuns e suas propriedades. Eram então
argumentos ª,
11e ç (valores particulares das variáveis x, y e z) objetos
materiais como o livro, a mesa ou o personagem Paulo; e funções
proporcionais propriedades e relações P, R2, R3 como as que vimos
anteriormente. Por exemplo: "Paulo põe o livro em cima da mesa" pode ser
escrito R3 (paulo, livro, mesa), proposição esta resultante da atribuição de
muitos valores particulares aos argumentos da função proposicional R3 (x, y, z) "x
2,3, põe y em cima de z", na qual x é uma pessoa, y um pequeno objeto material
vezes manipulável, e z um suporte possível.

Em Matemática, os argumentos podem ser objetos materiais (o navio está à direita


farol), personagens (paulo é maior que Celina), números (4 + 3 = 7), relações ("maior
e" é uma relação anti-simétrica), ou mesmo proposições ("8 é divisor de 24" é a
recíproca de "24 é múltiplo de 8").

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10 Seminário Internacional de Educação Matemática

Tais distinções são indispensáveis para a didática, porque a transformação d _


conceitos-instrumentos e conceitos-objetos é um processo decisivo na conceitualização
do real. Esta transformação significa, entre outras coisas, que as funções proposicionais
podem tomar-se argumentos. A denominação é uma operação lingüística essencial n
transformação.

Esse parêntese sobre proposições e funções proposicionais pode parecer paradoxal


num parágrafo dedicado principalmente às invariantes operatórias contidas no
esquemas. A primeira razão desse esclarecimento é que as invariantes operatórias não
são de um tipo lógico único, sendo necessário, pois, analisar as condições de cada uma.
A segunda razão é que um conceito-em-ação não é, absolutamente, um conceito, n
um teorema-em-ação é um teorema. Em ciência, conceitos e teoremas são explícitos, e
podemos discutir sua pertinência e veracidade. O mesmo não se dá necessariamente para
as invariantes operatórias. Conceitos e teoremas explícitos são apenas a ponta visível d
iceberg da conceitualização: sem a parte oculta, formada pelas invariantes operatórias.
essa parte visível nada seria. Reciprocamente, só se pode falar em invariantes operatórias
integradas aos esquemas com o auxílio de categorias do conhecimento explícito:
proposições, funções proposicionais, objetos-argumentos.

Em resumo, a operacionalidade de um conceito deve ser provada através de


situações variadas. O pesquisador deve analisar uma grande variedade de
comportamentos e esquemas para compreender em que consiste, do ponto de vista
cognitivo, este ou aquele conceito. Por exemplo, o conceito de relação só é entendido
através de uma diversidade de problemas práticos e teóricos; o mesmo em se tratando
dos conceitos de função ou de número. Cada um desses conceitos comporta, de fato,
várias propriedades, cuja pertinência é variável de acordo com as situações a tratar.
Algumas podem ser logo compreendidas, outras, mais tarde, no decurso da
aprendizagem. Uma abordagem psicológica e didática da formação dos conceitos
matemáticos leva-nos a considerar um conceito como um conjunto -de invariantes
utilizáveis na ação. A definição pragmática de um conceito recorre, portanto, ao
conjunto das situações que constituem a referência de suas diversas propriedades, e ao
conjunto dos esquemas utilizados pelos sujeitos nessas situações.

No entanto a ação operatória não é a totalidade da conceitualização do real; longe


disso. Não se discute a veracidade ou falsidade de um enunciado totalmente implícito.
Não se identificam os aspectos do real aos quais se deve prestar atenção sem ajuda das
palavras, enunciados, símbolos e sinais. O emprego de significantes explícitos é
indispensável à conceitualização.

.
Isto é o que leva a considerar um conceito. como uma trinca de conjuntos:

C = (S, I, Y)

S conjunto das situações que dão sentido ao conceito (referência).


I conjunto das invariantes em que se baseia a operacionalidade dos esquemas
(significado) .
Y conjunto das formas de linguagem (ou não) que permitem representar
simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações e os procedimentos de
tratamento (significante).

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IM/UFRJ

Estudar o desenvolvimento e o funcionamento de um conceito, no decurso da


aprendizagem ou quando de sua utilização, é necessariamente considerar esses três
planos ao mesmo tempo. Geralmente não há bijeção entre significantes e significados,
nem entre invariantes e situações. Não se pode, pois, reduzir o significado aos
significantes nem às situações.

CAMPOS CONCEITUAIS

Consideremos, primeiramente, um campo conceitual como um conjunto de


situações. Por exemplo: para o campo conceitual das estruturas aditivas, o conjunto das
situações que requerem uma adição, uma subtração, ou uma combinação destas
operações; para as estruturas multiplicativas, o conjunto das situações que requerem uma
multiplicação, uma divisão, ou uma combinação destas operações. A primeira vantagem
dessa abordagem pelas situações é permitir a produção de uma classificação baseada na
análise das tarefas cognitivas e dos procedimentos que podem ser adotados em cada um
deles.

o conceito de situação não tem aqui o sentido de situação didática, mas o de


tarefa. A idéia é que toda situação complexa pode ser analisada como uma combinação
de tarefas, cuja natureza e dificuldades específicas devem ser bem conhecidas. A
dificuldade de uma tarefa não é nem a soma nem o produto da dificuldade das diferentes
subtarefàs. É claro, contudo, que o fracasso em uma subtarefa provoca o fracasso global.

Alguns pesquisadores privilegiam, nessa análise, modelos de complexidade


dependentes, seja da lingüística, seja das teorias. do tratamento da informação. A teoria
dos campos conceituais, ao contrário, privilegia modelos que atribuem papel essencial
aos conceitos matemáticos em si mesmos. É claro que a forma dos enunciados e o
número de elementos em jogo são fatores pertinentes da complexidade, mas seu papel é
secundário.

A lógica também não é um quadro suficientemente operatório para esclarecer a


complexidade relativa das tarefas e subtarefas, dos procedimentos e das representações
simbólicas. Ela é muito redutora, situando no mesmo plano objetos matemáticos que,
embora eventualmente incluídos no mesmo padrão lógico (predicado de primeira ordem,
classe de funções proposicionais de certo tipo, lei de composição ...), não geram os
mesmos problemas de conceitualização. Relativamente a uma psicologia cognitiva
centrada nas estruturas lógicas, como a de F iaget, a teoria dos campos conceituais surge,
sobretudo, como uma psicologia dos conceitos, mesmo quando o termo "estruturas"
intervém na própria designação do campo conceitual considerado: estruturas aditivas,
estruturas multiplicativas. De fato, se a primeira entrada de um campo conceitual é a das
situações, podemos também identificar uma segunda, a dos conceitos e teoremas.

o campo conceitual das estruturas aditivas é, a um tempo, o conjunto das


situações cujo tratamento implica uma ou várias adições ou subtrações, e o conjunto dos
conceitos e teoremas que permitem analisar tais situações como tarefas matemáticas.
São, assim, componentes das estruturas aditivas os conceitos de cardinal e de medida, de
transformação temporal por aumento ou diminuição (perder ou gastar certa quantia), de
relação de comparação quantificada (ter bombons, ou três anos mais que), de

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10 Seminário Internacional de Educação Matemática

composição binária de medidas (quanto no total?), de composição de transformações e


relações, de operação unitária, de inversão, de número natural e número relativo, de
abcissa, de deslocamento orientado e quantificado ...

Tais conceitos não estão sozinhos. Eles não teriam alcance, se suas funções não
lhes fossem dadas, no tratamento das situações, por teoremas verdadeiros:

Card (A u B) = Card (A) + Card (B) sempre que A fi B =0

F = T(I) = > I = T -1 (F)

para I = estado inicial, T = transformação, F = estado final

AC = AB + BC (Relação de Chasles) => AB = AC BC

para qualquer posição respectiva de A, B e C, etc.

Analogamente, o campo conceitual das estruturas multiplicativas é, ao mesmo


tempo, o conjunto das situações cujo tratamento implica uma ou várias multiplicações ou
divisões, e o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar essas situações:
proporção simples e proporção múltipla, função linear e n-linear, razão escalar direta e
inversa, quociente e produto de dimensões, combinação linear e aplicação linear, fração,
razão, número racional, múltiplo e divisor, etc. Entre os teoremas que atribuem função f
esses conceitos, devemos mencionar: (!v

• as propriedades de isomorfismo da função linear

f(nx) = nf(x)

e sua generalização a razões não inteiras;

• as propriedades concementes ao coeficiente constante entre duas variáveis


linearmente ligadas.

f(x) = ax x = lia f(x)

• e algumas propriedades específicas da bilinearidade

Há muitas outras. E a elaboração pragmática do campo conceitual das estruturas


multiplicativas passa assim por etapas passíveis de identificação clara.

o alcance da estrutura teórica dos campos conceituais seria, porém, limitado se se


detivesse nesses dois exemplos. Mencionaremos, assim, várias outras aplicações, para
demonstrar que se trata de um enquadramento relativamente geral:

• a eletricidade e os esquemas que organizam as atividades do sujeito nessa


área. As situações a compreender e a tratar são diferentes: a iluminação de

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um aposento, a colocação de uma lâmpada num suporte (dois pólos, dois


fios, existência de corrente), a compreensão do circuito elétrico de uma casa
ou de um carro, a análise e a dissociação dos conceitos de intensidade,
tensão, resistência e energia para os cálculos de eletrocinética, etc.;

• a mecânica, que igualmente implica uma grande variedade de situações e


conceitos;

• as grandezas espaciars (comprimentos, superficies, volumes), cuja


conceitualização recorre ao mesmo tempo à geometria, às estruturas aditivas
e às estruturas multiplicativas; .

• a lógica das classes, que constitui o saber de referência para a compreensão


dos conceitos de propriedade e de característica, da relação de inclusão, das
operações de interseção, de união e de complementação sobre as classes, e
das operações de conjunção, disjunção e negação sobre as propriedades.
Podemos ressentir-nos do fato de que os psicólogos deram atenção excessiva
aos problemas de classificação, ou de que os reformadores do movimento da
"matemática moderna" tenham caído como neófitos na religião da lógica das
classes. Devemos também reconhecer, contudo, que esse campo conceitual
envolve questões sérias para o desenvolvimento e a aprendizagem da
racionalidade. A lógica das classes, aliás, é interessante não só para o cálculo
das classes e das propriedades, como também para as relações entre
operações sobre classes e operações sobre números. Ao lado das leis de
Morgan, puramente lógicas:

A u B = A n B x = complemento de X

AnB = A u B

. odemos considerar, de fato, os teoremas que abrangem correspondências entre


es e cardinais, a exemplo da quantificação da inclusão:

A c B => Card (A)(Card (B)

ou ainda o teorema dos cardinais:

Card (A u B) + Card (A n B) = Card (A) + Card (B)

Este último não é trivial. Ainda assim, alguns alunos de CM2 são capazes de
cular Card (A u B) conhecendo os três outros cardinais, ou Card (A), ou ainda Card
_n B). Esta última tarefa é a mais dificil das três. Para a lógica das classes, voltamos à
_ estão, já destacada anteriormente, dos conhecimentos não explícitos suscetíveis de
.entar uma tentativa de resolução. Os esquemas necessários à solução dos últimos
blemas suscitados participam ao mesmo tempo da lógica das classes e das estruturas
vaso

11
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

SITUAÇÓES

o conceito de situação foi muito modernizado por Guy Brousseau, que não apenas
lhe-deu alcance didático, que ele não tinha em psicologia, mas também uma significação
em que a dimensão afetiva e dramática interfere tanto quanto a dimensão cognitiva. A
utilização dos conceitos e dos procedimentos matemáticos é uma arte que se nutre tanto
da psicologia social, quanto da epistemologia e da psicologia da Matemática.

Não tomaremos aqui o conceito de "situação" com toda essa significação. Limitar-
nos-emos ao sentido que lhe atribuem comumente os psicólogos - os processos
cognitivos e as respostas do sujeito são função das situações com que ele se confronta.
Dai reteremos duas idéias principais:

1. a de variedade: existe grande variedade de situações num campo conceitual


dado; as variáveis de situação são um meio de construir sistematicamente o
conjunto das classes possíveis;

2. a da história: os conhecimentos dos alunos são elaborados por situações que


eles enfrentaram e dominaram progressivamente, sobretudo para as primeiras
situações suscetíveis de dar sentido aos conceitos e procedimentos que se
pretende ensinar-lhes.

A combinação dessas duas idéias não facilita necessariamente o trabalho do


pesquisador em didática, já que a primeira idéia o conduz à análise, à decomposição em.
elementos simples e à combinação dos possíveis, enquanto a segunda o conduz à
pesquisa das situações funcionais, quase sempre compostas de numerosas relações, e
cuja importância relativa está fortemente ligada à freqüência com que as encontramos.

Vejamos alguns exemplos: comprar presentes, frutas ou bombons; pôr a mesa; .


contar pessoas; lugares à .mesa; jogar bolas de gude. Tudo isto, para uma criança de 6
anos, são atividades favoráveis ao desenvolvimento das conceitualizações matemáticas
relativas ao número, à comparação, à adição e à subtração. Na maior parte dessas
atividades, porém, a vida só propicia uns poucos casos entre os problemas possíveis. Na
atividade de comprar, por exemplo:

• Tenho dinheiro suficiente para comprar isto? E para comprar isto e aquilo?

• Quanto me sobrará, se eu comprar isto?

• Quanto falta?

• É melhor comprar isto ou aquilo? Qual a diferença de preço?

Por outro lado, nas situações da vida diária, os dados pertinentes estão
mergulhados num conjunto de informações pouco ou nada pertinentes, e as questões
suscitáveis nem sempre se expressam claramente. Desse modo o tratamento de tais
situações supõe, ao mesmo tempo, a identificação das questões e a das operações a
executar para resolvê-Ias. Isso convida à análise, embora não seja fácil partir de situações
da vida diária para estabelecer uma classificação sistemática.

12
IM/UFRJ

Toda situação, contudo, pode ser, em princípio, conduzida a uma combinação de


relações de base com dados conhecidos e desconhecidos, que correspondem ao número
de questões possíveis. A classificação dessas relações de base e das classes de problemas
que podem ser construídas a partir delas é um trabalho científico indispensável. Nenhuma
ciência se constituiu sem um trabalho de classificação sistemática. Essa classificação
permite, por outro lado, abrir o campo das possibilidades e ultrapassar o quadro muito
limitado das situações da vida cotidiana.

Tome-se o exemplo das estruturas aditivas: podem identificar-se seis relações de


base, a partir das quais é possível engendrar todos os problemas de adição e subtração da
aritmética comum (Vergnaud, 1981). .

RELAÇÕES ADITIVAS DE BASE

1. Composição de duas medidas em uma terceira.

2. Transformação (quantificada) de uma medida inicial em uma medida final.

3. Relação (quantificada) de comparação entre duas medidas.

4. Composição de duas transformações.

5. Transformação de uma relação.

6. Composição de duas relações.

~}[J
I
[J
o i o
D~[J [J
11 111

o O
~ ~ o
<c:»
O
0--0 g}O
IV V VI
o : medida
o :transformação ou relação (positiva ou negativa).

13
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

Esta classificação não saiu pronta do cérebro de um matemático. Ela é resultado de


considerações matemáticas e psicológicas:

• dificuldade muito desigual de problemas de estruturas diferentes, resolvidos,


contudo, pela mesma operação numérica;

• deslocamento ontogenético do sucesso nas diferentes classes de problemas


que se podem engendrar a partir de uma mesma relação; deslocamento
ontogenético dos procedimentos utilizados, bem como das simbolizações
matemáticas acessíveis à criança;

• importância dos conceitos de transformação temporal e de relação no


processo de apropriação das situações de adição e subtração. O
reconhecimento destes conceitos tem grandes conseqüências teóricas. Por
um lado, conduz à introdução, junto ao modelo da lei binária interna, do
modelo da operação unitária externa; por outro, leva ao recurso aos números
relativos para caracterizar certas operações de pensamento nas crianças
pequenas.

Não cabe lembrar aqui as diferentes classes de problemas que permitem engendrar
essas relações de base, até porque cada uma das classes de problemas assim definidas
pode, ela própria, subdividir-se em subclasses, em função dos valores numéricos
utilizados e do domínio de experiência em referência - aos oito anos, não se entende da
mesma maneira a transformação de uma quantidade de bolas de gude, de uma
importância em dinheiro, de uma massa, de um volume ou de uma posição.

Não seria supérfluo .;- ao contrário - destacar que a análise das estruturas
multiplicativas é profundamente diversa da das estruturas aditivas. As relações de base
mais simples não são ternárias e, sim, quaternárias, visto que os mais simples problemas
de multiplicação e divisão implicam a proporção simples de duas variáveis, uma em
relação à outra.

o O

O O
Esta relação, na verdade, permite a geração de quatro classes de problemas
elementares:

14
IM/UFRJ

1 a
b o
multiplicação

1 o 1 a
b c O c

divisão-partição divisão-cotação

a c
b o
quarta proporcional

Estes problemas apresentam dificuldades muito diferentes de acordo com os


• ores numéricos (dificuldade de multiplicação e divisão por um decimal, sobretudo por
decimal menor que 1) e de acordo com o domínio de experiência em referência (não
- faz funcionar o modelo da proporcionalidade sobre a homotetia e a massa volumétrica
mesma forma que sobre o preço de objetos famíliares ou sobre a divisão eqüitativa
os bombons entre crianças).

Em segundo lugar, a combinação de duas proporções não conduz aos mesmos


oblemas cognitivos se a combinação se faz por encadeamento das funções que ligam as
-ariáveis duas a duas: x proporcional a y, y proporcional a z,

x y z
D D
D D D
D D

nem se ela se faz por produto: z proporcional a x e a y; x e y independentes entre


si. Trata-se aqui de uma estrutura de proporção dupla.

15
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

D D x

D D
D D z
y

Nunca é demais destacar a extrema importância epistemológica da proporção


dupla (e múltipla) para a geometria, a fisica, as probabilidades e a estatística. O ensino de
muitas questões seria melhor, se sua importância fosse melhor reconhecida. Isto porque
os alunos só percebem um pouquinho de suas idas e vindas. De um lado porque elas são
conceitualmente mais dificeis, de outro porque elas acionam muitos elementos de uma só
• vez: seis grandezas e três razões para a proporção dupla, sem contar as funções e razões
intermediárias a considerar.

R1
X -+. X
1 2

R=RxR
R2 3 1 2

Considerando que essas grandezas e razões podem ser números inteiros simples,
inteiros quaisquer, frações, decimais maiores ou menores que um, existe uma
extraordinária diversidade de tipos de figuras, cuja dificuldade para os alunos é bastante
variável. Essa diversidade de tipos pode, entretanto, ser facilmente hierarquizada se
considerarmos os três grandes fatores da complexidade cognitiva: a estrutura dos
problemas, os valores numéricos e as áreas de experiência.

Também variafn muito os procedimentos utilizados pelos alunos: mais de vinte


categorias de tentativas, sucessos ou fracassos para a pesquisa da quarta proporcional,
por exemplo.

Deve-se destacar, enfim, que os conceitos de fração, quociente, número racional,


produto e quociente de dimensões, escalar, função linear e n-linear, combinação e
aplicação linear assumem sentido, primitivamente, nos problemas de proporção e se
desenvolvem como instrumentos de raciocínio através do progressivo domínio dessas

16
IM/UFRJ

ações, muito antes de poderem ser introduzidos e tratados como objetos


emáticos.

A classificação das situações é resultado de considerações matemáticas e


.cológicas. Algumas distinções só têm interesse porque suscitam diferenças
ignificativas no modo pelo qual os alunos abordam situações tão diversificadas. O
óprio matemático não o leva em conta, e, se nos restringirmos à matemática
nstituída, negligenciaremos distinções muito importantes para a didática. No entanto,
ia inaceitável qualquer classificação sem sentido matemático. Um dos compromissos
e o psicólogo interessado na aprendizagem matemática deve assumir é o de
belecer classificações, descrever procedimentos, formular conhecimentos-em-ação,
lisar a estrutura e a função das enunciações e representações simbólicas, em termos .
tados de um sentido matemático. A especificidade das aprendizagens matemáticas está \
própria Matemática. Isto não significa que a teoria da aprendizagem da Matemática I
eja totalmente contida na Matemática.

Entre os campos conceituais antes evocados, as estruturas aditivas e multiplicativas


upam hoje uma posição um tanto privilegiada, já que a classificação das relações
ementares e das classes de problemas elementares é, neste campo, relativamente
ançada e reconhecida na comunidade dos pesquisadores. Ainda não se chegou lá em
lação à .lógica das classes, à geometria, ou à álgebra elementar. Há, contudo, critérios
e deveriam permitir um avanço rápido.

Antes de passarmos à última parte deste texto, não será supérfluo que
clareçamos, da melhor maneira possível, a natureza das relações mantidas por esta
. ão das situações, com a teoria das situações didáticas formalizada na comunidade
:::rancesaa partir do trabalho de Guy Brousseau.

Em princípio, uma situação didática é uma ocorrencia interessante e rica. As


relações elementares destacadas aqui e as classes de problemas que elas podem gerar só
resentam, em si, um interesse didático moderado, justamente porque são muito
ementares. São antes de tudo instrumentos para a análise das situações e para a análise
dificuldades enfrentadas pelos alunos. Toda situação complexa é uma combinação de
. ações elementares, e não se pode contornar a análise das tarefas cognitivas que
dem ser geradas por elas. Mas a organização de uma situação didática, em um projeto
oletivo de pesquisa em classe, supõe a consideração simultânea das funções
epistemológicas de um conceito, da significação social das áreas de experiência a que ele
refere, do desempenho dos atores da situação didática, dos resultados desse
esempenho, do contrato e da transposição. A tese subjacente à teoria dos campos
nceituais é, todavia, a de que um bom desempenho didático baseia-se necessariamente
o conhecimento da dificuldade relativa das tarefas cognitivas, dos obstáculos
bitualmente enfrentados, do repertório de procedimentos disponíveis e das
representações possíveis. A psicologia cognitiva é essencial.

Ao lado da idéia de diversidade, já destacamos a idéia de história como essencial a


osso propósito. Não se trata de história da Matemática, mas de história da
prendizagem da Matemática. Esta é uma história individual. Podem-se delimitar,
contudo, impressionantes regularidades entre as crianças, no modo pelo qual abordam e
atam uma mesma situação, nas concepções primitivas que fazem dos objetos, suas
ropriedades e relações, e nas etapas por que passam. Estas etapas não são totalmente

17
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

ordenadas. Não obedecem a um calendário restrito. As regularidades envolvem


distribuições de procedimentos e não são univocamente determinadas. Seu conjunto,
porém, forma um todo coerente para um dado campo conceitual. Podem-se delimitar,
especialmente, as principais filiações e as principais rupturas, o que constitui a principal
justificativa da teoria dos campos conceituais.

SIGNIFICADOS E SIGNIFICANTES

As situações dão sentido aos conceitos matemáticos, mas o sentido não se contém
nas situações em si mesmas. Ele também não está nas palavras e símbolos matemáticos.
No entanto afirma-se que uma representação simbólica, uma palavra, ou um enunciado
matemático tem sentido, ou vários sentidos, ou nenhum sentido para este ou aquele
indivíduo. Diz-se também que uma situação tem ou não tem sentido. O que é o sentido
então?

o sentido é uma relação do sujeito com as situações e os significantes. Mais


precisamente, os esquemas evocados no sujeito individual por uma situação ou por um
significante constituem o sentido desta situação ou deste significante para aquele
indivíduo. Esquemas, ou seja, comportamentos e sua organização. O sentido da adição
para um sujeito individual é o conjunto dos esquemas que ele pode acionar para tratar de
situações com que venha a confrontar-se, concementes à idéia de adição. É também o
conjunto dos esquemas que ele pode acionar para operar com os símbolos numéricos,
algébricos, gráficos e lingüísticos que representem a adição.

Uma situação dada ou um simbolismo particular não evocam em um indivíduo


todos os esquemas disponíveis. O sentido de uma situação particular de adição não é,
pois, o sentido da adição; o sentido de um símbolo particular também não. Quando se diz
que uma palavra tem determinado sentido, estamos recorrendo a um subconjunto de
esquemas e, desta forma, operando uma restrição ao conjunto dos esquemas possíveis,

Coloca-se, contudo, a questão da função dos significantes no pensamento e a da


natureza dos esquemas que organizam o tratamento dos significantes, na compreensão e
na produção. Quais funções cognitivas devemos atribuir à linguagem e às representações
simbólicas na atividade matemática?

Admite-se, com razão, que a Matemática constitui um corpo de conhecimentos


que responde a problemas práticos e teóricos propostos pela humanidade no curso da
• História. Esta é, porém, uma resposta apenas parcial à pergunta "o que é a
Matemática?", já que os significantes e a organização do discurso desempenham no caso
um papel essencial. Esclarecer a função da linguagem e dos outros significantes é, pois,
um trabalho teórico e empírico indispensável. Na teoria dos campos conceituais esta é
uma função triplice:

• ajuda à designação e, portanto, à identificação das invariantes: objetos,


propriedades, relações e teoremas;

• ajuda ao raciocínio e à inferência;

• ajuda à antecipação dos efeitos e metas, à planificação e ao controle da ação.

18
IM/UFRJ

Um esquema é, como já vimos, uma totalidade organizada que permite gerar uma
classe de comportamentos diferentes em função das características particulares de cada
situação da classe a que se destina. Isto só é possível porque o esquema abrange:

• invariantes operatórias (conceitos-em-ação e teoremas-em-ação) que dirigem


o reconhecimento, pelo sujeito, dos elementos pertinentes da situação e a
tomada da informação sobre a situação a tratar;

• antecipações da meta a atingir, efeitos esperados e eventuais etapas


intermediárias;

• regras de ação do tipo "se ... então ..." que permitem gerar a seqüência das
ações do sujeito;

• interferências (ou raciocínios) que permitem "calcular" as regras e as


antecipações a partir das informações e do sistema de invariantes operatórias
de que o sujeito dispõe.

Diz-se, classicamente, que a linguagem tem a dupla função de comunicação e


representação. Pode-se subestimar assim sua função de auxílio ao pensamento, apenas
parcialmente coberta pelas funções de representação e comunicação. Por certo a
designação _ea identificação das invariantes depende ,muito da função de representação.
Não se pode, porém, garantir que o acompanhamento de uma atividade manual ou de um
raciocínio pela linguagem dependa somente da função de representação.

Não é, de fato, em qualquer circunstância queo indivíduo exerce uma atividade de


linguagem como acompanhamento da ação. Isto se dá, sobretudo, quando ele precisa
planificar e controlar uma seqüência de ações insuficientemente dominada. Uma
atividade automatizada nunca se faz acompanhar por palavras, nem mesmo em voz
baixa. Crianças de nove anos que entenderam perfeitamente como calcular um estado
inicial, conhecendo o estado final e a transformação, não falam. Aqueles para os quais
isto ainda é um problema são muito mais prolixos (Morange, tese em curso). Pode-se
também evocar o exemplo da aprendizagem das manobras de direção de um carro. O
principiante verbaliza naturalmente o que faz ou o que vai fazer. Algumas semanas
depois já não sente essa necessidade. A atividade da linguagem favorece evidentemente o
cumprimento da tarefa e a resolução do problema enfrentado. Sem isto ela não interviria.
Tudo se passa como se a atividade da linguagem favorecesse a descoberta das relações
pertinentes, a organização temporal da ação e o seu controle. Recordamos, assim, a
função de representação da linguagem, entendida como uma função tríplice:

• representação dos elementos pertinentes da situação,

• representação da ação e,

• representação das relações entre a ação e a situação.

A linguagem representa ordens de coisas diferentes. A atividade da linguagem tem


funções variadas.

19
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

Centralizaremos nossa atenção nas informações pertinentes e nas operações do


pensamento, porque elas constituem o esqueleto da atividade intelectual:

• as informações pertinentes são expressas em termos de objetos


(argumentos), propriedades e razões (funções proporçionais), ou de
teoremas (proposições); ~)

• as operações de pensamento, em termos de seleção das informações,


inferência, aceitação ou recusa das conseqüências, bem como em termos de
indicação das operações a realizar, dos resultados ou objetivos a atingir, da
decomposição em etapas dos processos de tratamento: "faço isto, depois
isso, então terei aquilo, etc.".

A atividade da linguagem exprime também outros aspectos importantes, como a


implicação do sujeito na tarefa ou no julgamento emitido, seus sentimentos, sua
estimativa de plausibilidade de uma hipótese ou conclusão e, ainda, o relacionamento
destes elementos entre si. Só abordaremos aqui o problema de expressão e da
simbolização dos conceitos, teoremas e objetos, analisando um pouco mais atentamente
o exemplo da pesquisa de um estado inicial quando a transformação é negativa.

"Mélanie comprou um doce na confeitaria. Pagou Cr$ 8.000,00.


Contou o que sobrava na bolsa e achou Cr$ 7.000,00. Ela se pergunta
se não perdeu dinheiro e tenta saber quanto tinha antes de comprar o
doce."

Consideremos primeiro alguns registros e diagramas possíveis:

a)7+8=0 b)LlI~O

c) 8 + 7 =O .d)~D
7 8

Todas essas formas são aceitáveis, mesmo se desigualmente observadas., Ao


mesmo tempo elas são pouco úteis, pois representam a solução do problema. A escolha
da operação de adição ocorre necessariamente antes que a equação ou o diagrama seja
escrito, mesmo que ainda não tenha sido calculado o resultado da operação numérica. O
interesse destes registros escritos está apenas nas contribuições que eles trazem
eventualmente à objetivação da relação entre a solução e os dados numéricos e, não, da
relação entre a solução e o problema.

Se tentarmos representar o problema, temos que optar entre duas simbolizações:

e)O- 8 = 7
f)O @ '[7]

20
IM/UFRJ

Não existe, aliás, possibilidade de representar o problema com os diagramas


:rtilizados em (d). Eles só permitem a simbolização de grandezas positivas, não das
:ransformações negativas.

Se, por fim, temos a ambição de representar a passagem da representação do


blema à representação da solução, a simbolização (e) nos leva, seja à álgebra

D -8=7
D -8 + 8 = 7 + 8
D =7+8

seja a adivinhar o valor do quadrado em O - 8 = 7. Esse jogo de adivinhação não é


[ável, além de que não pode ser generalizado para números maiores: O - 155 = 87.

Já que não se pode querer ensinar a crianças de 7 anos o caminho algébrico que
a do problema O - 8 = 7 à solução O = 7 + 8, temos que, ou abandonar qualquer
'ia de representação simbólica desse encaminhamento, ou adotar a única representação
sível a essa idade:

@ .
D-----+~0
.... .;
...._-*"
+8

pondo, então, em evidência a reciprocidade da adição e da subtração como


perações unitárias.

Abandonar a ambição de representar simbolicamente as transformações e as


elações negativas levaria, inevitavelmente, caso o professor e os manuais continuassem
a utilizar representações simbólicas para os outros objetos matemáticos, a excluir do
ensino as situações que acionam transformações e relações negativas, sobretudo no caso
e muitas transformações sucessivas: muitas compras, muitos jogos de bola de gude,
muitas entradas e retiradas num estoque, etc. Ora, as representações simbólicas têm,
justamente, a vantagem de auxiliar a resolução de um problema quando os dados são
muito numerosos e quando a resposta à questão colocada envolve numerosas etapas.
Excluir as transformações e as relações negativas levaria a um deplorável
empobrecimento do ensino de Matemática.
//
Por outro lado, as representações simbólicas em apenas uma função de auxílio na
resolução de problemas complexos. São também meios de identificação mais clara dos
objetos matemáticos decisivos para a conceitualização. No caso das relações estruturas
aditivas:

• relações parte-parte-todo;

21
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

~}D
• relações estado inicial-transformação-estado final e a reciprocidade das
operações de adição e subtração;

o
o•.. - _o
..
----------

• relações referido-relação de comparação-referente e a reciprocidade das


relações quantificadas "mais n" e "menos n";

• a distinção entre as medidas (nunca negativas) representadas por quadrados,


e as transformações ou relações (positivas ou negativas) representadas por
círculos, dentro das quais o número é sempre precedido por sinal positivo ou
negativo.

Se o professor e o aluno não dispõem desses símbolos, são levados a recorrer a


variadas formas de linguagem natural: verbos para as transformações (ganhar, perder,
consumir), formas comparativas para as relações (ter mais n ... que), formas atributivas
para os estados e medidas (ter n bombons, medir x metros), conjugadas no imperfeito,
no presente ou no futuro. Podem também empregar advérbios (agora, depois, antes) etc.

Todo esse instrumental de linguagem é excelente para veicular a informação, tanto


~J na expressão da solução ou nas verbalizações que acompanham o raciocínio, quanto no
• próprio enunciado do problema. Essas formas lingüísticas, porém, serão analisadas como
instrumentos do pensamento, não como objetos do pensamento. Visto que a
conceitualização matemática não se limita à compreensão das relações e propriedades
como instrumentos, abrangendo também a transformação desses instrumentos em
objetos do pensamento (Douady, 1986), não podemos ficar indiferentes aos meios de
que dispõem professor e aluno para tal transformação. Na aprendizagem da
racionalidade científica, o metacognitivo faz parte do cognitivo.

Pode-se falar de um estado inicial de várias maneiras:

22
IM/UFRJ

• utilizando o imperfeito e uma oração subordinada: "Quanto tinha Melanie


antes de comprar aquele doce?";

• designando esse estado por um pronome, um complemento e um advérbio:


"o que ela tinha antes";

• referindo-se expressamente a "estado inicial", "ponto de partida", etc.

Existem, pois, na linguagem natural, meios de transformar esses conceitos-


instrumentos em conceitos-objetos, sobretudo na nomeação. Entretanto o simbolismo
dos diagramas com quadrados, círculos, flechas e chaves é particularmente eficaz para
essa transformação das categorias de pensamento em objetos de pensamento. Para a
expressão das transformações, não é a mesma coisa empregar a forma verbal "pagou" no
passado, falar em "o gasto" (nomeação), ou designar toda transformação por um único
signo ) . A invariância do significante possibilita melhor identificação do
significado e sua transformação em objeto do pensamento.

o mesmo teorema pode ser representado de várias outras maneiras, por exemplo:

a) o estado inicial é o estado final acrescido do que se gastou ou perdeu, e


diminuído do que se recebeu ou ganhou;

b) F = T(I) ~ I = rl(F)
c)
@ .
o <3 -O O
, -O
,....•. _--",,"'"
' .•. ---" '"

Percebe-se facilmente que tais formas não são equivalentes para os alunos. A
segunda forma está fora de alcance para alunos do primário; a primeira não possui o
laconismo e a economia da terceira. A pertinência do simbolismo e da linguagem é
relativa aos conhecimentos e ao desenvolvimento cognitivo do aluno.

Tomemos um último exemplo entre as estruturas multiplicativas com a fórmula do


volume do prisma reto - o volume é o produto da área da base pela altura: V = AR.
Examinemos, em seguida, uma das leituras possíveis desta fórmula: "o volume é
proporcional à área da base quando a altura é constante, e à altura quando a área da base
é constante".

Sabe-se que raramente se faz essa leitura bilinear nos manuais, embora seja
conceitualmente essencial: V(A.I, H.I) = AR V(I, 1); o volume do prisma com área de
base igual a A vezes a unidade de área e altura igual a H vezes a unidade de
comprimento é igual a AR vezes a unidade de volume construída canonicamente como o
produto da unidade de área pela unidade de comprimento.

Como o volume A(I, 1) é igual a 1, deduz-se que V(A, H) = A.H. Esteraciocínio


está totalmente relacionado à dependência linear do volume diante das variáveis área de
ase e altura, independentes entre si.

23
10 Seminário Internacional de Educação Matemática

No quadro de dupla proporcionalidade visto a seguir, observa-se facilmente


que o volume é proporcional à área da base quando a altura se mantém constante.

Área da base

1 6 10 12

Altura 2 Volume

6 6 36 60 72

E também que o volume é proporcional à altura quando a área da base se mantém


constante.

Área da base

1 6 10 12

1 6

Altura 2 12 Volume

4 24

6 36

É claro que uma leitura como esta não está ao alcance de alunos de quinta série
que só dispõem da fórmula V = AR.

Poderíamos fornecer outros exemplos. Limitar-nos-emos para terminar, a formular


a seguinte tese: o simbolismo matemático, a rigor, não é nem uma condição necessária,
nem uma condição suficiente para a conceitualização. Contribui, contudo, de modo útil,
para essa conceitualização, sobretudo para a transformação das categorias de
pensamentos matemáticos em objetos matemáticos. A linguagem natural é o meio
essencial de representação e identificação das categorias matemáticas, mas não possui,
como os diagramas, as fórmulas e equações, o laconismo indispensável à seleção e ao
.
tratamento das informações e relações pertinentes .

Essa importância atribuída ao simbolismo não impede que, em última análise, a


ação do sujeito em situação constitua a fonte e o critério da conceitualização.

CONCLUSÃO

A teoria dos campos conceituais baseia-se em um principio de elaboração


pragmática dos conhecimentos. Não se pode teorizar sobre a aprendizagem da

24
IM/UFRJ

Matemática apenas a partir do simbolismo, nem apenas a partir das situações. Deve-se
considerar o sentido das situações e dos símbolos. A chave é considerar a ação do sujeito
em situação e a organização de seu comportamento. Daí a importância atribuída ao
conceito de esquema.

Totalidade dinâmica e funcional, o esquema não prescinde da análise. Organizando


o comportamento do sujeito, ele abrange regras de ação e antecipações. Isto, porém, só
é possível, porque uma representação implícita ou explícita do real analisável em termos
de objetos, categorias-em-ação (propriedades e relações) e teoremas-em-ação é parte
integrante do esquema. Tais invariantes operatórias organizam a busca da informação
pertinente em função do problema a resolver ou do objeto a atingir, além de balizar as
inferências.

o funcionalismo cognitivo do sujeito em situação depende do estado de


seus conhecimentos, implícitos ou explícitos. Deve-se, pois, dar grande atenção
ao desenvolvimento c ognitivo , a suas continuidades, rupturas, passagens
forçadas, à complexidade relativa das classes de problemas, procedimentos e
representações simbólicas, à análise dos erros principais e dos principais
msucessos.

É fecundo e legítimo pesquisar as afinidades e rupturas no interior de um conjunto


de situações organizadas por idéias, elas próprias afins, nas quais os procedimentos,
representações e formulações possam derivar racionalmente uns dos outros. Um
conceito não assume sua significação em uma só classe de situações, e uma situação não
é analisada por meio de um conceito único. É preciso, p.ois, tomar como objetos de
pesquisa conjuntos relativamente amplos em situações e conceitos, classificando os tipos
de relações, classes de problemas, esquemas de tratamento, representações lingüísticas e
simbólicas, e os conceitos matemáticos que organizam o conjunto. As estruturas aditivas
e as estruturas multiplicativas constituem, em princípio, os dois principais exemplos de
campos conceituais, mas as ciências oferecem numerosos outros exemplos.

O homomorfismo entre o real e a representação não deve ser estudado a princípio


no nível dos simbolismos, mas no nível das invariantes operatórias contidas nos
esquemas.

É aí que se situa a principal base da conceitualização do real. Por isso nunca é


demais insistir na necessidade de acionar, nas situações didáticas significativas, os
conceitos que se quer ensinar, bem como na necessidade, para isto, de analisar as tarefas
cognitivas encontradas pelo sujeito. Não se pode escapar à classificação das relações,
dos problemas e das operações de pensamento necessárias à sua solução.

Os esquemas organizam o comportamento do sujeito para uma classe de situações


dada, mas também organizam, ao mesmo tempo, sua ação e a atividade de representação
simbólica, sobretudo lingüística, que acompanha essa ação. Uma criança de 5 anos
enumera contando em voz alta; um aluno de 12 anos trata uma equação algébrica
escrevendo no papel e murmurando. De um modo geral, o tratamento de uma situação
nova se faz acompanhar por uma atividade lingüística e simbólica. Esta atividade é
eventualmente interiorizada. Ela é tanto mais importante e manifesta, quanto mais nova é
a situação e menos automatizado o tratamento. A solução de problemas muito novos é

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10 Seminário Internacional de Educação Matemática

impossível sem a linguagem, sobretudo quando essa solução evoca conceitualizações


novas e a transformação de certos elementos em objetos de pensamento bem
identificados.

A linguagem tem, de antemão, uma função de comunicação, e a aprendizagem


Matemática é uma aprendizagem fortemente socializada. Essa função de comunicação,
todavia, não pode exercer-se utilmente sem apoiar-se em outra função da linguagem,
que é a de representação. Em relação com essas duas funções, observa-se uma terceira
função da linguagem: o auxílio ao pensamento e à organização da ação. Esta função se
apoia, por sua vez, na função de representação, mas o que é então representado são os
elementos da ação levada em conta, a ação e suas relações. A linguagem e os símbolos
matemáticos têm, pois, um papel na conceitualização e na ação. Sem os esquemas e as
situações, elas não teriam sentido.

BIBLIOGRAFIA

BROUSSEAU G. (1986) Fondements et méthodes de Ia didactique des


mathématiques, Recherches en Didactique des Mathématiques, 7/2, pp. 33-
115.

DOUADY R. (1986) Jeux de cadres e dialectique outil-objet, Recherches en


Didactique des Mathématiques, 712, pp. 5-31.

PIAGET J. (1967) Biologie et Conaissance, Paris, Gallimard (sobretudo o


capítulo V sobre a epistemologia dos níveis elementares de
comportamento).

VERGNAUD G. (1981) L'enfant, Ia mathématique et Ia realité, Berna, Peter


Lang.

VYGOTSKI (1986)Langage et Pensée, Paris, Editions Sociales Messidor.

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DEBATE SOBRE A PALESTRA DO PROF .. G.
VERGNAUD

Participaram como debatedores :

• Circe Navarro Vital Brazil (UERJIUSU - Brasil)


• Frank Lester Jr. (Indiana University - USA)
• Jorge Tarcísio Falcão (UFPE - Brasil)

Segue a intervenção do Prof Frank Lester Jr. :

" My reaction will be very different from that of the other persons who have been
ed to respond to Professor Vergnaud's lecture. In general, 1 have no argument with
of the main points he addressed in bis lecture, but bis comments did cause me to
raínk about some issues that I tbink are very important for those of us who are intercede
mathematics education research.
Let me begin by saying that my responsibility as the editor of a major-research
. mal is to help the mathematics education community establish standards of quality for
earch . Tbis responsibility is especially important today because mathematics
ucation is no longer the exc1usive domain of mathematicians and psychologists. In fact,
is becoming increasingly common to find anthropologists, cognitive scientists,
iologists, and pbilosophers engaged in research in our field. One standard that seems
mmon across disciplines is a fundamental concern for embedding research in sound
eoretical/conceptual frameworks to guide the inquiry and to assist in interpreting
_ ults. V ergnaud' s work on conceptual field theory stands as one of the most carefully
developed theories of mathematics learning that exist. N ovice researchers in search of the
eory to guide their investigations would do weIl to learn about Vergnaud's efforts.
1 do have some mino r points to raise with respect to bis presentation. First, he
stated that dichotomies such as routine - novel problems, novice - expert, and procedural
- dec1arative knowledge are not helpful and should be discarded. 1tend to agree, but I
.sh to point out that sometimes it is useful to pose dichotomies in order to establish
'naive" models of learning, in domain. Of course, a naive model is always wrong, but
e establishment of such a model provides the researcher with the starting point from
wbich to begin work on more sopbisticated models. Moreover, there is practical value in
distinguisbing between routine and novel problems for teachers in order to make them
aware that there is a range of types of activities wbich students need to be exposed to.
There is also practical value to be gleaned frorn contrasting procedural and dec1arative
knowledge or procedural and conceptual knowledge.
Second, 1 am concerned by bis apparent failure to inc1ude aspects of control
(metacognition) in bis development ofthe notion of conceptual field. In my view, control
processes are the "glue" that holds together a conceptual field and wbich enables the
individual to form connections between concepts, procedures and symbolic
representations. 1 hope he wiIl begin to tbink about how control processes can be
integrated into bis theory."

Obs.: Os demais debatedores não forneceram cópia de suas intervenções.

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